Modelando o Brasil: Políticas do Estilo Nacional

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Modelando o Brasil: Políticas do Estilo Nacional
Modelando o Brasil: Políticas do Estilo Nacional
Rita Andrade
Preparado para o Congresso da LASA - Latin American Studies Association
San Juan, Porto Rico, 15 a 18 de Março, 2006
Num discurso globalista, a moda brasileira da segunda metade do século vinte procura
inscrever-se na esfera totalitária da moda internacional. Quando, no início de 2003, o
estilista brasileiro Walter Rodrigues expôs no Museu de Arte Moderna de São Paulo uma
seleção de peças de suas coleções de verão de 2000 a 2002 sob o tema ‘Construtivismo
e a forma como roupa’, ele não poderia estar melhor concatenado com as linguagens
plásticas universais que procuravam associar o design de moda com a arte. Essa
associação ocorreu de formas variadas ao longo do século vinte, mas foi nas suas últimas
décadas e nos anos iniciais de nosso século que houve uma certa institucionalização da
moda-arte. O Victoria & Albert Museum de Londres, por exemplo, deu início em 1999
a um projeto de preservação da memória da moda contemporânea através da aquisição
de coleções de designers cujos trabalhos fossem considerados pelas curadoras do
museu como representativos do ‘melhor design’ atual, aquele que poderá demonstrar a
posteridade o que de melhor havia em nossa época.
Aparentemente, a arte legitima a moda como algo que possa ser internacionalizado
não apenas temporalmente, mas, sobretudo, espacialmente. A arte, afinal das contas,
é universal. Associar o design de moda a arte deverá ser, portanto, uma estratégia
freqüentemente utilizada para cunhar a roupa com a eternidade de suas feições plásticas
ou, algumas vezes, discursivas, não sendo possível reconhecer, por exemplo, se tal roupa
é brasileira, americana, africana. Ela representa, como no exemplo de Walter Rodrigues,
o construtivismo traduzido para as formas de vestir e o construtivismo como linguagem
artística, sua plasticidade geométrica, linhas precisas que confiram a sua criação a
aparência da a-nacionalidade ou da não-nacionalidade.
Além da arte, o corpo tem estado similarmente presente na pauta atual da moda
brasileira. Em sua coleção de inverno 2002 apresentada na São Paulo Fashion Week
– SPFW – de fevereiro daquele ano, o estilista mineiro Ronaldo Fraga tomou o corpo
como mote de suas criações. Com o titulo de ‘Corpo Cru’, o estilista fez desfilar roupas
estampadas de carne moída, cortada, partes do corpo, texturas de pele e pelos, numa
alusão explicitamente dirigida á questão do corpo presente na moda como suporte para
as roupas. A jornalista de moda e estilo de vida, Carol Garcia, assim descreveu o interesse
de Ronaldo Fraga pelo corpo: ‘Fraturando a continuidade das tendências que tornam
as vontades do corpo sorrateiras com seus moldes e modelões, Fraga faz com que estas
se desnudem através da roupa, entendida como segunda pele. (...) Seja sob os holofotes
dos desfiles do São Paulo Fashion Week ou no anonimato dos que fazem da rua a sua
passarela, essa roupa-pele, palco de metamorfoses em narrativas múltiplas, articula uma
rede de contaminações e sedutoramente faz os sentidos agirem em coalescência.’ (Garcia
2002 snp).
Para explorar ainda mais enfaticamente a urgência de tomarmos consciência do
corpo no design da moda, Ronaldo Fraga fez com que suas roupas fossem desfiladas
não por manequins vivas, mas por moldes de madeira com um desenho figurativo de
corpos que passeavam na passarela movidos por uma estrutura mecânica que “carregava”
esses corpos inanimados e vestidos até alcançarem os limites da passarela. A ausência
do corpo amplificou a sua presença no palco (Garcia 2002). O interesse de Fraga pelo
corpo acompanhou movimentos semelhantes que elevaram o corpo ao status de arte
simultaneamente em diversas localidades do globo. Seis meses antes da apresentação de
seu desfile-espetáculo, acontecia uma exposição em Nova York que celebrava o corpo
como a primeira superfície do design. Intitulada Skin: surface, substance and design
o Cooper-Hewit National Design Museum agrupou objetos representativos de várias
vertentes do design cuja temática fosse o invólucro de nosso corpo ou, melhor dizendo,
a pele. Ellen Lupton, uma das curadoras da exposição, assim disse da importância atual
desse gigantesco órgão que cobre nosso corpo: ‘SKIN is a multilayered, multipurpose
organ that shifts from thick to thin, tight to loose, lubricated to dry, across the landscape
of the body. Skin, a knowledge-gathering device, responds to heat and cold, pleasure and
pain. It lacks definitive bondaries, flowing continuously from the exposed surfaces of the
body to its internal cavities.’ (Lupton et al. 2002: 29).
Assuntos tão complexos, híbridos e elásticos quanto a pele e a arte, podem facilitar
a adoção de estilos tidos como universais, globalizantes e, assim, conferir ao design
brasileiro uma dose razoável de internacionalidade, tão almejada pelos designers de ponta
do país. Ao menos sob o olhar da mídia nacional, exemplos como os de Walter Rodrigues
e Ronaldo Fraga dão ao cenário brasileiro da moda uma veia global e acredita-se mesmo
que, por se tratar de um design sem o estereótipo brasileiro de carnaval, samba e a
mulata, ele tenha uma abrangência que ultrapassa os limites das fronteiras geográficas.
A busca pela internacionalização ou a fuga aos estereótipos que tão fortemente
marcam o design brasileiro, pode parecer afastar esse design de uma certa brasilidade
que seria exatamente o ingrediente essencial que atrairia a atenção mundial. Afinal,
todos reconhecemos o sabor acentuado da champagne francesa, as linhas mais limpas do
design de roupas americano, a predileção pelo uso de cores vibrantes dos italianos. O que
seria ou, quais seriam, então, as características daquilo que poderia ser reconhecido como
brasileiro?
O desejo de brasilidade é parte das aspirações de expoentes da moda brasileira
há algumas décadas, mas, especialmente nos últimos vinte anos, os brasileiros têm
procurado entender e explorar melhor suas feições nacionais, exatamente aquelas que
garantiriam um lugar no mundo globalizado. O estilista Jum Nakao, cuja coleção de
verão 2004 teve a melhor repercussão nos últimos anos de São Paulo Fashion Week,
assim disse a respeito da moda brasileira em recente entrevista: ‘A moda brasileira nunca
teve o espaço que tem hoje na mídia. Isso promove. Todo mundo quer fazer moda. É
um dos segmentos que mais empregam, direta ou indiretamente. O mercado se articula,
há uma mobilização para a profissionalização. Mas, no sentido global, ainda estamos
engatinhando. Precisamos nos organizar para que a moda cresça como negócio. O
governo deve criar incentivos. O calendário deve ser reestruturado. Aqui, em três meses,
você tem de apresentar a coleção, vender, produzir, entregar. Na Europa, as pessoas
têm seis meses. É preciso que a cultura de moda se sedimente. As escolas buscam
gerar reflexão, mas o jornalismo tem responsabilidade na conduta desse olhar. A crítica
construtiva é baseada em critérios construtivos. O problema aqui é a falta de critérios.
Tem muito jabazeiro no mercado.’.
Nesse depoimento encontramos os elementos que compõe as políticas regentes
do estilo nacional contemporâneo, quais sejam: as escolas de moda, a criação de um
calendário oficial (ou oficioso) de moda no país, a influência nem sempre positiva do
jornalismo nacional de moda e, por último mas não menos importante, a posição do
governo e das associações ligadas ao setor com relação ao desenvolvimento de uma
moda brasileira e a sua profissionalização como veremos a seguir.
A formação acadêmica em Moda no Brasil
A grande maioria da literatura de moda disponível em português evidencia a
popularidade que o assunto vem ganhando nas últimas duas décadas. Das biografias de
estilistas aos livros de referência histórica, é principalmente a linguagem novelística e
romantizada que caracterizam esses textos e que facilitam a popularização desta área de
estudo. A pouca variedade de temas publicados e traduzidos para o português apenas
propaga um velho hábito. Até pouco tempo, a teoria e estudos mais aprofundados ainda
ficavam restritos àqueles que lêem um outro idioma e que eventualmente participam de
encontros internacionais na área. Isto supostamente determinava a lentidão e o acaso
que permitiam de vez em vez que compartilhássemos das novas idéias teóricas que
oscilam predominantemente entre Inglaterra, França e Estados Unidos. Os resultados
desses percalços até então tinha sido um desencontro entre especialistas e a estagnação
do currículo empregado nos cursos de moda no Brasil, que ainda contam com James
Laver como um dos principais títulos da bibliografia básica exigida.
O panorama atual da Moda na academia brasileira, porém, começa a delinear novos
caminhos, estes muito mais integrados às vanguardas internacionais que tratam a Moda
como uma área de estudo acadêmica. Discussões recentes e publicações mais ágeis
agora estão mais acessíveis ao público brasileiro. Um exemplo disso é o lançamento no
Brasil da revista acadêmica e multidisciplinar de moda Fashion Theory. Originalmente
publicada em inglês, essa revista que conta com colaboradores do mundo inteiro está
desde março de 2002 disponível em português e sendo utilizada por professores, alunos
e pesquisadores brasileiros.
A Moda como área de estudo acadêmica no Brasil está realmente em ascensão.
Além dos cursos de graduação, multiplicam-se os núcleos e centros de estudos de
moda Em São Paulo, por exemplo, existem pelo menos três núcleos de estudo em Moda
dentro desse perfil: o Núcleo de Pesquisa e Memória da Moda da Universidade Anhembi
Morumbi, o Centro de Estudos da Moda da Universidade de São Paulo, o NIDE M Núcleo Interdisciplinar de Estudos de Moda.
O Núcleo de Pesquisa e Memória da Moda da Universidade Anhembi Morumbi foi
criado a partir do crescimento pelo interesse em pesquisa acadêmica percebido através
da revista digital ModaBrasil (http://www.modabrasil.com.br) criado pela coordenadora
dos projetos de Moda on-line da Universidade Anhembi Morumbi, Káthia Castilho e pela
jornalista Carol Garcia, lançado pela universidade em agosto de 1996. As possibilidades
de trocas de experiências de pesquisa através de uma rede de relacionamentos divulgados
por esta revista já renderam publicações como o livro Moda Brasil e o Encontro ‘Pesquisa
de Moda no Museu’ realizado no Museu Histórico Nacional do rio de Janeiro em agosto
de 2001, além do curso de pós graduação on-line em Moda e Comunicação que tem
alunos de diferentes cidades, Estados e países.
O Centro de Estudos da Moda, instituído na Escola de Comunicações e Artes da
Universidade de São Paulo, em março de 2000, é o prolongamento institucional do
laboratório de mesmo nome, que funcionava até aquele momento, informalmente. A
partir de 1995 se iniciaram ali os primeiros projetos, trabalhos, cursos e pesquisas no
campo da moda, da roupa e da indumentária. O Centro, que deixou de existir com o
formato inicial em 2002, deu origem ao curso de ‘Tecnologia Têxtil e da Indumentária’
ministrado no novíssimo Campus Leste, com primeira turma iniciada em 2005.
Já o NIDEM, formado em 1997 por um conjunto de pesquisadores de diferentes
especialidades e sediado na Universidade Paulista, Unip, divulga através de site a
pesquisa acadêmica sobre moda produzida por seus colaboradores. Um dos projetos
atuais deste núcleo é Projeto de Pesquisa Moda Contemporânea e construção
interdisciplinar: pela constituição de um campo científico para a moda, coordenado
por Solange Wajnman e que conta com o auxílio do “Programa de apoio a jovens
pesquisadores em centros emergentes” da FAPESP.
Apesar do pioneirismo de São Paulo nesta área, com a criação dos primeiros cursos
de Moda no início da década de 1990 pela Universidade Anhembi Morumbi (Moda com
ênfase em negócios) e pela Faculdade Santa Marcelina (Moda com ênfase em design), a
profusão de cursos e núcleos de Moda no meio acadêmico não é um caso isolado de São
Paulo. Os curso superiores de Moda estão presentes também em outros Estados como no
Rio de Janeiro - Faculdade Veiga de Almeida, Universidade Estácio de Sá e Universidade
Cândido Mendes - e já chegaram às Instituições públicas, como na Universidade Estadual
de Londrina, Universidade Estadual de Santa Catarina e na Universidade Federal do Ceará
além de centros de estudos como o da Universidade Federal de Goiás.
Além dos cursos de graduação em Moda, a integração entre professores e
pesquisadores da área está gerando núcleos de pesquisa e discussão sobre Moda
espalhadas pelo Brasil. Um exemplo disso é a Sociedade Brasileira de Estudos em Moda
– SBEM, criada em Florianópolis em outubro de 1998. Esta sociedade é talvez a pioneira
em reunir profissionais de vários Estados com o objetivo de aperfeiçoamento na área
de Moda, promoção de estudo e extensão relacionados ao ensino, pesquisa e produção
acadêmica.
Hoje as instituições que oferecem cursos de graduação e pós-graduação lacto sensu
em moda no Brasil chegam a 43, sendo que a maior parte deles concentra-se na região
sudeste, especialmente entre São Paulo (13 instituições) e Rio de Janeiro (5 instituições),
exatamente as duas cidades que primeiro criaram os grandes eventos de apresentação de
coleções: o São Paulo Fashion Week (1996) e o Fashion Rio. Dados recentes indicam que
dessas escolas movimentam cerca de R$ 60 milhões por ano e formam anualmente cerca
de oito mil profissionais, sendo que cerca de cinco mil deles são provenientes das escolas
de São Paulo . As áreas de formação dividem-se em três grandes grupos, a saber, Design
de Moda, Marketing e Varejo de Moda e Produção e Styling de Moda.
A área Design de Moda dedica-se ao ensino dos aspectos criativos do trabalho
de Moda, como a concepção temática de coleções, desenho, modelagem e costura.
A área de Marketing e Varejo de Moda dedica-se aos aspectos administrativos e de
comercialização da Moda e oferece disciplinas como administração e marketing, gestão
empresarial, custos e finanças. Já Produção e Styling de Moda, a mais jovem das três
áreas, dedica-se ao ensino de habilidades e competências voltadas para a concepção,
elaboração e realização de eventos midiáticos relacionados a moda, como desfiles,
feiras especializadas, editoria de revistas, jornais e periódicos especializados, produção
fotográfica.
Apesar de cada uma das áreas ofertar disciplinas mais específicas em suas atuações
no mercado, existem disciplinas ditas ‘de base’ que operam igualmente em qualquer curso
de Moda no país, são elas: Introdução a Moda, História da Moda e da Indumentária,
Laboratório de Criação e Tecnologia Têxtil. Em alguns cursos como, por exemplo, os das
maiores escolas de Moda em São Paulo, disciplinas como modelagem básica é obrigatória,
sob a justificativa de que mesmo um administrador de empresas da área deve ser capaz
de identificar defeitos de modelagem evitando prejuízo na compra de mercadorias.
Um dos problemas ainda encontrados no formato dos cursos de moda no país é
a quase total ausência de conteúdo voltado para as práticas de produção da indústria
nacional e para a compreensão da cultura brasileira, seus reflexos e sua presença
na moda . Ora, se há um movimento perpassando a cadeia têxtil nacional para o
desenvolvimento de uma moda dita “brasileira”, se isto é demonstrado pelo aparecimento
de um calendário de eventos de moda, como veremos mais adiante, e se há uma
exploração da mídia no sentido de apontar os aspectos característicos da moda brasileira,
porque, então, justamente na formação de profissionais da área, não há ênfase nos
conteúdos que poderiam de fato contribuir para o desenvolvimento do design brasileiro?
Esse paradoxo é sentido nas escolas e também pelos profissionais que quase
obrigatoriamente freqüentam encontros de divulgação de tendências internacionais
de moda, uma prática comum que acontece em São Paulo e Rio de Janeiro. Sobre a
contradição entre a criação de estilos nacionais e a realidade da apropriação e, não raro,
cópia das tendências mundiais, assim se manifestou Elisa Penna, especialista em moda
que escreva para o Planeta Rio (abril de 2003): ‘Participei de um seminário no Senac/
Rio e saí de lá meio indignada. Falava-se o tempo todo na busca da Brasilidade, que o
caminho da moda brasileira “não é se espelhar na Europa e nos Estados Unidos, mas sim
buscar seus próprios rumos”. E que a indústria tem que procurar o “feeling Brasil”. Achei
um tanto irônico, porque muitas expressões usadas nos debates eram em inglês – embora
houvesse equivalente em português...(a primeira falta de brasilidade). Outra ironia é que,
se a indústria de moda deve buscar seu próprio caminho, a brasilidade, a originalidade
de nosso país e a criatividade de cada um, então porque raios existe esse seminário de
tendências?!’.
Falta, de fato, a indústria nacional uma certa coerência entre discurso e ação no que
se refere à empreitada do desenvolvimento da brasilidade a que se refere Elisa Penna.
Essa dicotomia não é, porém, restrita a indústria, mas perpassa toda a cadeia têxtil,
iniciando pelas escolas, eventos, jornalismo e chegando as políticas governamentais de
incentivo a industria nacional.
Como foi demonstrado acima, é muito recente a formação de núcleos e centros
de estudos na área acadêmica de Moda no Brasil. Esta situação em que a Moda se
encontra atualmente, ou seja, em processo de consolidação como área de estudo
dentro de instituições acadêmicas, não é um caso brasileiro. Foi a partir da década de
1990 que a proliferação de cursos de graduação em Moda amparada por um mercado
internacionalizado e mais consciente do papel da formação profissional nesta área,
promulgou a discussão e produção acadêmica especializada.
É claro que o objeto de estudo da Moda pede uma multiplicidade de áreas de
conhecimento e de abordagens que ainda encontram barreiras em setores mais
tradicionais do universo acadêmico. Existem aspectos da Moda que não conseguem
ser esclarecidos apenas com o uso de material escrito e visual, fontes mais comumente
usadas em estudos acadêmicos. A análise de um objeto como uma roupa, por exemplo,
pode prover evidência da tecnologia de manufatura, uso de matéria-prima, modelagem e
qualidade de acabamento de um determinado período histórico.
Mas para que a Moda tenha um papel representativo dentro de uma pesquisa
rigorosa, é necessário que ela seja administrada como documento dentro de uma
metodologia de pesquisa, na busca de uma sistematização de conhecimento com rigor
acadêmico. E está justamente no método de análise que o objeto pode distanciarse da
fonte tradicional de pesquisa, pois que o estudo de um objeto inevitavelmente leva a um
contato muito próximo do pesquisador com o pesquisado. A relação do pesquisador com
o objeto não é apenas intelectual, mas é antes de qualquer coisa física e empírica. Talvez
isso explique parcialmente a resistência das vertentes mais conservadoras em aceitar a
moda como área de estudo acadêmica. A mancha e o desbotamento do tecido são ainda
sem sentido aos habituados à poeira dos papéis e dos livros.
Enquanto que nas universidades inglesas os artefatos têxteis tem sido parte
integrante de alguns currículos (Lesley Miller 2005), no Brasil ainda não há a inclusão de
estudos baseados em objetos através dos currículos em universidades. Com exceção de
‘Tecnologia Têxtil’, as disciplinas dos cursos de graduação e pós-graduação dividem-se
entre ‘teóricas’ e ‘práticas’ sendo as primeiras dedicadas ao estudo da história geral da
moda, administração, marketing, desenvolvimento de produto, e as últimas dedicadas
especialmente ao aprendizado do corte e da modelagem de roupas. A primeira introdução
de metodologia de interpretação de objetos empregados no estudo de tecidos e roupas
aconteceu com a formação da primeira turma do curso de extensão ‘Moda e Cultura
Material’ em 2001 cuja autoria e tutoria são de Rita Andrade e que primeiro foi ofertado
pelo SENAC , SP e depois foi adaptado para o curso de pós-graduação on-line Cultura de
Moda da Universidade Anhembi Morumbi também em São Paulo, dessa vez com o título
de ‘Moda, Consumo e Cultura Material’ (2004).
As evidências materiais de um objeto podem sugerir novas pistas na busca histórica,
pistas que não estão presentes em outros tipos de fontes, como os documentos escritos
e iconográficos. Além disso, priorizar a própria roupa como fonte histórica dentro de um
trabalho de pesquisa é reconhecer, finalmente, o papel fundamental e central desta fonte
na história e no cotidiano da moda. A reflexão a respeito do riquíssimo valor histórico
que está naquilo que vestimos é um excelente caminho no estudo e na preservação do
nosso patrimônio cultural brasileiro através da moda.
A criação do Calendário Oficial (ou Oficioso) da Moda no Brasil
A vontade de criar uma moda brasileira não é nova e pode ser localizada na história da
moda brasileira desde pelo menos o final do século dezenove e o início do vinte, quando
surgiram os primeiros periódicos nacionais especializados em moda e foram instaladas as
primeiras lojas de departamentos no país. Só foi a partir da segunda metade do século
vinte, entretanto, que ações concretas foram tomadas para que a moda brasileira de fato
tomasse corpo.
Quando a loja de departamentos Mappin Stores foi instalada na região central de
São Paulo em 1913, a cidade de cerca de 239.000 habitantes contava com poucas lojas
especializadas em artigos de moda . Em geral, as lojas vendiam tecidos de algodão para
vestidos simples e tecidos importados de tipos variados (mousselines, rendas, sedas, e
até lã) pata toiletes mais refinadas atendendo especialmente as elites da cidade. A Revista
Feminina, por exemplo, anunciava nomes como os de “M.ma Revelli” e “M.me Giselda” ,
modistas que transformavam tecidos em modelos muitas vezes encontrados na própria
revista que contava ainda como um editorial chamado ‘A Moda’ assinado por ‘Marinette’
relatando as ultimas tendências internacionais que havia percebido em suas viagens
a Paris, Nova York, Madrid, Barcelona, Milão e Londres e passava a suas leitoras com
ilustrações de roupas e acessórios. O afrancesamento dos nomes de modistas, com o uso
de Mme, a divulgação em revistas femininas das tendências de moda estrangeiras são
indicativos de uma cultura voltada para o estrangeiro, da predileção por artigos e design
importados e da ausência ou negação de uma moda nacional.
É provável que um dos primeiros desfiles organizados que tenha acontecido no
Brasil e que tenha recebido cobertura de mídia tenha sido apresentado no Salão de Chá
do Mappin Stores, inaugurado em 1919. Os encontros vespertinos para o chá com o
desfile de modas era um dos passatempos mais populares das elites de São Paulo, como
vemos descrito em um relato publicado no Jornal da Manhã de 17 de dezembro de 1933:
Surrounding tables decorated with flowers, illustrious ladies and lovely young ladies
anxiously waited the announcement of a live mannequins’ fashion show for Mappin’s
twentieth Christmas celebration.
Desfiles de moda aconteciam em São Paulo, Rio de Janeiro e outras capitais
brasileiras esporadicamente em associações de bairro, clubes privativos e lojas de
modas, mas não havia na primeira metade do século vinte eventos organizados para
apresentação de coleções aos moldes do que acontece hoje. D. Mena Fiala, considerada a
decana de moda no Brasil, foi, provavelmente, uma das primeiras estilistas a introduzir o
desfile de prêt-à-porter no Brasil através da Casa Canadá (1928-1966) no Rio de Janeiro,
uma das primeiras butiques brasileiras (Contijo 1987:123).
A organização de feiras de negócios na área têxtil e de confecção no Brasil na
segunda metade do século vinte impulsionou a criação de eventos que organizassem a
apresentação das coleções prêt-à-porter de varias grifes num único espaço. Por volta
dos anos de 1950 houve iniciativas por parte da indústria têxtil nacional para promover
fibras têxteis produzidas no Brasil, especialmente a de algodão. Tal promoção valia-se
de desfiles de estilistas internacionais que eram convidados a apresentar suas coleções
no Brasil para as elites paulistas e cariocas. Duas das principais tecelagens do país, a
Tecelagem Bangu no Rio de Janeiro e a Matarazzo em São Paulo fizeram contratos com
Jacques Faith, Givenchy, Christian Dior, Jean Patou e Jeanne Lanvin, que apresentaram
seus desfiles nos chamados ‘Festivais de Moda’, com parte dos ingressos revertidos a
obras assistenciais (Durand 1988: 74).
Foi com o surgimento das feiras especializadas, porém, que teve início no Brasil
uma verdadeira organização do mecanismo de produção e comercialização da moda
nacional. A FENIT – Feira Nacional da Industria Têxtil – organizada anualmente em
São Paulo desde 1958 investiu em desfiles de moda como modo de atrair a atenção da
imprensa e procurar a tão sonhada união do setor têxtil e de confecção nacional, o que
resolveria o problema de lançamentos de coleções, pedidos de tecidos a fornecedores
e entrega de mercadorias. Foi por meio da FENIT , por exemplo, que empresas
estrangeiras como Pierre Cardin e Yves Saint Laurent tomaram primeiro contato sobre
contratos de licenciamento no Brasil (Durand 1988: 77). De acordo com o sociólogo
José Carlos Durand: ‘Feiras industriais, financiadas pelos expositores, como as FENITs,
constituem um momento por excelência para conhecimento mútuo das pessoas do ramo
e para as transações mercantis. Sua existência atesta que o setor atingiu um mínimo
de diferenciação interna e que existem condições mínimas para um certo padrão de
cooperação entre empresas concorrentes e/ ou complementares’ (Durand 1988:76).
Com o intuito de promover a moda nacional durante os anos de 1960, a Rhodia que
estava instalada no Brasil desde 1919, convidou os estilistas Dener, Guilherme Guimarães,
José Nunes, Alceu Penna, José Ronaldo e outros para desfilar coleções feitas em seus
tecidos sintéticos e os fez viajar pelo Brasil para celebrar essa “nacionalidade” da moda
(Durand 1988: 78). Mas, apesar de todos esses esforços o país precisaria esperar cerca
de trinta anos até que o sonho de consolidação do setor gerasse frutos. Mesmo com a
formação de grupos de estilistas em São Paulo como o Consórcio de Moda Brasileira
(1972), Núcleo Paulista de Moda (1980), Grupo São Paulo de Moda (1986) e em outros
Estados brasileiros como o Grupo Moda-Rio (Rio de Janeiro, 1975/1978), Grupo Mineiro
de Moda (Minas Gerais) e Grupo Ousadia de Fortaleza seria necessário esperar por um
evento patrocinado pela empresa de cosméticos Phytoervas, para que germinasse a idéia
da adoção de um calendário de Moda. O Phytoervas Fashion (1994).
Foi apenas com a criação do São Paulo Fashion Week que as diversas tentativas de
promover a moda nacional finalmente vingaram. O São Paulo Fashion Week que se autoproclama o ‘Calendário Oficial da Moda Brasileira’, originou-se do ‘Morumbi Fashion’
(1996), um evento patrocinado pelo Shopping Morumbi em São Paulo que reunia as
principais marcas de moda da cidade e que criou o desfile para promovê-las no espaço
físico do shopping. Este mega evento que reúne algumas das principais grifes de moda
do Brasil foi criado ‘com o objetivo de unificar os elos da cadeia têxtil nacional e assim
fortalecer, profissionalizar e gerar visibilidade para a moda brasileira. Ao concentrar os
principais lançamentos do setor, o Calendário oferece estrutura para que fabricantes e
designers de moda apresentem suas criações ao mercado’ (Histórico in www.spfw.ig.com.
br).
Gloria Kalil, uma das mais proeminentes consultoras de Moda no Brasil, resumiu
muito bem o que ela chama de ‘fase contemporânea’ da moda brasileira: ‘Brazilian
fashion’s contemporary phase began in 1994 with Phytoervas Fashion, which showed
the work of new designers. Two years later, a substantial change occurred with Morumbi
Fashion, the initial version of the São Paulo Fashion Week. These events foretold the
impetus Brazilian fashion was to acquire. Brazil now had a fashion calendar, so that
events ceased to be isolated, thereby gaining cohesion. Designers dropped their concern
over foreign events and devoted themselves more earnestly to their own work. São Paulo
then became a pole radiating Brazilian and Latin American fashion to the rest of the
world’ (http://www.mre.gov.br/cdbrasil/itamaraty/web/ingles/artecult/moda/apresent/
apresent.htm).
A fama internacional que o São Paulo Fashion Week, SPFW de forma abreviada, vem
ganhando nos últimos anos é comprovado pelo aumento de cobertura da mídia nacional
e internacional que o evento acumula. De acordo com dados do site oficial do SPFW
(www.spfw.ig.com.br), a cobertura nacional da mídia dedicada ao evento supera todos
os acontecimentos do país com exceção do futebol! Em 2004, a estimativa de mídia
espontânea foi de R$ 300 milhões, com mais de 5.000 paginas de jornal e revistas e
quase 600 horas de TV entre canais abertos e por assinatura.
Nomes internacionalmente reconhecidos no meio especializado, como os de Isabela
Blow e Suzy Menkes do International Herald Tribune, já atribuíram a São Paulo o status
de cidade da moda na América Latina. Para alcançar tamanha projeção no mercado
internacional, o evento que apresenta as coleções de estilistas brasileiros teve que galgar
espaço na mídia nacional e lutou muito até conseguir apoio de sua própria classe e dos
setores a ela ligados.
Os resultados alcançados pelo setor com a introdução de um evento do porte
do São Paulo Fashion Week, seguido depois por eventos semelhantes em outros
Estados brasileiros como o Rio Fashion no Rio de Janeiro e o Dragão Fashion em
Recife, demonstram o salto em termos de ganho na produtividade, comercialização e
internacionalidade da moda brasileira. Enquanto que no período anterior ao evento
compradores do Brasil e exterior visitavam as confecções em épocas distintas,
dependendo do lançamento de cada coleção, através do SPFW foi possível reunir
compradores, jornalistas e profissionais especializados num único espaço e tempo,
otimizando as negociações e atraindo novos compradores. Além disso, as indústrias
têxteis, as facções de confecção, as indústrias de beneficiamento e toda a cadeia têxtil
passaram paulatinamente a correr em sintonia com o calendário de desfiles. Ora, para
apresentar uma coleção no SPFW é necessário desenvolver todos os produtos a tempo
de receber pedidos e repassá-los a fornecedores, comprar as matérias primas e fabricar o
volume vendido para entregá-lo no prazo, um processo que leva de quatro a seis meses,
exatamente o período entre as duas edições anuais do evento: Janeiro (coleções de
outono/ inverno) e junho (coleções de primavera/ verão).
Foram necessários alguns anos para que toda a cadeia se habituasse ao novo ritmo
impresso pelo SPFW que ganhou o apoio da prefeitura de São Paulo e da principal
associação do setor, a ABIT – Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção.
Ainda que tenha alcançado o seu objetivo e a cada ano eventos como o SPFW consiga
aprimorar e sofisticar a engrenagem da moda brasileira, é preciso entender que a
padronização da apresentação de coleções tem seus revezes. A padronização de estilo
e a adoção das tendências internacionais de moda pelas confecções brasileiras é muito
anterior à criação desses eventos, como mencionado anteriormente. A expectativa
das apresentações de coleções de concorrentes, entretanto, acirra a corrida pelo
desenvolvimento de produtos que, ainda que projetem idéias inéditas dos estilistas e suas
marcas, tem o compromisso cada vez maior de antever tais tendências. Isto quer dizer
que não basta apenas demonstrar originalidade, é preciso principalmente mostrar-se de
acordo com o que o público encontrará nas revistas de moda e nas vitrines de quase que
a totalidade das confecções de moda do país.
Ao mesmo tempo em que a reunião das confecções sob o SPFW azeita a cadeia têxtil
nacional, ela cria um modus de criação que passa a ser percebido e reproduzido pelo
mercado. As escolas de moda têm um papel importante nisso, porque serão elas a incluir
em seus currículos a fórmula executada no evento, muitas vezes contribuindo para o
engessamento dessa engrenagem. Além disso, a própria busca incansável pela Brasilidade
tem gerado sua institucionalização, fenômeno recente na história cultural e política do
país que conta inclusive com a imagem pública do atual Presidente da República como
veremos a seguir.
A institucionalização da Brasilidade
Durante uma entrevista a um jornal inglês, a modelo brasileira Mariana Weickert
surpreendeu-se com o comentário da repórter que disse ‘você é uma excelente
representante de seu país’. Percebendo o quanto estava entusiasmada para falar sobre seu
povo e sua cultura, a modelo decidiu fazer uma tatuagem em homenagem a sua terra
natal assim que voltou para casa. ‘Made in Brasil’ é o que foi tatuado na parte inferior
das costas da modelo, um chavão emblemático da atual fase da cultura brasileira e, mais
especificamente, da moda produzida por ela.
A idéia do ‘Made in Brasil’ não representa apenas um desejo pessoal de uma jovem
apaixonada por seu país, mas, sobretudo, marca uma época em que a Brasilidade
passa a ser exercitada veementemente de forma pública, por pessoas cuja imagem seja
amplamente conhecida de seus conterrâneos e projetada na mídia, como é o caso do
Presidente Luis Inácio Lula da Silva. Eleito sob inigualável aclamação popular em janeiro
de 2003, Lula e sua esposa Marisa fizeram questão de prestigiar o design nacional ao
escolherem o traje a ser usado durante a posse. Ela teve três vestidos confeccionados por
Walter Rodrigues, sendo que aquele usado na festa da posse era um ‘esvoaçante vestido
de georgette de seda – alguns diriam até que vaporoso demais para uma cerimônia
á luz do dia. O que interessa é que o tom fulgurante (vermelho, a cor do Partido dos
Trabalhadores de Lula) funcionou para destacar a presença de Marisa, tanto ao vivo
quanto na televisão, e até em meio ao mar vermelho da massa petista’ (Veja, 8 de janeiro
de 2003, p.32).
Segundo reportagem da revista Veja (8 de janeiro de 2003), para completar o vestido
vermelho drapeado e de barra assimétrica (custa cerca de R$1.200,00), Marisa usou
na cintura um broche de ouro em forma de rosa com brincos combinando do joalheiro
brasileiro Antonio Bernardo (o conjunto custa cerca de R$7.100,00), um darling das
mulheres que seguem moda e das revistas nacionais dirigidas as elites, como a Vogue.
Quanto a Lula, vestiu um terno confeccionado por Ricardo Almeida, o mais
famoso estilista - proprietário de uma marca masculina de roupas para homens no
Brasil. A escolha de Lula não foi aleatória e, na verdade, ele passou a ser cliente de
Ricardo Almeida durante sua campanha eleitoral, no ano de 2002 como declarou o
próprio estilista a revista TopMagazine em janeiro de 2003 (p.66). Ricardo Almeida é,
indubitavelmente, o melhor representante da alfaiataria feita no Brasil, e não por acaso
passou a vestir o candidato e depois Presidente Lula.
A adoção de ternos feitos por um estilista brasileiro aconteceu especialmente porque
houve uma polêmica gerada durante a campanha presidencial em que a imprensa
apontava a mudança de imagem de Lula, de operário para um homem de sorriso aberto,
dentes perfeitos e ternos Armani. A imagem associada ao uso de produtos estrangeiros
não era positiva para esta nova fase, em que Lula deveria se aproximar mais de um
homem público preocupado com o desenvolvimento da indústria nacional. Em 1989
quando Lula concorreu e perdeu as eleições presidenciais para Fernando Collor (que
sofreu processo de Impeachment), sua imagem era muito distinta da atual, usava ‘barba e
verbo agressivos’ , o que lhe garantiu fracasso.
Para a cientista política da universidade de São Paulo, Maria Victoria Benevides, o PT
(Partido dos Trabalhadores, partido de Lula) tornou-se ‘palatável’ porque ‘é inegável que
a mudança do discurso e das ações coincidiu com o processo de crescimento do partido’
. Mas essa mudança coincidiu também com a transformação da imagem do próprio Lula,
uma estratégia empregada pelo publicitário Duda Mendonça para auxiliar a construção
de um partido mais ‘palatável’. Segundo o jornalista Maurício Lima, o próprio Lula teria
afirmado em algumas ocasiões que ‘sem as mudanças no programa do governo e no
estilo de atuação (o que inclui sua imagem pessoal), o PT jamais teria vencido a eleição
presidencial do ano passado (2002), uma conclusão que tornou-se generalizada dentro
do próprio partido’.
A tentativa de associar a imagem de Lula a produtos nacionais ganhou força com
a participação de sua esposa na abertura da 14ª edição do São Paulo Fashion Week
no mesmo mês em que tomou posse como Presidente. Marisa foi prestigiar o desfile
da coleção de inverno 2003 de Ricardo Almeida, que passou a ser conhecido como ‘o
estilista do Presidente’. Naquele desfile esteve também presente a super modelo Gisele
Bündchen, que fechou o desfile vestindo um macacão longo feito de tecido risca-de-giz.
Para se ter uma idéia da repercussão de mídia sobre o desfile de Almeida, basta lembrar
que a cobertura nacional da mídia dedicada ao evento supera todos os acontecimentos
do país com exceção do futebol! É evidente que essa cobertura estrondosa contribuiu
positivamente para a consolidação da imagem de Lula como bom brasileiro tanto
internamente quanto no exterior.
A Moda brasileira não tem sido apenas alvo de interesse estrangeiro porque
conseguimos estruturar um calendário de apresentação de coleções das principais marcas
nacionais, agilizando processos de produção e comercialização. O “Made in Brasil” tem
mostrado ser mais do que a eufonia, a exaltação de uma Brasilidade impressa apenas
na superfície de produtos exóticos exportados ao mercado global do luxo. A moda
no Brasil tem sido um veículo de auto-conhecimento, de questionamentos, enganos e
acertos de um país que sempre esteve as voltas com o desejo de reconhecer suas feições
e diferenciá-las de seus vizinhos próximos e distantes. O estrangeirismo e a necessidade
de partir de um molde aparentemente sólido de tendências pré-fabricadas estão no
cerne das preocupações de brasileiros como Elisa Penna e Paulo Borges que assim disse
da moda brasileira: ‘Não acredito em fazer roupa para brasileiro nem com a cara de
Brasil. Não acredito em moda brasileira. Até hoje as pessoas compram da China e botam
etiqueta aqui. Acredito na moda feita no Brasil, que gera emprego, tem memória, desejo,
sem características folclóricas’ (Paulo Borges, Elle, novembro 2005) .
A memória e a Brasilidade devem estar possivelmente nas entrelinhas, nas sutilezas
dos modos de fazer e viver no Brasil. Ao localizarmos e designarmos funções políticas
às roupas fazemos também um exame da sua história e percebemos que a moda no
Brasil tem sido um instrumento eficaz e uma estratégia para modelar o estilo nacional. A
cidade de São Paulo, um dos maiores pólos econômicos da América Latina, teve e ainda
tem um papel preponderante nesse processo contínuo de desenvolvimento do estilo
brasileiro. Pelo menos desde os primeiros anos do século vinte, a Manchester brasileira,
como era chamada a cidade pelo escritor modernista Mario de Andrade, foi constituindo
os moldes para a construção de uma indústria e comércio singulares de artigos têxteis. A
adaptação de maquinário importado, algumas vezes obsoleto, para a realidade da escassa
mão-de-obra ainda não especializada das primeiras décadas dos 1900, a criação da loja
de departamentos Mappin Stores (1913) – um empreendimento inglês no Brasil -, aliado
às tentativas de alavancar a indústria nacional através das feiras de negócios como a
FENIT , criou as bases para o fortalecimento da moda brasileira nos últimos trinta anos.
A experiência acumulada ao longo de quase um século foi em parte dirigida à construção
dessas bases. Infelizmente, porém, a ausência de mentalidade favorável à preservação
da memória empresarial e de políticas voltadas a ela, contribuiu para o esquecimento de
práticas de produção e negligenciou o arquivamento sistematizado de material que hoje
serviria a pesquisa e aprimoramento da indústria . As escolas de moda terão um papel
fundamental na mudança de mentalidade ao tornarem seus currículos mais flexíveis
e sensíveis à realidade do País, evitando o engessamento dos conteúdos e a cópia de
tendências prontas. O caminho nessa direção já está sendo trilhado por jovens designers
como Jum Nakao e Ronaldo Fraga.
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http://www.uspleste.usp.br/textil.html - Universidade de São Paulo – USP Leste
http://www.spfw.ig.com.br – São Paulo Fashion Week

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