armin franz isenmann - Cefet
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armin franz isenmann - Cefet
Armin Isenmann Química a partir de Recursos Renováveis ARMIN FRANZ ISENMANN QUÍMICA A PARTIR DE RECURSOS RENOVÁVEIS 3a edição Timóteo, MG Edição do Autor 2016 2 Armin Isenmann Química a partir de Recursos Renováveis Os direitos neste texto são exclusivamente com o autor. Isenmann, Armin Franz Química a partir de recursos renováveis / Armin Franz Isenmann Timóteo, MG : 2012. 1a Edição 2014. 2a Edição 2016. 3a Edição Bibliografia ISBN 978-85-913050-1-8 2 Armin Isenmann Química a partir de Recursos Renováveis Ementa do módulo “Recursos renováveis” dentro da disciplina “Processos Industriais”, ministrada no Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais, CEFET-MG Campus Timóteo: Madeira, produção de celulose, derivados da celulose, processamento da lignina, amido, óleos e gorduras, terpenos, novas rotas de síntese dos químicos de plataforma. Tópico especial: Recuperação de químicos em escala industrial. Índice Analítico do Livro 1 Aspectos gerais acerca de recursos fósseis e renováveis ..................................................7 De onde vêm os "recursos renováveis"? ......................................................................7 De onde vêm os polissacarídeos? ................................................................................9 1.1 O leque de produtos da síntese orgânica ...................................................................9 1.1.1 Mais do que apenas gordura e amido ............................................................... 12 Demanda segura e preços estáveis? ........................................................................... 14 Problemas acerca da qualidade dos recursos .............................................................. 14 A composição dos novos recursos ............................................................................. 14 Futuro: biorrefinaria? ................................................................................................ 16 Biorrefinaira e Química Verde .................................................................................. 18 2 Substâncias químicas diretamente do campo ................................................................. 22 2.1 3 O recurso renovável madeira .................................................................................. 22 2.1.1 Dados econômicos acerca da madeira industrial .............................................. 22 2.1.2 Composição química da madeira ..................................................................... 26 Especialmente estável: a celulose .................................................................................. 29 3.1 Dados econômicos acerca da celulose ..................................................................... 29 3.2 Estrutura química da celulose ................................................................................. 31 3.3 Extração da celulose a partir da madeira ................................................................. 34 3.4 O processo Kraft..................................................................................................... 36 3.5 O processo de sulfito .............................................................................................. 39 3.6 Outros processos de extração da celulose. ............................................................... 40 Processo de soda cáustica: ......................................................................................... 40 Processo de Pomillo: ................................................................................................. 40 Processos "Organossolv" ........................................................................................... 41 3.7 Recuperação de químicos - uma máxima na indústria moderna - mostrado no ciclo de recuperação do processo Kraft ..................................................................................... 42 3.7.1 O Ciclo de Recuperação de Químicos Kraft..................................................... 42 3.7.2 Subproduto do digestor: o licor negro fraco ..................................................... 43 3.7.3 Evaporação e concentração do licor negro fraco .............................................. 45 3 Armin Isenmann Química a partir de Recursos Renováveis 3.7.4 Composição do licor negro forte ...................................................................... 46 3.7.5 Caldeira de Recuperação ................................................................................. 48 Aspersão de licor e a formação das gotículas na caldeira de recuperação ................... 53 Queima do licor negro ............................................................................................... 54 Reações e composição dos fumos .............................................................................. 57 Incrustações e a composição das cinzas ..................................................................... 58 Características incrustantes das cinzas ....................................................................... 59 3.7.6 Caustificação e Calcinação .............................................................................. 59 3.7.7 O Licor verde .................................................................................................. 60 3.7.8 Preparo do licor branco (= "Caustificação") ..................................................... 61 3.7.9 Calcinação ....................................................................................................... 64 3.7.10 Branqueamento da polpa celulósica ................................................................. 67 Etapas do branqueamento .......................................................................................... 69 Especialmente eficaz na alvura: o dióxido de cloro ................................................... 74 Certificados no branqueamento ................................................................................. 80 Tendências no branqueamento .................................................................................. 80 3.8 Celulose solúvel: processamento e derivatização .................................................... 81 3.8.1 Celulose regenerada: o problema é o solvente! ................................................ 83 Dados econômicos acerca da viscose......................................................................... 87 3.8.2 Ésteres da celulose .......................................................................................... 89 Acetato de celulose (CA) .......................................................................................... 89 Nitrocelulose ............................................................................................................. 91 3.8.3 3.9 Éteres da celulose ............................................................................................ 92 Produção de papel .................................................................................................. 95 Mix apropriado da matéria-prima celulose ................................................................ 95 Colagem interna ........................................................................................................ 95 Colagem superficial .................................................................................................. 95 Adição de corantes e pigmentos ................................................................................ 96 Retenção dos finos .................................................................................................... 96 Revestimento ............................................................................................................ 96 Resistência ................................................................................................................ 96 4 Os componentes da madeira além da celulose ............................................................... 97 4.1 As hemiceluloses .................................................................................................... 97 4.2 A lignina ................................................................................................................ 99 4.2.1 O uso energético da lignina ........................................................................... 100 Transformação do licor negro em combustível de alto poder via gaseificação ......... 100 4 Armin Isenmann Química a partir de Recursos Renováveis Precipitação/extração da lignina a partir do licor negro pelo processo Lignoboost™101 4.2.2 O aproveitamento químico da lignina ............................................................ 102 Pirólise da lignina ................................................................................................... 103 A arte do refinamento ............................................................................................. 104 Uso da lignina de alta massa molar ......................................................................... 106 Novas resinas epóxis ............................................................................................... 107 Sulfonato da lignina - material das mais diversas aplicações ................................... 108 4.3 4.3.1 Amido – um material além de alimento. ........................................................ 109 4.3.2 Amilose a amilopectina: dois materiais bastante diferentes ............................ 109 4.3.3 Amido na produção de papel ......................................................................... 110 4.3.4 Amido ramificado: dois exemplos ................................................................. 111 4.4 Gorduras e óleos ................................................................................................... 112 4.4.1 Demanda crescente em óleos vegetais ........................................................... 114 4.4.2 Perspectivas para o futuro .............................................................................. 117 4.5 5 Os carboidratos solúveis: Amido e Açúcares. ....................................................... 109 Os demais componentes da madeira, presentes em menores partes. ...................... 117 4.5.1 Terpenos e resinas ......................................................................................... 117 4.5.2 Terpenos contra câncer .................................................................................. 118 4.5.3 Terpenos e borracha natural ........................................................................... 118 4.5.4 Sem a borracha ficamos no lugar ................................................................... 120 4.5.5 Estrutura química e vulcanização................................................................... 121 4.5.6 Taninos ......................................................................................................... 123 4.5.7 Sais minerais na madeira ............................................................................... 124 Química de plataforma, a partir de recursos renováveis ............................................... 124 Excurso: Química de plataforma à base de recursos fósseis ..................................... 125 5.1 Pequenos e poderosos - a família C1. .................................................................... 129 Metanol e formaldeído ............................................................................................ 129 De onde vêm os compostos C1 de hoje? .................................................................. 129 Biometanol pela rota de Fischer-Tropsch ................................................................ 131 C1 a partir da celulose em biorreatores .................................................................... 134 Biometanol - combustível do futuro em motores de combustão? ............................. 135 Uso de metanol na produção de biodiesel. ............................................................... 135 Energia limpa a partir do metanol............................................................................ 137 Metanol como plataforma para derivados químicos ................................................. 137 Formaldeído, parente mais reativo do que o metanol ............................................... 138 5.2 Os multi-talentos de C2. ....................................................................................... 138 5 Armin Isenmann Química a partir de Recursos Renováveis Etileno (= eteno) e etanol ........................................................................................ 138 Fonte clássica do etileno ......................................................................................... 139 5.3 Síntese industrial de etanol ................................................................................... 140 5.3.1 Dados econômicos acerca da indústria sucroalcooleira .................................. 141 5.4 Fábrica de açúcar e álcool..................................................................................... 143 5.5 Síntese bioquímica do etanol ................................................................................ 145 5.5.1 O potencial da fábrica sucroalcooleira como biorrefinaria ............................. 146 Novos caminhos para mais etanol ........................................................................... 149 O etanol ainda consegue mais.................................................................................. 151 O que trará o próximo futuro? ................................................................................. 151 Ácido acético .......................................................................................................... 151 5.6 Os componentes químicos C3 - o reinado das bactérias. ....................................... 152 Ácido lático e seus derivados químicos ................................................................... 152 Material multi-uso ................................................................................................... 153 Produção do ácido lático ......................................................................................... 154 Pesquisas em melhorias na produção ....................................................................... 154 Quiralidade molecular ............................................................................................. 155 5.6.1 Glicerina – emergindo ao componente C3 mais importante............................ 156 Glicerina pura - um procedimento difícil ................................................................. 157 Compostos C3 que não são do petróleo? ................................................................. 158 5.6.2 Sínteses microbiológicas do 1,3-propanodiol e 1,2-propanodiol..................... 158 Uso do 1,2-propanodiol: plásticos e cosméticos ...................................................... 159 5.6.3 Sistemas químicos-catalíticos para derivatizar e desfuncionalizar a glicerina . 160 Transformação química da glicerina em 1,2-propanodiol ........................................ 163 1,3-propanodiol a partir da glicerina ........................................................................ 164 Acroleína a partir da glicerina ................................................................................. 165 5.6.4 Outros derivados a partir da glicerina ............................................................ 166 Carbonato da glicerina ............................................................................................ 166 Acrilonitrila ............................................................................................................ 168 Ácido acrílico ......................................................................................................... 169 Epicloridrina ........................................................................................................... 170 Ácido lático a partir da glicerina ............................................................................. 171 Etilenoglicol a partir da glicerina ............................................................................ 172 5.6.5 5.7 Acetona ......................................................................................................... 173 Os componentes C4 .............................................................................................. 173 Ácido succínico ...................................................................................................... 173 6 Armin Isenmann Química a partir de Recursos Renováveis Por via química ou biotecnológica? ......................................................................... 175 5.8 Os componentes C5 .............................................................................................. 175 5.8.1 Furfural ......................................................................................................... 175 5.8.2 Ácido levulínico ............................................................................................ 176 5.8.3 A importante classe dos componentes C6 ...................................................... 178 Poliésteres a base do furano-2,5-diácido carboxílico ............................................... 178 Primeiro é simplificar a glicose ............................................................................... 180 Do adoçante ao monômero em plásticos .................................................................. 181 Do açúcar ao adoçante ............................................................................................ 182 Reação padrão para os poliuretanos ......................................................................... 182 Isossorbida .............................................................................................................. 183 Fragmentação do sorbitol ........................................................................................ 184 Ácido cítrico ........................................................................................................... 184 Ácido itacônico ....................................................................................................... 185 5.9 Polihidroxialcanoatos (PHA) – os verdadeiros bioplásticos................................... 185 5.9.1 Polímeros a partir da biomassa lignocelulósica .............................................. 187 5.9.2 A polêmica dos "biopolímeros" ..................................................................... 187 6 Anexo ......................................................................................................................... 189 7 Índice analítico ........................................................................................................... 194 1 Aspectos gerais acerca de recursos fósseis e renováveis Biodiesel a partir de óleos de soja, mamona ou palmeira; Corantes naturais a partir de plantas e tinturas minerais; Óleos vegetais para produzir xampu. Tudo isso não é novo, já sabemos e os processos para sua obtenção são padronizados - breve, isso é nosso dia-a-dia. Mas vamos refletir um pouco sobre as matérias primas e afinal questionar como poderíamos aproveitar melhor destas. De onde vêm os "recursos renováveis"? A expressão foi definida nos anos 1970, na então primeira crise do petróleo. Naquela época foi reconhecida pela primeira vez uma escassez dos recursos principais da indústria, os recursos fósseis. Também foi a primeira vez que o largo público foi conscientizando do problema e que foram exigidas fontes alternativas a base de recursos renováveis. Logo a crise foi vencida, o tema desapareceu novamente. 7 Armin Isenmann Química a partir de Recursos Renováveis Nos anos 1990, no mais tardar, tornou-se evidente uma causalidade entre o consumo de recursos fósseis e as consequências sobre o clima global. Novas expressões tais como "Efeito estufa" (inglês: green house effect) e "buraco de ozônio" tornaram-se populares - o que nem sempre foi a favor de uma divulgação cientificamente correta. Certamente, podemos afirmar que os recursos principais de hoje são finitos, algumas estimas até falam que, suposto a mesma tendência de consumo anual, o petróleo ia acabar em 2060. E o consumo mundial é cada vez maior. Segundo a Deutsche Welle (28/11/2011) o balanço do ano 2010 para 2011 será: Aumento anual no consumo de energia: + 33% Emissões de CO2: + 20%. O aquecimento terrestre global continua sendo pronunciadamente acima da média dos últimos 130 anos. Fig. 1. Tendências climáticas desde o início do registro científico em 1880. Recursos Renováveis podemos definir como produtos agrários, florestais e marinhos que são produzidos em escala industrial e não servem diretamente à alimentação. As fontes desta biomassa são: 39% Celulose 30% Lignina 26% outros polissacarídeos (incluindo as hemiceluloses) 4% outros recursos vegetais (= a partir de plantas) 1% origem animal. Surpreendentemente, quase a totalidade dos recursos renováveis vem do reino vegetal. Mais de 90% são polissacarídeos (dos quais se destaca em quantidade a celulose) ou lignina. Destes recursos renováveis, que muitas vezes ganham o atributo "BIO", usamos atualmente em torno de: >80% como fontes de energia (calor, eletricidade) em locais fixos; <15% uso direto, em forma de polímeros e tensidas; 8 Armin Isenmann <10% Química a partir de Recursos Renováveis como combustíveis para veículos. O leque de aplicações levou à subclassificação em plantas energéticas e plantas industriais. Atualmente (2013), cerca de 25% da matriz energética térmica nacional já vem de fontes renováveis (e 40% ainda são à base do petróleo), com uma expectativa de aumento das fontes renováveis para os próximos anos. 1 Com este valor do setor dos biocombustíveis, somando a biomassa de cana e lenha, o Brasil se destaca no cenário mundial. Todavia, a atenção dos químicos cabe aos usos industriais dos recursos renováveis. São então plantas (anuais ou perenes) das quais se produzem sistematicamente compostos úteis para a síntese orgânica. Às vezes a própria natureza é utilizada para gerar tais compostos. De onde vêm os polissacarídeos? A celulose, as hemiceluloses e a lignina são os três principais constituintes da madeira. Portanto, o próximo capítulo será dedicado inteiramente a elas. A madeira representa no momento a principal fonte dos recursos renováveis, o que pode se tornar, mas somente no futuro remoto, a favor das algas ou outras plantas marinhas. Na totalidade a madeira é produzida em 2 bilhões de toneladas por ano. Essa conta inclui seu uso como fonte de energia. Em comparação: Aço: 1 bilhão de toneladas Plásticos: 200 milhões de toneladas, ao ano. Mais informações sobre a madeira, ver cap. 2.1. 1.1 O leque de produtos da síntese orgânica Em cada dia do ano, em quase cada profissão e também em nosso tempo livre, aproveitamos direta ou indiretamente dos produtos industrializados da química orgânica. Sacolas do supermercado, filmes transparentes frente gases para embalar as frutas na bandeja, vasilhas de plástico na cozinha, remédios e sua embalagem, roupa de fibra sintética, etc. Também são de suma importância estes produtos em outros setores industriais, onde contribuem num constante progresso. Embora as variedades sejam quase inúmeras, todos esses objetos são feitos de algumas poucas matérias-primas. Eis são quase que exclusivamente o petróleo e o gás natural, então recursos fósseis que são considerados finitos e não renováveis pela mão do homem. 1 F. Santos em: Bioenergia e Biorrefinaria. Cana-de-Açúcar e Espécies Florestais. F. Santos, J. Colodette, J.H. de Queiroz (Editores), Editora UFV, Viçosa (2013), cap. 4. Ministério de Minas e Energia – MME, Balanço Energético Nacional 2015 – Ano Base 2014 Rio de Janeiro: EPE, 2015. Disponível em https://ben.epe.gov.br/downloads/Relatorio_Final_BEN_2015.pdf 9 Armin Isenmann Química a partir de Recursos Renováveis Destes recursos fósseis se produzem, principalmente, hidrogênio, monóxido de carbono, etileno, propileno, benzeno, tolueno e os xilenos. Através de muitas etapas estes "compostos de plataforma" são refinados e transformados nos produtos finais. O nome já indica que estes recursos formam a plataforma para milhares de outros produtos da química fina (ver mais detalhes, no excurso na p. 125). Como as reservas nestes recursos fósseis se esgotam ao longo prazo, temos que achar uma fonte alternativa. Na geração de energia essa tarefa já pode ser resolvida hoje, pensamos em energia eólica, hídrica, solar. Mas para produzir um artefato de material orgânico algum recurso contendo carbono é indispensável. Os únicos substitutos possíveis para petróleo, gás e carvão mineral, são então os produtos da natureza viva. A idéia de fazer síntese orgânica com recursos naturais não é nova. Muitos gêneros de produtos podem ser produzidos hoje a partir de recursos vegetais e animais. Em primeira linha, são os óleos e os carboidratos (= açúcar, amido, celulose). Na Alemanha usam-se em torno 2 milhões de toneladas destes recursos orgânicos na indústria química, o que corresponde a 10% da demanda total. Com estes valores é campeã mundial. Mas também as 10 Armin Isenmann Química a partir de Recursos Renováveis outras nações industrializadas estão fazendo grandes esforços em aumentar a taxa destes recursos alternativos. Todavia, a fonte principal de matérias primas continua sendo o petróleo e seus produtos refinados: GLP (= gás liquefeito de petróleo; principalmente os hidrocarbonetos C3 e C4) Querosene e gasolina leve (grande parte ainda usada para a geração de calor e locomoção) Nafta (fração com compostos C5 a C10) Os aromáticos, também chamados de "fração BTX" (= benzeno, tolueno, xilenos). A partir do resíduo da destilação do petróleo podem ser feitos, via destilação a alto vácuo, as graxas e óleos de lubrificação, usados em motores e peças mecânicas. Tecnicamente mais interessantes que os hidrocarbonetos saturados são os insaturados, principalmente o etileno, propileno e isobutileno, além do "gás de síntese", isto é, H2 e CO, purificado e nas proporções certas. Fig. 2. Produção da indústria química, a base de petróleo e gás natural Composto de plataforma mais importante e mais consumido no mundo é o etileno. A produção mundial é de 100 milhões de toneladas por ano. Já o propileno é produzido em 64 milhões de toneladas, o benzeno em terceiro lugar com 23 milhões de toneladas. Todos os três são feitos, hoje em dia, quase que exclusivamente a partir da fração do nafta do petróleo. Sua obtenção à base de recursos renováveis ainda não pode concorrer economicamente. Além disso, nos anos passados os preços para os produtos da agropecuária sempre subiram paralelamente aos custos da energia clássica. Portanto, é imprescindível desenvolver novas linhas industriais nas quais os recursos vegetais são produzidos, processados e transformados em compostos de plataforma de maneira mais eficiente, para que sejam concorrentes importantes ao petróleo. As linhas mais promissoras serão apresentadas no cap. 5. 11 Armin Isenmann Fig. 3. Química a partir de Recursos Renováveis Exemplos de importantes compostos de plataforma para a indústria química. 1.1.1 Mais do que apenas gordura e amido Como já dito acima, em torno de um décimo de todos os recursos usados na indústria química orgânica, vem de plantas ou animais. Os seguintes valores referem-se somente ao consumo na Alemanha: Óleos vegetais (cerca de 800.000 t) Gorduras animais (~ 350.000 t) Amido (~ 300.000 t) Celulose (~ 320.000 t) e Açúcar (~ 240.000 t). Mas a natureza não só fornece gordura e amido - ela providencia uma série de outros produtos com potencial industrial, como se vê na Fig. 4. 12 Armin Isenmann Fig. 4. Química a partir de Recursos Renováveis Extratos de plantas industriais (a serem usados sem transformação química). Além dos extratos que, após a devida purificação, podem ser usados diretamente, os seres vivos fornecem também outros materiais que são submetidos a processos de refinamento químico. Tab. 1. Matérias primas e produtos industriais cuja fonte é a natureza. Matérias primas: Produtos: Polímeros Lignina Agentes tensoativos Celulose Solventes Quitina Corantes Hemiceluloses Fragrâncias Açúcar Fármacos Amido Cosmética Óleos e gorduras Combustíveis Terpenos Lubrificantes Colas Fibras Onde exatamente os recursos renováveis são aplicados na indústria, depende de vários fatores que são de natureza técnica e/ou econômica. As seguintes questões devem ser respondidas: Há suficiente material do recurso renovável, para cobrir a demanda? Os produtos a partir dos renováveis podem ser produzidos barato o suficiente e os preços podem concorrer com o mercado existente? 13 Armin Isenmann Química a partir de Recursos Renováveis Têm-se processos industriais adequados para a produção em massa? Pode ser alcançada uma qualidade constante e alta, embora as matérias primas mostrarem ondulações naturais? Quais as diferenças nas composições elementares, H : C : O principalmente, entre as matérias primas provenientes do petróleo e de plantas vivas? Quais as diferenças entre as estruturas moleculares, dos novos recursos em comparação aos estabelecidos? Quais os novos produtos e as novas opções de produção que se abrem com o uso de recursos renováveis? Existe um mercado para os novos produtos? Demanda segura e preços estáveis? Não importa se for feno, folhagem, dejetos orgânicos, resíduos de madeira - quase todos os países dispõem de alguma forma de recursos renováveis. Mas as estimativas para o futuro são bastante inseguras porque a produção e a disponibilidade da biomassa dependem de uma série de fatores. Em geral, podemos afirmar uma crescente demanda de alimentos, uma mudança nos hábitos de alimentação, também na disponibilidade de campos para plantações e na água de irrigação, variações nas condições climáticas, etc. Todos esses fatores influenciam bastante na quantidade com que estes recursos podem ser oferecidos no futuro. Em algumas regiões do planeta são planados hoje milho, soja, colza ou cana de açúcar, somente para a produção de recursos químicos - a maioria para fazer biodiesel ou etanol que são combustíveis veiculares alternativos. A concorrência entre plantações industriais e nutricionais é cada vez mais emergente. Sendo assim, temos que desenvolver tais novas plantas industriais que podem ser cultivadas em solos que não prestam para culturas nutricionais. De qualquer maneira, podemos prever que ao médio prazo os preços dos renováveis não serão muito diferentes dos recursos petroquímicos. Problemas acerca da qualidade dos recursos Para todos os processos industriais a qualidade da matéria-prima não deve variar, senão há problemas na produção e o rendimento do processo cai drasticamente. Isso é um grande problema, tanto nas matérias vegetais como animais. A qualidade depende fortemente Do tempo de colheita Da adubação / nutrição durante o crescimento Do surgimento de doenças, tais como fungos, ataque por insetos ou epidemias. Tudo isso interfere sensivelmente na qualidade do recurso. A composição dos novos recursos A tabela a seguir mostra que há diferenças significativas entre a composição elementar, do petróleo e dos recursos renováveis. Em geral, os últimos são mais pobres em carbono e mais ricos em oxigênio. Mas também a estrutura química é totalmente diferente da do petróleo. 14 Armin Isenmann Química a partir de Recursos Renováveis Hidrocarbonetos alifáticos e aromáticos no petróleo, muitos diferentes grupos funcionais (alcoóis, aldeídos, cetonas, ácidos carboxílicos,...) nos recursos renováveis. Tab. 2. Composições elementares das matérias primas, baseadas em petróleo, óleos vegetais e material lignocelulósico. Petróleo Óleos e gorduras Lignocelulose (= madeira) C 85-90% 76% 50% H 10-14% 13% 6% O 0-1,5% 11% 43% Portanto, o petróleo e o gás natural não podem simplesmente ser repostos por outros recursos, sem adequar os processos. Caso não podemos aproveitar diretamente dos poderes de síntese da natureza (cap. 2), então devem ser desenvolvidas completamente novas rotas de síntese e novos processos químicos (cap. 5), para substituir os recursos fósseis que estamos usando agora. Olhamos, por exemplo, na celulose e no amido. Os dois são feitos do monômero glicose, portanto eles têm a mesma unidade estrutural química. Mas as conexões destes monômeros são bastante diferentes: cadeias lineares organizadas em zig-zag e, em consequência, alta regularidade e cristalinidade no caso da celulose, ramificações e cadeias espiraladas e, consequentemente, alta solubilidade na água no caso do amido (compare Fig. 13 na p. 32; Fig. 5 e Fig. 6, logo em seguida). A quebra destes dois recursos requer de enzimas diferentes para chegar ao mesmo monômero (= glicose), a partir do qual as rotas de síntese são idênticas. Fig. 5. Estrutura molecular do amido 15 Armin Isenmann Fig. 6. Química a partir de Recursos Renováveis Ramificações típicas da amilopectina Não importa qual processo finalmente for escolhido, certamente precisamos a conversão dos carboidratos, nas mínimas etapas operacionais possível, transformando-o em compostos de plataforma, em pureza e rendimento mais alto possível. As etapas essenciais são: 1) Despolimerização e/ou hidrólise dos biopolímeros, 2) Simplificação dos grupos funcionais e/ou Desoxigenação, 3) Purificação e/ou destilação. (Note que o processamento químico do recurso lignina é diferente e se baseia, hoje, em etapas termoquímicas; ver p. 101.) Somente quando for possível realizar cada uma dessas etapas em tempo hábil e a um preço compatível, a indústria poderá oferecer os químicos de plataforma a partir de fontes renováveis. E nunca podemos esquecer: a substituição dos recursos fósseis por biomassa somente se justifica quando as rotas alternativas produzem menos resíduos inúteis e emitem menos gases nocivos. A aprovação destes critérios requer abrangentes estudos do balanço ecológico (Life Cycle Assessment, LCA). Futuro: biorrefinaria? Recursos da natureza, a princípio, não são novidades na produção química. Já na década de 1910, Fritz Henkel estocou centenas de toneladas de frutinhas de palmeira e soja em seus armazéns em Düsseldorf, Alemanha, para que seu óleo seja transformado em sabões, detergentes em pó e colas que levou ao sucesso desta empresa até hoje (os produtos que são vendidos há dezenas de anos são Persil, Dixan, Purex, Fa, Liofol, Loctite, Pritt, entre outros). Henkel foi então um dos pioneiros em explorar os recursos renováveis em grande escala. Hoje se segue três caminhos para aproveitar dos recursos renováveis em escala industrial, a serem apresentados nos caps. 2 e 5. 16 Armin Isenmann Química a partir de Recursos Renováveis No primeiro caminho se aproveita do poder calorífico que a biomassa tem, quando executar sua combustão total; os produtos (inúteis) desta reação são, como todos sabem, água e gás carbônico. Aproveita-se em grande escala da geração de energia, para produzir vapor d´água de alta pressão e/ou energia elétrica. No segundo caminho (conteúdo do cap. 2) aproveitamos da diversidade estrutural que a própria natureza criou. Plantas e animais produzem substâncias químicas que podem ser usados diretamente. Entende-se que requerem processos de isolamento e purificação que são bastante exigentes, devido à diversidade estrutural e às massas molares elevadas nos produtos naturais. Um bom exemplo é a celulose vegetal que pode ser usada diretamente na produção dos éteres/ésteres da celulose ou para fazer fibras. No caminho três (tópico do cap. 5) a matéria biológica é quebrada em pequenos fragmentos. Quando isso aconteça de maneira controlada e com alta eficiência, a indústria química tem novas matérias primas, alternativas aos compostos de plataforma (inclusive o "gás de síntese", ver p. 129) que atualmente são feitos a partir do petróleo. Especialmente a estratégia três parece promissora, para se fazer química em escala industrial, no próximo futuro. Porém, devemos ressaltar que a obtenção dos compostos de plataforma é fundamentalmente diferente quando a matéria prima vem da natureza viva. Os alcanos e alquenos contidos no petróleo são transformados em alcoóis, aldeídos, cetonas, compostos nitro etc., isto é, as frações do petróleo são funcionalizadas. Nos recursos renováveis é exatamente oposto: eles já vêm lotados de grupos funcionais (na maioria grupos hidroxilas), e para se obter os compostos de plataforma será necessário desfuncionalizá-los. Isto é, os grupos funcionais não desejados devem ser retirados seletivamente. A composição química da biomassa que é bem diferente do petróleo (Tab. 2), é o motivo para a ascensão da pesquisa aplicada industrial em processos de redução, ganhando atualmente dos procedimentos de oxidação onde se aplicam condições e oxidantes agressivos ao ambiente. Especialmente processos de redução menos nocivos, usando hidrogênio sobre um catalisador heterogêneo, podemos interpretar sendo um passo em direção à “química verde”. Os carboidratos, tais como açúcar, amido ou celulose, são especialmente interessantes quanto à produção dos compostos de plataforma. Só que a biomassa contém muitas classes de substâncias além dos carboidratos: lignina, proteínas e gorduras. Em uma primeira etapa a biomassa deve ser preparada, incluindo a separação destas classes, a purificação e a sua transformação química e/ou térmica. Nesta etapa entram novas tecnologias, tais como a degradação enzimática, a hidrólise catalítica-química e a pirólise, para transformar o recurso natural em um composto da síntese orgânica. No seguinte gráfico citamos as tecnologias mais desenvolvidas hoje, que transformam a glicose em compostos de C2 a C6 que podem ser utilizados na química fina. Uma discussão mais detalhada destas estratégias segue no cap. 5. 17 Armin Isenmann Química a partir de Recursos Renováveis Embora as tecnologias ainda não são aperfeiçoadas, podemos identificar os mais importantes produtos químicos e materiais, blocos de construção sintéticos: Ácidos orgânicos - lático, succínico, propiônico, itacônico e outros derivados de açúcar; Polímeros e resinas - plásticos derivados de amido, polietileno, polipropileno, polibutadieno, resinas fenólicas, resinas furânicas; Biomateriais - derivados da madeira, polpa, papel, celulose; Essências de folhas, frutos e flores – auxílios agrícolas, cosméticos, fragrâncias. A maior parte dos produtos da biorrefinaria, no entanto, é usada como combustível para máquinas e veículos. Os produtos de energia mais importantes são: Gases - biogás, gás de síntese, hidrogênio, biometano; Líquidos - etanol, biodiesel, combustíveis da síntese de Fischer-Tropsch, bio-óleos 2; Sólidos - pélets, lignina, carvão. Hoje são produzidos mais de 30 milhões de toneladas de etanol em processos biotecnológicos, a partir de recursos renováveis (uma discussão mais detalhada, ver cap. 5.3). Em grandes tanques de fermentação as leveduras degradam a glicose que está presente em forma de solução aquosa concentrada. O isolamento do etanol é através da destilação (retificação) - um processo muito bem estudado e desenvolvido. Em seguida o etanol pode ser desidratado para o etileno através de uma etapa pirolítica (p. 139). Supomos que todo esse etanol seria disponível para a síntese industrial (o que não é o caso), poderíamos substituir apenas 20% de todo etileno petroquímico consumido no mundo. Muita pesquisa e desenvolvimento de processos devem ser feitos ainda para aperfeiçoar os processos fermentativos, mas os primeiros resultados visam que esse seja o caminho do futuro. Biorrefinaira e Química Verde Podemos retomar a questão se o futuro industrial é a biorrefinaria. Em relação ao desenvolvimento tecnológico na parte da engenharia, a biorrefinaria é uma grande promessa para o próximo futuro, sim. Visa-se unidades produtivas integradas, onde se aproveita do material da natureza viva (biomassa) na produção simultânea de químicos finos, polímeros termoplásticos e termorrígidos, biocombustíveis, fluidos e solventes, energia elétrica e térmica – tudo na mesma fábrica. No estabelecimento da futura produção sustentável destes biocombustíveis e bioquímicos, é absolutamente fundamental a integração da “Química Verde” com as biorrefinarias, através de tecnologias de baixo impacto ambiental. A Química Verde pode ser considerada como uma série de princípios aplicados na manufatura de 2 D.A. Simonetti, J.A. Dumesic; Catalytic strategies for changing the energy content and achieving C-C coupling in biomass-derived oxygenated hydrocarbons [Artigo de revisão]. ChemSusChem. 1 (2008), 725-33. J.N. Chheda, G.W. Huber, J.A. Dumesic; Liquid-phase catalytic processing of biomass-derived oxygenated hydrocarbons to fuels and chemicals [Artigo de revisão]. Angew Chem Int Ed Engl. 46 (2007), 7164-83. M. Stöcker; Biofuels and biomass-to-liquid fuels in the biorefinery: catalytic conversion of lignocellulosic biomass using porous materials [Artigo de revisão]. Angew Chem Int Ed Engl. 47 (2008), 9200-11. 18 Armin Isenmann Química a partir de Recursos Renováveis produtos sem o uso de solventes, reagentes ou intermediários ambientalmente perigosos. O objetivo primordial da Química Verde combinado com uma biorrefinaria é produzir produtos químicos genuinamente verdes e sustentáveis. O produto final deve ser não tóxico, degradável em produtos inócuos e com a geração de pequenas quantidades de resíduos. As metodologias e técnicas empregadas pela Química Verde para atingir tais objetivos envolvem: Solventes não tóxicos e de pouca inflamabilidade, tais como CO2 supercrítico, líquidos iônicos, Novas técnicas de ativação – ultrassom e micro-ondas, principalmente, Fermentação de biomassas com enzimas e culturas microbiológicas geneticamente otimizadas. Os processos biotecnológicos – embora pareçam perfeitos no sentido de uma química verde (baixa energia, temperatura ambiente, solvente é água) - estão um pouco fora do foco deste texto. Para fornecer uma impressão sobre as transformações tecnicamente avançadas, a Tab. 3 lista os produtos possíveis e encaminha para a literatura especializada. Um ponto problemático acerca das transformações biotecnológicas é a insolubilidade da matéria-prima lignocelulósica. A maioria destes processos requer então um pré-tratamento que torna os biopolímeros acessíveis aos microorganismos. E muitas destas etapas de digestão se baseiam em química clássica, portanto pouco “verde”. Sendo assim, foram elaboradas rotas que consistem de: Hidrólise da biomassa, purificação e em seguida a fermentação separada; Sacarificação e fermentação simultaneamente, Sacarificação e cofermentação simultaneamente, Conversão microbiana direta. A última opção, certamente a mais nobre sob o aspecto “verde”, é ao mesmo tempo a mais difícil e a menos desenvolvida. Outro ponto fraco em quase todos os processos fermentativos é a operação em baixas concentrações e as baixas taxas de conversão, o que aumenta consideravelmente o volume dos biorreatores. Também as etapas do isolamento do produto, tipicamente numa concentração de < 20 g.L-1, requerem mais energia e sofisticação. Em alguns casos, especialmente com ácidos como produtos, a purificação da mistura fermentada gera grande quantidade de sais, que não possuem uma aplicação econômica. Esperam-se avanços pelas novas tecnologias que operam com membranas seletivas a pressões moderadas ou baixas, também conhecida como “ultrafiltração”, hoje largamente usado para purificar esgotos industriais 3. No caso do butanol se achou uma metodologia interessante de extrair o produto da mistura reacional usando-se biodiesel como solvente. Esta mistura 3 S. Grant, I. Page, M. Moro, Y. Masashi, T. Yamamoto; Full-Scale Applications of the Anaerobic Membrane Bioreactor Process for Treatment of Stillage from Alcohol Production in Japan. Proceedings of the Water Environment Federation, WEFTEC 2008: Session 101 through Session 115, pp. 7556-7570 A. Drews, H. Evenblij, S. Rosenberger. "Potential and drawbacks of microbiology-membrane interaction in membrane bioreactors". Environmental Progress 24 (2005), 426–433. 19 Armin Isenmann Química a partir de Recursos Renováveis biodiesel-butanol revelou um aumento do número de cetano do biodiesel que passou de 48 para 54 4. Tab. 3. Sínteses a partir da sacarose, com a ajuda de microorganismos (adaptado de 56). Produto(s) Processo / cultura Glucose, Frutose Invertase Referência Acetona, Butanol, Clostridium sp Etanol N. Qureshi et al., Biomass Bioenergy 34 (2010), 559. Etanol Saccharomyces cerevisiae N. Kosaric, em Biotechnology; H-J. Rehm, G. Reed (eds); VCH: Weinheim, 1993, vol. 6, cap. 4, p. 121. Ácido lático Lactobacillus lactis mutante M Singhvi, D Joshi, M Adsul, A Varma, D Gokhale; Green Chemistry 12 (2010), 11061109. Ácido cítrico Aspergillus niger Isopropanol, Butanol, Etanol Clostridium acetobutylicum Clostridium beijerinckii Ácido acético Propionibacterium Ácido lático acidipropionici J. S. Chen, S. F. Hiu; Biotechnol. Lett. 8 (1986), 371. G.H. Schoutens, Dissertação 1986 disponível em http://repository.tudelft.nl S. Suwannakham, S.-T. Yang; Biotechnol. Bioeng. 91 (2005), 325. Ácido succínico Ácido propiônico Glicerina Saccharomyces engenherado cerevisiae T. Modig,K. Granath,L. Adler,G. Lidén; Appl. Microbiol. Biotechnol. 75 (2007), 289. Ácido itacônico Aspergillus terreus R. D. Neubel, E. J. Ratajac; US pat. 3,044.991 (1962) Ácido glucônico Aspergillus niger M. Molliard, C. R. Hebd. Seances Acad. Sci. 174 (1922), 881. 1,3-propanodiol Klebsiella oxytoca G. Yang, J. Tian; Appl. Microbiol. Biotechnol. 73 (2007), 1017. 1,2-propanodiol Klebssiella pneumoniae H.-J. Liu et al., Biotechnol. Lett. 2007, 29, 1281. Levana Bacillus subitlis I.-L. Shih et al.; Green Chem. 12 (2010) 1242. Etanol Zymomonas mobilisB R.J. Millichip, H.W. Doelle; Process Biochem. 24 (1989), 141. Polihidroxibutirato (PHB) Bacillus megaterrium S. Kulpreecha et al., J. Biosci. Bioeng. 107 (2009), 240. 4 Q. Li et al.; Enhancing clostridial acetone-butanol-ethanol (ABE) production and improving fuel properties of ABE-enriched biodiesel by extractive fermentation with biodiesel. Appl. Biochem. Biotechnol. 162 (2010), 2381. 20 Armin Isenmann Química a partir de Recursos Renováveis Uma vista geral sobre as vias de transformação, biológicos e químicos, mais viáveis a partir de açúcares fornece o estudo do US Department of Energy 57. Um grande número de químicos de plataforma se consegue por fermentação aeróbica, empregando fungos, leveduras ou bactérias. Processos biológicos anaeróbicos e transformações dos açúcares sob catálise química e enzimática são as demais opções. A Tab. 4 descreve os caminhos mais estudados, incluindo as rotas já aplicadas em escala industrial (letra “C” de Comercial). Tab. 4. Transformações, químicas e biológicas, dos açúcares em químicos de plataforma (adaptado de 57) Transformações aeróbicas Levedura ou fungo Bactéria Ácido 3hidroxipropiônico x x Glicerina x x Ácido lático x Ácido malônico x Plataforma Transformações anaeróbicas Transformações catalíticas Levedura ou fungo Bactéria Químico/ catalítico x x C Enzimático C3 x x Ácido propiônico Serina x x C C4 3hidroxibutirolactona x Acetoína x x Ácido aspártico x x Ácido fumárico x x Ácido málico x x Ácido succínico x x Treonina x C x x x x x C5 Arabitol x x C Furfural C Ácido glutâmico x Ácido itacônico C C Ácido levulínico Xilitol x x x x x C6 Furano-2,5-diácido carboxílico Ácido aconítico x x 21 Armin Isenmann Química a partir de Recursos Renováveis Ácido cítrico C Ácido glucárico x x Ácido glucônico C x x x Levoglucosano x Lisina x C Sorbitol x x Número total 21 14 4 Processos comerciais 3 4 0 C x 6 11 7 1 4 2 Foram submetidos 30 derivados nesta avaliação, mas apenas os 12 mais promissores são mostrados na Tab. 4; portanto, o número de processos possíveis e produções comerciais, indicados nas duas últimas linhas da Tab. 4, podem não conferir com o número das marcações acima. 2 Substâncias químicas diretamente do campo Muitos artigos que consumimos ou usamos todos os dias podem ser feitos a partir de material diretamente fornecido pela natureza. Iniciaremos este capítulo com a madeira, por sua vez mais importante recurso renovável. Segue a discussão da celulose e da lignina que representam os componentes mais importantes da madeira. Depois disso, o amido sendo produzido nos sementes das plantas, um polissacarídeo para aplicações diferentes. Seguem as gorduras e no final serão brevemente discutidos os recursos naturais usados em menor quantidade: terpenos, borracha e os polihidroxialcanoatos. 2.1 O recurso renovável madeira O recurso renovável mais abundante na superfície terrestre é de longe o material lignocelulósico; dentre estes fontes se destaca a madeira cujo processamento é atualmente mais avançado do que as tecnologias que transformem as “fontes renováveis da 2ª geração” (expressão ver p. 147). 2.1.1 Dados econômicos acerca da madeira industrial 22 Armin Isenmann Química a partir de Recursos Renováveis Em torno de 30% da superfície terrestre firme, isto é aproximadamente 4 bilhões de hectares, são cobertas por florestas. Assim, referente à massa, a madeira é o recurso renovável mais importante do planeta. Há estimativas que existem neste planeta cerca de 330 bilhões de m³ de madeira. É claro que essa totalidade não deve ser colhida para ser processada e transformada em química de plataforma, pois as florestas são importantes fornecedores do oxigênio, sem o qual nenhum animal poderia sobreviver. A colheita mundial é em torno de 2,8 bilhões de m³ por ano, o que representa praticamente 1% da totalidade. Existem planos de aumentar a produção do recurso industrial madeira, sem interferir nas florestas já existentes (primárias e reflorestadas). As áreas não cultivadas poderiam ser densamente reflorestadas, com árvores de crescimento rápido, por exemplo, o eucalipto, gmelina, acássia e outros. Em pouco tempo crescem pequenos arbustos ou árvores, de poucos centímetros de diâmetro e uns metros de altura. Estas poderiam ser cortadas (inglês: harvest) com máquinas comuns da agricultura e imediatamente processadas. Árvore que domina o cenário no Brasil é, de longe, o eucalipto. Novas tecnologias deixaram crescer o rendimento desta madeira, de 24 m³/ha/ano em 1980, a 44 m³/ha/ano em 2011. E isso ainda não é o topo da produção: espera-se que, através de mais esforços, a produtividade das florestas de rápido crescimento possa atingir a marca de 70 m³/ha/ano. 5 A área florestal, necessária para a produção de 1,0 milhão t/ano de celulose de fibra média e curta, é estimada atualmente com apenas 100.000 ha no Brasil; já na península Ibérica com 300.000 ha e na Escandinávia até com 720.000 ha! 23 Armin Isenmann Química a partir de Recursos Renováveis Fig. 7. Produtividade das florestas no mundo, dividida em fontes de fibras curtas e fibras longas de celulose 24. Entre os maiores avanços tecnológicos na produção de madeira industrial temos que citar: Genética Biotecnologia Matéria-prima de alta qualidade Planejamento sócio-ambiental Manejo Florestal Rotação de áreas plantadas. Mas também são favoráveis ao alto nível de produtividade os fatores: Clima e solo Pesquisa e desenvolvimento Setor privado organizado e Mão de obra altamente qualificada. Em comparação: Uma árvore de eucalipto cresce no Brasil em cerca de 7 anos até o corte. Já nos países mais frios, na Suécia e no Canadá, principalmente, uma árvore de pínus ou uma bétula requer pelo menos 35 anos até ser útil para a produção de madeira. Isso também implica que o plantio destas monoculturas tenha maior impacto sobre o meio-ambiente naqueles países, do que ao Brasil – visto a alta diluição destes sobre o território. Atualmente, o Brasil conta com cerca de 2,2 milhões de hectares com árvores industriais plantadas. 24 Armin Isenmann Fig. 8. Química a partir de Recursos Renováveis Distribuição Geográfica das Florestas Plantadas Brasileiras (ano 2011) 5 Por outro lado, visto que a área toda conta com mais de 8,5 milhões de Km², o Brasil aparece no ranking entre os produtores de madeira industrial somente em 10º lugar – o que certamente é uma expressão de menor impacto ambiental. 5 5 Bracelpa – Associação Brasileira de Celulose e Papel, Dados do Setor Março de 2014. Disponível em: http://bracelpa.org.br/bra2/sites/default/files/estatisticas/booklet.pdf 25 Armin Isenmann Tab. 5. Química a partir de Recursos Renováveis Reflorestamento no mundo. 2.1.2 Composição química da madeira Madeira é um material composto, seus componentes estruturais são celulose, as hemiceluloses e a lignina. As proporções variam consideravelmente em dependência do tipo de árvore, mas podemos indicar os valores limites na madeira seca, conforme a Tab. 6. Tab. 6. Composição química de madeiras dura e mole. Contribuição Celulose 45% Hemiceluloses 35% em madeira dura; 25% em madeira mole. Lignina 21% em madeira dura; 25% em madeira mole. Constituição Função no compósito da madeira Macromolécula comprida e Formação da parede celular; linear feita de unidades de dá estabilidade estrutural à celobiose. madeira, em forma de rigidez e alto módulo de tração. Macromoléculas de cadeia curta, muitas ramificações, feitas de pentosas e hexosas. Formação da parede celular; dá estabilidade estrutural à madeira, em forma de elasticidade e tenacidade. Macromolécula com ramificações tridimensionais, feita de unidades de metoxifenilpropano. Material de rejunte na célula da madeira; responsável pelo endurecimento da madeira, mas também pelo efeito amortecedor de impactos. A celulose é um polissacarídeo de fórmula (C6H10O5)x, onde a unidade monomérica C6, a glicose, é implementada de maneira altamente regular, formando uma longa cadeia polimérica 26 Armin Isenmann Química a partir de Recursos Renováveis sem ramificações. A fórmula química que representa a maneira de conectar os monômeros é conhecida como “celobiose”, ver Fig. 13c. Grande parte da celulose se apresenta em forma cristalina, por sua vez especialmente resistente frente ao calor, solventes e reagentes químicos. Já a hemicelulose é um polissacarídeo bastante heterogêneo, tanto nas suas unidades monoméricas como na construção do polímero (muitas ramificações; cadeias curtas ao lado de cadeias longas). As fórmulas mais proeminentes entre as unidades monoméricas têm as fórmulas (C5H8O4)x e (C6H10O5)x. Os componentes C6 são principalmente galactose e manose, os monômeros C5 são na maioria xilose e arabinose (ver detalhes destas fórmulas na Fig. 57). A consequência desta heterogeneidade é um material relativamente amorfo, muito mais facilmente quebrado, tanto por hidrólise química como por calor, do que a celulose. A lignina é essencialmente o cimento que propicia a rigidez estrutural das plantas e árvores, formada por uma rede polimérica tridimensional de unidades metoxilas, arilpropanos e hidroxifenóis. A fórmula resumida deste polímero complexo e altamente ramificado pode ser dada por C9H10O2(OCH3)x , na qual “x” é a razão de grupos metóxis (CH3O) para grupos arilpropanos (C9H10O2). Devido à heterogeneidade química a lignina é 100% amorfa (detalhes estruturais, ver os caps. 4.2 e 0). Empiricamente se acham: x = 1,4 para madeiras duras; x = 0,94 para madeiras moles e x = 1,18 para gramíneas. O que dá a rigidez a esta rede polimérica são as ligações cruzadas. A lignina é o maior constituinte não carboidrato, correspondendo entre 15 e 25% do vegetal. A maneira como estes três componentes se apresentam na madeira, um composto altamente rígido e tenaz, mostram as figuras Fig. 10 eFig. 11. Fig. 9. Esteira com cavacos de madeira de eucalipto, na fábrica de isolamento da celulose da CENIBRA, Belo Oriente, MG. 27 Armin Isenmann Química a partir de Recursos Renováveis Fig. 10. Estrutura terciária da fibra de madeira: a região entre as fibras é denominada de lamela média (LM; rica em lignina); a camada externa da fibra é a parede primária, depois a parede secundária em três camadas (S1, S2, S3) das quais S2 é a mais importante na produção por ser a mais grossa, mais rica em celulose e, devido à orientação longitudinal, com as cadeias mais compridas; o miolo “lúmen” é de consistência esponjosa. Fig. 11. Estrutura quaternária do material compósito da madeira: as fibras de celulose, envoltas pelas hemiceluloses, por sua vez embutidas na matriz da lignina. Conforme descrito acima, a celulose é de longe o material mais bem definido, no que diz respeito à composição química. Portanto, é a parte mais interessante da madeira para as indústrias de transformação química, onde o número de derivados produzidos deve ser mantido mais baixo possível. 28 Armin Isenmann Química a partir de Recursos Renováveis Diferentes tecnologias são empregadas para a obtenção de produtos químicos e combustíveis a partir dos componentes de biomassa lignocelulósica. A conversão bioquímica é usada para processar os componentes açúcares da celulose e hemicelulose para convertê-los em etanol pela fermentação 6. Já a conversão química através da hidrólise ácida 7 pode levar à produção do furfural (a partir de polissacarídeos C5; detalhes ver Fig. 93) e ácido levulínico / ácido fórmico (a partir de polissacarídeos C6; detalhes ver Fig. 95). O terceiro componente da biomassa lignocelulósica, a lignina, não é fermentável, nem muito adequado para transformações químicas, mas pode ser queimado para gerar eletricidade e calor, ou passar por tratamentos termoquímicos para produzir biocombustíveis (diesel via síntese de Fischer-Tropsch depois da gaseificação; ver p. 129) e produtos químicos (pela pirólise; ver p. 104). A princípio, todos os três componentes principais da biomassa podem ser gaseificados para gás de síntese 8 ou pirolisados para render óleos 9. Certamente, o foco da indústria que processa recursos renováveis, está na celulose, já que este componente da madeira é um composto puro, enquanto as hemiceluloses e, no extremo, a lignina são misturas de muitos diferentes compostos – fato que dificulta enormemente as transformações controladas e a purificação do(s) produto(s). Portanto, a celulose merece nossa primeira atenção, em todos aspectos: sua estrutura química, sua extração a partir de material lignocelulósico, e sua transformação química em derivados de alto valor. As hemiceluloses e a lignina ficam na segunda linha e serão discutidas mais para frente (cap. 4.1 e cap. 4.2, respectivamente). 3 Especialmente estável: a celulose 3.1 Dados econômicos acerca da celulose A celulose é o biopolímero mais importante e mais produzido em nosso planeta. Estimamos a produção de celulose via fotossíntese, com 1,3 bilhões de toneladas por ano. Ela ocorre em quantidades variáveis em todas as plantas superiores, em muitos cogumelos e algas. A fibra natural de algodão é de 95% de celulose, seguido pelas madeiras duras (com 40 a 75%), enquanto as madeiras moles, bagaço e feno têm apenas 30 a 50% de celulose. A maior quantidade da celulose produzida industrialmente é usada, no momento, para produzir papel e papelão. O próximo gráfico compara as produções anuais da celulose e do papel, mostrando a importância econômico deste recurso para o Brasil. 6 T.L. Ogeda, D.F.S. Petri; Hidrólise enzimática de biomassa. Quim. Nova 33 (2010), 1549. 7 D.M. Alonsi, J.Q. Bond, J.A. Dumesic; Catalytic conversion of biomass to biofuels. Green Chem. 12 (2010), 1493. 8 X.T. Li, J.R. Grace, C.J. Lim, A.P. Watkinson, H.P. Che, J.R. Kim; Biomass gasification in a circulating fluidized bed. Biomass, Bioenergy 26 (2004) 171. 9 Q. Zhang, J. Chang, T. Wang, Y. Xu; Review of biomass pyrolysis oil properties and upgrading research. Energy Convers. Manage. 48 (2007), 87. 29 Armin Isenmann Tab. 7. Química a partir de Recursos Renováveis Os maiores produtores mundiais de celulose e papel (valores de 2012). 5 Fig. 12. Desenvolvimento dos setores de Celulose e Papel no Brasil, nos últimos 45 anos. Vista geral sobre a importância dos setores de Celulose e Papel no Brasil 220 empresas com atividade em 540 municípios, localizados em 18 Estados 2,2 milhões de hectares de florestas plantadas para fins industriais 30 Armin Isenmann Química a partir de Recursos Renováveis 2,9 milhões de hectares de florestas preservadas 2,7 milhões de hectares de área florestal total certificada Exportações: US$ 6,7 bilhões Saldo Comercial: US$ 4,7 bilhões Impostos pagos: R$ 3,5 bilhões Emprego: 128 mil empregos diretos (indústria 79 mil, florestas 51 mil) e 640 mil empregos indiretos 3.2 Estrutura química da celulose A celulose pertence à família dos carboidratos, mais corretamente aos polissacarídeos. Os demais carboidratos de importância industrial são: amido (amilose e amilopectina), quitina e quitosana, e os mono e dissacarídeos que conhecemos todos como açúcar. É um poliglicosídeo, onde os monômeros de glicose são cíclicos e conectados entre si, por seus carbonos 1 e 4, através de ligações de acetal, (-CH(OR)2). A situação desta conexão especial entre o grupo aldeído e os grupos -OH situados nos carbonos C1 e C4 é ilustrada na Fig. 13a. Podemos postular que a ciclização da glicose acontece antes do estabelecimento das ligações de acetal entre os monômeros; daí observa-se no carbono C1 do monômero o agrupamento -C1H(OR)OH. Esta formação se chama de hemiacetal, que é o produto da condensação intramolecular entre o aldeído no C1 e o grupo -OH do C5. O grupo –OH deste hemiacetal mostra, como se vê na Fig. 13b, para cima, no caso do monômero que levará à celulose. Numa projeção semelhante este grupo –OH mostra para baixo, no caso do polímero linear do amido. Esse detalhe estereoquímico é, a princípio, a única diferença química entre a celulose e o amido (amilose). Detalhes desta conexão "1,4-" da celulose, ver Fig. 13b. Assim, temos uma poli--D-glicosido-1,4-glicopiranose, ela é representada na Fig. 13c, um polímero com bastante facilidade para se organizar em forma de um cristal, por sua vez bastante favorecido por até quatro ligações de hidrogênio, a cada unidade monomérica (Fig. 13d). Isso conta com aproximatamente (4 x 25) kJ.mol-1 , a cada unidade monomérica, e um comprimento de 1000 a 14.000 unidades monoméricas por molécula de celulose, podemos contar (já incluídas as imperfeições cristalinas), com a enorme estabilidade de > 30.000 kJ.mol-1! 10 (a) 10 N. Sonnenberg; Theoretische Untersuchungen zur Adsorption von Arzneistoffen an mikrokristalliner Cellulose (Tese, em Alemão), Ed. Couvillier, Göttingen 2008. 31 Armin Isenmann Química a partir de Recursos Renováveis (b) (c) (d) Fig. 13. Formação da celulose: (a) Projeção de Fischer e projeção anelada do monômero glicose; (b) Formação do anel piranóide via hemiacetal. (c) Representações alternativas da cadeia polimérica da celulose. (d) Ligações de hidrogênio dentro da celulose cristalina. A celulose foi isolada e caracterizada primeiramente pelo químico Anselme Payen (1838) e representa a molécula orgânica mais disseminada no planeta. O mais marcante é a conexão glicosídica (Fig. 13c) que, muito ao contrário da conexão que achamos no amido, não pode ser facilmente quebrada por nosso estômago. Portanto, a celulose não serve como alimento humano. Isso tem vários motivos, entre outros: Não dispomos de uma enzima que catalisa a hidrólise da conexão -glicosídica. 32 Armin Isenmann Química a partir de Recursos Renováveis A alta estereorregularidade do polímero favorece a conformação de cadeias alongadas em zig-zag. Uma cadeia de celulose contém entre 500 e 7000 unidades de glicose (em algodão até 15.000 unidades!), enquanto na parede secundária se encontram cadeias mais compridas do que na parede primária (ver Fig. 10). Isso leva à formação de cristais de estabilidade extraordinária (ver Fig. 13d). Os agregados da celulose são maiores e mais densos do que os da amilose. Em consequência, o nosso estômago não consegue hidrolisar (= quebrar sob catálise ácida) a celulose em tempos hábeis. As cadeias da celulose são rigorosamente lineares (isto é, sem ramificações). Portanto, a formação de pontes de hidrogênio intra e especialmente intermoleculares são favorecidas. Sob condições normais, celulose é extremamente insolúvel em água, o que é necessário para sua própria função como sustentação estrutural nas paredes celulares vegetais. Sete formas cristalinas foram identificadas para celulose, e são designadas como I α, Iβ, II, IIII, IIIII, IVI e IVII. As condições externas que permitem a interconversão entre elas estão representadas na Fig. 14. Tecnicamente mais importante é a modificação I , cujo campo de aplicação é a “celulose solúvel” (ver cap. 3.8). Esse nome é um pouco enganoso, já que a modificação I é justamente aquela que não se dissolve em uma lixívia de 17,5% de NaOH. Fig. 14. Interconversão das modificações da celulose e as condições favoráveis, sendo que a forma I é a mais abundante. Fonte: T.L. Ogeda, D.F.S. Petri, Hidrólise enzimática de biomassa, Quim. Nova 33 (2010), 1549-1558. O grau de cristalinidade em celulose nativa é de 60 a 90%, confirmado por difração de raio-X. Formam-se então as microfibrilas, com grandes partes cristalinas. Estas têm um diâmetro de 10 a 100 nm e um comprimento de vários micrômetros. Em diferentes orientações eles formam as paredes celulares das plantas, onde fazem parte com 20 a 40% durante a fase de crescimento e aumenta para 40 a 60% em paredes secundárias. 33 Armin Isenmann 3.3 Química a partir de Recursos Renováveis Extração da celulose a partir da madeira A madeira pode ser usada, como todos sabemos, diretamente como combustível. Além da geração de energia, ela é essencial na construção civil e na indústria moveleira. Seu desfibramento gera serragem e um pó que são utilizadas para a produção de chapas MDF (do inglês: Medium Density Fibreboard), a degradação térmica (= pirólise) fornece o carvão vegetal e, finalmente, sua digestão química leva à separação dos compostos químicos da madeira e gera produtos como a celulose e o papel. Um resumo destas linhas é dado na Fig. 15. Fig. 15. Vista geral sobre as linhas do processamento alcalino (em amarelo) da madeira (em verde) e as matérias / produtos envolvidos (em azul). Fonte: http://www.tappsa.co.za/archive3/Journal_papers/On_the_management_of_odour/on _the_management_of_odour.html 34 Armin Isenmann Fig. 16. Química a partir de Recursos Renováveis Esquema funcional de uma fábrica de celulose. Em geral, os processos de digestão fornecem as fibras da celulose, enquanto grande parte da lignina e das hemiceluloses se solubiliza, recolhida e concentrada no chamado "licor negro" (inglês: tall oil). No licor negro o polímero da lignina foi hidrolisado e partido em pequenos fragmentos ou até monômeros. As pontes de éteres da lignina foram quebradas e os fenóis livres, melhor falado os fenóxidos (por trabalhar em ambiente fortemente alcalino), se solubilizam na fase aquosa. O- OH H3CO H3CO SH- + HOR + ArOH RO OH Ar S OH O Fig. 17. Reação abstraída, da dissolução da lignina em lixívia de sulfeto alcalina (processo Kraft). Existem poucos usos economicamente viáveis para o licor negro, portanto é geralmente concentrado na fábrica de celulose (cap. 3.7.3), em uma pilha de evaporadores, e usado como combustível (cap. 3.7.5) para a caldeira de recuperação (geração de licor branco, vapor ou energia em turbinas). Sua destilação fracionada 11, por outro lado, é difícil devido à alta 11 Autor desconhecido, Tall oil production and processing. Resumo sobre o processamento do licor negro na Nova-Zelândia, disponível em http://nzic.org.nz/ChemProcesses/forestry/4G.pdf 35 Armin Isenmann Química a partir de Recursos Renováveis tendência de polimerizar. Assim, o equipamento é coberto, após pouco tempo de operação, por uma resina pegajosa. Pequenas partes do licor negro, porém, são processadas para: Resina de colofônia, melhor conhecida como “breu” ou “betume” (uso: indústria de borracha, colas e tintas de impressão; além disso, é valorizado pelos violinistas e ginastas). Ácidos graxos, Vanilina (Fig. 20) e outros compostos usados em fragrâncias, Óleos de terebintina. E destes produtos aproveitam, principalmente, as indústrias de: Mineração (coletor em processos de flotação), Polpa e Papel (selador que impede a tinta penetrar na folha), Tintas (solvente e aglutinante para tintas de impressão), Borrachas (umectante para látex, na produção de espumas resilientes e leves). Podemos afirmar que a tendência atual é desenvolver os processos que têm a finalidade de recuperar a lignina pura do licor negro, sem notável decomposição. Plantas-pilotos estão em desenvolvimento 12, mas por enquanto não são econômicos. A digestão química da madeira ocorre principalmente por dois processos, a serem discutidos a seguir. Fig. 18. 3.4 Produção e uso da celulose O processo Kraft O processo mais importante para a obtenção da polpa da madeira é o processo Kraft, também conhecido como processo de sulfato. Especialmente madeiras de alta resina (abetos, coníferas), mas também plantas de crescimento de um ano (ainda em fase experimental), podem ser processadas por este método. O tempo do ciclo de digestão é especialmente curto e o consumo da água de processo (isto é, a carga de poluição do lençol aquático) é 12 A.J. Ragauskas et al., Lignin valorization: improving lignin processing in the biorefinery. Science. 344 (2014) 6185. C.O. Tuck et al., Valorization of biomass: deriving more value from waste. Science. 337 (2012) 695-9. J.K. Weng et al., Emerging strategies of lignin engineering and degradation for cellulosic biofuel production. Curr. Opin. Biotechnol. 19 (2008) 166-72. 36 Armin Isenmann Química a partir de Recursos Renováveis relativamente baixo: calculam-se cerca de 20 m³ de água a cada tonelada de celulose (não branqueada) produzida. Mundialmente são produzidos cerca de 80% da celulose por este processo. Desvantagens: A grande desvantagem é a alta poluição odora: os processos de purificação dos gases de escapamento são complexos e de alto custo. Também podemos admitir que a eficácia do processo Kraft, em termos de rendimento sobre as matérias-primas, fica abaixo do processo de sulfito. Também nota-se uma coloração mais escura (bege a marrom) da celulose que sai do processo Kraft. Portanto, essa requer de mais esforços nas etapas subsequentes do branqueamento. Descrição do processo: A madeira é picada e os cavacos são levados por meio de esteiras (Fig. 9)a um tanque de cerca de 50 m³. Lá são tratados com uma solução de soda cáustica, sulfeto de sódio e carbonato de sódio, enquanto o pH fica entre 10 e 14. As ligninas e hemiceluloses solubilizam-se em grande parte. Parte do Na2S é consumida nesta etapa, portanto deve ser reposta. Isto geralmente é feita em forma de sulfato de sódio, Na2SO4. Esse sal, embora ser muito barato, não tem eficiência no processo da digestão, portanto deve ser transformado em sulfeto, S2-, por sua vez o agente digestor principal. As condições fortemente redutoras, necessárias para essa etapa, são dadas na caldeira de recuperação. A celulose produzida pelo processo Kraft (do alemão: força) é especialmente forte, suas fibras se destacam por um alto módulo de tensão. Condições típicas no digestor Kraft: Temperatura: 150 a 180 °C Pressão necessária para atingir essa temperatura: 5 a 8 atm Tempo de residência média: 4 horas. O processo Kraft pode ser conduzido de forma contínua ou descontínua (inglês: batch). O mais importante é o processo contínuo, conforme ilustrado na Fig. 19. As lascas de madeira são fornecidas ao pré-digestor onde são inchados por vapor de água a cerca de 2 atm. De lá são levadas, junto à mistura da lixívia virgem, à cabeça do digestor principal. Este tem 90 °C na cabeça e até 180 °C no meio. As lascas atravessam lentamente este digestor. Enquanto disso, parte da lixívia do processo deve ser refluxada externamente. No fundo do digestor a lixívia é separada mecanicamente das fibras da celulose. A lixívia carregada com o licor negro é levada à estação de recuperação, enquanto as fibras da celulose são submetidas ao próximo tratamento que será a lavagem (em várias etapas) e o branqueamento. 37 Armin Isenmann Química a partir de Recursos Renováveis (a) (b) Fig. 19. Produção da celulose pelo processo Kraft em operação contínua: a) Fluxograma do processo da digestão; b) Esquema indicando o fluxo das matérias. A parte da recuperação do licor de digestão é discutida em detalhe no cap. 3.7, na p. 42. 38 Armin Isenmann 3.5 Química a partir de Recursos Renováveis O processo de sulfito O segundo mais importante processo de polpamento da madeira, historicamente o primeiro (1866), é o processo de sulfito. Em um digestor de até 400 m³ (feito de aço especial, resistente à pressão e oxidação química) as lascas de madeira são tratadas com bissulfitos (Ca(HSO3)2) e um excesso de ácido sulfuroso (H2SO3). Mais recentemente usam-se também os bissulfitos de magnésio e de amônio, com a finalidade de amenizar as condições agressivas. Nesta etapa a lignina torna-se solúvel, em forma de ácidos sulfônicos da lignina. O pH é um parâmetro bastante flexível neste processo e pode ser ajustado, desde ácido até fortemente alcalino. Em ambientes ácidos ocorre também a hidrólise das hemiceluloses e o produto sólido é uma celulose bastante pura. CHO CH 2 CH H C SO 3- Na+ CH 3 O CH 3 O OH Vanilina OH Fig. 20. Fórmula abstraída do sulfonato da lignina (= solúvel na água), produzido pelo processo de sulfito. Um dos possíveis produtos a partir deste licor é a vanilina, substância valorizada como aromatizante. Condições típicas deste processo: Temperatura 140 °C Pressão até 8 atm Tempo: 8 a 10 horas. O tempo de digestão é então aproximadamente o dobro do processo Kraft. A vantagem do processo sulfito é a baixa carga odora, ou seja, baixa taxa de produção de compostos voláteis de enxofre. Também a qualidade da celulose que sai deste processo, é mais pura e clara. A desvantagem principal do processo sulfito é que madeiras ricas em resina mostram-se bastante resistente à digestão. Outra é a geração de grandes volumes de águas poluídas. Uma terceira é, especialmente quando operar em ambiente ácido, uma taxa elevada de hidrólise dentre as cadeias da celulose, sinônimo para a perda do produto. O produto acoplado, em analogia ao processo Kraft, é um licor, desta vez conhecido como "lixívia de sulfito". O destino geral deste é a incineração, após a concentração e secagem, e geração de energia para os demais processos da fábrica de celulose. Pequena parte é usada para isolar os sulfonatos da lignina (ver Fig. 20), os fenóis ou produzir vanilina. Pesquisas atuais visam o aproveitamento do alto teor em açúcares na lixívia de sulfito, transformando-a em etanol via processos fermentativos. 39 Armin Isenmann Química a partir de Recursos Renováveis Fig. 21. Diagrama operacional do processo sulfito, acoplado à biorrefinaria de etanol. 3.6 Outros processos de extração da celulose. Processo de soda cáustica: A madeira picada é submetida por poucas horas, à soda cáustica de 6 a 8%, a uma pressão de 4 a 8 atm. Resulta uma celulose alcalinizada e, infelizmente, um grande volume de água servida. Outra desvantagem: a soda cáustica somente pode ser usada uma vez, sua recuperação não é economicamente viável. Processo caro e ultrapassado. Processo de Pomillo: É um processo que foi desenvolvido especialmente para cana, feno e os talos finos de cereais. As matérias-primas são digeridas em soda cáustica diluída e depois tratadas com cloro livre, num processo oxidante. No final extrai-se a fibra branqueada, através de uma soda cáustica mais concentrada. Digestão com ácido nítrico: É principalmente aplicada em madeira de faia e fornece uma celulose de alta qualidade. Em primeira etapa a madeira é tratada com HNO3 14%, a 50 °C. Esse tratamento é prosseguido até a lignina ser completamente oxidada. Depois a concentração do ácido nítrico é abaixada 40 Armin Isenmann Química a partir de Recursos Renováveis por diluição com água a 100 °C, a menos de 1%. A celulose, no entanto, não é atacada significativamente durante o cozimento de 7 horas. Depois, a lignina oxidada deve ser removida, por cozimento em NaOH diluído. Após a separação do licor negro a celulose pode ser tratada igual aos demais processos, descritos acima. Processos "Organossolv" Processos a base de solventes orgânicos são mais recentes e ainda em desenvolvimento. Incluem solventes iônicos, isto são sais cujos cátions (orgânicos) são bastante grandes e de baixa simetria. Isso gera dificuldade na cristalização, ou seja, os pontos de solidificação destes sais ficam bastante baixos - no extremo são líquidos até a temperatura ambiente! As vantagens, além do seu alto poder de solução de materiais orgânicos polares, são sua baixa volatilidade e sua inércia química. Isso permite seu uso em processos de destilação e o reaproveitamento em ciclos fechados. Fig. 22. Alguns líquidos iônicos, solventes avançados que podem ser construídos para processos específicos (tayloring solvents, designer solvents). Ecologicamente corretos são especialmente aqueles solventes que se produzem a partir de açúcares, tais como a frutose 13. Informe-se das aplicações destes novos solventes no artigo de revisão: P. Wasserscheid, W. Keim, Angew. Chem. Int. Ed. 2000, 39, 3772. 13 G. Imperato, New organic solvents based on carbohydrates (2006). Dissertação disponível em http://epub.uniregensburg.de/10513/1/PhD.pdf S. T. Handy, M. Okello, G. Dickenson, Solvents from biorenewable sources: Ionic liquids based on fructose. Org. Lett. 5 (2003) 2513-2515. 41 Armin Isenmann Química a partir de Recursos Renováveis 3.7 Recuperação de químicos - uma máxima na indústria moderna mostrado no ciclo de recuperação do processo Kraft 14. Sem dúvida alguma, o processo Kraft é de longe o mais importante processo para obtenção da celulose, matéria prima da fiação e do papel e de suma importância econômica brasileira. Mas isso não seja o único objetivo para discutir a parte da recuperação do processo Kraft. Mais essencial ainda é destacar a necessidade da recuperação de energia térmica e recursos químicos em qualquer indústria com transformações químicas. A recuperação da lixívia de digestão da madeira é um ótimo exemplo onde os reagentes químicos agressivos do processo da polpação da madeira são mantidos em um ciclo fechado, minimizando assim o impacto ambiental. Tendo como base este enfoque, a otimização da recuperação de produtos químicos, da matriz energética e da geração de energia e vapor baseada na queima de resíduos do processo é um fator crucial para o bom funcionamento da fábrica de celulose. Aspectos como Auto-suficiência energética, Eliminação de resíduos, Minimizar a poluição atmosférica, a carga nas águas servidas e a quantidade de resíduos sólidos inutilizáveis nos aterros industriais, Reutilização eficiente de químicos do processo e Otimização de custos da matriz energética, podem conferir às empresas diferenciais de custo, competitividade no mercado e garantia de operação. 3.7.1 O Ciclo de Recuperação de Químicos Kraft Este capítulo não tem por objetivo esgotar todos os processos e detalhes do ciclo de recuperação Kraft. Pretende-se apresentar de forma sucinta e objetiva as principais variáveis de cada processo para que o aluno possa se familiarizar com o ciclo de recuperação Kraft. Na Fig. 23 pode-se obter uma impressão do ciclo de recuperação Kraft convencional, cujas etapas principais e os materiais envolvidos sejam apresentados a seguir. 14 A seção 3.7 foi elaborada baseando-se em um texto de Júlio César Tôrres Ribeiro; com permissão da CENIBRA S.A., Belo Oriente, MG. Monografia recomendada: R. P. Green, R. Hough, Chemical Recovery in Alkaline Pulping Processes. 3. ed. Atlanta: TAPPI Press, 1992. 42 Armin Isenmann Fig. 23. Química a partir de Recursos Renováveis Vista geral do ciclo de recuperação do licor de digestão da madeira. 3.7.2 Subproduto do digestor: o licor negro fraco O cozimento da madeira é realizado em um equipamento denominado digestor. O digestor é um vaso de pressão no qual são alimentados cavacos, licor branco e vapor. O licor branco é o agente químico que reage com a lignina e hemicelulose, propiciando a separação das fibras de celulose dos demais compostos orgânicos da madeira que são dissolvidos. Como a lignina é o principal composto a ser separado, esta etapa é também chamada de deslignificação. Na Fig. 24 pode-se visualizar um fluxograma da área de cozimento e lavagem. 43 Armin Isenmann Fig. 24. Química a partir de Recursos Renováveis Fluxograma simplificado cozimento e lavagem. Fonte : Cenibra O tempo de retenção no digestor é determinado pelo ritmo da produção, sendo que normalmente a metade do tempo corresponde às etapas de impregnação dos cavacos e cozimento. O restante do tempo corresponde ao que se chama de lavagem contra corrente ou high heat extraction. Dentro do digestor a massa formada pelo licor de cozimento e cavaco passa por três zonas. A primeira é a zona de cozimento que possui peneiras destinadas à extração do licor e envio do mesmo a um trocador de calor, onde será aquecido com vapor, retornando após, ao local de onde foi extraído. Este licor, que foi extraído pelas peneiras de cozimento, é misturado com licor branco na tubulação antes da chegada ao aquecedor. A segunda zona possui peneiras de homogeneização, que têm o mesmo propósito das peneiras de cozimento. A última zona possui peneiras de extração, que retiram o licor e o conduzem para ciclones de expansão, onde será expandido e enviado para centrífugas chamadas de centrifilters onde finalmente ocorre a separação do licor preto fraco, recuperando as fibras de celulose. Este licor, mais uma vez filtrado nos difusores, será enviado à evaporação para depois, na forma concentrada (com >60% de sólidos), alimentar a caldeira de recuperação química. No fundo do digestor sai a massa que ainda contém bstante licor negro fraco. Este último é separado nos difusores, sendo descarregado do difusor pela própria pressão interna. Como o fluxo da descarga é pré-estabelecido, o licor excedente à manutenção da consistência da polpa sobe em sentido contrário ao da massa, arrastando o álcali nela contido, juntando-se ao licor de cozimento já inativo que acompanhava a sua descida, sendo extraído em contracorrente. Apesar da lavagem em contracorrente na metade inferior do digestor, a massa descarregada ainda necessita de lavagem para retirada da soda e lignina dissolvida. O segundo estágio de lavagem normalmente é feito em difusores utilizando o licor negro diluído originário da etapa de depuração marrom. O sistema opera completamente fechado, isolado do ar, minimizando a formação de espuma, quaisquer contaminações e auto-oxidação. Assim se consegue a melhor taxa de reutilização do licor negro diluído extraído do mesmo – além de atenuar a poluição odora do ambiente. 44 Armin Isenmann Química a partir de Recursos Renováveis O licor enviado para a evaporação normalmente tem um teor de sólidos entre 14 e 20%, e é constituído de orgânicos dissolvidos (60 a 70%) provenientes da madeira e de inorgânicos originados do licor de cozimento (30 a 40%). 3.7.3 Evaporação e concentração do licor negro fraco A evaporação, ou concentração, do licor negro é realizada em evaporadores de múltiplo efeito utilizando vapor de baixa pressão proveniente das extrações de uma turbina. Uma planta de evaporação moderna normalmente consiste de 6 efeitos com uma economia de aproximadamente 5 t de água evaporada por t de vapor utilizado. Os concentradores e/ou evaporadores são equipados com trocadores de calor do tipo casco/tubo ou placas, dependendo da tecnologia empregada por cada fabricante. O evaporado gerado em cada efeito é condensado no efeito seguinte através da troca de calor com o licor alimentado naquele efeito, com o último efeito sendo condensado em um condensador barométrico. A pressão decresce progressivamente até atingir atmosfera rarefeita de aproximadamente 640 mm Hg no último condensador. É muito comum a ocorrência de corrosão em evaporadores e concentradores, devido à alta alcalinidade do licor, especialmente nos efeitos mais concentrados. Desta maneira torna-se essencial a melhoria dos materiais empregados em sua fabricação. Um dos aspectos que diminui o desempenho de uma planta de evaporação é a formação de depósitos nos concentradores de licor, especialmente nos últimos efeitos, que trabalham com o licor mais concentrado. Isso se deve em primeira linha ao limite de solubilidade dos sólidos dentro do licor negro forte, em menores partes também à polimerização dos compostos insaturados provenientes da lignina. Embora a engenharia já contribuiu bastante neste equipamento, ainda são necessárias intensas práticas operacionais e de limpeza, para prevenir grandes perdas, tanto de material como de calor, devido a estas incrustações. Os subprodutos nesta etapa de concentração são principalmente gases que podem ser classificados como SOG (Stripper Off-Gases), que são os gases separados numa coluna de lavagem de gases, que geralmente são ricos em gases condensáveis (tais como alcoóis). GNC (Gases combustíveis Não Condensáveis). Esta mistura de gases é rica em compostos TRS (Total Reduced Sulfur, ver nota de rodapé 15 na p. 55). Note que o GNC também contém metanol embora este ser um gás que se liquefaz com facilidade. Esses gases são enviados para uma caldeira aparte onde são queimados (= oxidados), resultando em compostos com menor impacto ambiental. Uma planta típica de evaporação é apresentada na Fig. 25. 45 Armin Isenmann Fig. 25. Química a partir de Recursos Renováveis Fluxograma simplificado da evaporação. Fonte: Cenibra Os principais objetivos da evaporação do licor negro são listados abaixo: a) Utilizar eficientemente a energia requerida para evaporação, sendo que uma planta típica de evaporação consome até 25% da energia total de uma planta de celulose Kraft. b) Separar eficientemente o vapor d'água e os gases combustíveis, GNC e SOG. c) Separar os óleos terpênicos que, além de grande valor econômico, podem gerar incrustações e espuma. Esses óleos são componentes de madeiras de coníferas (1,7% do licor negro), enquanto as madeiras folhosas (<0,2%) geralmente não requerem esta etapa. d) Concentrar o licor negro fraco para concentrações superiores a 64%, contendo alto teor de inorgânicos e alto poder calorífico. Quanto maior a concentração, mais eficiente é o processo de queima na caldeira de recuperação. 3.7.4 Composição do licor negro forte O licor negro (inglês: tall oil) proveniente da depuração e lavagem da polpa é composto basicamente de compostos orgânicos complexos e inorgânicos dissolvidos em um meio aquoso alcalino e sua composição química depende do tipo de madeira e das condições de cozimento. As propriedades físicas do licor negro estão diretamente relacionadas à sua composição química, à concentração de sólidos, ao teor de inorgânicos e à temperatura. 46 Armin Isenmann Química a partir de Recursos Renováveis 50% CAVACO 50% LICOR CELULOSE NEGRO Substância dissolvida da madeira (Lignina, celulose, etc.) Fig. 26. Reagentes químicos Inorgânicos Composição do licor negro forte O termo “licor negro fraco” refere-se ao licor recebido da depuração e lavagem da polpa, sendo que usualmente sua concentração encontra-se na faixa de 14 a 20% de sólidos. Após concentrado nos evaporadores de múltiplos efeitos este licor pode ter sua concentração aumentada até 80% nos sistemas mais modernos, sendo que 72% é uma concentração bastante usual nos dias de hoje. A este licor concentrado, que posteriormente será queimado na caldeira de recuperação, dá-se o nome de “licor negro forte”, que tem no caso da Cenibra (Belo Oriente, MG) em torno de 70% de sólidos e fica altamente viscoso. A composição típica de um licor negro é apresentada na Tab. 8. Tab. 8. Composição típica do licor negro. As propriedades do licor negro, importantes para o processo de evaporação e também na sua injeção e queima na caldeira de recuperação, são (em parênteses valores de orientação): Densidade (1,8 g/ml) Viscosidade (80 a 150 cP a 100 °C; isso corresponde à viscosidade de mel), Elevação do ponto de ebulição (120 °C), Teor de sólidos (70%) Calor específico (0,65 cal.g-1.K-1) e 47 Armin Isenmann Química a partir de Recursos Renováveis Poder calorífico (3200 kcal/kg da base seca). A queima do licor negro forte na caldeira de recuperação libera calor. O poder calorífico superior (PCS) é a medida da quantidade de calor liberada na combustão completa (condição de excesso de oxigênio). Valores típicos de PCS do licor negro variam na faixa de 3000 a 3600 kcal por kg de sólidos secos. Os componentes orgânicos e o enxofre com baixo NOX contido no licor negro contribuem para o aumento do poder calorífico. Outros inorgânicos, inclusive o Na2SO4 adicionado ao licor para compensar o enxofre perdido pelos voláteis, agem como diluentes e diminuem o poder calorífico. O poder calorífico de alguns constituintes do licor negro é apresentado na Tab. 9. Tab. 9. Poder calorífico superior de constituintes do licor Componente PCS (kcal/kg) Lignina de coníferas 6.450 Lignina de folhosas 6.000 Carboidratos 3.240 Resinas, ácidos graxos 9.000 Sulfeto de sódio 3.080 Tiossulfato de sódio 1.380 3.7.5 Caldeira de Recuperação As primeiras caldeiras de recuperação, também conhecidas como “caldeira de Tomlinson”, entraram em operação na década de 1930, o que ajudou nas fábricas de celulose a reduzirem custos com resíduos tóxicos e gastos com a recuperação de químicos e, ao mesmo tempo, aumentarem a eficiência energética. A caldeira de recuperação química é um gerador de vapor que utiliza o licor negro concentrado proveniente da evaporação como combustível e cumpre três papéis de extrema importância no ciclo de recuperação, sendo eles: a) exercer o papel de um reator químico para produzir carbonato de sódio e sulfeto de sódio; b) destruir a matéria orgânica dissolvida eliminando o problema de descarga deste material no meio ambiente; e c) gerar vapor e energia a partir da queima do licor negro. Os objetivos de uma caldeira de recuperação são esquematizados na Fig. 27. 48 Armin Isenmann Química a partir de Recursos Renováveis VAPOR AR (O2) Caldeira CALOR (energia) Lama de LICOR recuperação Na2S SMELT NEGRO Na2CO3 LICOR VERDE TRANSFORMAÇÃO CO2 e H2O MATÉRIA ORGÂNICA Fig. 27. Objetivos da caldeira de recuperação. A geração de vapor e energia é um objetivo secundário da caldeira de recuperação. Caso a caldeira de recuperação seja o ponto de restrição de produção é comum prejudicar-se a eficiência da geração de vapor em detrimento do aumento do potencial de queima de licor. Todavia, constatamos uma taxa expressiva na matriz energética se deve hoje à queima do licor negro: em torno de 66% da energia consumida pelas indústrias brasileiras de celulose vem deste recurso. 49 Armin Isenmann Química a partir de Recursos Renováveis Fig. 28. Evolução da matriz energética nas indústrias de papel e celulose, nos últimos 45 anos no Brasil. 5 No passado, a caldeira de recuperação era uma das maiores fontes de poluição de uma fábrica de celulose. Com as crescentes pressões ambientais, necessidade de aumento de eficiência dos processos e desenvolvimento de novas tecnologias, ela se tornou um processo extremamente eficiente no tocante a emissões atmosféricas e geração de resíduos. A próxima figura mostra o ciclo das matérias (sólidas, líquidas e gasosas), no qual a caldeira de recuperação tem um papel central. DIGESTOR FORNO DE CAL VAPOR CAVACOS ÁGUA DE LAVAGEM LAMA DE CAL CELULOSE LICOR BRANCO LICOR PRETO FRACO CAL CAUSTIFICAÇÃO LICOR VERDE LICOR PRETO FORTE CALDEIRA DE RECUPERAÇÃO EVAPORAÇÃO Fig. 29. Fluxograma da matéria na fábrica de celulose, onde a caldeira de recuperação tem uma posição-chave. Na Fig. 30 é apresentado um esquema de uma caldeira de recuperação onde são mostrados os seus principais componentes. 50 Armin Isenmann Química a partir de Recursos Renováveis Gases chaminé Alimentação Tambor de vapor Vapor para processo Parede de água Ventilador Tiragem induzida Super aquecedores Economizador Nariz Tambor de água e purga Precipitador Eletrostático Forno Ventilador Tiragem forçado Aquecedor de ar a vapor Ar terciário Licor concentrado Make-up sulfato Tanque de mistura Bico Aquecedor licor Ar primário Vapor de aquecimento direto Fig. 30. Ar secundário Smelt para tanque de dissolução Caldeira de recuperação - Principais partes O licor para queima é injetado através dos bicos de licor localizados em aberturas nas paredes da fornalha, que é formada de tubos e também faz parte do circuito de geração de vapor. O licor acumula-se no fundo da fornalha formando o que se chama de “camada”, região onde existe deficiência de ar para queima proporcionando uma atmosfera redutora que irá propiciar a redução do sulfato de sódio a sulfeto de sódio. A eficiência de redução é um dos parâmetros mais importantes de operação da caldeira de recuperação, visto que o sulfato de sódio não tem ação no cozimento da madeira e o sulfeto de sódio é um agente ativo de cozimento. Após queimado, o licor negro dá origem a um fundido, também conhecido por licor verde ou smelt, que escorre através das bicas de smelt em direção ao tanque dissolvedor. O licor verde é rico em carbonato e sulfeto de sódio e é encaminhado ao processo de caustificação. Tal como os bicos de licor, as aberturas para o ar de combustão estão localizadas nas paredes da fornalha. Normalmente o ar é inserido em pelo menos três níveis proporcionando três regiões diferenciadas de queima ao longo da fornalha conforme detalhado na Fig. 31. As funções de cada nível de inserção de ar podem ser resumidas como abaixo: Ar primário – localizado na zona de redução. a) queimar os sólidos que caem sobre a camada; 51 Armin Isenmann Química a partir de Recursos Renováveis b) fornecer, através da combustão da matéria orgânica, o calor necessário para promover a redução do sulfato para o sulfeto, uma reação equilibrável de caráter endotérmico; c) ajustar a forma e configuração da camada para obtenção de uma boa eficiência de redução; Ar secundário – localizado na zona de secagem. a) completar a combustão do licor e dos gases voláteis; b) admitido em alta pressão e velocidade, para homogeneizar os gases voláteis e sustentar sua combustão; c) auxiliar na secagem do licor. Ar terciário – localizado na zona de oxidação. a) completar a combustão dos gases; e b) realizar a selagem na região da fornalha para reduzir as emissões de material particulado. Os gases quentes resultantes da queima do licor são retirados da caldeira com o auxílio de um ventilador de tiragem induzida. No trajeto de saída dos gases há grande troca térmica nos superaquecedores, cortina d’água, bancada e economizadores. Normalmente os gases de combustão estão na faixa de 450 a 550 °C na saída da fornalha. Seu calor pode ainda ser aproveitado através de trocadores de calor (principalmente para pré-aquecer o ar de combustão), antes de serem descartados na chaminé a uma temperatura média de 170 °C. 52 Armin Isenmann Química a partir de Recursos Renováveis A Zona de secagem: Zona onde ocorre a secagem do licor e volatilização dos leves. Fornalha Licor negro C Zona de redução: B Fica no fundo onde é formado o leito e ocorre a redução do sulfato ao sulfeto. A C B Fig. 31. Zona de oxidação: Zona superior onde há uma alta turbulência a fim de promover uma combustão completa. Zonas de reação na fornalha de uma caldeira de recuperação. A água faz o caminho inverso, sendo alimentada nos economizadores, aproveitando o calor residual dos gases e chegando ao balão de água/vapor em uma temperatura abaixo do ponto de saturação àquela pressão. Inicia-se, então, um processo de circulação natural devido à diferença de densidade proporcionada pelas diferenças de temperatura da água entre os diversos pontos da caldeira. A água desce pelas paredes da fornalha e retorna ao balão de água/vapor, e posteriormente, já na forma de vapor saturado, é encaminhado aos superaquecedores, onde ocorre o superaquecimento para a temperatura e pressão desejadas. Este vapor é conduzido diretamente ao pré-digestor e digestor dos cavacos. Aspersão de licor e a formação das gotículas na caldeira de recuperação A aspersão do licor negro na caldeira é feita através dos bicos de licor, cujo projeto varia de fabricante para fabricante, e, muitas vezes, são desenvolvidos especialmente para determinado tipo de licor ou caldeira. O objetivo do projeto do bico de licor é proporcionar uma distribuição uniforme do fluxo circular em uma superfície plana. A geometria deste leque de licor irá determinar o tamanho e a trajetória das gotículas até a camada. Como explicado a seguir, o tamanho certo das gotículas e uma distribuição uniforme é vital para o bom funcionamento da caldeira de recuperação. 53 Armin Isenmann Química a partir de Recursos Renováveis Fig. 32. Esquema de alguns bicos de aspersão do licor negro forte: bico cônico que contém uma placa ranhurada inserida inteiramente ao bico (em cima); bico com abertura em forma de fenda (no meio); bico com placa defletora (45º em relação ao jato) na sua saída (em baixo). O controle do tamanho de gota na aspersão do licor é de suma importância para uma operação eficiente. Na condição ideal a gota de licor deveria atingir a camada enquanto ainda estivesse queimando. Gotas muito pequenas irão promover uma secagem muito rápida, porém as partículas sólidas serão facilmente arrastadas pelos gases. Gotas muito grandes poderão cair ainda úmidas na camada, podendo causar forte esfriamento, resultando na perda de combustão e apagamento, além de prejudicar o processo de redução {SO42- → S2-} na camada. Ainda tem-se a situação em que a gota atinge a camada já como smelt, o que indica que a mesma ainda está pequena. O tamanho e distribuição das gotas de licor ainda dependem de outros fatores operacionais e características do licor, tais como a pressão de injeção, a viscosidade e densidade do licor, a temperatura para queima e o teor de sólidos. Queima do licor negro Embora a queima do licor negro tenha paralelas com a queima de muitos combustíveis fósseis, a química do processo é mais complexa devido à função de recuperação química. Em adição ao carbono, oxigênio e hidrogênio que são comuns nos combustíveis fósseis, o licor negro contém quantidades substanciais de álcali (sódio e potássio) e enxofre. Os produtos da combustão não são apenas dióxido de carbono e água, mas também os químicos do cozimento que são recuperados, carbonato e sulfeto de sódio. Reações químicas importantes incluem a redução do sulfato, formação de fumos e reações de liberação e captura de enxofre livre. Em uma caldeira de recuperação, a queima do licor negro envolve a reação dos sólidos do licor, 54 Armin Isenmann Química a partir de Recursos Renováveis com o oxigênio do ar de combustão para a formação de gases combustíveis e o smelt (= matéria prima para o "licor verde"; ver p. 60). A queima do licor na fornalha pode ser dividida em 4 tipos de reações térmicas, sendo elas a pirólise, queima de voláteis, queima na “camada” e oxidação de inorgânicos. a) Pirólise: a pirólise é uma série de reações de degradação irreversíveis que os sólidos contidos no licor negro sofrem na medida em que a temperatura é aumentada. As reações de pirólise produzem um gás combustível rico em H2, CO, CH4, TRS 15, CO2, H2O. Além destes gases, acumulam-se hidrocarbonetos de alto peso molecular e compostos orgânicos na “camada”, no fundo da caldeira, uma mistura ainda rica em carbono reduzido. As reações da pirólise iniciam-se aproximadamente a 200 °C, quando as gotículas de licor passam por um processo de inchamento e inicia-se a liberação de gases voláteis. O inchamento das gotículas de licor é bastante considerável (fator de expansão em volume de até 20 vezes) fazendo com que a partícula resultante possua baixa densidade. Os resíduos sólidos da pirólise dão origem à camada, que é rica em carbono fixo (20 a 25%) e inorgânicos (75 a 80%). É importante ressaltar que as reações da pirólise ocorrem na ausência de oxigênio muito pelo contrário das reações de combustão (ver próximo item). As reações pirolíticas mais importantes no sentido da recuperação do licor, podem ser representadas por: Na2S + CO2 + H2O → Na2CO3 + H2S ; sulfetos para ácido sulfídrico (1) Na2O + CO2 → Na2CO3 ; soda cáustica para carbonato de sódio (2) CH4 + H2O → CO + 3H2 ; orgânicos para "Gás de síntese" (3) b) Queima de voláteis: a combustão dos gases originados na pirólise do licor é uma reação relativamente rápida e homogênea que pode ser sintetizada como Gases da pirólise (H2, CO, CH4, TRS) + O2 → CO2 + H2O + SO2 + energia (4) Os principais fatores requeridos para assegurar a combustão completa são o fornecimento de suficiente ar, boa mistura entre o ar e os gases e temperaturas altas o suficiente para que as reações se procedam, geralmente na faixa de 760 a 815 °C. Essas reações, ao contrário das reações da pirólise (ver acima), são todas bastante exotérmicas. c) Queima da camada: a camada consiste principalmente de carbono e sais inorgânicos. Os inorgânicos presentes na camada são essencialmente os mesmos presentes no smelt, ou seja, carbonato, sulfato e sulfeto de sódio e os sais análogos de potássio. A queima da camada consiste de duas etapas essenciais, sendo a primeira a oxidação do carbono fixo para CO e CO2. Isso libera calor, o que permite a fusão do smelt. A 15 TRS = Total Reduced Sulfur = porcentagem de enxofre com baixo NOX, em relação ao enxofre total. Estes gases são os principais responsáveis pelo odor característica da fábrica de celulose. Os componentes principais são metilmercaptano, CH3SH, sulfeto de hidrogênio, H2S, sulfeto de dimetila, CH3SCH3, e dissulfeto de dimetila, CH3SSCH3. Todos são tóxicos e a gente percebe com cheiro desagradável. 55 Armin Isenmann Química a partir de Recursos Renováveis segunda é a redução dos compostos de enxofre através do carbono livre e o monóxido de carbono. As principais reações da queima na camada podem ser resumidas como segue: Reações do carbono fixo (= fuligem) . C + ½ O2 → CO (combustão incompleta) (5) C + O2 → CO2 (combustão completa) (6) C + CO2 ↔ 2 CO (equilíbrio de Boudouard) (7) Reações de redução C + ½ Na2SO4 → CO2 + ½ Na2S (8) C + ¼ Na2SO4 → CO + ¼ Na2S (9) C + Na2SO4 → Na2O + SO2 + CO (10) CO + ¼ Na2SO4 → CO2 + ¼ Na2S (11) CO + Na2SO4 → Na2O + SO2 + CO2 (12) As reações predominantes pelas quais o carbono é consumido dentro da camada são as reações com o sulfato presente no smelt (reações 8 a 12). O fator-chave deste conceito é que a redução do sulfato ocorre simultaneamente com a queima do carbono, e as reações entre sulfato e carbono são mais rápidas que entre sulfeto e oxigênio (= reoxidação indesejada, ver abaixo). Isto requer temperaturas suficientemente altas, onde a reação de oxidação do sulfeto é uma reação controlada pela transferência de massa (diffusion control). Temperaturas na faixa de 980 a 1040 °C são adequadas para a ocorrência destas reações. d) Oxidação de inorgânicos: são reações exotérmicas que ocorrem rapidamente quando a camada é enfrentada a um excesso de oxigênio e à falta de carbono. Além disso, é reprimida a temperaturas muito altas - uma consequência da sua exotermia (Lei de Van t´Hoff). A mais importante é a oxidação do sulfeto ao sulfato de sódio, exatamente o contrário do desejado: Na2S + 2 O2 → Na2SO4 + 3.083 kcal/kg (13) O mecanismo de queima da gota de licor pode ser sumarizado conforme a Fig. 33. 56 Armin Isenmann Fig. 33. Química a partir de Recursos Renováveis Mecanismo da queima de uma gotícula de licor negro. As cinzas da caldeira de recuperação são periodicamente analisadas; elas têm na média a composição indicada na Tab. 10. Tab. 10. Composição ideal das cinzas da caldeira de recuperação (valores médios mássicos): K2SO4 Na2SO4 NaCl Na2CO3 pH sol. % % % % a 5% 13 61 17 9 11 Rel. Molar Rel. Molar Cl/(Na + K) K/(Na + K) 0,20 0,10 Reações e composição dos fumos Fumo, ou “arraste de cinzas”, é o nome dado às partículas muito finas produzidas pela volatilização dos compostos do sódio na fornalha. No caso da caldeira de recuperação estes são quase exclusivamente sais inorgânicos. Em pequenas partículas os sais de natureza alcalina são carregados junto aos gases da combustão e chegam na parte superior da caldeira onde podem depositar-se (ou reagir!) nas superfícies metálicas mais frias. Elevar os sais de sódio e potássio ao estado de vapor requer energia (= endotérmico), enquanto as condições para sua volatilização são dadas logo acima de 900 °C: 57 Armin Isenmann Tab. 11. Química a partir de Recursos Renováveis Dados físicos dos sais presentes na caldeira de recuperação Sal NaCl KCl Fusão 800 °C 772 °C Evaporação 1461 °C 1413 °C Na2O K2O 920 °C >490 °C - - NaOH KOH Na2CO3 K2CO3 319 °C 410 °C 854 °C 900 °C - - 1380 °C 1327 °C Portanto, a geração de fumos tende a ser auto-limitante na ausência da fonte de calor. De fato, quando chegam na saída da fornalha e passam pelos tambores de água, eles já voltaram para o estado sólido – o que dificulta sua aderência e abaixa sua reatividade com os metais do equipamento. Mesmo assim, podemos constatar relativamente alta taxa de corrosão nesta parte da fornalha. Durante a pirólise do licor quantidades consideráveis de compostos de enxofre reduzido ("TRS"), são geradas. Parte deste TRS vaporiza na fornalha e deve ser oxidado a SO 2 e capturado, para que as emissões totais de TRS através dos gases da combustão sejam mantidas baixas. O sequestro do SO2 é estabelecido pela presença de quantidade suficiente de álcali nos gases de combustão, por sua vez regulada prioritariamente pela temperatura na parte baixa da fornalha. À medida que a temperatura aumenta ocorre maior volatilização, gerando maior concentração de álcalis nos gases. Desta maneira se gera condições propícias para a captura do SO2, devido ao aumento da concentração de partículas de Na2CO3 e a reação (15), resultando na formação de Na2SO4. 2 NaOH + CO2 → Na2CO3 (arraste) + H2O (14) Na2CO3 + SO2 + ½ O2 → NaSO4 (arraste) + CO2 (15) A geração dos fumos acarreta também uma série de problemas cuja minimização é um desafio constante aos engenheiros e ao material usado no gargalo da fornalha. Sabe-se da agressividade dos vapores de NaOH que causam corrosão no lado mais frio da fornalha. Os cloretos, NaCl e KCl, são igualmente bastante voláteis e potencializam o poder corrosivo do hidróxido. Esta volatilidade dos cloretos é a explicação pela qual as cinzas tendem a ser enriquecidas em cloreto e potássio (embora as porcentagens de K+ e Cl- serem baixas em termos absolutos). Experiências têm mostrado que a proporção destes elementos em depósitos e nas cinzas dos precipitadores pode ser de 2 a 3 vezes maior que a proporção dos mesmos no licor para queima. A formação de fumos possui então aspectos benéficos e problemáticos para uma caldeira de recuperação. O principal benefício é a captura de gases de enxofre, diminuindo as emissões totais de TRS e reduzindo o odor. O lado problemático está relacionado com a geração excessiva e concentração de íons Cl- e K+ nos fumos, o que contribui fortemente para a obstrução das passagens de gases e corrosão em geral. Maior detalhamento a este assunto será o objeto da próxima seção. Incrustações e a composição das cinzas As incrustações nas tubulações de uma caldeira de recuperação têm sua origem nos gases da combustão do licor na fornalha, onde sais de sódio e potássio (constituídos basicamente de Na2CO3, Na2SO4, NaCl, KCl e K2SO4) incorporam-se ao fluxo ascendente de gases em volumes maiores que os normais. 58 Armin Isenmann Química a partir de Recursos Renováveis As cinzas aderidas aos tubos caracterizam-se pela presença de partículas fundidas, ou parcialmente fundidas, cuja composição é predominantemente Na2SO4 e Na2CO3. A aparência e a composição química do depósito indicam que tipo de mecanismo deu origem ao arraste. Pode-se afirmar que elevados níveis de concentração de Na2CO3 nas cinzas são indicativos de arraste. Outro fato bastante citado na literatura é a cor rosada ou avermelhada dos depósitos, indicando a presença de enxofre reduzido nos depósitos. Os principais fatores que propiciam o arraste são: a) O arraste mecânico de gotículas não queimadas é fortemente influenciado pelo nível de sobrecarga da caldeira, que provoca um aumento no volume de gases de combustão e, consequentemente, na velocidade de ascensão e remoção destes gases. b) A aspersão de um licor insuficientemente concentrado para queima é outro fator que fortemente contribui para o arraste mecânico de gotículas, pois o excesso de água que é injetado na fornalha expande-se em vapor aumentando várias vezes em volume, e é conduzido junto aos gases de combustão aumentando a velocidade do fluxo. c) A deficiência na distribuição e na pressão do ar para combustão (especialmente o terciário e/ou quaternário que são os responsáveis pela selagem da fornalha) é outro fator determinante para a ocorrência do arraste mecânico de gotículas de licor. d) Operação com temperaturas e pressões de licor inadequadas nos bicos aspersores. e) A ocorrência de variações bruscas de queima de licor na caldeira também influencia no arraste mecânico devido aos gradientes de pressão e às variações de vazão de gases que ocorrem durante as mudanças. A influência que cada um destes fatores exerce no arraste de cinzas e na formação de depósitos depende de cada caso e, normalmente, vários fatores ocorrem simultaneamente, sendo necessária a adoção de várias contramedidas que visam eliminar, ou pelo menos, minimizar os seus efeitos. Características incrustantes das cinzas A composição química das cinzas (ver Tab. 10) pode contribuir negativamente na formação de incrustações na parede externa dos tubos. Um mecanismo bastante conhecido na literatura é a condensação dos vapores dos compostos inorgânicos que são arrastados junto com os gases de combustão dando origem a cinzas bastante aderentes. K+ e Cl- em determinadas concentrações e temperaturas geram uma fase líquida (Tfus(KCl) = 772 °C), aumentando a aderência das partículas e tendo por conseqüência dificuldades na remoção dos depósitos e aceleração do processo incrustante e de obstrução das passagens de gases da caldeira. De um modo geral, os principais problemas causados pela alta concentração de cloreto e potássio no ciclo de recuperação são as incrustações, a corrosão nas tubulações da caldeira, bem como a recirculação constante destes inertes no processo. Verificou-se também que a formação de depósitos nas tubulações depende da quantidade de fase líquida presente nas cinzas e que esta quantidade de fase líquida por sua vez é dependente da temperatura. Cinzas com porcentagem de fase líquida entre 15 e 70% incrustam nas tubulações, causando problemas na troca de calor. Cinzas com menos de 15 ou mais de 70% de fase líquida escoam pela tubulação, eliminando os problemas de deposição. 3.7.6 Caustificação e Calcinação O processo de caustificação possui dois objetivos básicos e de essencial importância, que são a produção do licor branco para o cozimento dentro das especificações requeridas para o processo e 59 Armin Isenmann Química a partir de Recursos Renováveis a lavagem da lama de cal gerada durante o processo de caustificação para propiciar a sua requeima em um forno de cal. Nesta etapa fecha-se o ciclo de recuperação, onde, a partir do licor negro fraco originado de um cozimento anterior chega-se a um novo licor de cozimento. Na próxima figura visualizase o processo de caustificação e forno de cal. Fig. 34. Fluxograma geral de caustificação e forno de cal. Fonte: Cenibra 3.7.7 O Licor verde Originado da queima do licor negro forte na caldeira de recuperação, o smelt escorre pelas bicas direção ao tanque dissolvedor onde se forma o licor verde. No tanque dissolvedor ocorre sua diluição com o “licor branco fraco”, originado da lavagem de lama dando origem ao que se chama de licor verde bruto. O licor verde bruto é composto basicamente de carbonato e sulfeto de sódio, sendo que outros sais também estão presentes em menores concentrações, tais como sulfato, tiossulfato e cloreto de sódio. Neste licor não clarificado também se encontra um componente indesejável ao processo chamado de dregs 16, que deve ser eliminado. O dregs é composto basicamente de material carbonizado, sílica, sulfetos metálicos e outros sais. 16 D.V.S. Matias, Análise do potencial de valorização dos resíduos de Licor Verde da Indústria de Pasta de Papel. Monografia disponível em https://estudogeral.sib.uc.pt/bitstream/10316/20446/1/Disserta%C3%A7%C3%A3o_Final_DM.pdf 60 Armin Isenmann Química a partir de Recursos Renováveis Antes de ser submetido ao processo da caustificação (próximo item), o licor verde bruto tem que passar por um processo de clarificação, que ocorre basicamente por sedimentação em clarificadores tradicionais, ou através de filtros pressurizados em processos mais modernos. O dregs é então removido nesta etapa e passa por um processo de lavagem para recuperação de álcali, sendo então filtrado e descartado. Após este processo de clarificação, tem-se o licor verde clarificado, que é um dos reagentes do processo de caustificação. Note que a etapa do preparo do licor verde é uma das fontes dos gases TRS (nota de rodapé 15), portanto a segunda maior fonte poluidora odorífica da fábrica de celulose Kraft, logo depois do próprio digestor. 3.7.8 Preparo do licor branco (= "Caustificação") O carbonato de sódio (soda) presente no licor verde é inativo no processo de cozimento, então cabe à etapa de caustificação convertê-lo em hidróxido de sódio, principal agente de cozimento, através da adição de cal virgem. Note-se que uma decomposição térmica da soda, conforme Na2CO3 Na2O + CO2, é tecnicamente inviável, pois acontece somente acima de 1500 °C. A preparação do licor branco inicia-se em um equipamento denominado extintor de cal. O extintor de cal compreende um tanque com agitação e uma região de classificação que consiste de uma calha inclinada com um raspador no fundo. Nele são alimentados o licor verde, a cal virgem e água dando início às reações de caustificação. O licor branco bruto transborda para a calha e segue por gravidade para os caustificadores, a próxima etapa do processo. A cal não reagida e outras impurezas sedimentam no classificador e são então removidas. A este resíduo dá-se o nome de grits. Os caustificadores são tanques em série, usualmente em número de três, com agitação, onde a reação de caustificação se completa. A mistura do licor branco junto à lama de cal é então bombeada para grandes tanques chamados de clarificadores de licor branco, que operam em série, ou para filtros pressurizados nas fábricas mais modernas. Nos clarificadores ocorre a clarificação do licor branco através da sedimentação da lama de cal em um processo semelhante à clarificação do licor verde. Normalmente o primeiro tanque funciona como clarificador e o segundo como estocagem do licor branco para envio ao digestor. A qualidade do licor branco depende de um controle eficiente da reação de caustificação, onde se atinge os valores de álcali efetivo e sulfidez desejados, e da decantabilidade da lama. Lama com boa decantabilidade irá proporcionar um licor com baixos valores de sólidos suspensos (menos que 40 mg/l), o que é ideal para o cozimento. Para auxiliar no processo de clarificação do licor verde ou branco, podem-se usar polímeros especiais que auxiliam na decantação do dregs e da lama de cal. A lama de cal proveniente da etapa de clarificação de licor branco é bombeada ao lavador de lama de cal, onde se adiciona água para a lavagem por diluição com o objetivo de se recuperar o máximo em soda cáustica (NaOH) antes da etapa de calcinação. Esta lavagem pode ser feita em uma unidade de decantação, filtro pressurizado ou filtro com pré-camada a vácuo dependendo das instalações de cada fábrica. O filtrado desta etapa é conhecido como licor branco fraco e é enviado ao tanque dissolvedor de fundido na caldeira de recuperação como elemento de diluição. Opcionalmente pode-se primeiramente enviar a lama de cal proveniente da clarificação do licor branco a um ‘filtro recuperador de licor’, normalmente a vácuo com pré-camada, onde parte do licor branco bruto é recuperada como licor branco clarificado. 61 Armin Isenmann Química a partir de Recursos Renováveis A lama de cal lavada é então bombeada ao misturador de lama e, posteriormente, a um filtro ao vácuo para lavagem final, desaguamento e alimentação ao forno de cal (ver cap. 3.7.9). A química do processo é relativamente simples, ocorre em duas etapas e pode ser representada da seguinte maneira: CaO + H2O Ca(OH)2 + 270 kcal/kg de CaO Ca(OH)2 + Na2CO3 (16) 2 NaOH + CaCO3↓ (17) O óxido de cálcio (CaO) reage primeiramente com a água para formar hidróxido de cálcio Ca(OH)2, liberando uma considerável quantidade de calor. Essa reação é conhecida como extinção da cal. O hidróxido de cálcio resultante reage então com o carbonato de sódio do licor verde, gerando hidróxido de sódio e a lama de cal que se precipita. Esta reação é a caustificação propriamente dita. Apesar das reações serem apresentadas como reações distintas e independentes, na prática, há uma superposição das mesmas e a caustificação ocorre ao mesmo tempo em que a extinção. Sendo as reações reversíveis, todo o carbonato de sódio não pode ser transformado em hidróxido de sódio, qualquer que seja a quantidade de cal adicionada. O grau de conversão atingido, denominado Eficiência da Caustificação, é definido como a razão entre o peso do hidróxido de sódio final pela soma dos pesos do hidróxido de sódio e do carbonato de sódio iniciais, conforme a equação 18. Eficiência de Caustificação = NaOH final / (NaOH + Na2CO3) inicial (18) A eficiência de caustificação depende da concentração de álcali e da sulfidez do licor branco conforme pode-se verificar através da Fig. 35. Na prática procura-se operar com eficiências de caustificação 5% abaixo do limite máximo estipulado na Fig. 35, com o objetivo de evitar a geração excessiva de lama de cal (CaCO3) no extintor de cal. Uma conversão máxima é desejável, pois o carbonato não convertido representa uma carga inerte no sistema e necessidade adicional de soda cáustica. Por outro lado, o uso de licor mais fraco para obter um maior grau de conversão significa um incremento de custos na evaporação. Uma falta em cal neste processo da caustificação é conhecida com "under-liming", um excesso de cal como "over-liming". Ambos os desvios são prejudiciais para a fábrica, portanto a adição da cal é sujeito de controle permanente. 62 Armin Isenmann Química a partir de Recursos Renováveis Fig. 35. Eficiência da caustificação em função do álcali total (determinado por titulação). A explicação de menor eficiência na caustificação com um licor mais concentrado é que o hidróxido de sódio na solução reduz progressivamente a solubilidade do hidróxido de cálcio, até que não existam mais íons cálcio presentes que sejam suficientes para exceder o limite de solubilidade do carbonato de cálcio (= reverso da reação 17). 63 Armin Isenmann Química a partir de Recursos Renováveis Fig. 36. Esquema da recuperação da lixívia usada, separando as partes coloridas (da lignina, principalmente) Fonte: http://www.endersprocess.com/proc1.html Molten smelt, a by-product of the Kraft pulping process for making paper, is dissolved in water to become green liquor. Clarified green liquor is then reacted with lime in a slaker (called causticizing). This produces a fresh pulping chemical cooking solution (white liquor) and lime mud or lime sludge. Lime mud or sludge is in turn recalcined to lime or calcium oxide (CaO) by removal of carbon dioxide with heat. The result is fresh lime, ready for use in the slaker. The Enders' fluidized bed lime calciner is a two-stage fluidized bed reactor, in which the upper compartment is the dryer and the lower compartment the calciner. Lime mud is pumped into the drying stage where it is dried with hot gases flowing through the bed from the calcining stage and becomes part of the fluidized bed. Bed level is maintained since it is continually being skimmed off the top (overflows to feed transfer piping and into calciner stage). Um exame rigoroso de todas as variáveis que afetam a concentração ótima do licor branco é um estudo muito complexo, mas os efeitos das diferentes concentrações de licor sobre a caustificação são facilmente avaliados. 3.7.9 Calcinação A calcinação é basicamente o processo de conversão da lama de cal (inglês: lime slag) em cal requeimada. Esta reação processa-se a elevadas temperaturas, acima de 800 °C, em fornos rotativos, que funcionam como reatores e como dispositivo para transferência de calor. Os fornos são equipamentos de grandes dimensões, com comprimentos que podem chegar a mais de 100 m e 5 m de diâmetro, a princípio idênticos aos fornos rotativos da indústria cimenteira 17 . No entanto, os fornos da fábrica de celulose não operam a temperaturas tão altas, já que não é o objetivo fundir os minerais, mas apenas descarboxilar a CaCO3. O processo compreende a filtragem da lama de cal, devidamente lavada, com o objetivo de se atingir elevados teores de sólidos, geralmente acima de 70%. A lama de cal filtrada é então encaminhada ao forno de cal com o objetivo de ser calcinada dando origem novamente à cal, CaO. A cal produzida possui impurezas e material não calcinado que podem chegar até 12% da massa total. Este fato dá origem ao conceito de cal útil, que é o produto total da calcinação menos a carga de inertes. A conversão da lama de cal em cal requeimada é um importante passo para a produção do licor branco de cozimento no processo Kraft e normalmente fornece mais de 95% das necessidades de cal da fábrica. O abastecimento pode ser através da compra de cal virgem ou através da calcinação de calcário na própria fábrica. Neste último caso tem-se a necessidade de aproveitar da capacidade do forno. Normalmente os fornos utilizam óleo ou gás como combustível, sendo que em algumas instalações, os gases não condensáveis provenientes da evaporação e outros gases, como H2, são utilizados como combustíveis. Podemos dividir o forno de cal tradicional em quatro regiões funcionais: secagem da lama de cal, aquecimento, calcinação propriamente dita e resfriamento. 17 Ver painel didático A. Isenmann, “Alvenaria e vidro – Os pilares da civilização moderna”, disponível no site http://www.timoteo.cefetmg.br/site/sobre/cursos/quimica/repositorio/paineisdidaticos/ 64 Armin Isenmann Química a partir de Recursos Renováveis A secagem da lama pode ser realizada em secadores de lama, que são equipamentos acessórios aos fornos e aproveitam o calor residual dos gases da combustão ou no interior do próprio forno, logo nos primeiros metros. A lama é aquecida em contracorrente com os gases da combustão e com a energia armazenada em correntes instaladas em seu interior. Os secadores de lama conferem maior eficiência energética ao processo. A segunda etapa consiste no aquecimento da lama de cal até a temperatura de calcinação, quando se inicia a terceira etapa com a conversão do carbonato de cálcio em óxido de cálcio. Na descarga do forno rotativo existe um arrefecedor para a cal queimada, aproveitando das altas temperaturas do produto para pré-aquecer o ar de combustão deste forno. O fluxograma de um sistema moderno de calcinação e recuperação da lama de cal, sendo uma alternativa ao forno rotativo, é dado na Fig. 36. Fig. 37. Perfil térmico ao longo do forno de calcinação da fábrica de celulose. A reação química da calcinação neste forno é bastante simples: 426 kcal.kg-1 + CaCO3 CaO + CO2 (19) Os gases da combustão do forno de cal devem ser tratados por algum dispositivo de retenção de material particulado antes do lançamento na atmosfera. Os limites máximos permitidos de emissão de material particulado variam de país para país, de estado para estado, de cidade para cidade e tendem a ser mais rígidos quão mais proximidade da fábrica a um agrupamento populacional. Os filtros mais comumente usados são ciclones e, para remover as últimas poeiras, filtros eletrostáticos. 65 Armin Isenmann Química a partir de Recursos Renováveis Eletrodo Entrada Arames de Saída gás de gás Partículas recuperadas Eletrodo de Eletrodo de captação emissão Alta tensão contínua Fig. 38. Esquema de filtros de pó. Em cima e à esquerda: filtro eletrostático; à direita: ciclone. 66 Armin Isenmann Química a partir de Recursos Renováveis 3.7.10 Branqueamento da polpa celulósica Papel branco, quando mais branco, mais valorizado é. O fenômeno físico atrás da brancura da celulose é a refletância não direcionada da luz visível. Infelizmente, não é uma tarefa fácil de se produzir uma celulose opticamente limpa. E como todos sabem, o papel mostra a tendência de amarelar, ao longo do tempo e – especialmente rápido quando for exposto à luz direta 18. Uma aparência amarela, por sua vez, é nada outro do que a absorção específica de uma parte da luz visível; a ser correto, o material absorve a cor complementar do que nós observamos. No caso do amarelo-marrom, isto é um tom azulado. Portanto, a medição da alvura da celulose, melhor falado da refletância da celulose no espectro visível, é feita justamente com uma fonte de luz azul, a 457 nm, irradiada de maneira difusa, enquanto a luz espalhada pela amostra é registrada por um “observador normal” 19. O ensaio é padronizado e tem como referência uma substância inorgânica branca (MgO, BaSO 4 ou TiO2) cuja refletância é colocada na marca de 100%. Ainda depende, de menor grau, da grossura, umidade, aglomeração e orientação das fibras dentro da amostra. A lignina é a principal responsável pela tonalidade escura da polpa crua de celulose. Dependendo do grau de cozimento efetuado, a polpa que sai da centrífuga no descarregamento do digestor, pode ainda conter até 5% de lignina. Em segunda linha o amarelecimento da celulose pode ser causado pela presença das seguintes impurezas: Produtos da degradação da lignina (fragmentos despolimerizados, alquenos conjugados devido à desidratação, estilbenos, etc.); Ácidos hexenurônicos (= ácidos carboxílicos -insaturados; fragmento proveniente da hemicelulose e gerados durante o polpamento Kraft); Grupos carbonilas e carboxilas, especialmente quando estar em conjugação com C=C e com sistemas aromáticos; Extrativos da madeira (ácidos resinosos, ácidos graxos insaturados, polifenóis) Íons metálicos (principalmente o Fe3+, mas também Cu2+ e Mn2+) 20 A remoção da lignina e das demais impurezas que contêm grupos cromóforos é necessária, não só para se obter uma celulose quimicamente pura, mas também para dar um aspecto de alvura elevado, característica fundamental de um produto final com alta qualidade. Além disso, maiores esforços na purificação reduzem a tendência natural da reversão da alvura – um amarelamento lento do produto acabado, visível ao longo de meses e especialmente severo quando irradiado pelo sol. 18 O fenômeno é conhecido como “Reversão da Alvura”, o segundo mais importante critério de pureza da celulose; é promovido pelos fatores luz, calor, umidade, produtos químicos e oxigênio, e as principais fontes dessa instabilidade são um pH inadequado após a última etapa de lavagem, lignina residual, extrativos, metais (Fe3+), carbohidratos oxidados (grupos carbonilas e carboxilas), oxidantes residuais do processo do branqueamento (especialmente cloritos, ClO2-), aditivos no papel, e, mais severo que qualquer outro, os ácido hexenurônicos. 19 Os detalhes da colorimetria, fontes de luz normatizadas, observadores normais e sistemas colorimétricos, leia em A. Isenmann, “Corantes”, cap. 7. Disponível em http://www.timoteo.cefetmg.br/site/sobre/cursos/quimica/repositorio/livros/corantes/index.html 20 Ao contrário destes íons metálicos, onde cada um é capaz de formar complexos coloridos com estruturas orgânicas insaturadas, a presença do íon Mg2+ é considerada favorável ao processo de branqueamento, já que não faz complexos coloridos; além disso, tem um efeito estabilizante e protetor frente à celulose do que se aproveita, especialmente em etapas de baixa seletividade (O2, H2O2, ClO-) e/ou reagentes muito agressivos (O3). 67 Armin Isenmann Química a partir de Recursos Renováveis H OH C H OH C O Ar´ OCH3 OCH3 O O O Ar O trans-estilbenos (da Lignina condensada) Estruturas quinóides (da Lignina oxidada) HexA Cel OHFe3+ Cel Cel Lig CH2OH O O OH O O Complexos coloridos (impurezada de metais de transição) COOH O OH COOH O O OH O O OH Xilana CH2OH O O O O O CH2OH O O O HO OH OH Ácido hexenurônico típico (fragmentos da Hemicelulose) Grupos carbonilas, carboxilas, endiol (Carbohidratos oxidados) Fig. 39. Centros cromóforos e pro-cromóforos, estruturas que são responsáveis pela aparência amarela-marrom da polpa celulósica crua e parcialmente oxidada. Resulta então bleached hardwood kraft pulp (BHKP – celulose Kraft branqueada de fibra curta a média), por sua vez o segmento industrial mais forte na produção industrial brasileira, com uma taxa de crescimento anual (CAGR) de 4,3%, na média, desde 2000. O descoramento da celulose crua, geralmente chamado de branqueamento, é uma exigência da maioria dos aplicadores desta matéria-prima, principalmente da indústria de papel branco para imprimir ou escrever. A faixa de alvura depende da finalidade da polpa de celulose. Como a maioria é usada para a produção de papel (ver p. 95), podemos classificar grosseiramente o grau de alvura ser em: Embalagens: 25 a 30% Jornal: 60 a 70% Papel de impressão, xerox e escrever: 80 a 90% De longe o reagente mais aplicado para o branqueamento é o cloro ou derivados inorgânicos dele. O cloro elementar, Cl2, caiu fora da graça do consumidor devido ao elevado grau de poluição ambiental e às campanhas nas mídias que alertam o alto perigo deste gás. Especialmente perigosos são os compostos orgânicos com cloro, todos de elevada toxicidade (entre eles as super-toxinas do tipo dioxina), que são eluídos com a água do processo. Como o cloro representa em primeira linha um eletrófilo (mas também pode gerar radicais agressivos Cl.), seus primeiros alvos dentro da polpa marrom são os compostos altamente insaturados e 68 Armin Isenmann Química a partir de Recursos Renováveis aromáticos ricos em elétrons: a lignina e os ácidos hexenurônicos. Nestes pode ocorrer a substituição no anel aromático e/ou a adição do cloro na dupla-ligação C=C alifática. Também ocorrem reações de oxidação e a abertura de compostos cíclicos (inclusive aromáticos), no entanto, é o cloro radical sendo o responsável para esta reatividade. No branqueamento da sequência C-E-H-H (ver Tab. 13), por exemplo, são liberados 3 a 5 kg destes compostos, a cada tonelada de polpa seca. Numa estima grosseira, a indústria de celulose libera em torno de 250 mil toneladas de cloro ligado organicamente ao ano, perfazendo mais que 200 compostos identificados, até o momento. O grande problema dos organoclorados, além do seu elevado potencial tóxico, é sua durabilidade extraordinária e acumulação na natureza, já que não podem ser degradados por microorganismos. Mesmo assim, o Cl2 está bastante usado ainda, especialmente na China, por ser muito barato. O cloro é aplicado em um dos primeiros estágios do branqueamento, onde a lignina residual, por sua vez causa número um da coloração marrom da celulose crua, pode ser clorada com alta seletividade. Através desta derivatização a lignina torna-se mais solúvel na água e pode ser removida em 80 a 90%, na etapa de lavagem subsequente. O estágio de lavagem ou extração, geralmente é feito em ambiente alcalino (pH 10 a 11; 50 a 70 °C; tempo de retenção: 1 hora), para amenizar a fibra da celulose. A fim de destruir o restante dos grupos cromóforos que a celulose proveniente desta etapa “E” ainda contém, o cloro elementar não serve, pois ele quando aplicado em excesso, pode provocar uma derivatização da própria celulose: Em primeiro lugar devem ser mencionadas as oxidações que podem ocorrer nos grupos alcoólicos dos carbonos C6, C2 e C3 (em ordem de reatividade), que produzem grupos carbonilas, então potenciais grupos cromóforos. Também é notável a taxa de hidrólise dos elos entre as unidades de glicose, os acetais, devido ao pH que é tipicamente ácido durante o tratamento com cloro elementar. Resultam desta reatividade fragmentos hemiacetais são imediatamente oxidados a lactonas. Por fim, observa-se até uma a troca dos grupos –OH na unidade glicosídica por –Cl (substituição nucleofílica promovida por HCl), que leva a produtos consecutivos, organoclorados reativos e tóxicos. Como todas essas reações são nocivas à qualidade e o rendimento da celulose, opta-se nas etapas tardes do branqueamento por outros oxidantes poderosos e mais seletivos, ao mesmo tempo com baixo poder de cloração e baixo potencial de derivatizar/degradar a própria celulose. Etapas do branqueamento O branqueamento da polpa de celulose acontece tipicamente em vários estágios operacionais. Os princípios químicos atrás destas etapas são oxidação alternando com extração dos hidrossolúveis em ambiente alcalino. Já as etapas redutoras e extrações em ambiente ácido são bem menos aplicadas. É usual identificar o tratamento químico através de uma letra típica, conforme a tabela a seguir: Tab. 12. As principais técnicas de alvura e suas particularidades. Sigla Agente ativo Comentário C Cloro elementar, Cl2. A aplicação de cloro elementar constituía o primeiro estágio das sequências de branqueamento clássico. Derivatiza e despolimeriza a lignina que pode ser solubilizada e removida 69 Armin Isenmann Química a partir de Recursos Renováveis por um processo de lavagem em seguida (eficácia de um estágio: 40-60%). Apesar de ser pouco custoso, seu consumo é cada vez menos incentivado na indústria por ser altamente poluente. Cloro elementar somente existe no ambiente ácido (pH 2), enquanto um pH alto promove seu desproporcionamento em Cl- e ácido hipocloroso/hipoclorito, ClO- (ver abaixo). Condições típicas: 0,15-0,26% de Cl2, 30-50 °C, 5-30 min, pH 1,5-2,0. D Dióxido de Com maior especificidade para lignina, maior potencial de cloro, ClO2. oxidação e menor tendência de fazer substituições eletrofílicas. Era utilizado como último estágio de branqueamento, em pequenas concentrações, por seu custo elevado e sua periculosidade. Depois eram misturados o Cl2 e ClO2, já com potencial econômico em comparação ao Cl2 puro. Hoje o ClO2 é o maior substituto do cloro elementar, compensando gastos pelo tratamento simplificado dos efluentes. Também os graus de degradação da celulose provocada por outros oxidantes (hipoclorito, peróxido) são amenizados pela aplicação de uma etapa D. Condições típicas: dosagem de ClO2 0,5-2,0%, 70-90 °C, 3-5 h, pH 4. H Hipoclorito, ClO-. Degrada notavelmente a celulose em pH neutro, onde existe em forma de ácido hipocloroso, HClO, tanto por oxidações dentro da unidade monomérica (C2, C3, C6) como por clivagem das cadeias poliméricas (no C1). Portanto, é aplicada sob condições alcalinas pH > 9 (onde é conhecido com “água sanitária”), em etapas intermediárias ou finais da sequência do branqueamento. Condições típicas: 1-2% NaClO ou Ca(ClO)2 em termos de cloro ativo, 30-50 °C, 2-3 h, pH 10-11. Z Ozônio, O3. A geração do ozônio é um processo eletroquímico custoso e de baixo rendimento, especialmente se for feito a partir do ar; melhor resultado a partir de O2 puro: se obtém até 10% de O3, enquanto 90% são dissipados em forma de calor. O3 é o oxidante mais forte desta tabela (0 = +2,07 V) e um agente eficaz de branqueamento - se for aplicado sob condições controladas; se não O3 degrada severamente a celulose (despolimerização, formação de grupos carbonilas, etc.). Além das suas reações típicas, substituição eletrofílica no aromático e cicloadição do O3 como 1,3-dipolo em duplas-ligações C=C, o ozônio também pode gerar radicais livres que fazem reações subsequentes. O3 traz vantagens econômicas no processo ECF. Condições típicas: polpa mais espessa possível, baixa temperatura (20 °C), baixa dosagem de O3 (0,2% da polpa), 1-2 minutos, pH < 3. E Extração alcalina, pode ser: Após um estágio oxidante, forma o ligninato de sódio, solúvel que em meio básico, posteriormente removido da polpa parcialmente branqueada através de filtração rotativa a vácuo. 70 Armin Isenmann Química a partir de Recursos Renováveis Diminui a quantidade de estágios e consumo de outros reagentes, conservando fisicamente a polpa. A eficiência é aumentada com a adição de concentrações menores de oxigênio, hipoclorito ou peróxido de hidrogênio. Há duas maneiras de se tornar a extração mais eficaz: EO Extração oxidativa. Aplicando-se NaOH (menos usados: Ca(OH)2 e Na2CO3) e O2. Condições típicas: pH 11, 1-2 horas, 50-80 °C, 2-4% de álcali em relação à celulose pura e seca. Remove ligninas cloradas e oxidadas, resinas, ácidos graxos e sobras da hemicelulose. As etapas da extração intermediárias ajudam a economizar reagentes químicos agressivos e seguram o nível de alvura já alcançado. Etapas extrativas bem feitas são essenciais nas tecnologias ECF e TCF (expressões ver p. 80). EP Extração peróxido. com Soda cáustica e água oxigenada, H2O2. EP é muitas vezes aplicada em combinação com EO, daí chamada de EOP. A própria celulose é geralmente pouco afetada por essas etapas. Condições típicas do estágio EOP: alta diluição da polpa, 70-90 °C, 60-120 min, pH 10,5-11, 0,2-0,5% H2O2 (e 0,01-0,05% do aditivo Mg2+, se for necessário). O P Oxigênio Remove a lignina da polpa sob pressão, devido à baixa comum em alta solubilidade do O2. Condições típicas para BHKP: 6 atm, 95 °C, concentração. 1 hora, pH 11-12, 10% de polpa em suspensão. É menos nocivo ao meio ambiente e o agente oxidante mais barato. Atualmente representa uma alternativa ao estágio com ozônio. Entretanto, é o menos específico para a remoção da lignina (intermediários são radicais bastante agressivos) e diminui consideravelmente a viscosidade da celulose. A seletividade pode ser melhorada pela presença de Mg2+. Peróxido de H2O2 não ataca notavelmente a lignina residual nem os ácidos hidrogênio, hexenurônicos, mas descolora os grupos cromóforos (oxidação H2O2. dos grupos carbonilas para carboxilas que são incolores e/ou mais solúveis). A espécie ativa é o íon perhidróxido, HOO-. Infelizmente, uma parte da celulose é derivatizada também. H2O2 é facilmente destruído por metais de transição, especialmente Mn2+. Estes devem ser então complexados (EDTA ou silicatos) ou removidos (lavagem ácida) antes do estágio P; o Magnésio tem efeito benéfico neste estágio (ideal: Mg/Mn > 50) Condições típicas do estágio P (aplicado mais no final da sequência, após D, Z e perácidos): aditivo Mg2+ de 0,01-0,05%, 100-110 °C sob pressão (3-5 bar O2), 2-5% H2O2, 120-240 min, pH 10-11,5. Menos usados e somente aplicados em polpas especiais são as seguintes etapas (em parênteses o símbolo mais usado na literatura): Lavagem ácida (A); elimina os ácidos hexenurônicos, os principais responsáveis pela reversão de alvura; também solubiliza os íons metálicos. Uma etapa A, geralmente 71 Armin Isenmann Química a partir de Recursos Renováveis aplicada no início do branqueamento, ajuda a economizar outros reagentes oxidantes em etapas subsequentes, em até 50%. Também pode substituir a etapa com ozônio, por que ataca basicamente as mesmas impurezas da polpa. Infelizmente, as ligações glicosídicas da celulose (= acetais) são notavelmente hidrolisadas sob as condições da extração ácida, o que acarreta uma sensível redução do tamanho das cadeias e um aumento da solubilidade da celulose (perda nas fibras: ~2%). Quelação com EDTA (Q); serve para remover os íons de metais de transição que fazem complexos coloridos e/ou promovem o ataque por radicais livres; Redução com ditionita S2O42- (Y), Redução com boridreto BH4- (B), Redução com dióxido de tiouréia (= formamidina de ácido sulfínico, H 2N-C(=NH)S(=O)-OH), Branqueamento enzimático (X). São do tipo xilanase, mananase, peroxidase ou lacase e funcionam melhor na presença de um agente mediador (caro). Enzimas solubilizam as impurezas provenientes das hemiceluloses, então ajudam economizar agentes oxidantes agressivos. Porém, resíduos dessas enzimas no produto branqueado podem causar alergias. Aplicação de perácidos, tais como perácido fórmico, acético ou ácido de Caro, H2SO5. Estes são facilmente gerados “on site” numa etapa onde se usa H 2O2; no entanto, os perácidos são instáveis e se decompõem na presença de metais de transição, em meio alcalino e em altas temperaturas. Com a experiência de mais de 150 anos se mostraram as seguintes sequências apropriadas para conseguir determinados efeitos de branqueamento: Tab. 13. Sequências típicas das etapas de branqueamento e o grau de alvura. Alvura Sequência das etapas até 75% C-E-H de 75 a 80% C-E-H-H, C-E-D de 80 a 85% C-H-E-H, C-E-H-E-H, C-E-D, E-H-D de 85 a 90% O-C/D-EO/P -D, C-E-D-E-D, C-E-H-D-P, O-D-EO-D acima de 90% C-E-H-E-D-P, C-E-D-E-D, CD-E-D-E-D, O-CD-EO-D-D A máxima do branqueamento é o beneficiamento da celulose crua sem interferir na sua estrutura química. Porém, cada procedimento de branqueamento acarreta também uma perda no rendimento da polpa, geralmente de 3 a 10%. Isso não só se deve à extração das partes indesejáveis inclusive hemiceluloses, mas também e infelizmente ao ataque químico na própria celulose. A degradação da celulose se manifesta em primeira linha na degradação do grau de polimerização, quer dizer que a cadeia polimérica da celulose foi picada em pedaços menores. Tecnicamente isso se anota na qualidade físico-química do produto: a viscosidade da celulose soluta diminui e a facilidade de dissolvê-la aumenta. Em menor grau as próprias unidades monoméricas podem ser afetadas pelo tratamento químico do branqueamento (desidratações, oxidações, quebra da cadeia carbônica). 72 Armin Isenmann Química a partir de Recursos Renováveis A tecnologia do branqueamento é dominada por torres. Após cada tratamento químico (feito em bateladas) segue geralmente uma etapa de extração, onde a polpa é lavada em contracorrente. As lavagens ajudam economizar em agentes químicos da sequência. Água fresca, no entanto, usa-se apenas na primeira e na última extração da sequência, para reduzir o volume em águas servidas. Os materiais dos tanques, torres e tubulação é um grande desafio para os engenheiros, devido à altíssima agressividade dos reagentes. Isso vale especialmente para etapas no ambiente ácido, quer uma cloração que uma extração oxidante. Onde a resistência do aço inoxidável não for resistente o suficiente, outros materiais bem mais caros são usados, tais como titânio ou teflon. Fig. 40. Esquema de torre de extração, onde o fluxo da polpa pode ser ascendente ou descendente. 73 Armin Isenmann Fig. 41. MG. Química a partir de Recursos Renováveis Linhas 1 e 2 de branqueamento da empresa CENIBRA em Belo Oriente – Segue uma relação do consumo de químicos na linha do branqueamento, dando valores médios dos processos aplicados em 2010. Tab. 14. Consumo médio de reagentes e custos de branqueamento, por tonelada de celulose seca. Reagente Quantidade Cloro elementar 15 a 20 Kg Soda cáustica 15 a 25 Kg Dióxido de cloro 5 a 8 Kg Peróxido de hidrogênio 4 a 6 Kg Oxigênio ativado 16 a 24 Kg Custo de água US$ 1,00 Custo de energia / vapor US$ 1,00 Custo total US$ 30,00 Entre várias opções (ozônio, oxigênio tripleto, oxigênio singleto, água oxigenada, compostos oxidantes contendo cloro, entre outras) a indústria do papel branco opta hoje pelo dióxido de cloro, ClO2, cujas particularidades e reatividade químicas serão apresentadas a seguir. Especialmente eficaz na alvura: o dióxido de cloro A molécula do dióxido de cloro tem um número impar de elétrons (molécula “odd”), portanto é um radical livre. Com uma entalpia padrão de formação de fH0 = +104,6 kJ.mol-1 o dióxido 74 Armin Isenmann Química a partir de Recursos Renováveis de cloro representa um composto endotérmico e, portanto, instável. Isso explica em parte sua altíssima reatividade como oxidante, enquanto seu potencial para fazer substituições, tanto nucleofílicas como eletrofílicas, fica baixo. É facilmente solúvel na água fria, onde mantém sua alta reativiade e seu manuseio fica mais seguro. Embora o ClO2 é um dos mais potentes reagentes no branqueamento da polpa celulósica, não podemos calar sobre seu difícil manuseio: é um gás altamente tóxico, inflamável, corrosivo, que em alta concentração se torna explosivo! Os efeitos nocivos (não cumulativos) sobre a saúde humana se refletem nos seguintes valores: A exposição a 0,1 ppm de ClO2 no ar ainda é permitida por 8 horas; Seu cheiro se percebe acima de 1 ppm; Torna-se irritante acima de 5 ppm; É perigoso acima de 10 ppm e, finalmente, Tem efeito letal acima de 20 ppm. Tudo isso obriga a fábrica de usar equipamentos herméticos especiais (caro), um sistema de alerta altamente sensível e um plano de emergência especialmente rigoroso. Ainda um fato surpreendente: quando o ClO2 for misturado com cloro livre, os graus de corrosão nos tanques e tubulações são até menores do que no uso do Cl2 puro, devido à menor concentração de Cl- e H+ (explicação: o Cl2 puro gera 5 vezes mais cloretos do que o ClO2, dado o mesmo efeito de oxidação). Mas agora vamos olhar como o ClO2 é feito. O NOX do cloro no ClO2 fica entre o do ácido cloroso (HClO2; sais: cloritos) e do ácido clórico (HClO3; sais: cloratos). Portanto, o ClO2 pode ser obtido, tanto por oxidação de cloritos como por redução de cloratos. Em laboratório o ClO2 é comumente gerado a partir da oxidação do clorito de sódio com O2, Cl2 ou HClO: 2 NaClO2 + Cl2 → 2 ClO2 + 2 NaCl (1) 2 NaClO2 + HClO + HCl → 2 ClO2 + 2 NaCl + 2 H2O (2) Outro método aplicado em pequena escala é o desproporcionamento do clorato de sódio, onde o co-produto é o perclorato de sódio, por sua vez mais estável do que qualquer outro sal NaClOx: 2 HClO3 HClO2 + HClO4 (3) HClO2 + HClO3 2 ClO2 + H2O (4) ―――――――――――――――――――――――――― 3 HClO3 2 ClO2 + HClO4 + H2O (5) 75 Armin Isenmann Química a partir de Recursos Renováveis Como se vê na equação (4), é preciso retirar a água para deslocar o equilíbrio à direita. Tecnicamente se consegue isso ao tratar o clorato de potássio, a 0 °C com ácido sulfúrico concentrado. Daí o ácido clórico liberado (KClO3 + H2SO4 HClO3 + KHSO4) se decompõe espontaneamente, conforme (3) e desidrata conforme (4) formando o anidrido misto, ClO2 21. Em escala industrial, no entanto, o ClO2 é gerado exclusivamente por redução de clorato de sódio, NaClO3, como será mostrado em detalhe nas reações (14) a (17); a reatividade geral nestas sínteses: ClO3- + 2 H+ + e- → ClO2 + H2O (6) É o caminho único por que o clorato de sódio é um sal, de manuseio bem mais fácil (mas não livre de perigos!), pode ser concentrado, isolado, transportado e estocado por tempo indeterminado. Então temos que esclarecer como se consegue o clorato de sódio, NaClO3. Quando a eletrólise de uma salmoura ("Eletrólise cloro-álcali"), saturada em NaCl e à quente, é feita sem separação das células por membranas, o cloro produzido no ânodo se une livremente com o NaOH produzido no cátodo. Ânodo (oxidação): Cátodo (redução): 2 Cl- → Cl2 + 2 e- 2 H2O + 2 e- → H2 + 2 OH- (7) (8) Reação consecutiva é o desproporcionamento do cloro que acontece especialmente fácil em ambiente alcalino: Cl2 + OH- → Cl- + H+ + ClO- (9) Até aqui o processo serve para gerar os reagentes de alvura, cloro elementar (C) e hipoclorito (H). Porém, na presença de certos metais (Fe, Cu, Mn, Ni, Co) e sob insuficiência de álcali (ou compensação do álcali produzido, pelo acréscimo de ácido durante a eletrólise), o hipoclorito formado na reação (9) libera o ácido hipocloroso que é instável e se decompõe conforme: 2 HClO → 2 HCl + O2 (10) 3 HClO → 2 HCl + HClO3 (11) Destas, somente a reação (11) é útil para a fábrica, enquanto (10) atenua o rendimento e somente aumenta os custos do processo. As reações que acontecem nas imediações do ânodo 21 A reação (5) serve na analítica qualitativa, para comprovar cloratos. Basta tratar a amostra com ácido sulfúrico concentrado. O ClO2 liberado se percebe indiretamente: sob as condições aplicadas esse gás explode espontaneamente – o que se percebe pelos estorinhos. 76 Armin Isenmann Química a partir de Recursos Renováveis levam então ao clorato de sódio, NaClO3, enquanto uma parte do reagente continua como cloreto: 3 Cl2 + 6 OH- → ClO3- + 5 Cl- + 3 H2O (12) Como já mencionado na reação (8), a eletrólise libera no cátodo hidrogênio que sobe da célula de eletrólise e pode ser usado como combustível alternativo nas fornalhas. Apesar desta vantagem energética, podemos afirmar que este processo eletroquímico representa um dos maiores consumidores de energia (elétrica) na fábrica de celulose! 354 kJ + NaCl (aq) + 3 H2O → NaClO3 (aq) + 3 H2. (13) Condições típicas na célula de eletrólise onde se produz o clorato de sódio: Ânodo: titânio revestido por dióxido de rutênio; Cátodo: aço carbono; Temperatura: 40 °C; Regulamento do ambiente a pH 6 (adição de HCl); Mistura mecânica durante o processo, estabelecida pelo ânodo móvel. Reação é incompleta, portanto precisa de remoção do restante do NaCl, por cristalização fracionada. Hoje é possível produzir 280 a 700 g de NaClO 3 (e 80 a 180 g de NaCl), a cada litro de salmoura primária. O clorato de sódio é matéria-prima para fósforos, fogos de artifício, herbizidas, percloratos, hipocloritos e geradores de oxigênio 22, entre outros; sua produção anual é crescente, ela alcançou 450.000 t no ano 2013, somente nos EUA. Mas >90% do NaClO3 são atualmente tratadas com ácidos para liberar dióxido de cloro que tem aplicação quase exclusiva no branqueamento de polpa celulósica. O ClO2 é um branqueador superior ao cloro livre, no processo de branqueamento da celulose, porque age apenas como oxidante e não como agente de cloração frente à celulose. Atenção especial deve ser prestada a este reagente, pois torna-se altamente explosivo em concentrações elevadas. Portanto, o ClO2 é, sempre que possível, produzido no local da sua aplicação. A liberação do dióxido de cloro a partir do clorato de sódio, conforme descrito pela reação (6), pode ser estabelecida em grande escala por diversos “redutores”. Redutores entre aspas, por que na maioria das reações químicas que conhecemos com essas substâncias, elas não tem 22 “Velas de oxigênio” são instaladas em cima de cada poltrona nos aviões passageiros. Quando houver uma descompressão ou falta de oxigênio, uma máscara cai do teto e no outro lado da mangueira ocorre a seguinte reação: NaClO3 + Fe → NaCl + FeO + O2. O calor liberado por esta reação é considerável e o gerador de oxigênio pode esquentar-se até 260 °C. 77 Armin Isenmann Química a partir de Recursos Renováveis o papel de redutor. Mas aqui funcionam como tais, já que o clorato de sódio tem um elevado potencial como oxidante. Dióxido de enxofre, SO2 (meio reacional: H2SO4 3 a 5 molar); O íon cloreto (em forma de NaCl ou ácido clorídrico concentrado); Metanol, e até Água oxigenada, H2O2, servem nesta etapa como redutor frente ao clorato! As respectivas equações devidamente equilibradas: 2 HClO3 + SO2 2 HClO3 + 2 HCl 2 ClO2 2 ClO2 4 HClO3 + CH3OH 4 ClO2 2 HClO3 + H2O2 2 ClO2 + H2SO4 + Cl2 (14) + 2 H2O (15) + HCOOH + 3 H2O (16) + O2 + 2 H2O (17) Nas duas reduções em ambiente fortemente ácido, (14) e (15), evidentemente ocorre uma reação de substituição nucleofílica, do abandonador água pelo cloreto, que leva ao intermediário instável Cl2O2 que quebra de maneira homolítica logo a seguir liberando cloro elementar e ClO2: HO-ClO2 + Cl- H+ H2O+-ClO2 + H2O+-ClO2 Cl-ClO2 Cl-ClO2 ½ Cl2 (18) + H2 O + ClO2 (19) (20) ―――――――――――――――――――――――――― HOClO2 + H+ + Cl- ½ Cl2 + ClO2 + H2O (21) No caso do processo (14) o cloro liberado é imediatamente reduzido ao cloreto, pelo SO2 que está presente em excesso. O Cl-, nesta sequência reacional, não é consumido notavelmente, no entanto sua presença é essencial. Isso vale para todas as reduções, (14) a (17), que somente funcionam e produzem o ClO2 em tempo hábil e rendimento satisfatório, se houver presentes íons de cloreto, Cl-. As reduções descritas pelas equações (14) a (17) não são particularmente limpas, mas todas podem ser levadas a altos graus de conversão, como mostra a seguinte tabela. São consideradas ecologicamente mais corretas aquelas rotas onde se produz menos sulfatos. No final de cada processo fica um torre de absorção, onde os gases ascendentes são dissolvidos na água fria (1-4 °C) nebulizada; assim consegue-se uma solução de 6-10 g.L-1 de ClO2. 78 Armin Isenmann Química a partir de Recursos Renováveis Tab. 15. Reagentes, produtos e eficiência das reduções do clorato (toneladas em relação a 1 t de ClO2). Redutor Consumo reagentes (Sub)-produtos Rendimento global SO2 NaClO3 (1,75) ClO2 (1,00) 90% SO2 (0,74) NaHSO4 (1,98) H2SO4 (0,48) Cl2 (0,06) H2O (0,09) H2O (0,03) NaClO3 (1,61) ClO2 (1,00) NaCl (0,97) Cl2 (0,60) H2SO4 (1,55) Na2SO4 (2,25) NaCl 97,8% H2O (0,28) HCl NaClO3 (1,68) ClO2 (1,00) HCl (1,39) Cl2 (0,73) 94,0% NaCl (0,92) H2O (0,32) CH3OH NaClO3 (1,59) ClO2 (1,00) 90% CH3OH (0,13) Na3H(SO4)2 (1,31) H2SO4 (0,98) H2O (0,21) (processo SVPLITE) NaCl (0,00) HCOOH (0,18) Cl2 (0,00) H2O2 NaClO3 (1,58) ClO2 (1,00) 100% H2O2 (0,25) Na2SO4 (1,06) (processo SVP-HP) H2SO4 (0,72) H2O (0,27) O2 (0,24) A redução (17) é ainda interessante sob um aspecto histórico. No início da experimentação do ClO2 em escala industrial procurou-se um caminho menos perigoso para assegurar a disponibilidade deste reagente de branqueamento. Então o dióxido de cloro foi absorvido numa mistura de NaOH e água oxigenada. Nesta ocorreu a seguinte oxirredução, onde o H2O2 curiosamente funcionou como redutor: 2 ClO2 + 2 NaOH + H2O2 2 NaClO2 + O2 + 2 H2O (22) O produto desta, o clorito de sódio, foi secado em secadores de rolos e em seguida estocado. Na hora de precisar o branqueador ativo, este sal foi tratado com ácido sulfúrico ou com cloro elementar, liberando o gás ClO2 23: 23 Também na produção de ClO2 conforme (14) aparece o Cl2O2 como intermediário: 79 Armin Isenmann Química a partir de Recursos Renováveis NaClO2 + H2SO4 5 HClO2 2 NaClO2 + Cl2 HClO2 + KHSO4 4 ClO2 + HCl + 2 H2O (23) 2 NaCl + 2 ClO2 (24) Ao longo dos anos a rota ao ClO2 através do clorato de sódio, conforme (6), mostrou-se menos custosa e mais segura, do que o caminho via clorito de sódio. Certificados no branqueamento Branqueamento convencional que faz uso do cloro elementar: Atualmente pouco usado, emprega cloro elementar (gasoso ou dissolvido em água) juntamente com outros reagentes, sendo substituído desde a década de 1990 pelo branqueamento ECF; sequências típicas: CEH, CEHH, CEHD, CEDED, O(DC)E ODED. Elemental Chlorine Free (ECF): Substitui o cloro elementar como reagente pelo dióxido de cloro e/ou hipoclorito de sódio, mais seletivos para a remoção de cromóforos oriundos da lignina: menor uso é vantajoso para o tratamento de efluentes; sequências típicas: DEDED, DEOPDPD, ODEOPD, ODEODED, O(ZD)EOPD, O(ZD)EOPD(PO), OAHTEOPD(PO). Totally Chlorine Free (TCF): não emprega quaisquer compostos clorados como reagentes, mas pode consumir 10% a mais de madeira para o mesmo de volume de produção de polpa. Sequências típicas: OQEOP(ZQ)(PO), OAEOP(ZQ)(PO), O(ZQ)(PO)(ZQ)(PO), OQE OPQ(PO)P, OAEOPQ(PO)P. Tendências no branqueamento O uso de estágios de extração ácida é cada vez mais proeminente nas fábricas, especialmente as que produzem celulose de fibra curta à base de madeira de eucalipto. O dióxido de cloro também é um reagente avançado, em termos de poder oxidante e seletividade frente à lignina. Recentemente, o ClO2 está sendo aplicado em bateladas a alta temperatura, perto de 95 °C. Igualmente promissores são os peróxidos e o ozônio – embora os primeiros podem 2 HClO2 HClO + HClO3 (lento) HClO + HClO2 Cl2O2 + H2O O mesmo vale para o processo (15): Cl2 + ClO2- Cl2O2 + ClEm ambos os casos o intermediário Cl2O2 se decompõe, conforme: 2 Cl2O2 Cl2 + 2 ClO2 , enquanto o cloro elementar geralmente não se mantém, devido a reações do tipo Cl2 + HClO2 HCl + Cl2O2. 80 Armin Isenmann Química a partir de Recursos Renováveis sensivelmente atacar a celulose caso as condições (p, T, tempo de reação, pH) forem mal controladas, e o gasto em energia elétrica na produção do ozônio pode ser o fator limitante para a fábrica. O branqueamento ECF é atualmente o mais utilizado no mundo, sendo adotado proporcionalmente ao desuso do branqueamento com cloro elementar. Procedimentos com as etapas de ClO2 e ozônio são entre os mais econômicos, atualmente. O branqueamento TCF ainda possui custo elevado e sua aplicação se concentra em países nórdicos. A tecnologia TCF, por não trazer efluentes clorados corrosivos, é estudada para o conceito TEF (Totally Effluent Free), em que a água de processo é reciclada em circuito fechado, minimizando a geração de efluentes. Desta forma, a cada tonelada de polpa branqueada, haveria um consumo estimado de 20.000 – 25.000 litros de água, ao invés dos atuais 60.000 L/tonelada de polpa. 3.8 Celulose solúvel: processamento e derivatização Diferente do branqueamento da celulose crua descrito acima, as seguintes três operações envolvem proposicionalmente derivados químicos da celulose, mas sem notavelmente destruir sua cadeia polimérica. Uma reação nos grupos hidroxilas da celulose é somente possível quando esta estiver em contato íntimo com os reagentes. Tecnicamente viável são estas sínteses, portanto, somente depois da solubilização da celulose, portanto podemos resumir os seguintes derivados como segmento da “Celulose solúvel”. Os derivados mais importantes, de um grande número de produtos, são: Celulose regenerada (= “Viscose”; ver cap. 3.8.1). Acetato da celulose (cap. 3.8.2). Nitrato da celulose e outros ésteres (ainda cap. 3.8.2). Éteres da celulose (cap. 3.8.3). Até o início da década de 2000, a celulose solúvel era considerada um mercado em declínio, com uma demanda cada vez menor desde a década de 1970. Mas, a partir de 2000 esse mercado se recuperou e desde então apresenta taxas elevadas de crescimento, o que motivou a entrada de novos concorrentes oriundos da indústria de celulose para papéis. Nos últimos 3 anos o crescimento em demanda mundial (CAGR) foi de 5,3% - desempenho superior ao do setor de papel/papelão que praticamente estagnou no nível de 2000. Nas primeiras duas colunas da Fig. 42 se têm as matérias primas para a polpa de celulose que em seguida é solubilizada e transformada quimicamente. Além da madeira, já largamente apresentada no cap. 2.1, consta também o algodão – especialmente seu línter. As sementes de certas variedades de algodoeiros, após separação das fibras por debulha, apresentam-se ainda revestidas de uma penugem fina formada por fibras muito curtas (de comprimento geralmente inferior a 5 mm). Dá-se a essas fibras, após terem sido separadas das sementes, o nome de línteres de algodão. Em virtude do seu pequeno comprimento, os línteres praticamente não são fiáveis, porém possuem um elevado teor de celulose pura. Como se vê na terceira coluna da Fig. 42, o mercado de celulose solúvel pode ser classificado em grau viscose e alto-alfa, onde as exigências à pureza na última são mais altas. A celulose solúvel é obtida de forma similar à celulose comum (destinada à produção de papel): a principal diferença consiste no teor mais alto de celulose , que pode atingir até 98%, enquanto a celulose para papel costuma apresentar 87%. Caso a celulose alto-alfa (ver Fig. 14 para detalhes morfológicos) for obtida a partir de madeira em vez de línter de algodão, a fábrica tem que contar com maior consumo de matéria prima, o que explica seu preço mais 81 Armin Isenmann Química a partir de Recursos Renováveis elevado em comparação à celulose grau viscose. Além disso, esse grau de pureza elevado requer de um processamento em batelada, em vez de linha de produção contínua. Por isso, os produtos derivados da celulose de alta pureza são mais sofisticados e de maior valor no mercado. Nota-se que diferentes derivados da celulose requerem diferentes porcentagens da modificação : Celofane e rayon requerem um teor de celulose de 90% a 92%, Acetato de celulose de 95% a 97% e Nitrocelulose de 98%. Fig. 42. Cadeia de produção da celulose solúvel, as diversificações, o volume de do mercado global (kt = 1000 toneladas) e as indústrias consumidoras 24. Além das categorias apresentadas na Fig. 42, consta a celulose microcristalina (contido em “Outros”), valorizado como excipiente em fármacos e em diversas áreas da cosmética e saúde. O seguinte gráfico mostra, em toneladas, os números de produção nos últimos 14 anos. Claramente visível é a predominância da viscose (ver cap. 3.8.1) dentro do segmento da celulose solúvel, com o acetato em segundo lugar (cap. 3.8.2). O mercado global de celulose solúvel foi de aproximadamente 5,5 bilhões de U$ em 2012, com 5,8 milhões de toneladas comercializadas. A celulose grau viscose correspondeu a 4,3 milhões de toneladas, enquanto a alto-alfa representou 1,5 milhões. 24 Com permissão: Potencial de diversificação da indústria química brasileira, relatório 4 – Derivados da celulose (autores desconhecidos); disponível em: http://www.bndes.gov.br/SiteBNDES/export/sites/default/bndes_pt/Galerias/Arquivos/produtos/download/cham ada_publica_FEPprospec0311_Quimicos_Relat4_celulose.pdf (acesso em 11/2014) 82 Armin Isenmann Química a partir de Recursos Renováveis Fig. 43. Mecado global da celulose solúvel. (CAGR = Compound Annual Growth Rate, um indicador do crescimento da demanda de um produto) 24. 3.8.1 Celulose regenerada: o problema é o solvente! A celulose “grau viscose” pode ser visto sendo um commodity na indústria; seu teor em celulose fica, na maioria dos lotes, entre 90 e 92%. Como pode ser visto na Tab. 16, existem somente poucos solventes aprovados para essa celulose (Fonte de 2005). Nota-se que a solubilidade fica cada vez mais difícil, quanto maior o grau de cristalinidade da celulose, como também sua massa molar. Em alguns dos solventes referidos é, portanto, necessário reduzir o grau de polimerização da celulose, para se obter uma solução homogênea. Tab. 16. Solventes para a celulose Categoria Ácido Solvente > 52% H2SO4 Álcali 6% LiOH 6 a 9% NaOH Cu(NH3)4(OH)2 [cuoxam] Complexo metálico, alcalino Cu(en)2(OH)2 [cuen] Xantato alcalino Sal inorgânico Co(en)2(OH)2 Ni(NH3)6(OH)2 Cd(en)3(OH)2 [cadoxen] Zn(en)3(OH)2 Fe/3(ác.tartárico)/3NaOH [EWNN] CS2 / NaOH > 64% ZnCl2 Comentários sob hidrólise parcial (= despolimerização da parte amorfa) requer celulose pré-tratada requer celulose pré-tratada Rayon cupramônio, processo industrial Solvente padrão para análise do grau de polimerização. Solução transparente Pouco estável Dissolve, processo viscose ou Rayon. Dissolve sob aquecimento a 100 °C 83 Armin Isenmann Solvente orgânico Química a partir de Recursos Renováveis > 50% Ca(SCN)2 Cl3CCHO/DMF (CH2O)x/DMSO N2O4/DMF, N2O4/DMSO LiCl/DMAc, LiCl/DMI SO2/amina/DMSO Outros H3CNH2/DMSO CF3COOH [TFA] Bu4N+F-.3H2O/DMSO 80% NMMO/H2O NH4SCN / NH3 / H2O N2H4 (hidrazina) Dissolve sob aquecimento a 100 °C Dissolve, formando cloral hemi-acetais em todas as hidroxilas. Dissolve, formando polioximetileno hemi-acetais. Dissolve, formando ésteres nitrito em todas as hidroxilas. Solução estável; requer celulose prétratada Solução instável; leva a uma celulose altamente amorfa. Forma-se um complexo solúvel TFA-éster no C6; solvente volátil. Dissolve somente DP < 650 Processo Lyocell Formação de mesofases Explosivo Abreviações: en = etilenodiamina, DMF = N,N-dimetilformamida, DMSO = dimetilsulfóxido, DMI = N,N-dimetilimidazolidinona, DMAc = N,N-dimetilacetamida, TFA = ácido trifluoracético, Bu = butila, DP = grau de polimerização = número de unidades monoméricas dentro do polímero. Solubilidade parcial se obtém com soda cáustica, como também veremos mais abaixo. O processo da "mercerização" é um refino de fios de algodão (Mercer, 1850) que deixa a fibra mais lisa e lustrosa - um pouco parecida à seda. Isso se deve ao ataque da superfície da macrofibra celulósica e uma soldagem dos pelinhos soltos dando um filme liso. As partes amorfas da celulose se solubilizam também em ácido sulfúrico meio concentrado e em cloreto de zinco, quente e de alta concentração ("Vulcanized fibre", Thomas Taylor, 1859). O produto é um material cujas propriedades mecânicas podem ser ajustadas, desde o couro até o marfim, é resistente frente a óleos, ácidos e bases diluídos, é dielétrico, pouco inflamável enfim, qualidades que lhe abrem um amplo espectro de aplicações. Mais conhecidas são suas folhas finas ("pergaminho"). Porém, para a solubilidade total da celulose - uma exigência do tecelão - são necessários condições e reagentes mais sofisticados. Ainda durante a transformação mecânica a estrutura química da celulose é reformada (regenerada). A celulose assim regenerada também se conhece como seda artificial (quando reprocessada por fiação) ou celofane (quando extrudada em forma de filme). Um dos mais antigos e até hoje mais aplicados processos de solubilização se baseia na derivatização temporária da celulose formando o xantato. A grande vantagem deste processo é que a matéria prima não precisa ser a celulose purificada, mas pode-se usar a própria madeira (= ligno-celulose). No entanto, o alcance de uma solução suficientemente homogênea requer um tratamento de vários dias! Em primeira etapa a celulose é tratada com NaOH de alta concentração, com o objetivo de torná-la parcialmente solúvel, em forma da celulose desprotonada. Em seguida essa celulose 84 Armin Isenmann Química a partir de Recursos Renováveis alcalinizada é tratada com CS2, um solvente e reagente que tem um carbono eletrofílico e pode ser atacado pelos grupos alcóxidos da celulose. Forma-se o xantato da celulose (ver Fig. 44), por sua vez solúvel em NaOH aquoso de 6% e então processável. Quando essa solução altamente viscosa (daí vem a expressão "viscose", também conhecida como Rayon) passou pela fieira ela é diretamente levada a um banho acidificado com H 2SO4. Instantaneamente a fibra da celulose se regenera, porém na conformação dirigida pelo tecelão. A finura deste fio e seu alto módulo de tração são o resultado de um estiramento controlado do fio nesta fase de regeneração. Essa deformação mecânica unidimensional faz com que as cadeias da celulose se alinhem e sejam fixadas nesta nova posição, através das pontes de hidrogênio, típicas para a celulose cristalina (ver Fig. 13 d, na p. 32). A delicadeza e ao mesmo tempo alta estabilidade desta fibra trouxe o nome popular de "seda de viscose". Note que, embora o processamento não seja muito agressivo frente à estrutura polimérica da celulose, seu grau de polimerização sofre uma leve degradação, de aproximadamente 800 unidades glicosídicas, a ~500 unidades no produto final. Também é possível derramar a viscose soluta no banho ácido sem passar pela fieira. Daí forma-se um produto esponjoso, muito usado como pano de pia da cozinha. Caso a viscose for apertada através de fendas, então se obtém uma folha transparente, o famoso "celofane". Esse material é muito especial, pois é denso frente gases e transparente frente água! Sendo assim, essas folhas podem ser usadas como embalagem para alimentos ou fármacos. Mais um ponto importante: celofane é inteiramente biodegradável. Fig. 44. Reações químicas acerca da celulose regenerada via processo de xantato. Note que o processo de xantato é altamente poluente, pois libera durante a regeneração da fibra quantidades notáveis de CS2 e H2S, ambos altamente tóxicos. Mostrou-se impraticável otimizar o processo de forma que as emissões forem supressas a um nível aceitável. Portanto, é um desafio contínuo achar novos processos para solubilizar a celulose, com o objetivo de substituir o processo de xantato por métodos ecologicamente corretos. Uma alternativa ao xantato, bastante branda e, portanto, usado como solvente padrão em determinações do grau de polimerização da celulose, é o "Reagente de Schweizer", uma solução amoniacal de Cu2+. Forma-se o complexo [Cu(NH3)4]2+ (azul escuro) que consegue ligar-se ao grupos hidroxilas da celulose, de maneira que impossibilita a formação de cristais, portanto aumenta sua solubilidade. Mas os problemas ambientais acerca deste metal pesado, que é um forte veneno para microorganismos quando chega nas águas servidas, é evidente. Portanto, tentaram-se substituir o cobre por outro metal (Ni, Co, Zn, Fe) e a amônia por 85 Armin Isenmann Química a partir de Recursos Renováveis ligantes complexantes melhores (etilenodiamina, por exemplo). Todavia, a “celulose cupramônica” ainda é bastante produzida hoje – principalmente na Ásia do sudoeste. No início dos anos 1980 se conseguiu um avanço no sentido de baixa toxicidade com o processo "Lyocell" que trabalha com um solvente orgânico especial, N-metilmorfolina-Nóxido monohidrato (NMMO), que por si é mais caro, mas não requer de um pré-tratamento da celulose e é um processo simples e rápido. Sendo assim, é um dos poucos solventes "verdadeiros" para a celulose 25. Especialmente a multinacional Lenzing, com sede na Áustria, promove as pesquisas neste novo campo da celulose solubilizado, já lançando um produto novo sob o nome Tencel® – um material superior à viscose tradicional (Rayon) sob vários aspectos: os tecidos têm mais brilho, suavidade, fácil caimento, as roupas são lisas e confortáveis em cima da pele, dando ao mesmo tempo aparência luxuosa. Outra vantagem é a grande economia em água durante este processamento (Fig. 45): quase 99% dos químicos podem ser reciclados/reaproveitados dentro da fábrica! Fig. 45. Litros de água necessários na produção de uma tonelada de fibra 28. H O Cel O O N N Cel OH Celulose + O NMMO O Complexo solúvel Fig. 46. NMMO - um solvente verdadeiro para a celulose. Note que a interação com a celulose é somente uma atração de dipolos, apoiado por uma ponte de hidrogênio. 25 H.P. Fink, P. Weigel, H.J. Purz, J. Ganster, Structure formation of regenerated cellulose materials from NMMO-solutions, Progress in Polymer Science 26 (2001)1473-1524. 86 Armin Isenmann Química a partir de Recursos Renováveis O desenvolvimento mais recente é o tratamento da celulose só com soda cáustica. Um aumento do poder deste solvente se conseguiu com a adição de uréia (= quebrador de pontes de hidrogênio), por sua vez de baixa toxicidade. A combinação de 6% de NaOH e 4% de uréia e uma temperatura abaixo de 0 °C (ideal: -15 °C) representa um sistema bastante brando e eficaz para solubilizar a celulose na forma molecular, isto é, sem derivatizá-la 26. Igualmente estudados são os sistemas com LiOH como base e tiouréia como apoio orgânico. A solubilização geralmente é em torno de 65%, mas pode ser elevada a > 90% quando o grau de polimerização da celulose (que naturalmente é em torno de 800 ou mais unidades glicosídicas) é reduzido a aproximadamente 200. Isso pode ser feito numa etapa antes, de preferência, por degradação enzimática, usando-se celulases (compare p. 149). Neste processo a soda cáustica tem o papel de quebrar as pontes de hidrogênio inter e intramoleculares e a uréia funciona como doador e aceitador e previne assim uma re-associação da parte cristalina da celulose. No entanto, ao se tratar a celulose com uréia de concentrações mais altas, a formação de um derivado intermediário, o carbamato, é mais provável. Este derivado é solúvel em ambiente aquoso. Devido sua instabilidade em ambiente ácido a celulose pode ser facilmente regenerada. O O Cel OH + + H 2N Celulose NH 2 Uréia Fig. 47. Cel O NH3 NH 2 Carbamato da celulose (solúvel) Reação da celulose com uréia de alta concentração Dados econômicos acerca da viscose A consumidora número 1 da viscose é a indústria têxtil. O mercado global de fibras têxteis movimentou em torno de 80 milhões de toneladas em 2012, das quais são: cerca de 60% relativos a fibras sintéticas (a partir de insumos petroquímicos; poliéster, poliamida, elastano, polipropileno, PET), 35% a fibras naturais (de origem animal: lã, seda; de origem vegetal: algodão, rami, linho) 5% a fibras artificiais (obtidos por processos químicos aplicados a um polímero da natureza). Neste mesmo ano, o mercado global de fibras de viscose (= fibra artificial) contou com 4,3 milhões de toneladas (Fig. 48), o que corresponde a um volume de 11 bilhões de U$ comercializados. 26 Dissertação de Y. Wang, Cellulose fiber dissolution in sodium hydroxide solution at low temperature: dissolution kinetics and solubility improvement, disponível em https://smartech.gatech.edu/bitstream/handle/1853/26632/wang_ying_200812_phd.pdf 87 Armin Isenmann Fig. 48. Química a partir de Recursos Renováveis Mercado global das fibras de viscose 24. A Fig. 49 mostra a importância econômica da celulose solúvel dentro deste setor. Vale salientar que no mercado têxtil mundial as fibras químicas – onde constam entre outras as fibras da viscose – estão dominando a produção de malhas e deslocaram as fibras naturais (algodão, lã, seda, rami, etc.) dos seus lugares tradicionais: cerca de 70% são fibras químicas! Do total de 78,5 milhões de toneladas de fibras usados sobraram somente 30% de fibras naturais. Principalmente os produtores asiáticos forçaram a ascensão dos derivados químicos. Já no Brasil se manterem os materiais tradicionais: cerca de 60% (de um total de 2,6 milhões de toneladas em 2011) são fibras naturais e apenas 40% são fibras químicas. Fig. 49. Mercado global da celulose e seus derivados. Importância dos derivados para a indústria têxtil 24. 88 Armin Isenmann Química a partir de Recursos Renováveis Surpreendemente poucas empresas estão se dividindo esse mercado, como se vê na Fig. 50. Fig. 50. Capacidade produtiva global da celulose solúvel (grau viscose) e fibras de viscose 24. 3.8.2 Ésteres da celulose A celulose pode ser facilmente esterificada, tanto com ácidos orgânicos quanto inorgânicos. Acetato de celulose (CA) De longe o derivado químico mais produzido a partir da celulose é o acetato da celulose (CA), um material termoplástico importante dentro da família dos biopolímeros (ver p. 187). A partir de 1919 este material é usado, sob aditivação de plastificantes e corantes, para produzir cabos de guarda-chuvas e ferramentas, teclados, volantes de carros, brinquedos, armações de óculos e pequenos utensílios. O material maciço se destaca por ser termoplástico (temperatura de processamento: 180 a 200 °C), enquanto à temperatura ambiente é duro e altamente resistente ao impacto. Hoje o CA é mais usado para produzir fibras e têxteis; a utilidade principal (2012) é em filtros de cigarros. 89 Armin Isenmann Fig. 51. Química a partir de Recursos Renováveis Mercado global do acetato da celulose 24. Os tecidos semelham muito à seda e substituem tal, em grande escala. São fáceis de tratar e ressorvem relativamente pouca água (até 6%). Roupas em geral, roupas íntimas, tapetes e principalmente - filtros de cigarro, são os insumos mais produzidos a partir do CA. Antigamente, era também bastante utilizado com material de filmes. Infelizmente, sua oxidação ao ar que acontece ao longo do tempo, libera ácido acético e acarreta a inutilidade do filme. Para se obter um CA termoplástico a celulose purificada é tratada com ácido acético glacial e acetanidrido. O catalisador é ácido sulfúrico (menos usual: ácido perclórico) e o solvente geralmente é diclorometano. Resulta uma celulose totalmente acetilada, com grau de acetilação perto de 3. Esse "CA primário" em seguida é parcialmente hidrolisado, ou seja, uma parte dos ésteres são reformados em grupos hidroxilas. Na média permanecem 2 a 2,5 grupos de acetato por unidade glicosídica. Finaliza o processo com a neutralização com bases, para parar a reação da hidrólise, e a remoção destilativa do diclorometano. O motivo para este procedimento aparentemente paradoxo é a solubilidade do CA em acetona - o que não é o caso no CA primário. Sendo assim, o CA pode ser processado pelo tecelão, como solução viscosa em acetona - o que é uma clara vantagem frente à celulose regenerada (ver acima). Além dos métodos mencionados que percorrem um CA solúvel, existe também um método heterogêneo. Neste, ao contrário dos solventes verdadeiros, a fibra da celulose não se dissolve nem incha, mas continua como tal. A morfologia da fibra não está sendo alterada durante a derivatização química. O “solvente” mais usado para tal procedimento é o tolueno, a ser retirado do produto final com bastante facilidade. Outros ésteres da celulose com ácidos orgânicos são propionato de celulose e acetobutirato da celulose (esterificado com ácido acético e ácido butírico). 90 Armin Isenmann Química a partir de Recursos Renováveis Nitrocelulose Com ácido nítrico se produz o nitrato da celulose (nome trivial, porém quimicamente errado: "nitrocelulose" 27). Cada unidade monomérica da celulose tem três grupos hidroxilas, -OH, que podem reagir para -O-NO2. Em dependência do grau de esterificação obtêm-se: O material plástico de celulóide, antigamente muito usado na fotografia e na produção de filmes de cinema; hoje ainda é componente em tintas e esmaltes (esmalte de unha, por exemplo). Esse material tem um grau de nitração entre 2 e 3 (o máximo é 3, a dizer, cada grupo hidroxila é esterificado) por unidade monomérica. O plastificante usado até hoje é a cânfora. Interessante é que este foi um dos primeiros materiais plásticos (1846), naquela época usado para substituir o marfim na produção de bolas de sinuca. Devido ao alto perigo de pegar fogo o celulóide foi substituído nas produções cinegráficas por materiais mais seguros, principalmente pelo acetato da celulose, logo depois da 2a guerra mundial. Até hoje é o material preferido para as bolinhas de ping-pong, armações de óculos e outros utensílios pequenos e especializados. O campo principal de aplicação para a nitrocelulose é em acabamentos: tintas, vernizes e fundos. É a mais usada base em acabamentos para madeira. Secagem rápida, excelente comportamento durante o lixamento, compatibilidade, aderência, dureza e brilho da superfície acabada, são os pontos fortes dos esmaltes contendo nitrocelulose. Infelizmente, sua elevada solubilidade frente a solventes orgânicos, ao mesmo tempo limitam suas aplicações, por exemplo, na repintura automotiva. Os melhores solventes para a nitrocelulose são acetona, acetato de etila, acetato de butila e isopropanol. Os plastificantes mais utilizados são óleo de soja epoxidado, acetil tributil citrato (ATBC) e trifenilfosfato, todos completamente solúveis na NC; Óleos vegetais (crus e refinados), estearatos, oleatos e compostos com longas unidades alifáticas, tal como dioctiladipato (DOA) são parcialmente solúveis neste polímero. Os ésteres do ácido ftálico, por outro lado, saíram da graça do consumidor. Uma aplicação especial, no entanto muito valorizada por todos nós, é o esmalte de unha. Neste material a NC representa até hoje a resina mais prominente. Um explosivo usado em detonadores. Este material, altamente nitratado (fator de nitração >2,6; correspondente a >13 %m/m de nitrogênio), tem também uma história triste, pois as guerras ganharam novas dimensões com ele, já que não soltou fumaça, como era o caso na pólvora tradicional. Sua força de detonação é de 147% do TNT. 27 “Walsroder Nitrocellulose: Essential for an extra special finish”; disponível em http://msdssearch.dow.com/PublishedLiteratureDOWCOM/dh_08a6/0901b803808a680d.pdf?filepath=/82200007.pdf&fromPage=GetDoc (acesso em 11/2014). 91 Armin Isenmann Química a partir de Recursos Renováveis Fig. 52. Produtos a partir do nitrato da celulose. O uso mais avançado do celulóide são membranas com finalidades medicinais. Ésteres mistos, com outros ácidos além do HNO3, fornecem materiais que são usados na produção de pentes (baixa tendência de acumulação de carga estática), jóias e armações de óculos. Excurso: Proposta de ensaio prático - produção do nitrato da celulose 1) Coloque 17 mL de HNO3 concentrado (fumegante) em um bequer e refrigere no banho-maria com gelo. Despeje neste, gota a gota, 20 mL de H2SO4 concentrado. Cuidado: a mistura esquenta-se e solta gases NOx corrosivos (capela de exaustão)! 2) Pesar 1,5 g de algodão e dividir em 5 bolinhas iguais. 3) Jogar as bolinhas no ácido nitrificante refrigerado e tirá-las após 1, 2, 5, 10 e 15 minutos, respectivamente. Amasse neste período o algodão ligeiramente com ajuda de um bastão de vidro (não use espátula metálica!). 4) Após tirar do ácido, lave as bolinhas nitrificadas com bastante água. No final adicione na água de lavagem uma espátula de NaHCO3 e confirme com um papel de tornassol a neutralidade. 5) Exprima a umidade do algodão, abra o material para um novelo fofo e deixa secar durante a noite. 6) Faça testes de solubilidade usando etanol, isopropanol, acetona, acetato de etila e cânfora. Também, em pequenas porções (~ 20 mg), podem ser feitos testes de ignição. Espera-se uma combustão fulminante e mais rápida do que no algodão não tratado, já que o produto nitratado se decompõe sob a formação de um grande volume de gases (N2, NOx, CO e CO2). 3.8.3 Éteres da celulose Para a formação de éteres oferecem-se principalmente duas estratégias: 1. Conversão da celulose alcalinizada com hidrocarbonetos clorados ("Síntese de Williamson"); assim são feitos a metilcelulose, a etilcelulose e a carboximetilcelulose ("CMC"). A última é muito usada em sabão em pó onde tem o papel de aditivo antiredeposição da sujeira em cima da fibra lavada. Na indústria alimentícia a carboximetilcelulose representa o emulsificante mais utilizado, por exemplo, em sorvetes, 92 Armin Isenmann Química a partir de Recursos Renováveis molhos, cremes), e também na cosmética tem esse papel (pasta de dente, misturas ricas em água). 2. A segunda opção é a conversão da celulose alcalinizada com epóxidos. Com o reagente oxirano (= óxido de etileno) forma-se a hidroxietilcelulose ("HEC"), com óxido de propileno a hidroxipropilcelulose. Quando estiverem aplicados excessos de epóxidos podem formar-se também unidades de oligo-oxietilenos. Na Fig. 53 isso é exemplificado em forma do dimero. Também esses produtos são usados em formulações de detergente em pó, mas também em colas e material de pintura. O CH2 COOO Cl CH2 COO- O HO O Monocloroacetato OH NaOH CMC O O HO OH O O CH2COO- n O n HO Oxirano NaOH Celulose O O O O HO O O HO n grupos possíveis na HEC Fig. 53. Síntese dos éteres da celulose. Através destas estratégias são produzidos em grande escala os seguintes éteres da celulose: Metilcelulose (MC); o reagente é cloreto de metila ou sulfato de metila. Etilcelulose (EC); o reagente é cloreto de etila. Carboximetilcelulose (CMC); o reagente é o monocloroacetato, conforme mostrado na Fig. 53. Hidroxietilcelulose (HEC); reagentes são a etilenocloridrina ou então o óxido de etileno, conforme mostrado na Fig. 53. 93 Armin Isenmann Química a partir de Recursos Renováveis Fig. 54. Mecado global da celulose solúvel e a diversificação da família dos éteres da celulose 24. As indústrias que aproveitam bastante dos éteres da celulose são os cosméticos (e fármacos) e alimentos. Deste material especialmente purificado eles valorizam especialmente sua inércia química e fisiológica, mas também suas qualidades como espessante. Fig. 55. Desenvolvimento do uso de éteres da celulose com previsão até 2017, diversificado conforme ramo industrial 24. 94 Armin Isenmann 3.9 Química a partir de Recursos Renováveis Produção de papel Apenas 3 a 5% são enviados à derivatização química; essa parte é geralmente denominada de “celulose solúvel”. Mais de 95% da celulose produzida no mundo tem o destino na produção de papel e papelão (97% em 2012 28)- o que justifica sua menção neste lugar. No entanto, uma discussão aprofundada está fora do escopo deste livro. Mas devemos conhecer pelo menos as etapas funcionais mais importantes que a celulose percorre, após a polpação da madeira (cap. 3.3) e o branqueamento das pastas celulósicas (cap. 3.7.10). O papel usado hoje pode ser classificado, conforme suas propriedades (mecânicas, ópticas) ou por seu destino final no produto industrializado: Papel branco, para imprimir e escrever no escritório (estabilidade ao úmido, brancura e uma superfície lisa e impermeável, são os critérios principais a um papel de qualidade). Papel de impressão industrial. Papel de embalagens, que pode ser dividido em massas de recheio (miolo da embalagem, onde não há contato com o conteúdo e o cliente) e o Kraftliner (usado para a capa do papelão ondulado, onde se espera elevada resistência mecânica). Papel de embalagens compostos (especialmente no tetrapak). Papel tissue (usado como papel higiênico, papel toalha e filtros de café). Mix apropriado da matéria-prima celulose O balanço entre a qualidade (comprimento da fibra, massa molar média, grau de brancura, principalmente) e o preço da matéria-prima celulósica é conhecido como Mix, que é, logicamente, segredo da fábrica. Antigamente se usaram para os papeis dos quais se espera elevada estabilidade mecânica, exclusivamente celuloses de fibra longa, principalmente de origem de coníferas (pínus). Hoje, no entanto, se produz papel de qualidade, também com celulose de fibras médias (do eucalipto, principalmente). Já na produção do papel tissue, onde se espera suavidade frente à pele humana e uma desintegração rápida no esgoto, podem ser usados também tipos de fibra curta (por exemplo, feitos a partir de feno, bagaço de cana, talos de casca arroz, etc.), enquanto as fibras longas se apresentam muito ásperas nesta finalidade. Colagem interna Para ganhar a propriedade de resistência à penetração de líquidos, os papéis precisam passar pelo processo denominado colagem interna, no qual colas à base de breu, silicones, polietilenos, perfluorcarbonetos e colas sintéticas são adicionados à massa, ainda durante sua preparação, para impermeabilizar o papel. Hoje, porém, a maioria das empresas aderiu à chamada colagem alcalina, na qual uma formulação à base de carbonato de cálcio ou de caulim com pH alto, com agentes colantes como o AKD e ASA substituindo os breus, permitem papéis mais alvos, com menor gramatura e menor geração de efluentes, entre outras vantagens. Colagem superficial Envolve a aplicação de substâncias que formam uma película na superfície das folhas de papéis e papelões em fase de acabamento. São utilizados amidos modificados, gomas, alginatos, álcool vinílico, metil celulose, carboximetilcelulose, entre outros. 28 A.C.F. Vidal, “O renascimento de um mercado: o setor de celulose solúvel”, BNDES Setorial 38 (2013) 79130; disponível em: http://www.bndes.gov.br/SiteBNDES/export/sites/default/bndes_pt/Galerias/Arquivos/conhecimento/bnset/set38 03.pdf (acesso em 11/2014) 95 Armin Isenmann Química a partir de Recursos Renováveis Adição de corantes e pigmentos Há duas maneiras de colorir o papel. A primeira é adicionar o corante à massa antes da formação da folha, ou aplicá-lo superficialmente após a formação. O pigmento, menos usado, é fixado sobre as fibras mediante ligações eletrostáticas. Retenção dos finos O teor de finos de uma massa afeta as propriedades ópticas, a lisura da superfície e a resistência do papel. Além disso, as partículas finas não-retidas passam para o sistema de água branca, provocando problemas de recuperação e manuseio, poluindo os efluentes. Para a retenção das partículas coloidais e os finos das fibras, adicionam-se coagulantes floculantes e micropartículas (estas e alguns tipos de papéis com colagem neutra e alcalina). Por muito tempo, foi usado o sulfato de alumínio como coagulante, hoje predominam os polieletrólitos orgânicos. Revestimento É o processo final de revestimento de papéis especiais, sobretudo o do tipo couché, em que um equipamento chamado coater é aplicado uma formulação baseada em látex (estirenobutadieno) para facilitar a impressão e aumentar o brilho do papel. Além do látex, a formulação engloba cargas minerais, modificadores reológicos, biocidas e outros aditivos. Resistência São adicionados para aumentar a resistência ao seco e ao úmido do papel. Os agentes de resistência a úmido são largamente utilizados nos papéis toalha e guardanapos, evitando o desmanche precoce de um guardanapo quando se limpa a boca, por exemplo. Estes agentes também são importantes para aumentar a resistência dos papéis durante a etapa de impressão e resistência dos papéis de embalagem, permitindo muitas vezes a substituição de fibras. Papeis especiais muitas vezes requerem de uma cobertura de um derivado químico da celulose. Portanto, seja mais uma vez referido o leque de aplicações da celulose solúvel e suas intersecções com a indústria papeleira. 96 Armin Isenmann Fig. 56. Química a partir de Recursos Renováveis Derivados de celulose solúvel e aplicações especiais junto ao papel 28. 4 Os componentes da madeira além da celulose Como já indicado na Tab. 6, a celulose é o composto principal, mas ainda representa menos da metade da madeira, por sua vez nosso recurso renovável mais importante. Já a segunda classe mais abundante é a hemicelulose e em terceiro lugar fica a lignina. Ao contrário da celulose, no entanto, estes últimos componentes da madeira se destacam por apresentar uma grande heterogeneidade estrutural, como se vê a seguir. Seu processamento e aproveitamento químico são extremamente complexos e, portanto, bem menos desenvolvidos do que o processamento da celulose. Todavia, seu potencial no futuro é grande e vai muito além da geração de energia – que atualmente é seu destino principal. 4.1 As hemiceluloses As hemiceluloses também são polissacarídeos, mas sua composição química é bastante heterogênea. Os monômeros mais encontrados são: Os carboidratos C5: xilose e arabinose, Os carboidratos C6: glicose, galactose e manose, conforme mostrado na Fig. 57. Além disso, as cadeias poliméricas são fortemente ramificadas, enquanto o grau de polimerização é relativamente baixo. Isto implica que também a maneira como os açúcares monômeros se conectam, é bastante irregular. Os polímeros assim formados contêm apenas poucas unidades monoméricas, entre 50 e 250. 97 Armin Isenmann Química a partir de Recursos Renováveis Fig. 57. Hemiceluloses: (a) Os monômeros mais importantes da hemicelulose (b) Exemplo das conexões dentro do polímero. (c) Polímero feito da xilose, indicados os locais da quebra enzimática. Uma consequência da estrutura irregular é a inexistência de cristalinidade na hemicelulose. Sendo assim, falta neste material o argumento mais pesado de estabilidade, frente aos reagentes químicos, enzimas e microorganismos. É, portanto, muito fácil hidrolisar os polímeros da hemicelulose, liberando os açúcares monoméricas. Assim, não é surpresa que a hemicelulose é a primeira parte do material lignocelulósico a ser dissolvida no licor do digestor. 98 Armin Isenmann Química a partir de Recursos Renováveis Os usos dos açúcares provenientes da hemicelulose se restringe, além do seu valor (moderado) como combustível na caldeira de recuperação, às reações bioquímicas que os convertem em etanol, butanol, ácido lático, e ácido cítrico, principalmente (ver p. 16). 4.2 A lignina Lignina (do latim: lignum = madeira) é uma macromolécula de malha tridimensional. A biossíntese envolve a polimerização desidogenativa de uma série de monômeros, dos quais os mais prominentes são os alcoóis cumarílico, coniferílico e sinapílico: Álcool coniferílico Álcool pcumarílico Fig. 58. Álcool sinapílico Unidades monoméricas principais da lignina A maioria dos monômeros identificados são derivados do fenilpropano, muitos destes com funções de álcool. Outras funções marcantes são fenóis, grupos metóxidos e acetais, além de aldeídos e ácidos carboxílicos. Não só a diversidade dos monômeros, mas também as diferentes formas de sua conexão formando o polímero tridimensional, levam a uma estrutura heterogênea que impede atribuir uma fórmula definida à lignina. As massas molares ficam entre 5000 e 10 000 u. G S G G S G S G G S S S G S G G G G H S S G G G S Fig. 59. Estruturas típicas da lignina. 99 Armin Isenmann Química a partir de Recursos Renováveis Dentro da madeira a lignina tem o papel de conectar as fibras da celulose de maneira viscoelástica, conferindo assim flexibilidade mecânica e tenacidade ao material composto madeira. 4.2.1 O uso energético da lignina Transformação do licor negro em combustível de alto poder via gaseificação O gaseificador de biomassa é um reator térmico que, quando operado a temperaturas bastante altas (> 1000 °C), fornece principalmente os gases combustíveis, CO, H 2 e CH4, além de deixar atrás um pequeno volume de resíduo sólido que ainda é altamente energético – comparável com carvão mineral. Trata-se então da formação de “gás de síntese” (a produção de syngas e as sínteses de Fischer-Tropsch serão apresentados em detalhe a partir da p. 129). Aqui vale notar que a gaseificação não só funciona a partir dos carboidratos (açúcares, celulose, amido), mas igualmente bem à base da lignina. Devido ao teor reduzido em oxigênio pode-se afirmar que a queima da lignina fornece mais calor e é mais rico em carbono do que a mesma massa de carboidratos. Neste ponto as reações térmicas-catalíticas tem uma clara vantagem frente aos biorreatores que não funcionam bem com material lignocelulósico com elevado grau de lignina. Este fato possibilita, entre outros, o aproveitamento de qualquer material residual, quer restos da colheita florestal, serragem, estrumes etc., tudo devidamente secado, que foi descrito na p. 147 como “fontes lignocelulósicas da segunda geração” 29. Para o licor negro do processo Kraft, fonte principal da lignina hoje, o sistema de gaseificação promete ser uma alternativa para a caldeira de recuperação (cap. 3.7.5), melhor falado um complemento para a mesma que corre o perigo de ser sobrecarregada 30. Até mais: de acordo com Demirbas 31 o syngas obtido via gaseificação de licor negro pode ser empregado como combustível em turbinas a gás, onde produz energia com uma eficiência de até 74%, enquanto na queima do próprio licor em caldeira de recuperação convencional se aproveita de apenas 68% do poder calorífico teórico. A tecnologia dos gaseificadores já é bastante avançada, tanto sob vista de recuperação energética como química, possibilitando a geração de diversos combustíveis e outros produtos de interesse comercial. Segue como exemplo um modelo de gaseificador que já é mundialmente comercializado pela empresa sueca Chemrec. Vale anotar que a liberação do syngas dos voláteis sólidos (cinzas, alcatrão) continua sendo um desafio tecnológico. 29 M. Hamaguchi, Agregando valor à biomassa energética – o exemplo finlandês. Painel florestal 2012; disponível em http://www.painelflorestal.com.br/arquivo/agregando-valor-a-biomassa-energetica-o-exemplofinlandes-a92fba56463d254d0b9240869d00479f 30 E.T.F. Ferreira, Análise de sistemas de cogeração com gaseificação de licor negro no setor de papel e celulose. Tese de mestrado da UNESP 2008. Disponível no http://repositorio.unesp.br/ 31 A. Demirbas, Pyrolysis and steam gasification processes of black licor. Energy Conversion and Management 43 (2002), 877-884. 100 Armin Isenmann Fig. 60. Química a partir de Recursos Renováveis Gaseificdor da Chemrec para o licor negro proveniente do processo Kraft 30. Precipitação/extração da lignina a partir do licor negro pelo processo Lignoboost™ Em 1996 a universidade de Chalmers em Gotemborg, Suécia, deu início a um programa que visa o desenvolvimento ecológico da fábrica de celulose Kraft. Um dos mais remarcáveis resultados deste programa é um novo método de extração da parte de lignina a partir do licor negro que foi patenteado sob o nome “LignoBoost” e realizado dentro da planta-piloto da Metso em Plymouth, Carolina do Norte, EUA, e recentemente pela Stora Enso em Kotka, Finlândia. O princípio do processo é a neutralização do licor negro meio-concentrado (com 30 a 45% de sólidos) em dois estágios, usando CO 2 e H2SO4 respectivamente, que tem dois objetivos: a precipitação seletiva da parte da lignina e sua purificação da parte metálica, denominadamente dos sais de sódio que poderão influenciar negativamente sua aplicação como combustível no forno de cal. 101 Armin Isenmann Fig. 61. Química a partir de Recursos Renováveis Processo patenteado de precipitar a lignina a partir do licor negro forte. Fonte: http://www.conbio.info/post/usa-domtar-inaugurates-commercial-lignin-production/ Em vez de usar ácidos minerais fortes para esta precipitação, também é possível usar agentes inorgânicos menos corrosivos e perigosos, por exemplo o alúmen 32, KAl(SO4)2 . 12 H2O. Este sal duplo, bastante usado como curtume de couro devido suas propriedades adstringentes, é barato e disponível em grandes quantidades. Outra propriedade do sulfato de alumínio é seu efeito floculante frente aos colóides (usado também na limpeza de piscinas), o que promove a precipitação dos fragmentos da lignina em nano-escala. O uso químico da lignina assim precipitada está ainda no início. Uma tentativa é de Luong 32 que experimentou com fragmentos da lignina precipitada em formulações de copolímeros policondensados (poliésteres). Li 33 chegou até a um material termoplástico que contém até 85% de monômeros derivados da lignina. Outros (potenciais) usos em polímeros comerciais seguem abaixo (p. 107). 4.2.2 O aproveitamento químico da lignina Em seguida serão descritos caminhos promissores para o uso da lignina como material. Um fator que delimita sensivelmente sua utilidade é a massa molar, pois a lignina natural se 32 N.D. Luong, N.T.T. Binh, L.D. Duong, D.O. Kim, S.H. Lee, B.J. Kim, Y.S. Lee, J.D. Nam; An eco-friendly and efficient route of lignin extraction from black liquor and a lignin-based copolyester synthesis. Polymer Bulletin 68 (2012), 879-890. 33 102 Armin Isenmann Química a partir de Recursos Renováveis apresenta como polímero, infusível e insolúvel. Nesta forma por enquanto se achou poucas aplicações (ver p. 106). Mas, sob a influência de solventes, catalisadores e calor é possível craquear este polímero, para produzir uma série de compostos de massa média ou pequeno, daí abre-se a porta para síntese química. O seguinte gráfico deve dar uma vista geral dos possíveis caminhos. CHO CHO COOH OMe OH Vanilina OMe MeO OH Ácido vanílico Fenóis Ácidos carboxílicos Sulf ito de dimetila Alcatrão OMe Agentes dispersantes Emulsif icantes Compatibilizantes O Desmetilação alcalina O S O Sulf ito de dimetila Hidrogenólise Pirólise 400 - 500 °C Fenóis Metano CO Carvão sintético Fig. 62. alcalina alcalina Lignina Kraft Adesivos Resinas Tintas DMSO OH Siringlialdeído Fusão Hidrólise O S 700 - 1000 °C Syngas (CO/H2) Etileno Benzeno Carvão sintético Fenóis Alcatrão Óleo Fenol Benzeno Arco elétrico (3000 °C) Acetileno Aproveitamento químico da lignina – vista geral. Pirólise da lignina O "andaime" da madeira é a lignina. Ela é incorporada nas paredes das células da madeira, o que proporciona mais estabilidade e rigidez às partes funcionais da planta. Logo depois da celulose a lignina é o segundo mais produzido biopolímero da terra. Sua estrutura química é tão complexa que podemos em geral apenas indicar as porcentagens em aromáticos, em forma de fenóis, Ar-OH, e anisóis, Ar-OCH3. Também para os demais grupos funcionais que ocorrem na lignina somente podemos indicar probabilidades estatísticas. As unidades estruturais mais encontradas na lignina são representadas na Fig. 59. Lignina pura é quase incolor até marrom claro, seu cheiro é agradável e nos lembra dos defumados. Ela não é solúvel em água. Ela pode ser obtida via processos químicos a partir da madeira, como vimos no último capítulo. Na indústria de celulose e fibras se produzem anualmente cerca de 50 milhões de toneladas de lignina que, infelizmente, é apenas o coproduto do processo e tem baixo valor agregado. Atualmente, cerca de 98% desta lignina técnica são usados como fonte de energia térmica na própria fábrica de celulose. Especialmente na geração de vapor de alta pressão, mas também para a geração de energia elétrica necessária na fábrica a lignina é fundamental. Fábricas modernas e eficientes 103 Armin Isenmann Química a partir de Recursos Renováveis conseguem até produzir um excesso de energia e assim podem abastecer a rede elétrica pública. Em torno de 80% da lignina produzida vem do processo Kraft (= processo de sulfato). Somente 6% provêm do processo de sulfita; esta última é denominada de "lignossulfonato". Isto é, os monômeros da lignina foram sulfonados Note que este composto é o produto de oxidação seletiva da lignina solubilizada (ver Fig. 20, na p. 39). Embora sejam produzidos em menores partes, os lignossulfonatos representam 90% de toda lignina processável pela indústria química. Em torno de 1 milhão de toneladas de lignossulfonatos são produzidas ao ano - aproximadamente a metade desta na Europa ocidental. Hoje quase todas as rotas que visam o aproveitamento químico da lignina são de natureza termoquímica, enquanto os processos a baixas temperaturas e pressões moderadas são bastante subdesenvolvidos. Incluíndo o aspecto energético, podemos classificar em quatro famílias de reações: 1) Combustão completa: funciona com um excesso de oxigênio presente e os únicos produtos são CO2 e H2O, ambos sem valor. Mas a produção de calor é máxima, como apresentado na última secção. 2) A carbonização: queima da biomassa sob admissão controlada de oxigênio. Exemplo deste é o uso do licor negro na fornalha de recuperação (cap. 3.7.5), onde a parte carbonizada se forma na parte inferior do equipamento; é essencial na formação do smelt. Também ocorre como produto paralelo na gaseificação (p. 100). 3) A gaseificação: acontece a temperaturas bastante altas (800 a 1000 °C), é um processo que transforma o insumo líquido ou sólido, em compostos gasosos que ainda servem como reagentes químicos em etapas seguidas. A química de Fischer-Tropsch é um exemplo desta. Embora a rota está sendo apresentada na p. 131 do ponto de vista dos carboidratos (celulose; açúcares), não devemos esquecer que também a parte da lignina pode ser transformadas favoravelmente neste sentido, em compostos úteis tais como hidrocarbonetos de baixa massa molar e metanol. 4) A pirólise: a biomassa reage com pouco ou nenhum oxigênio. Isso acontece a temperaturas relativamente baixas, entre 400 e 800 °C. Resultam uma fração líquida (compostos ricos em carbono) e uma volátil, composta por gases e vapores orgânicos condensáveis. Exemplos da pirólise também já vimos na fornalha da recuperação do licor negro, na parte superior deste equipamento. A arte do refinamento No craqueamento da lignina, por exemplo por pirólise 34 ou por tratamento de uma suspensão aquosa na presença de catalisadores, obtém-se uma mistura oleosa-viscosa de vários compostos fenólicos de massa molar menor, mas na média ainda grande (ver seções 4.2 e 3.7.2). Sua cor é marrom-amarelada, o cheiro é o típico da fumaça (que se conhece das salsichas defumadas). As estruturas químicas dos inúmeros compostos nesta mistura são bastante semelhantes, portanto uma separação, com os equipamentos industriais estabelecidos, não é satisfatória nem economicamente viável. A seguinte figura mostra somente alguns poucos dos diversos compostos que se obtém na quebra da lignina: 34 A.C. Fortunatto; Alternativas para o aproveitamento do licor negro da indústria de papel e celulose. Tese da USP 2014, disponível em http://200.144.182.130/iee/sites/default/files/Ana_Carla_Fortunatto.pdf 104 Armin Isenmann Fig. 63. Química a partir de Recursos Renováveis Seleção de alguns compostos monoméricos da pirólise de lignina. Em geral, a diversidade estrutural da lignina acarreta obstáculos no seu refinamento que somente aos poucos estão sendo vencidos. Podemos afirmar que, por enquanto, todas as rotas de acesso aos monômeros da lignina são extremamente difíceis; são a pirólise (= tratamento térmico sob exclusão de ar), clivagem química-catalítica e a degradação bioquímica, com ajuda de enzimas, cogumelos ou bactérias. Daí a questão é: como conseguimos mesmo assim, uma variedade grande de compostos úteis, a partir da lignina? Fig. 64. Fragmentos de massa molar média (polióis), a partir da lignina; podem ser usados na síntese de novos poliuretanos. Os melhores rendimentos em compostos úteis que são atingidos com as mais modernas operações hoje, são entre 20 e 30%, da massa da lignina crua. A maior parte da lignina se transforma, no entanto, em compostos voláteis, tais como: Ácidos carboxílicos (ácido fórmico, ácido acético) Alcoóis (metanol, etanol) 105 Armin Isenmann Química a partir de Recursos Renováveis Gases (gás carbônico, alcanos, alquenos), além de um resíduo sólido e preto que tem bastante semelhança com o coque a partir do petróleo (inclusive seu altíssimo poder calorífico). Pelo menos os processos foram desenvolvidos até um ponto que permite aumentar as quantidades relativas em compostos oleosos. Dentre destes, especialmente os derivados ohidroxifenilas. Condicional para o sucesso desta operação, porém, é o uso de uma lignina isenta de quaisquer compostos e íons contendo enxofre. Estes reagentes não provêm da natureza, mas sim, do processamento tradicional na fábrica de papel e celulose (processo Kraft, processo de sulfito). Portanto, é imperativo que a lignina seja isolada por um processo alternativo livre de sulfatos, sulfitos, etc. Oferecem-se os processos "Organossolv", onde a madeira é processada em solventes orgânicos (por exemplo, em misturas água/etanol; compare seção 3.6). As pesquisas em andamento visam o uso dos fragmentos da lignina, em produtos especiais tais como colas, tintas de parede, pastilhas de freio, discos de polimento, plásticos duromêricos, espumas. O objetivo principal em todas estas atividades é uma reposição, pelo menos parcial, dos reagentes provenientes do petróleo, fora de modificações direcionadas das propriedades destes novos materiais. Sendo um exemplo de sucesso a produção de resinas epóxis, descrita a seguir. Uso da lignina de alta massa molar A partir da lignina poderiam ser feitos muitos artigos de valor: colas, pastilhas de freio, tintas para estruturas metálicas e muito mais. Recentemente foi desenvolvida uma rota para um material plástico, composto de lignina e celulose e conhecida como "madeira liquefeita" ou Arboform (1998) 35. O material é muito promissor, já que é mais resistente à degradação do que a própria madeira. Seu processamento pode ser por injeção em moldes, uma das técnicas mais usadas em termoplásticos. Todavia, este novo produto ainda requer de bastantes pesquisas no processamento, por que a lignina proveniente do processo Kraft deve ser purificada e refinada em um processo caro e demorado. 35 www.tecnaro.de/english/arboform.htm 106 Armin Isenmann Química a partir de Recursos Renováveis A lignina polimerizada também tem sido utilizada como componente em mistura de polímeros (“blendas”), juntamente com vários polímeros, tais como polipropileno 36, polietileno, poli (álcool vinílico) 37 e poliestireno 38. O que mais chama a atenção na estrutura química da lignina são as unidades fenólicas. Isto é, um polímero aromático que pode servir como fonte de diversos derivados do fenol, Ar-OH. Estes poderiam ser usados na fábrica de plásticos, resinas, colas, tintas, etc. Novas resinas epóxis A fonte principal dos ingredientes em resinas epóxis hoje é o petróleo. A rota de síntese mais importante é a poliadição/policondensação entre bisfenol-A e epicloridrina: Fig. 65. Síntese de resinas epóxis (fórmula abstraída), reação principal. As resinas epóxis acharam larga aplicação como colas de alta performance de dois componentes e em materiais de tratamento de superfície. Além destes, as resinas epóxis representam a matriz em placas e peças estruturais grandes, muitas vezes reforçadas por fibras de vidro, fibras de carbono e outras. Esses objetos são extremamente robustos, leves, não quebram nem racham, ao mesmo tempo são rígidos; assim, são os materiais preferidos na produção de piscinas, caixas de água, carrocerias, barcos, etc. As pesquisas mostraram que certos fragmentos da lignina podem ser envolvidos na estrutura tradicional da resina epóxi, até formulações completamente novas de resinas foram desenvolvidas ("advanced resins"). A condição é que os fragmentos na média têm mais de um grupo fenólico, sendo assim um possível substituto para o bisfenol-A. Uma estratégia 36 C. Pouteau, P. Dole, B. Cathala, L. Averous, N. Boquillon; Antioxidant properties of lignin in polypropylene. Polym Degrad Stab 81 (2003), 9–18. M. Canetti, F. Bertini, A.D. Chirico, G. Audisio; Thermal degradation behaviour of isotactic polypropylene blended with lignin. Polym Degrad Stab 91 (2006), 494–498. 37 D.M. Fernandes, A.A. Winkler Hechenleitner, A.E. Job, E. Radovanocic, E.A. Gomez Pineda; Thermal and photochemical stability of poly(vinyl alcohol)/modified lignin blends. Polym Degrad Stab 91 (2006), 1192– 1201. 38 R. Pucciariello, V. Villani, C. Bonini, M. Dauria, T. Vetere; Physical properties of straw ligninbased polymer blends. Polymer 45 (2004), 4159–4169. 107 Armin Isenmann Química a partir de Recursos Renováveis promissora é a produção de um pré-polímero (isto é, prosseguir a condensação até compostos de massa molar intermediária) que ainda está líquido e pode ser aplicado com facilidade. Em segunda etapa provocar a reação com os fragmentos da lignina que leva ao produto final, uma macromolécula de massa molar infinita, insolúvel e infusível. As propriedades destes materiais ainda não são muito bem estudadas, mas os resultados preliminares são bastante promissores. Podemos esperar que já nos próximos anos encontraremos os produtos, provenientes da floresta, em nossa casa, em forma de esmaltes, colas, peças como moldura de janela, painéis, fachadas, isolamentos contra calor e umidade, caixas de máquinas e muito mais. Sulfonato da lignina - material das mais diversas aplicações Uma argamassa mostra uma reologia (= estudo do fluxo) mais vantajosa quando estiverem presentes lignossulfonatos. Na moldagem de peças de concreto se aproveita desta vantagem: a argamassa flui até o último cantinho e forma uma perfeita peça positiva. Os lignossulfonatos também são usados na indústria de ração animal, fertilizantes, agentes tensioativos (detergentes), composto vulcanizante em borrachas e como resina na produção de tintas. O campo das aplicações destes materiais é bastante amplo, devido: suas qualidades de adsorção, alta capacidade como trocadores de íons, baixa toxicidade e indiferença fisiológica, atributos acerca da sua elevada massa molecular. Durante o processo de sulfito a lignina é sulfonada, principalmente, nas cadeias laterais das unidades de fenilpropano, enquanto o local mais reativo fica em posição benzílica (ver Fig. 20, na p. 39). Dependendo do processo aplicado, pode-se obter este sal com diferentes cátions (sódio, amônio, cálcio, magnésio). Variam bastante as indicações das massas molares: entre 10.000 e 200.000 são as massas mais produzidas. O grau da sulfonação é aproximadamente dois grupos -SO3-, a cada 5 a 8 unidades de fenilpropano. Tab. 17. Possíveis aplicações do sulfonato da lignina: Ação: Aplicações: Retarda a pega em argamassas Construção civil Aglutinante Rações, fertilizantes, agroquímicos, moldes da fundição. Emulsificante e dispersante Corantes e pigmentos. Vulcanizante Curamento de borrachas. Até carcaças de TVs, computadores e celulares podem ser feitas a base desta parte da madeira. Isso se deve ao comportamento termoplástico dos lignossulfonatos. Basta misturar com fibras (tais como rami ou sisal) e aquecer, a massa forma um material composto e pode ser processada em máquinas convencionais de transformação de termoplásticos. Porém, a composição complexa dos lignossulfonatos e as impurezas ainda remanescentes do processo 108 Armin Isenmann Química a partir de Recursos Renováveis sulfito, não são compatíveis com as altas exigências da indústria frente aos termoplásticos, portanto não acharam larga aceitação no mercado (ainda). 4.3 Os carboidratos solúveis: Amido e Açúcares. Os açúcares de baixa massa molar, em particular a sacarose, são apresentados no capitulo 5.3, junto à discussão do etanol sendo seu derivado principal. Isso se justifica, visto que todas as fábricas funcionam de maneira integrada, produzindo açúcar cristal e etanol na mesma planta. 4.3.1 Amido – um material além de alimento. O amido é muito difundido no reino vegetal. Altas concentrações encontram-se nos órgãos de reservas: nos sementes, bolbos, raízes, frutos e na medula. As plantas armazenam energia sobrando, em forma de amido insolúvel e, portanto, sem efeito osmótico. Como todos sabem, o amido é também a fonte de energia número um para as pessoas, não importa que seja da batata, do trigo ou do milho. Conseguimos, ao contrário da celulose, digerir (= hidrolisar) esses polímeros. Os amidos são polissacarídeos feitos de unidades de D-glicose. Podemos identificar dois tipos de amido que se diferem principalmente na sua arquitetura (ver também Fig. 5 e Fig. 6): Amilose (10 a 30 %): longas cadeias lineares onde somente se têm conexões 1,4-glicosídicas (ver Fig. 5). A conformação secundária da amilose é uma -hélice onde o passo fica com aproximadamente 3 unidades glicosídicas. Amilopectina (70 a 90%): polímero altamente ramificado: além das conexões 1,4-glicosídicas observem-se também 1,6--glicosídicas (4 a 6%). A arquitetura é dentrítica onde as cadeias laterais são relativamente curtas (ver Fig. 6). Estes, junto à água (cerca de 20%), formam o grão de amido. Em menores partes o grão também contém proteínas, gorduras, sais minerais assim que o ácido fosfórico fixado em forma do seu éster. As qualidades do amido variam com a sua origem; são governadas, além dos tamanhos médios das macromoléculas, da proporção entre amilose e amilopectina. Em função desta composição os métodos de isolamento do amido também variam. Seja dado o exemplo do amido a partir do trigo: a farinha do trigo é misturada com água. Essa massa deve descansar algum tempo, antes de ser amassada e lavada com água. O glúten (= proteína vegetal, com qualidades de uma cola) fica insolúvel, pode ser separado e secado. Restos do glúten, o farelo e o gérmen do trigo podem ser separados por peneiração da suspensão do amido cru. A suspensão do amido assim refinado é centrifugada e liberada da maior parte de água. A secagem final ocorre em secadores de esteira, em fluxo contínuo. 4.3.2 Amilose a amilopectina: dois materiais bastante diferentes A produção de amido cresce continuamente, tanto aquela parte destinada à alimentação quanto a parte do setor técnico. Em 2005 foram produzidos mundialmente 58 milhões de toneladas de amido, destas 54% para o setor alimentício e 46% para fins técnicos. Os produtores líderes são os EUA e a Ásia. Na secção acerca dos carboidratos na “Biorrefinaria”, na p. 146, apontaremos ao inerente problema ético que afeta o amido e os açúcares usados pelas indústrias de transformação: eles podem entrar em concorrência com o alimento humano. 109 Armin Isenmann Química a partir de Recursos Renováveis A amilopectina tem mais demanda e valor do que a amilose. Ela pode ser usada para produzir grude e outras colas, mas também serve como lubrificante, além de suas aplicações na indústria alimentícia. A amilose, por outro lado, forma facilmente filmes finos e serve como espessante e emulsificante (devido à formação de colóides hidrofílicos). Aquele amido que engrossa um molho ou um pudim, sem dar bolinhas de amido, é rico em amilose. As irmãs desiguais somente podem ser separadas sob grandes esforços e geração de grandes volumes de água servida - muito caro e inviável em grande escala. Mas a solução do problema é bastante simples: cultivar plantas (que pode ser por meio da biotecnologia) que por si já são ricos em amilose ou em amilopectina. Daí, dispensam-se os processos de separação. Recentemente se criaram milho e batatas geneticamente modificados que são quase livres de amilose. Um desenvolvimento recente é o uso de amido termoplástico. Este material é atualmente o plástico a base de recursos renováveis (ver definição no cap. 5.9.2, na p. 187) mais produzido no mundo. Com 80% este material é de longe o biopolímero mais utilizado hoje, seguido pelo acetato de celulose (p. 89) e polilactato (p. 153). Para sua processabilidade como termoplástico o amido tem que ser aditivado por plastificantes e lubrificantes. Muito usados para este fim são o sorbitol (ver p. 180) e a glicerina (ver p. 157). A propriedade inerente do amido de absorver água é, na maioria das aplicações dos plásticos, um atributo indesejável. Portanto, é misturado (= blend) com outros polímeros, por sua vez de natureza hidrofóbica. Para manter o atributo "bio", este segundo componente deve ser biodegradável. Assim, acharam aplicações as blendas com poliéster, poliésteramida, poliuretano e polivinilálcool. Note que cada um destes últimos componentes é produto da petroquímica. Estas blendas são produzidas como granulado que pode ser transformado em folhas sopradas, folhas termomoldáveis, peças injetadas e laminados. Os produtos típicos são sacolas, copos de iogurte, talheres descartáveis, potes de plantas, revestimentos de fraldas, papeis e papelão plastificados, chips inflados para isolamento e embalagens, etc. 4.3.3 Amido na produção de papel O amido é um recurso renovável clássico, de grande importância econômica. Uma das consumidoras principais é a indústria de papel. Ao borrifar papel umedecido com uma suspensão de amido, encontraram um método barato de fortalecer o material. A penetração do amido torna o papel mais rígido e mais resistente ao desgaste mecânico - enquanto não prejudica as máquinas de recorte (o que sempre é um problema com os recheios minerais). A tinta fresca que usamos para escrever no papel, fica mais nítida e não se espalha mais entre as fibras da celulose - o que foi o caso no papel não tratado. O amido, além de ser usado na sua forma originária, pode também ser modificado quimicamente. A próxima figura demonstra as diversificações da sua aplicação e sublinha a universalidade destes materiais. 110 Armin Isenmann Fig. 66. Química a partir de Recursos Renováveis Campos de aplicação do amido 4.3.4 Amido ramificado: dois exemplos O amido natural tem sua estrutura secundária (uma -hélice, no caso) devido às pontes de hidrogênio entre os grupos hidroxilas de unidades glicosídicas vizinhas. Estas pontes podem ser de natureza intra e intermolecular e fornecem uma firmeza não muito alta ao amido. Ao ramificá-lo artificialmente este material perde uma parte do seu inchamento em água, ao mesmo tempo se torna mecanicamente mais estável. Os amidos ramificados são bastante usados na indústria alimentícia. Mais recentemente são feitas tentativas de usar o produto ramificado como superabsorvente (ver também p. 158), desta maneira substituir os produtos comerciais a base de recursos fósseis. A maneira padrão de ramificar o amido é via esterificação com ácido fosfórico. Mais facilmente se consegue a reação ao usar o cloreto do ácido fosfórico, POCl3, por ser mais reativo frente nucleófilos do que o ácido livre. 111 Armin Isenmann Química a partir de Recursos Renováveis Também viável é a esterificação com um anidrido de ácido carboxílico. Na reação a seguir usa-se o anidrido acético para produzir o acetato do amido. Este produto não fica mais ramificado do que o material de partida, mas pode ser usado para moldar filmes finos e folhas transparentes. Nos anos passados descobriram-se novos campos de aplicação para este material, a serem mencionadas as folhas de embalagem de alimentos de fácil compostagem, talheres, pratos e bandejas descartáveis. O amido tem um futuro brilhante, a médio e longo prazo. O leque das aplicações fica cada vez mais largo. Também a indústria química descobriu o amido sendo uma matéria prima excelente para produzir compostos de plataforma, através de novos e eficientes processos biotecnológicos. Estes caminhos, porém, não aproveitam da síntese macromolecular da natureza, porque o amido é picado em seus monômeros, a D-glicose. 4.4 Gorduras e óleos Os óleos e as gorduras sempre foram de suma importância na dieta dos humanos e animais. Também nas linhas de produção industrial da química sempre foram, e até hoje são, os recursos renováveis mais importantes. Estima-se que sua importância ainda aumenta no futuro (palavra chave: biodiesel). Quimicamente falando, óleos e gorduras são ésteres da glicerina com ácidos graxos, na sua maioria de cadeia carbônica comprida. Esses compostos são também conhecidos como triglicerídeos. Podem ser líquidos (daí se fala em óleos) ou sólidos a temperatura ambiente (= graxas, sebo). É a facilidade de cristalizar, determinada pelo comprimento e pela uniformidade das cadeias carbônicas e o grau de insaturações, que determina o estado físico da gordura. 112 Armin Isenmann Fig. 67. Química a partir de Recursos Renováveis Exemplo de um triglicerídeo (= gordura). A natureza química dos ácidos graxos varia consideravelmente com a origem vegetal ou animal. Tipicamente indica-se em um código de dois números, o comprimento de carbonos na cadeia e o número de duplas ligações nesta cadeia. A representação é (X : Y), onde X = Número de carbonos e Y = número de insaturações C=C. Todos os óleos e gorduras contém uma diversidade de ácidos graxos e combinações destes nos triglicerídeos, portanto somente é possível indicar uma porcentagem média. A caracterização química das gorduras é chamada de "padrão dos ácidos graxos". Como cada molécula de gordura geralmente tem três diferentes ácidos graxos, as diferenças entre essas moléculas são muito pequenas para serem separadas por cromatografia. Mas uma transesterificação com metanol leva a três metilésteres separados que podem ser separados e analisados por técnicas cromatográficas (HPLC). No caminho petroquímico estes ácidos carboxílicos de cadeia carbônica comprida são acessíveis, também. Mas essas rotas requerem pelo menos três etapas sintéticas, enquanto o recurso renovável da gordura precisa de apenas uma simples hidrólise. Portanto, as sínteses destas substâncias a partir do petróleo nunca foi uma concorrente forte para as gorduras naturais. A próxima figura mostra os ácidos graxos insaturados mais presentes nas gorduras naturais: 113 Armin Isenmann Química a partir de Recursos Renováveis Tab. 18. Padrão dos ácidos graxos: composição natural de algumas plantas oleosas: ácidos graxos em % do peso. Graxa/Óleo 10:0 12:0 14:0 16:0 18:0 18:1 18:2 18:3 20:1 22:1 Óleo de colza ("low erucic") - - - 1-5 1-4 50-65 15-30 5-13 1-3 0-2 Óleo de colza ("high erucic") - - - 2-3 1-4 12-24 12-16 7-10 4-6 45-53 Girassol (gênero antigo) - - - 3-10 1-10 14-65 20-75 - - - Girassol (high oleic) - - - 3-4 1-2 90-91 3 - - - Óleo de linho - - - 5-8 2-4 15-25 12-16 50-60 - - Manteiga de coco 5-10 45-53 15-21 7-11 2-4 6-8 1-3 - - - Azeite de dendê do miolo 3-5 40-52 14-18 6-10 1-4 9-16 1-3 - - - Azeite de dendê de fora - - 0-2 38-48 3-6 38-44 9-12 - - - Óleo de soja - - - 7-14 1-5 19-30 44-62 4-11 0-1 - Óleo de amendoim - - 0-1 6-16 1-7 36-72 13-45 0-1 0-2 - A indústria geralmente é interessada em triglicerídeos mais ricos possíveis em determinado ácido graxo. É evidente que essa exigência somente se consegue com novos cultivos e criações, de repente com ajuda da manipulação genética. Um exemplo de manipulação bem sucedida é a colza: essa planta, aliás, fonte número um de óleos na Europa ocidental, tinha originalmente uma composição nas gorduras que impediu seu consumo por homens e animais. Isso se deve ao alto teor em ácido erúcico (22 : 1), além dos venenosos ácidos de gondo e nervono. Hoje essa variedade antiga da colza é exclusivamente usada para combustíveis do tipo Biodiesel ou na síntese química. Para a última finalidade se cultiva até variedades que são especialmente ricas em ácido erúcico, um composto bastante interessante de cadeia de 22 carbonos e uma ligação interna C=C. Conseguiram uma variedade de colza de >50% de ácido erúcico. A criação mais famosa, todavia, é a "colza duplo zero" na qual o teor em ácido erúcico fica especialmente baixo, portanto o óleo tornou-se comestível. Em vez deste, esse óleo é rico em ácido oléico (50 a 65%), linóleo (15 a 30%) e linoléico (5 a 13%). 4.4.1 Demanda crescente em óleos vegetais A produção de óleos em grande escala inclui as etapas de prensagem e extração. Um fato interessante é que a torta de prensagem (rica em proteínas e fibras das sementes) também tem valor, especialmente em ração para gado. Os triglicerídeos entram hoje como matéria prima na fábrica de cosméticos, lubrificantes, sabão e vernizes. Na Europa já se alcançaram 50% dos detergentes produzidos a partir de 114 Armin Isenmann Química a partir de Recursos Renováveis óleos vegetais. O recém advento do biodiesel aumentou bastante a demanda por óleos naturais. Destes exemplos referidos, o cosmético, os óleos usados para serras e em sistemas hidráulicas, requerem pouca transformação química para se tornarem uma variedade de produtos finos e especiais. A Fig. 68 mostra umas destas reações, todas de importância industrial. Fig. 68. Reações químicas feitas nos triglicerídeos A hidrólise dos triglicerídeos sob pressão, leva aos ácidos graxos livres e à glicerina. Os ácidos graxos podem ser desprotonados com bases fortes (NaOH ou KOH) e fornecem diretamente sabões. A reação dos ácidos graxos com alcoóis leva aos ésteres. Estes produtos, porém, são geralmente feitos de maneira mais direta a partir do triglicerídeo, via transesterificação. A reação certamente mais aplicada é com metanol que fornece o biodiesel que nada outro é do que o metiléster dos ácidos graxos. Os catalisadores básicos (metóxido de sódio, por exemplo) ganham a preferência na maioria dos casos, já que os catalisadores ácidos (ácido sulfúrico, ácidos sulfônicos orgânicos do tipo tosila; zeólitos) são de remoção difícil. Além disso, produzem em menores partes ácidos graxos livres. Ambos, catalisador ácido e ácido graxo livre, corroem os motores de combustão. A hidrogenação catalítica satura, em primeira linha, as duplas ligações C=C dos ácidos graxos. Mas também se consegue, sob condições mais drásticas, uma redução do grupo -COOH que leva aos alcoóis graxos. Estes são intermediários na fábrica de agentes tensoativos (detergentes). Após a esterificação com ácido sulfúrico e a neutralização se obtém, por exemplo, detergente para lavar louça. Fórmula geral destes alquilssulfatos: ROSO3- Na+. Uma reação interessante se consegue nas duplas ligações C=C com peróxido de benzoíla: os epóxidos dos ácidos graxos. Eles reagem voluntariamente com ácidos carboxílicos bifuncionais, fornecendo a interessante classe dos poliésteres insaturados (resinas em tintas). 115 Armin Isenmann Química a partir de Recursos Renováveis Um tratamento simples do óleo de dendê com ácido sulfúrico concentrado ou SO3 leva ao éster (= sulfato) nos grupos hidroxilas e ao produto de adição do grupo -SO3H nas duplas ligações C=C. Esse produto é conhecido como óleo vermelho do turco (inglês: turkey-red oil) e contém entre 8 e 8,5% de SO3. Isto corresponde a um grupo sulfônico a cada triglicerídeo. A indústria têxtil é grande consumidora deste, onde serve como aditivos emulsificante e umectante dos tecidos. Fig. 69. Possíveis reações na dupla ligação C=C dos ácidos graxos. Além destas, as reações feitas no grupo carboxílico dos ácidos graxos leva aos cloretos, amidas, aminas ou sais carboxilatos. Fig. 70. Reações preferencialmente feitas no grupo -COOH dos ácidos graxos. Certos ácidos graxos contêm ainda um grupo hidroxila. Mais famoso exemplo é o ácido ricinóico. O óleo de mamona é especialmente rico neste ácido graxo (~ 80%). Sendo assim, este composto pode ser usado diretamente na produção de poliuretanos, onde substitui uma parte dos polióis, usados para ramificação do polímero e plastificação do material. Tab. 19. Exemplos do uso industrial dos derivados de ácidos graxos: Derivado Aplicação Éster do ácido graxo Plastificante na indústria de tintas e vernizes Etoxilato do ácido graxo Emulsificantes na indústria cosmética e têxtil Amida do ácido graxo Compatibilizante e umectante para pigmentos, usados na indústria 116 Armin Isenmann Química a partir de Recursos Renováveis de tintas; proteção de corrosão de estruturas metálicas. (Não incluso o uso de certos derivados na farmácia e como inseticidas.) 4.4.2 Perspectivas para o futuro Como as tecnologias bioquímicas conquistam a produção industrial pode ser mostrado no exemplo da hidrólise dos triglicerídeos. Em alta escala, até hoje, as gorduras são hidrolisadas usando vapor de alta pressão; consequentemente é uma etapa bastante energética. A biotecnologia oferece uma alternativa interessante: um novo grupo de enzimas chamadas de lipases foi aperfeiçoado para fazer este serviço a temperatura ambiente. Aliás, são os biocatalisadores que ajudam também na nossa digestão de comida gordurosa. As operações unitárias são, portanto, bastante simples e robustas. A seletividade deste tipo de catálise geralmente é bastante alta. Em nosso exemplo são produzidos especificamente os ácidos graxos livres, mesmo se o material de partida for uma amostra biológica impura. Por que este método não se aplica ainda em grande escala? Um dos obstáculos e objeto de pesquisas é a intolerância das culturas de bactérias que produzem as enzimas, frente altas concentrações. A maioria morre quando exposta, tanto à alta concentração de gorduras como aos ácidos graxos produzidos. Outra é uma elevada mortalidade das bactérias sob condições de hidrólise. Outro ponto é a possibilidade da formação de produtos paralelos, especialmente sob tempos de fermentação prolongados. Estes, por sua vez, podem potencializar a toxicidade do ambiente reacional frente às bactérias, uma parada da reação seria a consequência. Além de tudo isso, o agar (= alimento para as culturas de bactérias) que é essencial para o bom funcionamento da fermentação, ainda custa muito caro. Tendo em vista um futuro dominante da biorrefinaria, temos que admitir que as estratégias hidrolíticas não são adequadas para todos os tipos de biomassa, tais como aquelas ricas em triglicéridos ou lignina. Frações de baixo conteúdo de carboidratos são mais adequadas para pirólise e gaseificação. Por outro lado, matérias-primas ricas em carboidratos (poliméricas, dissacarídeos e sacarídeos simples) são predestinadas para serem processados por métodos microbiológicos à base de água, para geração de álcoois e especialidades químicas, em biorrefinarias totalmente integrada. Estima-se que um preço do barril de petróleo acima de US$ 100 irá fornecer o incentivo necessário para a utilização de biomassa, substituindo então os produtos das atuais refinarias de petróleo. Os biotecnólogos, químicos e engenheiros de processos trabalham mão em mão para vencer estes obstáculos acarretados pela vulnerabilidade das bactérias. Culturas mais potentes de bactérias ou enzimas extraídas delas estão sendo desenvolvidas, visando produtos em concentrações mais altas. Também trabalham num melhor funcionamento da etapa de purificação que, neste processo, anda paralelamente à fermentação. 4.5 Os demais componentes da madeira, presentes em menores partes. 4.5.1 Terpenos e resinas Os terpenos são conhecidos há muito tempo sendo os compostos principais dos óleos etéricos. São feitos de unidades de isopreno (= 2-metil buta-1,3-dieno; H2C=C(CH3)CH=CH2): 2 unidades isoprênicas = C10 = monoterpeno 3 unidades isoprênicas = C15 = sesquiterpeno 4 unidades isoprênicas = C20 = diterpeno. 117 Armin Isenmann Química a partir de Recursos Renováveis Os terpenos podem ser cíclicos ou acíclicos, seus grupos funcionais principais são álcool e aldeído. A mistura de terpenos líquidos é conhecida como "terebintina" ou “aguarrás”, sua produção mundial fica em torno de 1 milhão de toneladas por ano. Fonte principal dos óleos de terebintina são as coníferas. As agulhas destas árvores são especialmente ricas em terpenos - o que já revela seu cheiro aromático e intenso. Na produção da celulose a partir de pinheiros (EUA, Finlândia), pode-se contar com até 16 Kg de terebintina a cada tonelada de celulose. Abetos fornecem em torno de 3 Kg de terebintina. A terebintina é usada diretamente como solvente em esmaltes, graxa de sapato e resinas de chão. Em menores partes é usada na produção da cânfora, substâncias odoríferas ou vitaminas. Uma visão ampliada sobre os terpenos e poliisoprenos, ver cap. 4.5.2 (p. 118). 4.5.2 Terpenos contra câncer Também a indústria farmacêutica descobriu o valor dos terpenos. Por exemplo, o taxol usado com sucesso no tratamento de câncer, é feito a partir de um diterpeno. Também os esteróides, entre eles os hormônios sexuais, têm um esqueleto de diterpenos (= C20). Além disso, os terpenos são materiais de partida para vitaminas e uma série de outros fármacos. Grandes volumes de terpenos de baixa massa molar são usados na indústria de tintas e vernizes, como solventes. Conhecida como "terebintina" essa mistura serve como substituto para alcanos e aromáticos provenientes do petróleo (querosene e nafta). Especialmente grande foi o avanço em proteção ambiental quando a terebintina foi usada em vez dos solventes halogenados. Mas os terpenos também podem ser componentes estruturais na própria tinta, onde polimerizam e ajudam formar uma rede tridimensional que proporciona à tinta sua resistência necessária e dureza final. Tab. 20. Terpenos e suas aplicações: Ramo industrial Aplicação Alimentício Flavorizantes e aromas Farmácia Óleos etéricos, medicamentos, vitaminas. Cosmética Odorantes e aromas, repelentes. Corantes e tintas Solventes alternativos Agrícola Pesticidas 4.5.3 Terpenos e borracha natural Dizem que óleo cítrico espanta males e mal humor. Fato que até então ninguém comprovou. Certo é, por outro lado, que o composto responsável pelo odor agradável é citronelol que pertence à família dos terpenos. Terpenos fazem parte dos óleos etéricos das plantas. Além do mencionado, os mais conhecidos representantes desta família são o mentol (contido no óleo da menta e hortelã; famoso por seu efeito refrescante na boca) e o cuminal (no cuminho e no eucalipto). 118 Armin Isenmann Química a partir de Recursos Renováveis CH 2OH CHO CH 2 OH Citronelol Geraniol (tomilho, f rutas cítricas, (rosas, citronela; perf umes) repelente de insetos) Neral ou Citral (erva cidreira; síntese de vitamina A) OH OH Mentol (menta, cigarros) Fig. 71. Cuminol (cuminho, f uncho; medicinal) Alguns monoterpenos típicos, sua fonte natural e suas aplicações industriais. Todos os terpenos se constituem de unidades "isoprênicas". Isopreno Como o número de carbonos no isopreno é 5, o critério de ser um terpeno é que o número dos seus carbonos deve ser divisível por 5 (regra de L. Ruzicka, 1922). Compostos que são feitos a partir de uma única unidade isoprênica são raros na natureza. por outro lado, muito espalhados são os compostos de duas, três ou mais unidades isoprênicas. Ao longo dos anos se estabeleceram nomes triviais para classificar estes terpenos, dos quais alguns são relacionados na tabela a seguir. 119 Armin Isenmann Tab. 21. Química a partir de Recursos Renováveis Representantes de terpenos de baixa massa molar. Dos ~40.000 diferentes terpenos conhecidos até hoje as estruturas químicas e, na maioria dos casos, as rotas da sua síntese são bem conhecidos. Por outro lado, o papel biológico destas substâncias e seus efeitos nos homens, somente se sabe em partes. No entanto, seus efeitos podem ser bastante interessantes: alguns animais liberam feromônios que servem para comunicar com seus iguais - às vezes a longa distância. Outros servem como atraentes: o besouro da madeira segue ao cheiro dos terpenos de pinheiros que são emitidos de árvores doentes. Não é surpresa que na indústria de perfumes se usam os terpenos há muitos anos. Exemplos são o mentol, geraniol e nerol. 4.5.4 Sem a borracha ficamos no lugar Na língua dos índios do Perú a palavra "Cahuchu" significa árvore com lágrimas. Quando se risca a casca de uma árvore amazônica do tipo hervae brasiliensis, sai um tipo de leite que contém o então cauchú, melhor conhecido como látex da borracha natural. 120 Armin Isenmann Química a partir de Recursos Renováveis O látex tem a sua aparência leitosa devido ao forte espalhamento da luz nas pequenas partículas contidas nele. Na verdade trata-se de gotículas de um polímero, o poliisopreno com uma massa molar média de 2.106 g.mol-1, em uma matriz aquosa. O tamanho médio destas gotículas é de poucos micrômetros, portanto o látex é um exemplo para uma dispersão coloidal (= emulsão). Esse vai ser o ingrediente principal em muitas borrachas e elastômeros que usamos no dia a dia - inclusive para os pneus dos nossos veículos. Entre outros, o Brasil mantém uma pesquisa aplicada há décadas que visa melhorias na produção do látex e da então borracha natural. Por outro lado, há aproximadamente 100 anos que se sabe do acesso às borrachas sintéticas, entre elas os copolímeros de SBR (= poli-estireno-co-butadieno = Buna S) e NBS (= poliacrilonitrila-co-butadieno-co-estireno = Buna N). A tendência atual, porém, vai claramente em direção à borracha a partir de recursos naturais. O rosto da Tailândia são suas plantações extensas de cauchú. Uma árvore em média produz vários gramas de látex por dia que, na maioria das vezes no local do produtor florestal, é tratado com diversas substâncias, entre estes o ácido acético, com o objetivo de coagular esse leite. Daí pode ser separado da fase aquosa. O coagulado é amassado por rolos que parecem um pouco às calandras da fábrica de plásticos. O material sai deste processo em lâminas de 1 a 2 mm de espessura e vai para a secagem em armazéns aquecidos a 50 °C. No final o látex seco é pulverizado, já que nesta forma é mais fácil de transportá-lo. 4.5.5 Estrutura química e vulcanização O poliisopreno contido no látex é um polímero altamente insaturado (quer dizer, repleto de duplas ligações C=C), com relativamente poucas ramificações. A forma predominante da inserção do monômero isoprênico é via os carbonos 1 e 4; a dupla-ligação do monômero muda-se para a posição 2, enquanto observamos o estabelecimento da geometria cis. Fig. 72. Esquema da vulcanização da borracha natural A borracha natural pode ser chamada de recurso renovável "tradicional". Porém, antigamente a humanidade ainda não sabia da grande utilidade deste material. Isso mudou drasticamente quando o escocês C. Macintosh (1823) descobriu que o látex é solúvel em solventes orgânicos e nesta forma pode ser aplicado em tecidos. Uma vez o solvente se volatilizou, o tecido se tornou prova d´água que pôde ser usado como roupa de proteção contra a intempérie adversária da Escócia. Infelizmente, essas jaquetas grudaram bastante durante o verão; além disso, o oxigênio do ar tornou o tecido tratado seco e duro e o látex se perdeu aos poucos. O 121 Armin Isenmann Química a partir de Recursos Renováveis que ficou, até hoje, é a expressão "Macintosh", para denominar jaquetas de chuva na Inglaterra. O americano J. Goodyear (1839) descobriu poucos anos depois e por puro acaso, que a adição de enxofre e um tratamento com temperaturas ligeiramente elevadas transformou o material grudento em um novo estado que mostrou altíssima elasticidade - o que todo mundo conhece hoje como borracha. Esse novo material pôde ser estirado até 500% da sua forma em repouso, sem rachar! E depois de relaxar voltou na mesma forma que tinha havido antes. Isso foi revolucionário, sendo o nascimento do processo da "vulcanização". A partir de lá, levou um tanto de 80 anos para se descobrir porque as qualidades mecânicas da borracha mudaram tão drasticamente: as cadeias poliméricas do cauchú, por enquanto soltas uma da outra e na conformação de novelos estatísticos, podem deslizar das cadeias vizinhas, uma vez que somente se estabeleceram as fracas interações de Van der Waals entre elas. Em consequência, o material é um grude de alta viscosidade que se rasteja aos poucos (ingês: creep). Com a vulcanização se introduz o enxofre que impede justamente esses deslizamentos. Duplas ligações C=C remotas estabelecem pontes de polissulfeto, tanto intra quanto intermoleculares. Entre essas pontes se encontram seções (ou laços) mais ou menos compridas: 20 a 100 unidades isoprênicas, na média. As pontes de polissulfeto, por serem ligações covalentes e estáveis, fazem com que os novelos estatísticos do poliisopreno e, afinal, o objeto macroscópico, não permaneçam na posição final após serem deformados. Sendo assim, o objeto perdeu o comportamento viscoso, enquanto realçou o aspecto elástico. É lógico que através da quantidade de enxofre que se usa na vulcanização, se consegue ajustar o comportamento elástico e a rigidez do corpo. Uma vez vulcanizada, a peça tem sua forma final e não pode ser mais transformado igual um termoplástico; sua massa molar torna-se infinita, devido às inúmeras pontes de polissulfeto; além disso, virou insolúvel em qualquer solvente - somente incha, mas não se dissolve. De acordo com sua aplicação a borracha requer uma série de aditivos (pigmentos, corantes, plastificantes, anti-chama, protetor solar, antienvelhecimento = antioxidantes), auxiliares de processamento (lubrificantes) e recheios. Estes últimos são especialmente importantes, não só por baratear o artefato de borracha, mas também por mostrar efeitos sinergéticos sob vários aspectos mecânicos. O recheio mais utilizado e presente em até 50% da massa do objeto final, é carvão finamente particulado e fuligem. Sua cor preta que todos conhecem dos pneus, ao mesmo tempo protege a borracha frente à radiação solar. Se não fosse protegido, o objeto ressecaria e endureceria rapidamente. A seguinte figura dá noção da composição típica de um pneu de carro. Mais de 70% de toda a borracha produzida no mundo entra na produção de pneus de automóveis. Em segunda linha ficam as luvas de borracha, vedações, mangueiras, balões de festa, botas, solas de sapato e correias de transporte. 122 Armin Isenmann Fig. 73. Química a partir de Recursos Renováveis Composição média de um pneu de carro O cauchú natural tem em torno de 40% de toda a produção em elastômeros no mundo, a produção mundial do látex fica em 20 milhões de toneladas por ano. Estes números demonstram a imensa importância deste recurso renovável. 4.5.6 Taninos São polifenóis com pesos moleculares entre 500 e 3000. Eles inibem o ataque às plantas por herbívoros vertebrados ou invertebrados e também por microorganismos patogênicos. Isso se deve à diminuição da palatabilidade, dificuldades na digestão e produção de compostos tóxicos dentro do trato digestivo. O termo é largamente utilizado para designar qualquer grande composto polifenólico contendo suficientes grupos hidroxila e outros (como carboxila) para poder formar complexos fortes com proteínas e outras macromoléculas. Suas características gerais são a solubilidade em água, álcool e acetona, sua insolubilidade em éter puro, clorofórmio e benzeno. Além disso, se precipitam quando entrarem em contato com sais de metais pesados. A farmácia aproveita das qualidades dos taninos na complexação com íons metálicos, atividade antioxidante e sequestradora de radicais livres: Antídotos em intoxicações por metais pesados e alcalóides; Adstringentes (a gente fala que eles "fecham a boca", conhecido do caju, casca de banana ou da carambola verde); Via externa: cicatrizantes, hemostáticos; Via interna: antidiarreicos; Anti-sépticos; Antioxidantes; Antinutritivos (devido ao seu efeito complexante, diminuem a capacidade de absorção de ferro). 123 Armin Isenmann Química a partir de Recursos Renováveis Na indústria os taninos têm relativamente pouca importância industrial. São ingredientes no processo de fabrico de curtumes, onde se transforma peles (putrecíveis) em couros (não putrecíveis). Também são agentes de fixação de corantes em cima da fibra, na linguagem dos coloristas 39 é um “mordente”. A casca de carvalho é a principal fonte de taninos para esta indústria. Outros usos são processos de saneamento, tanto para água de adução como de efluentes líquidos; em processos de purificações de líquidos (combustíveis/gasolina) e em processos de perfuração de poços (viscosidade da lama). 4.5.7 Sais minerais na madeira Os sais minrais contidos na madeira são principalmente os carbonatos e silicatos. Estes componentes não servem como matéria-prima para produtos químicos. Muito pelo contrário, atrapalham bastante o processamento da madeira, pois desgastam a maquinaria de corte devido à alta abrasão. Especialmente rico em sais minerais e, portanto, usado como adubo, são as cinzas da madeira queimada. Esses sais são especialmente ricos em potássio e cálcio e têm caráter alcalino, então ideal para corrigir o pH de um solo ácido. 5 Química de plataforma, a partir de recursos renováveis Até hoje podemos afirmar: sem petróleo ou gás natural não funciona nada na indústria química. Estes recursos são as fontes para as substâncias padrão (inglês: bulk chemicals), a partir das quais toda a química fina se constrói. Só que as fontes desses materiais se esgotam aos poucos. Por este motivo o mundo da ciência está procurando substitutos com máximos esforços. Este capítulo deve mostrar como alguns dos mais genéricos reagentes da síntese orgânica são acessíveis, a partir de recursos renováveis. Essas substâncias são fundamentais em praticamente todas as linhas de produção - desde plásticos, fibras e têxteis, remédios, agrotóxicos etc., também conhecidos como "commodities" ou "químicos de plataforma". Sua classificação aqui será conforme o número de carbonos dentro da sua estrutura, daí são C1, C2, C3, etc. Outros produtos a partir da biomassa lignocelulósica são completamente novos no cenário da química industrial. Dentre estes, são especialmente os (di)ácidos carboxílicos e os polióis que são referidos na Tab. 25. É o desafio para os químicos achar novas aplicações, por exemplo, como monômeros em novos materiais poliméricos, como reagentes na química fina ou como solventes alternativos em processos de transformação. Antes de apresentar as estratégias mais promissores para acessar estes compostos de plataforma de C1 a C6, a partir de recursos renováveis, vamos familiarizar com as rotas convencionais cuja base são os recursos fósseis, como já mencionado na introdução (p. 9). 39 Leia sobre a fixação por meio de mordentes, em A. Isenmann, “Corantes” Cap. 4.1; disponível em http://www.timoteo.cefetmg.br/site/sobre/cursos/quimica/repositorio/livros/corantes/index.html 124 Armin Isenmann Química a partir de Recursos Renováveis Excurso: Química de plataforma à base de recursos fósseis Chamamos de recursos fósseis o petróleo, o carvão mineral e o gás natural. As maiores capacidades destes recursos são submetidas a processos que visam seu refinamento (= fracionamento). Neste processo térmico não há muitas reações químicas – por vezes algumas pirólises de compostos poliméricos. Os produtos podem ser diretamente usados como combustíveis para veículos, para o aquecimento de caldeiras industriais ou até moradias. Representantes típicos são o n-heptano e isooctano (= 2,2,5-trimetilpentano), por sua vez componentes principais na gasolina. Outro ramo industrial da petroquímica visa o beneficiamento químico dos recursos fósseis, onde se segue a seguinte estratégia: as frações mais pesadas da destilação fracionada contêm hidrocarbonetos de elevada massa molar. Estes são submetidos a uma etapa de redução do tamanho, conhecida como “craqueamento”. Neste processo, além da cisão das cadeias carbônicas, ocorre também uma desidrogenação, ou seja, a formação de duplas ligações C=C. Por vez pode ocorrer uma ciclodeshidrogenação - o que leva aos compostos cíclicos altamente insaturados, então os aromáticos. Desde os anos 1980 a produção dos aromáticos a partir do alcatrão do carvão mineral é regressiva, sendo este recurso fóssil cada vez mais substituído pelo petróleo. A partir destes compostos pequenos, a dizer: Metano (diretamente do gás natural), Mono-olefinas (etileno, propeno, 1-buteno, 2-buteno, isobuteno), Aromáticos simples (benzeno, tolueno, xilenos, naftaleno, obtidos do alcatrão de hulha, mas também acessível a partir do petróleo, por meio da ciclodesidrogenação das n-parafinas), é possível construir em etapas consecutivas moléculas mais pesadas, com diversos grupos funcionais, de maneira controlada e direcionada. São estas, em resumo, as estratégias principais hoje de se produzir os produtos químicos de plataforma. Sem entrar em detalhes, os seguintes três diagramas devem mostrar as rotas principais de acessar uma larga faixa de compostos funcionalizados, a maioria dos quais ainda serve como intermediário para produtos químicos mais sofisticados, tais como fármacos, polímeros, agrotóxicos, etc. 125 Armin Isenmann Química a partir de Recursos Renováveis Policloreto de vinilideno (Neopreno) Polivinilálcool (PVA) Cloreto de vinilideno Tricloroetano PVC Polivinilacetato (PVAc) Etilenamina Cloreto de vinila Acetato de vinila 1,2-Dicloroetano Polietileno Etilenoglicol HCl Cl2 AcOH / O 2 n-Propanol Propionaldeído Síntese "Oxo" Etileno O2 Oxietileno (oxirano) Cloreto de etila Chumbo tetraetil (hoje pouco) O2 Fig. 74. H2O Etanolamina Poliglicoléster Acetaldeído Etilbenzeno Estireno Poliestireno (PS) Polioxietileno Glicoléster HCl Benzeno Glicoléter de baixa massa Etanol Butadieno Borracha NBS Produtos de plataforma, a partir do etileno proveniente do petróleo. 126 Armin Isenmann Química a partir de Recursos Renováveis Epicloridrina Glicerina Ácido acrílico Álcool alílico Cloreto de alila 1,2-Dicloropropano Cloreto de n-propila O2 Acroleina HCl Propilenocloridrina Cl 2 O2 n-Butanol n-Butiraldeído HOCl Hidroperóxido Síntese "Oxo" Propileno Benzeno Fenol Cumeno Ceteno Acetona Produtos acetilados Fig. 75. Óxido de propileno Propilenoglicol H2O NH 3 / O 2 Polietileno Acrilonitrila (isotático/ Polipropilenoglicol sindiotático) Isopropanol Poliacrilonitrila (PAN) Diacetona álcool Acetonacianidrina Óxido de mesitila Metilmetacrilato i-Butil metil cetona Polimetilmetacrilato (PMMA) Produtos de plataforma, a partir do propileno proveniente do petróleo. 127 Armin Isenmann Química a partir de Recursos Renováveis Fig. 76. Produtos aromáticos podem ser obtidos a partir da destilação fracionada do alcatrão de hulha (= carvão mineral), um subproduto valioso da coqueria. O primeiro derivado petroquímico foi o isopropanol, que foi produzido nos EUA (1920) a partir do propileno, adicionando ácido sulfúrico concentrado, seguido por uma etapa de hidrólise do éster. Seguiram sínteses semelhantes, por exemplo, do 2-butanol a partir dos nbutenos. Este álcool pode ser oxidado fornecendo cetonas (acetona, butanona). Ainda se procurou, na época, por um destino para o etileno que foi considerado sendo subproduto de baixo valor, um gás que escapou das refinarias do petróleo da época. No ano 1930 começou a produção de oxietileno a partir do etileno. Mas somente com o advento dos catalisadores de Ziegler o etileno se tornou realmente valioso: nos anos 1960 começou a grande história do 128 Armin Isenmann Química a partir de Recursos Renováveis polietileno e do polipropileno, materiais com módulos suficientemente altos para serem utilizados em inúmeras aplicações no setor de construção e como embalagem de bens de consumo. Hoje os polímeros PE-HD e PP representam os insumos mais produzidos, a partir do petróleo. Antes do desenvolvimento dos polímeros ainda datou a cloração do propileno à alta temperatura (> 500 °C) que levou, finalmente, à produção da glicerina em grande escala. Também a produção do butadieno foi um marco na história da petroquímica, já que representa o monômero dos mais importantes materiais borrachosos (buna-N, buna-S, NBS, etc.). Fim do excurso. 5.1 Pequenos e poderosos - a família C1. Metanol e formaldeído Os dois compostos C1, metanol e formaldeído, de fórmula CH3OH e HCHO, respectivamente, são entre os mais importantes reagentes da síntese orgânica, envolvidos na maioria das linhas de produção. Tab. 22. Os retratos de metanol e formaldeído. O metanol é um líquido de baixa viscosidade; completamente misturável com a água e álcoois maiores; estabelece fortes pontes de hidrogênio; é inflamável e queima com chama invisível. Densidade: 792 kg/m³ O formaldeído é o menor aldeído, ao mesmo tempo é mais reativo que seus homólogos pesados. A solução aquosa de formaldeído, em regra diluída a 45%, denomina-se formol ou formalina. Ele se polimeriza ao longo do tempo, formando um precipitado de polioximetileno, H-(CH2-O)x-H, mas essa reação é facilmente revertida. Ponto de ebulição: 64,7 °C Ponto de ebulição: -19 °C Massa molar: 32,04 g/mol Massa molar: 30,031 g/mol Ponto de fusão: -97,6 °C Densidade: 815 kg/m³ Pressão de vapor: 13,02 kPa Ponto de fusão: -92 °C Classificação: Álcool Solúvel em: Água De onde vêm os compostos C1 de hoje? O ponto de partida para um grande número de hidrocarbonetos e álcoois de baixa massa molar, entre eles o metanol, é o "gás de síntese" ou “syngas”, isto é uma mistura de monóxido de carbono e hidrogênio. Matéria de partida hoje é principalmente gás natural e a fração de nafta proveniente do petróleo (mas, como veremos mais adiante, estas matérias-primas poderão ser substituídas pela biomassa). A reação com vapor de água é feita a temperaturas entre 800 e 900 °C, aplicando ao mesmo tempo pressões de até 40 bar. A reação é endotérmica e pode ser resumida simplificada como: CH4 + H2O CO + 3 H2 ou (CH2)x + x H2O x CO + 2x H2. 129 Armin Isenmann Química a partir de Recursos Renováveis (gás natural) (nafta) Os conhecimentos acerca desta síntese são vastos. Aplicam-se com sucesso diversas variações operacionais e processos, desde 80 anos. Também a partir do carvão é possível fazer gás de síntese: C + H2O CO + H2. (carvão mineral) Quando aquecer o petróleo/carvão a 550 °C, na presença de um excesso de vapor d´água superaquecida e sob exclusão de ar (= condições de pirólise), os hidrocarbonetos se decompõem, e resultam três frações de estados físicos diferentes: 1. Um gás combustível que contém compostos tais como monóxido de carbono e metano, mas também hidrogênio. 2. Um líquido oleoso (piche; tar), mistura complexa de pequenas moléculas orgânicas. 3. Um sólido que parece muito ao coque. A fracção gasosa é o “gás de síntese” cru e pode ser refinado em seguida; as fracções líquida e sólida são queimadas e servem como fonte de energia para estabelecer as altas temperaturas requisitadas pelo reator. As utilidades do gás de síntese são diversas: Combustível em caldeiras, fornos de cal, motores a gás, etc. Redutor direto em fornos da siderurgia, Geração de energia elétrica em turbinas a gás, Produção de gasolina sintética e “gás natural sintético”, e finalmente: Síntese de compostos orgânicos de plataforma, daí conhecida como “Síntese de Fischer-Tropsch”. Antes de ser convertida em metanol e outros compostos químicos, a mistura de CO / H2 deve ser purificada; entre os "outros" se destacam hidrocarbonetos de cadeia média a comprida e diversos alcoóis. Quais exatamente são os produtos desta etapa depende principalmente das condições aplicadas na síntese: temperatura, pressão, catalisadores. Ao se trabalhar sem pressão e a ~180 °C, os produtos são hidrocarbonetos sem algum oxigênio, das fórmulas gerais CnH2n+2 (saturados) ou CnH2n (cíclicos e alquenos que contêm uma dupla-ligação C=C). A temperaturas mais altas, entre 800 e 1000 °C, prevalece a produção de gases de hidrocarbonetos combustíveis (o “gás natural sintético”) – um caminho que não seja tratado aqui. A seguinte equação abstrai a produção dos hidrocarbonetos à base de gás de síntese: (n+2) CO + (2n+5) H2 H3C-(CH2)n-CH3 + (n+2) H2O Os produtos primários desta etapa, ao usar catalisadores de ferro, cobalto e níquel, são: Metano: 20% Hidrocarbonetos leves (propano C3H8, butano C4H10, propeno C3H6, buteno C4H8): 10% 130 Armin Isenmann Química a partir de Recursos Renováveis Hidrocarbonetos com ponto de ebulição até 200 °C (= "gasolina"): 40% Hidrocarbonetos com ponto de ebulição até 320 °C (= óleo Diesel): 20% Hidrocarbonetos sólidos (= parafinas): 10%. Através do processo de craqueamento pode ser aumentada posteriormente a porcentagem da fração da gasolina. Os fundamentos desta reação foram colocados por Franz Fischer e Hans Tropsch, nos anos 1920. Naquela época, a nova síntese abriu a oportunidade de produzir gasolina, a partir do carvão mineral - uma estratégia que se tornou substancial para a sobrevivência da economia alemã durante a guerra. Até hoje este tipo de reações são conhecidas como "Síntese de Fischer-Tropsch". Aproveitamos agora destas experiências, quando procuramos caminhos para fazer o gás de síntese a partir de biomassa. 40 Biometanol pela rota de Fischer-Tropsch O biometanol é talvez a mais antiga forma de produção de metanol. Foi inicialmente produzido a partir de madeira; daí o nome por que ficou conhecido: “álcool da madeira”. Curiosidade: o biometanol foi descoberto pelos egípcios por meio da pirólise destrutiva de madeiras, a ser usado no processo de embalsamento. Desde então o metanol se evoluiu para ser uma das matérias-primas mais consumidas na indústria química. O “álcool da madeira”, pode então ser preparado pela destilação seca de madeiras, sob exclusão de ar. Esse é o processo mais antigo de obtenção do metanol, durante muito tempo a síntese exclusiva. Como veremos a seguir, a rota de Fischer-Tropsch é uma versão mais moderna deste processo pirolítico. A importância da economia do biometanol é evidenciada nos trabalhos do vencedor do prêmio Nobel de Química de 1994, G.A. Olah, onde ele ressalta a importância do biometanol como biocombustível e armazenamento de energia com grandes perspectivas futuras na substituição de combustíveis fósseis. 41 A produção mundial em 2014 foi estimada com 100 milhões de metros cúbicos de biometanol no mundo; isto corresponde a 100 mil toneladas de biometanol sendo usados a cada dia, quer de matéria-prima em processos químicos ou como biocombustível. 42 A produção do biometanol envolve basicamente 8 etapas operacionais: 1) Pré-tratamento da biomassa lignocelulósica: o trituramento para chegar em partículas de 1 a 5 mm é vantajoso, para assegurar o funcionamento do leito fluidizado no gaseificador. A matéria-prima deve ser secada, onde as 50% de umidade ou mais no material de partida é reduzido a 5 - 10%. Assim se economiza energia no gaseificador, onde a endotermia da evaporação da umidade dificultará o regime em alta temperatura. 40 P. Eichler et al., Produção de biometanol via gaseificação de biomassa lignocelulósica. Quim. Nova 38 (2015) 828-835. 41 G.A. Olah, Angew. Chem. Int. 44 (2005), 2636. 42 http://www.methanol.org/Methanol-Basics/The-Methanol-Industry.aspx 131 Armin Isenmann Química a partir de Recursos Renováveis 2) Gaseificação é feita hoje, de preferência em reatores de leito fluidizado, onde uma mistura de oxigênio 43 e vapor d´água, ambos preaquecidos a > 200 °C são injetados de baixo e assim sustentam o leito. A pressão de operação pode variar entre perto da atmosférica (200 a 400 kPa) até alta (acima de 1500 kPa) 44. O processo principal a acontecer é a pirólise, mas também ocorrem evaporação, redução e, logicamente, a combustão do material orgânico, reação que fornece a energia para os demais processos que são de natureza endotérmica. Como tudo isso é feito em leito fluidizado, então não existem zonas distintas para estes processos. Componentes termicamente instáveis são quebrados em moléculas menores, a uma temperatura que pode chegar localmente a 1000 °C. A presença de alumina no leito fluidizado se mostrou vantajoso, ela tem o papel de catalisador de contato ácido. Entre os produtos podemos identificar basicamente três frações: os gases (H2, CO, H2O, CH4 e CO2), piche ou alcatrão (hidrocarbonetos poliaromáticos; líquido) e o coque (“char”; resíduo sólido contendo principalmente carbono). 3) Limpeza do gás de síntese: os gases estão saindo ainda quentes do gaseificador (800 °C) e passam por um sistema de ciclones, onde grande parte dos particulados é separada e redirecionada ao gaseificador. 4) Reforma dos hidrocarbonetos: aqui acontece o craqueamento do alcatrão (tar cracking reactor; temperatura de operação: 900 a 1100 °C), convertendo-o principalmente em hidrogênio e monóxido de carbono. A reforma autotérmica dos hidrocarbonetos menores podemos formular como se segue: CH4 C2H4 C2H6 C6H6 C10H8 + + + + + H2 O 2 H2 O 2 H2 O 6 H2 O 10 H2O CO + 3 H2 2 CO + 4 H2 2 CO + 5 H2 6 CO + 9 H2 10 CO + 14 H2 Após essa reforma se segue mais uma etapa de limpeza para remover os particulados, que pode ser completada por filtros de vela para as partículas menores e finalmente por uma unidade de limpeza úmida do gás, na qual um fluxo de água a 25 ºC auxilia na remoção de impurezas. Um leito de proteção composto por ZnO torna possível reduzir os níveis de enxofre abaixo de 0,1 ppm. Neste estágio ainda há metano presente no gás de síntese e, para evitar um acúmulo de metano no processo de produção do biometanol, é importante uma segunda reforma do gás. 5) Ajuste da razão H2 : CO (shift reaction): baseando-se nas altas temperaturas que regem nos reatores, torna-se possível a seguinte reação cujo caráter é bastante endotérmico: 43 O uso de oxigênio puro em vez de ar traz vantagens para este processo, pois não arrasta o grande volume de nitrogênio contido no ar (80% N2). Sendo assim, as altas temperaturas necessárias são alcançadas mais fácil e rapidamente. Por outro lado, o custo a mais que a destilação do ar impõe, pode ser um fator limitante para a fábrica. 44 P.R. dos Santos; Análise termodinâmica de um sistema de cogeração com gaseificação de licor negro. Tese de mestrado da Unicamp 2007. Disponível na http://www.bibliotecadigital.unicamp.br/ 132 Armin Isenmann H2O + CO Química a partir de Recursos Renováveis CO2 + H2 A melhor razão de H2 : CO para a produção de metanol é de 2,1 : 1. 6) Remoção do CO2: o gás carbônico está muito proeminente na mistura de gases, diluindo assim os reagentes principais, H2 e CO, reduzindo assim o rendimento em metanol na etapa a seguir. O excesso de CO2 é retirado por meio de uma torre de absorção, processo no qual uma contracorrente líquida de aminas (= base) reage exotermicamente com o CO2 (= ácido), formando uma solução salina aquosa que posteriormente pode ser recuperada e reciclada. No entanto, uma pequena quantidade de CO2 deve permanecer na mistura dos gases (um volume de 2 a 10%), pois afeta a reação de equilíbrio de formação do metanol e também evita uma desativação demasiada do catalisador. 7) Síntese do metanol: o metanol pode ser feito, ou em fase gasosa ou em fase condensada, enquanto a última variação tem a vantagem de trocar o calor com o ambiente mais rapidamente. Isso é uma vantagem por que essa síntese é exotérmica, e para deslocar o equilíbrio para o lado do metanol é necessário sequestrar o calor liberado. As condições típicas para o processo em suspensão (presença de um catalisador de contato de Cu/Zn/Al) são temperaturas de 230 a 270 °C e pressões de 35 a 90 bar. Sob essas condições o próprio metanol representa a fase líquida e a taxa de conversão fica mais alta. As reações responsáveis podemos formular como 2 H2 + CO 3 H2 + CO2 CH3OH e também, em menor parte: CH3OH + H2O. No entanto, os mecanismos destas sínteses de Fischer-Tropsch são altamente complexos e, além disso, a reação não é completa. Portanto, os reagentes gasosos devem ser recirculados no reator – sempre sob o controle da composição, por que nenhum dos componentes H2 / CO / CO2 deve faltar na mistura. As últimas sobras do gás são queimadas para gerar calor para o gaseificador. 8) Isolamento do metanol: o produto cru passa por um separador flash e duas colunas de retificação, de onde o metanol sai com uma pureza de 99,7%. As propriedades do metanol produzido via gaseificação de biomassa não diferem, em composição química, do metanol proveniente do petróleo, carvão ou gás natural. No entanto, a vantagem do biometanol é seu balanço neutro de CO2. A biomassa utilizada pode ser um cultivo específico para o processo, como o caso de florestas energéticas, cascas, raízes e ramos finos com folhagem, resíduos agrícolas, lixo orgânico urbano e até resíduos plásticos. A grande desvantagem atual é o maior custo de produção do biometanol, que pode chegar de 1,5 até 4 vezes o valor do metanol de gás natural devido à diferença de tratamento da matériaprima e de alguns processos na produção. Apesar de atualmente apresentar custo de produção maior, há estimativas para que em um futuro próximo, com a escassez de recursos não renováveis, haja uma vantagem competitiva na produção do biocombustível. Plantas pilotas em Värnamo, Suécia e em Güssing, Áustria comprovam a viabilidade do bio-syngas 45. 45 http://www.gussingrenewable.com/htcms/en/wer-was-wie-wo-wann/wie/thermische-vergasungficfbreaktor.html 133 Armin Isenmann Química a partir de Recursos Renováveis Uma divisão da pesquisa aplicada atual visa a otimização do gás de síntese, a partir de biomassa. Eles testam diferentes rotas e condições de executar pirólise e gaseificação, assim que elucidarem as melhores combinações destas duas etapas. Ainda falta aperfeiçoar os parâmetros desta reação pirolítica, para se obter os hidrocarbonetos leves em alto rendimento, a partir da natureza viva. Note que todos os componentes do material lignocelulósico, isto é, celulose, hemiceluloses e a lignina, servem como material de partida na produção do gás de síntese. Novos estudos são, portanto, feitos com o licor negro (= hemiceluloses e lignina, sem a celulose) como matéria prima desta rota 34. Lembre-se que o licor negro, por enquanto, é um recurso quase exclusivamente usado para gerar energia térmica (ver cap. 3.7.5). C1 a partir da celulose em biorreatores Outra linha de pesquisa visa a produção de hidrogênio e metano, principalmente, por meio de micróbios. Conhecemos bactérias e fungos que degradam a celulose, não só até ao seu monômero, a glicose, mas até seus constituintes elementares, que são H2, CO2 e CH4. São predominantemente processos anaeróbicos que decompõem até resíduos industriais, da produção de papel e celulose, transformando-os nos gases mencionados, além de ácidos orgânicos e alcoóis. Sendo assim, estes biocatalisadores abrem uma rota alternativa à fermentação, cujo produto final é o etanol (ver próxima secção). Fig. 77. Diagrama da degradação anaeróbica da celulose por comunidades microbianas. 46 46 C.A.B.S. Rabelo, Avaliação de consórcio microbiano obtido a partir de lodo de estação de tratamento de efluentes de indústria de papel e celulose visando à produção de H2 a partir de celulose. Dissertação de mestrado na USP São Carlos, 2014. Artigo original: S.B. Leschine, Cellulose degradation in anaerobic environments. Annual Review of Microbiology 49 (1995) 399-426. 134 Armin Isenmann Química a partir de Recursos Renováveis Essa cadeia de degradação, aliás, tem o potencial de ter um grande impacto sobre o ciclo de carbono, que é de interesse nas tentativas de prevenir o aquecimento global, onde CH 4 e CO2 são fortemente envolvidos. Biometanol - combustível do futuro em motores de combustão? Devido à suas baixas emissões de CO2 (associado ao processo de produção) e uma octanagem inerente de 110, o biometanol já é considerado melhor combustível para certos tipos de motores de combustão interna que gasolina 47. Uma máquina movida a biometanol pode operar a uma razão de compressão maior e ser facilmente resfriada. No entanto, o biometanol apresenta algumas desvantagens: Menor pressão de vapor que a gasolina, o que deixa os motores mais lentos para partirem frias, Elevada toxidez do metanol, que pode acarretar cegueira a quem trabalha nos vapores por tempos prolongados. É mais volátil (ponto de ebulição: 64,7 °C) e queima com uma chama invisível, o que pode representar um risco para mecânicos e em casos de acidente. Para resolver estes problemas, o biometanol hoje é misturado com 15% de gasolina que leva a um combustível conhecido como “M85”. Uso de metanol na produção de biodiesel. A gordura proveniente da natureza viva, quer do reino vegetal ou animal, é um éster feito formalmente entre o álcool glicerina e três ácidos graxos (ver cap. 4.4). Este material tem um ponto de fusão perto da temperatura ambiente, fato que impede seu uso direto como combustível em veículos com motores a diesel convencional. Além da alta viscosidade podemos identificar no óleo nativo um teor inaceitavelmente alto de ácidos graxos livres, baixa volatilidade e combustão incompleta que, em soma levam a incrustações e podem obstruir a bomba injetora do motor. Para superar estes problemas, os triglicerídeos devem ser derivatizados, para se tornarem compatíveis com os motores dos veículos de hoje. Já foram propostas várias medidas para superar os problemas, tais como diluição em combustível convencional, emulsificação em solventes combustíveis de baixa viscosidade (p.ex. metanol ou etanol), pirólise das gorduras, craqueamento com apoio de catalisadores ácidos de contato. No entanto, o caminho mais viável, por enquanto, foi a transesterificação usando metanol como nova componente alcoólica. Nesta, o álcool trifuncional glicerina é substituído pelo metanol monofuncional. O mecanismo desta reação é semelhante à famosa saponificação, isto é, a quebra do éster em álcool e o sal do ácido graxo (que todos conhecem e apreciam como sabão tradicional). A transesterificação é feito favoravelmente sob catálise básica, uma reação que consome em torno de 5 a 10% de metóxido de sódio, em relação à quantidade de metanol empregada. Em última etapa tem-se um equilíbrio ácido-base que reforma grande parte do alcóxido. 47 M. Bertau, H. Offermanns, L. Plass, F. Schmidt, H.-J. Wernicke (editores). Methanol: the basic chemical and energy feedstock of the future. Asinger´s vision today. Springer Heidelberg 1998. 135 Armin Isenmann Química a partir de Recursos Renováveis Catalisador: [CH3O-] H2C O CO H C* O CO H2C O CO Óleo; gordura + 3 CH3OH H2C OH HC OH H2C OH Glicerina O + 3 C OCH3 Metilésteres (Biodiesel) Embora a transesterificação também funciona sob catálise ácida, o método com o metóxido é atualmente mais aplicado na produção de biodiesel 48, por vários motivos: é barato, é mais eficaz do que outros alcóxidos ou ácidos, não arrasta muita umidade, devido à formação intermediária de sabão há compatibilidade entre a fase polar e a gordura, produz poucos ácidos graxos livres, produz poucos resíduos que causam corrosão nos motores a combustão. Os metilésteres dos ácidos graxos têm qualidades fisico-químicas bastante semelhantes ao diesel a partir do petróleo, com um ponto de fusão em torno de -30 °C. O metanol tem vantagens sobre os demais álcoois, inclusive ao bioetanol, por ser mais barato e mais reativo frente ao triglicerídeo. Além disso, o emprego do metanol permite uma separação da fase polar, contendo a glicerina, sabões e sobras de reagente, relativamente fácil, enquanto outros álcoois, inclusive o etanol, podem levar a uma emulsão de tratamento difícil. O metanol, por enquanto, é o único álcool que não exige condições anidras para ser eficaz no sentido de uma transesterificação sob catálise básica. Já foram descritos outros catalisadores básico, tais como carbonatos ou bases de N terciárias 49 (trietilamina, piperidina, guanidina). Essas últimas têm a vantagem de não produzir sabões que dificultam o processo, no entanto não podem concorrer com o metóxido, em termos de quantidade de catalisador, razão de álcool por óleo vegetal, intensidade de agitação da batelada, pureza dos reagentes, teor limite em ácidos graxos livres no óleo e tempo reacional. Uma vez efetuada a transesterificação, o biodiesel deve ser submetido à hidrogenação catalítica. Nesta etapa saturam-se os grupos C=C ainda contidas nas cadeias carbônicas dos ácidos graxos. Isso aumenta consideravelmente a qualidade do combustível, já que os alquenos podem formar ao longo do tempo resíduos resinosos (polimerização radicalar) na bomba injetora do motor; além disso, são sujeitos à auto-oxidação, isto é, a reação com o oxigênio tripleto em posição alílica. Essa última reação com o oxigênio do ar ocorre silenciosamente no armazém do biodiesel, ela pode levar à quebra da cadeia carbônica sob a formação de ácidos carboxílicos livres, por sua vez altamente indesejados por serem produtos resinosos e corrosivos que podem danificar as partes metálicas e as mangueiras e vedações de borracha do motor. A alternativa será a aditivação do biodiesel por antioxidantes, tais como fenóis 50. 48 49 G.Knothe, J.Krahl, J.V.Gerpen, L.P.Ramos, Manual de Biodiesel, Edgard Blücher, São Paulo 2008 U. Schuchardt, R. Sercheli, R.M. Vargas, J.Braz.Chem.Soc. 9 (1998) 199. 50 Uma descrição qualitativa dos aditivos no biodiesel se encontra na página da Degussa AG, lider mundial no setor. http://www.degussa-biodiesel.com/ 136 Armin Isenmann Química a partir de Recursos Renováveis Energia limpa a partir do metanol O metanol ainda pode ser usado como combustível em “células de combustão”, uma forma especialmente inovadora e eficaz de se produzir energia elétrica. Esta DMFC (= Direct Methanol Fuel Cell), da família de células de troca protónica, se destaca por fornecer alta densidade energética, portanto pode achar aplicações como fonte em notebooks ou outros pequenos dispositivos eletrônicos, aproveitando da energia liberada pela oxidação do metanol por um tempo prolongado. O princípio de funcionamento é a oxidação do metanol num catalisador metálico, via CO ao CO2. Essa reação anódica é acompanhada pelo consumo de água. Pelo lado do cátodo se observa a produção de água. Uma membrana (Nafion) permite o transporte de H+ do ânodo para o cátodo, onde reagem com oxigênio formando a água: Ânodo (oxidação): CH3OH + H2O → 6 H+ + 6 e- + CO2 Cátodo (redução): 3/2 O2 + 6 H+ + 6 e- → 3 H2O. A principal vantagem do combustível metanol é seu baixo potencial de risco no transporte e durante a operação. Ainda existem obstáculos na realização desta pilha em grande série, por exemplo, seu funcionamento ótimo foi contestado em temperaturas e pressões elevadas (50 a 120 °C; 3 a 8 atm). E ainda observa-se uma migração do metanol, do compartimento anódico para o cátodo (“cross-over”) que reduz drasticamente a eficiência desta pilha. A baixa eficiência, por enquanto, impede sua aplicação em escala maior. Todavia, as pesquisas estão em andamento para aumentar o rendimento desta célula de combustível, principalmente pelo desenvolvimento de membranas mais seletivas nas quais a perda do metanol por migração fica menor, mas também otimizando o sistema catalítico à base de platina (cara e vulnerável). Metanol como plataforma para derivados químicos Hoje existem as mais diversas sínteses onde o metanol é material de partida. No entanto, as aplicações apresentam potenciais de crescimento muito diferentes 51. Existem produtos estagnados, como o ácido acético e o formaldeído, que continuarão com crescimento histórico, e produtos potencialmente decrescentes como o éter metil terc-butílico (MTBE), devido ao seu banimento na mistura com gasolina, para a utilização em combustível automotivo nos EUA. Entretanto, existem novos produtos e tecnologias com tendência de grande crescimento, muito maior que os tradicionais, tais como: A transformação do metanol em olefinas, nestes especialmente ao propileno, As misturas combustíveis com metanol, Dimetiléter e As DMFC, conforme descrito acima. O desenvolvimento econômico do biodiesel ainda está incerto. Todavia, Lima Neto 51 conclui que o sistema baseado no metanol como gateway tem condições de responder aos desafios atuais das indústrias de química e de energia e poderia ser uma opção para reestruturar essas indústrias. 51 E.P. Lima Neto, Perspectivas de reestrutração das indústrias da química e da energia: a via metanol. Cap. 6: Aplicações do metanol. Tese de doutorado da UFRJ 2009, disponível em http://tpqb.eq.ufrj.br/download/industrias-da-quimica-e-da-energia-a-via-metanol.pdf 137 Armin Isenmann Química a partir de Recursos Renováveis Formaldeído, parente mais reativo do que o metanol A oxidação do metanol com oxigênio pode levar a diversos produtos orgânicos dos quais o certamente é o mais importante. Historicamente falado, a aplicação formaldeído mais inovadora do formaldeído foi a invenção da baquelite, nos anos 1930. Este polímero, aliás o primeiro que foi produzido em grandes quantidades, é feito de formaldeído e fenol, além de certos catalisadores e materiais de recheio. Foram, por exemplo, produzidos os telefones pretos e enormes que dominavam a aparência de qualquer escritório, mas também os envoltórios dos rádios e TVs, elegantes como um piano de concerto polido, até que o material foi deslocado aos poucos nos anos 1960, pelos termoplásticos de produção mais fácil. Hoje pesados. modernas, 5.2 não se precisa mais destes aparelhos de baquelite, escuros e Mas a demanda por formaldeído continua em outras aplicações mais principalmente em acabamentos de superfície, esmaltes, lacas e tintas. Os multi-talentos de C2. Etileno (= eteno) e etanol O etileno é o composto C2 mais importante da indústria química. É possível transformá-lo em uma grande variedade de outras substâncias (ver próxima vista geral). Mundialmente são produzidos 120 milhões de toneladas de etileno por ano (valor de 2007), dos quais um pouco mais da metade é transformada em polietileno (PE). Fig. 78. Etileno e seus derivados de importância industrial. 138 Armin Isenmann Química a partir de Recursos Renováveis Ao longo das décadas a produção do polietileno foi melhorada e desenvolvida. Os catalisadores usados hoje têm uma eficiência milhões de vezes acima dos catalisadores clássicos de Ziegler, as sacolas de plástico de hoje são mais resistentes e muito mais leves do que as de 20 anos atrás. Já não é mais novidade que existem recipientes de cozinha que aguentam microondas e o forno sem derreter e o freezer sem quebrar. A demanda em etileno aumenta constantemente, e esta tendência provavelmente continua. O etileno é um multi-talento, portanto as pesquisas são intensas em achar fontes alternativas para sintetizar o etileno. Fonte clássica do etileno O acesso principal ao etileno é o craqueamento do petróleo. Também gás natural pode ser craqueado e fornece o etileno em rendimento ainda melhor. Porém, os esforços de se obter o etileno a partir do etanol são muito altos. Trata-se de uma desidratação térmica, catalisada por contatos ácidos: H3C-CH2-OH H2C=CH2 + H2O. Hoje se consegue o etileno em grande escala através desta síntese, com rendimento de ~99%. 139 Armin Isenmann 5.3 Química a partir de Recursos Renováveis Síntese industrial de etanol Antigamente, o etanol foi produzido pelo processo indireto, uma reação de etileno com água (isto é a reação reversa da descrita acima!), enquanto ácido sulfúrico tinha o papel de catalisador homogêneo. O processo andou em duas etapas, a formação do etiléster do ácido sulfúrico (= dietilsulfato), e na segunda etapa a hidrólise para o etanol e reformando o catalisador ácido. O ácido sulfúrico tem que ser reconcentrado após cada ciclo. Além de ser altamente corrosivo, a etapa da concentração do H2SO4 acarreta um problema ambiental, por poluir grande quantidade de água. Por isso se desenvolveu um “processo direto” usando um catalisador de contato (= catálise heterogênea) que a princípio não se gasta. Ácido fosfórico polimérico, em cima de um suporte de sílica serve como tal catalisador. A temperaturas de até 300 °C e pressões de 70 atm obtém-se o etanol em uma reação em fase gasosa, enquanto o rendimento de cada etapa não ultrapassa 5%, em relação ao etileno. Além destas duas rotas, o etanol pode ser também produzido através de reações redox (menos importantes): Hidrogenação catalítica de acetaldeído, sob pressões de 300 atm de H2 e catalisadores de contato de Ni ou Cu. Reação de monóxido de carbono com H2 produz uma série de alcoóis do qual o etanol pode ser isolado por destilação (“Processo Synol”). O problema e a etapa cara é a purificação dos reagentes, conhecidos como gás de síntese e geralmente obtido a partir do carvão mineral. Esta rota é conhecida como “Síntese de Fischer-Tropsch”, ela foi descrita em detalhe na p. 131. As desvantagens destas sínteses, além de serem à base de um recurso não renovável, são evidentes. Uma pergunta interessante, também sob vista de certificação de álcool bebível / álcool industrial: é possível distinguir entre álcool sintético (a partir de recursos fósseis) e álcool da fermentação biológica (a partir de recursos renováveis)? A resposta é: sim. Através da medição do isótopo radioativo de 14C pode ser determinada, com grande exatidão, a origem do álcool. Este fato permite a identificação, por exemplo, de misturas ilegais de etanol industrial em bebidas alcoólicas, destilados e vinhos. E até mais a analítica moderna consegue: através da distribuição de deutério dentro do etanol pode ser determinada até a planta de origem que produziu o açúcar para o produto fermentado! Com a crescente demanda por etileno podemos esperar também uma crescente necessidade em etanol. Novos caminhos de se produzir o etanol estão em desenvolvimento. Em alguns países industrializados ainda se produz o etanol a partir de recursos fósseis, conforme descrito acima, mas a tendência é regressiva. Maiores quantidades de etanol são produzidas por via biotecnológica, usando a fermentação de amido, açúcar e melaço. Até os biopolímeros em grande abundância, a dizer a celulose e as hemiceluloses, podem ser degradadas aos monômeros, para depois ser enviados ao processo de fermentação que finaliza no etanol como produto principal. Para tal propósito foram desenvolvidas culturas que produzem as enzimas endocelulase e exocelulase, que podem sobreviver até em alta concentração e que toleram condições variáveis no biorreator. Aliás: a natureza providencia esses biorreatores também – em forma do rúmen, um estômago especial dos animais ruminantes. 140 Armin Isenmann Química a partir de Recursos Renováveis 5.3.1 Dados econômicos acerca da indústria sucroalcooleira O Brasil é o segundo maior produtor de etanol do mundo, logo atrás dos EUA; é o maior exportador mundial e é considerado o líder internacional em matéria de bicombustíveis e a primeira economia em ter atingido um uso sustentável dos bicombustíveis 52. Juntamente, o Brasil e os Estados Unidos lideram a produção do etanol, e foram responsáveis em 2008 por 89% da produção mundial e quase 90% do etanol combustível. Em 2010 a produção brasileira foi de 27,4 bilhões de litros, equivalente ao 37,3% da produção mundial de etanol. A indústria brasileira de etanol tem 30 anos de história e o país usa como insumo agrícola a cana de açúcar (nos EUA é o milho). Tab. 23. Dados de produção de insumos a partir da cana de açúcar no Brasil 53 Safra 2000-2001 Safra 2010-2011 Safra 2014-2015 Cana de açúcar 256.818 mil t 620.409 mil t 632.127 mil t Açúcar cristal 16.198 mil t 38.006 mil t 35.548 mil t Etanol anidro 5.621 mil m³ 8.323 mil m³ 12.095 mil m³ Etanol hidratado 4.971 mil m³ 19.053 mil m³ 16.300 mil m³ Além disso, por regulamentação do Governo Federal, toda a gasolina comercializada no país é misturada com 25% de etanol anidro. Desde julho de 2009, no país circulam mais de 92% dos automóveis e veículos comerciais leves, com 100% de etanol hidratado ou qualquer outra combinação de etanol e gasolina, e são chamados popularmente de carros "flex". Hoje cerca de 65% do etanol produzido mundialmente é usado como combustível, com tendência ascendente promovida por leis tais como „Energy Policy Act“ (EPACT), ratificado pelo Congresso Americano em 2005. Todavia, os estudos do balanço ecológico (Life Cycle Assessment, LCA) da transformação de biomassa em combustível etanol mostram resultados divergentes. O saldo positivo que o combustível etanol tem sobre a gasolina fóssil, no que diz respeito aos impactos ambientais, incluindo o esgotamento de recursos, aquecimento global, a destruição do ozônio, acidificação, eutrofização, saúde humana e ecológica, formação de smog, etc., é completamente compensado pelos impactos sobre a acidificação, toxicidade humana e ecológica, ocorrendo principalmente durante o cultivo e processamento da biomassa. Revisões críticas da literatura acerca destes balanços foram feitas, por exemplo, por Blottnitz e 52 53 Leia mais: http://pt.wikipedia.org/wiki/Etanol_como_combustível_no_Brasil (acesso em 11/2013) Valores do site da ÚNICA – União da Indústria de Cana-de-Açúcar: http://www.unicadata.com.br/ em 12 de 2015 Acesso 141 Armin Isenmann Química a partir de Recursos Renováveis Larson 54. Um balanço ecológico definitivamente positivo, no entanto, se espera com o surgimento das biorrefinarias (ver discussão na p. 146), onde a produção de combustível é combinada com a geração de químicos de plataforma. Fig. 79. Volume em bioetanol mundialmente. É interessante ver como os custos desta produção se desenvolveram: Fig. 80. O patamar fica aproximadamente em US$ 180 a cada tonelada de etanol. 54 H. von Blottnitz, M. A. Curran. A review of assessments conducted on bio-ethanol as a transportation fuel from a net energy, greenhouse gas, and environmental life cycle perspective. Journal of Cleaner Production 15 (2007) 607-619. E.D. Larson, A review of life-cycle analysis studies on liquid biofuel systems for the transport sector. Energy for Sustainable Development 10 (2006), 109-126. 142 Armin Isenmann 5.4 Química a partir de Recursos Renováveis Fábrica de açúcar e álcool Ainda mais avançada do que a tecnologia acerca do processamento lignocelulósico (cap. 3.3) é o processamento de açúcares simples (sacarose), um ramo industrial promovido pelos Governos Brasileiros desde os anos 1980. A matéria-prima no Brasil é exclusivamente a cana de açúcar, e seu destino quase único, até hoje, é a produção de energia: Álcool combustível 95,5% para carros flex, Adição de etanol 99,6% em gasolina tradicional (até 25% do volume) e, para não esquecer, O açúcar é fonte principal de energia para nosso corpo. Sacarose ou -D-glucopiranosil-(1-2)-ß-D-f ructof uranosídeo ou ß-D-Fructof uranosil--D-glucopiranosídeo Fig. 81. Representações alternativas de fórmula química e nome científico do açúcar cristal. A partir de 1974 o Brasil começou a produzir etanol nas suas usinas sendo um co-produto de alto valor além do açúcar. Hoje o etanol é uma necessidade para a usina já que não é econômico extrair todo o açúcar contido no caldo de cana. Com as águas mães da cristalização, o melaço, a usina realiza a fermentação e, deste modo, aproveita de todo o açúcar contido na planta. Após a esterilização do caldo ou do melaço, a fermentação é realizada com a levedura Saccharomyces cerevisiae (= fermento de pão), em grandes barris de até 1000 mil L de volume total. A concentração da sacarose fica em torno de 200 g.L-1 e após cerca de 12 h de reação obtém-se um teor alcoólico de 100 g.L-1 que é enviado para a unidade de centrifugação para separar as culturas vivas e finalmente à destilação onde o etanol passa pelas torres de fracionamento até chegar em 95,5% de pureza (= etanol absoluto). Os restantes 4,5% de umidade permanecem neste processo, pois o etanol e a água representam um sistema repelente com a formação de um azeotrópico. Mas o álcool anidro com teor de álcool de no mínimo 99,7% pode ser obtido a partir do absoluto, através de técnicas especiais da destilação 55 . A levedura que foi separada do fermentado (“vinho”) por centrifugação é reciclada para uma nova fermentação após o tratamento com ácido sulfúrico concentrado, neutralização e, muito importante, o tratamento por antibióticos. A contaminação por leveduras selvagens e bactérias é muito frequente, e quando não combater estes a produtividade da etapa de fermentação cai drasticamente. 55 As características de misturas azeotrópicas e o funcionamento da sua separação são descritos em: A. Isenmann, “Operações Unitárias na Indústria Química”, cap. 5; disponível em http://www.timoteo.cefetmg.br/site/sobre/cursos/quimica/repositorio/livros/ou/index.html 143 Armin Isenmann Química a partir de Recursos Renováveis Cana de açúcar Lavagem Moagem Bagaço Melaço Ajustar pH (H2SO4/Ca(OH)2) Diluição Vapor / Energia Concentração Evaporação Açúcar cristal Antibióticos Clarificação Moagem Levedura Saccharomyces cereviciae Fermentação Açúcar refinado Centrifugação Vinhoto Destilação Álcool hidratado (95%; combustível) Fig. 82. (fertilizante, biogás, ração animal) Destilação azeotrópica (ciclohexano) Álcool anidro (aditivo em gasolina) Fluxograma das etapas operacionais na fábrica de açúcar e álcool. A energia necessária para efetuar principalmente a moagem da cana-de-açúcar, nas centrífugas e os processos de destilação, é fornecida pela queima do bagaço nas caldeiras da usina. Nas usinas mais eficientes ainda sobra calor que pode ser convertido em energia elétrica e vendida para as concessionárias de eletricidade. Tab. 24. Produtividade de uma usina canavieira no Brasil, na média a cada tonelada de cana-de-açúcar 56. Produto final Quantidade Açúcar cristal 57 Kg Destino / Usos Varejo ao consumidor Atacado à indústria de alimentos 144 Armin Isenmann Química a partir de Recursos Renováveis Álcool 50,6 L Combustível para carros Indústria de farmacêuticos cosméticos Bagaço seco 140 Kg Energia por queima Resíduos sólidos 140 Kg Ração de animais 5.5 e Síntese bioquímica do etanol A reação resumida da fermentação da sacarose é: CH2OH OH OH CH2OH CH2OH O HO CH2OH O OH OH Sacarose C12H22O11 CH2OH O + OH HO CH2OH HO OH OH OH OH Frutose Glucose C6H12O6 C6H12O6 4 C2H5OH + 4 CO2 Etanol Note que a cada mol de sacarose são formados 4 mols de etanol e – infelizmente – 4 mols de gás carbônico, também. A reação bioquímica da fermentação é representada de forma simplificada na próxima figura. Através de enzimas certas leveduras quebram os açúcares (= hexosas), fornecendo álcool e CO2. A partir de 1 Kg de glicose se consegue sob condições aperfeiçoadas até 0,5 Kg de etanol e 0,5 Kg de CO2. Fig. 83. Funcionamento da fermentação alcoólica (= aeróbica): ADP, ATP: difosfato e trifosfato da adenosina (fonte de energia) 145 Armin Isenmann Química a partir de Recursos Renováveis NAD+; NADH + H+: Nicotinamida adenina dinuceotídeo (co-substrato para reações redox enzimáticas). Durante a glicólise um mol de glicose é transformado em várias etapas, a dois mols de piruvato. Além disso, formam-se dois mols de ATP que representa a fonte de energia para o fermento. Segue a descarboxilação do piruvato. No final ocorre a redução do acetaldeído ao etanol, catalisado por NADH. Note que todas as etapas são catalisadas por enzimas. 5.5.1 O potencial da fábrica sucroalcooleira como biorrefinaria 56 O destino principal de uma refinaria é produzir combustível. A queima de compostos ricos em carbono para produzir vapor e no final energia elétrica é a segunda tarefa da usina. Mas também e cada vez mais importante é a produção de derivados químicos de plataforma que podem ser enviados, de forma pura, às indústrias da química fina onde serão transformados em um grande número de substâncias funcionais, material a ser consumido nos demais setores industriais. Estamos ainda no início da era das “biorrefinarias”, que são plantas onde se transforma a matéria-prima (recursos renováveis, principalmente os carboidratos) em Energia térmica (vapor de média e alta pressão), Combustível sólido (coque sintético; piche), líquido (gasolina sintética ou álcool) e gasoso (“gás natural sintérico”) e Derivados químicos que podem ser considerados como compostos de plataforma (ver cap. 5). O motivo para tal planta é a substituição das refinarias clássicas que funcionam à base de recursos fósseis (carvão mineral, petróleo e gás natural). Ao longo da exploração destes recursos não-renováveis identificaram-se problemas inerentes, tais como a exaustão da reserva petrolífera, uma elevada poluição ambiental e dependências econômicas daqueles países que não têm reservas naturais. Então, as indústrias começaram a explorar os óleos vegetais (soja, canola, girassol, etc.), plantas que produzem amido em alta concentração (milho, batata, cereais) e fontes de açúcar (cana-de-açúcar, beterraba) para produzir energia e combustíveis, principalmente. Isso foi a primeira etapa em direção a uma produção econômica e socialmente segura, além de ser amigável ao ambiente. Mas logo se evidenciou nestes “fontes alternativas da primeira geração” que há um conflito ético na sua produção, por que se criou uma concorrência com o alimento humano: estes fontes requerem uma agricultura intensa, solos férteis e grandes áreas de plantio que deverão ser usados em primeira linha para o abastecimento da população com comida. Esta maneira de se produzir energia e combustível certamente inere problemas sociais que podem levar à completa rejeição desta tecnologia. Além disso, uma efetiva economia de emissão de CO2 e o consumo de energia fóssil são severamente afetados pelo alto uso de energia requerida para o cultivo e conversão destas plantas 54. 56 J.A.R. Rodrigues, Do engenho à biorrefinaria. A usina de açúcar como empreendimento industrial para a geração de produtos bioquímicos e biocombustíveis. Quim. Nova 34 (2011) 1242-54. 146 Armin Isenmann Química a partir de Recursos Renováveis Existe então uma demanda por “fontes alternativas da segunda geração”, que não competem com alimentos, mas são disponíveis em abundância. Além disso, devem ser baratas, não requerendo de valiosas áreas agrícolas, nem adubos ou pesticidas. Essa nova fonte envolve tecnologias que ainda estão no começo do desenvolvimento, mas já tem primeiros sucessos na produção de biodiesel, álcoois e metano, principalmente. São essas fontes os seguintes materiais lignocelulósicos: Biomassa de plantas abundantes sem valor como alimento primário (gramas, abustos, plantas perenes), Sobras da produção florestal (galhos, casca, folhas, madeira morta), Rejeitos e estrumes (lixo orgânico, esterco de animais confinados), Algas marinhas. Em 2004, uma lista das mais promissoras moléculas da bioplataforma foi elaborada pelo US Department of Energy, com a intenção de fornecer uma diretriz à pesquisa para que processos fossem direcionados para a sua produção e desenvolvimento 57. Os compostos referidos na Tab. 25 são os potenciais blocos de construção para uma série de outros produtos químicos, quer por biotecnologia ou via síntese química tradicional. Nestes identificamos quatro classes químcas: Os (di)ácidos carboxílicos: succínico, fumárico, málico, furano 2,5-dicarboxílico, glucárico, itacônico e levulínico. Aminoácidos: aspartâmico e glutâmico. Polióis: glicerina, arabinitol, xilitol e sorbitol. Lactona: a 3-hidroxi--butirolactona. E todos eles têm a mesma substância-mãe: o açúcar. Tab. 25. Lista dos 12 químicos de plataforma, intermediários mais promissores para a química fina, a partir de biomassa (estipulados em 2004 pelo US Department of Energy) 57. No. Fórmula / nome No. Fórmula / nome 1,4-difuncionais: 1 COOH COOH HOOC HOOC Ácido f umárico Ácido succínico OH COOH 7 HOOC COOH Ácido itacônico HOOC Ácido málico 57 T. Werpy, G. Petersen (editores). Top value added chemicals from biomass. Volume I—Results of screening for potential candidates from sugars and synthesis gas. Disponível em http://www.nrel.gov/docs/fy04osti/35523.pdf 147 Armin Isenmann Química a partir de Recursos Renováveis 1,5-difuncional: 2 COOH HOOC O COOH 8 O Ácido levulínico Furano 2,5-diácido carboxílico O 3 4 COOH HO Ácido 3-hidroxi-propiônico HOOC 5 HOOC HO 3-Hidroxi-butirolactona OH COOH NH2 Ácido L-aspártico OH 9 HO 10 OH Glicerina OH OH COOH O OH HO OH 11 OH OH Sorbitol OH OH Ácido glucárico OH HO HOOC 6 NH2 Ácido glutâmico OH OH OH Xilitol OH COOH 12 HO OH OH OH Arabinitol O número de possíveis derivados, mas também o grau de desenvolvimento e/ou barreiras técnicas associadas a cada rota, foram os maiores critérios de ranking neste estudo, para identificar finalmente as 12 substâncias de plataforma mais significativas. Ficaram em segunda linha, mas ainda bastante promissores como novas plataformas, os seguintes derivados dos açúcares: 148 Armin Isenmann H HO H H Química a partir de Recursos Renováveis COOH OH OH H O ou OH OH OH OH CH2OH OH HO HOOC HOOC COOH Ácido malônico Ácido cítrico O COOH HOOC COOH COOH Ácido aconítico Ácido propiônico Ácido glucônico COOH OH HO H OH H OH O ou HO H CH2OH OH Ácido xilônico COOH COOH O OH O O CHO O O Furf ural OH OH Levoglucosano OH Acetoina OH H2N COOH NH2 Lisina COOH HO COOH NH2 NH2 Treonina Serina Os compostos CO/H2 (“gás de síntese”, ver p. 130), metanol, etanol, ácido acético / anidrido acético, etilenoglicol, óxido de etileno, acetona e ácido adípico foram considerados sendo “super commodities”, isto quer denominar tais compostos de plataforma cuja produção é extremamente favorável e de baixo custo, na refinaria do petróleo, que parece pouco provável que sejam produzidos a partir da biomassa, dentro dos próximos 50 anos. São produzidos em grandes toneladas, seu mercado é estável. Finalmente e surpreendentemente, o ácido fórmico, acetaldeído, a glicina, alanina, prolina, o ácido oxálico, ácido glutárico, ácido ascórbico e o butanol foram considerados sendo menos competitivos no mercado, quando feitos a partir de biomassa. O foco de estudo do US Department of Energy foram os derivados a partir dos açúcares provenientes das fontes lignocelulósicas. Somente poucos compostos foram identificados sendo derivados promissores a partir da lignina: o ácido gálico e o ácido ferúlico. Não foram incluídos neste ranking os materiais poliméricos, quer naturais quer arificiais, mas somente compostos de baixa massa molar. Considerando o alto impacto deste estudo, mas também para se obter uma vista geral dos potenciais produtos consecutivos destes novos químicos de plataforma, os gráficos originais do US Department of Energy se encontram no Anexo deste livro (p. 189). Novos caminhos para mais etanol Embora a produção de etanol seja um processo antigo e muito bem estudado, os recentes anos trouxeram muitos melhoramentos nas operações unitárias, visando uma otimização da fermentação. Um dos maiores problemas a serem vencidos é o aumento da concentração do etanol. Lembre-se que altas concentrações inibem a fermentação natural. Uma possível solução é a retirada contínua do etanol. Isto pode ser feito, por exemplo, via destilação paralela a vácuo, ou por extração do etanol por outros solventes orgânicos, ou, uma das linhas 149 Armin Isenmann Química a partir de Recursos Renováveis mais recentes, por membranas seletivas (quer dizer, paredes que deixam passar o etanol, mas não a água ou o metanol). É claro que essas novas técnicas aceleram mais uma vez a produção mundial do etanol. Em 2007 os EUA deslocaram o Brasil do primeiro lugar entre os produtores do etanol. As previsões são altas: até 2017 substituir um terço do petróleo importado, pelo etanol da produção doméstica. Mas isso somente pode ser alcançado através das novas tecnologias, se não usariam praticamente a completa safra de milho, para a produção de etanol. A crescente demanda por bioetanol não pode ser atendida, ao longo prazo, somente pela fermentação de açúcar e amido. É substância das pesquisas atuais 58 a utilização, além destas matérias primas, também da parte da planta que não é utilizada por enquanto: as folhas, o caule. Além disso, produzir etanol a partir de tais plantas que o homem por enquanto não utiliza como alimento (capim elefante, por exemplo). Isto poderia ser feito de preferência em biorrefinarias, onde matérias- primas de madeira são separadas em seus componentes principais, a celulose, as hemiceluloses e a lignina. Tanto a celulose quanto as hemiceluloses são potenciais materiais de partida para o etanol. Mas antes de usar a biomassa lignocelulósica para fins químicos, ela deve ser solubilizada e despolimerizada. Sua conversão em fragmentos pequenos de oligo-sacarídeos, no entanto, é bastante dificuldado pelo alto grau de cristalinidade, que confere à celulose uma estabilidade extraordinária (ver p. 29). Em um trabalho recente 59 foi descrito como fazer a impregnação do substrato celulósico com quantidades catalíticas de um ácido forte (por exemplo, H2SO4, HCl). Essa é uma estratégia altamente eficaz para minimizar o problema de maus contatos da biomassa com o reagente da despolimerização - a água. Sob assistência mecânica seguem as reações da despolimerização, principalmente em estado sólido. Moagem da celulose impregnada com ácido a converte totalmente em oligossacáridos solúveis dentro de 2 h. Uma vez em solução aquosa, esses fragmentos são facil e completamente hidrolisadas a 130 ° C, dentro de 1 hora. Resultam: 91% de glicose a partir da α-celulose; 96% de xilose a partir das xilanas; além destes, em menores proporções: Dimeros da glucose (8%), 5-hidroximetilfurfural (1%) e Furfural (4%). Matérias-primas da 2ª geração (expressão ver p. 146), por exemplo, serragem de madeira, bagaço de cana, córtice, folhagem, fornecem produtos solúveis, como oligossacarídeos e fragmentos de lignina. Uma aplicação integrada, despolimerização em estado sólido seguida pela hidrólise em fase líquida, poderia ser a chave para uma entrada altamente eficiente no esquema de uma biorefinaria (p. 16). 58 P. Dwivedi, J.R.R. Alavalapati, P. Lal, Cellulosic ethanol production in the United States: Conversion technologies, current production status, economics, and emerging developments. Energy for Sustainable Development 13 (2009) 174-182. 59 N. Meine, R. Rinaldi, F. Schüth; Solvent-free catalytic depolymerization of cellulose to water-soluble oligosaccharides. ChemSusChem 5 (2012), 1449–1454. 150 Armin Isenmann Química a partir de Recursos Renováveis Outra estratégia de "craquear" o material celulósico é por enzimas modificadas. Graças à biotecnologia temos hoje "celulases" cada vez mais potentes, especialmente as endoglucanases), que conseguem quebrar os polímeros naturais em tempos hábeis. Estes biocatalisadores devem substituir, ao médio prazo, o ácido sulfúrico concentrado com que se consegue essa degradação também. O etanol ainda consegue mais.... O etanol é muito mais do que apenas componente C2 que pode ser transformado em etileno. As indústrias farmacêutica e química usam cada vez mais o etanol como solvente nos seus processos e preparados. Também devemos reconhecer que até hoje apenas no Brasil o etanol é misturado à gasolina em quantidades notáveis, enquanto o resto do mundo o usa em somente < 5%. O que trará o próximo futuro? Nos anos 40 do século 19 o etileno foi produzido a partir do etanol, e essa reação antiga agora percorre um renascimento. A época do craqueamento térmico do petróleo, ultrapassou seu auge. Um preço elevado do petróleo cru e também os altíssimos custos de investimento para instalar uma fábrica de etileno, são fortes argumentos de produzir etileno a partir do etanol. Afinal, dependemos também do preço do bioetanol (ver Fig. 80). Ultimamente observamos uma subida do preço do etanol, paralelamente ao petróleo, principalmente devido à crescente aceitação do etanol como aditivo em combustível de carros. Mas especialmente naqueles países onde a cana-de-açúcar tem tradição, poderiam futuramente participar mais fortemente neste mercado. O Brasil é o candidato mais forte entre eles. Já temos as primeiras fábricas de polietileno e PVC que aproveitam da matéria prima etanol. Ressaltamos que ainda é um problema não vencido que apenas uma pequena parte da planta está sendo transformada em etanol, já que a cana de açúcar tem aproximadamente 20% de sacarose. Implica que se precisam grandes áreas para sua plantação - áreas que fazem falta na questão de produzir outros alimentos. Ácido acético O ácido acético é um commodity que ocupa dentro da química orgânica um lugar preponderante, semelhante ao lugar do ácido sulfúrico na indústria química pesada. A maior parte do ácido acético é atualmente produzido pelo “processo Monsanto”, que consiste na carbonilação do metanol com CO. A reação é catalisada por ródio/iodo à temperatura de 180°C e pressão de 30-40 atm, tendo 99% seletividade 60. É utilizado principalmente: 60 Na produção de produtos químicos como sais orgânicos e inorgânicos diversos, principalmente acetato de sódio, acetato de vinila, anidrido acético, tereftalato de dietila, ácido monocloro acético, perácidos e ésteres frutíferos. Na indústria têxtil e do couro, Na extração de antibióticos, D.L. King, J.H. Grate; Look what you can make from methanol. Chemtech. 15 (1985), 244-51. 151 Armin Isenmann Química a partir de Recursos Renováveis Em adesivos, lacas especiais para a indústria aeronáutica, filmes fotográficos, inseticidas e herbicidas. As resinas vinílicas (colas, tintas) e principalmente o poliéster PET são polímeros com altas taxas de crescimento – especialmente na China que catapultou a Ásia a ser maior consumidor do ácido acético/anidrido acético, como pode ser visto na Fig. 84. A demanda mundial de ácido acético em 2008 foi de 11 milhões de toneladas. Fig. 84. Distribuição do consumo mundial de ácido acético por região 51. Embora um grande número de bactérias produz o ácido acético em porcentagem relativamente alta, sua síntese via fermentação aeróbica de açúcares dificilmente pode concorrer, a médio prazo, com a rota da carbonilação do metanol. Estes últimos têm preços imbativelmente baixos; além disso, são co-produtos de várias sínteses industriais que partem do petróleo, portanto sua disponibilidade é garantida. Todavia, a produção tradicional do nosso alimento vinagre se baseia nesta síntese cuja variação otimizada é conhecida como “processo submerso”. O mesmo problema existe para a produção da acetona (ver p. 173) a partir de recursos renováveis que, portanto, somente será brevemente discutida neste texto. 5.6 Os componentes químicos C3 - o reinado das bactérias. Ácido lático e seus derivados químicos Ácido lático ou 2-hidroxi ácido propanóico, é um componente C3 que é quase tão universal como o etileno. Portanto, é altamente provável que este composto se torne muito importante no próximo futuro. Este ácido é um produto da degradação anaeróbica de açúcares. Faz parte em quase todos os organismos vivos. Em nosso corpo, por exemplo, quando fazemos exercícios físicos demasiados (também chamados de “esforços anaeróbicos”). Aos queijos o ácido lático proporciona o sabor levemente azedo que agrada o nosso paladar, e também a acidez da famosa comida alemã "chucrute" se deve a este composto. O ácido lático foi descoberto em 1780 pelo químico sueco Scheele, no leite azedo. 152 Armin Isenmann Química a partir de Recursos Renováveis Material multi-uso O ácido lático é bastante usado na indústria alimentícia como aditivo E 270, um acidulante, muito usado em doces e refrigerantes. Também a indústria cosmética o usa, e a indústria do couro aproveita dele no processo de curtume onde serve para tirar a cal das peles. É o monômero em poli-ácido lático (PLA, ver Fig. 85), um plástico biodegradável. Há certo tempo que o PLA se estabeleceu como material de fazer implantes e fios de costura cirúrgicos e tornou-se um dos mais importantes materiais biocompatíveis na medicina. Como PLA é transparente, ele também é utilizado como embalagem para alimentos frescos, de curta duração. Folhas e copinhos feitos de PLA se decompõem no lixão dentro de 3 meses. Atualmente, os pesquisadores procuram novas aplicações para o PLA, ao misturar com outros materiais plásticos ("blend"), fazer copolímeros ou incorporar materiais de recheio. O processo comercial mais comum do ácido lático é baseado na fermentação de carboidratos (ver Tab. 3 na p. 20). A empresa PURAC de origem holandesa tem uma planta em operação em Campos (RJ) manufaturando ácido lático. Recentemente, foram descritos métodos de catálise química heterogênea empregando zeólitos para a produção de lactatos com elevadas conversões 61. A partir do ácido lático podem ainda ser feitos muitos outros produtos químicos, dos quais a Fig. 85 mostra os mais bem estudados e promissores. Porém, o PLA é por enquanto o único produto de importância, realizado em escala industrial. As outras rotas não têm maturidade e, portanto, não são rentáveis ainda. Dentro da ampla gama de produtos o ácido acrílico e o 1,2propanodiol têm o maior potencial, pois são os monômeros de plásticos de alto valor agregado. A partir do petróleo se produzem hoje mais de 2,4 milhões de toneladas do ácido acrílico, base para os poliacrilatos. Mas, honestamente, a rota do ácido acrílico via ácido lático, é um assunto de pesquisas aplicadas que ainda requer de grandes esforços para ser levado à produção em série. 61 M.S. Holm, S. Saravanamurugan, E. Taarning; Conversion of sugars to lactic acid derivatives using heterogeneous zeotype catalysts. Science 328 (2010), 602. M. Dusselier, P. Van Wouwe, A. Dewaele, P.A. Jacobs, B.F. Sels; Shape-selective zeolite catalysis for bioplastics production. Science 349 (2015), 78-80. P. P. Pescarmona et al.; Zeolite-catalysed conversion of C-3 sugars to alkyl lactates. Green Chemistry 12 (2010), 1083-1089. 153 Armin Isenmann Fig. 85. Química a partir de Recursos Renováveis As sínteses mais promissoras a partir do ácido lático. Produção do ácido lático Já em 1813 o francês Braconnot relatou da possibilidade de produzir grande quantidade de ácido lático por meio de bactérias. A produção biotecnológica em grande escala começou mesmo em 1881. Ainda hoje a maior parte das 450.000 toneladas de ácido lático está sendo produzida via bactérias. Os especialistas estimam que esta quantidade aumentará drasticamente no próximo futuro. Um estudo feito pelo Ministério de Energia dos Estados Unidos revelou que o ácido lático é um dos 30 candidatos mais utilizados como componente de síntese, no futuro. Em alta escala o ácido lático é feito por fermentação de glicose ou outros hexosas que, por sua vez, são isolados de amido de batatas, grãos, melaço, outros produtos contendo açúcar ou a partir de soro do leite. Usam-se duas espécies de bactérias: as homofermentativas que produzem exclusivamente ácido lático, ou os heterofermentativos que também fornecem outras pequenas moléculas, tais como ácido acético, etanol ou gás carbônico. Na indústria de laticínios usa-se, por exemplo, o lactobacillus casei, sendo uma bactéria homofermentativa. Fig. 86. Esta rota de fermentação é mais lenta do que a aeróbica via leveduras, apresentada na Fig. 83. O intermediário é piruvato que sofre redução para o ânion do ácido lático (= lactato). Esta última etapa, na natureza, é catalisada por NADH. Pesquisas em melhorias na produção Dentre as diversas linhas de pesquisa na produção de ácido lático destacam-se: 154 Armin Isenmann Química a partir de Recursos Renováveis Existe um jeito de usar lignoceluloses para a produção de ácido lático, em vez de usar os valiosos (por serem alimentos) açúcares e melaço? Outros grupos estudam os nutrientes que os microorganismos precisam durante a fermentação. Objetivo é substituir os peptídeos solúveis, aminoácidos, fosfatos, vitaminas e sais de amônio, por nutrientes mais baratos. Um problema ainda mal resolvido é o destino dos subprodutos da fermentação, a não dizer, o lixo. Como separar as partes inúteis do ácido lático? Durante a fermentação o pH da mistura reacional deve ficar entre 5 e 6. Isso se alcança por adição de cal (mais barato), amônia ou soda cáustica. Para finalmente produzir o ácido lático livre deve-se acidificar a mistura com um ácido forte, no caso com H 2SO4. Justamente nesta etapa produzem-se os sulfatos de amônio, sódio e cálcio em grandes quantidades. Para evitar estas quantidades de sais e evitar problemas ambientais (no passado produziram-se montanhas de "gesso químico", subproduto das neutralizações industriais), é necessário achar caminhos de produção mais eficazes. Uma possível solução será achar bactérias geneticamente modificadas que conseguem produzir o ácido lático em ambiente neutro. Quiralidade molecular Caso dois isômeros se distinguem apenas na posição relativa dos grupos funcionais e, além disso, são como original e imagem espelho (= quiralidade), daí chamam-se de enanciômeros. Se não forem espelháveis seriam diastereoisômeros. O C2 do ácido lático é um centro assimétrico (= 4 diferentes vizinhos), portanto existem dois enanciômeros: A maioria dos microorganismos produz apenas um destes enanciômeros. Eles trabalham de maneira enanciosseletiva, isto é, produzem >99% de excesso enanciomêrico ("% ee"). Atualmente, usam-se processos bioquímicos na produção do ácido lático com uma pureza óptica de 85 a 95% ee - o valor exato depende o tipo de açúcar usado como matéria prima. Note que na aplicação do ácido lático no PLA, as qualidades termo-mecânicas do polímero podem ser ajustadas, através da mistura apropriada das antípodas ópticos, S e R. A indústria farmacêutica está muito interessada em produções enanciosseletivas. Os remédios devem ser aplicados na forma opticamente pura, pois somente um dos enanciópodos mostra ação desejada dentro do corpo humano, enquanto o outro é sem efeito ou, no pior caso, prejudicial à saúde humana. O ácido lático é um importante representante do "chiral pool", isto são substâncias elementares com as quais se consegue estabelecer uma linha de síntese orgânica de um produto opticamente puro ou, quando aplicados em técnicas cromatográficas, a separação de misturas racêmicas. 155 Armin Isenmann Química a partir de Recursos Renováveis 5.6.1 Glicerina – emergindo ao componente C3 mais importante. A glicerina (também chamada de glicerol) é o menor poliol, prontamente disponível a partir da biomassa. Ele funciona como espinha dorsal nos triglicéridos, as quais constituem aproximadamente 10% da biomassa total. O glicerol é liberado como subproduto na produção de biodiesel. Para cada tonelada de biodiesel produzido, cerca de 100 kg de glicerol é gerado. Consequentemente, glicerol constitui 1% da biomassa total. Na produção de biodiesel se obtém a glicerina crua, com < 15% de glicerina. Por este motivo a glicerina deve ser submetida a um processo de concentração e purificação. Embora a porcentagem deste subproduto pareça pequena, a quantidade absoluta da glicerina é notável. Lembramos que uma lei de 2010 exige pelo menos 5% de biodiesel dentro do diesel para veículos pesados. Somente para os EUA estima-se um aumento da produção de biodiesel, de atualmente 160 milhões de litros, a 1,6 bilhões de litros em 2015, então um aumento pelo fator 10. A glicerina é um multitalento que pode ser usado diretamente, na forma bidestilada (ver Tab. 26) ou então transformado em uma série de outros compostos básicos da indústria química (ver Fig. 87). A grande abundância e o baixo preço da glicerina (cerca de 0,33 US$.Kg-1) acarretou uma pesquisa focada que visa seu beneficiamento químico, que pode ser sua desidratação catalítica, redução, oxidação, esterificação, eterificação, entre outras 62. Tab. 26. Algumas aplicações da glicerina altamente purificada. Setor industrial: Uso: Farmacêutico Composto em pomadas Cosmético Parte em cremes e pasta de dente Têxtil Usado na "apretura"; acabamento de tecidos finos. Automotivo e Mecânico Líquidos de freio e de refrigeração Plásticos Plastificante Explosivos Nitroglicerina 63 e dinamite Além destes, usa-se bastante glicerina na produção de poliuretanos, onde tem o papel de ramificador, em resinas alquídicas (tintas) e na síntese de resinas epóxis. Com a adição da glicerina estas resinas tornam-se insolúveis, duros e resistentes, especialmente vantajosas em qualquer tipo de tratamento de superfícies. 62 C. J. A. Mota, C. X. A. da Silva e V. L. C. Gonçalves. Gliceroquímica: novos produtos e processos a partir da glicerina de produção de biodiesel. Quim. Nova 32 (2009) 639-648. 63 A denominação "Nitro" é muitas vezes usada de forma errônea (agrupamento nitro: C-NO2). A famosa "Nitroglicerina" na verdade não é um composto nitro, mas sim, o triéster do ácido nítrico: O O N OH HO OH N O O glicerina O O + 3 HNO3 O O N O "Nitroglicerina" (tri-éster do ácido nítrico) 156 Armin Isenmann Química a partir de Recursos Renováveis Glicerina pura - um procedimento difícil Todos os campos de aplicação mencionados acima pedem uma glicerina altamente purificada. O tratamento de gorduras e óleos vegetais em grande escala, por outro lado, fornece a glicerina sempre em solução diluída. Nesta, a maior parte é água, mas também tem sais alcalinos, proteínas hidrolisadas e outros. Portanto, na maioria dos processos a mistura não pode ser usada como tal. A purificação da glicerina por dupla destilação é o método mais aplicado para se obter a glicerina no grau de pureza desejado (u.s.p. no caso de aplicações farmacêuticas). Duas propriedades, no entanto, dificultam seu manuseio: 1. O ponto de ebulição deste poliol é com 290 °C bastante alto; sem aplicar uma atmosfera reduzida sua destilação facilmente acarreta o escurecimento, sinal de degradação. 2. A glicerina é altamente higroscópica, então difícil de se separar da água do processo de biodiesel. Esta qualidade, aliás, é motivo pelo qual a glicerina é utilizada em cremes hidratantes, umectante para tecidos, fumo, creme dental etc. Mais interessante do que as aplicações industriais da glicerina pura, mencionadas na Tab. 26, é a química rica com essa glicerina sendo material de partida. Os químicos e microbiólogos fazem grandes esforços em agregar valor à glicerina, em forma de outras substâncias úteis, tais como 1,3-propanodiol, 1,2-propanodiol, acroleína, ácido acrílico ou epicloridrina, mas também ésteres, éteres e acetais da glicerina. Um composto promissor é, por exemplo, o carbonato da glicerina, que mostrou-se um solvente versátil. Outro, já comercializado pela Solvay-Rhodia é o solvente Augeo SL 191® (2,2-dimetil-4-hidroximetil-1,3-dioxolano, um cetal de glicerol) incolor, miscível com solventes orgânicos e com água, empregado em tintas, thinners, vernizes e couros. COOH O Ácido acrílico HO O Cl OH CO / H2 Fischer-Tropsch O Dihidroxiacetona OH Acroleína HO Epiclorhidrina O OH R O Mono (e di-) éster da glicerina HO Propilenoglicol HO O OH HO OH O OH O 1,3-Propanodiol Carbonato da glicerina OH C8H11 OH O OH OH OH Éter da glicerina HO OH HO O t-Bu OH O OH OH OH O O O t-Bu Éter da glicerina (apolar) OH Éteres da glicerina (polar) 157 Armin Isenmann Fig. 87. Química a partir de Recursos Renováveis Possíveis produtos de plataforma C3 a partir da glicerina. Estes produtos podem ser obtidos, ou por processos de fermentação à temperatura ambiente, ou por catálise química clássica, muitas vezes sob temperaturas elevadas. Atualmente, as técnicas microbiológicas são mais avançadas, com quais se consegue os seguintes derivados da glicerina: 1,3-propanodiol, 3-hidroxipropanal, di-hiroxiacetona, etanol, hidrogênio, ácido cítrico, ácido succínico, ácido propiônico. E os seguintes produtos são obtidos favoravelmente pela rota química-catalítica: Epicloridrina, acroleína, etilenoglicol, 1,2-propanodiol, nitroglicerina, poligliceróis, poliésteres, carbonato da glicerina, álcool alílico, di-hidroxiacetona, gliceraldeído, triacetina. Os avanços das rotas biotecnológicas são brevemente rascunhados a seguir; as mais importantes transformações químicas-catalíticas da glicerina e os mecanismos atrás, serão apresentados detalhadamente na p. 160. Compostos C3 que não são do petróleo? 1,3-propanodiol, 1,2-propanodiol, ácido acrílico, acrilonitrila e epicloridrina atualmente são considerados os derivados da glicerina, mais importantes na síntese industrial. O ponto de partida para sua síntese clássica é o propileno proveniente do petróleo que deve ser funcionalizado, em várias etapas de oxidação, adição e substituição. Interessante é que todos esses compostos podem ser obtidos também a partir da glicerina. Só que, como a glicerina é um poliol, é necessário achar estratégias opostas das rotas que partem do propileno, a dizer, precisa desfuncionalizá-la. Procura-se atualmente rotas viáveis em escala industrial para sua deshidroxilação. 5.6.2 Sínteses microbiológicas do 1,3-propanodiol e 1,2-propanodiol O 1,3-propanodiol é mais procurado do que o derivado 1,2-propanodiol, porém sua produção enfrenta mais dificuldades do que seu parente, conforme descrito na p. 163. A síntese comercial do 1,3-propanodiol é feita hoje por dois caminhos: Adição de água em acroleína 64 fornece o intermediário 3-hidroxipropionaldeído. Este pode ser reduzido por hidrogênio no catalisador heterogêneo, para o produto alvo. Somente em menores partes esta rota leva ao 1,2-propanodiol (ver esquema a seguir). 64 A acroleína usada nesta rota resulta da oxidação parcial do propileno proveniente do petróleo. A adição de nucleófilos em compostos carbonilados -insaturados, conforme descrito no esquema, se conhece como reação de Michael. 158 Armin Isenmann Química a partir de Recursos Renováveis O segundo processo é a carbonilação (= adição de CO) em óxido de etileno (= oxirano). A alternativa agora seria a síntese biotecnológica do 1,3-propanodiol, submetendo a glicerina à desidratação catalisada por microorganismos. Esta rota foi intensamente pesquisada nos anos recentes. Baseia-se em conversão da glicerina crua por meio de bactérias. Para melhorar a rentabilidade deste processo é pesquisado o aumento da tolerância dos microorganismos, tanto frente ao material de partida (glicerina) quanto ao produto visado (1,3-propanodiol). A clara vantagem desta rota é o uso da glicerina crua - por sua vez muito barata e de disponibilidade ilimitada. Até o momento, porém, esta rota ainda não pode concorrer com os caminhos tradicionais. Além destes, a pesquisa vai em direção da transformação direta, de açúcares em 1,3propanodiol, por meio de microorganismos geneticamente manipulados. Neste caminho a indústria fez bastante progresso: na Alemanha a primeira planta que produz o 1,3-propanodiol a partir de trigo já está em fase de implementação. Como o 1,3-propanodiol, também o 1,2-propanodiol pode ser obtido por meio de microorganismos. Diferenciam-se dois caminhos: Fermentação de açúcares para ácido lático, seguida por uma hidrogenação catalítica. Fermentação direta de açúcares. As rotas biológicas têm a vantagem de produzir o 1,2-propanodiol opticamente puro (isto é, somente um enanciômero) - o que não é possível na adição química de água no óxido de propileno, por sua vez o caminho clássico até hoje. Há ainda outra rota para o propanodiol que está sendo elaborada nos laboratórios da pesquisa aplicada: uma síntese a alta pressão e temperatura, 250 bar e 300 a 350 °C, enquanto o material de partida é a glicerina crua proveniente da produção de biodiesel. Acontece uma desidroxilação (mecanismo ainda desconhecido) que fornece o 1,2-propanodiol em quantidades satisfatórias. E ainda mais fácil: a glicerina nem precisa ser isolada dos óleos (= triglicerídeos), mas pode ser desfuncionalizada diretamente a partir deste recurso renovável 65. Todavia, nas estimativas atuais a redução do ácido lático dominará o cenário do 1,2propanodiol. Uso do 1,2-propanodiol: plásticos e cosméticos Pelas quantidades produzidas os propanodióis não pertencem à primeira categoria em termos de consumo ("bulk chemicals"), mas fazem parte da 2a liga, ou seja, são "major commodity chemicals" com em torno de 1 milhão de toneladas. Para fazer idéia, somente na Alemanha foram produzidas 350.000 toneladas de 1,2-propanodiol em 2004. Uso principal de 1,2-propanodiol é em resinas alquídicas (= tintas) e em resinas de poliésteres, mas também funciona como aditivo plastificante em polímeros vinílicos. Além destes, é usado como iniciador na produção de poliuretanos. Na indústria alimentícia serve como: Meio conservante, 65 S.A. Hollak, M.A. Ariëns, K.P. de Jong, D.S. van Es; Hydrothermal deoxygenation of triglycerides over Pd/C aided by in situ hydrogen production from glycerol reforming. ChemSusChem. 7 (2014), 1057-62. 159 Armin Isenmann Química a partir de Recursos Renováveis Solvente para gelatina, corantes e aromas, Emulsificante e Umectante para fumo. Nos setores cosmético e farmacêutico é usado como carregador em pomadas, cremes e remédios sólidos. Ainda vale ressaltar que a esterificação ou eterificação dos grupos hidroxilas do 1,2propanodiol também fornece valiosos solventes, plastificantes, espessantes e emulsificantes. A condensação com óxido de propileno leva aos di, tri e polipropilenoglicóis - igualmente solventes que podem ser usados a altas temperaturas. 5.6.3 Sistemas químicos-catalíticos para derivatizar e desfuncionalizar a glicerina Mais do que qualquer outro material de partida a glicerina como menor poli-ol que a natureza produz em abundância, foi e ainda é objeto de estudos extensos acerca da sua transformação em outros compostos de plataforma, tirando alguma quantidade do seu oxigênio. Uma vista geral sobre as pesquisas atuais em desfuncionalizar a glicerina e outros polióis, por meio de alta temperatura, pressão e catalisadores, fornece o artigo de revisão de Hanefeld 66. Em resumo, discutam-se as seguintes estratégias (em destaque, no caso da desidroxilação da glicerina, são as primeiras três): 1. Desidratação de dióis vicinais, em seguida hidrogenação do grupo carbonila: OH R R´ OH O OH [H+] R R R´ R´ - H 2O OH H2 R R´ A tautomerização ceto-enol estabiliza o sistema, o que faz a desidratação do diol relativamente fácil. O desafio é eliminar seletivamente um dos grupos hidroxilas, quer um álcool primário ou um secundário. Afinal, isso é critério que leva a glicerina ao 1,2-propanodiol ou ao 1,3-propanodiol. É mais fácil eliminar um álcool secundário por via do mecanismo E1 catalisado por ácidos. Por outro lado, o aldeído que resulta da eliminação no carbono secundário é menos estável do que a cetona que se formará após a eliminação no álcool primário. Um ácido de Brønsted vai ajudar na eliminação do álcool secundário, enquanto um ácido de Lewis tem maior facilidade de complexar-se no álcool primário e assim enfraquecer sua ligação C-O. Todavia, álcoois primários são mais reativos do que secundários - isso implica uma ordem diferente da reatividade quando condições não ácidas são aplicadas. 2. Desidratação de álcoois, em seguida hidrogenação da dupla-ligação C=C: OH R [H+] R´ OH2 R R R´ - H 2O R´ R - H+ H2 R´ R R´ Alcoois isolados também podem ser eliminadas, que pode ocorrer tanto catalisado por um ácido como por uma base. Contudo, a falta de isomerias torna este processo muito 66 Jeroen tem Dam, Ulf Hanefeld, Renewable Chemicals: Dehydroxylation of Glycerol and Polyols [Artigo de revisão]. ChemSusChem 4 (2011) 1017-1034. Disponível em http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1002/cssc.201100162/epdf (12/2015). 160 Armin Isenmann Química a partir de Recursos Renováveis mais difícil do que a desidratação do diol vicinal. A proximidade de uma dupla ligação irá oferecer alguma estabilização por meio de um sistema conjugado, como será o caso na formação da acroleína. 3. Condensação de álcoois e hidrogenólise do resultante éter cíclico na superfície de um metal. R OH HO R R´ (CHX)n O R´ H HO H 2 / Cat. R - H 2O (CHX) n R´ (CHX)n Esta sequência começa com a condensação de dois álcoois, formando um éter cíclico que pode então ser clivado por hidrogenólise. No entanto, muitas vezes a reidratação e eliminação subsequente (discutidas acima) é mais rápida do que uma hidrogenólise subsequente. No entanto, a hidrogenólise da ligação C-O-C oferece uma boa oportunidade de introduzir seletividade para o sistema. Catalisadores de rênio em cima de óxidos ácidos mostraram-se úteis nesta sequência. Além destas estratégias, podemos mencionar : 4. Hidrogenólise de éteres num catalisador metálico. 5. Cetonização de ácidos carboxílicos. 6. Hidrogenação de ácidos carboxílicos. Os mecanismos atrás da eliminação de um grupo hidroxila são eliminações, E1 ou E2, ou então a clivagem homolítica da ligação C-O estabelecida num catalisador metálico. O mecanismo E1 envolve um catalisador ácido. Água pode ser abandonada após a protonação do grupo –OH, o que gera um carbocátion num carbono secundário. Este carbocátion acha apoio por um solvente polar prótico (que acelera então assa eliminação), ele pode se neutralizar pelo abandono de um próton do carbono vizinho: OH2 OH R´ R + H+ R´ R - H 2O H H R´ R H - H+ R R´ O mecanismo E2 precisa de um catalisador básico. O caráter ácido do grupo C-H é geralmente estabelecido pela presença de um grupo R´ de C=O, que por sua vez pode ser feito por desidrogenação numa catalisador metálico: OH R´ R H - BH - OH- R R´ B- A clivagem homolítica da ligação C-O ocorre no contato com uma superfície metálica. Ao mesmo tempo o metal adsorve hidrogênio, H2. Estes quatro radicais podem ser dessorvidos do 161 Armin Isenmann Química a partir de Recursos Renováveis metal, e quando isso ocorre sob recombinação cruzada, os produtos são um hidrocarboneto e água: R OH R R Cat. OH Metal de transição R´ R + H2 R OH H H R Metal de transição R´ + H2O Um método para derivatizar a glicerina seletivamente é o direcionamento do caminho da desidratação. Como os três mecanismos acima exigem condições reacionais bem diferenciadas, esta tarefa preparativa não é muito difícil. Também é possível direcionar o local da eliminação, através de certos aditivos, além do catalisador heterogêneo. Estes aditivos podem – independente do mecanismo da desidroxilação – reagir ou complexar certo grupo hidroxila, e assim ou ativar ou proteger a ligação C-O. Exemplos são o aditivo de ácido bórico para estabilizar intermediários, facilitando a isomerização de glicose em frutose 67. A formação inicial de um éster borato diminui a energia de ativação global, tornando assim intermediários facilmente acessíveis. Outro caso é a ativação prévia da glicerina pela reação com ácido fórmico, segundo Kamm 68, facilitando a transformação em epicloridrina e álcool alílico 69. Mas ainda temos que levar em consideração a termodinâmica acerca da desfuncionalização da glicerina – que se torna um desafio, pelo seguinte motivo: Independente do mecanismo e somente olhando nos intermediários e produtos da desidratação, podemos afirmar que a eliminação da água representa uma etapa endotérmica, enquanto a redução posterior do alqueno ao alcano sempre é exotérmica. As exigências destas etapas ao ambiente do reator são então bem diferentes - o que torna a escolha dos parâmetros delicada, e o rendimento total da desfuncionalização muitas vezes fica comprometido. H + H 2 + H2O HO + H2 + H 2O Andamento da síntese Fig. 88. A desfuncionalização da glicerina requer de duas etapas: desidratação (endotérmica) e hidrogenação (exotérmica). 67 T. Stahlberg, S. Rodriguez-Rodriguez, P. Fristrup, A. Riisager, Metal‐Free Dehydration of Glucose to 5‐ (Hydroxymethyl) furfural in Ionic Liquids with Boric Acid as a Promoter. Chem. Eur. J. 17 (2011), 1456. 68 O. Kamm, C. S. Marvel, Allyl alcohol, Organic Syntheses, Coll. Vol. 1, p.42 (1941), Vol. 1, p.15 (1921). 69 E. Arceo, P. Marsden, R.G. Bergman, J.A. Ellman; An efficient didehydroxylation method for the biomassderived polyols glycerol and erythritol. Mechanistic studies of a formic acid-mediated deoxygenation. Chem Commun 23 (2009), 3357-9. 162 Armin Isenmann Química a partir de Recursos Renováveis Os produtos mais importantes a partir da glicerina desoxigenada são o 1,2-propanodiol, 1,3propanodiol e a acroleína, e cada uma destas rotas tem seus desafios particulares no que diz respeito ao sistema catalítico, para obter o produto em seletividade e rendimento satisfatórios. Antes de entrar em detalhes, vamos olhar na termodinâmica destas sínteses. Todas elas têm em comum ter uma desidratação como primeira etapa. Daí pode-se formar ou acetol ou 3hidroxipropanal. A Fig. 89 mostra que o acetol é o produto favorecido. No entanto, pela escolha das condições reacionais a síntese pode ser direcionada para qualquer um destes produtos. Caso o 3-hidroxipropanal for formado, sua desidratação subsequente para formar acroleína é muito mais fácil do que sua hidrogenação para o 1,3-propanodiol. Isto já indica a inerente dificuldade em conseguir o 1,3-PD com boa seletividade; podemos deduzir que a formação do 1,3-PD é controlada cineticamente. Glicerina OH HO OH G . (kJ mol-1) 1,3-PD HO OH -70,2 HO +14,1 OH -52,0 O OH O 3-hidroxipropanal OH Acetol Álcool alílico 1,2-PD OH -87,4 +10,2 -73,8 -140,1 O Propanal O Acroleína Coordenada de reação Fig. 89. Energias livres de reação para os produtos 1,3-propanodiol, 1,2-propanodiol e acroleína, a partir da glicerina. Também constam os intermediários reativos e possíveis produtos de decomposição. Transformação química da glicerina em 1,2-propanodiol O 1,2-propanodiol se mistura bem com a água e uma série de solventes orgânicos. Isso o torna tecnicamente interessante como compatibilizante que pode melhorar o rendimento e acelerar aquelas sínteses onde o impedimento é ser bifásico. O 1,2-PD pode ser produzido a partir do ácido lático ou do açúcar. Economicamente mais chamativa é, no momento, sua geração a partir da glicerina, que pode ser transformada em 1,2-propanodiol com alta seletividade, usando um simples contato de cobre como catalisador de hidrogenação, mas o desafio é o aumento do rendimento, que atualmente chega em 87%. A princípio a síntese do 1,2-PD pode ser feita sob condições ácidas ou básicas, onde se seguem os seguintes caminhos. 163 Armin Isenmann Química a partir de Recursos Renováveis No catalisador básico se discute a formação intermediária de gliceraldeído, através de uma desidrogenação inicial; segue a eliminação de água e, finalmente, duas etapas de redução. A desidrogenação (= oxidação) como primeira etapa parece surpreendente à primeira vista. Mas, sob vista do princípio da micro-reversibilidade, uma etapa desta deve ser possível já que um catalisador de hidrogenação está presente. Além disso, a desidratação feita em segunda etapa no intermediário gliceraldeído fica bem mais fácil, devido à formação de um sistema conjugado. OH HO OH OH - H2 HO H OH O -H O 2 O + 2 H2 OH OH B- Sob condições ácidas o acetol é geralmente aceito como intermediário na formação 1,2-PD. Acetol é formado através de desidratação direta de glicerol e subsequente tautomerização ceto-enol. Em seguida é reduzido para 1,2-PD. OH HO OH H2O O OH OH H+ OH - H2O OH + H2 OH Acetol OH O H A princípio, a eliminação catalisada por ácido pode eliminar tanto a hidroxila no carbono secundário como no primário, o que leva ao 3-hidroxipropanal ou ao acetol, respectivamente. A eliminação de um álcool secundário através de um intermediário carbocátion (mais estável) é cineticamente controlado. A eliminação do álcool primário, por outro lado, leva ao acetol que por sua vez é termodinamicamente mais estável que o 3-hidroxipropanal (Fig. 89). Esta consideração é a base para o 1,2-propanodiol seletividade contra o 1,3-propanodiol. Promissor é uma nova técnica de reação, onde em fluxo contínuo a mistura reacional entra numa zona de temperatura mais alta (200 °C) para se transformar em acetol, e em segundo estágio numa zona moderada (120 °C) onde há hidrogenação até o 1,2-DP. Uma possível explicação é a formação do intermediário, acetol. A velocidade com que este composto se forma a partir do seu enol, é extraordinariamente baixa. No catalisador de contato Cu/Al2O3 o rendimento chegou a 97% 70. 1,3-propanodiol a partir da glicerina 1,3-propanodiol é um dos monômeros de poliésteres que acham larga aceitação na indústria têxtil e na produção de tapetes. O poliéster mais produzido é o poli-propileno-tereftalato (sigla PPT; também usada a expressão poli-trimetileno-tereftalato PTT; marca mais vendida: SORONA da DuPont), um termoplástico parente do PET. A síntese clássica do 1,3-PD é a partir de derivados de petróleo, em particular do óxido de etileno e da acroleína, usando catalisadores de contato e os reagentes em fase gasosa. O óxido de etileno é convertido em 1,3-PD via hidroformilação e hidrogenação subsequente, enquanto a acroleína somente precisa ser hidrogenada e hidratada. 70 Z. L. Yuan, P. Wu, J. Gao, X. Y. Lu, Z. Y. Hou, X. M. Zheng; Pt/solid-base: A predominant catalyst for glycerol hydrogenolysis in a base-free aqueous solution. Catal. Lett. 130 (2009), 261. 164 Armin Isenmann Química a partir de Recursos Renováveis Mas, nos últimos 20 anos a glicerina se estabeleceu como matéria prima para este derivado, também. Até mesmo o 1,3-PD avançou para o derivado químico mais valorizado a partir da glicerina. Para ser justos, devemos lembrar aqui que é possível converter o glicerol ou a glucose em 1,3PD, por meio de um processo de fermentação. É uma tecnologia muito promissora que já avançou a uma produção de 1,3-PD e hidrogénio ao mesmo tempo, a partir de glicerol. Isso pode até ser feito a partir da glicerina bruto proveniente da biomassa, sem a necessidade de purificação prévia, utilizando uma cultura mista de bactérias 71. Mas vamos olhar mais perto aos métodos químicos clássicos, utilizando sistemas catalíticos heterogêneos. O maior desafio da síntese do 1,3-propanodiol é a seletividade para este produto, pelos motivos alegados na p. 163. Já que a etapa inicial desta síntese é idêntica com a síntese da acroleína (ver logo abaixo), esperam-se maiores avanços de sistemas catalíticos que já se provaram eficazes lá. A síntese do 1,3-DP percorre somente um composto intermediário: o 3-hidroxipropanal: OH HO OH - H 2O HO OH HO O + H2 HO OH A eliminação do álcool inicial é endotérmica e uma temperatura bastante alta é necessária para esta eliminação prosseguir. A hidrogenação da última etapa, por outro lado, é exotérmica que requer temperaturas inferiores, para impedir reações de decomposição da 1,3-DP recémformada. A formação de 1,3-PD não é tão simples como parece: é apenas sob condições ácidas e em todos os casos é acompanhado por 1,2-PD como um subproduto; na verdade, na maioria dos exemplos o 1,2-PD é o produto principal. Existem somente poucos exemplos onde o 1,3-PD é o produto principal. Na maioria foram testados catalisadores de hidrogenação à base de platina, tendo o tungstênio como aditivo. Com esta combinação já foram atingidos 32% de 1,3-PD, em reator contínuo. Outro aditivo interessante é o óxido de rénio como aditivo, que funciona a temperaturas mais baixas 72 (120 °C). Porém, o aproveitamento da glicerina ainda está num nível de 50% e a seletividade para o 1,3-DP em 49% (além deste, são 10% de 1,2PD). Vamos olhar nos avanços nos catalisadores heterogêneos... Acroleína a partir da glicerina A acroleína é utilizada, principalmente, como um precursor para a síntese de DL-metionina. Este aminoácido essencial não pode ser sintetizado por mamíferos e é, portanto, adicionado à ração provoca um crescimento acelerado dos animais de corte. 71 R. K. Saxena, P. Anand, S. Saran, J. Isar; Microbial production of 1,3-propanediol: Recent developments and emerging opportunities. Biotechnol. Adv. 27 (2009), 895. P. A. Selembo, J. M. Perez, W. A. Lloyd, B. E. Logan; Enhanced hydrogen and 1,3-propanediol production from glycerol by fermentation using mixed cultures. Biotechnol. Bioeng. 104 (2009), 1098. 72 Y. Nakagawa, Y. Shinmi, S. Koso, K. Tomishige, Direct hydrogenolysis of glycerol into 1,3-propanediol over rhenium-modified iridium catalyst. J. Catal. 272 (2010), 191. J. Yi, S. Liu, M.M. Abu-Omar; Rhenium-catalyzed transfer hydrogenation and deoxygenation of biomass-derived polyols to small and useful organics. ChemSusChem. 5 (2012), 1401-4. J.R. Dethlefsen, P. Fristrup; Rhenium-catalyzed deoxydehydration of diols and polyols [Artigo de revisão]. ChemSusChem. 8 (2015), 767-75. 165 Armin Isenmann Química a partir de Recursos Renováveis A acroleína também é um interessante intermediário para a química fina, devido à sua alta reatividade: Ele reage na dupla-ligação C=C e pode funcionar como monômero em copolímeros. Seu sistema conjugado C=C-C=O é igualmente de reatividade extraordinária, pois representa um sistema de Michael no qual podem ser feitas reações com nuclófilos ou condensações no último carbono da cadeia. Sua função de aldeído é sujeito de fácil oxidação (para o ácido acrílico) ou redução (para o álcool alélico). Sua produção industrial atual baseia-se na oxidação de propeno sobre catalisadores baseados em BiMoOx 73. Agora vamos ver como funciona sua síntese a partir da glicerina. O mecanismo da formação da acroleína é muito parecido à via desidratação-hidrogenação, da formação da 1,3-DP. Em vez de se hidrogenar o 3-hidroxipropanal, outro grupo hidroxila é eliminado, resultando no sistema conjugado estável da acroleína. Portanto, não é surpreendente que a acidez é a chave para a atividade do catalisador e a seletividade deste caminho. Catalisadores ácidos de Brønsted são mais eficazes do que ácidos de Lewis. Sítios catalíticos de alta acidez devem ser mais ativos, no entanto, a seletividade para a acroleína pode ser minguada devido à formação de coque. Isso é um problema geral que pode desativar os catalisadores após poucas horas de funcionamento. Catalisadores alcalinos, finalmente, são ineficazes nesta síntese. OH HO OH - H 2O HO OH HO O O - H 2O Embora seletividade e rendimento da síntese da acroleína a partir da glicerina sejam muito bons (explicado pela Fig. 89), as condições agressivas da síntese levam rapidamente à desativação do catalisador por depósitos de coque. Ao ajustar os tamanhos de poros do catalisador, o tempo de vida de catalisador pode ser alargado. Os melhores resultados e durabilidades do catalisador foram obtidos em reator contínuo, na fase gasosa 74. 5.6.4 Outros derivados a partir da glicerina Carbonato da glicerina Existe um éster do ácido carbônico que transforma a glicerina em um excelente solvente. Sua estrutura cíclica e a ausência de tensões angulares lhe proporciona uma estabilidade termodinâmica bastante alta. Isso é o retrato do carbonato da glicerina. Tab. 27. Dados característicos do carbonato da glicerina Líquido incolor Ebulição a 0,1 mm Hg: 110-115 °C 73 G. W. Keulks, L. D. Krenzke, T. M. Notermann, em Advances in Catalysis (Editores: D. D. Eley, H. Pines, P. B. Weisz), Vol. 27, Academic Press, New York 1979, pp. 183– 225. 74 B. Katryniok, S. Paul, M. Capron, F. Dumeignil, Towards the sustainable production of acrolein by glycerol dehydration. ChemSusChem 2 (2009), 719. 166 Armin Isenmann Congelamento: -69 °C (vitrifica) O O Química a partir de Recursos Renováveis Temperatura flash: > 190 °C O pH: 4 a 6,5 OH Densidade: 1,4 g/mL Viscosidade cinemática a 25 °C: 6,1.10-5 m².s-1 Carbonato da glicerina Miscível com água (4-hidroximetil-2-oxo-1,3-dioxolano) Baixa toxidade CAS 931-40-8 Foram identificadas numerosas vias de síntese para esta molécula, alguns deles muito promissora e no ponto de ser aplicado à escala industrial. Ponto de partida em todas é um derivado reativo do ácido carbônico e a glicerina purificada. A mais promissora rota é a transesterificação, onde os rendimentos são especialmente altas pela rota química-catalítica, mas também existem métodos enzimáticos usando fontes diferentes de carbonatos. Uma revisão acerca da influência dos catalisadores e condições de operação sobre o rendimento do carbonato da glicerina foi recentemente dada por Teng 75, com destaque na transesterificação catalítica. O carbonato de glicerol ganhou muito interesse ao longo dos últimos 20 anos, por causa da sua reatividade versátil e como uma forma de valorizar resíduos de glicerol. A ampla reatividade desta molécula se deve à presença de um grupo de álcool primário e outro grupo 2-oxo-1,3-dioxolano. Além de representar um solvente promissor para uma série de sínteses químicas e operações de destilação 76, têm também sido estudadas algumas aplicações indiretas, especialmente sua transformação em glicidol e seu uso em novos polímeros. 75 W.K. Teng, G.C. Ngoh, R. Yusoff, M.K. Aroua; A review on the performance of glycerol carbonate production via catalytic transesterification: Effects of influencing parameters. [Artigo de revisão] Energy Conversion and Management 88 (2014), 484–497. 76 M. O. Sonnati, S. Amigoni, E. P. Taffin de Givenchy, T. Darmanin, O. Choulet, F. Guittard; Glycerol carbonate as a versatile building block for tomorrow: synthesis, reactivity, properties and applications [Artigo de revisão]. Green Chem. 15 (2013), 283-306. 167 Armin Isenmann Química a partir de Recursos Renováveis Uso direto Uso indireto Solvente Monoglicerídeo altamente puro Sorbitana poliglicerina Ésteres do carbonato de glicerina Oligoglicosídeos Poligicerol Poliéteres hiperramif icados (base biológica, polar, prótico) Baterias de lítio e íons de lítio (eletrólito carregador) Cimento e concreto Surf actantes (agente de curamento) O Cosméticos (Removedor de esmalte de unha, plastif icante, umectante) Vitalizante para plantas O O O OH OH Glicidol Intermediários da química f ina Polímeros Separação de gases (barreira líquida) Poliuretanos isentos de isocianato Monômeros éteres vinílicos com carbonato de glicerina Agentes de acoplamento Agente espumante Detergente Fig. 90. Espectro das utilidades do carbonato de glicerina. Acrilonitrila Muito parecido à síntese da acroleína funciona também a formação da acrilonitrila, H2C=CH-C≡N. A acrilonitrila é usada como monômero em poliacrilonitrila (PAN), um material termoplástico e/ou borrachoso, resistente, altamente elástico que tem utilidade como anel de vedação em máquinas e mangueiras de gasolina, por exemplo. Também é um ingrediente importante em copolímeros e blendas que fornecem um material de engenharia com elevados módulos, ao mesmo tempo resistente ao impacto. Exemplos são o SAN (poliestireno-co-acrilonitrila), a borracha Buna-N (poli-acrilonitrila-co-butadieno, vulcanizado) e o ABS (blenda bifásica contendo os monômeros acrilonitrila, butadieno e estireno), usados em peças de automóveis. Além do uso direto da acrilonitrila na polimerização, ela pode ainda ser transformada em acrilamida e ácido acrílico, ambos os quais são igualmente monômeros valorizados. Obviamente, a conversão de carboidratos, inclusive a glicerina, leva a compostos que contêm hidrogénio, carbono e oxigénio. Biomoléculas que já contêm nitrogênio nos grupos funcionais normalmente originam dos aminoácidos. Mas aqui apresentamos uma síntese da acrilonitrila a partir da glicerina que hoje já pode ser levada a uma conversão de 83%, com uma seletividade para acrilonitrilo de 58%. É feita num catalisador de contato de [V Sb Nb / Al] onde passam os reagentes gasosos, que são a glicerina, amoníaco e oxigênio. A reação ocorre em três etapas: primeiro a formação da acroleína (ver acima), depois a condensação com NH3 formando uma imina e finalmente a oxidação da imina para a nitrila por meio do oxigênio. O vanádio proporciona atividade na reação, enquanto o antimônio e nióbio são importantes para a seletividade do acrilonitrila. 77 77 M. O. Guerrero-Pérez, M. A. Bañares, New Reaction: Conversion of Glycerol into Acrylonitrile. ChemSusChem 1 (2008), 511. 168 Armin Isenmann OH HO OH - 2 H2O Química a partir de Recursos Renováveis O + NH 3 - H 2O NH Ox N Acroleína Interessante é também uma variação desta síntese que ocorre em fase líquida, porém sob a irradiação por micro-ondas. Neste caso, é usado hidróxido de amônio como fonte do nitrogênio e peróxido de hidrogénio como agente oxidante. Uma selectividade de acrilonitrila de 84% pode ser alcançado, numa conversão de glicerol de 47% 78. Ácido acrílico Ácido acrílico, H2C=CH-COOH, e seus ésteres são monômeros importantes, para produzir os mais diversos polímeros acrílicos (em tintas, colas, reforço em papel, acabamento em têxteis, entre outros). O próprio poli-ácido acrílico, aliás, é um material fantástico conhecido como superabsorvente. É muito utilizado, por exemplo, em fraldas, porque consegue reter a água, em quantidade 1000 vezes mais o próprio peso. Mas também é eficaz como formador de gel (em creme dental, pós-barba, gel de cabelo, etc.), largamente comercializado como Carbopol. O processo dominante hoje para ácido acrílico é a oxidação catalítica do propileno que, por sua vez, vem do petróleo: Como o ácido acrílico é um produto intermediário muito importante, há grande interesse industrial achar caminhos alternativos de acessá-lo a partir de recursos renováveis. Material de partida pode ser a glicerina. Num aquecimento a 250 a 350 °C, na presença de catalisadores de desidratação e na ausência de ar, ocorre a conversão para acroleína (ver p. 165). Em uma etapa subsequente a acroleína pode ser oxidada com facilidade ao ácido acrílico: 78 V. Calvino-Casilda, M. O. Guerrero-Pérez, M. A. Bañares, Efficient microwave-promoted acrylonitrile sustainable synthesis from glycerol. Green Chem. 11 (2009), 939. 169 Armin Isenmann Química a partir de Recursos Renováveis Epicloridrina A epicloridrina é essencial para a produção de resinas epóxis. Estas resinas, na maioria das vezes, são usadas como material rejunte de fibras, formando objetos de plásticos reforçados que podem cobrir grandes áreas e volumes estruturais, sem quebrar. Sendo assim, são predestinados para formar carrocerias de veículos terrestres, barcos, aviões, piscinas e caixas d´água para nossas casas. O caminho clássico para a epicloridrina é igualmente a partir do propileno que, após sua cloração radicalar em posição alílica, adiciona hipoclorito na dupla ligação e fornece dois dicloropropanóis isomêricos. Os dois podem ser transformados em epicloridrina via tratamento com a base hidróxido de cálcio: Fig. 91. Síntese clássica da epicloridrina, a partir do propileno. Essa rota clássica é afetada com uma série de problemas, pois fornece produtos paralelos. Além de ser uma síntese "suja", consome bastante cloro livre. Em caminhos novos se tenta converter diretamente a glicerina crua em epicloridrina. Isso se consegue via glicerina clorada (= cloridrinas) que se consegue por tratamento com HCl. Segue a etapa clássica com uma base que leva à epicloridrina: 170 Armin Isenmann Química a partir de Recursos Renováveis Este processo realmente não tem muitos produtos paralelos, nem tantos subprodutos inúteis. Além disso, o consumo de água neste processo é menor do que na síntese à base do propileno. E, afinal, não requer de cloro livre em nenhuma das etapas. Mecanismo da síntese: A epicloridrina pode ser feita seletivamente, a partir de glicerol, tratando a dicloridrina com base. Mas antes disso ocorre a reação com um ácido carboxílico que tem o papel de catalisador: O 1) HO OH HO R COOH OH O HO 2) HCl O HO O R Cl HO O O O HO O HO R OH R O O O O Cl Cl O R O 2´) R R O R O R OH O HCl O Cl Cl R Cl O 3) O Cl R Cl [H2O] [OH -] OH Cl Cl Cl O Epicloridrina Note que a selectividade para ,-dicloridrina é um resultado do co-catalisador, o ácido carboxílico. Esta rota tem vantagens sobre a concorrente, a formação da epicloridrina através do cloreto de alila, por ser a síntese mais seletiva e ainda dispor de um intermediário 10 vezes mais reativo 79. O consumo de glicerina refinada para a produção de epicloridrina vai aumentar de 11% em 2014 para 13% da demanda total de glicerina refinada em 2019 – especialmente forte na Ásia e na Europa. Interessante é que, antes de a glicerina tornou-se disponível em abundância por meio da transesterificação de gorduras, ela era produzida quimicamente através da epicloridrina. Isso é exatamente a reação reversa do que se procura hoje! Ácido lático a partir da glicerina Até o próprio ácido lático, apresentado na p. 152, pode ser obtido a partir da glicerina. No entanto, é provável que o destino da glicerina, a médio prazo, não seja na produção de ácido lático, mas os outros derivados descritos acima. Ácido lático é um produto químico amplamente utilizado em alimentos, farmacêuticas e indústrias químicas – recentemente na produção de poliácido lático, um polímero 79 E. Santacesaria, R. Tesser, M. Di Serio, L. Casale, D. Verde, New process for producing epichlorohydrin via glycerol chlorination. Ind. Eng. Chem. Res. 49 (2010), 964. 171 Armin Isenmann Química a partir de Recursos Renováveis biodegradável (ver p. 152). Sem dúvida alguma, a rota principal de produzir o ácido láctico é a fermentação de carboidratos. No entanto, este processo não é muito eficiente, o que justifica a investigação de rotas alternativas. O fato de o ácido lático ter um carbono oxidado, não deixa supor que é possível produzi-lo, a partir da glicerina, sob condições redutoras. Mas chamativo é que isso ocorre apenas em ambiente alcalino. Parecido à formação do 1,2-propanodiol (p. 163), em vez de ser reduzido após a desidratação, o intermediário é submetido a um desproporcionamento intramolecular de Cannizzaro 80: OH OH HO OH - H 2 OH O -H O 2 HO O OH [OH- ] O O Cannizzaro OH intramolecular O Acido lático Um catalisador metálico facilita a desidrogenação inicial, o que permite temperaturas de reação moderadas, comparadas com a síntese hidrotérmica. Contudo, o ácido láctico é normalmente formado sob condições oxidantes, o que também não precisa de altas temperaturas para a desidrogenação. Sob condições oxidantes, no entanto, glicerol é facilmente oxidado para gliceraldeído. A arte está em facilitar a subsequente desidratação para o ácido lático, em vez da sua oxidação para o ácido glicérico. Etilenoglicol a partir da glicerina Finalmente, mencionamos também a fragmentação da cadeia carbônica da glicerina que, sob vista do rendimento molecular (em carbonos) é uma reação desfavorável, pois se perde um carbono. Mas esta rota é responsável pela formação de Etilenoglicol, em quase todas as sínteses descritas acima, como produto paralelo em menores porcentagens. E ela tem um aspecto mecanístico que justifica mencioná-la: OH OH HO OH - H2 HO OH Retro-Aldol O O + OH [Red] OH HO + OH Nas condições descritas acima pode ocorrer também a reversa de uma condensação aldólica, levando ao formaldeído e um endiol, ambos os quais serão imediatamente hidrogenados para metanol e etilenoglicol. A formação de etileno glicol é influenciada pelo tipo de metal usado como catalisador. Por exemplo, quantidades elevadas de etilenoglicol são formadas mediante adição de platina a um catalisador de contato do tipo Ni/Al2O3. Também há mais etilenoglicol em catalisadores de ruténio, enquanto que os catalisadores de cobre são normalmente muito seletivos para o 1,2PD. Contudo, é importante conhecer a rota que leva ao etilenoglicol - mais por fim de supressá-lo quando se forma como produto paralelo; não precisamos esperar um grande futuro para esta síntese, ainda por que o etilenoglicol pode ser produzido por um caminho barato e incombatível, a partir do petróleo (ver “super-commodity”, na p. 149). 80 P. P. Pescarmona, K. P. F. Janssen, C. Delaet, C. Stroobants, K. Houthoofd, A. Philippaerts, C. D. Jonghe, J. S. Paul, P. A. Jacobs, B. F. Sels, Zeolite-catalysed conversion of C-3 sugars to alkyl lactates. Green Chem. 12 (2010), 1083. 172 Armin Isenmann Química a partir de Recursos Renováveis 5.6.5 Acetona Até os meados do século 20 a fermentação de açúcares para acetona e butanol foi um importante método de obtenção da acetona. A bactéria anaeróbica clostridium acetobutylicum permitiu uma produção em escala industrial. Apesar do bom funcionamento desta rota fermentativa, a produção da acetona a partir de recursos renováveis é condenada a ficar em segunda posição 57, por que a síntese que envolve subprodutos do refinamento do petróleo é inalcançavelmente barata (ver também “super commodities” na p. 149). O método principal para a produção da acetona - hoje e supostamente nas próximas décadas é o “processo de cumeno”. Neste, a acetona representa até o produto menos precioso; mais valorizado é certamente o fenol: CH3 CH3 O2 C OOH CH CH3 O H+ / H2O (1) OH + (2) CH3 Cumeno - OH- H3C CH3 [H2O; H+] + OH- CH3 C O+ CH3 CH3 HO C O CH3 Hemiacetal O próprio cumeno é produto da alquilação de Friedel-Crafts a partir do benzeno e propileno, ambos derivados do petróleo. Outro método químico de se produzir a acetona é por oxidação catalítica do isopropanol, mas esta rota perde para o processo cumeno por motivos econômicos. 5.7 Os componentes C4 Ácido succínico Quem quisesse produzir o ácido succínico como seu descobridor, Georgius Agricola uns 500 anos atrás, teria um produto extremamente caro: ele o obteu por aquecimento de verdadeiras pedrinhas de âmbar! 81 Mas, descobriram mais tarde, que este ácido não é tão raro. Ele também existe em muitas frutas, algas e cogumelos. A química transforma o ácido succínico em poliésteres biodegradáveis, por exemplo, para produzir sacos de lixo que se decompõem rapidamente ao serem depositados no ambiente. Mas também há materiais de mais alto valor agregado, na maioria reagentes da química fina, que são produzidos a partir do ácido succínico. Afinal, aproveitam dele os setores polímeros, alimentos, farmacêutico e cosmético. 81 Portanto, até hoje o nome alemão para ácido succínico é "Bernstein-Säure", de Bernstein = âmbar. 173 Armin Isenmann Química a partir de Recursos Renováveis Na indústria alimentícia, por exemplo, este ácido é usado como acidulante de refrigerantes e bebidas, realçador de sabores e conservante em comidas. Os sais e ésteres do ácido succínico são os chamados succinatos. A Fig. 92 mostra que realmente temos um componente C4 universal para a indústria química. O O O NH2 x O Polibutilenossuccinato H2N COOH Ácido 4-aminobutanóico O H N O COOH HOOC CH3 Tetraidrofurano O -Butirolactona O Ácido aspártico Ácido itacónico 1,4-butanodiol O CH 2 O OH HO COOH HOOC N O N-metilpirrolidona O O HOOC COOH Ácido maléico Anidrido maléico Anidrido succinico NH 2 H 2N 1,4-Diaminobutano Alimentícios Farmacêuticos em solventes HOOC CN NC Dinitrila succínica COOH Ácido f umárico H N Ácido succínico O Aditivos Maleimida Surf actantes O O H N O OH Inibidores de corrosão Detergentes COOH HOOC Succinimida O N O Fertilizantes Hidroxissuccinimida Fig. 92. Leque de produtos industriais a partir do ácido succínico. As pirrolidonas e também o tetraidrofurano (THF) são largamente usados e apreciados como solventes. Aliás, oligômeros contendo pirrolidona, formando a polivinilpirrolidona, são usados para repor o plasma do sangue humano, em casos de acidentes graves. Butanodiol é usado em polimerizações, tanto como componente monomérica quanto como solvente. E o diaminobutano é usado cada vez mais para produzir poliamidas (= Nylon). O ácido succínico e seus derivados químicos acharam, por enquanto, utilidade nos seguintese setores industriais: Alimentos, Fármacos: aditivos com diversas finalidades. Química: solventes especiais, polímeros (poliésteres). Saneamento: surfactantes, detergentes. Agrícola: fertilizantes. Beneficiamento: inibidor de corrosão. 174 Armin Isenmann Química a partir de Recursos Renováveis Por via química ou biotecnológica? Em grande escala o ácido succínico é feito hoje exclusivamente a partir do petróleo. Caminho mais aplicado é a hidrogenação de ácido maléico ou do anidirido maléico; outro é a oxidação de 1,4-butanodiol. Mais recentemente foram elaboradas estratégias de produzir o ácido succínico em qualidade superior (= puro), por meio de fermentação. Diversos microorganismos foram cultivados que conseguem produzir este produto a partir de amido ou proteínas - porém somente em quantidades pequenas. Para poder concorrer futuramente com o método padrão a partir do petróleo, estas rotas devem ainda ser bastante otimizadas, tanto no rendimento em ácido succínico quanto na redução de produtos paralelos, tais como ácido lático e etanol. Embora de tantos obstáculos e desafios, o interesse em uma síntese biotecnológica do ácido succínico é cada vez maior: Recentemente, foi divulgado um processo integrado de produção de ácido succínico com Escherichia coli AFP184 e de etanol pela levedura Saccharomicie cerevisiae em fermentadores conjugados em série 82. O gás carbônico produzido pela levedura é introduzido no reator da bactéria, o que provoca um incremento de 7 vezes na produção do ácido succínico. 5.8 Os componentes C5 Os componentes de síntese C5 tocam, por enquanto, na segunda divisão quanto ao interesse industrial. Isto se deve principalmente ao fato que sua produção é demorada e os rendimentos, por enquanto, são insatisfatórios. Além disso, em alguns casos, as disponibilidades dos recursos primários são limitadas, ou seu manuseio é especialmente complicado. Isto impede uma produção econômica dos compostos C5 a partir de recursos renováveis. Os poucos produtos que já existem no mercado são exclusivamente reagentes especiais. 5.8.1 Furfural Um representante da família C5 que é produzido em quantidades elevadas é o furfural 83 (ver próxima figura). É um dos produtos voláteis (produto principal: metanol), na pirólise da madeira. Mais conhecida para este método é a expressão “Destilação seca da madeira”. O furfural também é produzido durante o polpamento da madeira, onde os ácidos hexenurônicos estão envolvidos no seu metabolismo. Neste processo industrial, aliás, os derivados do furfural são indesejados, por que os produtos consecutivos dos ácidos hexenurônicos são os 82 N.P. Nghiem, K.B. Hicks, D.B. Johnston; Integration of succinic acid and ethanol production with potential application in a corn or barley biorefinery. Appl. Biochem. Biotechnol. 162 (2010), 1915. 83 J. –P. Lange, E. van der Heide, J. van Buijtenen, R. Price; Furfural - a promising platform for lignocellulosic biofuels [Artigo de revisão]. ChemSusChem 5 (2012) 150–166. 175 Armin Isenmann Química a partir de Recursos Renováveis principais responsáveis pela reversão da alvura do papel (ver também Fig. 39 e nota de rodapé 18). O furfural, como o nome já deixa supor, se deriva do furano, um heteroaromático com oxigênio no seu anel de 5 membros. O furfural pode tranquilamente ser transformado em resinas úteis, na reação de condensação junto ao formaldeído, fenol, acetona ou uréia. Fig. 93. Derivados do furfural COOH COOH MeO O HO Cozimento Kraf t O-xilana O HO O-xilana OH Ác. hexenurônico OH Hemicelulose Hidrólose ácida ~10% ~90% HCOOH Ác. f órmico + COOH O Ác. 2-f uranocarboxílico + COOH O 5-carboxi-2-f uraldeído OHC Fig. 94. Metabolismo das hemicelulose durante o polpamento Kraft e o branqueamento, dando origem aos derivados do furfural. Vale também lembrar-se que a natureza tem uma preferência para componentes C5, quando se trata de sínteses em ambiente hidrofóbico. Sendo assim, muitos esteróides, hormônios, mas também polímeros (borracha natural), são feitos a partir da unidade monomérica do isopreno (2-metil-1,3-butadieno), com o vimos no cap. 4.5.2. Sendo assim, conhecemos os terpenos (2 unidades isoprênicas, ou seja, C10), sesquiterpenos (C15), diterpenos (C20), entre outros. Além do setor farmacêutico o interesse nestes compostos é modesto. 5.8.2 Ácido levulínico Um exemplo ilustrativo das plataformas químicas derivadas de biomassa é o ácido levulínico (C5H8O3), que é formado pela hidrólise ácida de carboidratos. Os açúcares C6 podem ser facilmente convertidos em ácido levulínico (C5) e ácido fórmico (C1), dos quais o primeiro despertou o interesse dos pesquisadores nos últimos 10 anos, pela sua estrutura simplificada, em comparação com os açúcares da partida. Por outro lado, os grupos funcionais que tem são 176 Armin Isenmann Química a partir de Recursos Renováveis valiosos para sua transformação posterior. Sendo assim, o ác. levulínico representa um químico de plataforma altamente promissor. O O O O O -valerolactona 2-metilf urano HOOC Angelilactona COOH HO OH 1,4-pentanodiol Ácido dif enólico O Ácido levulínico COOH Ácido acrílico O RO O éster levulinato Fig. 95. OH HO HOOC HOOC NH2 O O Ácido 5-aminolevulínico Ácido acetilacrílico Leque dos derivados químicos a partir do acido levulínico. A celulose e as hemiceluloses são hidrolisadas para carboidratos C6, dos quais o ácido levulínico pode ser obtido com uma eficiência de 50%, através do intermediário hidroximetilfurano. O ácido levulínico pode ser convertido a vários produtos, tanto químicos como aditivos de combustíveis (Fig. 95). Deste modo pode resultar 84: O metiltetraidrofurano (MTHF): um biocombustível que pode ser misturado com gasolina. É obtido pela desidratação e hidrogenação do ácido levulínico; O δ-aminolevulínico: um herbicida obtido por síntese química; O ácido difenólico: um polímero produzido pela reação de ácido levulínico com fenóis; O levulinato de etila: um aditivo para o diesel. A -valerolactona 85: um potencial “solvente verde” em tintas e colas; devido seu cheiro herbal também é valorizado na perfumaria. 84 J.J. Bozell et al., Production of levulinic acid and use as a platform chemical for derived products. Resources, Conservation and Recycling 28 (2000), 227–239. 85 W.R.H. Wright, R. Palkovits; Development of Heterogeneous Catalysts for the Conversion of Levulinic Acid to γ-Valerolactone. ChemSusChem 5 (2012), 1657–1667 177 Armin Isenmann Química a partir de Recursos Renováveis 5.8.3 A importante classe dos componentes C6 "Indestrutível" – isso foi o atributo da indústria de bebidas no início dos anos 1990 quando introduziram a nova embalagem de plástico. A garrafa de PVC já existia há mais de 20 anos, mas este material novo era superior em quase todos os aspectos - o PET: Não solta cheiro desagradável nem substâncias tóxicas à bebida, Está em todos os módulos mecânicos superior ao PVC, Tem estabilidade térmica extraordinária (por exemplo, aguenta água fervente), Tem propriedades ópticos quase iguais ao PVC (transparência, em particular) e, em último lugar nesta conta, mas em um dos primeiros lugares na economia de hoje: É facilmente reciclável: por ser um poliéster pode-se aplicar a reação reversa, a hidrólise, para se conseguir os monômeros químicos; ao contrário, a reciclagem do PVC não finaliza na despolimerização e , até hoje, representa um problema mal resolvido. São bastante leves e, comparadas à garrafa de vidro, realmente próximas de não destrutíveis. O PET é um poliéster feito das unidades monoméricas de ácido tereftálico e o diálcool etilenoglicol. É um material extremamente universal que pode, por exemplo, ser usado para produzir fios que podem ser tecidos para materiais especiais de roupas de esporte, robustos e de secagem rápida. Folhas finas de PET servem como embalagens de curta duração para alimentos, pois deixam penetrar os gases sem grande impedimento. Por enquanto o PET é exclusivamente produzido a base de recursos fósseis. Todavia, existem alternativas a base de recursos renováveis. Poliésteres a base do furano-2,5-diácido carboxílico A desidratação de hexosas (= açúcares com 6 carbonos) pode levar ao 5hidroximetilfurfural, fórmula dada no último esquema 86. Esta molécula tem dois grupos funcionais com reatividades diferentes: os grupos aldeído e hidroxila. Mas, por oxidação rigorosa os dois grupos podem ser transformados em grupos carboxílicos, ou seja, o produto é o furano-2,5diácido carboxílico. Ao comparar este com o ácido tereftálico do PET, reparamos a semelhança estrutural destes monômeros: 86 O 5-hidroximetilfurfural é também um indicador para produtos estragados, adulterados ou que foram expostos a estresse por calor ou más condições de armazenagem. 178 Armin Isenmann Química a partir de Recursos Renováveis Os dois são diácidos aromáticos. Eles também mostram propriedades físicas semelhantes, tais como ponto de fusão, volatilidade, etc. Tarefa da pesquisa aplicada é a comparação de materiais poliméricos feitos a partir do ácido tereftálico e/ou do seu substituto, o furano-2,5-diácido carboxílico. A Fig. 96 refere uns dos produtos mais promissores que, pelas suas propriedades físicas, podem concorrer tranquilamente com o plástico feito do petróleo: Fig. 96. Polímeros a base do furano-2,5-diácido carboxílico (FDCA) O poliéster a partir do furano-2,5-diácido carboxílico e etilenoglicol, o "polietilenofuranato", tem um ponto de fusão de 205 a 210 °C. Este fica um pouco abaixo do PET clássico, mas ainda está numa região tecnicamente muito interessante. Os especialistas vêem neste material o grande potencial de formar fibras que podem ser trabalhadas pela indústria têxtil para tecidos de qualidades muito interessantes. A reação do furano-2,5-diácido carboxílico com uma diamina aromática leva a uma poliamida, também conhecida como "poliaramida". Por exemplo, com a p-fenilenodiamina se obtém um polímero de ponto de fusão extremamente alto e uma estabilidade mecânica 179 Armin Isenmann Química a partir de Recursos Renováveis excepcional. Sendo assim, este material pode repor o Kevlar, uma fibra de poliaramida que serve para fazer coletes a prova de balas, cordas de alpinistas e muito mais. O grande potencial do furano-2,5-diácido carboxílico foi reconhecido pelo ministério americano de energia, em 2004. Em um estudo dos mais promissores compostos a partir de recursos renováveis este diácido chegou à posição 12 entre todos os compostos de importância (ver Tab. 25, na p. 147). O OH HO O OCN O H2N CHO Diol R = OH, Cl, O-alquil (FDCA) Diisocianato O C O HOH2C NCO HOH2C O O O CHO 5-HMF R = OH, Cl R HO R R = OH, O-alquil O O H2N O O O HO NH2 O H2N NH2 R R = OH, O-alquil Diamina Fig. 97. Possíveis monômeros a partir do 5-Hidroximetilfurfural. Primeiro é simplificar a glicose A princípio as estratégias apresentadas no capítulo sobre a glicerina (p. 158) podem também ser aplicadas para simplificar os açúcares maiores, visto que estes são igualmente polióis. Mas com cada átomo de carbono a mais, estes materiais dão origem a uma maior complexidade mecanística – o que implica mais produtos formados. Além disso, os açúcares têm um carbono em maior NOX. Então a primeira etapa na tentativa de simplificar sua estrutura e reduzir o número de possíveis produtos é a redução deste carbono para se render um poliol simples que exclusivamente dispõe de grupos hidroxilas, em carbonos primários e secundários. Sendo assim, pode-se esperar o mesmo sucesso que se provou nas reações a partir da glicerina, também para o eritritol (C4) e o xilitol (C5). No entanto, estes compostos não gozam dos grandes esforços que se observa no campo de pesquisa da glicerina; isso certamente se deve à menor disponibilidade destes compostos na biomassa. O eritritol é quase ausente na natureza, mas pode ser produzido a partir da glicose, por meio de fermentação. O xilitol pode ser facilmente obtido por hidrogenação catalítica a partir da xilose que é o monômero principal na hemicelulose (que consta com 20 a 25% da natureza viva, ver cap. 2.1.2). Porém, ao contrário da celulose, a hemi-celulose não representa um material 180 Armin Isenmann Química a partir de Recursos Renováveis quimicamente uniforme, mas é um composto de uma grande variedade de açúcares C5 e ácidos glucônicos. Isso certamente é uma grande desvantagem, e por enquanto os esforços da sua separação em material quimicamente definido não foi alcançado. A obtenção de sorbitol em qualidade quimicamente pura, por outro lado, é menos difícil. Material de partida é a celulose que está sendo degradada ao monômero glicose em uma etapa de hidrólise ácida, seguida por uma etapa de hidrogenação do grupo aldeído ou seu hemiacetal. O sorbitol, por sua vez, representa o composto de plataforma para diversos produtos de desidratação, dos quais os mais importantes são o hidroximetilfurfural e a isossorbida, a serem apresentados a seguir. Além disso, a hidrogenólise catalítica do sorbitol sob condições mais severas leva aos fragmentos etilenoglicol, 1,2-propanodiol e glicerina, com seletividade surpreendentemente alta. Do adoçante ao monômero em plásticos Sorbitol e manitol são bastante usados hoje como adoçantes de baixa caloria que, além disso, não alimentam as bactérias prejudiciais da flora bucal (cárie). Sendo assim, são usados em alimentos "diet", chicletes ou em pasta de dente. Quem presta atenção à etiqueta de um alimento "light" também pode encontrar muitas vezes estes dois alcoóis de açúcares (= "hexitóis"). Informações adicionais sobre estes hexitóis: Sorbitol se encontra em quantidades maiores na natureza vegetal. Por exemplo, na casca da sorveira e do pilriteiro. Além disso, encontra-se em frutas de caroço ou sementes (maçã, pêra, ameixa, cereja, etc.). Em outras frutas, tais como a banana e o abacaxi, não há sorbitol. Portanto, pode ser usado como indicador no teste que comprova uma mistura ilegal de sucos destas frutas com frutas de caroços. As bactérias da flora bucal praticamente não atacam o sorbitol, portanto não se transforme em polissacarídeos ou ácidos que promovem a cárie dental. Portanto, o sorbitol achou larga aplicação para repor o açúcar comum, em alimentos diet, light ou para diabéticos. Sorbitol é também matéria prima na síntese industrial da vitamina C (ácido L-ascórbico) e na produção de agentes tensioativos nãoiônicos (= detergentes). Serve, além disso, como estabilizador de vitaminas, 181 Armin Isenmann Química a partir de Recursos Renováveis enzimas, preparados farmacêuticos e cosméticos, e pode ser o monômero para poliéteres em lacas de pintura. O manitol é um composto encontrado em muitas plantas. No "mana", isto é o suco gelificado do freixo de mana, o manitol representa o composto principal. Em algas, cogumelos e vergas é usado como material de reservas. As aplicações do manitol são semelhantes ao sorbitol: adoçante e umectante em produtos cosméticos (p.ex., em pasta de dente). A indústria farmacêutica o usa como excipiente e para a síntese do hexanitrato do manitol - um remédio com efeito dilatante vascular. Fora dos setores alimentício e cosmético o manitol serve como lubrificante, estabilizante e de monômero em resinas duromêricas (tintas e lacas). Do açúcar ao adoçante Maior parte do sorbitol hoje ainda está feito por hidrogenação catalítica, a partir da D-glicose. Essa via química tem a grande desvantagem de requerer um processo de purificação caro e demorado, a fim de retirar restos do catalisador - que é, no caso, um metal pesado. Mais utilizado é um catalisador heterogêneo à base de rutênio e níquel. Em um projeto de pesquisa foi recentemente desenvolvido um novo processo bioquímico que fornece de maneira direta o álcool de açúcar, sem necessidade de purificação complicada. Além disso, a operação é contínua - sempre uma grande vantagem na produção industrial. Sendo assim, a glicose é transformada em apenas 5 minutos e com ótimos rendimentos, em sorbitol. O manitol é feito, em analogia ao sorbitol, a partir da parte da frutose dentro açúcar invertido. Como a frutose sempre é acompanhada por glicose, mesmo que seja em menores partes, o manitol técnico sempre contém algum sorbitol. Além disso, observamos que a redução da frutose, quando não for estereosseletiva, leva aos dois produtos, manitol e sorbitol, em quantidades idênticas. Mas essa impureza química não incomoda nas aplicações descritas acima. Reação padrão para os poliuretanos Manitol e sorbitol são apropriados na síntese de poliuretanos, onde funcionam como ramificadores. A reação chave é uma adição, do álcool nucleofílico ao carbono do grupo isocianato. Resulta a estrutura de uretano (que é um derivado do ácido carbônico, como também as uréias e os carbonatos): Em dependência das condições aplicadas, obtêm-se espumas rígidas (para fins de isolamento), elásticas (para assentos de carros e colchões), termoplásticos e borrachas que vão de moleelástico (solas de sapatos) até duro (botas de esqui). 182 Armin Isenmann Química a partir de Recursos Renováveis Isossorbida A isossorbida também é um composto heterocíclico proveniente da glicose. Junto aos isómeros isoidida e isomanida, ela é a mais importante representante dos 1,4:3,6dianidrohexitóis. É um sólido branco higroscópico, biodegradável, mas termicamente estável, um diol não tóxico que acha larga aceitação na área medicinal, mas também é um potencial monômero para novos tipos de polímeros de condensação, a dizer policarbonatos e poliésteres. Suas utilidades como solvente orgânico (existem derivados líquidos) e até como combustível alternativo estão sendo estudadas. A isossorbida é feita por dupla condensação intramolecular, a partir do sorbitol e percorrendo o composto monocíclico de sorbitana. H HO H H 1 CHO CH2OH 2 OH H OH [Red] 3 H HO H 4 OH H OH 5 OH H OH 6 CH2OH CH2OH D-glicose Sorbitol [H+] OH 6 - H2O 5 HO OH OH 3 4 H OH [H+] 2 O 1 O H Sorbitana - H2O O HO H Isossorbida (1,4:3,6-dianidrohexitol) A isossorbida é considerada sendo um novo composto de plataforma, com potencial de repor solventes e compostos de síntese que classicamente vêm do petróleo 87. As reações nos grupos hidroxilas da isossorbida são apenas dificultadas pelas diferentes configurações da posições 2 e 5 que acarretam reatividades e impedimentos estéricos diferentes. Uma quantidade notável de trabalhos já foi publicado onde o material de partida é puramente exo e puramente endo, isodianidromanitol e isoidide, respectivamente. Mas um esforço considerável ainda está necessário para transferir e adaptar os métodos de síntese para a conversão eficiente da isossorbida. A celulose contribui, como sabemos do cap. 2.1, com 35 a 50% na biomassa da terra. Com essa quantidade enorme a celulose representa o mais abundante composto quimicamente homogêneo da natureza viva. Mas antes de poder usar a celulose na química fina, este polímero deve ser quebrado em partes oligo ou monoméricas, a dizer a glicose. Naturalmente, a alta cristalinidade da celulose se opõe às reações feitas na celulose. Estes fragmentos se tornam solúveis em solvente polar que é a base para todas as reações em seguida. Pesquisas atuais visam a otimização do processo da hidrólise da celulose, atualmente melhor realizado em sistemas diluídas de ácidos minerais, na presença de um catalisador heterogêneo 88. A hidrogenação catalítica do grupo aldeído da glicose reduz consideravelmente suas múltiples reatividades. Segue uma condensação intramolecular para o 1,4-anidrosorbitol, que por sua vez é desidratado e ciclizado uma segunda vez para a isossorbida, conforme mostrado acima. Tudo isso ocorre sob pressão e alta temperatura, condições sob quais a própria água se torna fonte dos prótons que exercem o efeito catalítico nestas desidratações. 87 M. Rose, R. Palkovits; Isosorbide as a renewable platform chemical for versatile applications--quo vadis? ChemSusChem 5 (2012) 167-176. 88 R. Rinaldi, F. Schüth, Acid hydrolysis of cellulose as the entry point into biorefinery schemes. ChemSusChem 2 (2009), 1096. J Hilgert, N Meine, R Rinaldi, F Schüth. Mechanocatalytic depolymerization of cellulose combined with hydrogenolysis as a highly efficient pathway to sugar alcohols. Energy & Environmental Science 6 (2013), 9296. 183 Armin Isenmann Química a partir de Recursos Renováveis Hoje é possível, por combinação do catalisador da redução com um catalisador ácido, converter diretamente a celulose em isossorbida, uma reação em uma única batelada 89. Fragmentação do sorbitol Em caso de sorbitol ou xilitol sejam tratados sob condições alcalinas de hidrogenação, como por exemplo descritos na p. 163, os compostos C6 ou C5 são submetidos a uma cisão da cadeia carbônica, através de reação do tipo retro-aldol e subsequente hidrogenação. O mecanismo é em analogia ao da formação do etilenoglicol a partir da glicerina (ver p. 173). Em 1958 Clark relatou a formação de 1,2-propilenoglicol, etilenoglicol e glicerina, usando um catalisador de Ni em cima de kieselguhr e Ca(OH)2 como a aditivo 90. Naquela época a formação da glicerina era o objetivo principal, enquanto que hoje a formação dos outros dois, 1,2-PD e etilenoglicol, são mais procurados. OH OH OH OH HO O OH - H 2 OH OH OH Xilitol Retro-Aldol OH OH O + HO OH H2 - H 2O H2 OH OH HO OH HO OH O H2 OH HO As ligações C-O em carboidratos reduzidos podem ser clivadas, principalmente na presença de catalisadores com sítios ácidos de Brønsted (como descrito na desidratação da glicerina, ver p. 164), enquanto as ligações C-C podem ser quebradas preferencialmente na superfície metálica de Pt, percorrendo ou uma clivagem retro-aldol ou uma descarbonilação. Aproveitando destes três caminhos possíveis de degradação, a seletividade dos produtos fragmentados pode ser direcionada, conforme a necessidade do consumidor 91. Ácido cítrico O interesse pelo ácido cítrico (fórmula ver p. 147) decorre da sua intensa aplicação nas indústrias de laticínios, alimentos, bebidas, farmacêutica e química. Sua produção em 2008 atingiu cerca de 1,6 milhão de toneladas. São produzidas por fermentação com Aspergillus 89 G. F. Liang, C. Y. Wu, L. M. He, J. Ming, H. Y. Cheng, L. H. Zhuo, F. Y. Zhao, Conversion of Cellulose into Isosorbide over Bifunctional Ruthenium Nanoparticles Supported on Niobium Phosphate. Green Chem. 13 (2011), 839. 90 I. T. Clark, Hydrogenolysis of sorbitol. Ind. Eng. Chem. 50 (1958), 1125. 91 N. Li, G. W. Huber, Aqueous-phase hydrodeoxygenation of sorbitol: Identification of the reaction pathway. J. Catal. 270 (2010), 48. 184 Armin Isenmann Química a partir de Recursos Renováveis niger e atualmente muita ênfase tem sido notada com o emprego de conversão biológica de resíduos agroindustriais como bagaço de uva, de maçã, beterraba doce, banana, etc. 92 Ácido itacônico O ácido itacônico (= ácido metilenosuccínico, ver entrada 7 da Tab. 25, na p. 147) é usado como monômero para formar polímeros como látex, resinas sintéticas, tintas, resinas acrílicas, além de acidulante em alimentos. A limitação atual de seu emprego decorre do alto custo. O micro-organismo mais usado é o fungo filamentoso Aspergillus terréus 93. Até aqui o cap. 5 tratou de compostos de plataforma contendo 1 a 6 carbonos na sua estrutura, ou seja, todos são compostos de baixa massa molar. O último parágrafo deste livro se dedica a uma nova classe de polímeros que são feitos no laboratório, mas se baséiam inteiramente em recursos renováveis. 5.9 Polihidroxialcanoatos (PHA) – os verdadeiros bioplásticos São o foco dos pesquisadores no mundo inteiro: os polihidroxialcanoatos (PHA), uma classe especialmente universal de polímeros 94. Há milhares de anos que PHA são produzidos no metabolismo de certas bactérias (p.ex., alcaligenes eutrophus). Este material serve aos protozoários como reserva de energia, comparável à gordura em nosso corpo. São armazenados dentro dos organismos em forma de material insolúvel e branco, quer dizer, um sólido com alto índice de refração. Fig. 98. Micrografias de bactérias que produzem e segregam BHA, no caso poli-3hidroxibutirato. 92 A. Karthikeyan, N. Sivakumar; Citric acid production by Koji fermentation using banana peel as a novel substrate. Bioresour.Technol. 101 (2010), 5552. 93 M.G. Steiger, M.L. Blumhoff, D. Mattanovich, M. Sauer; Biochemistry of microbial itaconic acid production. Front Microbiol. 4 (2013), 23. G. Tevz, M. Bencina, M. Legisa; Enhancing itaconic acid production by Aspergillus terreus. Appl Microbiol Biotechnol. 5 (2010), 1657-64. M. Okabe, D. Lies, S. Kanamasa, E.Y. Park; Biotechnological production of itaconic acid and its biosynthesis in Aspergillus terreus. Appl Microbiol Biotechnol. 4 (2009), 597-606. 94 L.F. da Silva et al, “Produção biotecnológica de poli-hidroxialcanoatos para a geração de polímeros biodegradáveis no Brasil.” Quím. Nova, 30 (2007) 1732-43; disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0100-40422007000700040 (acesso em 11/2014) 185 Armin Isenmann Química a partir de Recursos Renováveis Pela natureza química os PHA são poliésteres. Para muitos pesquisadores são estes os genuínos "biopolímeros", candidatos mais promissores para substituir no futuro os poliolefinos. Para que os microorganismos produzam este material, geralmente é necessário tratá-los mal, ou seja, submetê-los a condições deficitárias em algum elemento químico (nitrogênio, fósforo ou oxigênio) e oferecer um excesso em carbono. Diversos fatores influenciam na produtividade microbiana e também na natureza química dos PHA: Tipo de microorganismos usados Tipo de fonte de carbono As demais condições do ambiente (temperatura, sais, concentrações, etc.) Tudo isso determina rendimento, massa molar e natureza química dos PHA. Após o processo de fermentação as bactérias devem ser concentradas e extraídas - por enquanto etapas que acarretam o fim de vida dos microorganismos. Mas novas bactérias já foram descobertas que expelem o PHA logo após sua produção e assim facilitam seu isolamento e o tratamento subsequente. Como já mencionado acima, os PHA podem ser usados nos mais diversos artigos de plásticos: desde a luva flexível de plástico, copos firmes e garrafas rígidas. Até folhas finas e embalagens de alimentos podem ser feitos de PHA, já que se conseguem materiais com barreiras frente ao oxigênio, quase tão altas quanto o polipropileno ou o PE. Uma das características mais marcantes: os PHA são altamente biodegradáveis. A degradação ocorre, tanto no ar como debaixo d´água. Mais uma aplicação promissora dos PHA se deve ao fato de que o corpo humano consegue degradá-los aos poucos. Sendo assim, implantes, parafusos e fios cirúrgicos de PHA não precisam ser removidos através de uma segunda cirurgia, mas simplesmente se dissolvem após certo tempo. Interessante é também o uso dos PHA como veículo de medicamentos que, em virtude da dissolução do carregador, liberam o remédio dentro do corpo aos poucos (farmacocinética; sustained release). O processamento dos PHA é possível nas máquinas convencionais de termoplásticos (injeção, extrusão), eles também são moldáveis ou podem ser fiados. Representante de estrutura mais simples dos PHA é o polihidroxibutirato (PHB; temperatura de fusão: acima de 130 °C): Tecnicamente mais interessantes, no entanto, são os copolímeros do PHB porque mostram um perfil mais vantajoso em termos de processabilidade. Também a mistura física (= blendagem) com outros polímeros, tais como acetato de celulose (p. 89) ou amido (p. 109), amplia bastante o leque das aplicações deste material, que vai desde colas até borrachas rígidas. Já em 1960 se desenvolveu nos EUA um processo combinado, fermentativo e extrativo, que fornecia PHB. Foram feitos testes para usar este novo material como termoplástico comercial. Mas provou-se que era mais quebradiço do que o PP - o que diminuiu bastante o espectro das aplicações. Somente com o advento dos copolímeros via biossíntese esta deficiência foi vencida. Mencionamos o poli(3-hidroxibutirato)-co-poli(3-hidroxivalerato), com a sigla PHBV, um material mais dúctil e mais resistente: 186 Armin Isenmann Química a partir de Recursos Renováveis Nos anos 1990 surgiu a primeira garrafa de xampu na Alemanha que foi inteiramente feita de PHBV e, portanto biodegradável. Mas, os custos da sua produção foram em torno de 0,50 € mais caros do que um recipiente convencional de PET - o que sinalizou um desastre comercial. Na virada do milênio a Usina da Pedra em Altinópolis, SP, iniciou a produção do polímero biodegradável poli-hidroxibutirato (PHB), em bateladas de 500 kg, a partir da transformação de sacarose e ácido propiônico sob a ação de uma bactéria. O PHB parece indicar para as usinas sucroalcooleiras que a sacarose poderia ser uma matéria-prima para substituir produtos de origem fóssil e de existência finita, e uma oportunidade para completar a paleta de produtos e expandir os negócios. Afinal, são os custos de produção elevados que ainda impedem o largo uso dos PHA e um espalhamento em outros setores industriais, especialmente em forma de artigos de massa. Mas a pesquisa aplicada está fazendo progresso e podemos contar com estes materiais nos próximos anos. 5.9.1 Polímeros a partir da biomassa lignocelulósica Em um artigo de revisão Furkan 95 desenhou o mapa dos derivados químicos da biomassa lignocelulósica e seus polímeros sintéticos. O foco são os polímeros à base da biomassa, mas também são apresentados mais de 200 compostos valiosos de baixa massa molar. 5.9.2 A polêmica dos "biopolímeros" Por enquanto associamos neste texto diversos materiais, explicitamente a celulose, o amido, os polihidroxialcanoatos e também o polilactato (ver p. 154), com a expressão "bio". O dilema da palavra "biopolímero" é, no entanto, que não há definição unânime. Pelo entendimento popular um biopolímero é feito a partir de recursos renováveis e pode ser degradado após a sua vida útil pela natureza (no solo ou no corpo humano, por exemplo). Mas essa definição exclui muitos materiais, portanto é melhor definir em duas categorias: 96 1) Polímeros e plásticos a base de recursos renováveis. Tais podem ou não, ser biodegradáveis (os que não são: certos poliésteres, poliamidas ou Nylons, material altamente ramificado). 2) Plásticos biodegradáveis, não importa de onde vêm as matérias primas. Por exemplo, conhecemos o polilactato (PLA), PHA e PHB que vem da natureza e também são 95 Furkan H. Isikgor, C. Remzi Becer; Lignocellulosic biomass: a sustainable platform for the production of biobased chemicals and polymers. [Artigo de revisão] Polym. Chem. 6 (2015), 4497-4559. 96 Leia mais: http://en.wikipedia.org/wiki/Bioplastic (acesso em 11/2014) 187 Armin Isenmann Química a partir de Recursos Renováveis biodegradáveis. Mas existem também polímeros a base petroquímica que se degradam na natureza, às vezes somente após a aditivação ou funcionalização química. Para determinar sua biodegradabilidade existe uma série de testes padronizados aos quais os plásticos devem ser submetidos. No ano 2004 foram produzidos em torno de 225 milhões t de polímeros e materiais plásticos, destes foram feitos apenas 250.000 t a partir de recursos renováveis, ou seja, apenas 0,1%. Porém, a tendência de aumentar essa parte é inegável, e há estimas que sob condições favoráveis, a parte dos renováveis pode aumentar até 10% do volume total; somente visto o setor de embalagens de plásticos sua participação poderá alcançar até 70%. Biopolímeros podem ser produzidos como folhas calandradas, peças injetadas ou perfis extrudados e são usados em ampla gama. Uma das exigências mais restritivas aos biopolímeros é sua processabilidade em máquinas convencionais, usadas pelas fábricas de transformação plástica: extrusão, injeção, sopro, etc. Isso implica que esses materiais devem ser termoplásticos, ou seja, facilmente deformáveis a temperaturas elevadas. Justamente este critério inibe a larga aceitação de alguns biopolímeros em artigos de consumo em massa. Por exemplo, PLA puro tem um ponto de amolecimento de apenas 60 °C; sendo assim, não pode ser usado para produzir copos de café, talheres descartáveis ou recipientes resistentes ao microondas. Não devem ser considerados biopolímeros, por outro lado, as misturas físicas (as blendas e os compósitos) que contêm farinha de madeira como recheio ou fibras naturais de reforço, mas uma matriz de plástico de origem fóssil. Estes materiais, para os quais também se prevê um grande futuro, não encaixam em nenhuma das duas definições dadas em cima. Até hoje precisamos dos plásticos convencionais a base de recursos fósseis, para aperfeiçoar as propriedades dos materiais e produtos acabados. O mercado não aceita um regresso na qualidade dos produtos. Isso implica que somente aos poucos chegamos a reduzir a porcentagem do plástico convencional dentro dos compósitos, a favor dos biopolímeros. Tab. 28. Alguns campos de aplicações dos "biopolímeros" Área Aplicação Propriedades e benéficos Medicina Fios cirúrgicos Fibra degradada dentro do corpo Veículo para remédios Comprimidos e cápsulas que se dissolvem aos poucos no corpo Implantes Degradados dentro do corpo Garrafas de xampu Compostável Embalagem / folhas Bolsas de sacolas de Compostável compras Artigos de consumo Estufas de plantações Proteção ao congelamento; retenção de calor solar; não precisa ser recolhido por que se degrada no campo. Louça descartável Compostável Roupa Bom transporte de calor, agradável da pele. 188 Armin Isenmann Química a partir de Recursos Renováveis 6 Anexo Os químicos de plataforma mais promissores a partir de açúcares provenientes da biomassa, elucidados pelo US Department of Energy 57, foram referidos na Tab. 25, na p. 147. Neste estudo foram aplicados quatro critérios para classificar os potenciais candidatos de químicos de plataforma: 1) Ajuste estratégico para a biomassa lignocelulósica e amido dentro da biorrefinaria, 2) Valor do químico de plataforma e seus derivados como substitutos da rota petroquímica ou como novas substâncias químicas com potencial de futuro commodity, 3) A complexidade técnica de rota de transformação (açúcares para os químicos de plataforma e os químicos de plataforma para seus derivados), e 4) Potencial do químico de plataforma para produzir famílias ou grupos de derivativos similares. Seguem os diagramas de estrela que mostram a gama de produtos úteis a partir das 12 substâncias de plataforma mais significativas. Os derivativos em círculos já se encontram em uso comercial e são produzidos em escala de commodities. 189 Armin Isenmann Química a partir de Recursos Renováveis Semelhantes: ácido fumárico e ácido málico. 190 Armin Isenmann Química a partir de Recursos Renováveis 191 Armin Isenmann Química a partir de Recursos Renováveis 192 Armin Isenmann Química a partir de Recursos Renováveis 193 Armin Isenmann Química a partir de Recursos Renováveis 7 Índice analítico A acetais, 84, 99, 157 acetaldeído, 140, 146 acetato de celulose, 110, 186 acetilação, 90 Ácido acrílico, 169 ácido lático, 152, 153, 154, 155, 159, 163, 175 ácido nítrico, 40, 91, 156 ácido ricinóico, 116 194 Armin Isenmann ácido sulfuroso, 39 ácidos graxos, 136 acroleína, 157, 158, 169 Açúcar, 12, 13 Adstringentes, 123 advanced resins, 107 Agar, 117 aglutinante, 36 aguarrás, 118 alcaligenes eutrophus, 185 alcalóides, 123 algodão, 29, 33, 84, 88, 92 alquídicas, 156, 159 alquilssulfatos, 115 amido, 10, 12, 15, 17, 22, 31, 32, 109, 110, 111, 112, 140, 150, 154, 175, 186, 187 Amido, 12, 13, 110, 111 amilopectina, 16, 31, 109, 110 Amilopectina, 109 amilose, 31, 33, 109, 110 Amilose, 109 anaeróbica, 134, 152 antidiarreicos, 123 Antinutritivos, 123 Antioxidantes, 123 arabinose, 97 Arboform, 106 aspersão, 53, 54, 59 ATBC, 91 B baquelite, 138 benzeno, 10, 11, 123 betume, 36 biodegradáveis, 173, 186, 187, 188 biodiesel, 14, 112, 115, 136, 156, 159 Biodiesel, 7, 114 bioetanol, 142, 150, 151 biorrefinaria, 16, 18, 40 biorrefinarias, 150 bisfenol-A, 107 bissulfitos, 39 blend, 110, 153 borracha, 22, 36, 118, 120, 121, 122, 176 Boudouard, 56 breu, 36, 95 BTX, 11 bulk chemicals, 124, 159 Buna N, 121 buraco de ozônio, 8 buteno, 130 C CAGR, 68, 81, 83 caldeira de recuperação, 35, 37, 44, 46, 47, 48, 49, 50, 51, 53, 54, 57, 58, 60, 61 camada, 28, 51, 52, 53, 54, 55, 56, 61 cana de açúcar, 14, 141, 151 cânfora, 91, 92, 118 carbamato, 87 carboidratos, 10, 17, 31 Química a partir de Recursos Renováveis Carbopol, 169 carvalho, 124 cauchú, 120, 121, 122, 123 caustificação, 51, 59, 60, 61, 62, 63, 64 celofane, 84, 85 celulases, 87, 151 celulose cupramônica, 86 celulose microcristalina, 82 Celulose solúvel, 81 celulose , 82, 83 CENIBRA, 27, 42 centrifilters, 44 Ch chiral pool, 155 chucrute, 152 endoglucanases, 151 Energy Policy Act, 141 epicloridrina, 107, 157, 158, 170 epóxis, 106, 107, 156, 170 esmaltes, 91, 108, 118, 138 espessante, 94, 110 esteróides, 118, 176 estômago, 32, 33, 140 Estrutura quaternária, 28 etanol combustível, 141 etileno, 10, 11, 18, 93, 138, 139, 140, 151, 152, 159 etilenoglicol, 172, 178, 179 eucalipto, 23, 24, 27, 95, 118 evaporadores, 35, 45, 47 exocelulase, 140 F C cicatrizantes, 123 ciclones, 44, 65 cinzas da caldeira, 57 citronelol, 118 CMC, 92, 93 coater, 96 colofônia, 36 colza, 14, 114 commodities, 124 commodity, 83, 159 coníferas, 36, 46, 48, 95, 118 coniferílico, 99 Corantes, 7, 13, 108, 118, 124 couro, 84, 153 craqueamento, 104, 131, 139, 151 creep, 122 crise do petróleo, 7 culturas nutricionais, 14 cumarílico, 99 cuminal, 118 curtume, 153 curtumes, 124 D Degussa AG, 136 descarboxilação, 146 descoramento, 68 deslignificação, 43 destilação, 11, 18, 35, 41, 140, 149 diastereoisômeros, 155 diet, 181 dietilsulfato, 140 digestor, 37, 39, 43, 44, 53, 61, 67 Dióxido de cloro, 70, 74 diterpenos, 118, 176 DOA, 91 dregs, 60, 61 E ECF, 80, 81 Eficiência da Caustificação, 62 Eletrólise cloro-álcali, 76 enanciômeros, 155 enanciosseletiva, 155 endocelulase, 140 fenilpropano, 99, 108 fenóxidos, 35 filtros eletrostáticos, 65 Fischer-Tropsch, 131 flex, 141 forno de cal, 60, 62, 64, 65 frutose, 41, 182 fumaça, 91, 104 furfural, 175 G galactose, 97 gás de síntese, 11, 17, 129, 130, 131, 134, 140 geraniol, 120 glicerina, 110, 112, 115, 156, 157, 158, 159, 169, 170 glicose, 15, 17, 18, 31, 32, 33, 97, 109, 112, 134, 145, 146, 154, 182 GLP, 11 GNC, 45, 46 Goodyear, 122 Gorduras, 12, 112 grau viscose, 81, 82, 83, 89 green house effect, 8 grits, 61 H harvest, 23 HEC, 93 hemiceluloses, 8, 9, 26, 28, 35, 37, 39, 97, 140, 150 hemostáticos, 123 Henkel, 16 hervae brasiliensis, 120 hexosas, 145, 154, 178 Hidroximetilfurfural, 180 high erucic, 114 high heat extraction, 44 high oleic, 114 Hipoclorito, 70 homofermentativas, 154 hormônios sexuais, 118 195 Armin Isenmann I incrustações, 45, 46, 58, 59 isocianato, 182 isoprênicas, 117, 119, 122, 176 isopreno, 117, 119, 176 isótopo, 140 K Kevlar, 180 Kraft, 35, 36, 37, 38, 39, 42, 46, 64, 104, 106 Kraftliner, 95 L lactobacillus casei, 154 látex, 36, 96, 120, 121, 123 leveduras, 18, 145, 154 licor branco, 35, 43, 44, 59, 60, 61, 62, 64 licor negro, 35, 36, 37, 41, 43, 44, 45, 46, 47, 48, 51, 53, 54, 55, 57, 60 licor verde, 51, 55, 60, 61, 62 lignina, 8, 9, 17, 22, 26, 28, 35, 36, 39, 40, 41, 43, 44, 45, 64, 67, 69, 70, 71, 80, 99, 100, 103, 104, 105, 106, 107, 108, 150 lignoceluloses, 155 lignossulfonato, 104 línter, 81 lipases, 117 low erucic, 114 lúmen, 28 Lyocell, 84, 86 M Macintosh, 121 madeira liquefeita, 106 maléico, 175 mana, 182 manitol, 181, 182 manose, 97 marinhas, 9 MDF, 34 mentol, 118, 120 mercerização, 84 microfibrilas, 33 milho, 14, 109, 110, 141, 150 Mineração, 36 monoterpenos, 119 mordente, 124 mordentes, 124 N NADH, 146, 154 NBS, 121 nerol, 120 nitro, 156 nitrocelulose, 91 NMMO, 84, 86 Nylon, 174 Química a partir de Recursos Renováveis O óleos etéricos, 117, 118 Organossolv, 41, 106 over-liming, 62 Ozônio, 70 P palatabilidade, 123 papelão, 29, 95, 110 paredes secundárias, 33 Payen, 32 PCS, 48 pergaminho, 84 Peróxido, 71, 74 PET, 164, 178, 179, 187 PHA, 185, 186, 187 PHB, 186, 187 PHBV, 186, 187 pinheiros, 118, 120 pínus, 24, 95 pirólise, 17, 34, 55, 58, 104, 105, 130, 134, 175 pirrolidona, 174 piruvato, 146, 154 PLA, 153, 155, 187, 188 Plásticos biodegradáveis, 187 plataforma, 10, 11, 12, 16, 17, 23, 112, 124, 158 pneu de carro, 122, 123 poliacrilatos, 153 poliaramida, 179 poliésteramida, 110 polifenólico, 123 polihidroxialcanoatos, 22, 185, 187 polihidroxibutirato, 186 poliisopreno, 121, 122 polilactato, 110, 187 polissacarídeo, 22 poliuretano, 110 polivinilálcool, 110 Polpa e Papel, 36 Pomillo, 40 processo direto, 140 Processo Synol, 140 propanodiol, 153, 157, 158, 159, 160, 163, 164 propeno, 130 propileno, 10, 11, 93, 158, 159, 160, 169, 170, 171 PVC, 151, 178 Q quiralidade, 155 quitina, 31 quitosana, 31 S SBR, 121 seda artificial, 84 seda de viscose, 85 sesquiterpenos, 176 sinapílico, 99 Síntese de Williamson, 92 smelt, 51, 54, 55, 56, 60, 64 soja, 7, 14, 16, 91, 114 sorbitol, 110, 181, 182 Sorbitol, 181 Stripper Off-Gases, 45 succínico, 173, 174, 175 sulfato, 36, 37, 51, 52, 54, 55, 56, 60, 93, 96, 104, 116 sulfito, 37, 39, 40, 108, 109 sulfonatos, 39 superabsorvente, 111, 169 sustained release, 186 T tall oil, 35, 46 Taninos, 123 taxol, 118 TCF, 80, 81 TEF, 81 Tencel, 86 tensidas, 8 terebintina, 36, 118 tereftálico, 178, 179 terpenos, 22, 117, 118, 119, 120, 176 tetraidrofurano, 174 tetrapak, 95 THF, 174 tissue, 95 tolueno, 10, 11, 90 tosila, 115 Total Reduced Sulfur, 45, 55 TRS, 45, 55, 58 turkey-red oil, 116 U under-liming, 62 uréia, 87, 176 V vanilina, 39 Vanilina, 36 vinílicos, 159 Viscose, 81 vitamina C, 181 vitaminas, 118, 155, 181 vulcanização, 121, 122 Vulcanized fibre, 84 R Rayon, 83, 85, 86 Reagente de Schweizer, 85 reino vegetal, 8, 109 rúmen, 140 X xantato, 84, 85 xilose, 97, 98 Z Ziegler, 139 196 Armin Isenmann Química a partir de Recursos Renováveis zig-zag, 33 197
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