armin franz isenmann - Cefet

Transcrição

armin franz isenmann - Cefet
Armin Isenmann
Química a partir de Recursos Renováveis
ARMIN FRANZ ISENMANN
QUÍMICA
A PARTIR DE
RECURSOS RENOVÁVEIS
3a edição
Timóteo, MG
Edição do Autor
2016
2
Armin Isenmann
Química a partir de Recursos Renováveis
 Os direitos neste texto são exclusivamente com o autor.
Isenmann, Armin Franz
Química a partir de recursos renováveis / Armin Franz Isenmann Timóteo, MG :
2012. 1a Edição
2014. 2a Edição
2016. 3a Edição
Bibliografia
ISBN 978-85-913050-1-8
2
Armin Isenmann
Química a partir de Recursos Renováveis
Ementa do módulo “Recursos renováveis” dentro da disciplina “Processos Industriais”,
ministrada no Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais, CEFET-MG
Campus Timóteo:
Madeira, produção de celulose, derivados da celulose, processamento da lignina, amido,
óleos e gorduras, terpenos, novas rotas de síntese dos químicos de plataforma.
Tópico especial: Recuperação de químicos em escala industrial.
Índice Analítico do Livro
1
Aspectos gerais acerca de recursos fósseis e renováveis ..................................................7
De onde vêm os "recursos renováveis"? ......................................................................7
De onde vêm os polissacarídeos? ................................................................................9
1.1
O leque de produtos da síntese orgânica ...................................................................9
1.1.1
Mais do que apenas gordura e amido ............................................................... 12
Demanda segura e preços estáveis? ........................................................................... 14
Problemas acerca da qualidade dos recursos .............................................................. 14
A composição dos novos recursos ............................................................................. 14
Futuro: biorrefinaria? ................................................................................................ 16
Biorrefinaira e Química Verde .................................................................................. 18
2
Substâncias químicas diretamente do campo ................................................................. 22
2.1
3
O recurso renovável madeira .................................................................................. 22
2.1.1
Dados econômicos acerca da madeira industrial .............................................. 22
2.1.2
Composição química da madeira ..................................................................... 26
Especialmente estável: a celulose .................................................................................. 29
3.1
Dados econômicos acerca da celulose ..................................................................... 29
3.2
Estrutura química da celulose ................................................................................. 31
3.3
Extração da celulose a partir da madeira ................................................................. 34
3.4
O processo Kraft..................................................................................................... 36
3.5
O processo de sulfito .............................................................................................. 39
3.6
Outros processos de extração da celulose. ............................................................... 40
Processo de soda cáustica: ......................................................................................... 40
Processo de Pomillo: ................................................................................................. 40
Processos "Organossolv" ........................................................................................... 41
3.7 Recuperação de químicos - uma máxima na indústria moderna - mostrado no ciclo
de recuperação do processo Kraft ..................................................................................... 42
3.7.1
O Ciclo de Recuperação de Químicos Kraft..................................................... 42
3.7.2
Subproduto do digestor: o licor negro fraco ..................................................... 43
3.7.3
Evaporação e concentração do licor negro fraco .............................................. 45
3
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Química a partir de Recursos Renováveis
3.7.4
Composição do licor negro forte ...................................................................... 46
3.7.5
Caldeira de Recuperação ................................................................................. 48
Aspersão de licor e a formação das gotículas na caldeira de recuperação ................... 53
Queima do licor negro ............................................................................................... 54
Reações e composição dos fumos .............................................................................. 57
Incrustações e a composição das cinzas ..................................................................... 58
Características incrustantes das cinzas ....................................................................... 59
3.7.6
Caustificação e Calcinação .............................................................................. 59
3.7.7
O Licor verde .................................................................................................. 60
3.7.8
Preparo do licor branco (= "Caustificação") ..................................................... 61
3.7.9
Calcinação ....................................................................................................... 64
3.7.10 Branqueamento da polpa celulósica ................................................................. 67
Etapas do branqueamento .......................................................................................... 69
Especialmente eficaz na alvura: o dióxido de cloro ................................................... 74
Certificados no branqueamento ................................................................................. 80
Tendências no branqueamento .................................................................................. 80
3.8
Celulose solúvel: processamento e derivatização .................................................... 81
3.8.1
Celulose regenerada: o problema é o solvente! ................................................ 83
Dados econômicos acerca da viscose......................................................................... 87
3.8.2
Ésteres da celulose .......................................................................................... 89
Acetato de celulose (CA) .......................................................................................... 89
Nitrocelulose ............................................................................................................. 91
3.8.3
3.9
Éteres da celulose ............................................................................................ 92
Produção de papel .................................................................................................. 95
Mix apropriado da matéria-prima celulose ................................................................ 95
Colagem interna ........................................................................................................ 95
Colagem superficial .................................................................................................. 95
Adição de corantes e pigmentos ................................................................................ 96
Retenção dos finos .................................................................................................... 96
Revestimento ............................................................................................................ 96
Resistência ................................................................................................................ 96
4
Os componentes da madeira além da celulose ............................................................... 97
4.1
As hemiceluloses .................................................................................................... 97
4.2
A lignina ................................................................................................................ 99
4.2.1
O uso energético da lignina ........................................................................... 100
Transformação do licor negro em combustível de alto poder via gaseificação ......... 100
4
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Precipitação/extração da lignina a partir do licor negro pelo processo Lignoboost™101
4.2.2
O aproveitamento químico da lignina ............................................................ 102
Pirólise da lignina ................................................................................................... 103
A arte do refinamento ............................................................................................. 104
Uso da lignina de alta massa molar ......................................................................... 106
Novas resinas epóxis ............................................................................................... 107
Sulfonato da lignina - material das mais diversas aplicações ................................... 108
4.3
4.3.1
Amido – um material além de alimento. ........................................................ 109
4.3.2
Amilose a amilopectina: dois materiais bastante diferentes ............................ 109
4.3.3
Amido na produção de papel ......................................................................... 110
4.3.4
Amido ramificado: dois exemplos ................................................................. 111
4.4
Gorduras e óleos ................................................................................................... 112
4.4.1
Demanda crescente em óleos vegetais ........................................................... 114
4.4.2
Perspectivas para o futuro .............................................................................. 117
4.5
5
Os carboidratos solúveis: Amido e Açúcares. ....................................................... 109
Os demais componentes da madeira, presentes em menores partes. ...................... 117
4.5.1
Terpenos e resinas ......................................................................................... 117
4.5.2
Terpenos contra câncer .................................................................................. 118
4.5.3
Terpenos e borracha natural ........................................................................... 118
4.5.4
Sem a borracha ficamos no lugar ................................................................... 120
4.5.5
Estrutura química e vulcanização................................................................... 121
4.5.6
Taninos ......................................................................................................... 123
4.5.7
Sais minerais na madeira ............................................................................... 124
Química de plataforma, a partir de recursos renováveis ............................................... 124
Excurso: Química de plataforma à base de recursos fósseis ..................................... 125
5.1
Pequenos e poderosos - a família C1. .................................................................... 129
Metanol e formaldeído ............................................................................................ 129
De onde vêm os compostos C1 de hoje? .................................................................. 129
Biometanol pela rota de Fischer-Tropsch ................................................................ 131
C1 a partir da celulose em biorreatores .................................................................... 134
Biometanol - combustível do futuro em motores de combustão? ............................. 135
Uso de metanol na produção de biodiesel. ............................................................... 135
Energia limpa a partir do metanol............................................................................ 137
Metanol como plataforma para derivados químicos ................................................. 137
Formaldeído, parente mais reativo do que o metanol ............................................... 138
5.2
Os multi-talentos de C2. ....................................................................................... 138
5
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Química a partir de Recursos Renováveis
Etileno (= eteno) e etanol ........................................................................................ 138
Fonte clássica do etileno ......................................................................................... 139
5.3
Síntese industrial de etanol ................................................................................... 140
5.3.1
Dados econômicos acerca da indústria sucroalcooleira .................................. 141
5.4
Fábrica de açúcar e álcool..................................................................................... 143
5.5
Síntese bioquímica do etanol ................................................................................ 145
5.5.1
O potencial da fábrica sucroalcooleira como biorrefinaria ............................. 146
Novos caminhos para mais etanol ........................................................................... 149
O etanol ainda consegue mais.................................................................................. 151
O que trará o próximo futuro? ................................................................................. 151
Ácido acético .......................................................................................................... 151
5.6
Os componentes químicos C3 - o reinado das bactérias. ....................................... 152
Ácido lático e seus derivados químicos ................................................................... 152
Material multi-uso ................................................................................................... 153
Produção do ácido lático ......................................................................................... 154
Pesquisas em melhorias na produção ....................................................................... 154
Quiralidade molecular ............................................................................................. 155
5.6.1
Glicerina – emergindo ao componente C3 mais importante............................ 156
Glicerina pura - um procedimento difícil ................................................................. 157
Compostos C3 que não são do petróleo? ................................................................. 158
5.6.2
Sínteses microbiológicas do 1,3-propanodiol e 1,2-propanodiol..................... 158
Uso do 1,2-propanodiol: plásticos e cosméticos ...................................................... 159
5.6.3
Sistemas químicos-catalíticos para derivatizar e desfuncionalizar a glicerina . 160
Transformação química da glicerina em 1,2-propanodiol ........................................ 163
1,3-propanodiol a partir da glicerina ........................................................................ 164
Acroleína a partir da glicerina ................................................................................. 165
5.6.4
Outros derivados a partir da glicerina ............................................................ 166
Carbonato da glicerina ............................................................................................ 166
Acrilonitrila ............................................................................................................ 168
Ácido acrílico ......................................................................................................... 169
Epicloridrina ........................................................................................................... 170
Ácido lático a partir da glicerina ............................................................................. 171
Etilenoglicol a partir da glicerina ............................................................................ 172
5.6.5
5.7
Acetona ......................................................................................................... 173
Os componentes C4 .............................................................................................. 173
Ácido succínico ...................................................................................................... 173
6
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Por via química ou biotecnológica? ......................................................................... 175
5.8
Os componentes C5 .............................................................................................. 175
5.8.1
Furfural ......................................................................................................... 175
5.8.2
Ácido levulínico ............................................................................................ 176
5.8.3
A importante classe dos componentes C6 ...................................................... 178
Poliésteres a base do furano-2,5-diácido carboxílico ............................................... 178
Primeiro é simplificar a glicose ............................................................................... 180
Do adoçante ao monômero em plásticos .................................................................. 181
Do açúcar ao adoçante ............................................................................................ 182
Reação padrão para os poliuretanos ......................................................................... 182
Isossorbida .............................................................................................................. 183
Fragmentação do sorbitol ........................................................................................ 184
Ácido cítrico ........................................................................................................... 184
Ácido itacônico ....................................................................................................... 185
5.9
Polihidroxialcanoatos (PHA) – os verdadeiros bioplásticos................................... 185
5.9.1
Polímeros a partir da biomassa lignocelulósica .............................................. 187
5.9.2
A polêmica dos "biopolímeros" ..................................................................... 187
6
Anexo ......................................................................................................................... 189
7
Índice analítico ........................................................................................................... 194
1 Aspectos gerais acerca de recursos fósseis e renováveis
 Biodiesel a partir de óleos de soja, mamona ou palmeira;
 Corantes naturais a partir de plantas e tinturas minerais;
 Óleos vegetais para produzir xampu.
Tudo isso não é novo, já sabemos e os processos para sua obtenção são padronizados - breve,
isso é nosso dia-a-dia. Mas vamos refletir um pouco sobre as matérias primas e afinal
questionar como poderíamos aproveitar melhor destas.
De onde vêm os "recursos renováveis"?
A expressão foi definida nos anos 1970, na então primeira crise do petróleo. Naquela época
foi reconhecida pela primeira vez uma escassez dos recursos principais da indústria, os
recursos fósseis. Também foi a primeira vez que o largo público foi conscientizando do
problema e que foram exigidas fontes alternativas a base de recursos renováveis. Logo a crise
foi vencida, o tema desapareceu novamente.
7
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Química a partir de Recursos Renováveis
Nos anos 1990, no mais tardar, tornou-se evidente uma causalidade entre o consumo de
recursos fósseis e as consequências sobre o clima global. Novas expressões tais como "Efeito
estufa" (inglês: green house effect) e "buraco de ozônio" tornaram-se populares - o que nem
sempre foi a favor de uma divulgação cientificamente correta.
Certamente, podemos afirmar que os recursos principais de hoje são finitos, algumas estimas
até falam que, suposto a mesma tendência de consumo anual, o petróleo ia acabar em 2060. E
o consumo mundial é cada vez maior. Segundo a Deutsche Welle (28/11/2011) o balanço do
ano 2010 para 2011 será:
Aumento anual no consumo de energia: + 33%
Emissões de CO2: + 20%.
O aquecimento terrestre global continua sendo pronunciadamente acima da média dos últimos
130 anos.
Fig. 1.
Tendências climáticas desde o início do registro científico em 1880.
Recursos Renováveis podemos definir como produtos agrários, florestais e marinhos que
são produzidos em escala industrial e não servem diretamente à alimentação.
As fontes desta biomassa são:
39%
Celulose
30%
Lignina
26%
outros polissacarídeos (incluindo as hemiceluloses)
4%
outros recursos vegetais (= a partir de plantas)
1%
origem animal.
Surpreendentemente, quase a totalidade dos recursos renováveis vem do reino vegetal. Mais
de 90% são polissacarídeos (dos quais se destaca em quantidade a celulose) ou lignina.
Destes recursos renováveis, que muitas vezes ganham o atributo "BIO", usamos atualmente
em torno de:
>80%
como fontes de energia (calor, eletricidade) em locais fixos;
<15%
uso direto, em forma de polímeros e tensidas;
8
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<10%
Química a partir de Recursos Renováveis
como combustíveis para veículos.
O leque de aplicações levou à subclassificação em plantas energéticas e plantas industriais.
Atualmente (2013), cerca de 25% da matriz energética térmica nacional já vem de fontes
renováveis (e 40% ainda são à base do petróleo), com uma expectativa de aumento das fontes
renováveis para os próximos anos. 1 Com este valor do setor dos biocombustíveis, somando a
biomassa de cana e lenha, o Brasil se destaca no cenário mundial. Todavia, a atenção dos
químicos cabe aos usos industriais dos recursos renováveis. São então plantas (anuais ou
perenes) das quais se produzem sistematicamente compostos úteis para a síntese orgânica. Às
vezes a própria natureza é utilizada para gerar tais compostos.
De onde vêm os polissacarídeos?
A celulose, as hemiceluloses e a lignina são os três principais constituintes da madeira.
Portanto, o próximo capítulo será dedicado inteiramente a elas. A madeira representa no
momento a principal fonte dos recursos renováveis, o que pode se tornar, mas somente no
futuro remoto, a favor das algas ou outras plantas marinhas. Na totalidade a madeira é
produzida em 2 bilhões de toneladas por ano. Essa conta inclui seu uso como fonte de energia.
Em comparação:
Aço:
1 bilhão de toneladas
Plásticos:
200 milhões de toneladas, ao ano.
Mais informações sobre a madeira, ver cap. 2.1.
1.1
O leque de produtos da síntese orgânica
Em cada dia do ano, em quase cada profissão e também em nosso tempo livre, aproveitamos
direta ou indiretamente dos produtos industrializados da química orgânica. Sacolas do
supermercado, filmes transparentes frente gases para embalar as frutas na bandeja, vasilhas de
plástico na cozinha, remédios e sua embalagem, roupa de fibra sintética, etc. Também são de
suma importância estes produtos em outros setores industriais, onde contribuem num
constante progresso. Embora as variedades sejam quase inúmeras, todos esses objetos são
feitos de algumas poucas matérias-primas. Eis são quase que exclusivamente o petróleo e o
gás natural, então recursos fósseis que são considerados finitos e não renováveis pela mão do
homem.
1
F. Santos em: Bioenergia e Biorrefinaria. Cana-de-Açúcar e Espécies Florestais. F. Santos, J. Colodette, J.H.
de Queiroz (Editores), Editora UFV, Viçosa (2013), cap. 4.
Ministério de Minas e Energia – MME, Balanço Energético Nacional 2015 – Ano Base 2014 Rio de Janeiro:
EPE, 2015. Disponível em https://ben.epe.gov.br/downloads/Relatorio_Final_BEN_2015.pdf
9
Armin Isenmann
Química a partir de Recursos Renováveis
Destes recursos fósseis se produzem, principalmente, hidrogênio, monóxido de carbono,
etileno, propileno, benzeno, tolueno e os xilenos. Através de muitas etapas estes "compostos
de plataforma" são refinados e transformados nos produtos finais. O nome já indica que estes
recursos formam a plataforma para milhares de outros produtos da química fina (ver mais
detalhes, no excurso na p. 125).
Como as reservas nestes recursos fósseis se esgotam ao longo prazo, temos que achar uma
fonte alternativa. Na geração de energia essa tarefa já pode ser resolvida hoje, pensamos em
energia eólica, hídrica, solar. Mas para produzir um artefato de material orgânico algum
recurso contendo carbono é indispensável. Os únicos substitutos possíveis para petróleo, gás e
carvão mineral, são então os produtos da natureza viva.
A idéia de fazer síntese orgânica com recursos naturais não é nova. Muitos gêneros de
produtos podem ser produzidos hoje a partir de recursos vegetais e animais. Em primeira
linha, são os óleos e os carboidratos (= açúcar, amido, celulose). Na Alemanha usam-se em
torno 2 milhões de toneladas destes recursos orgânicos na indústria química, o que
corresponde a 10% da demanda total. Com estes valores é campeã mundial. Mas também as
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Química a partir de Recursos Renováveis
outras nações industrializadas estão fazendo grandes esforços em aumentar a taxa destes
recursos alternativos.
Todavia, a fonte principal de matérias primas continua sendo o petróleo e seus produtos
refinados:
 GLP (= gás liquefeito de petróleo; principalmente os hidrocarbonetos C3 e C4)
 Querosene e gasolina leve (grande parte ainda usada para a geração de calor e
locomoção)
 Nafta (fração com compostos C5 a C10)
 Os aromáticos, também chamados de "fração BTX" (= benzeno, tolueno, xilenos).
A partir do resíduo da destilação do petróleo podem ser feitos, via destilação a alto vácuo, as
graxas e óleos de lubrificação, usados em motores e peças mecânicas.
Tecnicamente mais interessantes que os hidrocarbonetos saturados são os insaturados,
principalmente o etileno, propileno e isobutileno, além do "gás de síntese", isto é, H2 e CO,
purificado e nas proporções certas.
Fig. 2.
Produção da indústria química, a base de petróleo e gás natural
Composto de plataforma mais importante e mais consumido no mundo é o etileno. A
produção mundial é de 100 milhões de toneladas por ano. Já o propileno é produzido em 64
milhões de toneladas, o benzeno em terceiro lugar com 23 milhões de toneladas. Todos os três
são feitos, hoje em dia, quase que exclusivamente a partir da fração do nafta do petróleo. Sua
obtenção à base de recursos renováveis ainda não pode concorrer economicamente. Além
disso, nos anos passados os preços para os produtos da agropecuária sempre subiram
paralelamente aos custos da energia clássica. Portanto, é imprescindível desenvolver novas
linhas industriais nas quais os recursos vegetais são produzidos, processados e transformados
em compostos de plataforma de maneira mais eficiente, para que sejam concorrentes
importantes ao petróleo. As linhas mais promissoras serão apresentadas no cap. 5.
11
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Fig. 3.
Química a partir de Recursos Renováveis
Exemplos de importantes compostos de plataforma para a indústria química.
1.1.1 Mais do que apenas gordura e amido
Como já dito acima, em torno de um décimo de todos os recursos usados na indústria química
orgânica, vem de plantas ou animais. Os seguintes valores referem-se somente ao consumo na
Alemanha:
 Óleos vegetais (cerca de 800.000 t)
 Gorduras animais (~ 350.000 t)
 Amido (~ 300.000 t)
 Celulose (~ 320.000 t) e
 Açúcar (~ 240.000 t).
Mas a natureza não só fornece gordura e amido - ela providencia uma série de outros produtos
com potencial industrial, como se vê na Fig. 4.
12
Armin Isenmann
Fig. 4.
Química a partir de Recursos Renováveis
Extratos de plantas industriais (a serem usados sem transformação química).
Além dos extratos que, após a devida purificação, podem ser usados diretamente, os seres
vivos fornecem também outros materiais que são submetidos a processos de refinamento
químico.
Tab. 1.
Matérias primas e produtos industriais cuja fonte é a natureza.
Matérias primas:
Produtos:
Polímeros
Lignina
Agentes tensoativos
Celulose
Solventes
Quitina
Corantes
Hemiceluloses
Fragrâncias
Açúcar
Fármacos
Amido
Cosmética
Óleos e gorduras
Combustíveis
Terpenos
Lubrificantes
Colas
Fibras
Onde exatamente os recursos renováveis são aplicados na indústria, depende de vários fatores
que são de natureza técnica e/ou econômica. As seguintes questões devem ser respondidas:
 Há suficiente material do recurso renovável, para cobrir a demanda?
 Os produtos a partir dos renováveis podem ser produzidos barato o suficiente e os preços
podem concorrer com o mercado existente?
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Química a partir de Recursos Renováveis
 Têm-se processos industriais adequados para a produção em massa?
 Pode ser alcançada uma qualidade constante e alta, embora as matérias primas mostrarem
ondulações naturais?
 Quais as diferenças nas composições elementares, H : C : O principalmente, entre as
matérias primas provenientes do petróleo e de plantas vivas?
 Quais as diferenças entre as estruturas moleculares, dos novos recursos em comparação aos
estabelecidos?
 Quais os novos produtos e as novas opções de produção que se abrem com o uso de
recursos renováveis?
 Existe um mercado para os novos produtos?
Demanda segura e preços estáveis?
Não importa se for feno, folhagem, dejetos orgânicos, resíduos de madeira - quase todos os
países dispõem de alguma forma de recursos renováveis. Mas as estimativas para o futuro são
bastante inseguras porque a produção e a disponibilidade da biomassa dependem de uma série
de fatores. Em geral, podemos afirmar uma crescente demanda de alimentos, uma mudança
nos hábitos de alimentação, também na disponibilidade de campos para plantações e na água
de irrigação, variações nas condições climáticas, etc. Todos esses fatores influenciam bastante
na quantidade com que estes recursos podem ser oferecidos no futuro.
Em algumas regiões do planeta são planados hoje milho, soja, colza ou cana de açúcar,
somente para a produção de recursos químicos - a maioria para fazer biodiesel ou etanol que
são combustíveis veiculares alternativos. A concorrência entre plantações industriais e
nutricionais é cada vez mais emergente. Sendo assim, temos que desenvolver tais novas
plantas industriais que podem ser cultivadas em solos que não prestam para culturas
nutricionais.
De qualquer maneira, podemos prever que ao médio prazo os preços dos renováveis não serão
muito diferentes dos recursos petroquímicos.
Problemas acerca da qualidade dos recursos
Para todos os processos industriais a qualidade da matéria-prima não deve variar, senão há
problemas na produção e o rendimento do processo cai drasticamente. Isso é um grande
problema, tanto nas matérias vegetais como animais. A qualidade depende fortemente
 Do tempo de colheita
 Da adubação / nutrição durante o crescimento
 Do surgimento de doenças, tais como fungos, ataque por insetos ou epidemias.
Tudo isso interfere sensivelmente na qualidade do recurso.
A composição dos novos recursos
A tabela a seguir mostra que há diferenças significativas entre a composição elementar, do
petróleo e dos recursos renováveis. Em geral, os últimos são mais pobres em carbono e mais
ricos em oxigênio. Mas também a estrutura química é totalmente diferente da do petróleo.
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Armin Isenmann
Química a partir de Recursos Renováveis
Hidrocarbonetos alifáticos e aromáticos no petróleo, muitos diferentes grupos funcionais
(alcoóis, aldeídos, cetonas, ácidos carboxílicos,...) nos recursos renováveis.
Tab. 2.
Composições elementares das matérias primas, baseadas em petróleo, óleos
vegetais e material lignocelulósico.
Petróleo
Óleos e gorduras
Lignocelulose
(= madeira)
C
85-90%
76%
50%
H
10-14%
13%
6%
O
0-1,5%
11%
43%
Portanto, o petróleo e o gás natural não podem simplesmente ser repostos por outros recursos,
sem adequar os processos. Caso não podemos aproveitar diretamente dos poderes de síntese
da natureza (cap. 2), então devem ser desenvolvidas completamente novas rotas de síntese e
novos processos químicos (cap. 5), para substituir os recursos fósseis que estamos usando
agora.
Olhamos, por exemplo, na celulose e no amido. Os dois são feitos do monômero glicose,
portanto eles têm a mesma unidade estrutural química. Mas as conexões destes monômeros
são bastante diferentes: cadeias lineares organizadas em zig-zag e, em consequência, alta
regularidade e cristalinidade no caso da celulose, ramificações e cadeias espiraladas e,
consequentemente, alta solubilidade na água no caso do amido (compare Fig. 13 na p. 32; Fig.
5 e Fig. 6, logo em seguida). A quebra destes dois recursos requer de enzimas diferentes para
chegar ao mesmo monômero (= glicose), a partir do qual as rotas de síntese são idênticas.
Fig. 5.
Estrutura molecular do amido
15
Armin Isenmann
Fig. 6.
Química a partir de Recursos Renováveis
Ramificações típicas da amilopectina
Não importa qual processo finalmente for escolhido, certamente precisamos a conversão dos
carboidratos, nas mínimas etapas operacionais possível, transformando-o em compostos de
plataforma, em pureza e rendimento mais alto possível. As etapas essenciais são:
1) Despolimerização e/ou hidrólise dos biopolímeros,
2) Simplificação dos grupos funcionais e/ou Desoxigenação,
3) Purificação e/ou destilação.
(Note que o processamento químico do recurso lignina é diferente e se baseia, hoje, em etapas
termoquímicas; ver p. 101.)
Somente quando for possível realizar cada uma dessas etapas em tempo hábil e a um preço
compatível, a indústria poderá oferecer os químicos de plataforma a partir de fontes
renováveis. E nunca podemos esquecer: a substituição dos recursos fósseis por biomassa
somente se justifica quando as rotas alternativas produzem menos resíduos inúteis e emitem
menos gases nocivos. A aprovação destes critérios requer abrangentes estudos do balanço
ecológico (Life Cycle Assessment, LCA).
Futuro: biorrefinaria?
Recursos da natureza, a princípio, não são novidades na produção química. Já na década de
1910, Fritz Henkel estocou centenas de toneladas de frutinhas de palmeira e soja em seus
armazéns em Düsseldorf, Alemanha, para que seu óleo seja transformado em sabões,
detergentes em pó e colas que levou ao sucesso desta empresa até hoje (os produtos que são
vendidos há dezenas de anos são Persil, Dixan, Purex, Fa, Liofol, Loctite, Pritt, entre outros).
Henkel foi então um dos pioneiros em explorar os recursos renováveis em grande escala.
Hoje se segue três caminhos para aproveitar dos recursos renováveis em escala industrial, a
serem apresentados nos caps. 2 e 5.
16
Armin Isenmann
Química a partir de Recursos Renováveis
No primeiro caminho se aproveita do poder calorífico que a biomassa tem, quando executar
sua combustão total; os produtos (inúteis) desta reação são, como todos sabem, água e gás
carbônico. Aproveita-se em grande escala da geração de energia, para produzir vapor d´água
de alta pressão e/ou energia elétrica.
No segundo caminho (conteúdo do cap. 2) aproveitamos da diversidade estrutural que a
própria natureza criou. Plantas e animais produzem substâncias químicas que podem ser
usados diretamente. Entende-se que requerem processos de isolamento e purificação que são
bastante exigentes, devido à diversidade estrutural e às massas molares elevadas nos produtos
naturais. Um bom exemplo é a celulose vegetal que pode ser usada diretamente na produção
dos éteres/ésteres da celulose ou para fazer fibras.
No caminho três (tópico do cap. 5) a matéria biológica é quebrada em pequenos fragmentos.
Quando isso aconteça de maneira controlada e com alta eficiência, a indústria química tem
novas matérias primas, alternativas aos compostos de plataforma (inclusive o "gás de síntese",
ver p. 129) que atualmente são feitos a partir do petróleo.
Especialmente a estratégia três parece promissora, para se fazer química em escala industrial,
no próximo futuro. Porém, devemos ressaltar que a obtenção dos compostos de plataforma é
fundamentalmente diferente quando a matéria prima vem da natureza viva. Os alcanos e
alquenos contidos no petróleo são transformados em alcoóis, aldeídos, cetonas, compostos
nitro etc., isto é, as frações do petróleo são funcionalizadas. Nos recursos renováveis é
exatamente oposto: eles já vêm lotados de grupos funcionais (na maioria grupos hidroxilas), e
para se obter os compostos de plataforma será necessário desfuncionalizá-los. Isto é, os
grupos funcionais não desejados devem ser retirados seletivamente.
A composição química da biomassa que é bem diferente do petróleo (Tab. 2), é o motivo para
a ascensão da pesquisa aplicada industrial em processos de redução, ganhando atualmente dos
procedimentos de oxidação onde se aplicam condições e oxidantes agressivos ao ambiente.
Especialmente processos de redução menos nocivos, usando hidrogênio sobre um catalisador
heterogêneo, podemos interpretar sendo um passo em direção à “química verde”.
Os carboidratos, tais como açúcar, amido ou celulose, são especialmente interessantes quanto
à produção dos compostos de plataforma. Só que a biomassa contém muitas classes de
substâncias além dos carboidratos: lignina, proteínas e gorduras. Em uma primeira etapa a
biomassa deve ser preparada, incluindo a separação destas classes, a purificação e a sua
transformação química e/ou térmica. Nesta etapa entram novas tecnologias, tais como a
degradação enzimática, a hidrólise catalítica-química e a pirólise, para transformar o recurso
natural em um composto da síntese orgânica.
No seguinte gráfico citamos as tecnologias mais desenvolvidas hoje, que transformam a
glicose em compostos de C2 a C6 que podem ser utilizados na química fina. Uma discussão
mais detalhada destas estratégias segue no cap. 5.
17
Armin Isenmann
Química a partir de Recursos Renováveis
Embora as tecnologias ainda não são aperfeiçoadas, podemos identificar os mais importantes
produtos químicos e materiais, blocos de construção sintéticos:

Ácidos orgânicos - lático, succínico, propiônico, itacônico e outros derivados de
açúcar;

Polímeros e resinas - plásticos derivados de amido, polietileno, polipropileno,
polibutadieno, resinas fenólicas, resinas furânicas;

Biomateriais - derivados da madeira, polpa, papel, celulose;

Essências de folhas, frutos e flores – auxílios agrícolas, cosméticos, fragrâncias.
A maior parte dos produtos da biorrefinaria, no entanto, é usada como combustível para
máquinas e veículos. Os produtos de energia mais importantes são:
 Gases - biogás, gás de síntese, hidrogênio, biometano;
 Líquidos - etanol, biodiesel, combustíveis da síntese de Fischer-Tropsch, bio-óleos 2;
 Sólidos - pélets, lignina, carvão.
Hoje são produzidos mais de 30 milhões de toneladas de etanol em processos biotecnológicos,
a partir de recursos renováveis (uma discussão mais detalhada, ver cap. 5.3). Em grandes
tanques de fermentação as leveduras degradam a glicose que está presente em forma de
solução aquosa concentrada. O isolamento do etanol é através da destilação (retificação) - um
processo muito bem estudado e desenvolvido. Em seguida o etanol pode ser desidratado para
o etileno através de uma etapa pirolítica (p. 139). Supomos que todo esse etanol seria
disponível para a síntese industrial (o que não é o caso), poderíamos substituir apenas 20% de
todo etileno petroquímico consumido no mundo. Muita pesquisa e desenvolvimento de
processos devem ser feitos ainda para aperfeiçoar os processos fermentativos, mas os
primeiros resultados visam que esse seja o caminho do futuro.
Biorrefinaira e Química Verde
Podemos retomar a questão se o futuro industrial é a biorrefinaria. Em relação ao
desenvolvimento tecnológico na parte da engenharia, a biorrefinaria é uma grande promessa
para o próximo futuro, sim. Visa-se unidades produtivas integradas, onde se aproveita do
material da natureza viva (biomassa) na produção simultânea de químicos finos, polímeros
termoplásticos e termorrígidos, biocombustíveis, fluidos e solventes, energia elétrica e
térmica – tudo na mesma fábrica. No estabelecimento da futura produção sustentável destes
biocombustíveis e bioquímicos, é absolutamente fundamental a integração da “Química
Verde” com as biorrefinarias, através de tecnologias de baixo impacto ambiental. A Química
Verde pode ser considerada como uma série de princípios aplicados na manufatura de
2
D.A. Simonetti, J.A. Dumesic; Catalytic strategies for changing the energy content and achieving C-C coupling
in biomass-derived oxygenated hydrocarbons [Artigo de revisão]. ChemSusChem. 1 (2008), 725-33.
J.N. Chheda, G.W. Huber, J.A. Dumesic; Liquid-phase catalytic processing of biomass-derived oxygenated
hydrocarbons to fuels and chemicals [Artigo de revisão]. Angew Chem Int Ed Engl. 46 (2007), 7164-83.
M. Stöcker; Biofuels and biomass-to-liquid fuels in the biorefinery: catalytic conversion of lignocellulosic
biomass using porous materials [Artigo de revisão]. Angew Chem Int Ed Engl. 47 (2008), 9200-11.
18
Armin Isenmann
Química a partir de Recursos Renováveis
produtos sem o uso de solventes, reagentes ou intermediários ambientalmente perigosos. O
objetivo primordial da Química Verde combinado com uma biorrefinaria é produzir produtos
químicos genuinamente verdes e sustentáveis. O produto final deve ser não tóxico, degradável
em produtos inócuos e com a geração de pequenas quantidades de resíduos. As metodologias
e técnicas empregadas pela Química Verde para atingir tais objetivos envolvem:
 Solventes não tóxicos e de pouca inflamabilidade, tais como CO2 supercrítico,
líquidos iônicos,
 Novas técnicas de ativação – ultrassom e micro-ondas, principalmente,
 Fermentação de biomassas com enzimas e culturas microbiológicas geneticamente
otimizadas.
Os processos biotecnológicos – embora pareçam perfeitos no sentido de uma química verde
(baixa energia, temperatura ambiente, solvente é água) - estão um pouco fora do foco deste
texto. Para fornecer uma impressão sobre as transformações tecnicamente avançadas, a Tab. 3
lista os produtos possíveis e encaminha para a literatura especializada.
Um ponto problemático acerca das transformações biotecnológicas é a insolubilidade da
matéria-prima lignocelulósica. A maioria destes processos requer então um pré-tratamento
que torna os biopolímeros acessíveis aos microorganismos. E muitas destas etapas de digestão
se baseiam em química clássica, portanto pouco “verde”. Sendo assim, foram elaboradas rotas
que consistem de:




Hidrólise da biomassa, purificação e em seguida a fermentação separada;
Sacarificação e fermentação simultaneamente,
Sacarificação e cofermentação simultaneamente,
Conversão microbiana direta.
A última opção, certamente a mais nobre sob o aspecto “verde”, é ao mesmo tempo a mais
difícil e a menos desenvolvida.
Outro ponto fraco em quase todos os processos fermentativos é a operação em baixas
concentrações e as baixas taxas de conversão, o que aumenta consideravelmente o volume dos
biorreatores. Também as etapas do isolamento do produto, tipicamente numa concentração de
< 20 g.L-1, requerem mais energia e sofisticação. Em alguns casos, especialmente com ácidos
como produtos, a purificação da mistura fermentada gera grande quantidade de sais, que não
possuem uma aplicação econômica.
Esperam-se avanços pelas novas tecnologias que operam com membranas seletivas a pressões
moderadas ou baixas, também conhecida como “ultrafiltração”, hoje largamente usado para
purificar esgotos industriais 3. No caso do butanol se achou uma metodologia interessante de
extrair o produto da mistura reacional usando-se biodiesel como solvente. Esta mistura
3
S. Grant, I. Page, M. Moro, Y. Masashi, T. Yamamoto; Full-Scale Applications of the Anaerobic Membrane
Bioreactor Process for Treatment of Stillage from Alcohol Production in Japan. Proceedings of the Water
Environment Federation, WEFTEC 2008: Session 101 through Session 115, pp. 7556-7570
A. Drews, H. Evenblij, S. Rosenberger. "Potential and drawbacks of microbiology-membrane interaction in
membrane bioreactors". Environmental Progress 24 (2005), 426–433.
19
Armin Isenmann
Química a partir de Recursos Renováveis
biodiesel-butanol revelou um aumento do número de cetano do biodiesel que passou de 48
para 54 4.
Tab. 3.
Sínteses a partir da sacarose, com a ajuda de microorganismos (adaptado de 56).
Produto(s)
Processo / cultura
Glucose, Frutose
Invertase
Referência
Acetona, Butanol, Clostridium sp
Etanol
N. Qureshi et al., Biomass Bioenergy 34
(2010), 559.
Etanol
Saccharomyces cerevisiae
N. Kosaric, em Biotechnology; H-J. Rehm, G.
Reed (eds); VCH: Weinheim, 1993, vol. 6,
cap. 4, p. 121.
Ácido lático
Lactobacillus lactis mutante
M Singhvi, D Joshi, M Adsul, A Varma, D
Gokhale; Green Chemistry 12 (2010), 11061109.
Ácido cítrico
Aspergillus niger
Isopropanol,
Butanol, Etanol
Clostridium acetobutylicum
Clostridium beijerinckii
Ácido acético
Propionibacterium
Ácido lático
acidipropionici
J. S. Chen, S. F. Hiu; Biotechnol. Lett. 8
(1986), 371.
G.H. Schoutens, Dissertação 1986 disponível
em http://repository.tudelft.nl
S. Suwannakham, S.-T. Yang; Biotechnol.
Bioeng. 91 (2005), 325.
Ácido succínico
Ácido propiônico
Glicerina
Saccharomyces
engenherado
cerevisiae T. Modig,K. Granath,L. Adler,G. Lidén; Appl.
Microbiol. Biotechnol. 75 (2007), 289.
Ácido itacônico
Aspergillus terreus
R. D. Neubel, E. J. Ratajac; US pat. 3,044.991
(1962)
Ácido glucônico
Aspergillus niger
M. Molliard, C. R. Hebd. Seances Acad. Sci.
174 (1922), 881.
1,3-propanodiol
Klebsiella oxytoca
G. Yang, J. Tian; Appl. Microbiol. Biotechnol.
73 (2007), 1017.
1,2-propanodiol
Klebssiella pneumoniae
H.-J. Liu et al., Biotechnol. Lett. 2007, 29,
1281.
Levana
Bacillus subitlis
I.-L. Shih et al.; Green Chem. 12 (2010) 1242.
Etanol
Zymomonas mobilisB
R.J. Millichip, H.W. Doelle; Process Biochem.
24 (1989), 141.
Polihidroxibutirato
(PHB)
Bacillus megaterrium
S. Kulpreecha et al., J. Biosci. Bioeng. 107
(2009), 240.
4
Q. Li et al.; Enhancing clostridial acetone-butanol-ethanol (ABE) production and improving fuel properties of
ABE-enriched biodiesel by extractive fermentation with biodiesel. Appl. Biochem. Biotechnol. 162 (2010),
2381.
20
Armin Isenmann
Química a partir de Recursos Renováveis
Uma vista geral sobre as vias de transformação, biológicos e químicos, mais viáveis a partir
de açúcares fornece o estudo do US Department of Energy 57. Um grande número de químicos
de plataforma se consegue por fermentação aeróbica, empregando fungos, leveduras ou
bactérias. Processos biológicos anaeróbicos e transformações dos açúcares sob catálise
química e enzimática são as demais opções. A Tab. 4 descreve os caminhos mais estudados,
incluindo as rotas já aplicadas em escala industrial (letra “C” de Comercial).
Tab. 4.
Transformações, químicas e biológicas, dos açúcares em químicos de
plataforma (adaptado de 57)
Transformações
aeróbicas
Levedura
ou fungo
Bactéria
Ácido 3hidroxipropiônico
x
x
Glicerina
x
x
Ácido lático
x
Ácido malônico
x
Plataforma
Transformações
anaeróbicas
Transformações
catalíticas
Levedura
ou fungo
Bactéria
Químico/
catalítico
x
x
C
Enzimático
C3
x
x
Ácido propiônico
Serina
x
x
C
C4
3hidroxibutirolactona
x
Acetoína
x
x
Ácido aspártico
x
x
Ácido fumárico
x
x
Ácido málico
x
x
Ácido succínico
x
x
Treonina
x
C
x
x
x
x
x
C5
Arabitol
x
x
C
Furfural
C
Ácido glutâmico
x
Ácido itacônico
C
C
Ácido levulínico
Xilitol
x
x
x
x
x
C6
Furano-2,5-diácido
carboxílico
Ácido aconítico
x
x
21
Armin Isenmann
Química a partir de Recursos Renováveis
Ácido cítrico
C
Ácido glucárico
x
x
Ácido glucônico
C
x
x
x
Levoglucosano
x
Lisina
x
C
Sorbitol
x
x
Número total
21
14
4
Processos
comerciais
3
4
0
C
x
6
11
7
1
4
2
Foram submetidos 30 derivados nesta avaliação, mas apenas os 12 mais promissores são
mostrados na Tab. 4; portanto, o número de processos possíveis e produções comerciais,
indicados nas duas últimas linhas da Tab. 4, podem não conferir com o número das marcações
acima.
2 Substâncias químicas diretamente do campo
Muitos artigos que consumimos ou usamos todos os dias podem ser feitos a partir de material
diretamente fornecido pela natureza. Iniciaremos este capítulo com a madeira, por sua vez
mais importante recurso renovável. Segue a discussão da celulose e da lignina que
representam os componentes mais importantes da madeira. Depois disso, o amido sendo
produzido nos sementes das plantas, um polissacarídeo para aplicações diferentes. Seguem as
gorduras e no final serão brevemente discutidos os recursos naturais usados em menor
quantidade: terpenos, borracha e os polihidroxialcanoatos.
2.1
O recurso renovável madeira
O recurso renovável mais abundante na superfície terrestre é de longe o material
lignocelulósico; dentre estes fontes se destaca a madeira cujo processamento é atualmente
mais avançado do que as tecnologias que transformem as “fontes renováveis da 2ª geração”
(expressão ver p. 147).
2.1.1 Dados econômicos acerca da madeira industrial
22
Armin Isenmann
Química a partir de Recursos Renováveis
Em torno de 30% da superfície terrestre firme, isto é aproximadamente 4 bilhões de hectares,
são cobertas por florestas. Assim, referente à massa, a madeira é o recurso renovável mais
importante do planeta. Há estimativas que existem neste planeta cerca de 330 bilhões de m³ de
madeira. É claro que essa totalidade não deve ser colhida para ser processada e transformada
em química de plataforma, pois as florestas são importantes fornecedores do oxigênio, sem o
qual nenhum animal poderia sobreviver. A colheita mundial é em torno de 2,8 bilhões de m³
por ano, o que representa praticamente 1% da totalidade. Existem planos de aumentar a
produção do recurso industrial
madeira, sem interferir nas
florestas já existentes
(primárias e reflorestadas).
As áreas não
cultivadas
poderiam ser densamente reflorestadas, com árvores de crescimento rápido, por exemplo, o
eucalipto, gmelina, acássia e outros. Em pouco tempo crescem pequenos arbustos ou árvores,
de poucos centímetros de diâmetro e uns metros de altura. Estas poderiam ser cortadas
(inglês: harvest) com máquinas comuns da agricultura e imediatamente processadas.
Árvore que domina o cenário no Brasil é, de longe, o eucalipto. Novas tecnologias deixaram
crescer o rendimento desta madeira, de 24 m³/ha/ano em 1980, a 44 m³/ha/ano em 2011. E
isso ainda não é o topo da produção: espera-se que, através de mais esforços, a produtividade
das florestas de rápido crescimento possa atingir a marca de 70 m³/ha/ano. 5
A área florestal, necessária para a produção de 1,0 milhão t/ano de celulose de fibra média e
curta, é estimada atualmente com apenas 100.000 ha no Brasil; já na península Ibérica com
300.000 ha e na Escandinávia até com 720.000 ha!
23
Armin Isenmann
Química a partir de Recursos Renováveis
Fig. 7.
Produtividade das florestas no mundo, dividida em fontes de fibras curtas e
fibras longas de celulose 24.
Entre os maiores avanços tecnológicos na produção de madeira industrial temos que citar:

Genética Biotecnologia

Matéria-prima de alta qualidade

Planejamento sócio-ambiental

Manejo Florestal

Rotação de áreas plantadas.
Mas também são favoráveis ao alto nível de produtividade os fatores:

Clima e solo

Pesquisa e desenvolvimento

Setor privado organizado e

Mão de obra altamente qualificada.
Em comparação: Uma árvore de eucalipto cresce no Brasil em cerca de 7 anos até o corte. Já
nos países mais frios, na Suécia e no Canadá, principalmente, uma árvore de pínus ou uma
bétula requer pelo menos 35 anos até ser útil para a produção de madeira. Isso também
implica que o plantio destas monoculturas tenha maior impacto sobre o meio-ambiente
naqueles países, do que ao Brasil – visto a alta diluição destes sobre o território.
Atualmente, o Brasil conta com cerca de 2,2 milhões de hectares com árvores industriais
plantadas.
24
Armin Isenmann
Fig. 8.
Química a partir de Recursos Renováveis
Distribuição Geográfica das Florestas Plantadas Brasileiras (ano 2011) 5
Por outro lado, visto que a área toda conta com mais de 8,5 milhões de Km², o Brasil aparece
no ranking entre os produtores de madeira industrial somente em 10º lugar – o que certamente
é uma expressão de menor impacto ambiental. 5
5
Bracelpa – Associação Brasileira de Celulose e Papel, Dados do Setor Março de 2014. Disponível em:
http://bracelpa.org.br/bra2/sites/default/files/estatisticas/booklet.pdf
25
Armin Isenmann
Tab. 5.
Química a partir de Recursos Renováveis
Reflorestamento no mundo.
2.1.2 Composição química da madeira
Madeira é um material composto, seus componentes estruturais são celulose, as hemiceluloses
e a lignina. As proporções variam consideravelmente em dependência do tipo de árvore, mas
podemos indicar os valores limites na madeira seca, conforme a Tab. 6.
Tab. 6.
Composição química de madeiras dura e mole.
Contribuição
Celulose
45%
Hemiceluloses
35% em madeira
dura;
25% em madeira
mole.
Lignina
21% em madeira
dura;
25% em madeira
mole.
Constituição
Função no compósito da
madeira
Macromolécula comprida e Formação da parede celular;
linear feita de unidades de dá estabilidade estrutural à
celobiose.
madeira, em forma de rigidez
e alto módulo de tração.
Macromoléculas de cadeia
curta, muitas ramificações,
feitas de pentosas e hexosas.
Formação da parede celular;
dá estabilidade estrutural à
madeira, em forma de
elasticidade e tenacidade.
Macromolécula
com
ramificações tridimensionais,
feita
de
unidades
de
metoxifenilpropano.
Material de rejunte na célula
da madeira; responsável pelo
endurecimento da madeira,
mas também pelo efeito
amortecedor de impactos.
A celulose é um polissacarídeo de fórmula (C6H10O5)x, onde a unidade monomérica C6, a
glicose, é implementada de maneira altamente regular, formando uma longa cadeia polimérica
26
Armin Isenmann
Química a partir de Recursos Renováveis
sem ramificações. A fórmula química que representa a maneira de conectar os monômeros é
conhecida como “celobiose”, ver Fig. 13c. Grande parte da celulose se apresenta em forma
cristalina, por sua vez especialmente resistente frente ao calor, solventes e reagentes químicos.
Já a hemicelulose é um polissacarídeo bastante heterogêneo, tanto nas suas unidades
monoméricas como na construção do polímero (muitas ramificações; cadeias curtas ao lado
de cadeias longas). As fórmulas mais proeminentes entre as unidades monoméricas têm as
fórmulas (C5H8O4)x e (C6H10O5)x. Os componentes C6 são principalmente galactose e
manose, os monômeros C5 são na maioria xilose e arabinose (ver detalhes destas fórmulas na
Fig. 57). A consequência desta heterogeneidade é um material relativamente amorfo, muito
mais facilmente quebrado, tanto por hidrólise química como por calor, do que a celulose.
A lignina é essencialmente o cimento que propicia a rigidez estrutural das plantas e árvores,
formada por uma rede polimérica tridimensional de unidades metoxilas, arilpropanos e
hidroxifenóis. A fórmula resumida deste polímero complexo e altamente ramificado pode ser
dada por C9H10O2(OCH3)x , na qual “x” é a razão de grupos metóxis (CH3O) para grupos
arilpropanos (C9H10O2). Devido à heterogeneidade química a lignina é 100% amorfa (detalhes
estruturais, ver os caps. 4.2 e 0). Empiricamente se acham:
 x = 1,4 para madeiras duras;
 x = 0,94 para madeiras moles e
 x = 1,18 para gramíneas.
O que dá a rigidez a esta rede polimérica são as ligações cruzadas. A lignina é o maior
constituinte não carboidrato, correspondendo entre 15 e 25% do vegetal.
A maneira como estes três componentes se apresentam na madeira, um composto altamente
rígido e tenaz, mostram as figuras Fig. 10 eFig. 11.
Fig. 9.
Esteira com cavacos de madeira de eucalipto, na fábrica de isolamento da
celulose da CENIBRA, Belo Oriente, MG.
27
Armin Isenmann
Química a partir de Recursos Renováveis
Fig. 10. Estrutura terciária da fibra de madeira: a região entre as fibras é
denominada de lamela média (LM; rica em lignina); a camada externa da fibra é a
parede primária, depois a parede secundária em três camadas (S1, S2, S3) das quais
S2 é a mais importante na produção por ser a mais grossa, mais rica em celulose e,
devido à orientação longitudinal, com as cadeias mais compridas; o miolo “lúmen”
é de consistência esponjosa.
Fig. 11. Estrutura quaternária do material compósito da madeira: as fibras de
celulose, envoltas pelas hemiceluloses, por sua vez embutidas na matriz da lignina.
Conforme descrito acima, a celulose é de longe o material mais bem definido, no que diz
respeito à composição química. Portanto, é a parte mais interessante da madeira para as
indústrias de transformação química, onde o número de derivados produzidos deve ser
mantido mais baixo possível.
28
Armin Isenmann
Química a partir de Recursos Renováveis
Diferentes tecnologias são empregadas para a obtenção de produtos químicos e combustíveis
a partir dos componentes de biomassa lignocelulósica. A conversão bioquímica é usada para
processar os componentes açúcares da celulose e hemicelulose para convertê-los em etanol
pela fermentação 6. Já a conversão química através da hidrólise ácida 7 pode levar à produção
do furfural (a partir de polissacarídeos C5; detalhes ver Fig. 93) e ácido levulínico / ácido
fórmico (a partir de polissacarídeos C6; detalhes ver Fig. 95).
O terceiro componente da biomassa lignocelulósica, a lignina, não é fermentável, nem muito
adequado para transformações químicas, mas pode ser queimado para gerar eletricidade e
calor, ou passar por tratamentos termoquímicos para produzir biocombustíveis (diesel via
síntese de Fischer-Tropsch depois da gaseificação; ver p. 129) e produtos químicos (pela
pirólise; ver p. 104). A princípio, todos os três componentes principais da biomassa podem ser
gaseificados para gás de síntese 8 ou pirolisados para render óleos 9.
Certamente, o foco da indústria que processa recursos renováveis, está na celulose, já que este
componente da madeira é um composto puro, enquanto as hemiceluloses e, no extremo, a
lignina são misturas de muitos diferentes compostos – fato que dificulta enormemente as
transformações controladas e a purificação do(s) produto(s).
Portanto, a celulose merece nossa primeira atenção, em todos aspectos: sua estrutura química,
sua extração a partir de material lignocelulósico, e sua transformação química em derivados
de alto valor. As hemiceluloses e a lignina ficam na segunda linha e serão discutidas mais
para frente (cap. 4.1 e cap. 4.2, respectivamente).
3 Especialmente estável: a celulose
3.1
Dados econômicos acerca da celulose
A celulose é o biopolímero mais importante e mais produzido em nosso planeta. Estimamos a
produção de celulose via fotossíntese, com 1,3 bilhões de toneladas por ano. Ela ocorre em
quantidades variáveis em todas as plantas superiores, em muitos cogumelos e algas. A fibra
natural de algodão é de 95% de celulose, seguido pelas madeiras duras (com 40 a 75%),
enquanto as madeiras moles, bagaço e feno têm apenas 30 a 50% de celulose. A maior
quantidade da celulose produzida industrialmente é usada, no momento, para produzir papel e
papelão. O próximo gráfico compara as produções anuais da celulose e do papel, mostrando a
importância econômico deste recurso para o Brasil.
6
T.L. Ogeda, D.F.S. Petri; Hidrólise enzimática de biomassa. Quim. Nova 33 (2010), 1549.
7
D.M. Alonsi, J.Q. Bond, J.A. Dumesic; Catalytic conversion of biomass to biofuels. Green Chem. 12 (2010),
1493.
8
X.T. Li, J.R. Grace, C.J. Lim, A.P. Watkinson, H.P. Che, J.R. Kim; Biomass gasification in a circulating
fluidized bed. Biomass, Bioenergy 26 (2004) 171.
9
Q. Zhang, J. Chang, T. Wang, Y. Xu; Review of biomass pyrolysis oil properties and upgrading research.
Energy Convers. Manage. 48 (2007), 87.
29
Armin Isenmann
Tab. 7.
Química a partir de Recursos Renováveis
Os maiores produtores mundiais de celulose e papel (valores de 2012). 5
Fig. 12. Desenvolvimento dos setores de Celulose e Papel no Brasil, nos últimos 45
anos.
Vista geral sobre a importância dos setores de Celulose e Papel no Brasil
220 empresas com atividade em 540 municípios, localizados em 18 Estados
2,2 milhões de hectares de florestas plantadas para fins industriais
30
Armin Isenmann
Química a partir de Recursos Renováveis
2,9 milhões de hectares de florestas preservadas
2,7 milhões de hectares de área florestal total certificada
Exportações: US$ 6,7 bilhões
Saldo Comercial: US$ 4,7 bilhões
Impostos pagos: R$ 3,5 bilhões
Emprego: 128 mil empregos diretos (indústria 79 mil, florestas 51 mil) e 640 mil empregos
indiretos
3.2
Estrutura química da celulose
A celulose pertence à família dos carboidratos, mais corretamente aos polissacarídeos. Os
demais carboidratos de importância industrial são: amido (amilose e amilopectina), quitina e
quitosana, e os mono e dissacarídeos que conhecemos todos como açúcar.
É um poliglicosídeo, onde os monômeros de glicose são cíclicos e conectados entre si, por
seus carbonos 1 e 4, através de ligações de acetal, (-CH(OR)2). A situação desta conexão
especial entre o grupo aldeído e os grupos -OH situados nos carbonos C1 e C4 é ilustrada na
Fig. 13a. Podemos postular que a ciclização da glicose acontece antes do estabelecimento das
ligações de acetal entre os monômeros; daí observa-se no carbono C1 do monômero o
agrupamento -C1H(OR)OH. Esta formação se chama de hemiacetal, que é o produto da
condensação intramolecular entre o aldeído no C1 e o grupo -OH do C5. O grupo –OH deste
hemiacetal mostra, como se vê na Fig. 13b, para cima, no caso do monômero que levará à
celulose. Numa projeção semelhante este grupo –OH mostra para baixo, no caso do polímero
linear do amido. Esse detalhe estereoquímico é, a princípio, a única diferença química entre a
celulose e o amido (amilose). Detalhes desta conexão "1,4-" da celulose, ver Fig. 13b.
Assim, temos uma poli--D-glicosido-1,4-glicopiranose, ela é representada na Fig. 13c, um
polímero com bastante facilidade para se organizar em forma de um cristal, por sua vez
bastante favorecido por até quatro ligações de hidrogênio, a cada unidade monomérica (Fig.
13d). Isso conta com aproximatamente (4 x 25) kJ.mol-1 , a cada unidade monomérica, e um
comprimento de 1000 a 14.000 unidades monoméricas por molécula de celulose, podemos
contar (já incluídas as imperfeições cristalinas), com a enorme estabilidade de > 30.000
kJ.mol-1! 10
(a)
10
N. Sonnenberg; Theoretische Untersuchungen zur Adsorption von Arzneistoffen an mikrokristalliner Cellulose
(Tese, em Alemão), Ed. Couvillier, Göttingen 2008.
31
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Química a partir de Recursos Renováveis
(b)
(c)
(d)
Fig. 13. Formação da celulose:
(a) Projeção de Fischer e projeção anelada do monômero glicose;
(b) Formação do anel piranóide via hemiacetal.
(c) Representações alternativas da cadeia polimérica da celulose.
(d) Ligações de hidrogênio dentro da celulose cristalina.
A celulose foi isolada e caracterizada primeiramente pelo químico Anselme Payen (1838) e
representa a molécula orgânica mais disseminada no planeta. O mais marcante é a conexão
glicosídica  (Fig. 13c) que, muito ao contrário da conexão  que achamos no amido, não
pode ser facilmente quebrada por nosso estômago. Portanto, a celulose não serve como
alimento humano. Isso tem vários motivos, entre outros:
 Não dispomos de uma enzima que catalisa a hidrólise da conexão -glicosídica.
32
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Química a partir de Recursos Renováveis
 A alta estereorregularidade do polímero favorece a conformação de cadeias alongadas em
zig-zag. Uma cadeia de celulose contém entre 500 e 7000 unidades de glicose (em
algodão até 15.000 unidades!), enquanto na parede secundária se encontram cadeias mais
compridas do que na parede primária (ver Fig. 10). Isso leva à formação de cristais de
estabilidade extraordinária (ver Fig. 13d). Os agregados da celulose são maiores e mais
densos do que os da amilose. Em consequência, o nosso estômago não consegue hidrolisar
(= quebrar sob catálise ácida) a celulose em tempos hábeis.
As cadeias da celulose são rigorosamente lineares (isto é, sem ramificações). Portanto, a
formação de pontes de hidrogênio intra e especialmente intermoleculares são favorecidas. Sob
condições normais, celulose é extremamente insolúvel em água, o que é necessário para sua
própria função como sustentação estrutural nas paredes celulares vegetais. Sete formas
cristalinas foram identificadas para celulose, e são designadas como I α, Iβ, II, IIII, IIIII, IVI e
IVII. As condições externas que permitem a interconversão entre elas estão representadas na
Fig. 14. Tecnicamente mais importante é a modificação I , cujo campo de aplicação é a
“celulose solúvel” (ver cap. 3.8). Esse nome é um pouco enganoso, já que a modificação I  é
justamente aquela que não se dissolve em uma lixívia de 17,5% de NaOH.
Fig. 14. Interconversão das modificações da celulose e as condições favoráveis, sendo
que a forma I é a mais abundante.
Fonte: T.L. Ogeda, D.F.S. Petri, Hidrólise enzimática de biomassa, Quim. Nova 33 (2010), 1549-1558.
O grau de cristalinidade em celulose nativa é de 60 a 90%, confirmado por difração de raio-X.
Formam-se então as microfibrilas, com grandes partes cristalinas. Estas têm um diâmetro de
10 a 100 nm e um comprimento de vários micrômetros. Em diferentes orientações eles
formam as paredes celulares das plantas, onde fazem parte com 20 a 40% durante a fase de
crescimento e aumenta para 40 a 60% em paredes secundárias.
33
Armin Isenmann
3.3
Química a partir de Recursos Renováveis
Extração da celulose a partir da madeira
A madeira pode ser usada, como todos sabemos, diretamente como combustível. Além da
geração de energia, ela é essencial na construção civil e na indústria moveleira. Seu
desfibramento gera serragem e um pó que são utilizadas para a produção de chapas MDF (do
inglês: Medium Density Fibreboard), a degradação térmica (= pirólise) fornece o carvão
vegetal e, finalmente, sua digestão química leva à separação dos compostos químicos da
madeira e gera produtos como a celulose e o papel. Um resumo destas linhas é dado na Fig.
15.
Fig. 15. Vista geral sobre as linhas do processamento alcalino (em amarelo) da
madeira (em verde) e as matérias / produtos envolvidos (em azul).
Fonte:
http://www.tappsa.co.za/archive3/Journal_papers/On_the_management_of_odour/on
_the_management_of_odour.html
34
Armin Isenmann
Fig. 16.
Química a partir de Recursos Renováveis
Esquema funcional de uma fábrica de celulose.
Em geral, os processos de digestão fornecem as fibras da celulose, enquanto grande parte da
lignina e das hemiceluloses se solubiliza, recolhida e concentrada no chamado "licor negro"
(inglês: tall oil). No licor negro o polímero da lignina foi hidrolisado e partido em pequenos
fragmentos ou até monômeros. As pontes de éteres da lignina foram quebradas e os fenóis
livres, melhor falado os fenóxidos (por trabalhar em ambiente fortemente alcalino), se
solubilizam na fase aquosa.
O-
OH
H3CO
H3CO
SH-
+ HOR + ArOH
RO
OH
Ar
S
OH
O
Fig. 17. Reação abstraída, da dissolução da lignina em lixívia de sulfeto alcalina
(processo Kraft).
Existem poucos usos economicamente viáveis para o licor negro, portanto é geralmente
concentrado na fábrica de celulose (cap. 3.7.3), em uma pilha de evaporadores, e usado como
combustível (cap. 3.7.5) para a caldeira de recuperação (geração de licor branco, vapor ou
energia em turbinas). Sua destilação fracionada 11, por outro lado, é difícil devido à alta
11
Autor desconhecido, Tall oil production and processing. Resumo sobre o processamento do licor negro na
Nova-Zelândia, disponível em http://nzic.org.nz/ChemProcesses/forestry/4G.pdf
35
Armin Isenmann
Química a partir de Recursos Renováveis
tendência de polimerizar. Assim, o equipamento é coberto, após pouco tempo de operação,
por uma resina pegajosa. Pequenas partes do licor negro, porém, são processadas para:
 Resina de colofônia, melhor conhecida como “breu” ou “betume” (uso: indústria de
borracha, colas e tintas de impressão; além disso, é valorizado pelos violinistas e
ginastas).
 Ácidos graxos,
 Vanilina (Fig. 20) e outros compostos usados em fragrâncias,
 Óleos de terebintina.
E destes produtos aproveitam, principalmente, as indústrias de:
 Mineração (coletor em processos de flotação),
 Polpa e Papel (selador que impede a tinta penetrar na folha),
 Tintas (solvente e aglutinante para tintas de impressão),
 Borrachas (umectante para látex, na produção de espumas resilientes e leves).
Podemos afirmar que a tendência atual é desenvolver os processos que têm a finalidade de
recuperar a lignina pura do licor negro, sem notável decomposição. Plantas-pilotos estão em
desenvolvimento 12, mas por enquanto não são econômicos.
A digestão química da madeira ocorre principalmente por dois processos, a serem discutidos a
seguir.
Fig. 18.
3.4
Produção e uso da celulose
O processo Kraft
O processo mais importante para a obtenção da polpa da madeira é o processo Kraft, também
conhecido como processo de sulfato. Especialmente madeiras de alta resina (abetos,
coníferas), mas também plantas de crescimento de um ano (ainda em fase experimental),
podem ser processadas por este método. O tempo do ciclo de digestão é especialmente curto e
o consumo da água de processo (isto é, a carga de poluição do lençol aquático) é
12
A.J. Ragauskas et al., Lignin valorization: improving lignin processing in the biorefinery. Science. 344 (2014)
6185.
C.O. Tuck et al., Valorization of biomass: deriving more value from waste. Science. 337 (2012) 695-9.
J.K. Weng et al., Emerging strategies of lignin engineering and degradation for cellulosic biofuel production.
Curr. Opin. Biotechnol. 19 (2008) 166-72.
36
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Química a partir de Recursos Renováveis
relativamente baixo: calculam-se cerca de 20 m³ de água a cada tonelada de celulose (não
branqueada) produzida.
Mundialmente são produzidos cerca de 80% da celulose por este processo.
Desvantagens:
A grande desvantagem é a alta poluição odora: os processos de purificação dos gases de
escapamento são complexos e de alto custo. Também podemos admitir que a eficácia do
processo Kraft, em termos de rendimento sobre as matérias-primas, fica abaixo do processo
de sulfito. Também nota-se uma coloração mais escura (bege a marrom) da celulose que sai
do processo Kraft. Portanto, essa requer de mais esforços nas etapas subsequentes do
branqueamento.
Descrição do processo:
A madeira é picada e os cavacos são levados por meio de esteiras (Fig. 9)a um tanque de
cerca de 50 m³. Lá são tratados com uma solução de soda cáustica, sulfeto de sódio e
carbonato de sódio, enquanto o pH fica entre 10 e 14. As ligninas e hemiceluloses
solubilizam-se em grande parte. Parte do Na2S é consumida nesta etapa, portanto deve ser
reposta. Isto geralmente é feita em forma de sulfato de sódio, Na2SO4. Esse sal, embora ser
muito barato, não tem eficiência no processo da digestão, portanto deve ser transformado em
sulfeto, S2-, por sua vez o agente digestor principal. As condições fortemente redutoras,
necessárias para essa etapa, são dadas na caldeira de recuperação. A celulose produzida pelo
processo Kraft (do alemão: força) é especialmente forte, suas fibras se destacam por um alto
módulo de tensão.
Condições típicas no digestor Kraft:
Temperatura: 150 a 180 °C
Pressão necessária para atingir essa temperatura:
5 a 8 atm
Tempo de residência média: 4 horas.
O processo Kraft pode ser conduzido de forma contínua ou descontínua (inglês: batch). O
mais importante é o processo contínuo, conforme ilustrado na Fig. 19. As lascas de madeira
são fornecidas ao pré-digestor onde são inchados por vapor de água a cerca de 2 atm. De lá
são levadas, junto à mistura da lixívia virgem, à cabeça do digestor principal. Este tem 90 °C
na cabeça e até 180 °C no meio. As lascas atravessam lentamente este digestor. Enquanto
disso, parte da lixívia do processo deve ser refluxada externamente. No fundo do digestor a
lixívia é separada mecanicamente das fibras da celulose. A lixívia carregada com o licor negro
é levada à estação de recuperação, enquanto as fibras da celulose são submetidas ao próximo
tratamento que será a lavagem (em várias etapas) e o branqueamento.
37
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Química a partir de Recursos Renováveis
(a)
(b)
Fig. 19. Produção da celulose pelo processo Kraft em operação contínua:
a) Fluxograma do processo da digestão;
b) Esquema indicando o fluxo das matérias.
A parte da recuperação do licor de digestão é discutida em detalhe no cap. 3.7, na p. 42.
38
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3.5
Química a partir de Recursos Renováveis
O processo de sulfito
O segundo mais importante processo de polpamento da madeira, historicamente o primeiro
(1866), é o processo de sulfito. Em um digestor de até 400 m³ (feito de aço especial, resistente
à pressão e oxidação química) as lascas de madeira são tratadas com bissulfitos (Ca(HSO3)2) e
um excesso de ácido sulfuroso (H2SO3). Mais recentemente usam-se também os bissulfitos de
magnésio e de amônio, com a finalidade de amenizar as condições agressivas.
Nesta etapa a lignina torna-se solúvel, em forma de ácidos sulfônicos da lignina. O pH é um
parâmetro bastante flexível neste processo e pode ser ajustado, desde ácido até fortemente
alcalino. Em ambientes ácidos ocorre também a hidrólise das hemiceluloses e o produto
sólido é uma celulose bastante pura.
CHO
CH 2
CH
H
C
SO 3- Na+
CH 3
O
CH 3
O
OH
Vanilina
OH
Fig. 20. Fórmula abstraída do sulfonato da lignina (= solúvel na água), produzido
pelo processo de sulfito. Um dos possíveis produtos a partir deste licor é a vanilina,
substância valorizada como aromatizante.
Condições típicas deste processo:
Temperatura 140 °C
Pressão
até 8 atm
Tempo:
8 a 10 horas.
O tempo de digestão é então aproximadamente o dobro do processo Kraft. A vantagem do
processo sulfito é a baixa carga odora, ou seja, baixa taxa de produção de compostos voláteis
de enxofre. Também a qualidade da celulose que sai deste processo, é mais pura e clara.
A desvantagem principal do processo sulfito é que madeiras ricas em resina mostram-se
bastante resistente à digestão. Outra é a geração de grandes volumes de águas poluídas. Uma
terceira é, especialmente quando operar em ambiente ácido, uma taxa elevada de hidrólise
dentre as cadeias da celulose, sinônimo para a perda do produto.
O produto acoplado, em analogia ao processo Kraft, é um licor, desta vez conhecido como
"lixívia de sulfito". O destino geral deste é a incineração, após a concentração e secagem, e
geração de energia para os demais processos da fábrica de celulose. Pequena parte é usada
para isolar os sulfonatos da lignina (ver Fig. 20), os fenóis ou produzir vanilina. Pesquisas
atuais visam o aproveitamento do alto teor em açúcares na lixívia de sulfito, transformando-a
em etanol via processos fermentativos.
39
Armin Isenmann
Química a partir de Recursos Renováveis
Fig. 21. Diagrama operacional do processo sulfito, acoplado à biorrefinaria de
etanol.
3.6
Outros processos de extração da celulose.
Processo de soda cáustica:
A madeira picada é submetida por poucas horas, à soda cáustica de 6 a 8%, a uma pressão de
4 a 8 atm. Resulta uma celulose alcalinizada e, infelizmente, um grande volume de água
servida. Outra desvantagem: a soda cáustica somente pode ser usada uma vez, sua
recuperação não é economicamente viável. Processo caro e ultrapassado.
Processo de Pomillo:
É um processo que foi desenvolvido especialmente para cana, feno e os talos finos de cereais.
As matérias-primas são digeridas em soda cáustica diluída e depois tratadas com cloro livre,
num processo oxidante. No final extrai-se a fibra branqueada, através de uma soda cáustica
mais concentrada.
Digestão com ácido nítrico:
É principalmente aplicada em madeira de faia e fornece uma celulose de alta qualidade. Em
primeira etapa a madeira é tratada com HNO3 14%, a 50 °C. Esse tratamento é prosseguido
até a lignina ser completamente oxidada. Depois a concentração do ácido nítrico é abaixada
40
Armin Isenmann
Química a partir de Recursos Renováveis
por diluição com água a 100 °C, a menos de 1%. A celulose, no entanto, não é atacada
significativamente durante o cozimento de 7 horas.
Depois, a lignina oxidada deve ser removida, por cozimento em NaOH diluído. Após a
separação do licor negro a celulose pode ser tratada igual aos demais processos, descritos
acima.
Processos "Organossolv"
Processos a base de solventes orgânicos são mais recentes e ainda em desenvolvimento.
Incluem solventes iônicos, isto são sais cujos cátions (orgânicos) são bastante grandes e de
baixa simetria. Isso gera dificuldade na cristalização, ou seja, os pontos de solidificação destes
sais ficam bastante baixos - no extremo são líquidos até a temperatura ambiente! As
vantagens, além do seu alto poder de solução de materiais orgânicos polares, são sua baixa
volatilidade e sua inércia química. Isso permite seu uso em processos de destilação e o
reaproveitamento em ciclos fechados.
Fig. 22. Alguns líquidos iônicos, solventes avançados que podem ser construídos para
processos específicos (tayloring solvents, designer solvents).
Ecologicamente corretos são especialmente aqueles solventes que se produzem a partir de
açúcares, tais como a frutose 13.
Informe-se das aplicações destes novos solventes no artigo de revisão: P. Wasserscheid, W.
Keim, Angew. Chem. Int. Ed. 2000, 39, 3772.
13
G. Imperato, New organic solvents based on carbohydrates (2006). Dissertação disponível em http://epub.uniregensburg.de/10513/1/PhD.pdf
S. T. Handy, M. Okello, G. Dickenson, Solvents from biorenewable sources: Ionic liquids based on fructose. Org.
Lett. 5 (2003) 2513-2515.
41
Armin Isenmann
Química a partir de Recursos Renováveis
3.7
Recuperação de químicos - uma máxima na indústria moderna mostrado no ciclo de recuperação do processo Kraft 14.
Sem dúvida alguma, o processo Kraft é de longe o mais importante processo para obtenção da
celulose, matéria prima da fiação e do papel e de suma importância econômica brasileira. Mas
isso não seja o único objetivo para discutir a parte da recuperação do processo Kraft. Mais
essencial ainda é destacar a necessidade da recuperação de energia térmica e recursos
químicos em qualquer indústria com transformações químicas. A recuperação da lixívia de
digestão da madeira é um ótimo exemplo onde os reagentes químicos agressivos do processo
da polpação da madeira são mantidos em um ciclo fechado, minimizando assim o impacto
ambiental.
Tendo como base este enfoque, a otimização da recuperação de produtos químicos, da matriz
energética e da geração de energia e vapor baseada na queima de resíduos do processo é um
fator crucial para o bom funcionamento da fábrica de celulose. Aspectos como
 Auto-suficiência energética,
 Eliminação de resíduos,
 Minimizar a poluição atmosférica, a carga nas águas servidas e a quantidade de
resíduos sólidos inutilizáveis nos aterros industriais,
 Reutilização eficiente de químicos do processo e
 Otimização de custos da matriz energética,
podem conferir às empresas diferenciais de custo, competitividade no mercado e garantia de
operação.
3.7.1 O Ciclo de Recuperação de Químicos Kraft
Este capítulo não tem por objetivo esgotar todos os processos e detalhes do ciclo de
recuperação Kraft. Pretende-se apresentar de forma sucinta e objetiva as principais variáveis
de cada processo para que o aluno possa se familiarizar com o ciclo de recuperação Kraft. Na
Fig. 23 pode-se obter uma impressão do ciclo de recuperação Kraft convencional, cujas etapas
principais e os materiais envolvidos sejam apresentados a seguir.
14
A seção 3.7 foi elaborada baseando-se em um texto de Júlio César Tôrres Ribeiro; com permissão da
CENIBRA S.A., Belo Oriente, MG.
Monografia recomendada: R. P. Green, R. Hough, Chemical Recovery in Alkaline Pulping Processes. 3. ed.
Atlanta: TAPPI Press, 1992.
42
Armin Isenmann
Fig. 23.
Química a partir de Recursos Renováveis
Vista geral do ciclo de recuperação do licor de digestão da madeira.
3.7.2 Subproduto do digestor: o licor negro fraco
O cozimento da madeira é realizado em um equipamento denominado digestor. O digestor é
um vaso de pressão no qual são alimentados cavacos, licor branco e vapor. O licor branco é o
agente químico que reage com a lignina e hemicelulose, propiciando a separação das fibras de
celulose dos demais compostos orgânicos da madeira que são dissolvidos. Como a lignina é o
principal composto a ser separado, esta etapa é também chamada de deslignificação. Na Fig.
24 pode-se visualizar um fluxograma da área de cozimento e lavagem.
43
Armin Isenmann
Fig. 24.
Química a partir de Recursos Renováveis
Fluxograma simplificado cozimento e lavagem. Fonte : Cenibra
O tempo de retenção no digestor é determinado pelo ritmo da produção, sendo que
normalmente a metade do tempo corresponde às etapas de impregnação dos cavacos e
cozimento. O restante do tempo corresponde ao que se chama de lavagem contra corrente ou
high heat extraction. Dentro do digestor a massa formada pelo licor de cozimento e cavaco
passa por três zonas. A primeira é a zona de cozimento que possui peneiras destinadas à
extração do licor e envio do mesmo a um trocador de calor, onde será aquecido com vapor,
retornando após, ao local de onde foi extraído. Este licor, que foi extraído pelas peneiras de
cozimento, é misturado com licor branco na tubulação antes da chegada ao aquecedor. A
segunda zona possui peneiras de homogeneização, que têm o mesmo propósito das peneiras
de cozimento. A última zona possui peneiras de extração, que retiram o licor e o conduzem
para ciclones de expansão, onde será expandido e enviado para centrífugas chamadas de
centrifilters onde finalmente ocorre a separação do licor preto fraco, recuperando as fibras de
celulose. Este licor, mais uma vez filtrado nos difusores, será enviado à evaporação para
depois, na forma concentrada (com >60% de sólidos), alimentar a caldeira de recuperação
química. No fundo do digestor sai a massa que ainda contém bstante licor negro fraco. Este
último é separado nos difusores, sendo descarregado do difusor pela própria pressão interna.
Como o fluxo da descarga é pré-estabelecido, o licor excedente à manutenção da consistência
da polpa sobe em sentido contrário ao da massa, arrastando o álcali nela contido, juntando-se
ao licor de cozimento já inativo que acompanhava a sua descida, sendo extraído em
contracorrente.
Apesar da lavagem em contracorrente na metade inferior do digestor, a massa descarregada
ainda necessita de lavagem para retirada da soda e lignina dissolvida. O segundo estágio de
lavagem normalmente é feito em difusores utilizando o licor negro diluído originário da etapa
de depuração marrom. O sistema opera completamente fechado, isolado do ar, minimizando a
formação de espuma, quaisquer contaminações e auto-oxidação. Assim se consegue a melhor
taxa de reutilização do licor negro diluído extraído do mesmo – além de atenuar a poluição
odora do ambiente.
44
Armin Isenmann
Química a partir de Recursos Renováveis
O licor enviado para a evaporação normalmente tem um teor de sólidos entre 14 e 20%, e é
constituído de orgânicos dissolvidos (60 a 70%) provenientes da madeira e de inorgânicos
originados do licor de cozimento (30 a 40%).
3.7.3 Evaporação e concentração do licor negro fraco
A evaporação, ou concentração, do licor negro é realizada em evaporadores de múltiplo efeito
utilizando vapor de baixa pressão proveniente das extrações de uma turbina. Uma planta de
evaporação moderna normalmente consiste de 6 efeitos com uma economia de
aproximadamente 5 t de água evaporada por t de vapor utilizado. Os concentradores e/ou
evaporadores são equipados com trocadores de calor do tipo casco/tubo ou placas,
dependendo da tecnologia empregada por cada fabricante. O evaporado gerado em cada efeito
é condensado no efeito seguinte através da troca de calor com o licor alimentado naquele
efeito, com o último efeito sendo condensado em um condensador barométrico. A pressão
decresce progressivamente até atingir atmosfera rarefeita de aproximadamente 640 mm Hg no
último condensador.
É muito comum a ocorrência de corrosão em evaporadores e concentradores, devido à alta
alcalinidade do licor, especialmente nos efeitos mais concentrados. Desta maneira torna-se
essencial a melhoria dos materiais empregados em sua fabricação.
Um dos aspectos que diminui o desempenho de uma planta de evaporação é a formação de
depósitos nos concentradores de licor, especialmente nos últimos efeitos, que trabalham com
o licor mais concentrado. Isso se deve em primeira linha ao limite de solubilidade dos sólidos
dentro do licor negro forte, em menores partes também à polimerização dos compostos
insaturados provenientes da lignina. Embora a engenharia já contribuiu bastante neste
equipamento, ainda são necessárias intensas práticas operacionais e de limpeza, para prevenir
grandes perdas, tanto de material como de calor, devido a estas incrustações.
Os subprodutos nesta etapa de concentração são principalmente gases que podem ser
classificados como
 SOG (Stripper Off-Gases), que são os gases separados numa coluna de lavagem de
gases, que geralmente são ricos em gases condensáveis (tais como alcoóis).
 GNC (Gases combustíveis Não Condensáveis). Esta mistura de gases é rica em
compostos TRS (Total Reduced Sulfur, ver nota de rodapé 15 na p. 55). Note que o
GNC também contém metanol embora este ser um gás que se liquefaz com facilidade.
Esses gases são enviados para uma caldeira aparte onde são queimados (= oxidados),
resultando em compostos com menor impacto ambiental.
Uma planta típica de evaporação é apresentada na Fig. 25.
45
Armin Isenmann
Fig. 25.
Química a partir de Recursos Renováveis
Fluxograma simplificado da evaporação. Fonte: Cenibra
Os principais objetivos da evaporação do licor negro são listados abaixo:
a) Utilizar eficientemente a energia requerida para evaporação, sendo que uma planta
típica de evaporação consome até 25% da energia total de uma planta de celulose
Kraft.
b) Separar eficientemente o vapor d'água e os gases combustíveis, GNC e SOG.
c) Separar os óleos terpênicos que, além de grande valor econômico, podem gerar
incrustações e espuma. Esses óleos são componentes de madeiras de coníferas (1,7%
do licor negro), enquanto as madeiras folhosas (<0,2%) geralmente não requerem esta
etapa.
d) Concentrar o licor negro fraco para concentrações superiores a 64%, contendo alto teor
de inorgânicos e alto poder calorífico. Quanto maior a concentração, mais eficiente é o
processo de queima na caldeira de recuperação.
3.7.4 Composição do licor negro forte
O licor negro (inglês: tall oil) proveniente da depuração e lavagem da polpa é composto
basicamente de compostos orgânicos complexos e inorgânicos dissolvidos em um meio
aquoso alcalino e sua composição química depende do tipo de madeira e das condições de
cozimento. As propriedades físicas do licor negro estão diretamente relacionadas à sua
composição química, à concentração de sólidos, ao teor de inorgânicos e à temperatura.
46
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Química a partir de Recursos Renováveis
50%
CAVACO
50%
LICOR
CELULOSE
NEGRO
Substância
dissolvida da madeira
(Lignina, celulose, etc.)
Fig. 26.
Reagentes químicos
Inorgânicos
Composição do licor negro forte
O termo “licor negro fraco” refere-se ao licor recebido da depuração e lavagem da polpa,
sendo que usualmente sua concentração encontra-se na faixa de 14 a 20% de sólidos. Após
concentrado nos evaporadores de múltiplos efeitos este licor pode ter sua concentração
aumentada até 80% nos sistemas mais modernos, sendo que 72% é uma concentração bastante
usual nos dias de hoje. A este licor concentrado, que posteriormente será queimado na
caldeira de recuperação, dá-se o nome de “licor negro forte”, que tem no caso da Cenibra
(Belo Oriente, MG) em torno de 70% de sólidos e fica altamente viscoso.
A composição típica de um licor negro é apresentada na Tab. 8.
Tab. 8.
Composição típica do licor negro.
As propriedades do licor negro, importantes para o processo de evaporação e também na sua
injeção e queima na caldeira de recuperação, são (em parênteses valores de orientação):





Densidade (1,8 g/ml)
Viscosidade (80 a 150 cP a 100 °C; isso corresponde à viscosidade de mel),
Elevação do ponto de ebulição (120 °C),
Teor de sólidos (70%)
Calor específico (0,65 cal.g-1.K-1) e
47
Armin Isenmann
Química a partir de Recursos Renováveis
 Poder calorífico (3200 kcal/kg da base seca).
A queima do licor negro forte na caldeira de recuperação libera calor. O poder calorífico
superior (PCS) é a medida da quantidade de calor liberada na combustão completa (condição
de excesso de oxigênio). Valores típicos de PCS do licor negro variam na faixa de 3000 a
3600 kcal por kg de sólidos secos. Os componentes orgânicos e o enxofre com baixo NOX
contido no licor negro contribuem para o aumento do poder calorífico. Outros inorgânicos,
inclusive o Na2SO4 adicionado ao licor para compensar o enxofre perdido pelos voláteis,
agem como diluentes e diminuem o poder calorífico.
O poder calorífico de alguns constituintes do licor negro é apresentado na Tab. 9.
Tab. 9.
Poder calorífico superior de constituintes do licor
Componente
PCS (kcal/kg)
Lignina de coníferas
6.450
Lignina de folhosas
6.000
Carboidratos
3.240
Resinas, ácidos graxos
9.000
Sulfeto de sódio
3.080
Tiossulfato de sódio
1.380
3.7.5 Caldeira de Recuperação
As primeiras caldeiras de recuperação, também conhecidas como “caldeira de Tomlinson”,
entraram em operação na década de 1930, o que ajudou nas fábricas de celulose a reduzirem
custos com resíduos tóxicos e gastos com a recuperação de químicos e, ao mesmo tempo,
aumentarem a eficiência energética. A caldeira de recuperação química é um gerador de vapor
que utiliza o licor negro concentrado proveniente da evaporação como combustível e cumpre
três papéis de extrema importância no ciclo de recuperação, sendo eles:
a) exercer o papel de um reator químico para produzir carbonato de sódio e sulfeto de
sódio;
b) destruir a matéria orgânica dissolvida eliminando o problema de descarga deste
material no meio ambiente; e
c) gerar vapor e energia a partir da queima do licor negro.
Os objetivos de uma caldeira de recuperação são esquematizados na Fig. 27.
48
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Química a partir de Recursos Renováveis
VAPOR
AR (O2)
Caldeira
CALOR (energia)
Lama
de
LICOR
recuperação
Na2S
SMELT
NEGRO
Na2CO3
LICOR
VERDE
TRANSFORMAÇÃO
CO2 e H2O
MATÉRIA ORGÂNICA
Fig. 27.
Objetivos da caldeira de recuperação.
A geração de vapor e energia é um objetivo secundário da caldeira de recuperação. Caso a
caldeira de recuperação seja o ponto de restrição de produção é comum prejudicar-se a
eficiência da geração de vapor em detrimento do aumento do potencial de queima de licor.
Todavia, constatamos uma taxa expressiva na matriz energética se deve hoje à queima do
licor negro: em torno de 66% da energia consumida pelas indústrias brasileiras de celulose
vem deste recurso.
49
Armin Isenmann
Química a partir de Recursos Renováveis
Fig. 28. Evolução da matriz energética nas indústrias de papel e celulose, nos últimos
45 anos no Brasil. 5
No passado, a caldeira de recuperação era uma das maiores fontes de poluição de uma fábrica
de celulose. Com as crescentes pressões ambientais, necessidade de aumento de eficiência dos
processos e desenvolvimento de novas tecnologias, ela se tornou um processo extremamente
eficiente no tocante a emissões atmosféricas e geração de resíduos.
A próxima figura mostra o ciclo das matérias (sólidas, líquidas e gasosas), no qual a caldeira
de recuperação tem um papel central.
DIGESTOR
FORNO DE CAL
VAPOR
CAVACOS
ÁGUA DE
LAVAGEM
LAMA
DE CAL
CELULOSE
LICOR
BRANCO
LICOR PRETO
FRACO
CAL
CAUSTIFICAÇÃO
LICOR
VERDE
LICOR PRETO
FORTE
CALDEIRA DE
RECUPERAÇÃO
EVAPORAÇÃO
Fig. 29. Fluxograma da matéria na fábrica de celulose, onde a caldeira de
recuperação tem uma posição-chave.
Na Fig. 30 é apresentado um esquema de uma caldeira de recuperação onde são mostrados os
seus principais componentes.
50
Armin Isenmann
Química a partir de Recursos Renováveis
Gases chaminé
Alimentação
Tambor
de vapor
Vapor para
processo
Parede de
água
Ventilador
Tiragem
induzida
Super aquecedores
Economizador
Nariz
Tambor
de água e purga
Precipitador
Eletrostático
Forno
Ventilador
Tiragem
forçado
Aquecedor
de ar a vapor
Ar terciário
Licor concentrado
Make-up sulfato
Tanque
de
mistura
Bico
Aquecedor
licor
Ar primário
Vapor de
aquecimento
direto
Fig. 30.
Ar secundário
Smelt para tanque
de dissolução
Caldeira de recuperação - Principais partes
O licor para queima é injetado através dos bicos de licor
localizados em aberturas nas paredes da fornalha, que é
formada de tubos e também faz parte do circuito de geração de
vapor. O licor acumula-se no fundo da fornalha formando o
que se chama de “camada”, região onde existe deficiência de ar
para queima proporcionando uma atmosfera redutora que irá
propiciar a redução do sulfato de sódio a sulfeto de sódio. A
eficiência de redução é um dos parâmetros mais importantes de
operação da caldeira de recuperação, visto que o sulfato de
sódio não tem ação no cozimento da madeira e o sulfeto de
sódio é um agente ativo de cozimento. Após queimado, o licor
negro dá origem a um fundido, também conhecido por licor
verde ou smelt, que escorre através das bicas de smelt em
direção ao tanque dissolvedor. O licor verde é rico em
carbonato e sulfeto de sódio e é encaminhado ao processo de
caustificação.
Tal como os bicos de licor, as aberturas para o ar de combustão estão localizadas nas paredes
da fornalha. Normalmente o ar é inserido em pelo menos três níveis proporcionando três
regiões diferenciadas de queima ao longo da fornalha conforme detalhado na Fig. 31. As
funções de cada nível de inserção de ar podem ser resumidas como abaixo:
Ar primário – localizado na zona de redução.
a) queimar os sólidos que caem sobre a camada;
51
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Química a partir de Recursos Renováveis
b) fornecer, através da combustão da matéria orgânica, o calor necessário para promover a
redução do sulfato para o sulfeto, uma reação equilibrável de caráter endotérmico;
c) ajustar a forma e configuração da camada para obtenção de uma boa eficiência de
redução;
Ar secundário – localizado na zona de secagem.
a) completar a combustão do licor e dos gases voláteis;
b) admitido em alta pressão e velocidade, para homogeneizar os gases voláteis e sustentar
sua combustão;
c) auxiliar na secagem do licor.
Ar terciário – localizado na zona de oxidação.
a) completar a combustão dos gases; e
b) realizar a selagem na região da fornalha para reduzir as emissões de material
particulado.
Os gases quentes resultantes da queima do licor são retirados da caldeira com o auxílio de um
ventilador de tiragem induzida. No trajeto de saída dos gases há grande troca térmica nos
superaquecedores, cortina d’água, bancada e economizadores. Normalmente os gases de
combustão estão na faixa de 450 a 550 °C na saída da fornalha. Seu calor pode ainda ser
aproveitado através de trocadores de calor (principalmente para pré-aquecer o ar de
combustão), antes de serem descartados na chaminé a uma temperatura média de 170 °C.
52
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Química a partir de Recursos Renováveis
A
Zona de secagem:
Zona onde ocorre a
secagem do licor e
volatilização dos leves.
Fornalha
Licor
negro
C
Zona de redução:
B
Fica no fundo onde é formado o
leito e ocorre a redução do
sulfato ao sulfeto.
A
C
B
Fig. 31.
Zona de oxidação:
Zona superior onde há uma alta
turbulência a fim de promover
uma combustão completa.
Zonas de reação na fornalha de uma caldeira de recuperação.
A água faz o caminho inverso, sendo alimentada nos economizadores, aproveitando o calor
residual dos gases e chegando ao balão de água/vapor em uma temperatura abaixo do ponto
de saturação àquela pressão. Inicia-se, então, um processo de circulação natural devido à
diferença de densidade proporcionada pelas diferenças de temperatura da água entre os
diversos pontos da caldeira. A água desce pelas paredes da fornalha e retorna ao balão de
água/vapor, e posteriormente, já na forma de vapor saturado, é encaminhado aos
superaquecedores, onde ocorre o superaquecimento para a temperatura e pressão desejadas.
Este vapor é conduzido diretamente ao pré-digestor e digestor dos cavacos.
Aspersão de licor e a formação das gotículas na caldeira de recuperação
A aspersão do licor negro na caldeira é feita através dos bicos de licor, cujo projeto varia de
fabricante para fabricante, e, muitas vezes, são desenvolvidos especialmente para determinado
tipo de licor ou caldeira. O objetivo do projeto do bico de licor é proporcionar uma
distribuição uniforme do fluxo circular em uma superfície plana. A geometria deste leque de
licor irá determinar o tamanho e a trajetória das gotículas até a camada. Como explicado a
seguir, o tamanho certo das gotículas e uma distribuição uniforme é vital para o bom
funcionamento da caldeira de recuperação.
53
Armin Isenmann
Química a partir de Recursos Renováveis
Fig. 32. Esquema de alguns bicos de aspersão do licor negro forte: bico cônico que
contém uma placa ranhurada inserida inteiramente ao bico (em cima); bico com
abertura em forma de fenda (no meio); bico com placa defletora (45º em relação ao
jato) na sua saída (em baixo).
O controle do tamanho de gota na aspersão do licor é de suma importância para uma operação
eficiente. Na condição ideal a gota de licor deveria atingir a camada enquanto ainda estivesse
queimando. Gotas muito pequenas irão promover uma secagem muito rápida, porém as
partículas sólidas serão facilmente arrastadas pelos gases. Gotas muito grandes poderão cair
ainda úmidas na camada, podendo causar forte esfriamento, resultando na perda de combustão
e apagamento, além de prejudicar o processo de redução {SO42- → S2-} na camada. Ainda
tem-se a situação em que a gota atinge a camada já como smelt, o que indica que a mesma
ainda está pequena.
O tamanho e distribuição das gotas de licor ainda dependem de outros fatores operacionais e
características do licor, tais como a pressão de injeção, a viscosidade e densidade do licor, a
temperatura para queima e o teor de sólidos.
Queima do licor negro
Embora a queima do licor negro tenha paralelas com a queima de muitos combustíveis
fósseis, a química do processo é mais complexa devido à função de recuperação química. Em
adição ao carbono, oxigênio e hidrogênio que são comuns nos combustíveis fósseis, o licor
negro contém quantidades substanciais de álcali (sódio e potássio) e enxofre. Os produtos da
combustão não são apenas dióxido de carbono e água, mas também os químicos do cozimento
que são recuperados, carbonato e sulfeto de sódio. Reações químicas importantes incluem a
redução do sulfato, formação de fumos e reações de liberação e captura de enxofre livre. Em
uma caldeira de recuperação, a queima do licor negro envolve a reação dos sólidos do licor,
54
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Química a partir de Recursos Renováveis
com o oxigênio do ar de combustão para a formação de gases combustíveis e o smelt (=
matéria prima para o "licor verde"; ver p. 60).
A queima do licor na fornalha pode ser dividida em 4 tipos de reações térmicas, sendo elas a
pirólise, queima de voláteis, queima na “camada” e oxidação de inorgânicos.
a) Pirólise: a pirólise é uma série de reações de degradação irreversíveis que os sólidos
contidos no licor negro sofrem na medida em que a temperatura é aumentada. As
reações de pirólise produzem um gás combustível rico em H2, CO, CH4, TRS 15, CO2,
H2O. Além destes gases, acumulam-se hidrocarbonetos de alto peso molecular e
compostos orgânicos na “camada”, no fundo da caldeira, uma mistura ainda rica em
carbono reduzido. As reações da pirólise iniciam-se aproximadamente a 200 °C,
quando as gotículas de licor passam por um processo de inchamento e inicia-se a
liberação de gases voláteis. O inchamento das gotículas de licor é bastante
considerável (fator de expansão em volume de até 20 vezes) fazendo com que a
partícula resultante possua baixa densidade. Os resíduos sólidos da pirólise dão origem
à camada, que é rica em carbono fixo (20 a 25%) e inorgânicos (75 a 80%).
É importante ressaltar que as reações da pirólise ocorrem na ausência de oxigênio muito pelo contrário das reações de combustão (ver próximo item).
As reações pirolíticas mais importantes no sentido da recuperação do licor, podem ser
representadas por:
Na2S + CO2 + H2O → Na2CO3 + H2S
; sulfetos para ácido sulfídrico
(1)
Na2O + CO2 → Na2CO3
; soda cáustica para carbonato de sódio
(2)
CH4 + H2O → CO + 3H2
; orgânicos para "Gás de síntese"
(3)
b) Queima de voláteis: a combustão dos gases originados na pirólise do licor é uma
reação relativamente rápida e homogênea que pode ser sintetizada como
Gases da pirólise (H2, CO, CH4, TRS) + O2 → CO2 + H2O + SO2 + energia
(4)
Os principais fatores requeridos para assegurar a combustão completa são o
fornecimento de suficiente ar, boa mistura entre o ar e os gases e temperaturas altas o
suficiente para que as reações se procedam, geralmente na faixa de 760 a 815 °C.
Essas reações, ao contrário das reações da pirólise (ver acima), são todas bastante
exotérmicas.
c) Queima da camada: a camada consiste principalmente de carbono e sais inorgânicos.
Os inorgânicos presentes na camada são essencialmente os mesmos presentes no
smelt, ou seja, carbonato, sulfato e sulfeto de sódio e os sais análogos de potássio.
A queima da camada consiste de duas etapas essenciais, sendo a primeira a oxidação
do carbono fixo para CO e CO2. Isso libera calor, o que permite a fusão do smelt. A
15
TRS = Total Reduced Sulfur = porcentagem de enxofre com baixo NOX, em relação ao enxofre total. Estes
gases são os principais responsáveis pelo odor característica da fábrica de celulose. Os componentes principais
são metilmercaptano, CH3SH, sulfeto de hidrogênio, H2S, sulfeto de dimetila, CH3SCH3, e dissulfeto de
dimetila, CH3SSCH3. Todos são tóxicos e a gente percebe com cheiro desagradável.
55
Armin Isenmann
Química a partir de Recursos Renováveis
segunda é a redução dos compostos de enxofre através do carbono livre e o monóxido
de carbono. As principais reações da queima na camada podem ser resumidas como
segue:
Reações do carbono fixo (= fuligem)
.
C + ½ O2 → CO
(combustão incompleta)
(5)
C + O2 → CO2
(combustão completa)
(6)
C + CO2 ↔ 2 CO
(equilíbrio de Boudouard)
(7)
Reações de redução
C + ½ Na2SO4 → CO2 + ½ Na2S
(8)
C + ¼ Na2SO4 → CO + ¼ Na2S
(9)
C + Na2SO4 → Na2O + SO2 + CO
(10)
CO + ¼ Na2SO4 → CO2 + ¼ Na2S
(11)
CO + Na2SO4 → Na2O + SO2 + CO2
(12)
As reações predominantes pelas quais o carbono é consumido dentro da camada são as
reações com o sulfato presente no smelt (reações 8 a 12). O fator-chave deste conceito é que a
redução do sulfato ocorre simultaneamente com a queima do carbono, e as reações entre
sulfato e carbono são mais rápidas que entre sulfeto e oxigênio (= reoxidação indesejada, ver
abaixo). Isto requer temperaturas suficientemente altas, onde a reação de oxidação do sulfeto
é uma reação controlada pela transferência de massa (diffusion control).
Temperaturas na faixa de 980 a 1040 °C são adequadas para a ocorrência destas reações.
d) Oxidação de inorgânicos: são reações exotérmicas que ocorrem rapidamente quando a
camada é enfrentada a um excesso de oxigênio e à falta de carbono. Além disso, é reprimida a
temperaturas muito altas - uma consequência da sua exotermia (Lei de Van t´Hoff). A mais
importante é a oxidação do sulfeto ao sulfato de sódio, exatamente o contrário do desejado:
Na2S + 2 O2 → Na2SO4 + 3.083 kcal/kg
(13)
O mecanismo de queima da gota de licor pode ser sumarizado conforme a Fig. 33.
56
Armin Isenmann
Fig. 33.
Química a partir de Recursos Renováveis
Mecanismo da queima de uma gotícula de licor negro.
As cinzas da caldeira de recuperação são periodicamente analisadas; elas têm na média a
composição indicada na Tab. 10.
Tab. 10.
Composição ideal das cinzas da caldeira de recuperação (valores médios
mássicos):
K2SO4 Na2SO4 NaCl Na2CO3 pH sol.
%
%
%
%
a 5%
13
61
17
9
11
Rel. Molar
Rel. Molar
Cl/(Na + K) K/(Na + K)
0,20
0,10
Reações e composição dos fumos
Fumo, ou “arraste de cinzas”, é o nome dado às partículas muito finas produzidas pela
volatilização dos compostos do sódio na fornalha. No caso da caldeira de recuperação estes
são quase exclusivamente sais inorgânicos. Em pequenas partículas os sais de natureza
alcalina são carregados junto aos gases da combustão e chegam na parte superior da caldeira
onde podem depositar-se (ou reagir!) nas superfícies metálicas mais frias. Elevar os sais de
sódio e potássio ao estado de vapor requer energia (= endotérmico), enquanto as condições
para sua volatilização são dadas logo acima de 900 °C:
57
Armin Isenmann
Tab. 11.
Química a partir de Recursos Renováveis
Dados físicos dos sais presentes na caldeira de recuperação
Sal
NaCl
KCl
Fusão
800 °C
772 °C
Evaporação
1461 °C 1413 °C
Na2O
K2O
920 °C >490 °C
-
-
NaOH
KOH
Na2CO3 K2CO3
319 °C
410 °C
854 °C
900 °C
-
-
1380 °C 1327 °C
Portanto, a geração de fumos tende a ser auto-limitante na ausência da fonte de calor. De fato,
quando chegam na saída da fornalha e passam pelos tambores de água, eles já voltaram para o
estado sólido – o que dificulta sua aderência e abaixa sua reatividade com os metais do
equipamento. Mesmo assim, podemos constatar relativamente alta taxa de corrosão nesta
parte da fornalha.
Durante a pirólise do licor quantidades consideráveis de compostos de enxofre reduzido
("TRS"), são geradas. Parte deste TRS vaporiza na fornalha e deve ser oxidado a SO 2 e
capturado, para que as emissões totais de TRS através dos gases da combustão sejam
mantidas baixas. O sequestro do SO2 é estabelecido pela presença de quantidade suficiente de
álcali nos gases de combustão, por sua vez regulada prioritariamente pela temperatura na
parte baixa da fornalha. À medida que a temperatura aumenta ocorre maior volatilização,
gerando maior concentração de álcalis nos gases. Desta maneira se gera condições propícias
para a captura do SO2, devido ao aumento da concentração de partículas de Na2CO3 e a reação
(15), resultando na formação de Na2SO4.
2 NaOH + CO2 → Na2CO3 (arraste) + H2O
(14)
Na2CO3 + SO2 + ½ O2 → NaSO4 (arraste) + CO2
(15)
A geração dos fumos acarreta também uma série de problemas cuja minimização é um desafio
constante aos engenheiros e ao material usado no gargalo da fornalha. Sabe-se da
agressividade dos vapores de NaOH que causam corrosão no lado mais frio da fornalha. Os
cloretos, NaCl e KCl, são igualmente bastante voláteis e potencializam o poder corrosivo do
hidróxido. Esta volatilidade dos cloretos é a explicação pela qual as cinzas tendem a ser
enriquecidas em cloreto e potássio (embora as porcentagens de K+ e Cl- serem baixas em
termos absolutos). Experiências têm mostrado que a proporção destes elementos em depósitos
e nas cinzas dos precipitadores pode ser de 2 a 3 vezes maior que a proporção dos mesmos no
licor para queima.
A formação de fumos possui então aspectos benéficos e problemáticos para uma caldeira de
recuperação. O principal benefício é a captura de gases de enxofre, diminuindo as emissões
totais de TRS e reduzindo o odor. O lado problemático está relacionado com a geração
excessiva e concentração de íons Cl- e K+ nos fumos, o que contribui fortemente para a
obstrução das passagens de gases e corrosão em geral. Maior detalhamento a este assunto será
o objeto da próxima seção.
Incrustações e a composição das cinzas
As incrustações nas tubulações de uma caldeira de recuperação têm sua origem nos gases da
combustão do licor na fornalha, onde sais de sódio e potássio (constituídos basicamente de
Na2CO3, Na2SO4, NaCl, KCl e K2SO4) incorporam-se ao fluxo ascendente de gases em
volumes maiores que os normais.
58
Armin Isenmann
Química a partir de Recursos Renováveis
As cinzas aderidas aos tubos caracterizam-se pela presença de partículas fundidas, ou
parcialmente fundidas, cuja composição é predominantemente Na2SO4 e Na2CO3. A aparência
e a composição química do depósito indicam que tipo de mecanismo deu origem ao arraste.
Pode-se afirmar que elevados níveis de concentração de Na2CO3 nas cinzas são indicativos de
arraste. Outro fato bastante citado na literatura é a cor rosada ou avermelhada dos depósitos,
indicando a presença de enxofre reduzido nos depósitos.
Os principais fatores que propiciam o arraste são:
a) O arraste mecânico de gotículas não queimadas é fortemente influenciado pelo nível de
sobrecarga da caldeira, que provoca um aumento no volume de gases de combustão e,
consequentemente, na velocidade de ascensão e remoção destes gases.
b) A aspersão de um licor insuficientemente concentrado para queima é outro fator que
fortemente contribui para o arraste mecânico de gotículas, pois o excesso de água que
é injetado na fornalha expande-se em vapor aumentando várias vezes em volume, e é
conduzido junto aos gases de combustão aumentando a velocidade do fluxo.
c) A deficiência na distribuição e na pressão do ar para combustão (especialmente o
terciário e/ou quaternário que são os responsáveis pela selagem da fornalha) é outro
fator determinante para a ocorrência do arraste mecânico de gotículas de licor.
d) Operação com temperaturas e pressões de licor inadequadas nos bicos aspersores.
e) A ocorrência de variações bruscas de queima de licor na caldeira também influencia no
arraste mecânico devido aos gradientes de pressão e às variações de vazão de gases
que ocorrem durante as mudanças.
A influência que cada um destes fatores exerce no arraste de cinzas e na formação de
depósitos depende de cada caso e, normalmente, vários fatores ocorrem simultaneamente,
sendo necessária a adoção de várias contramedidas que visam eliminar, ou pelo menos,
minimizar os seus efeitos.
Características incrustantes das cinzas
A composição química das cinzas (ver Tab. 10) pode contribuir negativamente na formação
de incrustações na parede externa dos tubos. Um mecanismo bastante conhecido na literatura
é a condensação dos vapores dos compostos inorgânicos que são arrastados junto com os
gases de combustão dando origem a cinzas bastante aderentes. K+ e Cl- em determinadas
concentrações e temperaturas geram uma fase líquida (Tfus(KCl) = 772 °C), aumentando a
aderência das partículas e tendo por conseqüência dificuldades na remoção dos depósitos e
aceleração do processo incrustante e de obstrução das passagens de gases da caldeira.
De um modo geral, os principais problemas causados pela alta concentração de cloreto e
potássio no ciclo de recuperação são as incrustações, a corrosão nas tubulações da caldeira,
bem como a recirculação constante destes inertes no processo.
Verificou-se também que a formação de depósitos nas tubulações depende da quantidade de
fase líquida presente nas cinzas e que esta quantidade de fase líquida por sua vez é dependente
da temperatura. Cinzas com porcentagem de fase líquida entre 15 e 70% incrustam nas
tubulações, causando problemas na troca de calor. Cinzas com menos de 15 ou mais de 70%
de fase líquida escoam pela tubulação, eliminando os problemas de deposição.
3.7.6 Caustificação e Calcinação
O processo de caustificação possui dois objetivos básicos e de essencial importância, que são
 a produção do licor branco para o cozimento dentro das especificações requeridas para
o processo e
59
Armin Isenmann
Química a partir de Recursos Renováveis
 a lavagem da lama de cal gerada durante o processo de caustificação para propiciar a
sua requeima em um forno de cal.
Nesta etapa fecha-se o ciclo de recuperação, onde, a partir do licor negro fraco originado de
um cozimento anterior chega-se a um novo licor de cozimento. Na próxima figura visualizase o processo de caustificação e forno de cal.
Fig. 34.
Fluxograma geral de caustificação e forno de cal. Fonte: Cenibra
3.7.7 O Licor verde
Originado da queima do licor negro forte na caldeira de recuperação, o smelt escorre pelas
bicas direção ao tanque dissolvedor onde se forma o licor verde. No tanque dissolvedor ocorre
sua diluição com o “licor branco fraco”, originado da lavagem de lama dando origem ao que
se chama de licor verde bruto. O licor verde bruto é composto basicamente de carbonato e
sulfeto de sódio, sendo que outros sais também estão presentes em menores concentrações,
tais como sulfato, tiossulfato e cloreto de sódio. Neste licor não clarificado também se
encontra um componente indesejável ao processo chamado de dregs 16, que deve ser
eliminado. O dregs é composto basicamente de material carbonizado, sílica, sulfetos
metálicos e outros sais.
16
D.V.S. Matias, Análise do potencial de valorização dos resíduos de Licor Verde da Indústria de Pasta de Papel.
Monografia disponível em
https://estudogeral.sib.uc.pt/bitstream/10316/20446/1/Disserta%C3%A7%C3%A3o_Final_DM.pdf
60
Armin Isenmann
Química a partir de Recursos Renováveis
Antes de ser submetido ao processo da caustificação (próximo item), o licor verde bruto tem
que passar por um processo de clarificação, que ocorre basicamente por sedimentação em
clarificadores tradicionais, ou através de filtros pressurizados em processos mais modernos. O
dregs é então removido nesta etapa e passa por um processo de lavagem para recuperação de
álcali, sendo então filtrado e descartado.
Após este processo de clarificação, tem-se o licor verde clarificado, que é um dos reagentes
do processo de caustificação. Note que a etapa do preparo do licor verde é uma das fontes dos
gases TRS (nota de rodapé 15), portanto a segunda maior fonte poluidora odorífica da fábrica
de celulose Kraft, logo depois do próprio digestor.
3.7.8 Preparo do licor branco (= "Caustificação")
O carbonato de sódio (soda) presente no licor verde é inativo no processo de cozimento, então
cabe à etapa de caustificação convertê-lo em hidróxido de sódio, principal agente de
cozimento, através da adição de cal virgem. Note-se que uma decomposição térmica da soda,
conforme Na2CO3  Na2O + CO2, é tecnicamente inviável, pois acontece somente acima de
1500 °C.
A preparação do licor branco inicia-se em um equipamento denominado extintor de cal. O
extintor de cal compreende um tanque com agitação e uma região de classificação que
consiste de uma calha inclinada com um raspador no fundo. Nele são alimentados o licor
verde, a cal virgem e água dando início às reações de caustificação. O licor branco bruto
transborda para a calha e segue por gravidade para os caustificadores, a próxima etapa do
processo. A cal não reagida e outras impurezas sedimentam no classificador e são então
removidas. A este resíduo dá-se o nome de grits.
Os caustificadores são tanques em série, usualmente em número de três, com agitação, onde a
reação de caustificação se completa.
A mistura do licor branco junto à lama de cal é então bombeada para grandes tanques
chamados de clarificadores de licor branco, que operam em série, ou para filtros pressurizados
nas fábricas mais modernas. Nos clarificadores ocorre a clarificação do licor branco através
da sedimentação da lama de cal em um processo semelhante à clarificação do licor verde.
Normalmente o primeiro tanque funciona como clarificador e o segundo como estocagem do
licor branco para envio ao digestor.
A qualidade do licor branco depende de um controle eficiente da reação de caustificação,
onde se atinge os valores de álcali efetivo e sulfidez desejados, e da decantabilidade da lama.
Lama com boa decantabilidade irá proporcionar um licor com baixos valores de sólidos
suspensos (menos que 40 mg/l), o que é ideal para o cozimento. Para auxiliar no processo de
clarificação do licor verde ou branco, podem-se usar polímeros especiais que auxiliam na
decantação do dregs e da lama de cal.
A lama de cal proveniente da etapa de clarificação de licor branco é bombeada ao lavador de
lama de cal, onde se adiciona água para a lavagem por diluição com o objetivo de se recuperar
o máximo em soda cáustica (NaOH) antes da etapa de calcinação. Esta lavagem pode ser feita
em uma unidade de decantação, filtro pressurizado ou filtro com pré-camada a vácuo
dependendo das instalações de cada fábrica.
O filtrado desta etapa é conhecido como licor branco fraco e é enviado ao tanque dissolvedor
de fundido na caldeira de recuperação como elemento de diluição. Opcionalmente pode-se
primeiramente enviar a lama de cal proveniente da clarificação do licor branco a um ‘filtro
recuperador de licor’, normalmente a vácuo com pré-camada, onde parte do licor branco bruto
é recuperada como licor branco clarificado.
61
Armin Isenmann
Química a partir de Recursos Renováveis
A lama de cal lavada é então bombeada ao misturador de lama e, posteriormente, a um filtro
ao vácuo para lavagem final, desaguamento e alimentação ao forno de cal (ver cap. 3.7.9).
A química do processo é relativamente simples, ocorre em duas etapas e pode ser
representada da seguinte maneira:
CaO + H2O
Ca(OH)2 + 270 kcal/kg de CaO
Ca(OH)2 + Na2CO3
(16)
2 NaOH + CaCO3↓
(17)
O óxido de cálcio (CaO) reage primeiramente com a água para formar hidróxido de cálcio
Ca(OH)2, liberando uma considerável quantidade de calor. Essa reação é conhecida como
extinção da cal. O hidróxido de cálcio resultante reage então com o carbonato de sódio do
licor verde, gerando hidróxido de sódio e a lama de cal que se precipita. Esta reação é a
caustificação propriamente dita.
Apesar das reações serem apresentadas como reações distintas e independentes, na prática, há
uma superposição das mesmas e a caustificação ocorre ao mesmo tempo em que a extinção.
Sendo as reações reversíveis, todo o carbonato de sódio não pode ser transformado em
hidróxido de sódio, qualquer que seja a quantidade de cal adicionada. O grau de conversão
atingido, denominado Eficiência da Caustificação, é definido como a razão entre o peso do
hidróxido de sódio final pela soma dos pesos do hidróxido de sódio e do carbonato de sódio
iniciais, conforme a equação 18.
Eficiência de Caustificação = NaOH final / (NaOH + Na2CO3) inicial
(18)
A eficiência de caustificação depende da concentração de álcali e da sulfidez do licor branco
conforme pode-se verificar através da Fig. 35. Na prática procura-se operar com eficiências de
caustificação 5% abaixo do limite máximo estipulado na Fig. 35, com o objetivo de evitar a
geração excessiva de lama de cal (CaCO3) no extintor de cal. Uma conversão máxima é
desejável, pois o carbonato não convertido representa uma carga inerte no sistema e
necessidade adicional de soda cáustica. Por outro lado, o uso de licor mais fraco para obter
um maior grau de conversão significa um incremento de custos na evaporação.
Uma falta em cal neste processo da caustificação é conhecida com "under-liming", um
excesso de cal como "over-liming". Ambos os desvios são prejudiciais para a fábrica, portanto
a adição da cal é sujeito de controle permanente.
62
Armin Isenmann
Química a partir de Recursos Renováveis
Fig. 35. Eficiência da caustificação em função do álcali total (determinado por
titulação).
A explicação de menor eficiência na caustificação com um licor mais concentrado é que o
hidróxido de sódio na solução reduz progressivamente a solubilidade do hidróxido de cálcio,
até que não existam mais íons cálcio presentes que sejam suficientes para exceder o limite de
solubilidade do carbonato de cálcio (= reverso da reação 17).
63
Armin Isenmann
Química a partir de Recursos Renováveis
Fig. 36. Esquema da recuperação da lixívia usada, separando as partes coloridas (da
lignina, principalmente)
Fonte: http://www.endersprocess.com/proc1.html
Molten smelt, a by-product of the Kraft pulping process for making paper, is dissolved in water to become green
liquor. Clarified green liquor is then reacted with lime in a slaker (called causticizing). This produces a fresh
pulping chemical cooking solution (white liquor) and lime mud or lime sludge. Lime mud or sludge is in turn
recalcined to lime or calcium oxide (CaO) by removal of carbon dioxide with heat. The result is fresh lime, ready
for use in the slaker.
The Enders' fluidized bed lime calciner is a two-stage fluidized bed reactor, in which the upper compartment is
the dryer and the lower compartment the calciner. Lime mud is pumped into the drying stage where it is dried
with hot gases flowing through the bed from the calcining stage and becomes part of the fluidized bed. Bed level
is maintained since it is continually being skimmed off the top (overflows to feed transfer piping and into
calciner stage).
Um exame rigoroso de todas as variáveis que afetam a concentração ótima do licor branco é
um estudo muito complexo, mas os efeitos das diferentes concentrações de licor sobre a
caustificação são facilmente avaliados.
3.7.9 Calcinação
A calcinação é basicamente o processo de conversão da lama de cal (inglês: lime slag) em cal
requeimada. Esta reação processa-se a elevadas temperaturas, acima de 800 °C, em fornos
rotativos, que funcionam como reatores e como dispositivo para transferência de calor. Os
fornos são equipamentos de grandes dimensões, com comprimentos que podem chegar a mais
de 100 m e 5 m de diâmetro, a princípio idênticos aos fornos rotativos da indústria cimenteira
17
. No entanto, os fornos da fábrica de celulose não operam a temperaturas tão altas, já que
não é o objetivo fundir os minerais, mas apenas descarboxilar a CaCO3.
O processo compreende a filtragem da lama de cal, devidamente lavada, com o objetivo de se
atingir elevados teores de sólidos, geralmente acima de 70%. A lama de cal filtrada é então
encaminhada ao forno de cal com o objetivo de ser calcinada dando origem novamente à cal,
CaO.
A cal produzida possui impurezas e material não calcinado que podem chegar até 12% da
massa total. Este fato dá origem ao conceito de cal útil, que é o produto total da calcinação
menos a carga de inertes.
A conversão da lama de cal em cal requeimada é um importante passo para a produção do
licor branco de cozimento no processo Kraft e normalmente fornece mais de 95% das
necessidades de cal da fábrica. O abastecimento pode ser através da compra de cal virgem ou
através da calcinação de calcário na própria fábrica. Neste último caso tem-se a necessidade
de aproveitar da capacidade do forno. Normalmente os fornos utilizam óleo ou gás como
combustível, sendo que em algumas instalações, os gases não condensáveis provenientes da
evaporação e outros gases, como H2, são utilizados como combustíveis.
Podemos dividir o forno de cal tradicional em quatro regiões funcionais: secagem da lama de
cal, aquecimento, calcinação propriamente dita e resfriamento.
17
Ver painel didático A. Isenmann, “Alvenaria e vidro – Os pilares da civilização moderna”, disponível no site
http://www.timoteo.cefetmg.br/site/sobre/cursos/quimica/repositorio/paineisdidaticos/
64
Armin Isenmann
Química a partir de Recursos Renováveis
A secagem da lama pode ser realizada em secadores de lama, que são equipamentos
acessórios aos fornos e aproveitam o calor residual dos gases da combustão ou no interior do
próprio forno, logo nos primeiros metros. A lama é aquecida em contracorrente com os gases
da combustão e com a energia armazenada em correntes instaladas em seu interior. Os
secadores de lama conferem maior eficiência energética ao processo.
A segunda etapa consiste no aquecimento da lama de cal até a temperatura de calcinação,
quando se inicia a terceira etapa com a conversão do carbonato de cálcio em óxido de cálcio.
Na descarga do forno rotativo existe um arrefecedor para a cal queimada, aproveitando das
altas temperaturas do produto para pré-aquecer o ar de combustão deste forno.
O fluxograma de um sistema moderno de calcinação e recuperação da lama de cal, sendo uma
alternativa ao forno rotativo, é dado na Fig. 36.
Fig. 37.
Perfil térmico ao longo do forno de calcinação da fábrica de celulose.
A reação química da calcinação neste forno é bastante simples:
426 kcal.kg-1 + CaCO3  CaO + CO2 
(19)
Os gases da combustão do forno de cal devem ser tratados por algum dispositivo de retenção
de material particulado antes do lançamento na atmosfera. Os limites máximos permitidos de
emissão de material particulado variam de país para país, de estado para estado, de cidade
para cidade e tendem a ser mais rígidos quão mais proximidade da fábrica a um agrupamento
populacional. Os filtros mais comumente usados são ciclones e, para remover as últimas
poeiras, filtros eletrostáticos.
65
Armin Isenmann
Química a partir de Recursos Renováveis
Eletrodo
Entrada
Arames
de
Saída
gás
de
gás
Partículas recuperadas
Eletrodo de Eletrodo de
captação
emissão
Alta tensão contínua
Fig. 38. Esquema de filtros de pó. Em cima e à esquerda: filtro eletrostático; à
direita: ciclone.
66
Armin Isenmann
Química a partir de Recursos Renováveis
3.7.10 Branqueamento da polpa celulósica
Papel branco, quando mais branco, mais valorizado é. O fenômeno físico atrás da brancura da
celulose é a refletância não direcionada da luz visível. Infelizmente, não é uma tarefa fácil de
se produzir uma celulose opticamente limpa. E como todos sabem, o papel mostra a tendência
de amarelar, ao longo do tempo e – especialmente rápido quando for exposto à luz direta 18.
Uma aparência amarela, por sua vez, é nada outro do que a absorção específica de uma parte
da luz visível; a ser correto, o material absorve a cor complementar do que nós observamos.
No caso do amarelo-marrom, isto é um tom azulado.
Portanto, a medição da alvura da celulose, melhor falado da refletância da celulose no
espectro visível, é feita justamente com uma fonte de luz azul, a 457 nm, irradiada de maneira
difusa, enquanto a luz espalhada pela amostra é registrada por um “observador normal” 19. O
ensaio é padronizado e tem como referência uma substância inorgânica branca (MgO, BaSO 4
ou TiO2) cuja refletância é colocada na marca de 100%. Ainda depende, de menor grau, da
grossura, umidade, aglomeração e orientação das fibras dentro da amostra.
A lignina é a principal responsável pela tonalidade escura da polpa crua de celulose.
Dependendo do grau de cozimento efetuado, a polpa que sai da centrífuga no
descarregamento do digestor, pode ainda conter até 5% de lignina.
Em segunda linha o amarelecimento da celulose pode ser causado pela presença das seguintes
impurezas:
 Produtos da degradação da lignina (fragmentos despolimerizados, alquenos
conjugados devido à desidratação, estilbenos, etc.);
 Ácidos hexenurônicos (= ácidos carboxílicos -insaturados; fragmento proveniente
da hemicelulose e gerados durante o polpamento Kraft);
 Grupos carbonilas e carboxilas, especialmente quando estar em conjugação com C=C
e com sistemas aromáticos;
 Extrativos da madeira (ácidos resinosos, ácidos graxos insaturados, polifenóis)
 Íons metálicos (principalmente o Fe3+, mas também Cu2+ e Mn2+) 20
A remoção da lignina e das demais impurezas que contêm grupos cromóforos é necessária,
não só para se obter uma celulose quimicamente pura, mas também para dar um aspecto de
alvura elevado, característica fundamental de um produto final com alta qualidade. Além
disso, maiores esforços na purificação reduzem a tendência natural da reversão da alvura – um
amarelamento lento do produto acabado, visível ao longo de meses e especialmente severo
quando irradiado pelo sol.
18
O fenômeno é conhecido como “Reversão da Alvura”, o segundo mais importante critério de pureza da
celulose; é promovido pelos fatores luz, calor, umidade, produtos químicos e oxigênio, e as principais fontes
dessa instabilidade são um pH inadequado após a última etapa de lavagem, lignina residual, extrativos, metais
(Fe3+), carbohidratos oxidados (grupos carbonilas e carboxilas), oxidantes residuais do processo do
branqueamento (especialmente cloritos, ClO2-), aditivos no papel, e, mais severo que qualquer outro, os ácido
hexenurônicos.
19
Os detalhes da colorimetria, fontes de luz normatizadas, observadores normais e sistemas colorimétricos, leia
em
A.
Isenmann,
“Corantes”,
cap.
7.
Disponível
em
http://www.timoteo.cefetmg.br/site/sobre/cursos/quimica/repositorio/livros/corantes/index.html
20
Ao contrário destes íons metálicos, onde cada um é capaz de formar complexos coloridos com estruturas
orgânicas insaturadas, a presença do íon Mg2+ é considerada favorável ao processo de branqueamento, já que não
faz complexos coloridos; além disso, tem um efeito estabilizante e protetor frente à celulose do que se aproveita,
especialmente em etapas de baixa seletividade (O2, H2O2, ClO-) e/ou reagentes muito agressivos (O3).
67
Armin Isenmann
Química a partir de Recursos Renováveis
H OH
C
H OH
C
O
Ar´
OCH3
OCH3
O
O
O
Ar
O
trans-estilbenos
(da Lignina condensada)
Estruturas quinóides
(da Lignina oxidada)
HexA
Cel
OHFe3+
Cel
Cel
Lig
CH2OH
O O
OH
O
O
Complexos coloridos
(impurezada de metais de transição)
COOH
O
OH
COOH
O O
OH
O
O
OH
Xilana
CH2OH
O O
O
O
O
CH2OH
O O
O
HO
OH
OH
Ácido hexenurônico típico
(fragmentos da Hemicelulose)
Grupos carbonilas, carboxilas, endiol
(Carbohidratos oxidados)
Fig. 39. Centros cromóforos e pro-cromóforos, estruturas que são responsáveis pela
aparência amarela-marrom da polpa celulósica crua e parcialmente oxidada.
Resulta então bleached hardwood kraft pulp (BHKP – celulose Kraft branqueada de fibra
curta a média), por sua vez o segmento industrial mais forte na produção industrial brasileira,
com uma taxa de crescimento anual (CAGR) de 4,3%, na média, desde 2000.
O descoramento da celulose crua, geralmente chamado de branqueamento, é uma exigência
da maioria dos aplicadores desta matéria-prima, principalmente da indústria de papel branco
para imprimir ou escrever.
A faixa de alvura depende da finalidade da polpa de celulose. Como a maioria é usada para a
produção de papel (ver p. 95), podemos classificar grosseiramente o grau de alvura ser em:
 Embalagens: 25 a 30%
 Jornal: 60 a 70%
 Papel de impressão, xerox e escrever: 80 a 90%
De longe o reagente mais aplicado para o branqueamento é o cloro ou derivados inorgânicos
dele. O cloro elementar, Cl2, caiu fora da graça do consumidor devido ao elevado grau de
poluição ambiental e às campanhas nas mídias que alertam o alto perigo deste gás.
Especialmente perigosos são os compostos orgânicos com cloro, todos de elevada toxicidade
(entre eles as super-toxinas do tipo dioxina), que são eluídos com a água do processo. Como o
cloro representa em primeira linha um eletrófilo (mas também pode gerar radicais agressivos
Cl.), seus primeiros alvos dentro da polpa marrom são os compostos altamente insaturados e
68
Armin Isenmann
Química a partir de Recursos Renováveis
aromáticos ricos em elétrons: a lignina e os ácidos hexenurônicos. Nestes pode ocorrer a
substituição no anel aromático e/ou a adição do cloro na dupla-ligação C=C alifática.
Também ocorrem reações de oxidação e a abertura de compostos cíclicos (inclusive
aromáticos), no entanto, é o cloro radical sendo o responsável para esta reatividade.
No branqueamento da sequência C-E-H-H (ver Tab. 13), por exemplo, são liberados 3 a 5 kg
destes compostos, a cada tonelada de polpa seca. Numa estima grosseira, a indústria de
celulose libera em torno de 250 mil toneladas de cloro ligado organicamente ao ano,
perfazendo mais que 200 compostos identificados, até o momento. O grande problema dos
organoclorados, além do seu elevado potencial tóxico, é sua durabilidade extraordinária e
acumulação na natureza, já que não podem ser degradados por microorganismos.
Mesmo assim, o Cl2 está bastante usado ainda, especialmente na China, por ser muito barato.
O cloro é aplicado em um dos primeiros estágios do branqueamento, onde a lignina residual,
por sua vez causa número um da coloração marrom da celulose crua, pode ser clorada com
alta seletividade. Através desta derivatização a lignina torna-se mais solúvel na água e pode
ser removida em 80 a 90%, na etapa de lavagem subsequente. O estágio de lavagem ou
extração, geralmente é feito em ambiente alcalino (pH 10 a 11; 50 a 70 °C; tempo de
retenção: 1 hora), para amenizar a fibra da celulose.
A fim de destruir o restante dos grupos cromóforos que a celulose proveniente desta etapa “E”
ainda contém, o cloro elementar não serve, pois ele quando aplicado em excesso, pode
provocar uma derivatização da própria celulose:
 Em primeiro lugar devem ser mencionadas as oxidações que podem ocorrer nos
grupos alcoólicos dos carbonos C6, C2 e C3 (em ordem de reatividade), que produzem
grupos carbonilas, então potenciais grupos cromóforos.
 Também é notável a taxa de hidrólise dos elos entre as unidades de glicose, os acetais,
devido ao pH que é tipicamente ácido durante o tratamento com cloro elementar.
Resultam desta reatividade fragmentos hemiacetais são imediatamente oxidados a
lactonas.
 Por fim, observa-se até uma a troca dos grupos –OH na unidade glicosídica por –Cl
(substituição nucleofílica promovida por HCl), que leva a produtos consecutivos,
organoclorados reativos e tóxicos.
Como todas essas reações são nocivas à qualidade e o rendimento da celulose, opta-se nas
etapas tardes do branqueamento por outros oxidantes poderosos e mais seletivos, ao mesmo
tempo com baixo poder de cloração e baixo potencial de derivatizar/degradar a própria
celulose.
Etapas do branqueamento
O branqueamento da polpa de celulose acontece tipicamente em vários estágios operacionais.
Os princípios químicos atrás destas etapas são oxidação alternando com extração dos
hidrossolúveis em ambiente alcalino. Já as etapas redutoras e extrações em ambiente ácido
são bem menos aplicadas. É usual identificar o tratamento químico através de uma letra típica,
conforme a tabela a seguir:
Tab. 12.
As principais técnicas de alvura e suas particularidades.
Sigla
Agente ativo
Comentário
C
Cloro
elementar, Cl2.
A aplicação de cloro elementar constituía o primeiro estágio das
sequências de branqueamento clássico. Derivatiza e
despolimeriza a lignina que pode ser solubilizada e removida
69
Armin Isenmann
Química a partir de Recursos Renováveis
por um processo de lavagem em seguida (eficácia de um
estágio: 40-60%). Apesar de ser pouco custoso, seu consumo é
cada vez menos incentivado na indústria por ser altamente
poluente. Cloro elementar somente existe no ambiente ácido
(pH
2),
enquanto
um pH
alto
promove
seu
desproporcionamento em Cl- e ácido hipocloroso/hipoclorito,
ClO- (ver abaixo).
Condições típicas: 0,15-0,26% de Cl2, 30-50 °C, 5-30 min, pH
1,5-2,0.
D
Dióxido
de Com maior especificidade para lignina, maior potencial de
cloro, ClO2.
oxidação e menor tendência de fazer substituições eletrofílicas.
Era utilizado como último estágio de branqueamento, em
pequenas concentrações, por seu custo elevado e sua
periculosidade. Depois eram misturados o Cl2 e ClO2, já com
potencial econômico em comparação ao Cl2 puro. Hoje o ClO2
é o maior substituto do cloro elementar, compensando gastos
pelo tratamento simplificado dos efluentes. Também os graus
de degradação da celulose provocada por outros oxidantes
(hipoclorito, peróxido) são amenizados pela aplicação de uma
etapa D.
Condições típicas: dosagem de ClO2 0,5-2,0%, 70-90 °C, 3-5 h,
pH 4.
H
Hipoclorito,
ClO-.
Degrada notavelmente a celulose em pH neutro, onde existe em
forma de ácido hipocloroso, HClO, tanto por oxidações dentro
da unidade monomérica (C2, C3, C6) como por clivagem das
cadeias poliméricas (no C1). Portanto, é aplicada sob condições
alcalinas pH > 9 (onde é conhecido com “água sanitária”), em
etapas intermediárias ou finais da sequência do branqueamento.
Condições típicas: 1-2% NaClO ou Ca(ClO)2 em termos de
cloro ativo, 30-50 °C, 2-3 h, pH 10-11.
Z
Ozônio, O3.
A geração do ozônio é um processo eletroquímico custoso e de
baixo rendimento, especialmente se for feito a partir do ar;
melhor resultado a partir de O2 puro: se obtém até 10% de O3,
enquanto 90% são dissipados em forma de calor. O3 é o
oxidante mais forte desta tabela (0 = +2,07 V) e um agente
eficaz de branqueamento - se for aplicado sob condições
controladas; se não O3 degrada severamente a celulose
(despolimerização, formação de grupos carbonilas, etc.). Além
das suas reações típicas, substituição eletrofílica no aromático e
cicloadição do O3 como 1,3-dipolo em duplas-ligações C=C, o
ozônio também pode gerar radicais livres que fazem reações
subsequentes. O3 traz vantagens econômicas no processo ECF.
Condições típicas: polpa mais espessa possível, baixa
temperatura (20 °C), baixa dosagem de O3 (0,2% da polpa), 1-2
minutos, pH < 3.
E
Extração
alcalina,
pode ser:
Após um estágio oxidante, forma o ligninato de sódio, solúvel
que em meio básico, posteriormente removido da polpa
parcialmente branqueada através de filtração rotativa a vácuo.
70
Armin Isenmann
Química a partir de Recursos Renováveis
Diminui a quantidade de estágios e consumo de outros
reagentes, conservando fisicamente a polpa. A eficiência é
aumentada com a adição de concentrações menores de
oxigênio, hipoclorito ou peróxido de hidrogênio.
Há duas maneiras de se tornar a extração mais eficaz:
EO Extração
oxidativa.
Aplicando-se NaOH (menos usados: Ca(OH)2 e Na2CO3) e O2.
Condições típicas: pH 11, 1-2 horas, 50-80 °C, 2-4% de álcali
em relação à celulose pura e seca. Remove ligninas cloradas e
oxidadas, resinas, ácidos graxos e sobras da hemicelulose. As
etapas da extração intermediárias ajudam a economizar
reagentes químicos agressivos e seguram o nível de alvura já
alcançado. Etapas extrativas bem feitas são essenciais nas
tecnologias ECF e TCF (expressões ver p. 80).
EP Extração
peróxido.
com Soda cáustica e água oxigenada, H2O2. EP é muitas vezes
aplicada em combinação com EO, daí chamada de EOP. A
própria celulose é geralmente pouco afetada por essas etapas.
Condições típicas do estágio EOP: alta diluição da polpa, 70-90
°C, 60-120 min, pH 10,5-11, 0,2-0,5% H2O2 (e 0,01-0,05% do
aditivo Mg2+, se for necessário).
O
P
Oxigênio
Remove a lignina da polpa sob pressão, devido à baixa
comum em alta solubilidade do O2. Condições típicas para BHKP: 6 atm, 95 °C,
concentração.
1 hora, pH 11-12, 10% de polpa em suspensão. É menos nocivo
ao meio ambiente e o agente oxidante mais barato. Atualmente
representa uma alternativa ao estágio com ozônio. Entretanto, é
o menos específico para a remoção da lignina (intermediários
são radicais bastante agressivos) e diminui consideravelmente a
viscosidade da celulose. A seletividade pode ser melhorada pela
presença de Mg2+.
Peróxido
de H2O2 não ataca notavelmente a lignina residual nem os ácidos
hidrogênio,
hexenurônicos, mas descolora os grupos cromóforos (oxidação
H2O2.
dos grupos carbonilas para carboxilas que são incolores e/ou
mais solúveis). A espécie ativa é o íon perhidróxido, HOO-.
Infelizmente, uma parte da celulose é derivatizada também.
H2O2 é facilmente destruído por metais de transição,
especialmente Mn2+. Estes devem ser então complexados
(EDTA ou silicatos) ou removidos (lavagem ácida) antes do
estágio P; o Magnésio tem efeito benéfico neste estágio (ideal:
Mg/Mn > 50)
Condições típicas do estágio P (aplicado mais no final da
sequência, após D, Z e perácidos): aditivo Mg2+ de 0,01-0,05%,
100-110 °C sob pressão (3-5 bar O2), 2-5% H2O2, 120-240 min,
pH 10-11,5.
Menos usados e somente aplicados em polpas especiais são as seguintes etapas (em
parênteses o símbolo mais usado na literatura):
 Lavagem ácida (A); elimina os ácidos hexenurônicos, os principais responsáveis pela
reversão de alvura; também solubiliza os íons metálicos. Uma etapa A, geralmente
71
Armin Isenmann
Química a partir de Recursos Renováveis
aplicada no início do branqueamento, ajuda a economizar outros reagentes oxidantes
em etapas subsequentes, em até 50%. Também pode substituir a etapa com ozônio, por
que ataca basicamente as mesmas impurezas da polpa. Infelizmente, as ligações
glicosídicas da celulose (= acetais) são notavelmente hidrolisadas sob as condições da
extração ácida, o que acarreta uma sensível redução do tamanho das cadeias e um
aumento da solubilidade da celulose (perda nas fibras: ~2%).
 Quelação com EDTA (Q); serve para remover os íons de metais de transição que
fazem complexos coloridos e/ou promovem o ataque por radicais livres;
 Redução com ditionita S2O42- (Y),
 Redução com boridreto BH4- (B),
 Redução com dióxido de tiouréia (= formamidina de ácido sulfínico, H 2N-C(=NH)S(=O)-OH),
 Branqueamento enzimático (X). São do tipo xilanase, mananase, peroxidase ou lacase
e funcionam melhor na presença de um agente mediador (caro). Enzimas solubilizam
as impurezas provenientes das hemiceluloses, então ajudam economizar agentes
oxidantes agressivos. Porém, resíduos dessas enzimas no produto branqueado podem
causar alergias.
 Aplicação de perácidos, tais como perácido fórmico, acético ou ácido de Caro, H2SO5.
Estes são facilmente gerados “on site” numa etapa onde se usa H 2O2; no entanto, os
perácidos são instáveis e se decompõem na presença de metais de transição, em meio
alcalino e em altas temperaturas.
Com a experiência de mais de 150 anos se mostraram as seguintes sequências apropriadas
para conseguir determinados efeitos de branqueamento:
Tab. 13.
Sequências típicas das etapas de branqueamento e o grau de alvura.
Alvura
Sequência das etapas
até 75%
C-E-H
de 75 a 80%
C-E-H-H, C-E-D
de 80 a 85%
C-H-E-H, C-E-H-E-H, C-E-D, E-H-D
de 85 a 90%
O-C/D-EO/P -D, C-E-D-E-D, C-E-H-D-P, O-D-EO-D
acima de 90%
C-E-H-E-D-P, C-E-D-E-D, CD-E-D-E-D, O-CD-EO-D-D
A máxima do branqueamento é o beneficiamento da celulose crua sem interferir na sua
estrutura química. Porém, cada procedimento de branqueamento acarreta também uma perda
no rendimento da polpa, geralmente de 3 a 10%. Isso não só se deve à extração das partes
indesejáveis inclusive hemiceluloses, mas também e infelizmente ao ataque químico na
própria celulose. A degradação da celulose se manifesta em primeira linha na degradação do
grau de polimerização, quer dizer que a cadeia polimérica da celulose foi picada em pedaços
menores. Tecnicamente isso se anota na qualidade físico-química do produto: a viscosidade
da celulose soluta diminui e a facilidade de dissolvê-la aumenta. Em menor grau as próprias
unidades monoméricas podem ser afetadas pelo tratamento químico do branqueamento
(desidratações, oxidações, quebra da cadeia carbônica).
72
Armin Isenmann
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A tecnologia do branqueamento é dominada por torres. Após cada tratamento químico (feito
em bateladas) segue geralmente uma etapa de extração, onde a polpa é lavada em
contracorrente. As lavagens ajudam economizar em agentes químicos da sequência. Água
fresca, no entanto, usa-se apenas na primeira e na última extração da sequência, para reduzir o
volume em águas servidas. Os materiais dos tanques, torres e tubulação é um grande desafio
para os engenheiros, devido à altíssima agressividade dos reagentes. Isso vale especialmente
para etapas no ambiente ácido, quer uma cloração que uma extração oxidante. Onde a
resistência do aço inoxidável não for resistente o suficiente, outros materiais bem mais caros
são usados, tais como titânio ou teflon.
Fig. 40. Esquema de torre de extração, onde o fluxo da polpa pode ser ascendente ou
descendente.
73
Armin Isenmann
Fig. 41.
MG.
Química a partir de Recursos Renováveis
Linhas 1 e 2 de branqueamento da empresa CENIBRA em Belo Oriente –
Segue uma relação do consumo de químicos na linha do branqueamento, dando valores
médios dos processos aplicados em 2010.
Tab. 14. Consumo médio de reagentes e custos de branqueamento, por tonelada de
celulose seca.
Reagente
Quantidade
Cloro elementar
15 a 20 Kg
Soda cáustica
15 a 25 Kg
Dióxido de cloro
5 a 8 Kg
Peróxido de hidrogênio
4 a 6 Kg
Oxigênio ativado
16 a 24 Kg
Custo de água
US$ 1,00
Custo de energia / vapor
US$ 1,00
Custo total
US$ 30,00
Entre várias opções (ozônio, oxigênio tripleto, oxigênio singleto, água oxigenada, compostos
oxidantes contendo cloro, entre outras) a indústria do papel branco opta hoje pelo dióxido de
cloro, ClO2, cujas particularidades e reatividade químicas serão apresentadas a seguir.
Especialmente eficaz na alvura: o dióxido de cloro
A molécula do dióxido de cloro tem um número impar de elétrons (molécula “odd”), portanto
é um radical livre. Com uma entalpia padrão de formação de fH0 = +104,6 kJ.mol-1 o dióxido
74
Armin Isenmann
Química a partir de Recursos Renováveis
de cloro representa um composto endotérmico e, portanto, instável. Isso explica em parte sua
altíssima reatividade como oxidante, enquanto seu potencial para fazer substituições, tanto
nucleofílicas como eletrofílicas, fica baixo. É facilmente solúvel na água fria, onde mantém
sua alta reativiade e seu manuseio fica mais seguro.
Embora o ClO2 é um dos mais potentes reagentes no branqueamento da polpa celulósica, não
podemos calar sobre seu difícil manuseio: é um gás altamente tóxico, inflamável, corrosivo,
que em alta concentração se torna explosivo! Os efeitos nocivos (não cumulativos) sobre a
saúde humana se refletem nos seguintes valores:

A exposição a 0,1 ppm de ClO2 no ar ainda é permitida por 8 horas;

Seu cheiro se percebe acima de 1 ppm;

Torna-se irritante acima de 5 ppm;

É perigoso acima de 10 ppm e, finalmente,

Tem efeito letal acima de 20 ppm.
Tudo isso obriga a fábrica de usar equipamentos herméticos especiais (caro), um sistema de
alerta altamente sensível e um plano de emergência especialmente rigoroso.
Ainda um fato surpreendente: quando o ClO2 for misturado com cloro livre, os graus de
corrosão nos tanques e tubulações são até menores do que no uso do Cl2 puro, devido à menor
concentração de Cl- e H+ (explicação: o Cl2 puro gera 5 vezes mais cloretos do que o ClO2,
dado o mesmo efeito de oxidação).
Mas agora vamos olhar como o ClO2 é feito.
O NOX do cloro no ClO2 fica entre o do ácido cloroso (HClO2; sais: cloritos) e do ácido
clórico (HClO3; sais: cloratos). Portanto, o ClO2 pode ser obtido, tanto por oxidação de
cloritos como por redução de cloratos.
Em laboratório o ClO2 é comumente gerado a partir da oxidação do clorito de sódio com O2,
Cl2 ou HClO:
2 NaClO2 + Cl2 → 2 ClO2 + 2 NaCl
(1)
2 NaClO2 + HClO + HCl → 2 ClO2 + 2 NaCl + 2 H2O
(2)
Outro método aplicado em pequena escala é o desproporcionamento do clorato de sódio, onde
o co-produto é o perclorato de sódio, por sua vez mais estável do que qualquer outro sal
NaClOx:
2 HClO3
HClO2
+ HClO4
(3)
HClO2 + HClO3
2 ClO2
+ H2O
(4)
――――――――――――――――――――――――――
3 HClO3
2 ClO2 + HClO4 + H2O
(5)
75
Armin Isenmann
Química a partir de Recursos Renováveis
Como se vê na equação (4), é preciso retirar a água para deslocar o equilíbrio à direita.
Tecnicamente se consegue isso ao tratar o clorato de potássio, a 0 °C com ácido sulfúrico
concentrado. Daí o ácido clórico liberado (KClO3 + H2SO4  HClO3 + KHSO4) se
decompõe espontaneamente, conforme (3) e desidrata conforme (4) formando o anidrido
misto, ClO2 21.
Em escala industrial, no entanto, o ClO2 é gerado exclusivamente por redução de clorato de
sódio, NaClO3, como será mostrado em detalhe nas reações (14) a (17); a reatividade geral
nestas sínteses:
ClO3- + 2 H+ + e- → ClO2 + H2O
(6)
É o caminho único por que o clorato de sódio é um sal, de manuseio bem mais fácil (mas não
livre de perigos!), pode ser concentrado, isolado, transportado e estocado por tempo
indeterminado. Então temos que esclarecer como se consegue o clorato de sódio, NaClO3.
Quando a eletrólise de uma salmoura ("Eletrólise cloro-álcali"), saturada em NaCl e à quente,
é feita sem separação das células por membranas, o cloro produzido no ânodo se une
livremente com o NaOH produzido no cátodo.
Ânodo (oxidação):
Cátodo (redução):
2 Cl-
→ Cl2 + 2 e-
2 H2O + 2 e- → H2 + 2 OH-
(7)
(8)
Reação consecutiva é o desproporcionamento do cloro que acontece especialmente fácil em
ambiente alcalino:
Cl2 + OH- → Cl- + H+ + ClO-
(9)
Até aqui o processo serve para gerar os reagentes de alvura, cloro elementar (C) e hipoclorito
(H). Porém, na presença de certos metais (Fe, Cu, Mn, Ni, Co) e sob insuficiência de álcali
(ou compensação do álcali produzido, pelo acréscimo de ácido durante a eletrólise), o
hipoclorito formado na reação (9) libera o ácido hipocloroso que é instável e se decompõe
conforme:
2 HClO → 2 HCl + O2
(10)
3 HClO → 2 HCl + HClO3
(11)
Destas, somente a reação (11) é útil para a fábrica, enquanto (10) atenua o rendimento e
somente aumenta os custos do processo. As reações que acontecem nas imediações do ânodo
21
A reação (5) serve na analítica qualitativa, para comprovar cloratos. Basta tratar a amostra com ácido sulfúrico
concentrado. O ClO2 liberado se percebe indiretamente: sob as condições aplicadas esse gás explode
espontaneamente – o que se percebe pelos estorinhos.
76
Armin Isenmann
Química a partir de Recursos Renováveis
levam então ao clorato de sódio, NaClO3, enquanto uma parte do reagente continua como
cloreto:
3 Cl2 + 6 OH- → ClO3- + 5 Cl- + 3 H2O
(12)
Como já mencionado na reação (8), a eletrólise libera no cátodo hidrogênio que sobe da célula
de eletrólise e pode ser usado como combustível alternativo nas fornalhas. Apesar desta
vantagem energética, podemos afirmar que este processo eletroquímico representa um dos
maiores consumidores de energia (elétrica) na fábrica de celulose!
354 kJ + NaCl (aq) + 3 H2O → NaClO3 (aq) + 3 H2.
(13)
Condições típicas na célula de eletrólise onde se produz o clorato de sódio:

Ânodo: titânio revestido por dióxido de rutênio;

Cátodo: aço carbono;

Temperatura: 40 °C;

Regulamento do ambiente a pH 6 (adição de HCl);

Mistura mecânica durante o processo, estabelecida pelo ânodo móvel.

Reação é incompleta, portanto precisa de remoção do restante do NaCl, por
cristalização fracionada.
Hoje é possível produzir 280 a 700 g de NaClO 3 (e 80 a 180 g de NaCl), a cada litro de
salmoura primária. O clorato de sódio é matéria-prima para fósforos, fogos de artifício,
herbizidas, percloratos, hipocloritos e geradores de oxigênio 22, entre outros; sua produção
anual é crescente, ela alcançou 450.000 t no ano 2013, somente nos EUA.
Mas >90% do NaClO3 são atualmente tratadas com ácidos para liberar dióxido de cloro que
tem aplicação quase exclusiva no branqueamento de polpa celulósica. O ClO2 é um
branqueador superior ao cloro livre, no processo de branqueamento da celulose, porque age
apenas como oxidante e não como agente de cloração frente à celulose. Atenção especial deve
ser prestada a este reagente, pois torna-se altamente explosivo em concentrações elevadas.
Portanto, o ClO2 é, sempre que possível, produzido no local da sua aplicação.
A liberação do dióxido de cloro a partir do clorato de sódio, conforme descrito pela reação
(6), pode ser estabelecida em grande escala por diversos “redutores”. Redutores entre aspas,
por que na maioria das reações químicas que conhecemos com essas substâncias, elas não tem
22
“Velas de oxigênio” são instaladas em cima de cada poltrona nos aviões passageiros. Quando houver uma
descompressão ou falta de oxigênio, uma máscara cai do teto e no outro lado da mangueira ocorre a seguinte
reação: NaClO3 + Fe → NaCl + FeO + O2. O calor liberado por esta reação é considerável e o gerador de
oxigênio pode esquentar-se até 260 °C.
77
Armin Isenmann
Química a partir de Recursos Renováveis
o papel de redutor. Mas aqui funcionam como tais, já que o clorato de sódio tem um elevado
potencial como oxidante.

Dióxido de enxofre, SO2 (meio reacional: H2SO4 3 a 5 molar);

O íon cloreto (em forma de NaCl ou ácido clorídrico concentrado);

Metanol, e até

Água oxigenada, H2O2,
servem nesta etapa como redutor frente ao clorato!
As respectivas equações devidamente equilibradas:
2 HClO3 +
SO2
2 HClO3 + 2 HCl
 2 ClO2
 2 ClO2
4 HClO3 + CH3OH  4 ClO2
2 HClO3 + H2O2
 2 ClO2
+ H2SO4
+ Cl2
(14)
+ 2 H2O
(15)
+ HCOOH + 3 H2O
(16)
+ O2 + 2 H2O
(17)
Nas duas reduções em ambiente fortemente ácido, (14) e (15), evidentemente ocorre uma
reação de substituição nucleofílica, do abandonador água pelo cloreto, que leva ao
intermediário instável Cl2O2 que quebra de maneira homolítica logo a seguir liberando cloro
elementar e ClO2:
HO-ClO2 +
Cl-
H+
H2O+-ClO2
+ H2O+-ClO2
Cl-ClO2

Cl-ClO2
½ Cl2
(18)
+ H2 O
+ ClO2
(19)
(20)
――――――――――――――――――――――――――
HOClO2 + H+ + Cl- 
½ Cl2 + ClO2 + H2O
(21)
No caso do processo (14) o cloro liberado é imediatamente reduzido ao cloreto, pelo SO2 que
está presente em excesso. O Cl-, nesta sequência reacional, não é consumido notavelmente, no
entanto sua presença é essencial. Isso vale para todas as reduções, (14) a (17), que somente
funcionam e produzem o ClO2 em tempo hábil e rendimento satisfatório, se houver presentes
íons de cloreto, Cl-.
As reduções descritas pelas equações (14) a (17) não são particularmente limpas, mas todas
podem ser levadas a altos graus de conversão, como mostra a seguinte tabela. São
consideradas ecologicamente mais corretas aquelas rotas onde se produz menos sulfatos. No
final de cada processo fica um torre de absorção, onde os gases ascendentes são dissolvidos
na água fria (1-4 °C) nebulizada; assim consegue-se uma solução de 6-10 g.L-1 de ClO2.
78
Armin Isenmann
Química a partir de Recursos Renováveis
Tab. 15. Reagentes, produtos e eficiência das reduções do clorato (toneladas em relação
a 1 t de ClO2).
Redutor
Consumo reagentes
(Sub)-produtos
Rendimento global
SO2
NaClO3 (1,75)
ClO2 (1,00)
90%
SO2 (0,74)
NaHSO4 (1,98)
H2SO4 (0,48)
Cl2 (0,06)
H2O (0,09)
H2O (0,03)
NaClO3 (1,61)
ClO2 (1,00)
NaCl (0,97)
Cl2 (0,60)
H2SO4 (1,55)
Na2SO4 (2,25)
NaCl
97,8%
H2O (0,28)
HCl
NaClO3 (1,68)
ClO2 (1,00)
HCl (1,39)
Cl2 (0,73)
94,0%
NaCl (0,92)
H2O (0,32)
CH3OH
NaClO3 (1,59)
ClO2 (1,00)
90%
CH3OH (0,13)
Na3H(SO4)2 (1,31)
H2SO4 (0,98)
H2O (0,21)
(processo SVPLITE)
NaCl (0,00)
HCOOH (0,18)
Cl2 (0,00)
H2O2
NaClO3 (1,58)
ClO2 (1,00)
100%
H2O2 (0,25)
Na2SO4 (1,06)
(processo SVP-HP)
H2SO4 (0,72)
H2O (0,27)
O2 (0,24)
A redução (17) é ainda interessante sob um aspecto histórico. No início da experimentação do
ClO2 em escala industrial procurou-se um caminho menos perigoso para assegurar a
disponibilidade deste reagente de branqueamento. Então o dióxido de cloro foi absorvido
numa mistura de NaOH e água oxigenada. Nesta ocorreu a seguinte oxirredução, onde o H2O2
curiosamente funcionou como redutor:
2 ClO2 + 2 NaOH + H2O2  2 NaClO2 + O2 + 2 H2O
(22)
O produto desta, o clorito de sódio, foi secado em secadores de rolos e em seguida estocado.
Na hora de precisar o branqueador ativo, este sal foi tratado com ácido sulfúrico ou com cloro
elementar, liberando o gás ClO2 23:
23
Também na produção de ClO2 conforme (14) aparece o Cl2O2 como intermediário:
79
Armin Isenmann
Química a partir de Recursos Renováveis
NaClO2 + H2SO4 
5 HClO2 
2 NaClO2 + Cl2

HClO2 + KHSO4
4 ClO2 + HCl + 2 H2O
(23)
2 NaCl + 2 ClO2
(24)
Ao longo dos anos a rota ao ClO2 através do clorato de sódio, conforme (6), mostrou-se
menos custosa e mais segura, do que o caminho via clorito de sódio.
Certificados no branqueamento
Branqueamento convencional que faz uso do cloro elementar:
Atualmente pouco usado, emprega cloro elementar (gasoso ou dissolvido em água)
juntamente com outros reagentes, sendo substituído desde a década de 1990 pelo
branqueamento ECF; sequências típicas: CEH, CEHH, CEHD, CEDED, O(DC)E ODED.
Elemental Chlorine Free (ECF):
Substitui o cloro elementar como reagente pelo dióxido de cloro e/ou hipoclorito de sódio,
mais seletivos para a remoção de cromóforos oriundos da lignina: menor uso é vantajoso para
o tratamento de efluentes; sequências típicas: DEDED, DEOPDPD, ODEOPD, ODEODED,
O(ZD)EOPD, O(ZD)EOPD(PO), OAHTEOPD(PO).
Totally Chlorine Free (TCF):
não emprega quaisquer compostos clorados como reagentes, mas pode consumir 10% a mais
de madeira para o mesmo de volume de produção de polpa. Sequências típicas:
OQEOP(ZQ)(PO), OAEOP(ZQ)(PO), O(ZQ)(PO)(ZQ)(PO), OQE OPQ(PO)P, OAEOPQ(PO)P.
Tendências no branqueamento
O uso de estágios de extração ácida é cada vez mais proeminente nas fábricas, especialmente
as que produzem celulose de fibra curta à base de madeira de eucalipto. O dióxido de cloro
também é um reagente avançado, em termos de poder oxidante e seletividade frente à lignina.
Recentemente, o ClO2 está sendo aplicado em bateladas a alta temperatura, perto de 95 °C.
Igualmente promissores são os peróxidos e o ozônio – embora os primeiros podem
2 HClO2
HClO + HClO3
(lento)
HClO + HClO2  Cl2O2 + H2O
O mesmo vale para o processo (15):
Cl2 + ClO2-  Cl2O2 + ClEm ambos os casos o intermediário Cl2O2 se decompõe, conforme:
2 Cl2O2
 Cl2 + 2 ClO2 ,
enquanto o cloro elementar geralmente não se mantém, devido a reações do tipo
Cl2 + HClO2  HCl + Cl2O2.
80
Armin Isenmann
Química a partir de Recursos Renováveis
sensivelmente atacar a celulose caso as condições (p, T, tempo de reação, pH) forem mal
controladas, e o gasto em energia elétrica na produção do ozônio pode ser o fator limitante
para a fábrica.
O branqueamento ECF é atualmente o mais utilizado no mundo, sendo adotado
proporcionalmente ao desuso do branqueamento com cloro elementar. Procedimentos com as
etapas de ClO2 e ozônio são entre os mais econômicos, atualmente. O branqueamento TCF
ainda possui custo elevado e sua aplicação se concentra em países nórdicos.
A tecnologia TCF, por não trazer efluentes clorados corrosivos, é estudada para o conceito
TEF (Totally Effluent Free), em que a água de processo é reciclada em circuito fechado,
minimizando a geração de efluentes. Desta forma, a cada tonelada de polpa branqueada,
haveria um consumo estimado de 20.000 – 25.000 litros de água, ao invés dos atuais 60.000
L/tonelada de polpa.
3.8
Celulose solúvel: processamento e derivatização
Diferente do branqueamento da celulose crua descrito acima, as seguintes três operações
envolvem proposicionalmente derivados químicos da celulose, mas sem notavelmente destruir
sua cadeia polimérica. Uma reação nos grupos hidroxilas da celulose é somente possível
quando esta estiver em contato íntimo com os reagentes. Tecnicamente viável são estas
sínteses, portanto, somente depois da solubilização da celulose, portanto podemos resumir os
seguintes derivados como segmento da “Celulose solúvel”. Os derivados mais importantes, de
um grande número de produtos, são:
 Celulose regenerada (= “Viscose”; ver cap. 3.8.1).
 Acetato da celulose (cap. 3.8.2).
 Nitrato da celulose e outros ésteres (ainda cap. 3.8.2).
 Éteres da celulose (cap. 3.8.3).
Até o início da década de 2000, a celulose solúvel era considerada um mercado em declínio,
com uma demanda cada vez menor desde a década de 1970. Mas, a partir de 2000 esse
mercado se recuperou e desde então apresenta taxas elevadas de crescimento, o que motivou a
entrada de novos concorrentes oriundos da indústria de celulose para papéis. Nos últimos 3
anos o crescimento em demanda mundial (CAGR) foi de 5,3% - desempenho superior ao do
setor de papel/papelão que praticamente estagnou no nível de 2000.
Nas primeiras duas colunas da Fig. 42 se têm as matérias primas para a polpa de celulose que
em seguida é solubilizada e transformada quimicamente. Além da madeira, já largamente
apresentada no cap. 2.1, consta também o algodão – especialmente seu línter. As sementes de
certas variedades de algodoeiros, após separação das fibras por debulha, apresentam-se ainda
revestidas de uma penugem fina formada por fibras muito curtas (de comprimento geralmente
inferior a 5 mm). Dá-se a essas fibras, após terem sido separadas das sementes, o nome de
línteres de algodão. Em virtude do seu pequeno comprimento, os línteres praticamente não
são fiáveis, porém possuem um elevado teor de celulose pura.
Como se vê na terceira coluna da Fig. 42, o mercado de celulose solúvel pode ser classificado
em grau viscose e alto-alfa, onde as exigências à pureza na última são mais altas. A celulose
solúvel é obtida de forma similar à celulose comum (destinada à produção de papel): a
principal diferença consiste no teor mais alto de celulose , que pode atingir até 98%,
enquanto a celulose para papel costuma apresentar 87%. Caso a celulose alto-alfa (ver Fig. 14
para detalhes morfológicos) for obtida a partir de madeira em vez de línter de algodão, a
fábrica tem que contar com maior consumo de matéria prima, o que explica seu preço mais
81
Armin Isenmann
Química a partir de Recursos Renováveis
elevado em comparação à celulose grau viscose. Além disso, esse grau de pureza elevado
requer de um processamento em batelada, em vez de linha de produção contínua. Por isso, os
produtos derivados da celulose de alta pureza são mais sofisticados e de maior valor no
mercado. Nota-se que diferentes derivados da celulose requerem diferentes porcentagens da
modificação :
 Celofane e rayon requerem um teor de celulose  de 90% a 92%,
 Acetato de celulose de 95% a 97% e
 Nitrocelulose de 98%.
Fig. 42. Cadeia de produção da celulose solúvel, as diversificações, o volume de do
mercado global (kt = 1000 toneladas) e as indústrias consumidoras 24.
Além das categorias apresentadas na Fig. 42, consta a celulose microcristalina (contido em
“Outros”), valorizado como excipiente em fármacos e em diversas áreas da cosmética e saúde.
O seguinte gráfico mostra, em toneladas, os números de produção nos últimos 14 anos.
Claramente visível é a predominância da viscose (ver cap. 3.8.1) dentro do segmento da
celulose solúvel, com o acetato em segundo lugar (cap. 3.8.2). O mercado global de celulose
solúvel foi de aproximadamente 5,5 bilhões de U$ em 2012, com 5,8 milhões de toneladas
comercializadas. A celulose grau viscose correspondeu a 4,3 milhões de toneladas, enquanto a
alto-alfa representou 1,5 milhões.
24
Com permissão: Potencial de diversificação da indústria química brasileira, relatório 4 – Derivados da
celulose (autores desconhecidos); disponível em:
http://www.bndes.gov.br/SiteBNDES/export/sites/default/bndes_pt/Galerias/Arquivos/produtos/download/cham
ada_publica_FEPprospec0311_Quimicos_Relat4_celulose.pdf (acesso em 11/2014)
82
Armin Isenmann
Química a partir de Recursos Renováveis
Fig. 43. Mecado global da celulose solúvel. (CAGR = Compound Annual Growth Rate,
um indicador do crescimento da demanda de um produto) 24.
3.8.1 Celulose regenerada: o problema é o solvente!
A celulose “grau viscose” pode ser visto sendo um commodity na indústria; seu teor em
celulose  fica, na maioria dos lotes, entre 90 e 92%. Como pode ser visto na Tab. 16,
existem somente poucos solventes aprovados para essa celulose (Fonte de 2005). Nota-se que
a solubilidade fica cada vez mais difícil, quanto maior o grau de cristalinidade da celulose,
como também sua massa molar. Em alguns dos solventes referidos é, portanto, necessário
reduzir o grau de polimerização da celulose, para se obter uma solução homogênea.
Tab. 16.
Solventes para a celulose
Categoria
Ácido
Solvente
> 52% H2SO4
Álcali
6% LiOH
6 a 9% NaOH
Cu(NH3)4(OH)2 [cuoxam]
Complexo
metálico, alcalino
Cu(en)2(OH)2 [cuen]
Xantato alcalino
Sal inorgânico
Co(en)2(OH)2
Ni(NH3)6(OH)2
Cd(en)3(OH)2 [cadoxen]
Zn(en)3(OH)2
Fe/3(ác.tartárico)/3NaOH
[EWNN]
CS2 / NaOH
> 64% ZnCl2
Comentários
sob hidrólise parcial
(= despolimerização da parte amorfa)
requer celulose pré-tratada
requer celulose pré-tratada
Rayon cupramônio, processo industrial
Solvente padrão para análise do grau de
polimerização.
Solução transparente
Pouco estável
Dissolve, processo viscose ou Rayon.
Dissolve sob aquecimento a 100 °C
83
Armin Isenmann
Solvente orgânico
Química a partir de Recursos Renováveis
> 50% Ca(SCN)2
Cl3CCHO/DMF
(CH2O)x/DMSO
N2O4/DMF, N2O4/DMSO
LiCl/DMAc, LiCl/DMI
SO2/amina/DMSO
Outros
H3CNH2/DMSO
CF3COOH [TFA]
Bu4N+F-.3H2O/DMSO
80% NMMO/H2O
NH4SCN / NH3 / H2O
N2H4 (hidrazina)
Dissolve sob aquecimento a 100 °C
Dissolve, formando cloral hemi-acetais
em todas as hidroxilas.
Dissolve, formando polioximetileno
hemi-acetais.
Dissolve, formando ésteres nitrito em
todas as hidroxilas.
Solução estável; requer celulose prétratada
Solução instável; leva a uma celulose
altamente amorfa.
Forma-se um complexo solúvel
TFA-éster no C6; solvente volátil.
Dissolve somente DP < 650
Processo Lyocell
Formação de mesofases
Explosivo
Abreviações: en = etilenodiamina, DMF = N,N-dimetilformamida, DMSO = dimetilsulfóxido,
DMI = N,N-dimetilimidazolidinona, DMAc = N,N-dimetilacetamida, TFA = ácido
trifluoracético, Bu = butila, DP = grau de polimerização = número de unidades
monoméricas dentro do polímero.
Solubilidade parcial se obtém com soda cáustica, como também veremos mais abaixo. O
processo da "mercerização" é um refino de fios de algodão (Mercer, 1850) que deixa a fibra
mais lisa e lustrosa - um pouco parecida à seda. Isso se deve ao ataque da superfície da macrofibra celulósica e uma soldagem dos pelinhos soltos dando um filme liso.
As partes amorfas da celulose se solubilizam também em ácido sulfúrico meio concentrado e
em cloreto de zinco, quente e de alta concentração ("Vulcanized fibre", Thomas Taylor, 1859).
O produto é um material cujas propriedades mecânicas podem ser ajustadas, desde o couro até
o marfim, é resistente frente a óleos, ácidos e bases diluídos, é dielétrico, pouco inflamável enfim, qualidades que lhe abrem um amplo espectro de aplicações. Mais conhecidas são suas
folhas finas ("pergaminho").
Porém, para a solubilidade total da celulose - uma exigência do tecelão - são necessários
condições e reagentes mais sofisticados. Ainda durante a transformação mecânica a estrutura
química da celulose é reformada (regenerada). A celulose assim regenerada também se
conhece como seda artificial (quando reprocessada por fiação) ou celofane (quando
extrudada em forma de filme).
Um dos mais antigos e até hoje mais aplicados processos de solubilização se baseia na
derivatização temporária da celulose formando o xantato. A grande vantagem deste processo
é que a matéria prima não precisa ser a celulose purificada, mas pode-se usar a própria
madeira (= ligno-celulose). No entanto, o alcance de uma solução suficientemente homogênea
requer um tratamento de vários dias!
Em primeira etapa a celulose é tratada com NaOH de alta concentração, com o objetivo de
torná-la parcialmente solúvel, em forma da celulose desprotonada. Em seguida essa celulose
84
Armin Isenmann
Química a partir de Recursos Renováveis
alcalinizada é tratada com CS2, um solvente e reagente que tem um carbono eletrofílico e
pode ser atacado pelos grupos alcóxidos da celulose. Forma-se o xantato da celulose (ver Fig.
44), por sua vez solúvel em NaOH aquoso de 6% e então processável. Quando essa solução
altamente viscosa (daí vem a expressão "viscose", também conhecida como Rayon) passou
pela fieira ela é diretamente levada a um banho acidificado com H 2SO4. Instantaneamente a
fibra da celulose se regenera, porém na conformação dirigida pelo tecelão. A finura deste fio e
seu alto módulo de tração são o resultado de um estiramento controlado do fio nesta fase de
regeneração. Essa deformação mecânica unidimensional faz com que as cadeias da celulose se
alinhem e sejam fixadas nesta nova posição, através das pontes de hidrogênio, típicas para a
celulose cristalina (ver Fig. 13 d, na p. 32). A delicadeza e ao mesmo tempo alta estabilidade
desta fibra trouxe o nome popular de "seda de viscose". Note que, embora o processamento
não seja muito agressivo frente à estrutura polimérica da celulose, seu grau de polimerização
sofre uma leve degradação, de aproximadamente 800 unidades glicosídicas, a ~500 unidades
no produto final.
Também é possível derramar a viscose soluta no banho ácido sem passar pela fieira. Daí
forma-se um produto esponjoso, muito usado como pano de pia da cozinha. Caso a viscose
for apertada através de fendas, então se obtém uma folha transparente, o famoso "celofane".
Esse material é muito especial, pois é denso frente gases e transparente frente água! Sendo
assim, essas folhas podem ser usadas como embalagem para alimentos ou fármacos. Mais um
ponto importante: celofane é inteiramente biodegradável.
Fig. 44.
Reações químicas acerca da celulose regenerada via processo de xantato.
Note que o processo de xantato é altamente poluente, pois libera durante a regeneração da
fibra quantidades notáveis de CS2 e H2S, ambos altamente tóxicos. Mostrou-se impraticável
otimizar o processo de forma que as emissões forem supressas a um nível aceitável. Portanto,
é um desafio contínuo achar novos processos para solubilizar a celulose, com o objetivo de
substituir o processo de xantato por métodos ecologicamente corretos.
Uma alternativa ao xantato, bastante branda e, portanto, usado como solvente padrão em
determinações do grau de polimerização da celulose, é o "Reagente de Schweizer", uma
solução amoniacal de Cu2+. Forma-se o complexo [Cu(NH3)4]2+ (azul escuro) que consegue
ligar-se ao grupos hidroxilas da celulose, de maneira que impossibilita a formação de cristais,
portanto aumenta sua solubilidade. Mas os problemas ambientais acerca deste metal pesado,
que é um forte veneno para microorganismos quando chega nas águas servidas, é evidente.
Portanto, tentaram-se substituir o cobre por outro metal (Ni, Co, Zn, Fe) e a amônia por
85
Armin Isenmann
Química a partir de Recursos Renováveis
ligantes complexantes melhores (etilenodiamina, por exemplo). Todavia, a “celulose
cupramônica” ainda é bastante produzida hoje – principalmente na Ásia do sudoeste.
No início dos anos 1980 se conseguiu um avanço no sentido de baixa toxicidade com o
processo "Lyocell" que trabalha com um solvente orgânico especial, N-metilmorfolina-Nóxido monohidrato (NMMO), que por si é mais caro, mas não requer de um pré-tratamento da
celulose e é um processo simples e rápido. Sendo assim, é um dos poucos solventes
"verdadeiros" para a celulose 25. Especialmente a multinacional Lenzing, com sede na Áustria,
promove as pesquisas neste novo campo da celulose solubilizado, já lançando um produto
novo sob o nome Tencel® – um material superior à viscose tradicional (Rayon) sob vários
aspectos: os tecidos têm mais brilho, suavidade, fácil caimento, as roupas são lisas e
confortáveis em cima da pele, dando ao mesmo tempo aparência luxuosa. Outra vantagem é a
grande economia em água durante este processamento (Fig. 45): quase 99% dos químicos
podem ser reciclados/reaproveitados dentro da fábrica!
Fig. 45.
Litros de água necessários na produção de uma tonelada de fibra 28.
H
O
Cel
O
O
N
N
Cel
OH
Celulose
+
O
NMMO
O
Complexo solúvel
Fig. 46. NMMO - um solvente verdadeiro para a celulose. Note que a interação com
a celulose é somente uma atração de dipolos, apoiado por uma ponte de hidrogênio.
25
H.P. Fink, P. Weigel, H.J. Purz, J. Ganster, Structure formation of regenerated cellulose materials from
NMMO-solutions, Progress in Polymer Science 26 (2001)1473-1524.
86
Armin Isenmann
Química a partir de Recursos Renováveis
O desenvolvimento mais recente é o tratamento da celulose só com soda cáustica. Um
aumento do poder deste solvente se conseguiu com a adição de uréia (= quebrador de pontes
de hidrogênio), por sua vez de baixa toxicidade. A combinação de 6% de NaOH e 4% de uréia
e uma temperatura abaixo de 0 °C (ideal: -15 °C) representa um sistema bastante brando e
eficaz para solubilizar a celulose na forma molecular, isto é, sem derivatizá-la 26. Igualmente
estudados são os sistemas com LiOH como base e tiouréia como apoio orgânico. A
solubilização geralmente é em torno de 65%, mas pode ser elevada a > 90% quando o grau de
polimerização da celulose (que naturalmente é em torno de 800 ou mais unidades
glicosídicas) é reduzido a aproximadamente 200. Isso pode ser feito numa etapa antes, de
preferência, por degradação enzimática, usando-se celulases (compare p. 149). Neste processo
a soda cáustica tem o papel de quebrar as pontes de hidrogênio inter e intramoleculares e a
uréia funciona como doador e aceitador e previne assim uma re-associação da parte cristalina
da celulose.
No entanto, ao se tratar a celulose com uréia de concentrações mais altas, a formação de um
derivado intermediário, o carbamato, é mais provável. Este derivado é solúvel em ambiente
aquoso. Devido sua instabilidade em ambiente ácido a celulose pode ser facilmente
regenerada.
O
O
Cel
OH
+
+
H 2N
Celulose
NH 2
Uréia
Fig. 47.
Cel
O
NH3
NH 2
Carbamato da celulose
(solúvel)
Reação da celulose com uréia de alta concentração
Dados econômicos acerca da viscose
A consumidora número 1 da viscose é a indústria têxtil. O mercado global de fibras têxteis
movimentou em torno de 80 milhões de toneladas em 2012, das quais são:
 cerca de 60% relativos a fibras sintéticas (a partir de insumos petroquímicos; poliéster,
poliamida, elastano, polipropileno, PET),
 35% a fibras naturais (de origem animal: lã, seda; de origem vegetal: algodão, rami, linho)
 5% a fibras artificiais (obtidos por processos químicos aplicados a um polímero da
natureza).
Neste mesmo ano, o mercado global de fibras de viscose (= fibra artificial) contou com 4,3
milhões de toneladas (Fig. 48), o que corresponde a um volume de 11 bilhões de U$
comercializados.
26
Dissertação de Y. Wang, Cellulose fiber dissolution in sodium hydroxide solution at low temperature:
dissolution kinetics and solubility improvement, disponível em
https://smartech.gatech.edu/bitstream/handle/1853/26632/wang_ying_200812_phd.pdf
87
Armin Isenmann
Fig. 48.
Química a partir de Recursos Renováveis
Mercado global das fibras de viscose 24.
A Fig. 49 mostra a importância econômica da celulose solúvel dentro deste setor. Vale
salientar que no mercado têxtil mundial as fibras químicas – onde constam entre outras as
fibras da viscose – estão dominando a produção de malhas e deslocaram as fibras naturais
(algodão, lã, seda, rami, etc.) dos seus lugares tradicionais: cerca de 70% são fibras químicas!
Do total de 78,5 milhões de toneladas de fibras usados sobraram somente 30% de fibras
naturais. Principalmente os produtores asiáticos forçaram a ascensão dos derivados químicos.
Já no Brasil se manterem os materiais tradicionais: cerca de 60% (de um total de 2,6 milhões
de toneladas em 2011) são fibras naturais e apenas 40% são fibras químicas.
Fig. 49. Mercado global da celulose e seus derivados. Importância dos derivados para
a indústria têxtil 24.
88
Armin Isenmann
Química a partir de Recursos Renováveis
Surpreendemente poucas empresas estão se dividindo esse mercado, como se vê na Fig. 50.
Fig. 50. Capacidade produtiva global da celulose solúvel (grau viscose) e fibras de
viscose 24.
3.8.2 Ésteres da celulose
A celulose pode ser facilmente esterificada, tanto com ácidos orgânicos quanto inorgânicos.
Acetato de celulose (CA)
De longe o derivado químico mais produzido a partir da celulose é o acetato da celulose (CA),
um material termoplástico importante dentro da família dos biopolímeros (ver p. 187). A
partir de 1919 este material é usado, sob aditivação de plastificantes e corantes, para produzir
cabos de guarda-chuvas e ferramentas, teclados, volantes de carros, brinquedos, armações de
óculos e pequenos utensílios. O material maciço se destaca por ser termoplástico (temperatura
de processamento: 180 a 200 °C), enquanto à temperatura ambiente é duro e altamente
resistente ao impacto. Hoje o CA é mais usado para produzir fibras e têxteis; a utilidade
principal (2012) é em filtros de cigarros.
89
Armin Isenmann
Fig. 51.
Química a partir de Recursos Renováveis
Mercado global do acetato da celulose 24.
Os tecidos semelham muito à seda e substituem tal, em grande escala. São fáceis de tratar e
ressorvem relativamente pouca água (até 6%). Roupas em geral, roupas íntimas, tapetes e principalmente - filtros de cigarro, são os insumos mais produzidos a partir do CA.
Antigamente, era também bastante utilizado com material de filmes. Infelizmente, sua
oxidação ao ar que acontece ao longo do tempo, libera ácido acético e acarreta a inutilidade
do filme.
Para se obter um CA termoplástico a celulose purificada é tratada com ácido acético glacial e
acetanidrido. O catalisador é ácido sulfúrico (menos usual: ácido perclórico) e o solvente
geralmente é diclorometano. Resulta uma celulose totalmente acetilada, com grau de
acetilação perto de 3. Esse "CA primário" em seguida é parcialmente hidrolisado, ou seja,
uma parte dos ésteres são reformados em grupos hidroxilas. Na média permanecem 2 a 2,5
grupos de acetato por unidade glicosídica. Finaliza o processo com a neutralização com bases,
para parar a reação da hidrólise, e a remoção destilativa do diclorometano. O motivo para este
procedimento aparentemente paradoxo é a solubilidade do CA em acetona - o que não é o
caso no CA primário. Sendo assim, o CA pode ser processado pelo tecelão, como solução
viscosa em acetona - o que é uma clara vantagem frente à celulose regenerada (ver acima).
Além dos métodos mencionados que percorrem um CA solúvel, existe também um método
heterogêneo. Neste, ao contrário dos solventes verdadeiros, a fibra da celulose não se dissolve
nem incha, mas continua como tal. A morfologia da fibra não está sendo alterada durante a
derivatização química. O “solvente” mais usado para tal procedimento é o tolueno, a ser
retirado do produto final com bastante facilidade.
Outros ésteres da celulose com ácidos orgânicos são propionato de celulose e acetobutirato da
celulose (esterificado com ácido acético e ácido butírico).
90
Armin Isenmann
Química a partir de Recursos Renováveis
Nitrocelulose
Com ácido nítrico se produz o nitrato da celulose (nome trivial, porém quimicamente errado:
"nitrocelulose" 27). Cada unidade monomérica da celulose tem três grupos hidroxilas, -OH,
que podem reagir para -O-NO2. Em dependência do grau de esterificação obtêm-se:
 O material plástico de celulóide, antigamente muito usado na fotografia e na produção
de filmes de cinema; hoje ainda é componente em tintas e esmaltes (esmalte de unha,
por exemplo). Esse material tem um grau de nitração entre 2 e 3 (o máximo é 3, a
dizer, cada grupo hidroxila é esterificado) por unidade monomérica. O plastificante
usado até hoje é a cânfora. Interessante é que este foi um dos primeiros materiais
plásticos (1846), naquela época usado para substituir o marfim na produção de bolas
de sinuca. Devido ao alto perigo de pegar fogo o celulóide foi substituído nas
produções cinegráficas por materiais mais seguros, principalmente pelo acetato da
celulose, logo depois da 2a guerra mundial. Até hoje é o material preferido para as
bolinhas de ping-pong, armações de óculos e outros utensílios pequenos e
especializados.
 O campo principal de aplicação para a nitrocelulose é em acabamentos: tintas,
vernizes e fundos. É a mais usada base em acabamentos para madeira. Secagem
rápida, excelente comportamento durante o lixamento, compatibilidade, aderência,
dureza e brilho da superfície acabada, são os pontos fortes dos esmaltes contendo
nitrocelulose. Infelizmente, sua elevada solubilidade frente a solventes orgânicos, ao
mesmo tempo limitam suas aplicações, por exemplo, na repintura automotiva. Os
melhores solventes para a nitrocelulose são acetona, acetato de etila, acetato de butila
e isopropanol. Os plastificantes mais utilizados são óleo de soja epoxidado, acetil
tributil citrato (ATBC) e trifenilfosfato, todos completamente solúveis na NC; Óleos
vegetais (crus e refinados), estearatos, oleatos e compostos com longas unidades
alifáticas, tal como dioctiladipato (DOA) são parcialmente solúveis neste polímero. Os
ésteres do ácido ftálico, por outro lado, saíram da graça do consumidor.
 Uma aplicação especial, no entanto muito valorizada por todos nós, é o esmalte de
unha. Neste material a NC representa até hoje a resina mais prominente.
 Um explosivo usado em detonadores. Este material, altamente nitratado (fator de
nitração >2,6; correspondente a >13 %m/m de nitrogênio), tem também uma história
triste, pois as guerras ganharam novas dimensões com ele, já que não soltou fumaça,
como era o caso na pólvora tradicional. Sua força de detonação é de 147% do TNT.
27
“Walsroder
Nitrocellulose:
Essential
for
an
extra
special
finish”;
disponível
em
http://msdssearch.dow.com/PublishedLiteratureDOWCOM/dh_08a6/0901b803808a680d.pdf?filepath=/82200007.pdf&fromPage=GetDoc (acesso em 11/2014).
91
Armin Isenmann
Química a partir de Recursos Renováveis
Fig. 52.
Produtos a partir do nitrato da celulose.
O uso mais avançado do celulóide são membranas com finalidades medicinais. Ésteres
mistos, com outros ácidos além do HNO3, fornecem materiais que são usados na produção de
pentes (baixa tendência de acumulação de carga estática), jóias e armações de óculos.
Excurso: Proposta de ensaio prático - produção do nitrato da celulose
1) Coloque 17 mL de HNO3 concentrado (fumegante) em um bequer e refrigere no
banho-maria com gelo. Despeje neste, gota a gota, 20 mL de H2SO4 concentrado.
Cuidado: a mistura esquenta-se e solta gases NOx corrosivos (capela de exaustão)!
2) Pesar 1,5 g de algodão e dividir em 5 bolinhas iguais.
3) Jogar as bolinhas no ácido nitrificante refrigerado e tirá-las após 1, 2, 5, 10 e 15
minutos, respectivamente. Amasse neste período o algodão ligeiramente com ajuda de
um bastão de vidro (não use espátula metálica!).
4) Após tirar do ácido, lave as bolinhas nitrificadas com bastante água. No final adicione
na água de lavagem uma espátula de NaHCO3 e confirme com um papel de tornassol a
neutralidade.
5) Exprima a umidade do algodão, abra o material para um novelo fofo e deixa secar
durante a noite.
6) Faça testes de solubilidade usando etanol, isopropanol, acetona, acetato de etila e
cânfora. Também, em pequenas porções (~ 20 mg), podem ser feitos testes de ignição.
Espera-se uma combustão fulminante e mais rápida do que no algodão não tratado, já
que o produto nitratado se decompõe sob a formação de um grande volume de gases
(N2, NOx, CO e CO2).
3.8.3 Éteres da celulose
Para a formação de éteres oferecem-se principalmente duas estratégias:
1. Conversão da celulose alcalinizada com hidrocarbonetos clorados ("Síntese de
Williamson"); assim são feitos a metilcelulose, a etilcelulose e a carboximetilcelulose
("CMC"). A última é muito usada em sabão em pó onde tem o papel de aditivo antiredeposição da sujeira em cima da fibra lavada. Na indústria alimentícia a
carboximetilcelulose representa o emulsificante mais utilizado, por exemplo, em sorvetes,
92
Armin Isenmann
Química a partir de Recursos Renováveis
molhos, cremes), e também na cosmética tem esse papel (pasta de dente, misturas ricas
em água).
2. A segunda opção é a conversão da celulose alcalinizada com epóxidos. Com o reagente
oxirano (= óxido de etileno) forma-se a hidroxietilcelulose ("HEC"), com óxido de
propileno a hidroxipropilcelulose. Quando estiverem aplicados excessos de epóxidos
podem formar-se também unidades de oligo-oxietilenos. Na Fig. 53 isso é exemplificado
em forma do dimero. Também esses produtos são usados em formulações de detergente
em pó, mas também em colas e material de pintura.
O
CH2 COOO
Cl
CH2 COO-
O HO
O
Monocloroacetato
OH
NaOH
CMC
O
O HO
OH
O
O
CH2COO-
n
O
n
HO
Oxirano
NaOH
Celulose
O
O
O
O HO
O
O
HO
n
grupos possíveis na HEC
Fig. 53.
Síntese dos éteres da celulose.
Através destas estratégias são produzidos em grande escala os seguintes éteres da celulose:
 Metilcelulose (MC); o reagente é cloreto de metila ou sulfato de metila.
 Etilcelulose (EC); o reagente é cloreto de etila.
 Carboximetilcelulose (CMC); o reagente é o monocloroacetato, conforme mostrado na Fig.
53.
 Hidroxietilcelulose (HEC); reagentes são a etilenocloridrina ou então o óxido de etileno,
conforme mostrado na Fig. 53.
93
Armin Isenmann
Química a partir de Recursos Renováveis
Fig. 54. Mecado global da celulose solúvel e a diversificação da família dos éteres da
celulose 24.
As indústrias que aproveitam bastante dos éteres da celulose são os cosméticos (e fármacos) e
alimentos. Deste material especialmente purificado eles valorizam especialmente sua inércia
química e fisiológica, mas também suas qualidades como espessante.
Fig. 55. Desenvolvimento do uso de éteres da celulose com previsão até 2017,
diversificado conforme ramo industrial 24.
94
Armin Isenmann
3.9
Química a partir de Recursos Renováveis
Produção de papel
Apenas 3 a 5% são enviados à derivatização química; essa parte é geralmente denominada de
“celulose solúvel”. Mais de 95% da celulose produzida no mundo tem o destino na produção
de papel e papelão (97% em 2012 28)- o que justifica sua menção neste lugar. No entanto, uma
discussão aprofundada está fora do escopo deste livro. Mas devemos conhecer pelo menos as
etapas funcionais mais importantes que a celulose percorre, após a polpação da madeira (cap.
3.3) e o branqueamento das pastas celulósicas (cap. 3.7.10).
O papel usado hoje pode ser classificado, conforme suas propriedades (mecânicas, ópticas) ou
por seu destino final no produto industrializado:
 Papel branco, para imprimir e escrever no escritório (estabilidade ao úmido, brancura
e uma superfície lisa e impermeável, são os critérios principais a um papel de
qualidade).
 Papel de impressão industrial.
 Papel de embalagens, que pode ser dividido em massas de recheio (miolo da
embalagem, onde não há contato com o conteúdo e o cliente) e o Kraftliner (usado
para a capa do papelão ondulado, onde se espera elevada resistência mecânica).
 Papel de embalagens compostos (especialmente no tetrapak).
 Papel tissue (usado como papel higiênico, papel toalha e filtros de café).
Mix apropriado da matéria-prima celulose
O balanço entre a qualidade (comprimento da fibra, massa molar média, grau de brancura,
principalmente) e o preço da matéria-prima celulósica é conhecido como Mix, que é,
logicamente, segredo da fábrica. Antigamente se usaram para os papeis dos quais se espera
elevada estabilidade mecânica, exclusivamente celuloses de fibra longa, principalmente de
origem de coníferas (pínus). Hoje, no entanto, se produz papel de qualidade, também com
celulose de fibras médias (do eucalipto, principalmente). Já na produção do papel tissue, onde
se espera suavidade frente à pele humana e uma desintegração rápida no esgoto, podem ser
usados também tipos de fibra curta (por exemplo, feitos a partir de feno, bagaço de cana, talos
de casca arroz, etc.), enquanto as fibras longas se apresentam muito ásperas nesta finalidade.
Colagem interna
Para ganhar a propriedade de resistência à penetração de líquidos, os papéis precisam passar
pelo processo denominado colagem interna, no qual colas à base de breu, silicones,
polietilenos, perfluorcarbonetos e colas sintéticas são adicionados à massa, ainda durante sua
preparação, para impermeabilizar o papel. Hoje, porém, a maioria das empresas aderiu à
chamada colagem alcalina, na qual uma formulação à base de carbonato de cálcio ou de
caulim com pH alto, com agentes colantes como o AKD e ASA substituindo os breus,
permitem papéis mais alvos, com menor gramatura e menor geração de efluentes, entre outras
vantagens.
Colagem superficial
Envolve a aplicação de substâncias que formam uma película na superfície das folhas de
papéis e papelões em fase de acabamento. São utilizados amidos modificados, gomas,
alginatos, álcool vinílico, metil celulose, carboximetilcelulose, entre outros.
28
A.C.F. Vidal, “O renascimento de um mercado: o setor de celulose solúvel”, BNDES Setorial 38 (2013) 79130; disponível em:
http://www.bndes.gov.br/SiteBNDES/export/sites/default/bndes_pt/Galerias/Arquivos/conhecimento/bnset/set38
03.pdf (acesso em 11/2014)
95
Armin Isenmann
Química a partir de Recursos Renováveis
Adição de corantes e pigmentos
Há duas maneiras de colorir o papel. A primeira é adicionar o corante à massa antes da
formação da folha, ou aplicá-lo superficialmente após a formação. O pigmento, menos usado,
é fixado sobre as fibras mediante ligações eletrostáticas.
Retenção dos finos
O teor de finos de uma massa afeta as propriedades ópticas, a lisura da superfície e a
resistência do papel. Além disso, as partículas finas não-retidas passam para o sistema de água
branca, provocando problemas de recuperação e manuseio, poluindo os efluentes. Para a
retenção das partículas coloidais e os finos das fibras, adicionam-se coagulantes floculantes e
micropartículas (estas e alguns tipos de papéis com colagem neutra e alcalina). Por muito
tempo, foi usado o sulfato de alumínio como coagulante, hoje predominam os polieletrólitos
orgânicos.
Revestimento
É o processo final de revestimento de papéis especiais, sobretudo o do tipo couché, em que
um equipamento chamado coater é aplicado uma formulação baseada em látex (estirenobutadieno) para facilitar a impressão e aumentar o brilho do papel. Além do látex, a
formulação engloba cargas minerais, modificadores reológicos, biocidas e outros aditivos.
Resistência
São adicionados para aumentar a resistência ao seco e ao úmido do papel. Os agentes de
resistência a úmido são largamente utilizados nos papéis toalha e guardanapos, evitando o
desmanche precoce de um guardanapo quando se limpa a boca, por exemplo. Estes agentes
também são importantes para aumentar a resistência dos papéis durante a etapa de impressão
e resistência dos papéis de embalagem, permitindo muitas vezes a substituição de fibras.
Papeis especiais muitas vezes requerem de uma cobertura de um derivado químico da
celulose. Portanto, seja mais uma vez referido o leque de aplicações da celulose solúvel e suas
intersecções com a indústria papeleira.
96
Armin Isenmann
Fig. 56.
Química a partir de Recursos Renováveis
Derivados de celulose solúvel e aplicações especiais junto ao papel 28.
4 Os componentes da madeira além da celulose
Como já indicado na Tab. 6, a celulose é o composto principal, mas ainda representa menos
da metade da madeira, por sua vez nosso recurso renovável mais importante. Já a segunda
classe mais abundante é a hemicelulose e em terceiro lugar fica a lignina. Ao contrário da
celulose, no entanto, estes últimos componentes da madeira se destacam por apresentar uma
grande heterogeneidade estrutural, como se vê a seguir. Seu processamento e aproveitamento
químico são extremamente complexos e, portanto, bem menos desenvolvidos do que o
processamento da celulose. Todavia, seu potencial no futuro é grande e vai muito além da
geração de energia – que atualmente é seu destino principal.
4.1
As hemiceluloses
As hemiceluloses também são polissacarídeos, mas sua composição química é bastante
heterogênea. Os monômeros mais encontrados são:


Os carboidratos C5: xilose e arabinose,
Os carboidratos C6: glicose, galactose e manose,
conforme mostrado na Fig. 57. Além disso, as cadeias poliméricas são fortemente
ramificadas, enquanto o grau de polimerização é relativamente baixo. Isto implica que
também a maneira como os açúcares monômeros se conectam, é bastante irregular. Os
polímeros assim formados contêm apenas poucas unidades monoméricas, entre 50 e 250.
97
Armin Isenmann
Química a partir de Recursos Renováveis
Fig. 57. Hemiceluloses: (a) Os monômeros mais importantes da hemicelulose (b)
Exemplo das conexões dentro do polímero. (c) Polímero feito da xilose, indicados
os locais da quebra enzimática.
Uma consequência da estrutura irregular é a inexistência de cristalinidade na hemicelulose.
Sendo assim, falta neste material o argumento mais pesado de estabilidade, frente aos
reagentes químicos, enzimas e microorganismos. É, portanto, muito fácil hidrolisar os
polímeros da hemicelulose, liberando os açúcares monoméricas. Assim, não é surpresa que a
hemicelulose é a primeira parte do material lignocelulósico a ser dissolvida no licor do
digestor.
98
Armin Isenmann
Química a partir de Recursos Renováveis
Os usos dos açúcares provenientes da hemicelulose se restringe, além do seu valor
(moderado) como combustível na caldeira de recuperação, às reações bioquímicas que os
convertem em etanol, butanol, ácido lático, e ácido cítrico, principalmente (ver p. 16).
4.2
A lignina
Lignina (do latim: lignum = madeira) é uma macromolécula de malha tridimensional. A
biossíntese envolve a polimerização desidogenativa de uma série de monômeros, dos quais os
mais prominentes são os alcoóis cumarílico, coniferílico e sinapílico:
Álcool
coniferílico
Álcool pcumarílico
Fig. 58.
Álcool
sinapílico
Unidades monoméricas principais da lignina
A maioria dos monômeros identificados são derivados do fenilpropano, muitos destes com
funções de álcool. Outras funções marcantes são fenóis, grupos metóxidos e acetais, além de
aldeídos e ácidos carboxílicos. Não só a diversidade dos monômeros, mas também as
diferentes formas de sua conexão formando o polímero tridimensional, levam a uma estrutura
heterogênea que impede atribuir uma fórmula definida à lignina. As massas molares ficam
entre 5000 e 10 000 u.
G
S
G
G
S
G
S
G
G
S
S
S
G
S
G
G
G
G
H
S
S
G
G
G
S
Fig. 59.
Estruturas típicas da lignina.
99
Armin Isenmann
Química a partir de Recursos Renováveis
Dentro da madeira a lignina tem o papel de conectar as fibras da celulose de maneira viscoelástica, conferindo assim flexibilidade mecânica e tenacidade ao material composto madeira.
4.2.1 O uso energético da lignina
Transformação do licor negro em combustível de alto poder via gaseificação
O gaseificador de biomassa é um reator térmico que, quando operado a temperaturas bastante
altas (> 1000 °C), fornece principalmente os gases combustíveis, CO, H 2 e CH4, além de
deixar atrás um pequeno volume de resíduo sólido que ainda é altamente energético –
comparável com carvão mineral. Trata-se então da formação de “gás de síntese” (a produção
de syngas e as sínteses de Fischer-Tropsch serão apresentados em detalhe a partir da p. 129).
Aqui vale notar que a gaseificação não só funciona a partir dos carboidratos (açúcares,
celulose, amido), mas igualmente bem à base da lignina. Devido ao teor reduzido em oxigênio
pode-se afirmar que a queima da lignina fornece mais calor e é mais rico em carbono do que a
mesma massa de carboidratos.
Neste ponto as reações térmicas-catalíticas tem uma clara vantagem frente aos biorreatores
que não funcionam bem com material lignocelulósico com elevado grau de lignina. Este fato
possibilita, entre outros, o aproveitamento de qualquer material residual, quer restos da
colheita florestal, serragem, estrumes etc., tudo devidamente secado, que foi descrito na p.
147 como “fontes lignocelulósicas da segunda geração” 29.
Para o licor negro do processo Kraft, fonte principal da lignina hoje, o sistema de gaseificação
promete ser uma alternativa para a caldeira de recuperação (cap. 3.7.5), melhor falado um
complemento para a mesma que corre o perigo de ser sobrecarregada 30. Até mais: de acordo
com Demirbas 31 o syngas obtido via gaseificação de licor negro pode ser empregado como
combustível em turbinas a gás, onde produz energia com uma eficiência de até 74%, enquanto
na queima do próprio licor em caldeira de recuperação convencional se aproveita de apenas
68% do poder calorífico teórico.
A tecnologia dos gaseificadores já é bastante avançada, tanto sob vista de recuperação
energética como química, possibilitando a geração de diversos combustíveis e outros produtos
de interesse comercial. Segue como exemplo um modelo de gaseificador que já é
mundialmente comercializado pela empresa sueca Chemrec. Vale anotar que a liberação do
syngas dos voláteis sólidos (cinzas, alcatrão) continua sendo um desafio tecnológico.
29
M. Hamaguchi, Agregando valor à biomassa energética – o exemplo finlandês. Painel florestal 2012;
disponível em http://www.painelflorestal.com.br/arquivo/agregando-valor-a-biomassa-energetica-o-exemplofinlandes-a92fba56463d254d0b9240869d00479f
30
E.T.F. Ferreira, Análise de sistemas de cogeração com gaseificação de licor negro no setor de papel e
celulose. Tese de mestrado da UNESP 2008. Disponível no http://repositorio.unesp.br/
31
A. Demirbas, Pyrolysis and steam gasification processes of black licor. Energy Conversion and Management
43 (2002), 877-884.
100
Armin Isenmann
Fig. 60.
Química a partir de Recursos Renováveis
Gaseificdor da Chemrec para o licor negro proveniente do processo Kraft 30.
Precipitação/extração da lignina a partir do licor negro pelo processo Lignoboost™
Em 1996 a universidade de Chalmers em Gotemborg, Suécia, deu início a um programa que
visa o desenvolvimento ecológico da fábrica de celulose Kraft. Um dos mais remarcáveis
resultados deste programa é um novo método de extração da parte de lignina a partir do licor
negro que foi patenteado sob o nome “LignoBoost” e realizado dentro da planta-piloto da
Metso em Plymouth, Carolina do Norte, EUA, e recentemente pela Stora Enso em Kotka,
Finlândia. O princípio do processo é a neutralização do licor negro meio-concentrado (com 30
a 45% de sólidos) em dois estágios, usando CO 2 e H2SO4 respectivamente, que tem dois
objetivos: a precipitação seletiva da parte da lignina e sua purificação da parte metálica,
denominadamente dos sais de sódio que poderão influenciar negativamente sua aplicação
como combustível no forno de cal.
101
Armin Isenmann
Fig. 61.
Química a partir de Recursos Renováveis
Processo patenteado de precipitar a lignina a partir do licor negro forte.
Fonte: http://www.conbio.info/post/usa-domtar-inaugurates-commercial-lignin-production/
Em vez de usar ácidos minerais fortes para esta precipitação, também é possível usar agentes
inorgânicos menos corrosivos e perigosos, por exemplo o alúmen 32, KAl(SO4)2 . 12 H2O.
Este sal duplo, bastante usado como curtume de couro devido suas propriedades
adstringentes, é barato e disponível em grandes quantidades. Outra propriedade do sulfato de
alumínio é seu efeito floculante frente aos colóides (usado também na limpeza de piscinas), o
que promove a precipitação dos fragmentos da lignina em nano-escala.
O uso químico da lignina assim precipitada está ainda no início. Uma tentativa é de Luong 32
que experimentou com fragmentos da lignina precipitada em formulações de copolímeros
policondensados (poliésteres). Li 33 chegou até a um material termoplástico que contém até
85% de monômeros derivados da lignina. Outros (potenciais) usos em polímeros comerciais
seguem abaixo (p. 107).
4.2.2 O aproveitamento químico da lignina
Em seguida serão descritos caminhos promissores para o uso da lignina como material. Um
fator que delimita sensivelmente sua utilidade é a massa molar, pois a lignina natural se
32
N.D. Luong, N.T.T. Binh, L.D. Duong, D.O. Kim, S.H. Lee, B.J. Kim, Y.S. Lee, J.D. Nam; An eco-friendly and
efficient route of lignin extraction from black liquor and a lignin-based copolyester synthesis. Polymer Bulletin
68 (2012), 879-890.
33
102
Armin Isenmann
Química a partir de Recursos Renováveis
apresenta como polímero, infusível e insolúvel. Nesta forma por enquanto se achou poucas
aplicações (ver p. 106). Mas, sob a influência de solventes, catalisadores e calor é possível
craquear este polímero, para produzir uma série de compostos de massa média ou pequeno,
daí abre-se a porta para síntese química. O seguinte gráfico deve dar uma vista geral dos
possíveis caminhos.
CHO
CHO
COOH
OMe
OH
Vanilina
OMe
MeO
OH
Ácido vanílico
Fenóis
Ácidos carboxílicos
Sulf ito de dimetila
Alcatrão
OMe
Agentes dispersantes
Emulsif icantes
Compatibilizantes
O
Desmetilação
alcalina
O
S
O
Sulf ito de dimetila
Hidrogenólise
Pirólise
400 - 500 °C
Fenóis
Metano
CO
Carvão sintético
Fig. 62.
alcalina
alcalina
Lignina
Kraft
Adesivos
Resinas
Tintas
DMSO
OH
Siringlialdeído
Fusão
Hidrólise
O
S
700 - 1000 °C
Syngas (CO/H2)
Etileno
Benzeno
Carvão sintético
Fenóis
Alcatrão
Óleo
Fenol
Benzeno
Arco elétrico
(3000 °C)
Acetileno
Aproveitamento químico da lignina – vista geral.
Pirólise da lignina
O "andaime" da madeira é a lignina. Ela é incorporada nas paredes das células da madeira, o
que proporciona mais estabilidade e rigidez às partes funcionais da planta. Logo depois da
celulose a lignina é o segundo mais produzido biopolímero da terra. Sua estrutura química é
tão complexa que podemos em geral apenas indicar as porcentagens em aromáticos, em forma
de fenóis, Ar-OH, e anisóis, Ar-OCH3. Também para os demais grupos funcionais que
ocorrem na lignina somente podemos indicar probabilidades estatísticas. As unidades
estruturais mais encontradas na lignina são representadas na Fig. 59.
Lignina pura é quase incolor até marrom claro, seu cheiro é agradável e nos lembra dos
defumados. Ela não é solúvel em água. Ela pode ser obtida via processos químicos a partir da
madeira, como vimos no último capítulo. Na indústria de celulose e fibras se produzem
anualmente cerca de 50 milhões de toneladas de lignina que, infelizmente, é apenas o
coproduto do processo e tem baixo valor agregado. Atualmente, cerca de 98% desta lignina
técnica são usados como fonte de energia térmica na própria fábrica de celulose.
Especialmente na geração de vapor de alta pressão, mas também para a geração de energia
elétrica necessária na fábrica a lignina é fundamental. Fábricas modernas e eficientes
103
Armin Isenmann
Química a partir de Recursos Renováveis
conseguem até produzir um excesso de energia e assim podem abastecer a rede elétrica
pública.
Em torno de 80% da lignina produzida vem do processo Kraft (= processo de sulfato).
Somente 6% provêm do processo de sulfita; esta última é denominada de "lignossulfonato".
Isto é, os monômeros da lignina foram sulfonados Note que este composto é o produto de
oxidação seletiva da lignina solubilizada (ver Fig. 20, na p. 39). Embora sejam produzidos em
menores partes, os lignossulfonatos representam 90% de toda lignina processável pela
indústria química. Em torno de 1 milhão de toneladas de lignossulfonatos são produzidas ao
ano - aproximadamente a metade desta na Europa ocidental.
Hoje quase todas as rotas que visam o aproveitamento químico da lignina são de natureza
termoquímica, enquanto os processos a baixas temperaturas e pressões moderadas são
bastante subdesenvolvidos. Incluíndo o aspecto energético, podemos classificar em quatro
famílias de reações:
1) Combustão completa: funciona com um excesso de oxigênio presente e os únicos
produtos são CO2 e H2O, ambos sem valor. Mas a produção de calor é máxima, como
apresentado na última secção.
2) A carbonização: queima da biomassa sob admissão controlada de oxigênio. Exemplo
deste é o uso do licor negro na fornalha de recuperação (cap. 3.7.5), onde a parte
carbonizada se forma na parte inferior do equipamento; é essencial na formação do
smelt. Também ocorre como produto paralelo na gaseificação (p. 100).
3) A gaseificação: acontece a temperaturas bastante altas (800 a 1000 °C), é um processo
que transforma o insumo líquido ou sólido, em compostos gasosos que ainda servem
como reagentes químicos em etapas seguidas. A química de Fischer-Tropsch é um
exemplo desta. Embora a rota está sendo apresentada na p. 131 do ponto de vista dos
carboidratos (celulose; açúcares), não devemos esquecer que também a parte da
lignina pode ser transformadas favoravelmente neste sentido, em compostos úteis tais
como hidrocarbonetos de baixa massa molar e metanol.
4) A pirólise: a biomassa reage com pouco ou nenhum oxigênio. Isso acontece a
temperaturas relativamente baixas, entre 400 e 800 °C. Resultam uma fração líquida
(compostos ricos em carbono) e uma volátil, composta por gases e vapores orgânicos
condensáveis. Exemplos da pirólise também já vimos na fornalha da recuperação do
licor negro, na parte superior deste equipamento.

A arte do refinamento
No craqueamento da lignina, por exemplo por pirólise 34 ou por tratamento de uma suspensão
aquosa na presença de catalisadores, obtém-se uma mistura oleosa-viscosa de vários
compostos fenólicos de massa molar menor, mas na média ainda grande (ver seções 4.2 e
3.7.2). Sua cor é marrom-amarelada, o cheiro é o típico da fumaça (que se conhece das
salsichas defumadas). As estruturas químicas dos inúmeros compostos nesta mistura são
bastante semelhantes, portanto uma separação, com os equipamentos industriais
estabelecidos, não é satisfatória nem economicamente viável. A seguinte figura mostra
somente alguns poucos dos diversos compostos que se obtém na quebra da lignina:
34
A.C. Fortunatto; Alternativas para o aproveitamento do licor negro da indústria de papel e celulose. Tese da
USP 2014, disponível em http://200.144.182.130/iee/sites/default/files/Ana_Carla_Fortunatto.pdf
104
Armin Isenmann
Fig. 63.
Química a partir de Recursos Renováveis
Seleção de alguns compostos monoméricos da pirólise de lignina.
Em geral, a diversidade estrutural da lignina acarreta obstáculos no seu refinamento que
somente aos poucos estão sendo vencidos. Podemos afirmar que, por enquanto, todas as rotas
de acesso aos monômeros da lignina são extremamente difíceis; são a pirólise (= tratamento
térmico sob exclusão de ar), clivagem química-catalítica e a degradação bioquímica, com
ajuda de enzimas, cogumelos ou bactérias. Daí a questão é: como conseguimos mesmo assim,
uma variedade grande de compostos úteis, a partir da lignina?
Fig. 64. Fragmentos de massa molar média (polióis), a partir da lignina; podem ser
usados na síntese de novos poliuretanos.
Os melhores rendimentos em compostos úteis que são atingidos com as mais modernas
operações hoje, são entre 20 e 30%, da massa da lignina crua. A maior parte da lignina se
transforma, no entanto, em compostos voláteis, tais como:
 Ácidos carboxílicos (ácido fórmico, ácido acético)
 Alcoóis (metanol, etanol)
105
Armin Isenmann
Química a partir de Recursos Renováveis
 Gases (gás carbônico, alcanos, alquenos),
além de um resíduo sólido e preto que tem bastante semelhança com o coque a partir do
petróleo (inclusive seu altíssimo poder calorífico).
Pelo menos os processos foram desenvolvidos até um ponto que permite aumentar as
quantidades relativas em compostos oleosos. Dentre destes, especialmente os derivados ohidroxifenilas. Condicional para o sucesso desta operação, porém, é o uso de uma lignina
isenta de quaisquer compostos e íons contendo enxofre. Estes reagentes não provêm da
natureza, mas sim, do processamento tradicional na fábrica de papel e celulose (processo
Kraft, processo de sulfito). Portanto, é imperativo que a lignina seja isolada por um processo
alternativo livre de sulfatos, sulfitos, etc. Oferecem-se os processos "Organossolv", onde a
madeira é processada em solventes orgânicos (por exemplo, em misturas água/etanol;
compare seção 3.6).
As pesquisas em andamento visam o uso dos fragmentos da lignina, em produtos especiais
tais como colas, tintas de parede, pastilhas de freio, discos de polimento, plásticos
duromêricos, espumas. O objetivo principal em todas estas atividades é uma reposição, pelo
menos parcial, dos reagentes provenientes do petróleo, fora de modificações direcionadas das
propriedades destes novos materiais. Sendo um exemplo de sucesso a produção de resinas
epóxis, descrita a seguir.
Uso da lignina de alta massa molar
A partir da lignina poderiam ser feitos muitos artigos de valor: colas, pastilhas de freio, tintas
para estruturas metálicas e muito mais. Recentemente foi desenvolvida uma rota para um
material plástico, composto de lignina e
celulose e conhecida como "madeira
liquefeita" ou Arboform (1998) 35. O
material é muito promissor, já que é mais
resistente à degradação do que a própria
madeira. Seu processamento pode ser por
injeção em moldes, uma das técnicas mais
usadas em termoplásticos. Todavia, este
novo produto ainda requer de bastantes
pesquisas no processamento, por que a
lignina proveniente do processo Kraft
deve ser purificada e refinada em um
processo caro e demorado.
35
www.tecnaro.de/english/arboform.htm
106
Armin Isenmann
Química a partir de Recursos Renováveis
A lignina polimerizada também tem sido utilizada como componente em mistura de
polímeros (“blendas”), juntamente com vários polímeros, tais como polipropileno 36,
polietileno, poli (álcool vinílico) 37 e poliestireno 38.
O que mais chama a atenção na estrutura química da lignina são as unidades fenólicas. Isto é,
um polímero aromático que pode servir como fonte de diversos derivados do fenol, Ar-OH.
Estes poderiam ser usados na fábrica de plásticos, resinas, colas, tintas, etc.
Novas resinas epóxis
A fonte principal dos ingredientes em resinas epóxis hoje é o petróleo. A rota de síntese mais
importante é a poliadição/policondensação entre bisfenol-A e epicloridrina:
Fig. 65.
Síntese de resinas epóxis (fórmula abstraída), reação principal.
As resinas epóxis acharam larga aplicação como colas de alta performance de dois
componentes e em materiais de tratamento de superfície. Além destes, as resinas epóxis
representam a matriz em placas e peças estruturais grandes, muitas vezes reforçadas por fibras
de vidro, fibras de carbono e outras. Esses objetos são extremamente robustos, leves, não
quebram nem racham, ao mesmo tempo são rígidos; assim, são os materiais preferidos na
produção de piscinas, caixas de água, carrocerias, barcos, etc.
As pesquisas mostraram que certos fragmentos da lignina podem ser envolvidos na estrutura
tradicional da resina epóxi, até formulações completamente novas de resinas foram
desenvolvidas ("advanced resins"). A condição é que os fragmentos na média têm mais de um
grupo fenólico, sendo assim um possível substituto para o bisfenol-A. Uma estratégia
36
C. Pouteau, P. Dole, B. Cathala, L. Averous, N. Boquillon; Antioxidant properties of lignin in polypropylene.
Polym Degrad Stab 81 (2003), 9–18.
M. Canetti, F. Bertini, A.D. Chirico, G. Audisio; Thermal degradation behaviour of isotactic polypropylene
blended with lignin. Polym Degrad Stab 91 (2006), 494–498.
37
D.M. Fernandes, A.A. Winkler Hechenleitner, A.E. Job, E. Radovanocic, E.A. Gomez Pineda; Thermal and
photochemical stability of poly(vinyl alcohol)/modified lignin blends. Polym Degrad Stab 91 (2006), 1192–
1201.
38
R. Pucciariello, V. Villani, C. Bonini, M. Dauria, T. Vetere; Physical properties of straw ligninbased polymer
blends. Polymer 45 (2004), 4159–4169.
107
Armin Isenmann
Química a partir de Recursos Renováveis
promissora é a produção de um pré-polímero (isto é, prosseguir a condensação até compostos
de massa molar intermediária) que ainda está líquido e pode ser aplicado com facilidade. Em
segunda etapa provocar a reação com os fragmentos da lignina que leva ao produto final, uma
macromolécula de massa molar infinita, insolúvel e infusível. As propriedades destes
materiais ainda não são muito bem estudadas, mas os resultados preliminares são bastante
promissores. Podemos esperar que já nos próximos anos encontraremos os produtos,
provenientes da floresta, em nossa casa, em forma de esmaltes, colas, peças como moldura de
janela, painéis, fachadas, isolamentos contra calor e umidade, caixas de máquinas e muito
mais.
Sulfonato da lignina - material das mais diversas aplicações
Uma argamassa mostra uma reologia (= estudo do fluxo) mais vantajosa quando estiverem
presentes lignossulfonatos. Na moldagem de peças de concreto se aproveita desta vantagem: a
argamassa flui até o último cantinho e forma uma perfeita peça positiva. Os lignossulfonatos
também são usados na indústria de ração animal, fertilizantes, agentes tensioativos
(detergentes), composto vulcanizante em borrachas e como resina na produção de tintas. O
campo das aplicações destes materiais é bastante amplo, devido:
 suas qualidades de adsorção,
 alta capacidade como trocadores de íons,
 baixa toxicidade e indiferença fisiológica,
 atributos acerca da sua elevada massa molecular.
Durante o processo de sulfito a lignina é sulfonada, principalmente, nas cadeias laterais das
unidades de fenilpropano, enquanto o local mais reativo fica em posição benzílica (ver Fig.
20, na p. 39).
Dependendo do processo aplicado, pode-se obter este sal com diferentes cátions (sódio,
amônio, cálcio, magnésio). Variam bastante as indicações das massas molares: entre 10.000 e
200.000 são as massas mais produzidas. O grau da sulfonação é aproximadamente dois
grupos -SO3-, a cada 5 a 8 unidades de fenilpropano.
Tab. 17.
Possíveis aplicações do sulfonato da lignina:
Ação:
Aplicações:
Retarda a pega em argamassas
Construção civil
Aglutinante
Rações, fertilizantes, agroquímicos, moldes
da fundição.
Emulsificante e dispersante
Corantes e pigmentos.
Vulcanizante
Curamento de borrachas.
Até carcaças de TVs, computadores e celulares podem ser feitas a base desta parte da
madeira. Isso se deve ao comportamento termoplástico dos lignossulfonatos. Basta misturar
com fibras (tais como rami ou sisal) e aquecer, a massa forma um material composto e pode
ser processada em máquinas convencionais de transformação de termoplásticos. Porém, a
composição complexa dos lignossulfonatos e as impurezas ainda remanescentes do processo
108
Armin Isenmann
Química a partir de Recursos Renováveis
sulfito, não são compatíveis com as altas exigências da indústria frente aos termoplásticos,
portanto não acharam larga aceitação no mercado (ainda).
4.3
Os carboidratos solúveis: Amido e Açúcares.
Os açúcares de baixa massa molar, em particular a sacarose, são apresentados no capitulo 5.3,
junto à discussão do etanol sendo seu derivado principal. Isso se justifica, visto que todas as
fábricas funcionam de maneira integrada, produzindo açúcar cristal e etanol na mesma planta.
4.3.1 Amido – um material além de alimento.
O amido é muito difundido no reino vegetal. Altas concentrações encontram-se nos órgãos de
reservas: nos sementes, bolbos, raízes, frutos e na medula. As plantas armazenam energia
sobrando, em forma de amido insolúvel e, portanto, sem efeito osmótico. Como todos sabem,
o amido é também a fonte de energia número um para as pessoas, não importa que seja da
batata, do trigo ou do milho. Conseguimos, ao contrário da celulose, digerir (= hidrolisar)
esses polímeros. Os amidos são polissacarídeos feitos de unidades de D-glicose. Podemos
identificar dois tipos de amido que se diferem principalmente na sua arquitetura (ver também
Fig. 5 e Fig. 6):
Amilose (10 a 30 %): longas cadeias lineares onde somente se têm conexões 1,4-glicosídicas (ver Fig. 5). A conformação secundária da amilose é uma -hélice onde o passo
fica com aproximadamente 3 unidades glicosídicas.
Amilopectina (70 a 90%): polímero altamente ramificado: além das conexões 1,4-glicosídicas observem-se também 1,6--glicosídicas (4 a 6%). A arquitetura é dentrítica onde
as cadeias laterais são relativamente curtas (ver Fig. 6).
Estes, junto à água (cerca de 20%), formam o grão de amido. Em menores partes o grão
também contém proteínas, gorduras, sais minerais assim que o ácido fosfórico fixado em
forma do seu éster.
As qualidades do amido variam com a sua origem; são governadas, além dos tamanhos
médios das macromoléculas, da proporção entre amilose e amilopectina. Em função desta
composição os métodos de isolamento do amido também variam. Seja dado o exemplo do
amido a partir do trigo: a farinha do trigo é misturada com água. Essa massa deve descansar
algum tempo, antes de ser amassada e lavada com água. O glúten (= proteína vegetal, com
qualidades de uma cola) fica insolúvel, pode ser separado e secado. Restos do glúten, o farelo
e o gérmen do trigo podem ser separados por peneiração da suspensão do amido cru. A
suspensão do amido assim refinado é centrifugada e liberada da maior parte de água. A
secagem final ocorre em secadores de esteira, em fluxo contínuo.
4.3.2 Amilose a amilopectina: dois materiais bastante diferentes
A produção de amido cresce continuamente, tanto aquela parte destinada à alimentação
quanto a parte do setor técnico. Em 2005 foram produzidos mundialmente 58 milhões de
toneladas de amido, destas 54% para o setor alimentício e 46% para fins técnicos. Os
produtores líderes são os EUA e a Ásia.
Na secção acerca dos carboidratos na “Biorrefinaria”, na p. 146, apontaremos ao inerente
problema ético que afeta o amido e os açúcares usados pelas indústrias de transformação: eles
podem entrar em concorrência com o alimento humano.
109
Armin Isenmann
Química a partir de Recursos Renováveis
A amilopectina tem mais demanda e valor do que a amilose. Ela pode ser usada para produzir
grude e outras colas, mas também serve como lubrificante, além de suas aplicações na
indústria alimentícia. A amilose, por outro lado, forma facilmente filmes finos e serve como
espessante e emulsificante (devido à formação de colóides hidrofílicos). Aquele amido que
engrossa um molho ou um pudim, sem dar bolinhas de amido, é rico em amilose.
As irmãs desiguais somente podem ser separadas sob grandes esforços e geração de grandes
volumes de água servida - muito caro e inviável em grande escala. Mas a solução do
problema é bastante simples: cultivar plantas (que pode ser por meio da biotecnologia) que
por si já são ricos em amilose ou em amilopectina. Daí, dispensam-se os processos de
separação. Recentemente se criaram milho e batatas geneticamente modificados que são
quase livres de amilose.
Um desenvolvimento recente é o uso de amido termoplástico. Este material é atualmente o
plástico a base de recursos renováveis (ver definição no cap. 5.9.2, na p. 187) mais produzido
no mundo. Com 80% este material é de longe o biopolímero mais utilizado hoje, seguido pelo
acetato de celulose (p. 89) e polilactato (p. 153). Para sua processabilidade como
termoplástico o amido tem que ser aditivado por plastificantes e lubrificantes. Muito usados
para este fim são o sorbitol (ver p. 180) e a glicerina (ver p. 157). A propriedade inerente do
amido de absorver água é, na maioria das aplicações dos plásticos, um atributo indesejável.
Portanto, é misturado (= blend) com outros polímeros, por sua vez de natureza hidrofóbica.
Para manter o atributo "bio", este segundo componente deve ser biodegradável. Assim,
acharam aplicações as blendas com poliéster, poliésteramida, poliuretano e polivinilálcool.
Note que cada um destes últimos componentes é produto da petroquímica. Estas blendas são
produzidas como granulado que pode ser transformado em folhas sopradas, folhas termomoldáveis, peças injetadas e laminados. Os produtos típicos são sacolas, copos de iogurte,
talheres descartáveis, potes de plantas, revestimentos de fraldas, papeis e papelão
plastificados, chips inflados para isolamento e embalagens, etc.
4.3.3 Amido na produção de papel
O amido é um recurso renovável clássico, de grande
importância econômica. Uma das consumidoras
principais é a indústria de papel. Ao borrifar papel
umedecido com uma suspensão de amido, encontraram
um método barato de fortalecer o material. A
penetração do amido torna o papel mais rígido e mais
resistente ao desgaste mecânico - enquanto não
prejudica as máquinas de recorte (o que sempre é um
problema com os recheios minerais). A tinta fresca que
usamos para escrever no papel, fica mais nítida e não se
espalha mais entre as fibras da celulose - o que foi o
caso no papel não tratado.
O amido, além de ser usado na sua forma originária, pode também ser modificado
quimicamente. A próxima figura demonstra as diversificações da sua aplicação e sublinha a
universalidade destes materiais.
110
Armin Isenmann
Fig. 66.
Química a partir de Recursos Renováveis
Campos de aplicação do amido
4.3.4 Amido ramificado: dois exemplos
O amido natural tem sua estrutura secundária (uma -hélice, no caso) devido às pontes de
hidrogênio entre os grupos hidroxilas de unidades glicosídicas vizinhas. Estas pontes podem
ser de natureza intra e intermolecular e fornecem uma firmeza não muito alta ao amido. Ao
ramificá-lo artificialmente este material perde uma parte do seu inchamento em água, ao
mesmo tempo se torna mecanicamente mais estável. Os amidos ramificados são bastante
usados na indústria alimentícia. Mais recentemente são feitas tentativas de usar o produto
ramificado como superabsorvente (ver também p. 158), desta maneira substituir os produtos
comerciais a base de recursos fósseis. A maneira padrão de ramificar o amido é via
esterificação com ácido fosfórico. Mais facilmente se consegue a reação ao usar o cloreto do
ácido fosfórico, POCl3, por ser mais reativo frente nucleófilos do que o ácido livre.
111
Armin Isenmann
Química a partir de Recursos Renováveis
Também viável é a esterificação com um anidrido de ácido carboxílico. Na reação a seguir
usa-se o anidrido acético para produzir o acetato do amido. Este produto não fica mais
ramificado do que o material de partida, mas pode ser usado para moldar filmes finos e folhas
transparentes. Nos anos passados descobriram-se novos campos de aplicação para este
material, a serem mencionadas as folhas de embalagem de alimentos de fácil compostagem,
talheres, pratos e bandejas descartáveis.
O amido tem um futuro brilhante, a médio e longo prazo. O leque das aplicações fica cada vez
mais largo. Também a indústria química descobriu o amido sendo uma matéria prima
excelente para produzir compostos de plataforma, através de novos e eficientes processos
biotecnológicos. Estes caminhos, porém, não aproveitam da síntese macromolecular da
natureza, porque o amido é picado em seus monômeros, a D-glicose.
4.4
Gorduras e óleos
Os óleos e as gorduras sempre foram de suma importância na dieta dos humanos e animais.
Também nas linhas de produção industrial da química sempre foram, e até hoje são, os
recursos renováveis mais importantes. Estima-se que sua importância ainda aumenta no futuro
(palavra chave: biodiesel).
Quimicamente falando, óleos e gorduras são ésteres da glicerina com ácidos graxos, na sua
maioria de cadeia carbônica comprida. Esses compostos são também conhecidos como
triglicerídeos. Podem ser líquidos (daí se fala em óleos) ou sólidos a temperatura ambiente (=
graxas, sebo). É a facilidade de cristalizar, determinada pelo comprimento e pela
uniformidade das cadeias carbônicas e o grau de insaturações, que determina o estado físico
da gordura.
112
Armin Isenmann
Fig. 67.
Química a partir de Recursos Renováveis
Exemplo de um triglicerídeo (= gordura).
A natureza química dos ácidos graxos varia consideravelmente com a origem vegetal ou
animal. Tipicamente indica-se em um código de dois números, o comprimento de carbonos na
cadeia e o número de duplas ligações nesta cadeia. A representação é (X : Y), onde X =
Número de carbonos e Y = número de insaturações C=C. Todos os óleos e gorduras contém
uma diversidade de ácidos graxos e combinações destes nos triglicerídeos, portanto somente é
possível indicar uma porcentagem média. A caracterização química das gorduras é chamada
de "padrão dos ácidos graxos". Como cada molécula de gordura geralmente tem três
diferentes ácidos graxos, as diferenças entre essas moléculas são muito pequenas para serem
separadas por cromatografia. Mas uma transesterificação com metanol leva a três metilésteres
separados que podem ser separados e analisados por técnicas cromatográficas (HPLC).
No caminho petroquímico estes ácidos carboxílicos de cadeia carbônica comprida são
acessíveis, também. Mas essas rotas requerem pelo menos três etapas sintéticas, enquanto o
recurso renovável da gordura precisa de apenas uma simples hidrólise. Portanto, as sínteses
destas substâncias a partir do petróleo nunca foi uma concorrente forte para as gorduras
naturais.
A próxima figura mostra os ácidos graxos insaturados mais presentes nas gorduras naturais:
113
Armin Isenmann
Química a partir de Recursos Renováveis
Tab. 18. Padrão dos ácidos graxos: composição natural de algumas plantas oleosas:
ácidos graxos em % do peso.
Graxa/Óleo
10:0
12:0
14:0
16:0
18:0
18:1
18:2
18:3
20:1
22:1
Óleo de colza
("low erucic")
-
-
-
1-5
1-4
50-65
15-30
5-13
1-3
0-2
Óleo de colza
("high erucic")
-
-
-
2-3
1-4
12-24
12-16
7-10
4-6
45-53
Girassol (gênero
antigo)
-
-
-
3-10
1-10
14-65
20-75
-
-
-
Girassol (high
oleic)
-
-
-
3-4
1-2
90-91
3
-
-
-
Óleo de linho
-
-
-
5-8
2-4
15-25
12-16
50-60
-
-
Manteiga de
coco
5-10
45-53
15-21
7-11
2-4
6-8
1-3
-
-
-
Azeite de dendê
do miolo
3-5
40-52
14-18
6-10
1-4
9-16
1-3
-
-
-
Azeite de dendê
de fora
-
-
0-2
38-48
3-6
38-44
9-12
-
-
-
Óleo de soja
-
-
-
7-14
1-5
19-30
44-62
4-11
0-1
-
Óleo de
amendoim
-
-
0-1
6-16
1-7
36-72
13-45
0-1
0-2
-
A indústria geralmente é interessada em triglicerídeos mais ricos possíveis em determinado
ácido graxo. É evidente que essa exigência somente se consegue com novos cultivos e
criações, de repente com ajuda da manipulação genética. Um exemplo de manipulação bem
sucedida é a colza: essa planta, aliás, fonte número um de óleos na Europa ocidental, tinha
originalmente uma composição nas gorduras que impediu seu consumo por homens e
animais. Isso se deve ao alto teor em ácido erúcico (22 : 1), além dos venenosos ácidos de
gondo e nervono. Hoje essa variedade antiga da colza é exclusivamente usada para
combustíveis do tipo Biodiesel ou na síntese química. Para a última finalidade se cultiva até
variedades que são especialmente ricas em ácido erúcico, um composto bastante interessante
de cadeia de 22 carbonos e uma ligação interna C=C. Conseguiram uma variedade de colza de
>50% de ácido erúcico. A criação mais famosa, todavia, é a "colza duplo zero" na qual o teor
em ácido erúcico fica especialmente baixo, portanto o óleo tornou-se comestível. Em vez
deste, esse óleo é rico em ácido oléico (50 a 65%), linóleo (15 a 30%) e linoléico (5 a 13%).
4.4.1 Demanda crescente em óleos vegetais
A produção de óleos em grande escala inclui as etapas de prensagem e extração. Um fato
interessante é que a torta de prensagem (rica em proteínas e fibras das sementes) também tem
valor, especialmente em ração para gado.
Os triglicerídeos entram hoje como matéria prima na fábrica de cosméticos, lubrificantes,
sabão e vernizes. Na Europa já se alcançaram 50% dos detergentes produzidos a partir de
114
Armin Isenmann
Química a partir de Recursos Renováveis
óleos vegetais. O recém advento do biodiesel aumentou bastante a demanda por óleos
naturais.
Destes exemplos referidos, o cosmético, os óleos usados para serras e em sistemas
hidráulicas, requerem pouca transformação química para se tornarem uma variedade de
produtos finos e especiais. A Fig. 68 mostra umas destas reações, todas de importância
industrial.
Fig. 68.
Reações químicas feitas nos triglicerídeos
A hidrólise dos triglicerídeos sob pressão, leva aos ácidos graxos livres e à glicerina. Os
ácidos graxos podem ser desprotonados com bases fortes (NaOH ou KOH) e fornecem
diretamente sabões.
A reação dos ácidos graxos com alcoóis leva aos ésteres. Estes produtos, porém, são
geralmente feitos de maneira mais direta a partir do triglicerídeo, via transesterificação. A
reação certamente mais aplicada é com metanol que fornece o biodiesel que nada outro é do
que o metiléster dos ácidos graxos. Os catalisadores básicos (metóxido de sódio, por
exemplo) ganham a preferência na maioria dos casos, já que os catalisadores ácidos (ácido
sulfúrico, ácidos sulfônicos orgânicos do tipo tosila; zeólitos) são de remoção difícil. Além
disso, produzem em menores partes ácidos graxos livres. Ambos, catalisador ácido e ácido
graxo livre, corroem os motores de combustão.
A hidrogenação catalítica satura, em primeira linha, as duplas ligações C=C dos ácidos
graxos. Mas também se consegue, sob condições mais drásticas, uma redução do grupo
-COOH que leva aos alcoóis graxos. Estes são intermediários na fábrica de agentes
tensoativos (detergentes). Após a esterificação com ácido sulfúrico e a neutralização se
obtém, por exemplo, detergente para lavar louça. Fórmula geral destes alquilssulfatos: ROSO3- Na+.
Uma reação interessante se consegue nas duplas ligações C=C com peróxido de benzoíla: os
epóxidos dos ácidos graxos. Eles reagem voluntariamente com ácidos carboxílicos
bifuncionais, fornecendo a interessante classe dos poliésteres insaturados (resinas em tintas).
115
Armin Isenmann
Química a partir de Recursos Renováveis
Um tratamento simples do óleo de dendê com ácido sulfúrico concentrado ou SO3 leva ao
éster (= sulfato) nos grupos hidroxilas e ao produto de adição do grupo -SO3H nas duplas
ligações C=C. Esse produto é conhecido como óleo vermelho do turco (inglês: turkey-red oil)
e contém entre 8 e 8,5% de SO3. Isto corresponde a um grupo sulfônico a cada triglicerídeo. A
indústria têxtil é grande consumidora deste, onde serve como aditivos emulsificante e
umectante dos tecidos.
Fig. 69.
Possíveis reações na dupla ligação C=C dos ácidos graxos.
Além destas, as reações feitas no grupo carboxílico dos ácidos graxos leva aos cloretos,
amidas, aminas ou sais carboxilatos.
Fig. 70.
Reações preferencialmente feitas no grupo -COOH dos ácidos graxos.
Certos ácidos graxos contêm ainda um grupo hidroxila. Mais famoso exemplo é o ácido
ricinóico. O óleo de mamona é especialmente rico neste ácido graxo (~ 80%). Sendo assim,
este composto pode ser usado diretamente na produção de poliuretanos, onde substitui uma
parte dos polióis, usados para ramificação do polímero e plastificação do material.
Tab. 19.
Exemplos do uso industrial dos derivados de ácidos graxos:
Derivado
Aplicação
Éster do ácido graxo
Plastificante na indústria de tintas e vernizes
Etoxilato do ácido graxo
Emulsificantes na indústria cosmética e têxtil
Amida do ácido graxo
Compatibilizante e umectante para pigmentos, usados na indústria
116
Armin Isenmann
Química a partir de Recursos Renováveis
de tintas; proteção de corrosão de estruturas metálicas.
(Não incluso o uso de certos derivados na farmácia e como inseticidas.)
4.4.2 Perspectivas para o futuro
Como as tecnologias bioquímicas conquistam a produção industrial pode ser mostrado no
exemplo da hidrólise dos triglicerídeos. Em alta escala, até hoje, as gorduras são hidrolisadas
usando vapor de alta pressão; consequentemente é uma etapa bastante energética. A
biotecnologia oferece uma alternativa interessante: um novo grupo de enzimas chamadas de
lipases foi aperfeiçoado para fazer este serviço a temperatura ambiente. Aliás, são os
biocatalisadores que ajudam também na nossa digestão de comida gordurosa. As operações
unitárias são, portanto, bastante simples e robustas. A seletividade deste tipo de catálise
geralmente é bastante alta. Em nosso exemplo são produzidos especificamente os ácidos
graxos livres, mesmo se o material de partida for uma amostra biológica impura.
Por que este método não se aplica ainda em grande escala? Um dos obstáculos e objeto de
pesquisas é a intolerância das culturas de bactérias que produzem as enzimas, frente altas
concentrações. A maioria morre quando exposta, tanto à alta concentração de gorduras como
aos ácidos graxos produzidos. Outra é uma elevada mortalidade das bactérias sob condições
de hidrólise. Outro ponto é a possibilidade da formação de produtos paralelos, especialmente
sob tempos de fermentação prolongados. Estes, por sua vez, podem potencializar a toxicidade
do ambiente reacional frente às bactérias, uma parada da reação seria a consequência. Além
de tudo isso, o agar (= alimento para as culturas de bactérias) que é essencial para o bom
funcionamento da fermentação, ainda custa muito caro.
Tendo em vista um futuro dominante da biorrefinaria, temos que admitir que as estratégias
hidrolíticas não são adequadas para todos os tipos de biomassa, tais como aquelas ricas em
triglicéridos ou lignina. Frações de baixo conteúdo de carboidratos são mais adequadas para
pirólise e gaseificação. Por outro lado, matérias-primas ricas em carboidratos (poliméricas,
dissacarídeos e sacarídeos simples) são predestinadas para serem processados por métodos
microbiológicos à base de água, para geração de álcoois e especialidades químicas, em
biorrefinarias totalmente integrada. Estima-se que um preço do barril de petróleo acima de
US$ 100 irá fornecer o incentivo necessário para a utilização de biomassa, substituindo então
os produtos das atuais refinarias de petróleo.
Os biotecnólogos, químicos e engenheiros de processos trabalham mão em mão para vencer
estes obstáculos acarretados pela vulnerabilidade das bactérias. Culturas mais potentes de
bactérias ou enzimas extraídas delas estão sendo desenvolvidas, visando produtos em
concentrações mais altas. Também trabalham num melhor funcionamento da etapa de
purificação que, neste processo, anda paralelamente à fermentação.
4.5
Os demais componentes da madeira, presentes em menores partes.
4.5.1 Terpenos e resinas
Os terpenos são conhecidos há muito tempo sendo os compostos principais dos óleos etéricos.
São feitos de unidades de isopreno (= 2-metil buta-1,3-dieno; H2C=C(CH3)CH=CH2):
2 unidades isoprênicas = C10 = monoterpeno
3 unidades isoprênicas = C15 = sesquiterpeno
4 unidades isoprênicas = C20 = diterpeno.
117
Armin Isenmann
Química a partir de Recursos Renováveis
Os terpenos podem ser cíclicos ou acíclicos, seus grupos funcionais principais são álcool e
aldeído. A mistura de terpenos líquidos é conhecida como "terebintina" ou “aguarrás”, sua
produção mundial fica em torno de 1 milhão de toneladas por ano. Fonte principal dos óleos
de terebintina são as coníferas. As agulhas destas árvores são especialmente ricas em terpenos
- o que já revela seu cheiro aromático e intenso. Na produção da celulose a partir de pinheiros
(EUA, Finlândia), pode-se contar com até 16 Kg de terebintina a cada tonelada de celulose.
Abetos fornecem em torno de 3 Kg de terebintina.
A terebintina é usada diretamente como solvente em esmaltes, graxa de sapato e resinas de
chão. Em menores partes é usada na produção da cânfora, substâncias odoríferas ou
vitaminas.
Uma visão ampliada sobre os terpenos e poliisoprenos, ver cap. 4.5.2 (p. 118).
4.5.2 Terpenos contra câncer
Também a indústria farmacêutica descobriu o valor dos terpenos. Por exemplo, o taxol usado
com sucesso no tratamento de câncer, é feito a partir de um diterpeno. Também os esteróides,
entre eles os hormônios sexuais, têm um esqueleto de diterpenos (= C20). Além disso, os
terpenos são materiais de partida para vitaminas e uma série de outros fármacos.
Grandes volumes de terpenos de baixa massa molar são usados na indústria de tintas e
vernizes, como solventes. Conhecida como "terebintina" essa mistura serve como substituto
para alcanos e aromáticos provenientes do petróleo (querosene e nafta). Especialmente grande
foi o avanço em proteção ambiental quando a terebintina foi usada em vez dos solventes
halogenados. Mas os terpenos também podem ser componentes estruturais na própria tinta,
onde polimerizam e ajudam formar uma rede tridimensional que proporciona à tinta sua
resistência necessária e dureza final.
Tab. 20.
Terpenos e suas aplicações:
Ramo industrial
Aplicação
Alimentício
Flavorizantes e aromas
Farmácia
Óleos etéricos, medicamentos, vitaminas.
Cosmética
Odorantes e aromas, repelentes.
Corantes e tintas
Solventes alternativos
Agrícola
Pesticidas
4.5.3 Terpenos e borracha natural
Dizem que óleo cítrico espanta males e mal humor. Fato que até então ninguém comprovou.
Certo é, por outro lado, que o composto responsável pelo odor agradável é citronelol que
pertence à família dos terpenos. Terpenos fazem parte dos óleos etéricos das plantas. Além do
mencionado, os mais conhecidos representantes desta família são o mentol (contido no óleo
da menta e hortelã; famoso por seu efeito refrescante na boca) e o cuminal (no cuminho e no
eucalipto).
118
Armin Isenmann
Química a partir de Recursos Renováveis
CH 2OH
CHO
CH 2 OH
Citronelol
Geraniol
(tomilho, f rutas cítricas, (rosas, citronela;
perf umes)
repelente de insetos)
Neral ou Citral
(erva cidreira;
síntese de vitamina A)
OH
OH
Mentol
(menta,
cigarros)
Fig. 71.
Cuminol
(cuminho, f uncho;
medicinal)
Alguns monoterpenos típicos, sua fonte natural e suas aplicações industriais.
Todos os terpenos se constituem de unidades "isoprênicas".
Isopreno
Como o número de carbonos no isopreno é 5, o critério de ser um terpeno é que o número dos
seus carbonos deve ser divisível por 5 (regra de L. Ruzicka, 1922). Compostos que são feitos a
partir de uma única unidade isoprênica são raros na natureza. por outro lado, muito
espalhados são os compostos de duas, três ou mais unidades isoprênicas. Ao longo dos anos
se estabeleceram nomes triviais para classificar estes terpenos, dos quais alguns são
relacionados na tabela a seguir.
119
Armin Isenmann
Tab. 21.
Química a partir de Recursos Renováveis
Representantes de terpenos de baixa massa molar.
Dos ~40.000 diferentes terpenos conhecidos até hoje as
estruturas químicas e, na maioria dos casos, as rotas da sua
síntese são bem conhecidos. Por outro lado, o papel biológico
destas substâncias e seus efeitos nos homens, somente se
sabe em partes. No entanto, seus efeitos podem ser bastante
interessantes: alguns animais liberam feromônios que servem
para comunicar com seus iguais - às vezes a longa distância.
Outros servem como atraentes: o besouro da madeira segue
ao cheiro dos terpenos de pinheiros que são emitidos de
árvores doentes.
Não é surpresa que na indústria de perfumes se usam os
terpenos há muitos anos. Exemplos são o mentol, geraniol e
nerol.
4.5.4 Sem a borracha ficamos no lugar
Na língua dos índios do Perú a palavra "Cahuchu" significa árvore com lágrimas. Quando se
risca a casca de uma árvore amazônica do tipo hervae brasiliensis, sai um tipo de leite que
contém o então cauchú, melhor conhecido como látex da borracha natural.
120
Armin Isenmann
Química a partir de Recursos Renováveis
O látex tem a sua aparência leitosa devido ao forte espalhamento da luz nas pequenas
partículas contidas nele. Na verdade trata-se de gotículas de um polímero, o poliisopreno com
uma massa molar média de 2.106 g.mol-1, em uma matriz aquosa. O tamanho médio destas
gotículas é de poucos micrômetros, portanto o látex é um exemplo para uma dispersão
coloidal (= emulsão). Esse vai ser o ingrediente principal em muitas borrachas e elastômeros
que usamos no dia a dia - inclusive para os pneus dos nossos veículos. Entre outros, o Brasil
mantém uma pesquisa aplicada há décadas que visa melhorias na produção do látex e da então
borracha natural.
Por outro lado, há aproximadamente 100 anos que se sabe do acesso às borrachas sintéticas,
entre elas os copolímeros de SBR (= poli-estireno-co-butadieno = Buna S) e NBS (= poliacrilonitrila-co-butadieno-co-estireno = Buna N). A tendência atual, porém, vai claramente
em direção à borracha a partir de recursos naturais.
O rosto da Tailândia são suas plantações extensas de cauchú. Uma árvore em média produz
vários gramas de látex por dia que, na maioria das vezes no local do produtor florestal, é
tratado com diversas substâncias, entre estes o ácido acético, com o objetivo de coagular esse
leite. Daí pode ser separado da fase aquosa. O coagulado é amassado por rolos que parecem
um pouco às calandras da fábrica de plásticos. O material sai deste processo em lâminas de 1
a 2 mm de espessura e vai para a secagem em armazéns aquecidos a 50 °C. No final o látex
seco é pulverizado, já que nesta forma é mais fácil de transportá-lo.
4.5.5 Estrutura química e vulcanização
O poliisopreno contido no látex é um polímero altamente insaturado (quer dizer, repleto de
duplas ligações C=C), com relativamente poucas ramificações. A forma predominante da
inserção do monômero isoprênico é via os carbonos 1 e 4; a dupla-ligação do monômero
muda-se para a posição 2, enquanto observamos o estabelecimento da geometria cis.
Fig. 72.
Esquema da vulcanização da borracha natural
A borracha natural pode ser chamada de recurso renovável "tradicional". Porém, antigamente
a humanidade ainda não sabia da grande utilidade deste material. Isso mudou drasticamente
quando o escocês C. Macintosh (1823) descobriu que o látex é solúvel em solventes orgânicos
e nesta forma pode ser aplicado em tecidos. Uma vez o solvente se volatilizou, o tecido se
tornou prova d´água que pôde ser usado como roupa de proteção contra a intempérie
adversária da Escócia. Infelizmente, essas jaquetas grudaram bastante durante o verão; além
disso, o oxigênio do ar tornou o tecido tratado seco e duro e o látex se perdeu aos poucos. O
121
Armin Isenmann
Química a partir de Recursos Renováveis
que ficou, até hoje, é a expressão "Macintosh", para denominar jaquetas de chuva na
Inglaterra.
O americano J. Goodyear (1839) descobriu poucos anos depois e por puro acaso, que a adição
de enxofre e um tratamento com temperaturas ligeiramente elevadas transformou o material
grudento em um novo estado que mostrou altíssima elasticidade - o que todo mundo conhece
hoje como borracha. Esse novo material pôde ser estirado até 500% da sua forma em repouso,
sem rachar! E depois de relaxar voltou na mesma forma que tinha havido antes. Isso foi
revolucionário, sendo o nascimento do processo da "vulcanização". A partir de lá, levou um
tanto de 80 anos para se descobrir porque as qualidades
mecânicas da
borracha mudaram tão drasticamente: as cadeias
poliméricas do cauchú, por enquanto soltas uma da outra
e
na
conformação de novelos estatísticos, podem deslizar
das
cadeias vizinhas, uma vez que somente se
estabeleceram as fracas interações de Van der
Waals entre elas. Em consequência, o material é
um grude de alta viscosidade que se rasteja aos
poucos (ingês: creep). Com a vulcanização se
introduz o enxofre que impede justamente
esses deslizamentos. Duplas ligações C=C
remotas estabelecem pontes de polissulfeto,
tanto intra quanto intermoleculares. Entre
essas pontes se encontram seções (ou
laços) mais ou menos compridas: 20 a
100 unidades isoprênicas, na média. As
pontes de polissulfeto, por serem ligações
covalentes e estáveis, fazem com que os
novelos estatísticos do poliisopreno e, afinal, o objeto macroscópico, não permaneçam na
posição final após serem deformados. Sendo assim, o objeto perdeu o comportamento
viscoso, enquanto realçou o aspecto elástico. É lógico que através da quantidade de enxofre
que se usa na vulcanização, se consegue ajustar o comportamento elástico e a rigidez do
corpo. Uma vez vulcanizada, a peça tem sua forma final e não pode ser mais transformado
igual um termoplástico; sua massa molar torna-se infinita, devido às inúmeras pontes de
polissulfeto; além disso, virou insolúvel em qualquer solvente - somente incha, mas não se
dissolve.
De acordo com sua aplicação a borracha requer uma série de aditivos (pigmentos, corantes,
plastificantes, anti-chama, protetor solar, antienvelhecimento = antioxidantes), auxiliares de
processamento (lubrificantes) e recheios. Estes últimos são especialmente importantes, não só
por baratear o artefato de borracha, mas também por mostrar efeitos sinergéticos sob vários
aspectos mecânicos. O recheio mais utilizado e presente em até 50% da massa do objeto final,
é carvão finamente particulado e fuligem. Sua cor preta que todos conhecem dos pneus, ao
mesmo tempo protege a borracha frente à radiação solar. Se não fosse protegido, o objeto
ressecaria e endureceria rapidamente.
A seguinte figura dá noção da composição típica de um pneu de carro. Mais de 70% de toda a
borracha produzida no mundo entra na produção de pneus de automóveis. Em segunda linha
ficam as luvas de borracha, vedações, mangueiras, balões de festa, botas, solas de sapato e
correias de transporte.
122
Armin Isenmann
Fig. 73.
Química a partir de Recursos Renováveis
Composição média de um pneu de carro
O cauchú natural tem em torno de 40% de toda a produção em elastômeros no mundo, a
produção mundial do látex fica em 20 milhões de toneladas por ano. Estes números
demonstram a imensa importância deste recurso renovável.
4.5.6 Taninos
São polifenóis com pesos moleculares entre 500 e 3000. Eles inibem o ataque às plantas por
herbívoros vertebrados ou invertebrados e também por microorganismos patogênicos. Isso se
deve à diminuição da palatabilidade, dificuldades na digestão e produção de compostos
tóxicos dentro do trato digestivo. O termo é largamente utilizado para designar qualquer
grande composto polifenólico contendo suficientes grupos hidroxila e outros (como carboxila)
para poder formar complexos fortes com proteínas e outras macromoléculas.
Suas características gerais são a solubilidade em água, álcool e acetona, sua insolubilidade em
éter puro, clorofórmio e benzeno. Além disso, se precipitam quando entrarem em contato com
sais de metais pesados. A farmácia aproveita das qualidades dos taninos na complexação com
íons metálicos, atividade antioxidante e sequestradora de radicais livres:







Antídotos em intoxicações por metais pesados e alcalóides;
Adstringentes (a gente fala que eles "fecham a boca", conhecido do caju, casca de
banana ou da carambola verde);
Via externa: cicatrizantes, hemostáticos;
Via interna: antidiarreicos;
Anti-sépticos;
Antioxidantes;
Antinutritivos (devido ao seu efeito complexante, diminuem a capacidade de absorção
de ferro).
123
Armin Isenmann
Química a partir de Recursos Renováveis
Na indústria os taninos têm relativamente pouca importância industrial. São ingredientes no
processo de fabrico de curtumes, onde se transforma peles (putrecíveis) em couros (não
putrecíveis). Também são agentes de fixação de corantes em cima da fibra, na linguagem dos
coloristas 39 é um “mordente”. A casca de carvalho é a principal fonte de taninos para esta
indústria. Outros usos são processos de saneamento, tanto para água de adução como de
efluentes líquidos; em processos de purificações de líquidos (combustíveis/gasolina) e em
processos de perfuração de poços (viscosidade da lama).
4.5.7 Sais minerais na madeira
Os sais minrais contidos na madeira são principalmente os carbonatos e silicatos. Estes
componentes não servem como matéria-prima para produtos químicos. Muito pelo contrário,
atrapalham bastante o processamento da madeira, pois desgastam a maquinaria de corte
devido à alta abrasão. Especialmente rico em sais minerais e, portanto, usado como adubo,
são as cinzas da madeira queimada. Esses sais são especialmente ricos em potássio e cálcio e
têm caráter alcalino, então ideal para corrigir o pH de um solo ácido.
5 Química de plataforma, a partir de recursos renováveis
Até hoje podemos afirmar: sem petróleo ou gás natural não funciona nada na indústria
química. Estes recursos são as fontes para as substâncias padrão (inglês: bulk chemicals), a
partir das quais toda a química fina se constrói. Só que as fontes desses materiais se esgotam
aos poucos. Por este motivo o mundo da ciência está procurando substitutos com máximos
esforços.
Este capítulo deve mostrar como alguns dos mais genéricos reagentes da síntese orgânica são
acessíveis, a partir de recursos renováveis. Essas substâncias são fundamentais em
praticamente todas as linhas de produção - desde plásticos, fibras e têxteis, remédios,
agrotóxicos etc., também conhecidos como "commodities" ou "químicos de plataforma".
Sua classificação aqui será conforme o número de carbonos dentro da sua estrutura, daí são
C1, C2, C3, etc.
Outros produtos a partir da biomassa lignocelulósica são completamente novos no cenário da
química industrial. Dentre estes, são especialmente os (di)ácidos carboxílicos e os polióis que
são referidos na Tab. 25. É o desafio para os químicos achar novas aplicações, por exemplo,
como monômeros em novos materiais poliméricos, como reagentes na química fina ou como
solventes alternativos em processos de transformação.
Antes de apresentar as estratégias mais promissores para acessar estes compostos de
plataforma de C1 a C6, a partir de recursos renováveis, vamos familiarizar com as rotas
convencionais cuja base são os recursos fósseis, como já mencionado na introdução (p. 9).
39
Leia sobre a fixação por meio de mordentes, em A. Isenmann, “Corantes” Cap. 4.1; disponível em
http://www.timoteo.cefetmg.br/site/sobre/cursos/quimica/repositorio/livros/corantes/index.html
124
Armin Isenmann
Química a partir de Recursos Renováveis
Excurso: Química de plataforma à base de recursos fósseis
Chamamos de recursos fósseis o petróleo, o carvão mineral e o gás natural. As maiores
capacidades destes recursos são submetidas a processos que visam seu refinamento (=
fracionamento). Neste processo térmico não há muitas reações químicas – por vezes algumas
pirólises de compostos poliméricos. Os produtos podem ser diretamente usados como
combustíveis para veículos, para o aquecimento de caldeiras industriais ou até moradias.
Representantes típicos são o n-heptano e isooctano (= 2,2,5-trimetilpentano), por sua vez
componentes principais na gasolina.
Outro ramo industrial da petroquímica visa o beneficiamento químico dos recursos fósseis,
onde se segue a seguinte estratégia: as frações mais pesadas da destilação fracionada contêm
hidrocarbonetos de elevada massa molar. Estes são submetidos a uma etapa de redução do
tamanho, conhecida como “craqueamento”. Neste processo, além da cisão das cadeias
carbônicas, ocorre também uma desidrogenação, ou seja, a formação de duplas ligações
C=C. Por vez pode ocorrer uma ciclodeshidrogenação - o que leva aos compostos cíclicos
altamente insaturados, então os aromáticos. Desde os anos 1980 a produção dos aromáticos a
partir do alcatrão do carvão mineral é regressiva, sendo este recurso fóssil cada vez mais
substituído pelo petróleo.
A partir destes compostos pequenos, a dizer:



Metano (diretamente do gás natural),
Mono-olefinas (etileno, propeno, 1-buteno, 2-buteno, isobuteno),
Aromáticos simples (benzeno, tolueno, xilenos, naftaleno, obtidos do alcatrão de
hulha, mas também acessível a partir do petróleo, por meio da ciclodesidrogenação
das n-parafinas),
é possível construir em etapas consecutivas moléculas mais pesadas, com diversos grupos
funcionais, de maneira controlada e direcionada. São estas, em resumo, as estratégias
principais hoje de se produzir os produtos químicos de plataforma. Sem entrar em detalhes,
os seguintes três diagramas devem mostrar as rotas principais de acessar uma larga faixa de
compostos funcionalizados, a maioria dos quais ainda serve como intermediário para
produtos químicos mais sofisticados, tais como fármacos, polímeros, agrotóxicos, etc.
125
Armin Isenmann
Química a partir de Recursos Renováveis
Policloreto de vinilideno
(Neopreno)
Polivinilálcool
(PVA)
Cloreto de vinilideno
Tricloroetano PVC
Polivinilacetato
(PVAc)
Etilenamina
Cloreto de vinila
Acetato de vinila
1,2-Dicloroetano
Polietileno
Etilenoglicol
HCl
Cl2
AcOH / O 2
n-Propanol
Propionaldeído
Síntese "Oxo"
Etileno
O2
Oxietileno
(oxirano)
Cloreto de etila
Chumbo tetraetil
(hoje pouco)
O2
Fig. 74.
H2O
Etanolamina Poliglicoléster
Acetaldeído
Etilbenzeno
Estireno
Poliestireno
(PS)
Polioxietileno
Glicoléster
HCl
Benzeno
Glicoléter
de baixa massa
Etanol
Butadieno
Borracha NBS
Produtos de plataforma, a partir do etileno proveniente do petróleo.
126
Armin Isenmann
Química a partir de Recursos Renováveis
Epicloridrina
Glicerina
Ácido acrílico
Álcool alílico
Cloreto de alila
1,2-Dicloropropano
Cloreto de n-propila
O2
Acroleina
HCl
Propilenocloridrina
Cl 2
O2
n-Butanol
n-Butiraldeído
HOCl
Hidroperóxido
Síntese "Oxo"
Propileno
Benzeno
Fenol
Cumeno
Ceteno
Acetona
Produtos
acetilados
Fig. 75.
Óxido de propileno
Propilenoglicol
H2O
NH 3 / O 2
Polietileno
Acrilonitrila (isotático/ Polipropilenoglicol
sindiotático)
Isopropanol
Poliacrilonitrila
(PAN)
Diacetona álcool
Acetonacianidrina
Óxido de mesitila
Metilmetacrilato
i-Butil metil cetona
Polimetilmetacrilato
(PMMA)
Produtos de plataforma, a partir do propileno proveniente do petróleo.
127
Armin Isenmann
Química a partir de Recursos Renováveis
Fig. 76. Produtos aromáticos podem ser obtidos a partir da destilação fracionada do
alcatrão de hulha (= carvão mineral), um subproduto valioso da coqueria.
O primeiro derivado petroquímico foi o isopropanol, que foi produzido nos EUA (1920) a
partir do propileno, adicionando ácido sulfúrico concentrado, seguido por uma etapa de
hidrólise do éster. Seguiram sínteses semelhantes, por exemplo, do 2-butanol a partir dos nbutenos. Este álcool pode ser oxidado fornecendo cetonas (acetona, butanona). Ainda se
procurou, na época, por um destino para o etileno que foi considerado sendo subproduto de
baixo valor, um gás que escapou das refinarias do petróleo da época. No ano 1930 começou a
produção de oxietileno a partir do etileno. Mas somente com o advento dos catalisadores de
Ziegler o etileno se tornou realmente valioso: nos anos 1960 começou a grande história do
128
Armin Isenmann
Química a partir de Recursos Renováveis
polietileno e do polipropileno, materiais com módulos suficientemente altos para serem
utilizados em inúmeras aplicações no setor de construção e como embalagem de bens de
consumo. Hoje os polímeros PE-HD e PP representam os insumos mais produzidos, a partir
do petróleo.
Antes do desenvolvimento dos polímeros ainda datou a cloração do propileno à alta
temperatura (> 500 °C) que levou, finalmente, à produção da glicerina em grande escala.
Também a produção do butadieno foi um marco na história da petroquímica, já que
representa o monômero dos mais importantes materiais borrachosos (buna-N, buna-S, NBS,
etc.).
Fim do excurso.
5.1
Pequenos e poderosos - a família C1.
Metanol e formaldeído
Os dois compostos C1, metanol e formaldeído, de fórmula CH3OH e HCHO,
respectivamente, são entre os mais importantes reagentes da síntese orgânica, envolvidos na
maioria das linhas de produção.
Tab. 22.
Os retratos de metanol e formaldeído.
O metanol é um líquido de baixa
viscosidade; completamente misturável com
a água e álcoois maiores; estabelece fortes
pontes de hidrogênio; é inflamável e queima
com chama invisível.
Densidade: 792 kg/m³
O formaldeído é o menor aldeído, ao mesmo
tempo é mais reativo que seus homólogos
pesados. A solução aquosa de formaldeído,
em regra diluída a 45%, denomina-se formol
ou formalina. Ele se polimeriza ao longo do
tempo, formando um precipitado de polioximetileno, H-(CH2-O)x-H, mas essa reação
é facilmente revertida.
Ponto de ebulição: 64,7 °C
Ponto de ebulição: -19 °C
Massa molar: 32,04 g/mol
Massa molar: 30,031 g/mol
Ponto de fusão: -97,6 °C
Densidade: 815 kg/m³
Pressão de vapor: 13,02 kPa
Ponto de fusão: -92 °C
Classificação: Álcool
Solúvel em: Água
De onde vêm os compostos C1 de hoje?
O ponto de partida para um grande número de hidrocarbonetos e álcoois de baixa massa
molar, entre eles o metanol, é o "gás de síntese" ou “syngas”, isto é uma mistura de monóxido
de carbono e hidrogênio. Matéria de partida hoje é principalmente gás natural e a fração de
nafta proveniente do petróleo (mas, como veremos mais adiante, estas matérias-primas
poderão ser substituídas pela biomassa). A reação com vapor de água é feita a temperaturas
entre 800 e 900 °C, aplicando ao mesmo tempo pressões de até 40 bar. A reação é
endotérmica e pode ser resumida simplificada como:
CH4 + H2O  CO + 3 H2
ou
(CH2)x + x H2O  x CO + 2x H2.
129
Armin Isenmann
Química a partir de Recursos Renováveis
(gás natural)
(nafta)
Os conhecimentos acerca desta síntese são vastos. Aplicam-se com sucesso diversas variações
operacionais e processos, desde 80 anos. Também a partir do carvão é possível fazer gás de
síntese:
C
+
H2O

CO + H2.
(carvão mineral)
Quando aquecer o petróleo/carvão a 550 °C, na presença de um excesso de vapor d´água
superaquecida e sob exclusão de ar (= condições de pirólise), os hidrocarbonetos se
decompõem, e resultam três frações de estados físicos diferentes:
1. Um gás combustível que contém compostos tais como monóxido de carbono e
metano, mas também hidrogênio.
2. Um líquido oleoso (piche; tar), mistura complexa de pequenas moléculas orgânicas.
3. Um sólido que parece muito ao coque.
A fracção gasosa é o “gás de síntese” cru e pode ser refinado em seguida; as fracções líquida e
sólida são queimadas e servem como fonte de energia para estabelecer as altas temperaturas
requisitadas pelo reator.
As utilidades do gás de síntese são diversas:





Combustível em caldeiras, fornos de cal, motores a gás, etc.
Redutor direto em fornos da siderurgia,
Geração de energia elétrica em turbinas a gás,
Produção de gasolina sintética e “gás natural sintético”, e finalmente:
Síntese de compostos orgânicos de plataforma, daí conhecida como “Síntese de
Fischer-Tropsch”.
Antes de ser convertida em metanol e outros compostos químicos, a mistura de CO / H2 deve
ser purificada; entre os "outros" se destacam hidrocarbonetos de cadeia média a comprida e
diversos alcoóis. Quais exatamente são os produtos desta etapa depende principalmente das
condições aplicadas na síntese: temperatura, pressão, catalisadores. Ao se trabalhar sem
pressão e a ~180 °C, os produtos são hidrocarbonetos sem algum oxigênio, das fórmulas
gerais CnH2n+2 (saturados) ou CnH2n (cíclicos e alquenos que contêm uma dupla-ligação C=C).
A temperaturas mais altas, entre 800 e 1000 °C, prevalece a produção de gases de
hidrocarbonetos combustíveis (o “gás natural sintético”) – um caminho que não seja tratado
aqui.
A seguinte equação abstrai a produção dos hidrocarbonetos à base de gás de síntese:
(n+2) CO + (2n+5) H2  H3C-(CH2)n-CH3 + (n+2) H2O
Os produtos primários desta etapa, ao usar catalisadores de ferro, cobalto e níquel, são:
 Metano: 20%
 Hidrocarbonetos leves (propano C3H8, butano C4H10, propeno C3H6, buteno C4H8):
10%
130
Armin Isenmann
Química a partir de Recursos Renováveis
 Hidrocarbonetos com ponto de ebulição até 200 °C (= "gasolina"): 40%
 Hidrocarbonetos com ponto de ebulição até 320 °C (= óleo Diesel): 20%
 Hidrocarbonetos sólidos (= parafinas): 10%.
Através do processo de craqueamento pode ser aumentada posteriormente a porcentagem da
fração da gasolina.
Os fundamentos desta reação foram colocados por Franz Fischer e Hans Tropsch, nos anos
1920. Naquela época, a nova síntese abriu a oportunidade de produzir gasolina, a partir do
carvão mineral - uma estratégia que se tornou substancial para a sobrevivência da economia
alemã durante a guerra. Até hoje este tipo de reações são conhecidas como "Síntese de
Fischer-Tropsch".
Aproveitamos agora destas experiências, quando procuramos caminhos para fazer o gás de
síntese a partir de biomassa. 40
Biometanol pela rota de Fischer-Tropsch
O biometanol é talvez a mais antiga forma de produção de metanol. Foi inicialmente
produzido a partir de madeira; daí o nome por que ficou conhecido: “álcool da madeira”.
Curiosidade: o biometanol foi descoberto pelos egípcios por meio da pirólise destrutiva de
madeiras, a ser usado no processo de embalsamento. Desde então o metanol se evoluiu para
ser uma das matérias-primas mais consumidas na indústria química. O “álcool da madeira”,
pode então ser preparado pela destilação seca de madeiras, sob exclusão de ar. Esse é o
processo mais antigo de obtenção do metanol, durante muito tempo a síntese exclusiva. Como
veremos a seguir, a rota de Fischer-Tropsch é uma versão mais moderna deste processo
pirolítico.
A importância da economia do biometanol é evidenciada nos trabalhos do vencedor do
prêmio Nobel de Química de 1994, G.A. Olah, onde ele ressalta a importância do biometanol
como biocombustível e armazenamento de energia com grandes perspectivas futuras na
substituição de combustíveis fósseis. 41 A produção mundial em 2014 foi estimada com 100
milhões de metros cúbicos de biometanol no mundo; isto corresponde a 100 mil toneladas de
biometanol sendo usados a cada dia, quer de matéria-prima em processos químicos ou como
biocombustível. 42
A produção do biometanol envolve basicamente 8 etapas operacionais:
1) Pré-tratamento da biomassa lignocelulósica: o trituramento para chegar em partículas
de 1 a 5 mm é vantajoso, para assegurar o funcionamento do leito fluidizado no
gaseificador. A matéria-prima deve ser secada, onde as 50% de umidade ou mais no
material de partida é reduzido a 5 - 10%. Assim se economiza energia no gaseificador,
onde a endotermia da evaporação da umidade dificultará o regime em alta
temperatura.
40
P. Eichler et al., Produção de biometanol via gaseificação de biomassa lignocelulósica. Quim. Nova 38 (2015)
828-835.
41
G.A. Olah, Angew. Chem. Int. 44 (2005), 2636.
42
http://www.methanol.org/Methanol-Basics/The-Methanol-Industry.aspx
131
Armin Isenmann
Química a partir de Recursos Renováveis
2) Gaseificação é feita hoje, de preferência em reatores de leito fluidizado, onde uma
mistura de oxigênio 43 e vapor d´água, ambos preaquecidos a > 200 °C são injetados
de baixo e assim sustentam o leito. A pressão de operação pode variar entre perto da
atmosférica (200 a 400 kPa) até alta (acima de 1500 kPa) 44. O processo principal a
acontecer é a pirólise, mas também ocorrem evaporação, redução e, logicamente, a
combustão do material orgânico, reação que fornece a energia para os demais
processos que são de natureza endotérmica. Como tudo isso é feito em leito
fluidizado, então não existem zonas distintas para estes processos. Componentes
termicamente instáveis são quebrados em moléculas menores, a uma temperatura que
pode chegar localmente a 1000 °C. A presença de alumina no leito fluidizado se
mostrou vantajoso, ela tem o papel de catalisador de contato ácido. Entre os produtos
podemos identificar basicamente três frações: os gases (H2, CO, H2O, CH4 e CO2),
piche ou alcatrão (hidrocarbonetos poliaromáticos; líquido) e o coque (“char”; resíduo
sólido contendo principalmente carbono).
3) Limpeza do gás de síntese: os gases estão saindo ainda quentes do gaseificador (800
°C) e passam por um sistema de ciclones, onde grande parte dos particulados é
separada e redirecionada ao gaseificador.
4) Reforma dos hidrocarbonetos: aqui acontece o craqueamento do alcatrão (tar cracking
reactor; temperatura de operação: 900 a 1100 °C), convertendo-o principalmente em
hidrogênio e monóxido de carbono. A reforma autotérmica dos hidrocarbonetos
menores podemos formular como se segue:
CH4
C2H4
C2H6
C6H6
C10H8
+
+
+
+
+
H2 O
2 H2 O
2 H2 O
6 H2 O
10 H2O
CO + 3 H2
2 CO + 4 H2
2 CO + 5 H2
6 CO + 9 H2
10 CO + 14 H2
Após essa reforma se segue mais uma etapa de limpeza para remover os particulados,
que pode ser completada por filtros de vela para as partículas menores e finalmente
por uma unidade de limpeza úmida do gás, na qual um fluxo de água a 25 ºC auxilia
na remoção de impurezas. Um leito de proteção composto por ZnO torna possível
reduzir os níveis de enxofre abaixo de 0,1 ppm. Neste estágio ainda há metano
presente no gás de síntese e, para evitar um acúmulo de metano no processo de
produção do biometanol, é importante uma segunda reforma do gás.
5) Ajuste da razão H2 : CO (shift reaction): baseando-se nas altas temperaturas que
regem nos reatores, torna-se possível a seguinte reação cujo caráter é bastante
endotérmico:
43
O uso de oxigênio puro em vez de ar traz vantagens para este processo, pois não arrasta o grande volume de
nitrogênio contido no ar (80% N2). Sendo assim, as altas temperaturas necessárias são alcançadas mais fácil e
rapidamente. Por outro lado, o custo a mais que a destilação do ar impõe, pode ser um fator limitante para a
fábrica.
44
P.R. dos Santos; Análise termodinâmica de um sistema de cogeração com gaseificação de licor negro. Tese de
mestrado da Unicamp 2007. Disponível na http://www.bibliotecadigital.unicamp.br/
132
Armin Isenmann
H2O + CO
Química a partir de Recursos Renováveis
CO2 + H2
A melhor razão de H2 : CO para a produção de metanol é de 2,1 : 1.
6) Remoção do CO2: o gás carbônico está muito proeminente na mistura de gases,
diluindo assim os reagentes principais, H2 e CO, reduzindo assim o rendimento em
metanol na etapa a seguir. O excesso de CO2 é retirado por meio de uma torre de
absorção, processo no qual uma contracorrente líquida de aminas (= base) reage
exotermicamente com o CO2 (= ácido), formando uma solução salina aquosa que
posteriormente pode ser recuperada e reciclada. No entanto, uma pequena quantidade
de CO2 deve permanecer na mistura dos gases (um volume de 2 a 10%), pois afeta a
reação de equilíbrio de formação do metanol e também evita uma desativação
demasiada do catalisador.
7) Síntese do metanol: o metanol pode ser feito, ou em fase gasosa ou em fase
condensada, enquanto a última variação tem a vantagem de trocar o calor com o
ambiente mais rapidamente. Isso é uma vantagem por que essa síntese é exotérmica, e
para deslocar o equilíbrio para o lado do metanol é necessário sequestrar o calor
liberado. As condições típicas para o processo em suspensão (presença de um
catalisador de contato de Cu/Zn/Al) são temperaturas de 230 a 270 °C e pressões de
35 a 90 bar. Sob essas condições o próprio metanol representa a fase líquida e a taxa
de conversão fica mais alta. As reações responsáveis podemos formular como
2 H2 + CO
3 H2 + CO2
CH3OH
e também, em menor parte:
CH3OH + H2O.
No entanto, os mecanismos destas sínteses de Fischer-Tropsch são altamente
complexos e, além disso, a reação não é completa. Portanto, os reagentes gasosos
devem ser recirculados no reator – sempre sob o controle da composição, por que
nenhum dos componentes H2 / CO / CO2 deve faltar na mistura. As últimas sobras do
gás são queimadas para gerar calor para o gaseificador.
8) Isolamento do metanol: o produto cru passa por um separador flash e duas colunas de
retificação, de onde o metanol sai com uma pureza de 99,7%.
As propriedades do metanol produzido via gaseificação de biomassa não diferem, em
composição química, do metanol proveniente do petróleo, carvão ou gás natural. No entanto,
a vantagem do biometanol é seu balanço neutro de CO2. A biomassa utilizada pode ser um
cultivo específico para o processo, como o caso de florestas energéticas, cascas, raízes e
ramos finos com folhagem, resíduos agrícolas, lixo orgânico urbano e até resíduos plásticos.
A grande desvantagem atual é o maior custo de produção do biometanol, que pode chegar de
1,5 até 4 vezes o valor do metanol de gás natural devido à diferença de tratamento da matériaprima e de alguns processos na produção. Apesar de atualmente apresentar custo de produção
maior, há estimativas para que em um futuro próximo, com a escassez de recursos não
renováveis, haja uma vantagem competitiva na produção do biocombustível. Plantas pilotas
em Värnamo, Suécia e em Güssing, Áustria comprovam a viabilidade do bio-syngas 45.
45
http://www.gussingrenewable.com/htcms/en/wer-was-wie-wo-wann/wie/thermische-vergasungficfbreaktor.html
133
Armin Isenmann
Química a partir de Recursos Renováveis
Uma divisão da pesquisa aplicada atual visa a otimização do gás de síntese, a partir de
biomassa. Eles testam diferentes rotas e condições de executar pirólise e gaseificação, assim
que elucidarem as melhores combinações destas duas etapas. Ainda falta aperfeiçoar os
parâmetros desta reação pirolítica, para se obter os hidrocarbonetos leves em alto rendimento,
a partir da natureza viva.
Note que todos os componentes do material lignocelulósico, isto é, celulose, hemiceluloses e
a lignina, servem como material de partida na produção do gás de síntese. Novos estudos são,
portanto, feitos com o licor negro (= hemiceluloses e lignina, sem a celulose) como matéria
prima desta rota 34. Lembre-se que o licor negro, por enquanto, é um recurso quase
exclusivamente usado para gerar energia térmica (ver cap. 3.7.5).
C1 a partir da celulose em biorreatores
Outra linha de pesquisa visa a produção de hidrogênio e metano, principalmente, por meio de
micróbios. Conhecemos bactérias e fungos que degradam a celulose, não só até ao seu
monômero, a glicose, mas até seus constituintes elementares, que são H2, CO2 e CH4. São
predominantemente processos anaeróbicos que decompõem até resíduos industriais, da
produção de papel e celulose, transformando-os nos gases mencionados, além de ácidos
orgânicos e alcoóis. Sendo assim, estes biocatalisadores abrem uma rota alternativa à
fermentação, cujo produto final é o etanol (ver próxima secção).
Fig. 77. Diagrama da degradação anaeróbica da celulose por comunidades
microbianas. 46
46
C.A.B.S. Rabelo, Avaliação de consórcio microbiano obtido a partir de lodo de estação de tratamento de
efluentes de indústria de papel e celulose visando à produção de H2 a partir de celulose. Dissertação de mestrado
na USP São Carlos, 2014. Artigo original: S.B. Leschine, Cellulose degradation in anaerobic environments.
Annual Review of Microbiology 49 (1995) 399-426.
134
Armin Isenmann
Química a partir de Recursos Renováveis
Essa cadeia de degradação, aliás, tem o potencial de ter um grande impacto sobre o ciclo de
carbono, que é de interesse nas tentativas de prevenir o aquecimento global, onde CH 4 e CO2
são fortemente envolvidos.
Biometanol - combustível do futuro em motores de combustão?
Devido à suas baixas emissões de CO2 (associado ao processo de produção) e uma octanagem
inerente de 110, o biometanol já é considerado melhor combustível para certos tipos de
motores de combustão interna que gasolina 47. Uma máquina movida a biometanol pode
operar a uma razão de compressão maior e ser facilmente resfriada.
No entanto, o biometanol apresenta algumas desvantagens:

Menor pressão de vapor que a gasolina, o que deixa os motores mais lentos para
partirem frias,

Elevada toxidez do metanol, que pode acarretar cegueira a quem trabalha nos vapores
por tempos prolongados.

É mais volátil (ponto de ebulição: 64,7 °C) e queima com uma chama invisível, o que
pode representar um risco para mecânicos e em casos de acidente.
Para resolver estes problemas, o biometanol hoje é misturado com 15% de gasolina que leva a
um combustível conhecido como “M85”.
Uso de metanol na produção de biodiesel.
A gordura proveniente da natureza viva, quer do reino vegetal ou animal, é um éster feito
formalmente entre o álcool glicerina e três ácidos graxos (ver cap. 4.4). Este material tem um
ponto de fusão perto da temperatura ambiente, fato que impede seu uso direto como
combustível em veículos com motores a diesel convencional. Além da alta viscosidade
podemos identificar no óleo nativo um teor inaceitavelmente alto de ácidos graxos livres,
baixa volatilidade e combustão incompleta que, em soma levam a incrustações e podem
obstruir a bomba injetora do motor.
Para superar estes problemas, os triglicerídeos devem ser derivatizados, para se tornarem
compatíveis com os motores dos veículos de hoje. Já foram propostas várias medidas para
superar os problemas, tais como diluição em combustível convencional, emulsificação em
solventes combustíveis de baixa viscosidade (p.ex. metanol ou etanol), pirólise das gorduras,
craqueamento com apoio de catalisadores ácidos de contato. No entanto, o caminho mais
viável, por enquanto, foi a transesterificação usando metanol como nova componente
alcoólica. Nesta, o álcool trifuncional glicerina é substituído pelo metanol monofuncional. O
mecanismo desta reação é semelhante à famosa saponificação, isto é, a quebra do éster em
álcool e o sal do ácido graxo (que todos conhecem e apreciam como sabão tradicional).
A transesterificação é feito favoravelmente sob catálise básica, uma reação que consome em
torno de 5 a 10% de metóxido de sódio, em relação à quantidade de metanol empregada. Em
última etapa tem-se um equilíbrio ácido-base que reforma grande parte do alcóxido.
47
M. Bertau, H. Offermanns, L. Plass, F. Schmidt, H.-J. Wernicke (editores). Methanol: the basic chemical and
energy feedstock of the future. Asinger´s vision today. Springer Heidelberg 1998.
135
Armin Isenmann
Química a partir de Recursos Renováveis
Catalisador:
[CH3O-]
H2C O CO
H C* O CO
H2C O CO
Óleo; gordura
+ 3 CH3OH
H2C OH
HC OH
H2C OH
Glicerina
O
+ 3
C OCH3
Metilésteres
(Biodiesel)
Embora a transesterificação também funciona sob catálise ácida, o método com o metóxido é
atualmente mais aplicado na produção de biodiesel 48, por vários motivos:






é barato,
é mais eficaz do que outros alcóxidos ou ácidos,
não arrasta muita umidade,
devido à formação intermediária de sabão há compatibilidade entre a fase polar e a
gordura,
produz poucos ácidos graxos livres,
produz poucos resíduos que causam corrosão nos motores a combustão.
Os metilésteres dos ácidos graxos têm qualidades fisico-químicas bastante semelhantes ao
diesel a partir do petróleo, com um ponto de fusão em torno de -30 °C. O metanol tem
vantagens sobre os demais álcoois, inclusive ao bioetanol, por ser mais barato e mais reativo
frente ao triglicerídeo. Além disso, o emprego do metanol permite uma separação da fase
polar, contendo a glicerina, sabões e sobras de reagente, relativamente fácil, enquanto outros
álcoois, inclusive o etanol, podem levar a uma emulsão de tratamento difícil. O metanol, por
enquanto, é o único álcool que não exige condições anidras para ser eficaz no sentido de uma
transesterificação sob catálise básica. Já foram descritos outros catalisadores básico, tais como
carbonatos ou bases de N terciárias 49 (trietilamina, piperidina, guanidina). Essas últimas têm
a vantagem de não produzir sabões que dificultam o processo, no entanto não podem
concorrer com o metóxido, em termos de quantidade de catalisador, razão de álcool por óleo
vegetal, intensidade de agitação da batelada, pureza dos reagentes, teor limite em ácidos
graxos livres no óleo e tempo reacional.
Uma vez efetuada a transesterificação, o biodiesel deve ser submetido à hidrogenação
catalítica. Nesta etapa saturam-se os grupos C=C ainda contidas nas cadeias carbônicas dos
ácidos graxos. Isso aumenta consideravelmente a qualidade do combustível, já que os
alquenos podem formar ao longo do tempo resíduos resinosos (polimerização radicalar) na
bomba injetora do motor; além disso, são sujeitos à auto-oxidação, isto é, a reação com o
oxigênio tripleto em posição alílica. Essa última reação com o oxigênio do ar ocorre
silenciosamente no armazém do biodiesel, ela pode levar à quebra da cadeia carbônica sob a
formação de ácidos carboxílicos livres, por sua vez altamente indesejados por serem produtos
resinosos e corrosivos que podem danificar as partes metálicas e as mangueiras e vedações de
borracha do motor. A alternativa será a aditivação do biodiesel por antioxidantes, tais como
fenóis 50.
48
49
G.Knothe, J.Krahl, J.V.Gerpen, L.P.Ramos, Manual de Biodiesel, Edgard Blücher, São Paulo 2008
U. Schuchardt, R. Sercheli, R.M. Vargas, J.Braz.Chem.Soc. 9 (1998) 199.
50
Uma descrição qualitativa dos aditivos no biodiesel se encontra na página da Degussa AG, lider mundial no
setor.
http://www.degussa-biodiesel.com/
136
Armin Isenmann
Química a partir de Recursos Renováveis
Energia limpa a partir do metanol
O metanol ainda pode ser usado como combustível em “células de combustão”, uma forma
especialmente inovadora e eficaz de se produzir energia elétrica. Esta DMFC (= Direct
Methanol Fuel Cell), da família de células de troca protónica, se destaca por fornecer alta
densidade energética, portanto pode achar aplicações como fonte em notebooks ou outros
pequenos dispositivos eletrônicos, aproveitando da energia liberada pela oxidação do metanol
por um tempo prolongado.
O princípio de funcionamento é a oxidação do metanol num catalisador metálico, via CO ao
CO2. Essa reação anódica é acompanhada pelo consumo de água. Pelo lado do cátodo se
observa a produção de água. Uma membrana (Nafion) permite o transporte de H+ do ânodo
para o cátodo, onde reagem com oxigênio formando a água:
Ânodo (oxidação):
CH3OH + H2O → 6 H+ + 6 e- + CO2
Cátodo (redução):
3/2 O2 + 6 H+ + 6 e- → 3 H2O.
A principal vantagem do combustível metanol é seu baixo potencial de risco no transporte e
durante a operação. Ainda existem obstáculos na realização desta pilha em grande série, por
exemplo, seu funcionamento ótimo foi contestado em temperaturas e pressões elevadas (50 a
120 °C; 3 a 8 atm). E ainda observa-se uma migração do metanol, do compartimento anódico
para o cátodo (“cross-over”) que reduz drasticamente a eficiência desta pilha. A baixa
eficiência, por enquanto, impede sua aplicação em escala maior. Todavia, as pesquisas estão
em andamento para aumentar o rendimento desta célula de combustível, principalmente pelo
desenvolvimento de membranas mais seletivas nas quais a perda do metanol por migração
fica menor, mas também otimizando o sistema catalítico à base de platina (cara e vulnerável).
Metanol como plataforma para derivados químicos
Hoje existem as mais diversas sínteses onde o metanol é material de partida. No entanto, as
aplicações apresentam potenciais de crescimento muito diferentes 51. Existem produtos
estagnados, como o ácido acético e o formaldeído, que continuarão com crescimento
histórico, e produtos potencialmente decrescentes como o éter metil terc-butílico (MTBE),
devido ao seu banimento na mistura com gasolina, para a utilização em combustível
automotivo nos EUA. Entretanto, existem novos produtos e tecnologias com tendência de
grande crescimento, muito maior que os tradicionais, tais como:
 A transformação do metanol em olefinas, nestes especialmente ao propileno,
 As misturas combustíveis com metanol,
 Dimetiléter e
 As DMFC, conforme descrito acima.
O desenvolvimento econômico do biodiesel ainda está incerto.
Todavia, Lima Neto 51 conclui que o sistema baseado no metanol como gateway tem
condições de responder aos desafios atuais das indústrias de química e de energia e poderia
ser uma opção para reestruturar essas indústrias.
51
E.P. Lima Neto, Perspectivas de reestrutração das indústrias da química e da energia: a via metanol. Cap. 6:
Aplicações do metanol. Tese de doutorado da UFRJ 2009, disponível em
http://tpqb.eq.ufrj.br/download/industrias-da-quimica-e-da-energia-a-via-metanol.pdf
137
Armin Isenmann
Química a partir de Recursos Renováveis
Formaldeído, parente mais reativo do que o metanol
A oxidação do metanol com oxigênio pode levar a diversos produtos orgânicos dos quais o
certamente é o mais importante. Historicamente falado, a aplicação
formaldeído
mais
inovadora do formaldeído foi a invenção da baquelite, nos
anos
1930. Este polímero, aliás o primeiro que foi produzido
em
grandes quantidades, é feito de formaldeído e fenol, além
de certos catalisadores e materiais de recheio. Foram, por
exemplo, produzidos os telefones pretos e
enormes
que
dominavam
a
aparência de qualquer escritório, mas
também os envoltórios dos rádios e TVs, elegantes
como um piano de concerto polido, até que o
material foi deslocado aos poucos nos anos 1960,
pelos termoplásticos de produção mais fácil.
Hoje
pesados.
modernas,
5.2
não se precisa mais destes aparelhos de baquelite, escuros e
Mas a demanda por formaldeído continua em outras aplicações mais
principalmente em acabamentos de superfície, esmaltes, lacas e tintas.
Os multi-talentos de C2.
Etileno (= eteno) e etanol
O etileno é o composto C2 mais importante da indústria química. É possível transformá-lo em
uma grande variedade de outras substâncias (ver próxima vista geral). Mundialmente são
produzidos 120 milhões de toneladas de etileno por ano (valor de 2007), dos quais um pouco
mais da metade é transformada em polietileno (PE).
Fig. 78.
Etileno e seus derivados de importância industrial.
138
Armin Isenmann
Química a partir de Recursos Renováveis
Ao longo das décadas a produção do polietileno foi melhorada e desenvolvida. Os
catalisadores usados hoje têm uma eficiência milhões de vezes acima dos catalisadores
clássicos de Ziegler, as sacolas de plástico de hoje são mais resistentes e muito mais leves do
que as de 20 anos atrás. Já não é mais novidade que existem recipientes de cozinha que
aguentam microondas e o forno sem derreter e o freezer sem quebrar.
A demanda em etileno aumenta constantemente, e esta tendência provavelmente continua. O
etileno é um multi-talento, portanto as pesquisas são intensas em achar fontes alternativas
para sintetizar o etileno.
Fonte clássica do etileno
O acesso principal ao etileno é o craqueamento do petróleo. Também gás
natural pode ser craqueado e fornece o etileno em rendimento ainda
melhor. Porém, os esforços de se obter o etileno a partir do etanol são
muito altos. Trata-se de uma desidratação térmica, catalisada por
contatos ácidos:
H3C-CH2-OH  H2C=CH2 + H2O.
Hoje se consegue o etileno em grande escala através desta síntese, com rendimento de ~99%.
139
Armin Isenmann
5.3
Química a partir de Recursos Renováveis
Síntese industrial de etanol
Antigamente, o etanol foi produzido pelo processo indireto, uma reação de etileno com água
(isto é a reação reversa da descrita acima!), enquanto ácido sulfúrico tinha o papel de
catalisador homogêneo. O processo andou em duas etapas, a formação do etiléster do ácido
sulfúrico (= dietilsulfato), e na segunda etapa a hidrólise para o etanol e reformando o
catalisador ácido. O ácido sulfúrico tem que ser reconcentrado após cada ciclo. Além de ser
altamente corrosivo, a etapa da concentração do H2SO4 acarreta um problema ambiental, por
poluir grande quantidade de água.
Por isso se desenvolveu um “processo direto” usando um catalisador de contato (= catálise
heterogênea) que a princípio não se gasta. Ácido fosfórico polimérico, em cima de um suporte
de sílica serve como tal catalisador. A temperaturas de até 300 °C e pressões de 70 atm
obtém-se o etanol em uma reação em fase gasosa, enquanto o rendimento de cada etapa não
ultrapassa 5%, em relação ao etileno.
Além destas duas rotas, o etanol pode ser também produzido através de reações redox (menos
importantes):
 Hidrogenação catalítica de acetaldeído, sob pressões de 300 atm de H2 e catalisadores de
contato de Ni ou Cu.
 Reação de monóxido de carbono com H2 produz uma série de alcoóis do qual o etanol
pode ser isolado por destilação (“Processo Synol”). O problema e a etapa cara é a
purificação dos reagentes, conhecidos como gás de síntese e geralmente obtido a partir do
carvão mineral. Esta rota é conhecida como “Síntese de Fischer-Tropsch”, ela foi descrita
em detalhe na p. 131.
As desvantagens destas sínteses, além de serem à base de um recurso não renovável, são
evidentes.
Uma pergunta interessante, também sob vista de certificação de álcool bebível / álcool
industrial: é possível distinguir entre álcool sintético (a partir de recursos fósseis) e álcool da
fermentação biológica (a partir de recursos renováveis)?
A resposta é: sim. Através da medição do isótopo radioativo de 14C pode ser determinada,
com grande exatidão, a origem do álcool. Este fato permite a identificação, por exemplo, de
misturas ilegais de etanol industrial em bebidas alcoólicas, destilados e vinhos. E até mais a
analítica moderna consegue: através da distribuição de deutério dentro do etanol pode ser
determinada até a planta de origem que produziu o açúcar para o produto fermentado!
Com a crescente demanda por etileno podemos esperar também uma crescente necessidade
em etanol. Novos caminhos de se produzir o etanol estão em desenvolvimento. Em alguns
países industrializados ainda se produz o etanol a partir de recursos fósseis, conforme descrito
acima, mas a tendência é regressiva. Maiores quantidades de etanol são produzidas por via
biotecnológica, usando a fermentação de amido, açúcar e melaço. Até os biopolímeros em
grande abundância, a dizer a celulose e as hemiceluloses, podem ser degradadas aos
monômeros, para depois ser enviados ao processo de fermentação que finaliza no etanol como
produto principal. Para tal propósito foram desenvolvidas culturas que produzem as enzimas
endocelulase e exocelulase, que podem sobreviver até em alta concentração e que toleram
condições variáveis no biorreator. Aliás: a natureza providencia esses biorreatores também –
em forma do rúmen, um estômago especial dos animais ruminantes.
140
Armin Isenmann
Química a partir de Recursos Renováveis
5.3.1 Dados econômicos acerca da indústria sucroalcooleira
O Brasil é o segundo maior produtor de etanol do
mundo, logo atrás dos EUA; é o maior exportador
mundial e é considerado o líder internacional em
matéria de bicombustíveis e a primeira economia
em ter atingido um uso sustentável dos
bicombustíveis 52. Juntamente, o Brasil e os
Estados Unidos lideram a produção do etanol, e
foram responsáveis em 2008 por 89% da produção
mundial e quase 90% do etanol combustível. Em
2010 a produção brasileira foi de 27,4 bilhões de
litros, equivalente ao 37,3% da produção mundial
de etanol. A indústria brasileira de etanol tem 30 anos de história e o país usa como insumo
agrícola a cana de açúcar (nos EUA é o milho).
Tab. 23.
Dados de produção de insumos a partir da cana de açúcar no Brasil 53
Safra 2000-2001
Safra 2010-2011
Safra 2014-2015
Cana de açúcar
256.818 mil t
620.409 mil t
632.127 mil t
Açúcar cristal
16.198 mil t
38.006 mil t
35.548 mil t
Etanol anidro
5.621 mil m³
8.323 mil m³
12.095 mil m³
Etanol hidratado
4.971 mil m³
19.053 mil m³
16.300 mil m³
Além disso, por regulamentação do Governo Federal, toda a gasolina comercializada no país
é misturada com 25% de etanol anidro. Desde julho de 2009, no país circulam mais de 92%
dos automóveis e veículos comerciais leves, com 100% de etanol hidratado ou qualquer outra
combinação de etanol e gasolina, e são chamados popularmente de carros "flex". Hoje cerca
de 65% do etanol produzido mundialmente é usado como combustível, com tendência
ascendente promovida por leis tais como „Energy Policy Act“ (EPACT), ratificado pelo
Congresso Americano em 2005.
Todavia, os estudos do balanço ecológico (Life Cycle Assessment, LCA) da transformação de
biomassa em combustível etanol mostram resultados divergentes. O saldo positivo que o
combustível etanol tem sobre a gasolina fóssil, no que diz respeito aos impactos ambientais,
incluindo o esgotamento de recursos, aquecimento global, a destruição do ozônio,
acidificação, eutrofização, saúde humana e ecológica, formação de smog, etc., é
completamente compensado pelos impactos sobre a acidificação, toxicidade humana e
ecológica, ocorrendo principalmente durante o cultivo e processamento da biomassa.
Revisões críticas da literatura acerca destes balanços foram feitas, por exemplo, por Blottnitz e
52
53
Leia mais: http://pt.wikipedia.org/wiki/Etanol_como_combustível_no_Brasil (acesso em 11/2013)
Valores do site da ÚNICA – União da Indústria de Cana-de-Açúcar: http://www.unicadata.com.br/
em 12 de 2015
Acesso
141
Armin Isenmann
Química a partir de Recursos Renováveis
Larson 54. Um balanço ecológico definitivamente positivo, no entanto, se espera com o
surgimento das biorrefinarias (ver discussão na p. 146), onde a produção de combustível é
combinada com a geração de químicos de plataforma.
Fig. 79.
Volume em bioetanol mundialmente.
É interessante ver como os custos desta produção se desenvolveram:
Fig. 80.
O patamar fica aproximadamente em US$ 180 a cada tonelada de etanol.
54
H. von Blottnitz, M. A. Curran. A review of assessments conducted on bio-ethanol as a transportation fuel
from a net energy, greenhouse gas, and environmental life cycle perspective. Journal of Cleaner Production 15
(2007) 607-619.
E.D. Larson, A review of life-cycle analysis studies on liquid biofuel systems for the transport sector. Energy for
Sustainable Development 10 (2006), 109-126.
142
Armin Isenmann
5.4
Química a partir de Recursos Renováveis
Fábrica de açúcar e álcool
Ainda mais avançada do que a tecnologia acerca do processamento lignocelulósico (cap. 3.3)
é o processamento de açúcares simples (sacarose), um ramo industrial promovido pelos
Governos Brasileiros desde os anos 1980. A matéria-prima no Brasil é exclusivamente a cana
de açúcar, e seu destino quase único, até hoje, é a produção de energia:

Álcool combustível 95,5% para carros flex,

Adição de etanol 99,6% em gasolina tradicional (até 25% do volume) e, para não
esquecer,

O açúcar é fonte principal de energia para nosso corpo.
Sacarose
ou
-D-glucopiranosil-(1-2)-ß-D-f ructof uranosídeo
ou
ß-D-Fructof uranosil--D-glucopiranosídeo
Fig. 81. Representações alternativas de fórmula química e nome científico do açúcar
cristal.
A partir de 1974 o Brasil começou a produzir etanol nas suas usinas sendo um co-produto de
alto valor além do açúcar. Hoje o etanol é uma necessidade para a usina já que não é
econômico extrair todo o açúcar contido no caldo de cana. Com as águas mães da
cristalização, o melaço, a usina realiza a fermentação e, deste modo, aproveita de todo o
açúcar contido na planta. Após a esterilização do caldo ou do melaço, a fermentação é
realizada com a levedura Saccharomyces cerevisiae (= fermento de pão), em grandes barris de
até 1000 mil L de volume total. A concentração da sacarose fica em torno de 200 g.L-1 e após
cerca de 12 h de reação obtém-se um teor alcoólico de 100 g.L-1 que é enviado para a unidade
de centrifugação para separar as culturas vivas e finalmente à destilação onde o etanol passa
pelas torres de fracionamento até chegar em 95,5% de pureza (= etanol absoluto). Os restantes
4,5% de umidade permanecem neste processo, pois o etanol e a água representam um sistema
repelente com a formação de um azeotrópico. Mas o álcool anidro com teor de álcool de no
mínimo 99,7% pode ser obtido a partir do absoluto, através de técnicas especiais da destilação
55
. A levedura que foi separada do fermentado (“vinho”) por centrifugação é reciclada para
uma nova fermentação após o tratamento com ácido sulfúrico concentrado, neutralização e,
muito importante, o tratamento por antibióticos. A contaminação por leveduras selvagens e
bactérias é muito frequente, e quando não combater estes a produtividade da etapa de
fermentação cai drasticamente.
55
As características de misturas azeotrópicas e o funcionamento da sua separação são descritos em: A. Isenmann,
“Operações Unitárias na Indústria Química”, cap. 5; disponível em
http://www.timoteo.cefetmg.br/site/sobre/cursos/quimica/repositorio/livros/ou/index.html
143
Armin Isenmann
Química a partir de Recursos Renováveis
Cana de açúcar
Lavagem
Moagem
Bagaço
Melaço
Ajustar pH
(H2SO4/Ca(OH)2)
Diluição
Vapor / Energia
Concentração
Evaporação
Açúcar cristal
Antibióticos
Clarificação
Moagem
Levedura
Saccharomyces
cereviciae
Fermentação
Açúcar refinado
Centrifugação
Vinhoto
Destilação
Álcool hidratado
(95%; combustível)
Fig. 82.
(fertilizante, biogás,
ração animal)
Destilação azeotrópica
(ciclohexano)
Álcool anidro
(aditivo em gasolina)
Fluxograma das etapas operacionais na fábrica de açúcar e álcool.
A energia necessária para efetuar principalmente a moagem da cana-de-açúcar, nas
centrífugas e os processos de destilação, é fornecida pela queima do bagaço nas caldeiras da
usina. Nas usinas mais eficientes ainda sobra calor que pode ser convertido em energia
elétrica e vendida para as concessionárias de eletricidade.
Tab. 24. Produtividade de uma usina canavieira no Brasil, na média a cada tonelada de
cana-de-açúcar 56.
Produto final
Quantidade
Açúcar cristal
57 Kg
Destino / Usos
Varejo ao consumidor
Atacado à indústria de alimentos
144
Armin Isenmann
Química a partir de Recursos Renováveis
Álcool
50,6 L
Combustível para carros
Indústria
de
farmacêuticos
cosméticos
Bagaço seco
140 Kg
Energia por queima
Resíduos sólidos
140 Kg
Ração de animais
5.5
e
Síntese bioquímica do etanol
A reação resumida da fermentação da sacarose é:
CH2OH
OH
OH
CH2OH
CH2OH
O
HO
CH2OH
O
OH
OH
Sacarose
C12H22O11
CH2OH
O
+
OH
HO
CH2OH
HO
OH
OH
OH
OH
Frutose
Glucose
C6H12O6
C6H12O6
4 C2H5OH + 4 CO2
Etanol
Note que a cada mol de sacarose são formados 4 mols de etanol e – infelizmente – 4 mols de
gás carbônico, também.
A reação bioquímica da fermentação é representada de forma simplificada na próxima figura.
Através de enzimas certas leveduras quebram os açúcares (= hexosas), fornecendo álcool e
CO2. A partir de 1 Kg de glicose se consegue sob condições aperfeiçoadas até 0,5 Kg de
etanol e 0,5 Kg de CO2.
Fig. 83.
Funcionamento da fermentação alcoólica (= aeróbica):
ADP, ATP: difosfato e trifosfato da adenosina (fonte de energia)
145
Armin Isenmann
Química a partir de Recursos Renováveis
NAD+; NADH + H+: Nicotinamida adenina dinuceotídeo (co-substrato para reações
redox enzimáticas).
Durante a glicólise um mol de glicose é transformado
em várias etapas, a dois mols de piruvato. Além disso,
formam-se dois mols de ATP que representa a fonte
de energia para o fermento. Segue a descarboxilação
do piruvato. No final ocorre a redução do acetaldeído
ao etanol, catalisado por NADH. Note que todas as
etapas são catalisadas por enzimas.
5.5.1 O potencial da fábrica sucroalcooleira como biorrefinaria
56
O destino principal de uma refinaria é produzir combustível. A queima de compostos ricos em
carbono para produzir vapor e no final energia elétrica é a segunda tarefa da usina. Mas
também e cada vez mais importante é a produção de derivados químicos de plataforma que
podem ser enviados, de forma pura, às indústrias da química fina onde serão transformados
em um grande número de substâncias funcionais, material a ser consumido nos demais setores
industriais.
Estamos ainda no início da era das “biorrefinarias”, que são plantas onde se transforma a
matéria-prima (recursos renováveis, principalmente os carboidratos) em
 Energia térmica (vapor de média e alta pressão),
 Combustível sólido (coque sintético; piche), líquido (gasolina sintética ou álcool) e
gasoso (“gás natural sintérico”) e
 Derivados químicos que podem ser considerados como compostos de plataforma (ver
cap. 5).
O motivo para tal planta é a substituição das refinarias clássicas que funcionam à base de
recursos fósseis (carvão mineral, petróleo e gás natural). Ao longo da exploração destes
recursos não-renováveis identificaram-se problemas inerentes, tais como a exaustão da
reserva petrolífera, uma elevada poluição ambiental e dependências econômicas daqueles
países que não têm reservas naturais.
Então, as indústrias começaram a explorar os óleos vegetais (soja, canola, girassol, etc.),
plantas que produzem amido em alta concentração (milho, batata, cereais) e fontes de açúcar
(cana-de-açúcar, beterraba) para produzir energia e combustíveis, principalmente. Isso foi a
primeira etapa em direção a uma produção econômica e socialmente segura, além de ser
amigável ao ambiente. Mas logo se evidenciou nestes “fontes alternativas da primeira
geração” que há um conflito ético na sua produção, por que se criou uma concorrência com o
alimento humano: estes fontes requerem uma agricultura intensa, solos férteis e grandes áreas
de plantio que deverão ser usados em primeira linha para o abastecimento da população com
comida. Esta maneira de se produzir energia e combustível certamente inere problemas
sociais que podem levar à completa rejeição desta tecnologia. Além disso, uma efetiva
economia de emissão de CO2 e o consumo de energia fóssil são severamente afetados pelo
alto uso de energia requerida para o cultivo e conversão destas plantas 54.
56
J.A.R. Rodrigues, Do engenho à biorrefinaria. A usina de açúcar como empreendimento industrial para a
geração de produtos bioquímicos e biocombustíveis. Quim. Nova 34 (2011) 1242-54.
146
Armin Isenmann
Química a partir de Recursos Renováveis
Existe então uma demanda por “fontes alternativas da segunda geração”, que não
competem com alimentos, mas são disponíveis em abundância. Além disso, devem ser
baratas, não requerendo de valiosas áreas agrícolas, nem adubos ou pesticidas. Essa nova
fonte envolve tecnologias que ainda estão no começo do desenvolvimento, mas já tem
primeiros sucessos na produção de biodiesel, álcoois e metano, principalmente. São essas
fontes os seguintes materiais lignocelulósicos:

Biomassa de plantas abundantes sem valor como alimento primário (gramas, abustos,
plantas perenes),

Sobras da produção florestal (galhos, casca, folhas, madeira morta),

Rejeitos e estrumes (lixo orgânico, esterco de animais confinados),

Algas marinhas.
Em 2004, uma lista das mais promissoras moléculas da bioplataforma foi elaborada pelo US
Department of Energy, com a intenção de fornecer uma diretriz à pesquisa para que processos
fossem direcionados para a sua produção e desenvolvimento 57. Os compostos referidos na
Tab. 25 são os potenciais blocos de construção para uma série de outros produtos químicos,
quer por biotecnologia ou via síntese química tradicional. Nestes identificamos quatro classes
químcas:




Os (di)ácidos carboxílicos: succínico, fumárico, málico, furano 2,5-dicarboxílico,
glucárico, itacônico e levulínico.
Aminoácidos: aspartâmico e glutâmico.
Polióis: glicerina, arabinitol, xilitol e sorbitol.
Lactona: a 3-hidroxi--butirolactona.
E todos eles têm a mesma substância-mãe: o açúcar.
Tab. 25. Lista dos 12 químicos de plataforma, intermediários mais promissores para a
química fina, a partir de biomassa (estipulados em 2004 pelo US Department of
Energy) 57.
No.
Fórmula / nome
No.
Fórmula / nome
1,4-difuncionais:
1
COOH
COOH
HOOC
HOOC
Ácido f umárico
Ácido succínico
OH
COOH
7
HOOC
COOH
Ácido itacônico
HOOC
Ácido málico
57
T. Werpy, G. Petersen (editores). Top value added chemicals from biomass. Volume I—Results of screening
for potential candidates from sugars and synthesis gas. Disponível em
http://www.nrel.gov/docs/fy04osti/35523.pdf
147
Armin Isenmann
Química a partir de Recursos Renováveis
1,5-difuncional:
2
COOH
HOOC
O
COOH
8
O
Ácido levulínico
Furano 2,5-diácido carboxílico
O
3
4
COOH
HO
Ácido 3-hidroxi-propiônico
HOOC
5
HOOC
HO
3-Hidroxi-butirolactona
OH
COOH
NH2
Ácido L-aspártico
OH
9
HO
10
OH
Glicerina
OH
OH
COOH
O
OH
HO
OH
11
OH OH
Sorbitol
OH OH
Ácido glucárico
OH
HO
HOOC
6
NH2
Ácido glutâmico
OH
OH OH
Xilitol
OH
COOH
12
HO
OH
OH OH
Arabinitol
O número de possíveis derivados, mas também o grau de desenvolvimento e/ou barreiras
técnicas associadas a cada rota, foram os maiores critérios de ranking neste estudo, para
identificar finalmente as 12 substâncias de plataforma mais significativas. Ficaram em
segunda linha, mas ainda bastante promissores como novas plataformas, os seguintes
derivados dos açúcares:
148
Armin Isenmann
H
HO
H
H
Química a partir de Recursos Renováveis
COOH
OH
OH
H
O
ou
OH
OH
OH
OH
CH2OH
OH
HO
HOOC
HOOC
COOH
Ácido malônico
Ácido cítrico
O
COOH
HOOC
COOH
COOH
Ácido aconítico
Ácido propiônico
Ácido glucônico
COOH
OH
HO
H
OH
H
OH
O
ou
HO
H
CH2OH
OH
Ácido xilônico
COOH
COOH
O
OH
O
O
CHO
O
O
Furf ural
OH OH
Levoglucosano
OH
Acetoina
OH
H2N
COOH
NH2
Lisina
COOH
HO
COOH
NH2
NH2
Treonina
Serina
Os compostos CO/H2 (“gás de síntese”, ver p. 130), metanol, etanol, ácido acético / anidrido
acético, etilenoglicol, óxido de etileno, acetona e ácido adípico foram considerados sendo
“super commodities”, isto quer denominar tais compostos de plataforma cuja produção é
extremamente favorável e de baixo custo, na refinaria do petróleo, que parece pouco provável
que sejam produzidos a partir da biomassa, dentro dos próximos 50 anos. São produzidos em
grandes toneladas, seu mercado é estável.
Finalmente e surpreendentemente, o ácido fórmico, acetaldeído, a glicina, alanina, prolina, o
ácido oxálico, ácido glutárico, ácido ascórbico e o butanol foram considerados sendo menos
competitivos no mercado, quando feitos a partir de biomassa.
O foco de estudo do US Department of Energy foram os derivados a partir dos açúcares
provenientes das fontes lignocelulósicas. Somente poucos compostos foram identificados
sendo derivados promissores a partir da lignina: o ácido gálico e o ácido ferúlico.
Não foram incluídos neste ranking os materiais poliméricos, quer naturais quer arificiais, mas
somente compostos de baixa massa molar. Considerando o alto impacto deste estudo, mas
também para se obter uma vista geral dos potenciais produtos consecutivos destes novos
químicos de plataforma, os gráficos originais do US Department of Energy se encontram no
Anexo deste livro (p. 189).
Novos caminhos para mais etanol
Embora a produção de etanol seja um processo antigo e muito bem estudado, os recentes anos
trouxeram muitos melhoramentos nas operações unitárias, visando uma otimização da
fermentação. Um dos maiores problemas a serem vencidos é o aumento da concentração do
etanol. Lembre-se que altas concentrações inibem a fermentação natural. Uma possível
solução é a retirada contínua do etanol. Isto pode ser feito, por exemplo, via destilação
paralela a vácuo, ou por extração do etanol por outros solventes orgânicos, ou, uma das linhas
149
Armin Isenmann
Química a partir de Recursos Renováveis
mais recentes, por membranas seletivas (quer dizer, paredes que deixam passar o etanol, mas
não a água ou o metanol).
É claro que essas novas técnicas aceleram mais uma vez a produção mundial do etanol. Em
2007 os EUA deslocaram o Brasil do primeiro lugar entre os produtores do etanol. As
previsões são altas: até 2017 substituir um terço do petróleo importado, pelo etanol da
produção doméstica. Mas isso somente pode ser alcançado através das novas tecnologias, se
não usariam praticamente a completa safra de milho, para a produção de etanol.
A crescente demanda por bioetanol não pode ser
atendida, ao longo prazo, somente pela fermentação
de açúcar e amido. É substância das pesquisas atuais
58
a utilização, além destas matérias primas, também
da parte da planta que não é utilizada por enquanto:
as folhas, o caule. Além disso, produzir etanol a
partir de tais plantas que o homem por enquanto não
utiliza como alimento (capim elefante, por
exemplo). Isto poderia ser feito de preferência em
biorrefinarias, onde matérias- primas de madeira são
separadas em seus componentes principais, a
celulose, as hemiceluloses e a lignina.
Tanto a celulose quanto as hemiceluloses são potenciais materiais de partida para o etanol.
Mas antes de usar a biomassa lignocelulósica para fins químicos, ela deve ser solubilizada e
despolimerizada. Sua conversão em fragmentos pequenos de oligo-sacarídeos, no entanto, é
bastante dificuldado pelo alto grau de cristalinidade, que confere à celulose  uma
estabilidade extraordinária (ver p. 29). Em um trabalho recente 59 foi descrito como fazer a
impregnação do substrato celulósico com quantidades catalíticas de um ácido forte (por
exemplo, H2SO4, HCl). Essa é uma estratégia altamente eficaz para minimizar o problema de
maus contatos da biomassa com o reagente da despolimerização - a água. Sob assistência
mecânica seguem as reações da despolimerização, principalmente em estado sólido. Moagem
da celulose impregnada com ácido a converte totalmente em oligossacáridos solúveis dentro
de 2 h. Uma vez em solução aquosa, esses fragmentos são facil e completamente hidrolisadas
a 130 ° C, dentro de 1 hora. Resultam:

91% de glicose a partir da α-celulose;

96% de xilose a partir das xilanas; além destes, em menores proporções:

Dimeros da glucose (8%),

5-hidroximetilfurfural (1%) e

Furfural (4%).
Matérias-primas da 2ª geração (expressão ver p. 146), por exemplo, serragem de madeira,
bagaço de cana, córtice, folhagem, fornecem produtos solúveis, como oligossacarídeos e
fragmentos de lignina. Uma aplicação integrada, despolimerização em estado sólido seguida
pela hidrólise em fase líquida, poderia ser a chave para uma entrada altamente eficiente no
esquema de uma biorefinaria (p. 16).
58
P. Dwivedi, J.R.R. Alavalapati, P. Lal, Cellulosic ethanol production in the United States: Conversion
technologies, current production status, economics, and emerging developments. Energy for Sustainable
Development 13 (2009) 174-182.
59
N. Meine, R. Rinaldi, F. Schüth; Solvent-free catalytic depolymerization of cellulose to water-soluble oligosaccharides.
ChemSusChem 5 (2012), 1449–1454.
150
Armin Isenmann
Química a partir de Recursos Renováveis
Outra estratégia de "craquear" o material celulósico é por enzimas modificadas. Graças à
biotecnologia temos hoje "celulases" cada vez mais potentes, especialmente as
endoglucanases), que conseguem quebrar os polímeros naturais em tempos hábeis. Estes
biocatalisadores devem substituir, ao médio prazo, o ácido sulfúrico concentrado com que se
consegue essa degradação também.
O etanol ainda consegue mais....
O etanol é muito mais do que apenas componente C2 que pode ser transformado em etileno.
As indústrias farmacêutica e química usam cada vez mais o etanol como solvente nos seus
processos e preparados. Também devemos reconhecer que até hoje apenas no Brasil o etanol é
misturado à gasolina em quantidades notáveis, enquanto o resto do mundo o usa em somente
< 5%.
O que trará o próximo futuro?
Nos anos 40 do século 19 o etileno foi produzido a partir do etanol, e essa reação antiga agora
percorre um renascimento. A época do craqueamento térmico do petróleo, ultrapassou seu
auge. Um preço elevado do petróleo cru e também os altíssimos custos de investimento para
instalar uma fábrica de etileno, são fortes argumentos de produzir etileno a partir do etanol.
Afinal, dependemos também do preço do bioetanol (ver Fig. 80). Ultimamente observamos
uma subida do preço do etanol, paralelamente ao petróleo, principalmente devido à crescente
aceitação do etanol como aditivo em combustível de carros. Mas especialmente naqueles
países onde a cana-de-açúcar tem tradição, poderiam futuramente participar mais fortemente
neste mercado. O Brasil é o candidato mais forte entre eles. Já temos as primeiras fábricas de
polietileno e PVC que aproveitam da matéria prima etanol.
Ressaltamos que ainda é um problema não vencido que apenas uma pequena parte da planta
está sendo transformada em etanol, já que a cana de açúcar tem aproximadamente 20% de
sacarose. Implica que se precisam grandes áreas para sua plantação - áreas que fazem falta na
questão de produzir outros alimentos.
Ácido acético
O ácido acético é um commodity que ocupa dentro da química orgânica um lugar
preponderante, semelhante ao lugar do ácido sulfúrico na indústria química pesada. A maior
parte do ácido acético é atualmente produzido pelo “processo Monsanto”, que consiste na
carbonilação do metanol com CO. A reação é catalisada por ródio/iodo à temperatura de
180°C e pressão de 30-40 atm, tendo 99% seletividade 60.
É utilizado principalmente:
60

Na produção de produtos químicos como sais orgânicos e inorgânicos diversos,
principalmente acetato de sódio, acetato de vinila, anidrido acético, tereftalato de
dietila, ácido monocloro acético, perácidos e ésteres frutíferos.

Na indústria têxtil e do couro,

Na extração de antibióticos,
D.L. King, J.H. Grate; Look what you can make from methanol. Chemtech. 15 (1985), 244-51.
151
Armin Isenmann

Química a partir de Recursos Renováveis
Em adesivos, lacas especiais para a indústria aeronáutica, filmes fotográficos,
inseticidas e herbicidas.
As resinas vinílicas (colas, tintas) e principalmente o poliéster PET são polímeros com altas
taxas de crescimento – especialmente na China que catapultou a Ásia a ser maior consumidor
do ácido acético/anidrido acético, como pode ser visto na Fig. 84.
A demanda mundial de ácido acético em 2008 foi de 11 milhões de toneladas.
Fig. 84.
Distribuição do consumo mundial de ácido acético por região 51.
Embora um grande número de bactérias produz o ácido acético em porcentagem
relativamente alta, sua síntese via fermentação aeróbica de açúcares dificilmente pode
concorrer, a médio prazo, com a rota da carbonilação do metanol. Estes últimos têm preços
imbativelmente baixos; além disso, são co-produtos de várias sínteses industriais que partem
do petróleo, portanto sua disponibilidade é garantida. Todavia, a produção tradicional do
nosso alimento vinagre se baseia nesta síntese cuja variação otimizada é conhecida como
“processo submerso”.
O mesmo problema existe para a produção da acetona (ver p. 173) a partir de recursos
renováveis que, portanto, somente será brevemente discutida neste texto.
5.6
Os componentes químicos C3 - o reinado das bactérias.
Ácido lático e seus derivados químicos
Ácido lático ou 2-hidroxi ácido propanóico, é um componente C3
que é quase tão universal como o etileno. Portanto, é altamente
provável que este composto se torne muito importante no próximo
futuro. Este ácido é um produto da degradação anaeróbica de
açúcares. Faz parte em quase todos os organismos vivos. Em
nosso corpo, por exemplo, quando fazemos exercícios físicos
demasiados (também chamados de “esforços anaeróbicos”). Aos
queijos o ácido lático proporciona o sabor levemente azedo que
agrada o nosso paladar, e também a acidez da famosa comida
alemã "chucrute" se deve a este composto. O ácido lático foi
descoberto em 1780 pelo químico sueco Scheele, no leite azedo.
152
Armin Isenmann
Química a partir de Recursos Renováveis
Material multi-uso
O ácido lático é bastante usado na indústria alimentícia como aditivo E 270, um acidulante,
muito usado em doces e refrigerantes. Também a indústria cosmética o usa, e a indústria do
couro aproveita dele no processo de curtume onde serve para tirar a cal das peles. É o
monômero em poli-ácido lático (PLA, ver Fig. 85), um plástico biodegradável. Há certo
tempo que o PLA se estabeleceu como material de fazer implantes e fios de costura cirúrgicos
e tornou-se um dos mais importantes materiais biocompatíveis
na medicina. Como PLA é transparente, ele também é utilizado
como embalagem para alimentos frescos, de curta duração.
Folhas e copinhos feitos de PLA se decompõem no lixão
dentro de 3 meses. Atualmente, os pesquisadores procuram
novas aplicações para o PLA, ao misturar com outros materiais
plásticos ("blend"), fazer copolímeros ou incorporar materiais
de recheio.
O processo comercial mais comum do ácido lático é baseado na fermentação de carboidratos
(ver Tab. 3 na p. 20). A empresa PURAC de origem holandesa tem uma planta em operação
em Campos (RJ) manufaturando ácido lático. Recentemente, foram descritos métodos de
catálise química heterogênea empregando zeólitos para a produção de lactatos com elevadas
conversões 61.
A partir do ácido lático podem ainda ser feitos muitos outros produtos químicos, dos quais a
Fig. 85 mostra os mais bem estudados e promissores. Porém, o PLA é por enquanto o único
produto de importância, realizado em escala industrial. As outras rotas não têm maturidade e,
portanto, não são rentáveis ainda. Dentro da ampla gama de produtos o ácido acrílico e o 1,2propanodiol têm o maior potencial, pois são os monômeros de plásticos de alto valor
agregado. A partir do petróleo se produzem hoje mais de 2,4 milhões de toneladas do ácido
acrílico, base para os poliacrilatos. Mas, honestamente, a rota do ácido acrílico via ácido
lático, é um assunto de pesquisas aplicadas que ainda requer de grandes esforços para ser
levado à produção em série.
61
M.S. Holm, S. Saravanamurugan, E. Taarning; Conversion of sugars to lactic acid derivatives using
heterogeneous zeotype catalysts. Science 328 (2010), 602.
M. Dusselier, P. Van Wouwe, A. Dewaele, P.A. Jacobs, B.F. Sels; Shape-selective zeolite catalysis for
bioplastics production. Science 349 (2015), 78-80.
P. P. Pescarmona et al.; Zeolite-catalysed conversion of C-3 sugars to alkyl lactates. Green Chemistry 12
(2010), 1083-1089.
153
Armin Isenmann
Fig. 85.
Química a partir de Recursos Renováveis
As sínteses mais promissoras a partir do ácido lático.
Produção do ácido lático
Já em 1813 o francês Braconnot relatou da possibilidade de produzir grande quantidade de
ácido lático por meio de bactérias. A produção biotecnológica em grande escala começou
mesmo em 1881.
Ainda hoje a maior parte das 450.000 toneladas de ácido lático está sendo produzida via
bactérias. Os especialistas estimam que esta quantidade aumentará drasticamente no próximo
futuro. Um estudo feito pelo Ministério de Energia dos Estados Unidos revelou que o ácido
lático é um dos 30 candidatos mais utilizados como componente de síntese, no futuro.
Em alta escala o ácido lático é feito por fermentação de glicose ou outros hexosas que, por sua
vez, são isolados de amido de batatas, grãos, melaço, outros produtos contendo açúcar ou a
partir de soro do leite. Usam-se duas espécies de bactérias: as homofermentativas que
produzem exclusivamente ácido lático, ou os heterofermentativos que também fornecem
outras pequenas moléculas, tais como ácido acético, etanol ou gás carbônico. Na indústria de
laticínios usa-se, por exemplo, o lactobacillus casei, sendo uma bactéria homofermentativa.
Fig. 86. Esta rota de fermentação é mais lenta do que a aeróbica via leveduras,
apresentada na Fig. 83. O intermediário é piruvato que sofre redução para o ânion
do ácido lático (= lactato). Esta última etapa, na natureza, é catalisada por NADH.
Pesquisas em melhorias na produção
Dentre as diversas linhas de pesquisa na produção de ácido lático destacam-se:
154
Armin Isenmann
Química a partir de Recursos Renováveis
 Existe um jeito de usar lignoceluloses para a produção de ácido lático, em vez de usar
os valiosos (por serem alimentos) açúcares e melaço?
 Outros grupos estudam os nutrientes que os microorganismos precisam durante a
fermentação. Objetivo é substituir os peptídeos solúveis, aminoácidos, fosfatos,
vitaminas e sais de amônio, por nutrientes mais baratos.
 Um problema ainda mal resolvido é o destino dos subprodutos da fermentação, a não
dizer, o lixo. Como separar as partes inúteis do ácido lático?
Durante a fermentação o pH da mistura reacional deve ficar entre 5 e 6. Isso se alcança por
adição de cal (mais barato), amônia ou soda cáustica. Para finalmente produzir o ácido lático
livre deve-se acidificar a mistura com um ácido forte, no caso com H 2SO4. Justamente nesta
etapa produzem-se os sulfatos de amônio, sódio e cálcio em grandes quantidades. Para evitar
estas quantidades de sais e evitar problemas ambientais (no passado produziram-se montanhas
de "gesso químico", subproduto das neutralizações industriais), é necessário achar caminhos
de produção mais eficazes. Uma possível solução será achar bactérias geneticamente
modificadas que conseguem produzir o ácido lático em ambiente neutro.
Quiralidade molecular
Caso dois isômeros se distinguem apenas na posição relativa dos grupos funcionais e, além
disso, são como original e imagem espelho (= quiralidade), daí chamam-se de enanciômeros.
Se não forem espelháveis seriam diastereoisômeros.
O C2 do ácido lático é um centro assimétrico (= 4 diferentes vizinhos), portanto existem dois
enanciômeros:
A maioria dos microorganismos produz apenas um destes enanciômeros. Eles trabalham de
maneira enanciosseletiva, isto é, produzem >99% de excesso enanciomêrico ("% ee").
Atualmente, usam-se processos bioquímicos na produção do ácido lático com uma pureza
óptica de 85 a 95% ee - o valor exato depende o tipo de açúcar usado como matéria prima.
Note que na aplicação do ácido lático no PLA, as qualidades termo-mecânicas do polímero
podem ser ajustadas, através da mistura apropriada das antípodas ópticos, S e R.
A indústria farmacêutica está muito interessada em produções enanciosseletivas. Os remédios
devem ser aplicados na forma opticamente pura, pois somente um dos enanciópodos mostra
ação desejada dentro do corpo humano, enquanto o outro é sem efeito ou, no pior caso,
prejudicial à saúde humana. O ácido lático é um importante representante do "chiral pool",
isto são substâncias elementares com as quais se consegue estabelecer uma linha de síntese
orgânica de um produto opticamente puro ou, quando aplicados em técnicas cromatográficas,
a separação de misturas racêmicas.
155
Armin Isenmann
Química a partir de Recursos Renováveis
5.6.1 Glicerina – emergindo ao componente C3 mais importante.
A glicerina (também chamada de glicerol) é o menor poliol, prontamente disponível a partir
da biomassa. Ele funciona como espinha dorsal nos triglicéridos, as quais constituem
aproximadamente 10% da biomassa total. O glicerol é liberado como subproduto na produção
de biodiesel. Para cada tonelada de biodiesel produzido, cerca de 100 kg de glicerol é gerado.
Consequentemente, glicerol constitui 1% da biomassa total.
Na produção de biodiesel se obtém a glicerina crua, com < 15% de glicerina. Por este motivo
a glicerina deve ser submetida a um processo de concentração e purificação. Embora a
porcentagem deste subproduto pareça pequena, a quantidade absoluta da glicerina é notável.
Lembramos que uma lei de 2010 exige pelo menos 5% de biodiesel dentro do diesel para
veículos pesados. Somente para os EUA estima-se um aumento da produção de biodiesel, de
atualmente 160 milhões de litros, a 1,6 bilhões de litros em 2015, então um aumento pelo
fator 10.
A glicerina é um multitalento que pode ser usado diretamente, na forma bidestilada (ver Tab.
26) ou então transformado em uma série de outros compostos básicos da indústria química
(ver Fig. 87). A grande abundância e o baixo preço da glicerina (cerca de 0,33 US$.Kg-1)
acarretou uma pesquisa focada que visa seu beneficiamento químico, que pode ser sua
desidratação catalítica, redução, oxidação, esterificação, eterificação, entre outras 62.
Tab. 26.
Algumas aplicações da glicerina altamente purificada.
Setor industrial:
Uso:
Farmacêutico
Composto em pomadas
Cosmético
Parte em cremes e pasta de dente
Têxtil
Usado na "apretura"; acabamento de tecidos finos.
Automotivo e Mecânico
Líquidos de freio e de refrigeração
Plásticos
Plastificante
Explosivos
Nitroglicerina 63 e dinamite
Além destes, usa-se bastante glicerina na
produção de poliuretanos, onde tem o papel de
ramificador, em resinas alquídicas (tintas) e na
síntese de resinas epóxis. Com a adição da
glicerina estas resinas tornam-se insolúveis,
duros e resistentes, especialmente vantajosas em
qualquer tipo de tratamento de superfícies.
62
C. J. A. Mota, C. X. A. da Silva e V. L. C. Gonçalves. Gliceroquímica: novos produtos e processos a partir da
glicerina de produção de biodiesel. Quim. Nova 32 (2009) 639-648.
63
A denominação "Nitro" é muitas vezes usada de forma errônea (agrupamento nitro: C-NO2). A famosa
"Nitroglicerina" na verdade não é um composto nitro, mas sim, o triéster do ácido nítrico:
O
O
N
OH
HO
OH
N O
O
glicerina
O
O
+ 3 HNO3
O
O N
O
"Nitroglicerina"
(tri-éster do ácido nítrico)
156
Armin Isenmann
Química a partir de Recursos Renováveis
Glicerina pura - um procedimento difícil
Todos os campos de aplicação mencionados acima pedem uma glicerina altamente purificada.
O tratamento de gorduras e óleos vegetais em grande escala, por outro lado, fornece a
glicerina sempre em solução diluída. Nesta, a maior parte é água, mas também tem sais
alcalinos, proteínas hidrolisadas e outros. Portanto, na maioria dos processos a mistura não
pode ser usada como tal. A purificação da glicerina por dupla destilação é o método mais
aplicado para se obter a glicerina no grau de pureza desejado (u.s.p. no caso de aplicações
farmacêuticas). Duas propriedades, no entanto, dificultam seu manuseio:
1. O ponto de ebulição deste poliol é com 290 °C bastante alto; sem aplicar uma
atmosfera reduzida sua destilação facilmente acarreta o escurecimento, sinal de
degradação.
2. A glicerina é altamente higroscópica, então difícil de se separar da água do processo
de biodiesel. Esta qualidade, aliás, é motivo pelo qual a glicerina é utilizada em
cremes hidratantes, umectante para tecidos, fumo, creme dental etc.
Mais interessante do que as aplicações industriais da glicerina pura, mencionadas na Tab. 26,
é a química rica com essa glicerina sendo material de partida. Os químicos e microbiólogos
fazem grandes esforços em agregar valor à glicerina, em forma de outras substâncias úteis,
tais como 1,3-propanodiol, 1,2-propanodiol, acroleína, ácido acrílico ou epicloridrina, mas
também ésteres, éteres e acetais da glicerina. Um composto promissor é, por exemplo, o
carbonato da glicerina, que mostrou-se um solvente versátil. Outro, já comercializado pela
Solvay-Rhodia é o solvente Augeo SL 191® (2,2-dimetil-4-hidroximetil-1,3-dioxolano, um
cetal de glicerol) incolor, miscível com solventes orgânicos e com água, empregado em tintas,
thinners, vernizes e couros.
COOH
O
Ácido acrílico
HO
O
Cl
OH
CO / H2 Fischer-Tropsch
O
Dihidroxiacetona
OH
Acroleína
HO
Epiclorhidrina
O
OH
R
O
Mono (e di-) éster da glicerina
HO
Propilenoglicol
HO
O
OH
HO
OH
O
OH
O
1,3-Propanodiol
Carbonato da glicerina
OH
C8H11
OH
O
OH
OH
OH
Éter da glicerina
HO
OH
HO
O
t-Bu
OH
O
OH
OH
OH
O
O
O
t-Bu
Éter da glicerina (apolar)
OH
Éteres da glicerina (polar)
157
Armin Isenmann
Fig. 87.
Química a partir de Recursos Renováveis
Possíveis produtos de plataforma C3 a partir da glicerina.
Estes produtos podem ser obtidos, ou por processos de fermentação à temperatura ambiente,
ou por catálise química clássica, muitas vezes sob temperaturas elevadas.
Atualmente, as técnicas microbiológicas são mais avançadas, com quais se consegue os
seguintes derivados da glicerina:
1,3-propanodiol, 3-hidroxipropanal, di-hiroxiacetona, etanol, hidrogênio, ácido cítrico,
ácido succínico, ácido propiônico.
E os seguintes produtos são obtidos favoravelmente pela rota química-catalítica:
Epicloridrina, acroleína, etilenoglicol, 1,2-propanodiol, nitroglicerina, poligliceróis,
poliésteres, carbonato da glicerina, álcool alílico, di-hidroxiacetona, gliceraldeído,
triacetina.
Os avanços das rotas biotecnológicas são brevemente rascunhados a seguir; as mais
importantes transformações químicas-catalíticas da glicerina e os mecanismos atrás, serão
apresentados detalhadamente na p. 160.
Compostos C3 que não são do petróleo?
1,3-propanodiol, 1,2-propanodiol, ácido acrílico, acrilonitrila e epicloridrina atualmente são
considerados os derivados da glicerina, mais importantes na síntese industrial. O ponto de
partida para sua síntese clássica é o propileno proveniente do petróleo que deve ser
funcionalizado, em várias etapas de oxidação, adição e substituição.
Interessante é que todos esses compostos podem ser obtidos também a partir da glicerina. Só
que, como a glicerina é um poliol, é necessário achar estratégias opostas das rotas que partem
do propileno, a dizer, precisa desfuncionalizá-la. Procura-se atualmente rotas viáveis em
escala industrial para sua deshidroxilação.
5.6.2 Sínteses microbiológicas do 1,3-propanodiol e 1,2-propanodiol
O 1,3-propanodiol é mais procurado do que o derivado 1,2-propanodiol, porém sua produção
enfrenta mais dificuldades do que seu parente, conforme descrito na p. 163. A síntese
comercial do 1,3-propanodiol é feita hoje por dois caminhos:
 Adição de água em acroleína 64 fornece o intermediário 3-hidroxipropionaldeído. Este
pode ser reduzido por hidrogênio no catalisador heterogêneo, para o produto alvo.
Somente em menores partes esta rota leva ao 1,2-propanodiol (ver esquema a seguir).
64
A acroleína usada nesta rota resulta da oxidação parcial do propileno proveniente do petróleo. A adição de
nucleófilos em compostos carbonilados -insaturados, conforme descrito no esquema, se conhece como reação
de Michael.
158
Armin Isenmann
Química a partir de Recursos Renováveis
 O segundo processo é a carbonilação (= adição de CO) em óxido de etileno (=
oxirano).
A alternativa agora seria a síntese biotecnológica do 1,3-propanodiol, submetendo a glicerina
à desidratação catalisada por microorganismos. Esta rota foi intensamente pesquisada nos
anos recentes. Baseia-se em conversão da glicerina crua por meio de bactérias. Para melhorar
a rentabilidade deste processo é pesquisado o aumento da tolerância dos microorganismos,
tanto frente ao material de partida (glicerina) quanto ao produto visado (1,3-propanodiol). A
clara vantagem desta rota é o uso da glicerina crua - por sua vez muito barata e de
disponibilidade ilimitada. Até o momento, porém, esta rota ainda não pode concorrer com os
caminhos tradicionais.
Além destes, a pesquisa vai em direção da transformação direta, de açúcares em 1,3propanodiol, por meio de microorganismos geneticamente manipulados. Neste caminho a
indústria fez bastante progresso: na Alemanha a primeira planta que produz o 1,3-propanodiol
a partir de trigo já está em fase de implementação.
Como o 1,3-propanodiol, também o 1,2-propanodiol pode ser obtido por meio de
microorganismos. Diferenciam-se dois caminhos:
 Fermentação de açúcares para ácido lático, seguida por uma hidrogenação catalítica.
 Fermentação direta de açúcares.
As rotas biológicas têm a vantagem de produzir o 1,2-propanodiol opticamente puro (isto é,
somente um enanciômero) - o que não é possível na adição química de água no óxido de
propileno, por sua vez o caminho clássico até hoje.
Há ainda outra rota para o propanodiol que está sendo elaborada nos laboratórios da pesquisa
aplicada: uma síntese a alta pressão e temperatura, 250 bar e 300 a 350 °C, enquanto o
material de partida é a glicerina crua proveniente da produção de biodiesel. Acontece uma
desidroxilação (mecanismo ainda desconhecido) que fornece o 1,2-propanodiol em
quantidades satisfatórias. E ainda mais fácil: a glicerina nem precisa ser isolada dos óleos (=
triglicerídeos), mas pode ser desfuncionalizada diretamente a partir deste recurso renovável 65.
Todavia, nas estimativas atuais a redução do ácido lático dominará o cenário do 1,2propanodiol.
Uso do 1,2-propanodiol: plásticos e cosméticos
Pelas quantidades produzidas os propanodióis não pertencem à primeira categoria em termos
de consumo ("bulk chemicals"), mas fazem parte da 2a liga, ou seja, são "major commodity
chemicals" com em torno de 1 milhão de toneladas. Para fazer idéia, somente na Alemanha
foram produzidas 350.000 toneladas de 1,2-propanodiol em 2004.
Uso principal de 1,2-propanodiol é em resinas alquídicas (= tintas) e em resinas de
poliésteres, mas também funciona como aditivo plastificante em polímeros vinílicos. Além
destes, é usado como iniciador na produção de poliuretanos.
Na indústria alimentícia serve como:
 Meio conservante,
65
S.A. Hollak, M.A. Ariëns, K.P. de Jong, D.S. van Es; Hydrothermal deoxygenation of triglycerides over Pd/C
aided by in situ hydrogen production from glycerol reforming. ChemSusChem. 7 (2014), 1057-62.
159
Armin Isenmann
Química a partir de Recursos Renováveis
 Solvente para gelatina, corantes e aromas,
 Emulsificante e
 Umectante para fumo.
Nos setores cosmético e farmacêutico é usado como carregador em pomadas, cremes e
remédios sólidos.
Ainda vale ressaltar que a esterificação ou eterificação dos grupos hidroxilas do 1,2propanodiol também fornece valiosos solventes, plastificantes, espessantes e emulsificantes.
A condensação com óxido de propileno leva aos di, tri e polipropilenoglicóis - igualmente
solventes que podem ser usados a altas temperaturas.
5.6.3 Sistemas químicos-catalíticos para derivatizar e desfuncionalizar a
glicerina
Mais do que qualquer outro material de partida a glicerina como menor poli-ol que a natureza
produz em abundância, foi e ainda é objeto de estudos extensos acerca da sua transformação
em outros compostos de plataforma, tirando alguma quantidade do seu oxigênio. Uma vista
geral sobre as pesquisas atuais em desfuncionalizar a glicerina e outros polióis, por meio de
alta temperatura, pressão e catalisadores, fornece o artigo de revisão de Hanefeld 66.
Em resumo, discutam-se as seguintes estratégias (em destaque, no caso da desidroxilação da
glicerina, são as primeiras três):
1. Desidratação de dióis vicinais, em seguida hidrogenação do grupo carbonila:
OH
R
R´
OH
O
OH
[H+]
R
R
R´
R´
- H 2O
OH
H2
R
R´
A tautomerização ceto-enol estabiliza o sistema, o que faz a desidratação do diol
relativamente fácil. O desafio é eliminar seletivamente um dos grupos hidroxilas, quer
um álcool primário ou um secundário. Afinal, isso é critério que leva a glicerina ao
1,2-propanodiol ou ao 1,3-propanodiol. É mais fácil eliminar um álcool secundário por
via do mecanismo E1 catalisado por ácidos. Por outro lado, o aldeído que resulta da
eliminação no carbono secundário é menos estável do que a cetona que se formará
após a eliminação no álcool primário. Um ácido de Brønsted vai ajudar na eliminação
do álcool secundário, enquanto um ácido de Lewis tem maior facilidade de
complexar-se no álcool primário e assim enfraquecer sua ligação C-O. Todavia,
álcoois primários são mais reativos do que secundários - isso implica uma ordem
diferente da reatividade quando condições não ácidas são aplicadas.
2. Desidratação de álcoois, em seguida hidrogenação da dupla-ligação C=C:
OH
R
[H+]
R´
OH2
R
R
R´ - H 2O
R´
R
- H+
H2
R´
R
R´
Alcoois isolados também podem ser eliminadas, que pode ocorrer tanto catalisado por
um ácido como por uma base. Contudo, a falta de isomerias torna este processo muito
66
Jeroen tem Dam, Ulf Hanefeld, Renewable Chemicals: Dehydroxylation of Glycerol and Polyols [Artigo de
revisão]. ChemSusChem 4 (2011) 1017-1034. Disponível em
http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1002/cssc.201100162/epdf (12/2015).
160
Armin Isenmann
Química a partir de Recursos Renováveis
mais difícil do que a desidratação do diol vicinal. A proximidade de uma dupla ligação
irá oferecer alguma estabilização por meio de um sistema  conjugado, como será o
caso na formação da acroleína.
3. Condensação de álcoois e hidrogenólise do resultante éter cíclico na superfície de um
metal.
R
OH HO
R
R´
(CHX)n
O
R´
H HO
H 2 / Cat.
R
- H 2O
(CHX) n
R´
(CHX)n
Esta sequência começa com a condensação de dois álcoois, formando um éter cíclico
que pode então ser clivado por hidrogenólise. No entanto, muitas vezes a reidratação e
eliminação subsequente (discutidas acima) é mais rápida do que uma hidrogenólise
subsequente. No entanto, a hidrogenólise da ligação C-O-C oferece uma boa
oportunidade de introduzir seletividade para o sistema. Catalisadores de rênio em cima
de óxidos ácidos mostraram-se úteis nesta sequência.
Além destas estratégias, podemos mencionar :
4. Hidrogenólise de éteres num catalisador metálico.
5. Cetonização de ácidos carboxílicos.
6. Hidrogenação de ácidos carboxílicos.
Os mecanismos atrás da eliminação de um grupo hidroxila são eliminações, E1 ou E2, ou
então a clivagem homolítica da ligação C-O estabelecida num catalisador metálico.
O mecanismo E1 envolve um catalisador ácido. Água pode ser abandonada após a protonação
do grupo –OH, o que gera um carbocátion num carbono secundário. Este carbocátion acha
apoio por um solvente polar prótico (que acelera então assa eliminação), ele pode se
neutralizar pelo abandono de um próton do carbono vizinho:
OH2
OH
R´
R
+
H+
R´
R
- H 2O
H
H
R´
R
H
- H+
R
R´
O mecanismo E2 precisa de um catalisador básico. O caráter ácido do grupo C-H é geralmente
estabelecido pela presença de um grupo R´ de C=O, que por sua vez pode ser feito por
desidrogenação numa catalisador metálico:
OH
R´
R
H
- BH
- OH-
R
R´
B-
A clivagem homolítica da ligação C-O ocorre no contato com uma superfície metálica. Ao
mesmo tempo o metal adsorve hidrogênio, H2. Estes quatro radicais podem ser dessorvidos do
161
Armin Isenmann
Química a partir de Recursos Renováveis
metal, e quando isso ocorre sob recombinação cruzada, os produtos são um hidrocarboneto e
água:
R
OH
R
R
Cat.
OH
Metal de transição
R´
R
+ H2
R
OH H
H
R
Metal de transição
R´
+ H2O
Um método para derivatizar a glicerina seletivamente é o direcionamento do caminho da
desidratação. Como os três mecanismos acima exigem condições reacionais bem
diferenciadas, esta tarefa preparativa não é muito difícil.
Também é possível direcionar o local da eliminação, através de certos aditivos, além do
catalisador heterogêneo. Estes aditivos podem – independente do mecanismo da
desidroxilação – reagir ou complexar certo grupo hidroxila, e assim ou ativar ou proteger a
ligação C-O. Exemplos são o aditivo de ácido bórico para estabilizar intermediários,
facilitando a isomerização de glicose em frutose 67. A formação inicial de um éster borato
diminui a energia de ativação global, tornando assim intermediários facilmente acessíveis.
Outro caso é a ativação prévia da glicerina pela reação com ácido fórmico, segundo Kamm 68,
facilitando a transformação em epicloridrina e álcool alílico 69.
Mas ainda temos que levar em consideração a termodinâmica acerca da desfuncionalização da
glicerina – que se torna um desafio, pelo seguinte motivo:
Independente do mecanismo e somente olhando nos intermediários e produtos da
desidratação, podemos afirmar que a eliminação da água representa uma etapa endotérmica,
enquanto a redução posterior do alqueno ao alcano sempre é exotérmica. As exigências destas
etapas ao ambiente do reator são então bem diferentes - o que torna a escolha dos parâmetros
delicada, e o rendimento total da desfuncionalização muitas vezes fica comprometido.
H
+ H 2 + H2O
HO
+ H2
+ H 2O
Andamento da síntese
Fig. 88.
A desfuncionalização da glicerina requer de duas etapas: desidratação
(endotérmica) e hidrogenação (exotérmica).
67
T. Stahlberg, S. Rodriguez-Rodriguez, P. Fristrup, A. Riisager, Metal‐Free Dehydration of Glucose to 5‐
(Hydroxymethyl) furfural in Ionic Liquids with Boric Acid as a Promoter. Chem. Eur. J. 17 (2011), 1456.
68
O. Kamm, C. S. Marvel, Allyl alcohol, Organic Syntheses, Coll. Vol. 1, p.42 (1941), Vol. 1, p.15 (1921).
69
E. Arceo, P. Marsden, R.G. Bergman, J.A. Ellman; An efficient didehydroxylation method for the biomassderived polyols glycerol and erythritol. Mechanistic studies of a formic acid-mediated deoxygenation. Chem
Commun 23 (2009), 3357-9.
162
Armin Isenmann
Química a partir de Recursos Renováveis
Os produtos mais importantes a partir da glicerina desoxigenada são o 1,2-propanodiol, 1,3propanodiol e a acroleína, e cada uma destas rotas tem seus desafios particulares no que diz
respeito ao sistema catalítico, para obter o produto em seletividade e rendimento satisfatórios.
Antes de entrar em detalhes, vamos olhar na termodinâmica destas sínteses. Todas elas têm
em comum ter uma desidratação como primeira etapa. Daí pode-se formar ou acetol ou 3hidroxipropanal. A Fig. 89 mostra que o acetol é o produto favorecido. No entanto, pela
escolha das condições reacionais a síntese pode ser direcionada para qualquer um destes
produtos. Caso o 3-hidroxipropanal for formado, sua desidratação subsequente para formar
acroleína é muito mais fácil do que sua hidrogenação para o 1,3-propanodiol. Isto já indica a
inerente dificuldade em conseguir o 1,3-PD com boa seletividade; podemos deduzir que a
formação do 1,3-PD é controlada cineticamente.
Glicerina
OH
HO
OH
G
.
(kJ mol-1)
1,3-PD
HO
OH
-70,2
HO
+14,1
OH
-52,0
O
OH
O
3-hidroxipropanal
OH
Acetol
Álcool alílico
1,2-PD
OH
-87,4
+10,2
-73,8
-140,1
O
Propanal
O
Acroleína
Coordenada de reação
Fig. 89. Energias livres de reação para os produtos 1,3-propanodiol, 1,2-propanodiol
e acroleína, a partir da glicerina. Também constam os intermediários reativos e
possíveis produtos de decomposição.
Transformação química da glicerina em 1,2-propanodiol
O 1,2-propanodiol se mistura bem com a água e uma série de solventes orgânicos. Isso o torna
tecnicamente interessante como compatibilizante que pode melhorar o rendimento e acelerar
aquelas sínteses onde o impedimento é ser bifásico.
O 1,2-PD pode ser produzido a partir do ácido lático ou do açúcar. Economicamente mais
chamativa é, no momento, sua geração a partir da glicerina, que pode ser transformada em
1,2-propanodiol com alta seletividade, usando um simples contato de cobre como catalisador
de hidrogenação, mas o desafio é o aumento do rendimento, que atualmente chega em 87%. A
princípio a síntese do 1,2-PD pode ser feita sob condições ácidas ou básicas, onde se seguem
os seguintes caminhos.
163
Armin Isenmann
Química a partir de Recursos Renováveis
No catalisador básico se discute a formação intermediária de gliceraldeído, através de uma
desidrogenação inicial; segue a eliminação de água e, finalmente, duas etapas de redução. A
desidrogenação (= oxidação) como primeira etapa parece surpreendente à primeira vista. Mas,
sob vista do princípio da micro-reversibilidade, uma etapa desta deve ser possível já que um
catalisador de hidrogenação está presente. Além disso, a desidratação feita em segunda etapa
no intermediário gliceraldeído fica bem mais fácil, devido à formação de um sistema
conjugado.
OH
HO
OH
OH
- H2
HO
H
OH
O -H O
2
O
+ 2 H2
OH
OH
B-
Sob condições ácidas o acetol é geralmente aceito como intermediário na formação 1,2-PD.
Acetol é formado através de desidratação direta de glicerol e subsequente tautomerização
ceto-enol. Em seguida é reduzido para 1,2-PD.
OH
HO
OH
H2O
O
OH
OH
H+
OH - H2O
OH + H2
OH
Acetol
OH
O
H
A princípio, a eliminação catalisada por ácido pode eliminar tanto a hidroxila no carbono
secundário como no primário, o que leva ao 3-hidroxipropanal ou ao acetol, respectivamente.
A eliminação de um álcool secundário através de um intermediário carbocátion (mais estável)
é cineticamente controlado. A eliminação do álcool primário, por outro lado, leva ao acetol
que por sua vez é termodinamicamente mais estável que o 3-hidroxipropanal (Fig. 89). Esta
consideração é a base para o 1,2-propanodiol seletividade contra o 1,3-propanodiol.
Promissor é uma nova técnica de reação, onde em fluxo contínuo a mistura reacional entra
numa zona de temperatura mais alta (200 °C) para se transformar em acetol, e em segundo
estágio numa zona moderada (120 °C) onde há hidrogenação até o 1,2-DP. Uma possível
explicação é a formação do intermediário, acetol. A velocidade com que este composto se
forma a partir do seu enol, é extraordinariamente baixa. No catalisador de contato Cu/Al2O3 o
rendimento chegou a 97% 70.
1,3-propanodiol a partir da glicerina
1,3-propanodiol é um dos monômeros de poliésteres que acham larga aceitação na indústria
têxtil e na produção de tapetes. O poliéster mais produzido é o poli-propileno-tereftalato (sigla
PPT; também usada a expressão poli-trimetileno-tereftalato PTT; marca mais vendida:
SORONA da DuPont), um termoplástico parente do PET.
A síntese clássica do 1,3-PD é a partir de derivados de petróleo, em particular do óxido de
etileno e da acroleína, usando catalisadores de contato e os reagentes em fase gasosa. O óxido
de etileno é convertido em 1,3-PD via hidroformilação e hidrogenação subsequente, enquanto
a acroleína somente precisa ser hidrogenada e hidratada.
70
Z. L. Yuan, P. Wu, J. Gao, X. Y. Lu, Z. Y. Hou, X. M. Zheng; Pt/solid-base: A predominant catalyst for glycerol
hydrogenolysis in a base-free aqueous solution. Catal. Lett. 130 (2009), 261.
164
Armin Isenmann
Química a partir de Recursos Renováveis
Mas, nos últimos 20 anos a glicerina se estabeleceu como matéria prima para este derivado,
também. Até mesmo o 1,3-PD avançou para o derivado químico mais valorizado a partir da
glicerina.
Para ser justos, devemos lembrar aqui que é possível converter o glicerol ou a glucose em 1,3PD, por meio de um processo de fermentação. É uma tecnologia muito promissora que já
avançou a uma produção de 1,3-PD e hidrogénio ao mesmo tempo, a partir de glicerol. Isso
pode até ser feito a partir da glicerina bruto proveniente da biomassa, sem a necessidade de
purificação prévia, utilizando uma cultura mista de bactérias 71.
Mas vamos olhar mais perto aos métodos químicos clássicos, utilizando sistemas catalíticos
heterogêneos. O maior desafio da síntese do 1,3-propanodiol é a seletividade para este
produto, pelos motivos alegados na p. 163. Já que a etapa inicial desta síntese é idêntica com a
síntese da acroleína (ver logo abaixo), esperam-se maiores avanços de sistemas catalíticos que
já se provaram eficazes lá. A síntese do 1,3-DP percorre somente um composto intermediário:
o 3-hidroxipropanal:
OH
HO
OH
- H 2O
HO
OH
HO
O
+ H2
HO
OH
A eliminação do álcool inicial é endotérmica e uma temperatura bastante alta é necessária
para esta eliminação prosseguir. A hidrogenação da última etapa, por outro lado, é exotérmica
que requer temperaturas inferiores, para impedir reações de decomposição da 1,3-DP recémformada.
A formação de 1,3-PD não é tão simples como parece: é apenas sob condições ácidas e em
todos os casos é acompanhado por 1,2-PD como um subproduto; na verdade, na maioria dos
exemplos o 1,2-PD é o produto principal. Existem somente poucos exemplos onde o 1,3-PD é
o produto principal. Na maioria foram testados catalisadores de hidrogenação à base de
platina, tendo o tungstênio como aditivo. Com esta combinação já foram atingidos 32% de
1,3-PD, em reator contínuo. Outro aditivo interessante é o óxido de rénio como aditivo, que
funciona a temperaturas mais baixas 72 (120 °C). Porém, o aproveitamento da glicerina ainda
está num nível de 50% e a seletividade para o 1,3-DP em 49% (além deste, são 10% de 1,2PD). Vamos olhar nos avanços nos catalisadores heterogêneos...
Acroleína a partir da glicerina
A acroleína é utilizada, principalmente, como um precursor para a síntese de DL-metionina.
Este aminoácido essencial não pode ser sintetizado por mamíferos e é, portanto, adicionado à
ração provoca um crescimento acelerado dos animais de corte.
71
R. K. Saxena, P. Anand, S. Saran, J. Isar; Microbial production of 1,3-propanediol: Recent developments and
emerging opportunities. Biotechnol. Adv. 27 (2009), 895.
P. A. Selembo, J. M. Perez, W. A. Lloyd, B. E. Logan; Enhanced hydrogen and 1,3-propanediol production from
glycerol by fermentation using mixed cultures. Biotechnol. Bioeng. 104 (2009), 1098.
72
Y. Nakagawa, Y. Shinmi, S. Koso, K. Tomishige, Direct hydrogenolysis of glycerol into 1,3-propanediol over
rhenium-modified iridium catalyst. J. Catal. 272 (2010), 191.
J. Yi, S. Liu, M.M. Abu-Omar; Rhenium-catalyzed transfer hydrogenation and deoxygenation of biomass-derived
polyols to small and useful organics. ChemSusChem. 5 (2012), 1401-4.
J.R. Dethlefsen, P. Fristrup; Rhenium-catalyzed deoxydehydration of diols and polyols [Artigo de revisão].
ChemSusChem. 8 (2015), 767-75.
165
Armin Isenmann
Química a partir de Recursos Renováveis
A acroleína também é um interessante intermediário para a química fina, devido à sua alta
reatividade:

Ele reage na dupla-ligação C=C e pode funcionar como monômero em copolímeros.

Seu sistema conjugado C=C-C=O é igualmente de reatividade extraordinária, pois
representa um sistema de Michael no qual podem ser feitas reações com nuclófilos ou
condensações no último carbono da cadeia.

Sua função de aldeído é sujeito de fácil oxidação (para o ácido acrílico) ou redução
(para o álcool alélico).
Sua produção industrial atual baseia-se na oxidação de propeno sobre catalisadores baseados
em BiMoOx 73. Agora vamos ver como funciona sua síntese a partir da glicerina.
O mecanismo da formação da acroleína é muito parecido à via desidratação-hidrogenação, da
formação da 1,3-DP. Em vez de se hidrogenar o 3-hidroxipropanal, outro grupo hidroxila é
eliminado, resultando no sistema conjugado estável da acroleína. Portanto, não é
surpreendente que a acidez é a chave para a atividade do catalisador e a seletividade deste
caminho. Catalisadores ácidos de Brønsted são mais eficazes do que ácidos de Lewis. Sítios
catalíticos de alta acidez devem ser mais ativos, no entanto, a seletividade para a acroleína
pode ser minguada devido à formação de coque. Isso é um problema geral que pode desativar
os catalisadores após poucas horas de funcionamento. Catalisadores alcalinos, finalmente, são
ineficazes nesta síntese.
OH
HO
OH
- H 2O
HO
OH
HO
O
O
- H 2O
Embora seletividade e rendimento da síntese da acroleína a partir da glicerina sejam muito
bons (explicado pela Fig. 89), as condições agressivas da síntese levam rapidamente à
desativação do catalisador por depósitos de coque. Ao ajustar os tamanhos de poros do
catalisador, o tempo de vida de catalisador pode ser alargado. Os melhores resultados e
durabilidades do catalisador foram obtidos em reator contínuo, na fase gasosa 74.
5.6.4 Outros derivados a partir da glicerina
Carbonato da glicerina
Existe um éster do ácido carbônico que transforma a glicerina em um excelente solvente. Sua
estrutura cíclica e a ausência de tensões angulares lhe proporciona uma estabilidade
termodinâmica bastante alta. Isso é o retrato do carbonato da glicerina.
Tab. 27.
Dados característicos do carbonato da glicerina
Líquido incolor
Ebulição a 0,1 mm Hg: 110-115 °C
73
G. W. Keulks, L. D. Krenzke, T. M. Notermann, em Advances in Catalysis (Editores: D. D. Eley, H. Pines, P.
B. Weisz), Vol. 27, Academic Press, New York 1979, pp. 183– 225.
74
B. Katryniok, S. Paul, M. Capron, F. Dumeignil, Towards the sustainable production of acrolein by glycerol
dehydration. ChemSusChem 2 (2009), 719.
166
Armin Isenmann
Congelamento: -69 °C (vitrifica)
O
O
Química a partir de Recursos Renováveis
Temperatura flash: > 190 °C
O
pH: 4 a 6,5
OH
Densidade: 1,4 g/mL
Viscosidade cinemática a 25 °C: 6,1.10-5 m².s-1
Carbonato da glicerina
Miscível com água
(4-hidroximetil-2-oxo-1,3-dioxolano)
Baixa toxidade
CAS 931-40-8
Foram identificadas numerosas vias de síntese para esta molécula, alguns deles muito
promissora e no ponto de ser aplicado à escala industrial. Ponto de partida em todas é um
derivado reativo do ácido carbônico e a glicerina purificada. A mais promissora rota é a
transesterificação, onde os rendimentos são especialmente altas pela rota química-catalítica,
mas também existem métodos enzimáticos usando fontes diferentes de carbonatos. Uma
revisão acerca da influência dos catalisadores e condições de operação sobre o rendimento do
carbonato da glicerina foi recentemente dada por Teng 75, com destaque na transesterificação
catalítica.
O carbonato de glicerol ganhou muito interesse ao longo dos últimos 20 anos, por causa da
sua reatividade versátil e como uma forma de valorizar resíduos de glicerol. A ampla
reatividade desta molécula se deve à presença de um grupo de álcool primário e outro grupo
2-oxo-1,3-dioxolano. Além de representar um solvente promissor para uma série de sínteses
químicas e operações de destilação 76, têm também sido estudadas algumas aplicações
indiretas, especialmente sua transformação em glicidol e seu uso em novos polímeros.
75
W.K. Teng, G.C. Ngoh, R. Yusoff, M.K. Aroua; A review on the performance of glycerol carbonate
production via catalytic transesterification: Effects of influencing parameters. [Artigo de revisão] Energy
Conversion and Management 88 (2014), 484–497.
76
M. O. Sonnati, S. Amigoni, E. P. Taffin de Givenchy, T. Darmanin, O. Choulet, F. Guittard; Glycerol
carbonate as a versatile building block for tomorrow: synthesis, reactivity, properties and applications [Artigo de
revisão]. Green Chem. 15 (2013), 283-306.
167
Armin Isenmann
Química a partir de Recursos Renováveis
Uso direto
Uso indireto
Solvente
Monoglicerídeo altamente puro
Sorbitana poliglicerina
Ésteres do carbonato de glicerina
Oligoglicosídeos
Poligicerol
Poliéteres hiperramif icados
(base biológica, polar, prótico)
Baterias de lítio e íons de lítio
(eletrólito carregador)
Cimento e concreto
Surf actantes
(agente de curamento)
O
Cosméticos
(Removedor de esmalte de unha,
plastif icante, umectante)
Vitalizante para plantas
O
O
O
OH
OH
Glicidol
Intermediários
da química f ina
Polímeros
Separação de gases
(barreira líquida)
Poliuretanos isentos de isocianato
Monômeros éteres vinílicos com carbonato de glicerina
Agentes de acoplamento
Agente espumante
Detergente
Fig. 90.
Espectro das utilidades do carbonato de glicerina.
Acrilonitrila
Muito parecido à síntese da acroleína funciona também a formação da acrilonitrila,
H2C=CH-C≡N. A acrilonitrila é usada como monômero em poliacrilonitrila (PAN), um
material termoplástico e/ou borrachoso, resistente, altamente elástico que tem utilidade como
anel de vedação em máquinas e mangueiras de gasolina, por exemplo. Também é um
ingrediente importante em copolímeros e blendas que fornecem um material de engenharia
com elevados módulos, ao mesmo tempo resistente ao impacto. Exemplos são o SAN (poliestireno-co-acrilonitrila), a borracha Buna-N (poli-acrilonitrila-co-butadieno, vulcanizado) e o
ABS (blenda bifásica contendo os monômeros acrilonitrila, butadieno e estireno), usados em
peças de automóveis. Além do uso direto da acrilonitrila na polimerização, ela pode ainda ser
transformada em acrilamida e ácido acrílico, ambos os quais são igualmente monômeros
valorizados.
Obviamente, a conversão de carboidratos, inclusive a glicerina, leva a compostos que contêm
hidrogénio, carbono e oxigénio. Biomoléculas que já contêm nitrogênio nos grupos funcionais
normalmente originam dos aminoácidos. Mas aqui apresentamos uma síntese da acrilonitrila a
partir da glicerina que hoje já pode ser levada a uma conversão de 83%, com uma seletividade
para acrilonitrilo de 58%. É feita num catalisador de contato de [V Sb Nb / Al] onde passam
os reagentes gasosos, que são a glicerina, amoníaco e oxigênio. A reação ocorre em três
etapas: primeiro a formação da acroleína (ver acima), depois a condensação com NH3
formando uma imina e finalmente a oxidação da imina para a nitrila por meio do oxigênio. O
vanádio proporciona atividade na reação, enquanto o antimônio e nióbio são importantes para
a seletividade do acrilonitrila. 77
77
M. O. Guerrero-Pérez, M. A. Bañares, New Reaction: Conversion of Glycerol into Acrylonitrile.
ChemSusChem 1 (2008), 511.
168
Armin Isenmann
OH
HO
OH - 2 H2O
Química a partir de Recursos Renováveis
O
+ NH 3
- H 2O
NH
Ox
N
Acroleína
Interessante é também uma variação desta síntese que ocorre em fase líquida, porém sob a
irradiação por micro-ondas. Neste caso, é usado hidróxido de amônio como fonte do
nitrogênio e peróxido de hidrogénio como agente oxidante. Uma selectividade de acrilonitrila
de 84% pode ser alcançado, numa conversão de glicerol de 47% 78.
Ácido acrílico
Ácido acrílico, H2C=CH-COOH, e seus ésteres são monômeros importantes, para produzir os
mais diversos polímeros acrílicos (em tintas, colas, reforço
em papel, acabamento em têxteis, entre outros). O próprio
poli-ácido acrílico, aliás, é um material fantástico conhecido
como superabsorvente. É muito utilizado, por exemplo, em
fraldas, porque consegue reter a água, em quantidade 1000
vezes mais o próprio peso. Mas também é eficaz como
formador de gel (em creme dental, pós-barba, gel de cabelo,
etc.), largamente comercializado como Carbopol.
O processo dominante hoje para ácido acrílico é a oxidação
catalítica do propileno que, por sua vez, vem do petróleo:
Como o ácido acrílico é um produto intermediário muito importante, há grande interesse
industrial achar caminhos alternativos de acessá-lo a partir de recursos renováveis. Material
de partida pode ser a glicerina. Num aquecimento a 250 a 350 °C, na presença de
catalisadores de desidratação e na ausência de ar, ocorre a conversão para acroleína (ver p.
165). Em uma etapa subsequente a acroleína pode ser oxidada com facilidade ao ácido
acrílico:
78
V. Calvino-Casilda, M. O. Guerrero-Pérez, M. A. Bañares, Efficient microwave-promoted acrylonitrile
sustainable synthesis from glycerol. Green Chem. 11 (2009), 939.
169
Armin Isenmann
Química a partir de Recursos Renováveis
Epicloridrina
A epicloridrina é essencial para a produção de resinas epóxis. Estas resinas, na maioria das
vezes, são usadas como material rejunte de fibras, formando objetos de plásticos reforçados
que podem cobrir grandes áreas e volumes estruturais, sem quebrar. Sendo assim, são
predestinados para formar carrocerias de veículos terrestres, barcos, aviões, piscinas e caixas
d´água para nossas casas.
O caminho clássico para a epicloridrina é igualmente a partir do propileno que, após sua
cloração radicalar em posição alílica, adiciona hipoclorito na dupla ligação e fornece dois
dicloropropanóis isomêricos. Os dois podem ser transformados em epicloridrina via
tratamento com a base hidróxido de cálcio:
Fig. 91.
Síntese clássica da epicloridrina, a partir do propileno.
Essa rota clássica é afetada com uma série de problemas, pois fornece
produtos paralelos. Além de ser uma síntese "suja", consome bastante
cloro livre. Em caminhos novos se tenta converter diretamente a glicerina
crua em epicloridrina. Isso se consegue via glicerina clorada (=
cloridrinas) que se consegue por tratamento com HCl. Segue a etapa
clássica com uma base que leva à epicloridrina:
170
Armin Isenmann
Química a partir de Recursos Renováveis
Este processo realmente não tem muitos produtos paralelos, nem tantos subprodutos inúteis.
Além disso, o consumo de água neste processo é menor do que na síntese à base do propileno.
E, afinal, não requer de cloro livre em nenhuma das etapas.
Mecanismo da síntese:
A epicloridrina pode ser feita seletivamente, a partir de glicerol, tratando a dicloridrina com
base. Mas antes disso ocorre a reação com um ácido carboxílico que tem o papel de
catalisador:
O
1)
HO
OH
HO
R
COOH
OH
O
HO
2)
HCl
O
HO
O
R
Cl
HO
O
O
O
HO
O
HO
R
OH
R
O
O
O
O
Cl
Cl
O
R
O
2´)
R
R
O
R
O
R
OH
O
HCl
O
Cl
Cl
R
Cl
O
3)
O
Cl
R
Cl
[H2O]
[OH -]
OH
Cl
Cl
Cl
O
Epicloridrina
Note que a selectividade para ,-dicloridrina é um resultado do co-catalisador, o ácido
carboxílico. Esta rota tem vantagens sobre a concorrente, a formação da epicloridrina através
do cloreto de alila, por ser a síntese mais seletiva e ainda dispor de um intermediário 10 vezes
mais reativo 79.
O consumo de glicerina refinada para a produção de epicloridrina vai aumentar de 11% em
2014 para 13% da demanda total de glicerina refinada em 2019 – especialmente forte na Ásia
e na Europa.
Interessante é que, antes de a glicerina tornou-se disponível em abundância por meio da
transesterificação de gorduras, ela era produzida quimicamente através da epicloridrina. Isso é
exatamente a reação reversa do que se procura hoje!
Ácido lático a partir da glicerina
Até o próprio ácido lático, apresentado na p. 152, pode ser obtido a partir da glicerina. No
entanto, é provável que o destino da glicerina, a médio prazo, não seja na produção de ácido
lático, mas os outros derivados descritos acima.
Ácido lático é um produto químico amplamente utilizado em alimentos, farmacêuticas e
indústrias químicas – recentemente na produção de poliácido lático, um polímero
79
E. Santacesaria, R. Tesser, M. Di Serio, L. Casale, D. Verde, New process for producing epichlorohydrin via
glycerol chlorination. Ind. Eng. Chem. Res. 49 (2010), 964.
171
Armin Isenmann
Química a partir de Recursos Renováveis
biodegradável (ver p. 152). Sem dúvida alguma, a rota principal de produzir o ácido láctico é
a fermentação de carboidratos. No entanto, este processo não é muito eficiente, o que justifica
a investigação de rotas alternativas.
O fato de o ácido lático ter um carbono oxidado, não deixa supor que é possível produzi-lo, a
partir da glicerina, sob condições redutoras. Mas chamativo é que isso ocorre apenas em
ambiente alcalino. Parecido à formação do 1,2-propanodiol (p. 163), em vez de ser reduzido
após a desidratação, o intermediário é submetido a um desproporcionamento intramolecular
de Cannizzaro 80:
OH
OH
HO
OH - H
2
OH
O -H O
2
HO
O
OH
[OH- ]
O
O Cannizzaro
OH
intramolecular
O
Acido lático
Um catalisador metálico facilita a desidrogenação inicial, o que permite temperaturas de
reação moderadas, comparadas com a síntese hidrotérmica. Contudo, o ácido láctico é
normalmente formado sob condições oxidantes, o que também não precisa de altas
temperaturas para a desidrogenação. Sob condições oxidantes, no entanto, glicerol é
facilmente oxidado para gliceraldeído. A arte está em facilitar a subsequente desidratação para
o ácido lático, em vez da sua oxidação para o ácido glicérico.
Etilenoglicol a partir da glicerina
Finalmente, mencionamos também a fragmentação da cadeia carbônica da glicerina que, sob
vista do rendimento molecular (em carbonos) é uma reação desfavorável, pois se perde um
carbono. Mas esta rota é responsável pela formação de Etilenoglicol, em quase todas as
sínteses descritas acima, como produto paralelo em menores porcentagens. E ela tem um
aspecto mecanístico que justifica mencioná-la:
OH
OH
HO
OH - H2
HO
OH
Retro-Aldol
O
O
+
OH
[Red]
OH
HO
+
OH
Nas condições descritas acima pode ocorrer também a reversa de uma condensação aldólica,
levando ao formaldeído e um endiol, ambos os quais serão imediatamente hidrogenados para
metanol e etilenoglicol.
A formação de etileno glicol é influenciada pelo tipo de metal usado como catalisador. Por
exemplo, quantidades elevadas de etilenoglicol são formadas mediante adição de platina a um
catalisador de contato do tipo Ni/Al2O3. Também há mais etilenoglicol em catalisadores de
ruténio, enquanto que os catalisadores de cobre são normalmente muito seletivos para o 1,2PD.
Contudo, é importante conhecer a rota que leva ao etilenoglicol - mais por fim de supressá-lo
quando se forma como produto paralelo; não precisamos esperar um grande futuro para esta
síntese, ainda por que o etilenoglicol pode ser produzido por um caminho barato e
incombatível, a partir do petróleo (ver “super-commodity”, na p. 149).
80
P. P. Pescarmona, K. P. F. Janssen, C. Delaet, C. Stroobants, K. Houthoofd, A. Philippaerts, C. D. Jonghe, J.
S. Paul, P. A. Jacobs, B. F. Sels, Zeolite-catalysed conversion of C-3 sugars to alkyl lactates. Green Chem. 12
(2010), 1083.
172
Armin Isenmann
Química a partir de Recursos Renováveis
5.6.5 Acetona
Até os meados do século 20 a fermentação de açúcares para acetona e butanol foi um
importante método de obtenção da acetona. A bactéria anaeróbica clostridium acetobutylicum
permitiu uma produção em escala industrial. Apesar do bom funcionamento desta rota
fermentativa, a produção da acetona a partir de recursos renováveis é condenada a ficar em
segunda posição 57, por que a síntese que envolve subprodutos do refinamento do petróleo é
inalcançavelmente barata (ver também “super commodities” na p. 149).
O método principal para a produção da acetona - hoje e supostamente nas próximas décadas é o “processo de cumeno”. Neste, a acetona representa até o produto menos precioso; mais
valorizado é certamente o fenol:
CH3
CH3
O2
C OOH
CH
CH3
O
H+ / H2O
(1)
OH +
(2)
CH3
Cumeno
- OH-
H3C
CH3
[H2O; H+]
+ OH-
CH3
C O+
CH3
CH3
HO C O
CH3
Hemiacetal
O próprio cumeno é produto da alquilação de Friedel-Crafts a partir do benzeno e propileno,
ambos derivados do petróleo. Outro método químico de se produzir a acetona é por oxidação
catalítica do isopropanol, mas esta rota perde para o processo cumeno por motivos
econômicos.
5.7
Os componentes C4
Ácido succínico
Quem quisesse produzir o ácido succínico como
seu descobridor, Georgius Agricola uns 500 anos
atrás, teria um produto extremamente caro: ele o
obteu por aquecimento de verdadeiras pedrinhas
de âmbar! 81 Mas, descobriram mais tarde, que
este ácido não é tão raro. Ele também existe em
muitas frutas, algas e cogumelos.
A química transforma o ácido succínico em
poliésteres biodegradáveis, por exemplo, para
produzir sacos de lixo que se decompõem
rapidamente ao serem depositados no ambiente. Mas também há materiais de mais alto valor
agregado, na maioria reagentes da química fina, que são produzidos a partir do ácido
succínico. Afinal, aproveitam dele os setores polímeros, alimentos, farmacêutico e cosmético.
81
Portanto, até hoje o nome alemão para ácido succínico é "Bernstein-Säure", de Bernstein = âmbar.
173
Armin Isenmann
Química a partir de Recursos Renováveis
Na indústria alimentícia, por exemplo, este ácido é usado como acidulante de refrigerantes e
bebidas, realçador de sabores e conservante em comidas.
Os sais e ésteres do ácido succínico são os chamados succinatos. A Fig. 92 mostra que
realmente temos um componente C4 universal para a indústria química.
O
O
O
NH2
x
O
Polibutilenossuccinato
H2N
COOH
Ácido 4-aminobutanóico
O
H
N
O
COOH
HOOC
CH3
Tetraidrofurano
O
-Butirolactona O
Ácido aspártico
Ácido itacónico
1,4-butanodiol
O
CH 2
O
OH
HO
COOH
HOOC
N
O
N-metilpirrolidona
O
O
HOOC
COOH
Ácido maléico
Anidrido maléico
Anidrido succinico
NH 2
H 2N
1,4-Diaminobutano
Alimentícios
Farmacêuticos
em solventes
HOOC
CN
NC
Dinitrila succínica
COOH
Ácido f umárico
H
N
Ácido succínico
O
Aditivos
Maleimida
Surf actantes
O
O
H
N
O
OH
Inibidores de corrosão
Detergentes
COOH
HOOC
Succinimida O
N
O
Fertilizantes
Hidroxissuccinimida
Fig. 92.
Leque de produtos industriais a partir do ácido succínico.
As pirrolidonas e também o tetraidrofurano (THF) são largamente usados e apreciados como
solventes. Aliás, oligômeros contendo pirrolidona, formando a polivinilpirrolidona, são
usados para repor o plasma do sangue humano, em casos de acidentes graves. Butanodiol é
usado em polimerizações, tanto como componente monomérica quanto como solvente. E o
diaminobutano é usado cada vez mais para produzir poliamidas (= Nylon).
O ácido succínico e seus derivados químicos acharam, por enquanto, utilidade nos seguintese
setores industriais:
 Alimentos, Fármacos: aditivos com diversas finalidades.
 Química: solventes especiais, polímeros (poliésteres).
 Saneamento: surfactantes, detergentes.
 Agrícola: fertilizantes.
 Beneficiamento: inibidor de corrosão.
174
Armin Isenmann
Química a partir de Recursos Renováveis
Por via química ou biotecnológica?
Em grande escala o ácido succínico é feito hoje exclusivamente a partir do petróleo. Caminho
mais aplicado é a hidrogenação de ácido maléico ou do anidirido maléico; outro é a oxidação
de 1,4-butanodiol.
Mais recentemente foram elaboradas estratégias de produzir o ácido succínico em qualidade
superior (= puro), por meio de fermentação. Diversos microorganismos foram cultivados que
conseguem produzir este produto a partir de amido ou proteínas - porém somente em
quantidades pequenas. Para poder concorrer futuramente com o método padrão a partir do
petróleo, estas rotas devem ainda ser bastante otimizadas, tanto no rendimento em ácido
succínico quanto na redução de produtos paralelos, tais como ácido lático e etanol. Embora de
tantos obstáculos e desafios, o interesse em uma síntese biotecnológica do ácido succínico é
cada vez maior:
Recentemente, foi divulgado um processo integrado de produção de ácido succínico com
Escherichia coli AFP184 e de etanol pela levedura Saccharomicie cerevisiae em
fermentadores conjugados em série 82. O gás carbônico produzido pela levedura é introduzido
no reator da bactéria, o que provoca um incremento de 7 vezes na produção do ácido
succínico.
5.8
Os componentes C5
Os componentes de síntese C5 tocam, por enquanto, na segunda divisão quanto ao interesse
industrial. Isto se deve principalmente ao fato que sua produção é demorada e os rendimentos,
por enquanto, são insatisfatórios. Além disso, em alguns casos, as disponibilidades dos
recursos primários são limitadas, ou seu manuseio é especialmente complicado. Isto impede
uma produção econômica dos compostos C5 a partir de recursos renováveis. Os poucos
produtos que já existem no mercado são exclusivamente reagentes especiais.
5.8.1 Furfural
Um representante da família C5 que é produzido em quantidades elevadas é o furfural 83 (ver
próxima figura). É um dos produtos voláteis (produto principal: metanol), na pirólise da
madeira. Mais conhecida para este método é a expressão “Destilação seca da madeira”. O
furfural também é produzido durante o polpamento da madeira, onde os ácidos hexenurônicos
estão envolvidos no seu metabolismo. Neste processo industrial, aliás, os derivados do
furfural são indesejados, por que os produtos consecutivos dos ácidos hexenurônicos são os
82
N.P. Nghiem, K.B. Hicks, D.B. Johnston; Integration of succinic acid and ethanol production with potential
application in a corn or barley biorefinery. Appl. Biochem. Biotechnol. 162 (2010), 1915.
83
J. –P. Lange, E. van der Heide, J. van Buijtenen, R. Price; Furfural - a promising platform for lignocellulosic
biofuels [Artigo de revisão]. ChemSusChem 5 (2012) 150–166.
175
Armin Isenmann
Química a partir de Recursos Renováveis
principais responsáveis pela reversão da alvura do papel (ver também Fig. 39 e nota de rodapé
18).
O furfural, como o nome já deixa supor, se deriva do furano, um heteroaromático com
oxigênio no seu anel de 5 membros. O furfural pode tranquilamente ser transformado em
resinas úteis, na reação de condensação junto ao formaldeído, fenol, acetona ou uréia.
Fig. 93.
Derivados do furfural
COOH
COOH
MeO
O
HO
Cozimento
Kraf t
O-xilana
O
HO
O-xilana
OH
Ác. hexenurônico
OH
Hemicelulose
Hidrólose
ácida
~10%
~90%
HCOOH
Ác. f órmico
+
COOH
O
Ác. 2-f uranocarboxílico
+
COOH
O
5-carboxi-2-f uraldeído
OHC
Fig. 94. Metabolismo das hemicelulose durante o polpamento Kraft e o
branqueamento, dando origem aos derivados do furfural.
Vale também lembrar-se que a natureza tem uma preferência para componentes C5, quando
se trata de sínteses em ambiente hidrofóbico. Sendo assim, muitos esteróides, hormônios, mas
também polímeros (borracha natural), são feitos a partir da unidade monomérica do isopreno
(2-metil-1,3-butadieno), com o vimos no cap. 4.5.2. Sendo assim, conhecemos os terpenos (2
unidades isoprênicas, ou seja, C10), sesquiterpenos (C15), diterpenos (C20), entre outros.
Além do setor farmacêutico o interesse nestes compostos é modesto.
5.8.2 Ácido levulínico
Um exemplo ilustrativo das plataformas químicas derivadas de biomassa é o ácido levulínico
(C5H8O3), que é formado pela hidrólise ácida de carboidratos. Os açúcares C6 podem ser
facilmente convertidos em ácido levulínico (C5) e ácido fórmico (C1), dos quais o primeiro
despertou o interesse dos pesquisadores nos últimos 10 anos, pela sua estrutura simplificada,
em comparação com os açúcares da partida. Por outro lado, os grupos funcionais que tem são
176
Armin Isenmann
Química a partir de Recursos Renováveis
valiosos para sua transformação posterior. Sendo assim, o ác. levulínico representa um
químico de plataforma altamente promissor.
O
O
O
O
O
-valerolactona
2-metilf urano HOOC
Angelilactona
COOH
HO
OH
1,4-pentanodiol
Ácido dif enólico
O
Ácido levulínico
COOH
Ácido acrílico
O
RO
O
éster levulinato
Fig. 95.
OH
HO
HOOC
HOOC
NH2
O
O
Ácido 5-aminolevulínico
Ácido acetilacrílico
Leque dos derivados químicos a partir do acido levulínico.
A celulose e as hemiceluloses são hidrolisadas para carboidratos C6, dos quais o ácido
levulínico pode ser obtido com uma eficiência de 50%, através do intermediário
hidroximetilfurano. O ácido levulínico pode ser convertido a vários produtos, tanto químicos
como aditivos de combustíveis (Fig. 95). Deste modo pode resultar 84:

O metiltetraidrofurano (MTHF): um biocombustível que pode ser misturado com
gasolina. É obtido pela desidratação e hidrogenação do ácido levulínico;

O δ-aminolevulínico: um herbicida obtido por síntese química;

O ácido difenólico: um polímero produzido pela reação de ácido levulínico com
fenóis;

O levulinato de etila: um aditivo para o diesel.

A -valerolactona 85: um potencial “solvente verde” em tintas e colas; devido seu
cheiro herbal também é valorizado na perfumaria.
84
J.J. Bozell et al., Production of levulinic acid and use as a platform chemical for derived products. Resources,
Conservation and Recycling 28 (2000), 227–239.
85
W.R.H. Wright, R. Palkovits; Development of Heterogeneous Catalysts for the Conversion of Levulinic Acid
to γ-Valerolactone. ChemSusChem 5 (2012), 1657–1667
177
Armin Isenmann
Química a partir de Recursos Renováveis
5.8.3 A importante classe dos componentes C6
"Indestrutível" – isso foi o atributo da indústria de bebidas no início dos anos 1990 quando
introduziram a nova embalagem de plástico. A garrafa de PVC já existia há mais de 20 anos,
mas este material novo era superior em quase todos os aspectos - o PET:
 Não solta cheiro desagradável nem substâncias tóxicas à bebida,
 Está em todos os módulos mecânicos superior ao PVC,
 Tem estabilidade térmica extraordinária (por exemplo, aguenta água fervente),
 Tem propriedades ópticos quase iguais ao PVC (transparência, em particular) e, em último
lugar nesta conta, mas em um dos primeiros lugares na economia de hoje:
 É facilmente reciclável: por ser um poliéster pode-se aplicar a reação reversa, a hidrólise,
para se conseguir os monômeros químicos; ao contrário, a reciclagem do PVC não finaliza
na despolimerização e , até hoje, representa um problema mal resolvido.
São bastante leves e, comparadas à garrafa de vidro, realmente próximas de não
destrutíveis. O PET é um poliéster feito das unidades monoméricas de ácido
tereftálico e o diálcool etilenoglicol. É um material extremamente universal
que pode, por exemplo, ser usado para produzir fios que podem ser tecidos
para materiais especiais de roupas de esporte, robustos e de secagem rápida.
Folhas finas de PET servem como embalagens de curta duração para
alimentos, pois deixam penetrar os gases sem grande impedimento.
Por enquanto o PET é exclusivamente produzido a base de recursos fósseis.
Todavia, existem alternativas a base de recursos renováveis.
Poliésteres a base do furano-2,5-diácido carboxílico
A desidratação de hexosas (= açúcares com 6 carbonos) pode levar ao 5hidroximetilfurfural, fórmula dada no último esquema 86. Esta molécula tem
dois grupos funcionais com reatividades diferentes: os grupos aldeído e
hidroxila. Mas, por oxidação rigorosa os dois grupos podem ser
transformados em grupos carboxílicos, ou seja, o produto é o furano-2,5diácido carboxílico. Ao comparar este com o ácido tereftálico do PET,
reparamos a semelhança estrutural destes monômeros:
86
O 5-hidroximetilfurfural é também um indicador para produtos estragados, adulterados ou que foram expostos
a estresse por calor ou más condições de armazenagem.
178
Armin Isenmann
Química a partir de Recursos Renováveis
Os dois são diácidos aromáticos. Eles também
mostram propriedades físicas semelhantes, tais
como ponto de fusão, volatilidade, etc. Tarefa da
pesquisa aplicada é a comparação de materiais
poliméricos feitos a partir do ácido tereftálico e/ou
do seu substituto, o furano-2,5-diácido
carboxílico. A Fig. 96 refere uns dos produtos
mais promissores que, pelas suas propriedades
físicas, podem concorrer tranquilamente com o
plástico feito do petróleo:
Fig. 96.
Polímeros a base do furano-2,5-diácido carboxílico (FDCA)
O poliéster a partir do furano-2,5-diácido carboxílico e etilenoglicol, o "polietilenofuranato",
tem um ponto de fusão de 205 a 210 °C. Este fica um pouco abaixo do PET clássico, mas
ainda está numa região tecnicamente muito interessante. Os especialistas vêem neste material
o grande potencial de formar fibras que podem ser trabalhadas pela indústria têxtil para
tecidos de qualidades muito interessantes.
A reação do furano-2,5-diácido carboxílico com uma diamina aromática leva a uma
poliamida, também conhecida como "poliaramida". Por exemplo, com a p-fenilenodiamina se
obtém um polímero de ponto de fusão extremamente alto e uma estabilidade mecânica
179
Armin Isenmann
Química a partir de Recursos Renováveis
excepcional. Sendo assim, este material pode repor o Kevlar, uma fibra de poliaramida que
serve para fazer coletes a prova de balas, cordas de alpinistas e muito mais.
O grande potencial do furano-2,5-diácido carboxílico foi reconhecido pelo ministério
americano de energia, em 2004. Em um estudo dos mais promissores compostos a partir de
recursos renováveis este diácido chegou à posição 12 entre todos os compostos de
importância (ver Tab. 25, na p. 147).
O
OH
HO
O
OCN
O
H2N
CHO
Diol
R = OH, Cl, O-alquil
(FDCA)
Diisocianato
O
C
O
HOH2C
NCO
HOH2C
O
O
O
CHO
5-HMF
R = OH, Cl
R
HO
R
R = OH, O-alquil
O
O
H2N
O
O
O
HO
NH2
O
H2N
NH2
R
R = OH, O-alquil
Diamina
Fig. 97.
Possíveis monômeros a partir do 5-Hidroximetilfurfural.
Primeiro é simplificar a glicose
A princípio as estratégias apresentadas no capítulo sobre a glicerina (p. 158) podem também
ser aplicadas para simplificar os açúcares maiores, visto que estes são igualmente polióis. Mas
com cada átomo de carbono a mais, estes materiais dão origem a uma maior complexidade
mecanística – o que implica mais produtos formados. Além disso, os açúcares têm um
carbono em maior NOX. Então a primeira etapa na tentativa de simplificar sua estrutura e
reduzir o número de possíveis produtos é a redução deste carbono para se render um poliol
simples que exclusivamente dispõe de grupos hidroxilas, em carbonos primários e
secundários.
Sendo assim, pode-se esperar o mesmo sucesso que se provou nas reações a partir da
glicerina, também para o eritritol (C4) e o xilitol (C5). No entanto, estes compostos não
gozam dos grandes esforços que se observa no campo de pesquisa da glicerina; isso
certamente se deve à menor disponibilidade destes compostos na biomassa. O eritritol é quase
ausente na natureza, mas pode ser produzido a partir da glicose, por meio de fermentação. O
xilitol pode ser facilmente obtido por hidrogenação catalítica a partir da xilose que é o
monômero principal na hemicelulose (que consta com 20 a 25% da natureza viva, ver cap.
2.1.2). Porém, ao contrário da celulose, a hemi-celulose não representa um material
180
Armin Isenmann
Química a partir de Recursos Renováveis
quimicamente uniforme, mas é um composto de uma grande variedade de açúcares C5 e
ácidos glucônicos. Isso certamente é uma grande desvantagem, e por enquanto os esforços da
sua separação em material quimicamente definido não foi alcançado.
A obtenção de sorbitol em qualidade quimicamente pura, por outro lado, é menos difícil.
Material de partida é a celulose que está sendo degradada ao monômero glicose em uma etapa
de hidrólise ácida, seguida por uma etapa de hidrogenação do grupo aldeído ou seu
hemiacetal.
O sorbitol, por sua vez, representa o composto de plataforma para diversos produtos de
desidratação, dos quais os mais importantes são o hidroximetilfurfural e a isossorbida, a
serem apresentados a seguir. Além disso, a hidrogenólise catalítica do sorbitol sob condições
mais severas leva aos fragmentos etilenoglicol, 1,2-propanodiol e glicerina, com seletividade
surpreendentemente alta.
Do adoçante ao monômero em plásticos
Sorbitol e manitol são bastante usados hoje como adoçantes de baixa caloria que, além disso,
não alimentam as bactérias prejudiciais da flora bucal (cárie). Sendo assim, são usados em
alimentos "diet", chicletes ou em pasta de dente. Quem presta atenção à etiqueta de um
alimento "light" também pode encontrar muitas vezes estes dois alcoóis de açúcares (=
"hexitóis").
Informações adicionais sobre estes hexitóis:
Sorbitol se encontra em quantidades maiores na natureza
vegetal. Por exemplo, na casca da sorveira e do pilriteiro.
Além disso, encontra-se em frutas de caroço ou sementes
(maçã, pêra, ameixa, cereja, etc.). Em outras frutas, tais
como a banana e o abacaxi, não há sorbitol. Portanto, pode
ser usado como indicador no teste que
comprova uma mistura ilegal de sucos
destas frutas com frutas de caroços.
As bactérias da flora bucal praticamente
não atacam o sorbitol, portanto não se transforme em polissacarídeos ou
ácidos que promovem a cárie dental. Portanto, o sorbitol achou larga
aplicação para repor o açúcar comum, em alimentos diet, light ou para
diabéticos. Sorbitol é também matéria prima na síntese industrial da
vitamina C (ácido L-ascórbico) e na produção de agentes tensioativos nãoiônicos (= detergentes). Serve, além disso, como estabilizador de vitaminas,
181
Armin Isenmann
Química a partir de Recursos Renováveis
enzimas, preparados farmacêuticos e cosméticos, e pode ser o monômero para poliéteres em
lacas de pintura.
O manitol é um composto encontrado em muitas plantas. No "mana", isto é o suco gelificado
do freixo de mana, o manitol representa o composto principal. Em algas, cogumelos e vergas
é usado como material de reservas. As aplicações do manitol são semelhantes ao sorbitol:
adoçante e umectante em produtos cosméticos (p.ex., em pasta de dente). A indústria
farmacêutica o usa como excipiente e para a síntese do hexanitrato do manitol - um remédio
com efeito dilatante vascular. Fora dos setores alimentício e cosmético o manitol serve como
lubrificante, estabilizante e de monômero em resinas duromêricas (tintas e lacas).
Do açúcar ao adoçante
Maior parte do sorbitol hoje ainda está feito por hidrogenação catalítica, a partir da D-glicose.
Essa via química tem a grande desvantagem de requerer um processo de purificação caro e
demorado, a fim de retirar restos do catalisador - que é, no caso, um metal pesado. Mais
utilizado é um catalisador heterogêneo à base de rutênio e níquel.
Em um projeto de pesquisa foi recentemente desenvolvido um novo processo bioquímico que
fornece de maneira direta o álcool de açúcar, sem necessidade de purificação complicada.
Além disso, a operação é contínua - sempre uma grande vantagem na produção industrial.
Sendo assim, a glicose é transformada em apenas 5 minutos e com ótimos rendimentos, em
sorbitol.
O manitol é feito, em analogia ao sorbitol, a partir da parte da frutose dentro açúcar invertido.
Como a frutose sempre é acompanhada por glicose, mesmo que seja em menores partes, o
manitol técnico sempre contém algum sorbitol. Além disso, observamos que a redução da
frutose, quando não for estereosseletiva, leva aos dois produtos, manitol e sorbitol, em
quantidades idênticas. Mas essa impureza química não
incomoda nas aplicações descritas acima.
Reação padrão para os poliuretanos
Manitol e sorbitol são apropriados na síntese de poliuretanos,
onde funcionam como ramificadores. A reação chave é uma
adição, do álcool nucleofílico ao carbono do grupo isocianato.
Resulta a estrutura de uretano (que é um derivado do ácido
carbônico, como também as uréias e os carbonatos):
Em dependência das condições aplicadas, obtêm-se espumas rígidas (para fins de isolamento),
elásticas (para assentos de carros e colchões), termoplásticos e borrachas que vão de moleelástico (solas de sapatos) até duro (botas de esqui).
182
Armin Isenmann
Química a partir de Recursos Renováveis
Isossorbida
A isossorbida também é um composto heterocíclico proveniente da glicose. Junto aos
isómeros isoidida e isomanida, ela é a mais importante representante dos 1,4:3,6dianidrohexitóis. É um sólido branco higroscópico, biodegradável, mas termicamente estável,
um diol não tóxico que acha larga aceitação na área medicinal, mas também é um potencial
monômero para novos tipos de polímeros de condensação, a dizer policarbonatos e
poliésteres. Suas utilidades como solvente orgânico (existem derivados líquidos) e até como
combustível alternativo estão sendo estudadas. A isossorbida é feita por dupla condensação
intramolecular, a partir do sorbitol e percorrendo o composto monocíclico de sorbitana.
H
HO
H
H
1
CHO
CH2OH
2
OH
H
OH
[Red]
3
H
HO
H
4
OH
H
OH
5
OH
H
OH
6
CH2OH
CH2OH
D-glicose
Sorbitol
[H+]
OH
6
- H2O
5
HO
OH OH
3
4
H OH
[H+]
2
O
1
O
H
Sorbitana
- H2O
O
HO
H
Isossorbida
(1,4:3,6-dianidrohexitol)
A isossorbida é considerada sendo um novo composto de plataforma, com potencial de repor
solventes e compostos de síntese que classicamente vêm do petróleo 87. As reações nos grupos
hidroxilas da isossorbida são apenas dificultadas pelas diferentes configurações da posições 2
e 5 que acarretam reatividades e impedimentos estéricos diferentes. Uma quantidade notável
de trabalhos já foi publicado onde o material de partida é puramente exo e puramente endo,
isodianidromanitol e isoidide, respectivamente. Mas um esforço considerável ainda está
necessário para transferir e adaptar os métodos de síntese para a conversão eficiente da
isossorbida.
A celulose contribui, como sabemos do cap. 2.1, com 35 a 50% na biomassa da terra. Com
essa quantidade enorme a celulose representa o mais abundante composto quimicamente
homogêneo da natureza viva. Mas antes de poder usar a celulose na química fina, este
polímero deve ser quebrado em partes oligo ou monoméricas, a dizer a glicose. Naturalmente,
a alta cristalinidade da celulose  se opõe às reações feitas na celulose. Estes fragmentos se
tornam solúveis em solvente polar que é a base para todas as reações em seguida. Pesquisas
atuais visam a otimização do processo da hidrólise da celulose, atualmente melhor realizado
em sistemas diluídas de ácidos minerais, na presença de um catalisador heterogêneo 88.
A hidrogenação catalítica do grupo aldeído da glicose reduz consideravelmente suas múltiples
reatividades. Segue uma condensação intramolecular para o 1,4-anidrosorbitol, que por sua
vez é desidratado e ciclizado uma segunda vez para a isossorbida, conforme mostrado acima.
Tudo isso ocorre sob pressão e alta temperatura, condições sob quais a própria água se torna
fonte dos prótons que exercem o efeito catalítico nestas desidratações.
87
M. Rose, R. Palkovits; Isosorbide as a renewable platform chemical for versatile applications--quo vadis?
ChemSusChem 5 (2012) 167-176.
88
R. Rinaldi, F. Schüth, Acid hydrolysis of cellulose as the entry point into biorefinery schemes. ChemSusChem
2 (2009), 1096.
J Hilgert, N Meine, R Rinaldi, F Schüth. Mechanocatalytic depolymerization of cellulose combined with
hydrogenolysis as a highly efficient pathway to sugar alcohols. Energy & Environmental Science 6 (2013), 9296.
183
Armin Isenmann
Química a partir de Recursos Renováveis
Hoje é possível, por combinação do catalisador da redução com um catalisador ácido,
converter diretamente a celulose em isossorbida, uma reação em uma única batelada 89.
Fragmentação do sorbitol
Em caso de sorbitol ou xilitol sejam tratados sob condições alcalinas de hidrogenação, como
por exemplo descritos na p. 163, os compostos C6 ou C5 são submetidos a uma cisão da
cadeia carbônica, através de reação do tipo retro-aldol e subsequente hidrogenação. O
mecanismo é em analogia ao da formação do etilenoglicol a partir da glicerina (ver p. 173).
Em 1958 Clark relatou a formação de 1,2-propilenoglicol, etilenoglicol e glicerina, usando
um catalisador de Ni em cima de kieselguhr e Ca(OH)2 como a aditivo 90. Naquela época a
formação da glicerina era o objetivo principal, enquanto que hoje a formação dos outros dois,
1,2-PD e etilenoglicol, são mais procurados.
OH OH
OH OH
HO
O
OH - H
2
OH
OH
OH
Xilitol
Retro-Aldol
OH
OH
O
+
HO
OH
H2
- H 2O
H2
OH
OH
HO
OH
HO
OH
O
H2
OH
HO
As ligações C-O em carboidratos reduzidos podem ser clivadas, principalmente na presença
de catalisadores com sítios ácidos de Brønsted (como descrito na desidratação da glicerina,
ver p. 164), enquanto as ligações C-C podem ser quebradas preferencialmente na superfície
metálica de Pt, percorrendo ou uma clivagem retro-aldol ou uma descarbonilação.
Aproveitando destes três caminhos possíveis de degradação, a seletividade dos produtos
fragmentados pode ser direcionada, conforme a necessidade do consumidor 91.
Ácido cítrico
O interesse pelo ácido cítrico (fórmula ver p. 147) decorre da sua intensa aplicação nas
indústrias de laticínios, alimentos, bebidas, farmacêutica e química. Sua produção em 2008
atingiu cerca de 1,6 milhão de toneladas. São produzidas por fermentação com Aspergillus
89
G. F. Liang, C. Y. Wu, L. M. He, J. Ming, H. Y. Cheng, L. H. Zhuo, F. Y. Zhao, Conversion of Cellulose into
Isosorbide over Bifunctional Ruthenium Nanoparticles Supported on Niobium Phosphate. Green Chem. 13
(2011), 839.
90
I. T. Clark, Hydrogenolysis of sorbitol. Ind. Eng. Chem. 50 (1958), 1125.
91
N. Li, G. W. Huber, Aqueous-phase hydrodeoxygenation of sorbitol: Identification of the reaction pathway. J.
Catal. 270 (2010), 48.
184
Armin Isenmann
Química a partir de Recursos Renováveis
niger e atualmente muita ênfase tem sido notada com o emprego de conversão biológica de
resíduos agroindustriais como bagaço de uva, de maçã, beterraba doce, banana, etc. 92
Ácido itacônico
O ácido itacônico (= ácido metilenosuccínico, ver entrada 7 da Tab. 25, na p. 147) é usado
como monômero para formar polímeros como látex, resinas sintéticas, tintas, resinas acrílicas,
além de acidulante em alimentos. A limitação atual de seu emprego decorre do alto custo. O
micro-organismo mais usado é o fungo filamentoso Aspergillus terréus 93.
Até aqui o cap. 5 tratou de compostos de plataforma contendo 1 a 6 carbonos na sua estrutura,
ou seja, todos são compostos de baixa massa molar. O último parágrafo deste livro se dedica a
uma nova classe de polímeros que são feitos no laboratório, mas se baséiam inteiramente em
recursos renováveis.
5.9
Polihidroxialcanoatos (PHA) – os verdadeiros bioplásticos
São o foco dos pesquisadores no mundo inteiro: os polihidroxialcanoatos (PHA), uma classe
especialmente universal de polímeros 94. Há milhares de anos que PHA são produzidos no
metabolismo de certas bactérias (p.ex., alcaligenes eutrophus). Este material serve aos
protozoários como reserva de energia, comparável à gordura em nosso corpo. São
armazenados dentro dos organismos em forma de material insolúvel e branco, quer dizer, um
sólido com alto índice de refração.
Fig. 98. Micrografias de bactérias que produzem e segregam BHA, no caso poli-3hidroxibutirato.
92
A. Karthikeyan, N. Sivakumar; Citric acid production by Koji fermentation using banana peel as a novel
substrate. Bioresour.Technol. 101 (2010), 5552.
93
M.G. Steiger, M.L. Blumhoff, D. Mattanovich, M. Sauer; Biochemistry of microbial itaconic acid production.
Front Microbiol. 4 (2013), 23.
G. Tevz, M. Bencina, M. Legisa; Enhancing itaconic acid production by Aspergillus terreus. Appl Microbiol
Biotechnol. 5 (2010), 1657-64.
M. Okabe, D. Lies, S. Kanamasa, E.Y. Park; Biotechnological production of itaconic acid and its biosynthesis in
Aspergillus terreus. Appl Microbiol Biotechnol. 4 (2009), 597-606.
94
L.F. da Silva et al, “Produção biotecnológica de poli-hidroxialcanoatos para a geração de polímeros
biodegradáveis
no
Brasil.”
Quím.
Nova,
30
(2007)
1732-43;
disponível
em
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0100-40422007000700040 (acesso em 11/2014)
185
Armin Isenmann
Química a partir de Recursos Renováveis
Pela natureza química os PHA são poliésteres. Para muitos pesquisadores são estes os
genuínos "biopolímeros", candidatos mais promissores para substituir no futuro os
poliolefinos. Para que os microorganismos produzam este material, geralmente é necessário
tratá-los mal, ou seja, submetê-los a condições deficitárias em algum elemento químico
(nitrogênio, fósforo ou oxigênio) e oferecer um excesso em carbono.
Diversos fatores influenciam na produtividade microbiana e também na natureza química dos
PHA:
 Tipo de microorganismos usados
 Tipo de fonte de carbono
 As demais condições do ambiente (temperatura, sais, concentrações, etc.)
Tudo isso determina rendimento, massa molar e natureza química dos PHA. Após o processo
de fermentação as bactérias devem ser concentradas e extraídas - por enquanto etapas que
acarretam o fim de vida dos microorganismos. Mas novas bactérias já foram descobertas que
expelem o PHA logo após sua produção e assim facilitam seu isolamento e o tratamento
subsequente.
Como já mencionado acima, os PHA podem ser usados nos mais diversos artigos de plásticos:
desde a luva flexível de plástico, copos firmes e garrafas rígidas. Até folhas finas e
embalagens de alimentos podem ser feitos de PHA, já que se conseguem materiais com
barreiras frente ao oxigênio, quase tão altas quanto o polipropileno ou o PE. Uma das
características mais marcantes: os PHA são altamente biodegradáveis. A degradação ocorre,
tanto no ar como debaixo d´água.
Mais uma aplicação promissora dos PHA se deve ao fato de que o corpo humano consegue
degradá-los aos poucos. Sendo assim, implantes, parafusos e fios cirúrgicos de PHA não
precisam ser removidos através de uma segunda cirurgia, mas simplesmente se dissolvem
após certo tempo. Interessante é também o uso dos PHA como veículo de medicamentos que,
em virtude da dissolução do carregador, liberam o remédio dentro do corpo aos poucos
(farmacocinética; sustained release).
O processamento dos PHA é possível nas máquinas convencionais de termoplásticos (injeção,
extrusão), eles também são moldáveis ou podem ser fiados.
Representante de estrutura mais simples dos PHA é o polihidroxibutirato (PHB; temperatura
de fusão: acima de 130 °C):
Tecnicamente mais interessantes, no entanto, são os copolímeros do PHB porque mostram um
perfil mais vantajoso em termos de processabilidade. Também a mistura física (= blendagem)
com outros polímeros, tais como acetato de celulose (p. 89) ou amido (p. 109), amplia
bastante o leque das aplicações deste material, que vai desde colas até borrachas rígidas. Já
em 1960 se desenvolveu nos EUA um processo combinado, fermentativo e extrativo, que
fornecia PHB. Foram feitos testes para usar este novo material como termoplástico comercial.
Mas provou-se que era mais quebradiço do que o PP - o que diminuiu bastante o espectro das
aplicações. Somente com o advento dos copolímeros via biossíntese esta deficiência foi
vencida. Mencionamos o poli(3-hidroxibutirato)-co-poli(3-hidroxivalerato), com a sigla
PHBV, um material mais dúctil e mais resistente:
186
Armin Isenmann
Química a partir de Recursos Renováveis
Nos anos 1990 surgiu a primeira garrafa de xampu na Alemanha que foi inteiramente feita de
PHBV e, portanto biodegradável. Mas, os custos da sua produção foram em torno de 0,50 €
mais caros do que um recipiente convencional de PET - o que sinalizou um desastre
comercial.
Na virada do milênio a Usina da Pedra em Altinópolis, SP, iniciou a produção do polímero
biodegradável poli-hidroxibutirato (PHB), em bateladas de 500 kg, a partir da transformação
de sacarose e ácido propiônico sob a ação de uma bactéria. O PHB parece indicar para as
usinas sucroalcooleiras que a sacarose poderia ser uma matéria-prima para substituir produtos
de origem fóssil e de existência finita, e uma oportunidade para completar a paleta de
produtos e expandir os negócios.
Afinal, são os custos de produção elevados que ainda impedem o largo uso dos PHA e um
espalhamento em outros setores industriais, especialmente em forma de artigos de massa. Mas
a pesquisa aplicada está fazendo progresso e podemos contar com estes materiais nos
próximos anos.
5.9.1 Polímeros a partir da biomassa lignocelulósica
Em um artigo de revisão Furkan 95 desenhou o mapa dos derivados químicos da biomassa
lignocelulósica e seus polímeros sintéticos. O foco são os polímeros à base da biomassa, mas
também são apresentados mais de 200 compostos valiosos de baixa massa molar.
5.9.2 A polêmica dos "biopolímeros"
Por enquanto associamos neste texto diversos materiais, explicitamente a celulose, o amido,
os polihidroxialcanoatos e também o polilactato (ver p. 154), com a expressão "bio". O dilema
da palavra "biopolímero" é, no entanto, que não há definição unânime.
Pelo entendimento popular um biopolímero é feito a partir de recursos renováveis e pode ser
degradado após a sua vida útil pela natureza (no solo ou no corpo humano, por exemplo). Mas
essa definição exclui muitos materiais, portanto é melhor definir em duas categorias: 96
1) Polímeros e plásticos a base de recursos renováveis. Tais podem ou não, ser biodegradáveis
(os que não são: certos poliésteres, poliamidas ou Nylons, material altamente ramificado).
2) Plásticos biodegradáveis, não importa de onde vêm as matérias primas. Por exemplo,
conhecemos o polilactato (PLA), PHA e PHB que vem da natureza e também são
95
Furkan H. Isikgor, C. Remzi Becer; Lignocellulosic biomass: a sustainable platform for the production of biobased chemicals and polymers. [Artigo de revisão] Polym. Chem. 6 (2015), 4497-4559.
96
Leia mais: http://en.wikipedia.org/wiki/Bioplastic (acesso em 11/2014)
187
Armin Isenmann
Química a partir de Recursos Renováveis
biodegradáveis. Mas existem também polímeros a base petroquímica que se degradam na
natureza, às vezes somente após a aditivação ou funcionalização química. Para determinar sua
biodegradabilidade existe uma série de testes padronizados aos quais os plásticos devem ser
submetidos.
No ano 2004 foram produzidos em torno de 225 milhões t de polímeros e materiais plásticos,
destes foram feitos apenas 250.000 t a partir de recursos renováveis, ou seja, apenas 0,1%.
Porém, a tendência de aumentar essa parte é inegável, e há estimas que sob condições
favoráveis, a parte dos renováveis pode aumentar até 10% do volume total; somente visto o
setor de embalagens de plásticos sua participação poderá alcançar até 70%.
Biopolímeros podem ser produzidos como folhas calandradas, peças injetadas ou perfis
extrudados e são usados em ampla gama. Uma das exigências mais restritivas aos
biopolímeros é sua processabilidade em máquinas convencionais, usadas pelas fábricas de
transformação plástica: extrusão, injeção, sopro, etc. Isso implica que esses materiais devem
ser termoplásticos, ou seja, facilmente deformáveis a temperaturas elevadas. Justamente este
critério inibe a larga aceitação de alguns biopolímeros em artigos de consumo em massa. Por
exemplo, PLA puro tem um ponto de amolecimento de apenas 60 °C; sendo assim, não pode
ser usado para produzir copos de café, talheres descartáveis ou recipientes resistentes ao
microondas.
Não devem ser considerados biopolímeros, por outro lado, as misturas físicas (as blendas e os
compósitos) que contêm farinha de madeira como recheio ou fibras naturais de reforço, mas
uma matriz de plástico de origem fóssil. Estes materiais, para os quais também se prevê um
grande futuro, não encaixam em nenhuma das duas definições dadas em cima. Até hoje
precisamos dos plásticos convencionais a base de recursos fósseis, para aperfeiçoar as
propriedades dos materiais e produtos acabados. O mercado não aceita um regresso na
qualidade dos produtos. Isso implica que somente aos poucos chegamos a reduzir a
porcentagem do plástico convencional dentro dos compósitos, a favor dos biopolímeros.
Tab. 28.
Alguns campos de aplicações dos "biopolímeros"
Área
Aplicação
Propriedades e benéficos
Medicina
Fios cirúrgicos
Fibra degradada dentro do corpo
Veículo para remédios
Comprimidos e cápsulas que se dissolvem
aos poucos no corpo
Implantes
Degradados dentro do corpo
Garrafas de xampu
Compostável
Embalagem / folhas
Bolsas de sacolas de Compostável
compras
Artigos de consumo
Estufas de plantações
Proteção ao congelamento; retenção de
calor solar; não precisa ser recolhido por
que se degrada no campo.
Louça descartável
Compostável
Roupa
Bom transporte de calor, agradável da pele.
188
Armin Isenmann
Química a partir de Recursos Renováveis
6 Anexo
Os químicos de plataforma mais promissores a partir de açúcares provenientes da biomassa,
elucidados pelo US Department of Energy 57, foram referidos na Tab. 25, na p. 147.
Neste estudo foram aplicados quatro critérios para classificar os potenciais candidatos de
químicos de plataforma:
1) Ajuste estratégico para a biomassa lignocelulósica e amido dentro da biorrefinaria,
2) Valor do químico de plataforma e seus derivados como substitutos da rota
petroquímica ou como novas substâncias químicas com potencial de futuro
commodity,
3) A complexidade técnica de rota de transformação (açúcares para os químicos de
plataforma e os químicos de plataforma para seus derivados), e
4) Potencial do químico de plataforma para produzir famílias ou grupos de derivativos
similares.
Seguem os diagramas de estrela que mostram a gama de produtos úteis a partir das 12
substâncias de plataforma mais significativas. Os derivativos em círculos já se encontram em
uso comercial e são produzidos em escala de commodities.
189
Armin Isenmann
Química a partir de Recursos Renováveis
Semelhantes: ácido fumárico e ácido málico.
190
Armin Isenmann
Química a partir de Recursos Renováveis
191
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Química a partir de Recursos Renováveis
192
Armin Isenmann
Química a partir de Recursos Renováveis
193
Armin Isenmann
Química a partir de Recursos Renováveis
7 Índice analítico
A
acetais, 84, 99, 157
acetaldeído, 140, 146
acetato de celulose, 110, 186
acetilação, 90
Ácido acrílico, 169
ácido lático, 152, 153, 154, 155,
159, 163, 175
ácido nítrico, 40, 91, 156
ácido ricinóico, 116
194
Armin Isenmann
ácido sulfuroso, 39
ácidos graxos, 136
acroleína, 157, 158, 169
Açúcar, 12, 13
Adstringentes, 123
advanced resins, 107
Agar, 117
aglutinante, 36
aguarrás, 118
alcaligenes eutrophus, 185
alcalóides, 123
algodão, 29, 33, 84, 88, 92
alquídicas, 156, 159
alquilssulfatos, 115
amido, 10, 12, 15, 17, 22, 31, 32,
109, 110, 111, 112, 140, 150,
154, 175, 186, 187
Amido, 12, 13, 110, 111
amilopectina, 16, 31, 109, 110
Amilopectina, 109
amilose, 31, 33, 109, 110
Amilose, 109
anaeróbica, 134, 152
antidiarreicos, 123
Antinutritivos, 123
Antioxidantes, 123
arabinose, 97
Arboform, 106
aspersão, 53, 54, 59
ATBC, 91
B
baquelite, 138
benzeno, 10, 11, 123
betume, 36
biodegradáveis, 173, 186, 187, 188
biodiesel, 14, 112, 115, 136, 156,
159
Biodiesel, 7, 114
bioetanol, 142, 150, 151
biorrefinaria, 16, 18, 40
biorrefinarias, 150
bisfenol-A, 107
bissulfitos, 39
blend, 110, 153
borracha, 22, 36, 118, 120, 121,
122, 176
Boudouard, 56
breu, 36, 95
BTX, 11
bulk chemicals, 124, 159
Buna N, 121
buraco de ozônio, 8
buteno, 130
C
CAGR, 68, 81, 83
caldeira de recuperação, 35, 37,
44, 46, 47, 48, 49, 50, 51, 53,
54, 57, 58, 60, 61
camada, 28, 51, 52, 53, 54, 55, 56,
61
cana de açúcar, 14, 141, 151
cânfora, 91, 92, 118
carbamato, 87
carboidratos, 10, 17, 31
Química a partir de Recursos Renováveis
Carbopol, 169
carvalho, 124
cauchú, 120, 121, 122, 123
caustificação, 51, 59, 60, 61, 62,
63, 64
celofane, 84, 85
celulases, 87, 151
celulose cupramônica, 86
celulose microcristalina, 82
Celulose solúvel, 81
celulose , 82, 83
CENIBRA, 27, 42
centrifilters, 44
Ch
chiral pool, 155
chucrute, 152
endoglucanases, 151
Energy Policy Act, 141
epicloridrina, 107, 157, 158, 170
epóxis, 106, 107, 156, 170
esmaltes, 91, 108, 118, 138
espessante, 94, 110
esteróides, 118, 176
estômago, 32, 33, 140
Estrutura quaternária, 28
etanol combustível, 141
etileno, 10, 11, 18, 93, 138, 139,
140, 151, 152, 159
etilenoglicol, 172, 178, 179
eucalipto, 23, 24, 27, 95, 118
evaporadores, 35, 45, 47
exocelulase, 140
F
C
cicatrizantes, 123
ciclones, 44, 65
cinzas da caldeira, 57
citronelol, 118
CMC, 92, 93
coater, 96
colofônia, 36
colza, 14, 114
commodities, 124
commodity, 83, 159
coníferas, 36, 46, 48, 95, 118
coniferílico, 99
Corantes, 7, 13, 108, 118, 124
couro, 84, 153
craqueamento, 104, 131, 139, 151
creep, 122
crise do petróleo, 7
culturas nutricionais, 14
cumarílico, 99
cuminal, 118
curtume, 153
curtumes, 124
D
Degussa AG, 136
descarboxilação, 146
descoramento, 68
deslignificação, 43
destilação, 11, 18, 35, 41, 140, 149
diastereoisômeros, 155
diet, 181
dietilsulfato, 140
digestor, 37, 39, 43, 44, 53, 61, 67
Dióxido de cloro, 70, 74
diterpenos, 118, 176
DOA, 91
dregs, 60, 61
E
ECF, 80, 81
Eficiência da Caustificação, 62
Eletrólise cloro-álcali, 76
enanciômeros, 155
enanciosseletiva, 155
endocelulase, 140
fenilpropano, 99, 108
fenóxidos, 35
filtros eletrostáticos, 65
Fischer-Tropsch, 131
flex, 141
forno de cal, 60, 62, 64, 65
frutose, 41, 182
fumaça, 91, 104
furfural, 175
G
galactose, 97
gás de síntese, 11, 17, 129, 130,
131, 134, 140
geraniol, 120
glicerina, 110, 112, 115, 156, 157,
158, 159, 169, 170
glicose, 15, 17, 18, 31, 32, 33, 97,
109, 112, 134, 145, 146, 154,
182
GLP, 11
GNC, 45, 46
Goodyear, 122
Gorduras, 12, 112
grau viscose, 81, 82, 83, 89
green house effect, 8
grits, 61
H
harvest, 23
HEC, 93
hemiceluloses, 8, 9, 26, 28, 35, 37,
39, 97, 140, 150
hemostáticos, 123
Henkel, 16
hervae brasiliensis, 120
hexosas, 145, 154, 178
Hidroximetilfurfural, 180
high erucic, 114
high heat extraction, 44
high oleic, 114
Hipoclorito, 70
homofermentativas, 154
hormônios sexuais, 118
195
Armin Isenmann
I
incrustações, 45, 46, 58, 59
isocianato, 182
isoprênicas, 117, 119, 122, 176
isopreno, 117, 119, 176
isótopo, 140
K
Kevlar, 180
Kraft, 35, 36, 37, 38, 39, 42, 46,
64, 104, 106
Kraftliner, 95
L
lactobacillus casei, 154
látex, 36, 96, 120, 121, 123
leveduras, 18, 145, 154
licor branco, 35, 43, 44, 59, 60, 61,
62, 64
licor negro, 35, 36, 37, 41, 43, 44,
45, 46, 47, 48, 51, 53, 54, 55,
57, 60
licor verde, 51, 55, 60, 61, 62
lignina, 8, 9, 17, 22, 26, 28, 35, 36,
39, 40, 41, 43, 44, 45, 64, 67,
69, 70, 71, 80, 99, 100, 103,
104, 105, 106, 107, 108, 150
lignoceluloses, 155
lignossulfonato, 104
línter, 81
lipases, 117
low erucic, 114
lúmen, 28
Lyocell, 84, 86
M
Macintosh, 121
madeira liquefeita, 106
maléico, 175
mana, 182
manitol, 181, 182
manose, 97
marinhas, 9
MDF, 34
mentol, 118, 120
mercerização, 84
microfibrilas, 33
milho, 14, 109, 110, 141, 150
Mineração, 36
monoterpenos, 119
mordente, 124
mordentes, 124
N
NADH, 146, 154
NBS, 121
nerol, 120
nitro, 156
nitrocelulose, 91
NMMO, 84, 86
Nylon, 174
Química a partir de Recursos Renováveis
O
óleos etéricos, 117, 118
Organossolv, 41, 106
over-liming, 62
Ozônio, 70
P
palatabilidade, 123
papelão, 29, 95, 110
paredes secundárias, 33
Payen, 32
PCS, 48
pergaminho, 84
Peróxido, 71, 74
PET, 164, 178, 179, 187
PHA, 185, 186, 187
PHB, 186, 187
PHBV, 186, 187
pinheiros, 118, 120
pínus, 24, 95
pirólise, 17, 34, 55, 58, 104, 105,
130, 134, 175
pirrolidona, 174
piruvato, 146, 154
PLA, 153, 155, 187, 188
Plásticos biodegradáveis, 187
plataforma, 10, 11, 12, 16, 17, 23,
112, 124, 158
pneu de carro, 122, 123
poliacrilatos, 153
poliaramida, 179
poliésteramida, 110
polifenólico, 123
polihidroxialcanoatos, 22, 185,
187
polihidroxibutirato, 186
poliisopreno, 121, 122
polilactato, 110, 187
polissacarídeo, 22
poliuretano, 110
polivinilálcool, 110
Polpa e Papel, 36
Pomillo, 40
processo direto, 140
Processo Synol, 140
propanodiol, 153, 157, 158, 159,
160, 163, 164
propeno, 130
propileno, 10, 11, 93, 158, 159,
160, 169, 170, 171
PVC, 151, 178
Q
quiralidade, 155
quitina, 31
quitosana, 31
S
SBR, 121
seda artificial, 84
seda de viscose, 85
sesquiterpenos, 176
sinapílico, 99
Síntese de Williamson, 92
smelt, 51, 54, 55, 56, 60, 64
soja, 7, 14, 16, 91, 114
sorbitol, 110, 181, 182
Sorbitol, 181
Stripper Off-Gases, 45
succínico, 173, 174, 175
sulfato, 36, 37, 51, 52, 54, 55, 56,
60, 93, 96, 104, 116
sulfito, 37, 39, 40, 108, 109
sulfonatos, 39
superabsorvente, 111, 169
sustained release, 186
T
tall oil, 35, 46
Taninos, 123
taxol, 118
TCF, 80, 81
TEF, 81
Tencel, 86
tensidas, 8
terebintina, 36, 118
tereftálico, 178, 179
terpenos, 22, 117, 118, 119, 120,
176
tetraidrofurano, 174
tetrapak, 95
THF, 174
tissue, 95
tolueno, 10, 11, 90
tosila, 115
Total Reduced Sulfur, 45, 55
TRS, 45, 55, 58
turkey-red oil, 116
U
under-liming, 62
uréia, 87, 176
V
vanilina, 39
Vanilina, 36
vinílicos, 159
Viscose, 81
vitamina C, 181
vitaminas, 118, 155, 181
vulcanização, 121, 122
Vulcanized fibre, 84
R
Rayon, 83, 85, 86
Reagente de Schweizer, 85
reino vegetal, 8, 109
rúmen, 140
X
xantato, 84, 85
xilose, 97, 98
Z
Ziegler, 139
196
Armin Isenmann
Química a partir de Recursos Renováveis
zig-zag, 33
197

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