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A RESPONSABILIDADE DO SECTOR DA CONSTRUÇÃO
PERANTE O AQUECIMENTO GLOBAL
E. Vera Schmidberger, arq.ª
SLA – Schmidberger & Lobo Antunes, Arquitectos Associados, Lda.
Rua Professor Veiga Ferreira, 4A / 1600-800 Lisboa, Portugal
Tel.Fax: (+351) 217 575 945 [email protected]
Tema 1 - Arquitectura e Ambiente
Palavras-Chave: Construção; Ambiente; Sustentabilidade
RESUMO
O sector da construção é responsável por grande parte de energia consumida e emissões de CO2.
Os métodos de construção são cada vez mais direccionados para garantir a rapidez na execução da
obra. Não se dá a devida atenção ao desempenho ambiental e à inércia térmica dos materiais. Para
sentir conforto nos edifícios, são necessários sistemas activos de arrefecimento, de aquecimento e de
ventilação, uma vez que a capacidade de armazenamento de calor dos materiais é fraca. Os
materiais de construção utilizados têm um alto teor de energia incorporado na sua fabricação e no
seu transporte, foram entretanto responsáveis por emissões de CO2 e irão obrigar a mais emissões
de CO2 para que a habitação tenha níveis de conforto satisfatórios. A utilização de materiais de
construção à base de terra crua pode contribuir de forma significativa para reduzir estas emissões.
Um edifício, antes de ser inteligente, tem de ser eficiente.
1 INTRODUÇÃO
Com os preços das matérias primas energéticas a rondarem máximos históricos, a
importância estratégica da energia e o seu papel como motor do desenvolvimento da
humanidade, voltou à agenda mediática mundial.
Numa época em que tanto se fala de sustentabilidade, é imperioso que se analisem as
características dos materiais no seu ciclo de vida completo.
2 O CONSUMO ENERGÉTICO
Se formos comparar a evolução do consumo energético em Portugal e na Alemanha,
deparamo-nos com a situação literalmente oposta nestes dois países. Entre 1971 e 2004, o
consumo energético geral na Alemanha mantém-se quase constante, com decrescimos
assinaláveis no sector da industria e nos transportes. (fig.1)
Pelo contrário, o consumo em Portugal não para de aumentar em todos os sectores. (fig.2)
Em 23 anos, o consumo de energia quatriplicou em Portugal, enquanto o crescimento
económico está longe de acompanhar estas tendências, ao contrário do que acontece na
Alemanha e em Espanha.
fig. 1
fig.2
1
3 MUDANÇA NAS PRÁTICAS DE CONSTRUÇÃO
Os problemas de energia que se colocam às sociedades contemporâneas, não se limitam
ao seu acesso, mas também à forma como a consomem. Portugal tem um forte potencial de
ganho com a mudança dos seus métodos de construção e o recurso à arquitectura
bioclimática.
A disponibilidade local de certos materiais de construção, assim como as condições
climáticas, tiveram sempre uma ligação estreita com os métodos de construção.
Até ao início e parcialmente até meados do século XX, utilizavam-se na Europa 60-70% de
materiais de construção de origem mineral (tijolo, terra, cal) e 30-40% de materiais de
construção de origem vegetal (madeira, cortiça, palha, cana). Em muito pouco tempo esta
relação modificou-se completamente. Hoje utilizam-se 10-20% de materiais de construção
de origem mineral e 1-5% de materiais de construção de origem vegetal. O restante, ou seja
80-90% são materiais duros e sintéticos (betão, vidro, aço, PVC e outros derivados do
petróleo). Esta realidade revela uma utilização em grande escala de materiais de construção
que requerem quantidades de energia consideráveis para serem produzidos, além do
recurso a matérias-primas não renováveis. O contributo da construção na redução do
aquecimento global pode ser muito significativo, mas responder aos objectivos concretos da
construção sustentável, de integração de tecnologias de poupança energética e de uso de
materiais naturais locais ou renováveis, exige mudança nas práticas de construção
correntes e do seu planeamento em projecto.
3 A TERRA CRUA COMO MATERIAL DE CONSTRUÇÃO
Existe um material de construção com características únicas e uma versatilidade de
utilização enorme, que está a ser redescoberto com todas as suas potencialidades, aliadas
a técnicas adaptadas às exigências da construção actual: A TERRA CRUA.
A promoção da arquitectura em terra crua faz todo o sentido, não com uma visão nostálgica,
mas como tendo um papel a desempenhar numa nova arquitectura contemporânea, em que
o betão cumpra a sua função estrutural apenas onde provar um comportamento superior ao
da madeira, que é um material renovável, ecológico, 100% reciclável e que “casa” muito
bem com a terra. As análises do ciclo de vida completo efectuadas em três tipos de
sistemas construtivos mostraram claramente a vantagem da utilização da terra crua quando
comparada com estruturas de betão associadas a tijolo furado com isolamento sintético na
caixa de ar.
4 O CICLO DE VIDA DOS EDIFÍCIOS (LCA – Life cicle assessment)
A preocupação com a redução da emissão de gases nocivos, começou a apresentar
resultados positivos noutros países europeus. Para além do desempenho energético, os
critérios de avaliação de materiais de construção tomam cada vez mais em consideração o
desempenho ambiental.
Na comunidade europeia há várias iniciativas independentes para desenvolver metodologias
que facilitam esta informação, indispensável para a construção de edifícios sustentáveis1.
Ao mesmo tempo estão a ser desenvolvidos modelos de cálculo para a correcta
quantificação destes dados, baseados na análise do ciclo de vida (Life Ciycle Assessment –
LCA).
Analisando de forma integrada os dados em fase de projecto podemos obter respostas
claras às questões que se prendem com a escolha de materiais tradicionais, tais como a
terra crua em forma de adobe, taipa ou BTC, a cortiça ou a madeira:
1
Inglaterra (BREEAM), França(HQE), Itália (ITACA)Suiça (UBP), Holanda (GreenCALC), Áustria (TQM)
2
• Quais os benefícios ambientais destes edifícios?
• O conforto climático interior é conseguido com baixo custo energético?
• Qual é o teor da energia incorporada?
Com uma simulação efectuada, tornou-se possível demostrar a vantagem na utilização de
materiais de construção tradicionais pelos seus baixos impactes negativos sobre o ambiente
e a sua alta eficiência nas variações climáticas de inverno e verão. Usando métodos
apropriados para uma análise de ciclo de vida integrada durante a fase de Projecto, os
benefícios trazidos pela utilização da terra crua como material de construção torna-se
transparente e fácil de comparar com materiais de construção “convencionais”.
5 LEGEP – Uma ferramenta para avaliar o desempenho completo do ciclo de vida
LEGEP é uma ferramenta para a análise integral do ciclo de vida, resultado de uma
investigação na Alemanha, Suiça e França. (fig.3)
Este programa apoia os Projectistas no design, na construção, nas medições e na avaliação
de projectos de edifícios novos ou a reabilitar. A base de dados contém a descrição de todos
os elementos de um edifício (baseado na norma DIN 276 alemã, que pode ser adaptado a
outros padrões semelhantes); os custos de ciclo de vida (LCC/WLC baseado na norma DIN
alemã 18960 e ao relatório final EU-TG4 LCC em elaboração). Toda a informação é
estruturada ao longo das fases de ciclo de vida (construção, manutenção, custos
operacionais. Com o LEGEP, são calculadas em simutlâneo para todo o ciclo de vida:
•
A necessidade
electricidade
•
Custos de construção, custos operacionais, custos de manutençaõ, limpeza),
renovação e demolição
•
Os impactes ambientais (avaliação de efeitos baseado na ISO 14040-43) e consumo
de recursos
energética
para
aquecimento,
arrefecimento,
água
quente,
Fig. 3
Todos os elementos da construção são classificados e contêm os dados necessários para a
análise económica, energética, de “mass-flow” e do impacte ambiental. A base de dados
para os custos é a SirAdos Alemã, que é publicada anualmente. Tem mais de 8.000
elementos “prontos a usar” para os trabalhos de construção, para as instalações técnicas e
para os arranjos exteriores. Os inventários LC são baseados na ECOINVENT da Suiça e em
valores específicos da Baustoff Ökoinventare e na base de dados da LEGEP com valores
para materiais de construção.
3
6 ANÁLISE COMPARATIVA DE TRÊS TIPOS DE CONSTRUÇÃO
Para evidenciar as diferenças na fase de planeamento, foram feitas simulações sobre
diferentes tipos de técnicas construtivas para um hotel com uma área de construção de
33.600 m², a ser construido num contexto de um aldeiamento turístico com fortes ambições
de atingir altos níveis de conforto, por um lado, e baixos impactes ambientais, por outro.
As diferenças fundamentais consistem nas diferenças das paredes exteriores e no tipo de
cobertura:
Tipo A : utilização de materias e técnicas de construção tradicionais (paredes exteriores de
taipa com 50cm de espessura); cobertura com estrutura de madeira e telha cerâmica
Tipo B : técnicas mistas – termotijolo combinado com adobes aligeirados na parede exterior:
cobertura com estrutura de madeira e telha cerâmica
Tipo C : construção “convencional” – estrutura recticular em B.A. (betão armado) com
enchimento de tijolos perfurados e isolamento térmico de poliestireno na caixa de ar;
cobertura com vigotas de betão e telha de fibrocimento
6.1 DESCRIÇÃO DOS TIPOS DE CONSTRUÇÃO
Fig. 4 – Parede de taipa (tipo A)
e
Cobertura (tipo A)
Fig. 5 – Parede mista de termotijolo e adobe (Tipo B) e Cobertura (tipo B)
4
Tabela 1 – Elementos que compõem as paredes exteriores e a cobertura
Construção
Parede
exterior
Tipo B
Tipo A
Camada
Esp.
cm
Tinta a
base de
argila
Construção
Cobertura
Reboco
com
pastas de
terra
1,5
Taipa
50
Painel de
fibres de
madeira
Reboco de
cal
Pintura de
silicato
6
2
Tinta a
base de
resinas
naturais
Reboco de
cal
Esp.
cm
2
Barreira ao
vento
Barrotes
18
de madeira
Isolamento 18
com
cellulose
Paineis de 2
fibres de
madeira
Telha
cerâmica
Camada
Esp.
cm
Pintura
sintética
1,5
Reboco com
argamassa
bastarda
1,5
Adobes
aligeirados
Termo-tijolo
11,5
Estrutura de
B.A.
Tijolos
furados
25
Reboco de
cal
Pintura de
silicato
2
24
Tipo B
Tipo A
Forra de
madeira
Camada
Tipo C
2
Tipo C
Barrotes de
madeira
18
Painel de
madeira
Bareira ao
vento
Isolamento
de cortiça
2
8
Painel de
0,8
fibrocimento
Telha
cerâmica
Reboco de
cimento
Pinturas com
resinas
sintéticas
25
Pinturas com
resinas
sintéticas
Reboco de
cimento
Estrutura de
B.A.
Tela
betuminosa
Isolamento
de
poliestireno
Telha de
fibrocimento
1,5
20
0,4
10
Na lista das construções propostas estão incluidas:
• Fundações
• Paredes exteriores, vãos exteriores
• Paredes e portas interiores
• Lajes entre pisos e escadas
• Coberturas
O equipamento técnico está descrito sem alternatives. Os modelos foram simulados com
base nestes dados.
5
6.2
RESULTADOS
Os três tipos de construção foram analisados de acordo com o
•
Desempenho energético
•
Desempenho ambiental
6.2.1 - Análise do desempenho energético:
Foi comparado o comportamento nos periodos de frio (inverno) e calor (verão)
A construção do Tipo A apresenta um desempenho favorável para ambos os periodos,
garantindo conforto térmico interior sem ter de recorrer a sistemas de ar condicionado.
6.2.2 - Análise do desempenho ambiental
Para o desempenho ambiental foram comparados os seguintes indicadores:
•
Mudança climática kgCO2/m
•
Acidificação kgSO2/m2
•
Energia primária não renovável MJ/m2
Os impactes podem ser calculados para a fase de construção ou para todo o ciclo de vida
(80 anos)
A construção do tipo A com paredes exteriores em taipa, tem pouco impacte ambiental por
utilizar materiais com um teor baixo de energia incorporada na sua fabricação e
transformação. Os restantes elementos de construção (janelas, lajes, coberturas) mostram
resultados semelhantes.
7
CONCLUSÕES
Tanto pelo desempenho energético, como pelo desempenho ambiental, é urgente e
necessário a reutilização da terra crua como material de construção nas práticas de
construção correntes. A sua divulgação e a formação de técnicos capazes de acompanhar a
utilização deste material em obra com toda a segurança exigida pelo dono da obra, o
empreiteiro e pelo cumprimento da legislação em vigor, aponta para a integração destes
estudos aprofundados nos curriculos das instituições técnicas que têm como objectivo a
formação de agentes técnicos da construção, sejam eles arquitectos, engenheiros ou
operários.
6
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CRATerre – Centre Internacional de la Construction en Terre (1979). Construire en terre.
CRATerre, Paris, França.
IBN – Institut für Baubiologie + Oekologie Neubeuern – Fernlehrgang Baubiologie,
Alemanha.
SLA – Arquitectos Associados, Lda. Manual de Boas Práticas de Construção do
Empreendimento CostaTerra (2006). Lisboa, Portugal.
ENEV, 2004 “Energieeinsparverordnung”
Jahrgang 2004, Teil 1 Nr. 64, Bonn, 2004
(Energy-Saving-Decree),
Bundesgesetzblatt
DIN 276, 1993 „Kosten im Hochbau“ (Cost Estimation for Construction Works) Deutsches
Institut für Normung, Berlin
DIN 18960, 1999, „Nutzungskosten im Hochbau“ (Service Life Costs in Construction Works)
Deutsches Institut für Normung, Berlin
PRESCO, 2004, WP2, final report, Intercomparison and benchmarking of building related
environmental assessment and design tools, Paris
UCTE Union for the Coordination of Transmission of Electricity see also:
http://www.ucte.org“
Novas Regras” Anibal Fernandes, Vera Schmidberger, Jornal O Público, 17.7.2006
Life Cycle Assessment of a tourism resort with renewable materials and traditional
construction techniques , Holger König, Edeltraud Schmidberger ,Lisa De Cristofaro, SB07,
IST - Lisbon
AUTOR
E. Vera Schmidberger, de naturalidade alemã, é Licenciada em Arquitectura pela Faculdade de
Arquitectura, da UTL (Lisboa) e desde 1990 é Sócio-Gerente SLA - Arquitectos Associados.
Actual Presidente da Associação Centro da Terra, Portugal.
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