ESPAÇOS COLETIVOS DE APROPRIAÇÃO COTIDIANA
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ESPAÇOS COLETIVOS DE APROPRIAÇÃO COTIDIANA
ESPAÇOS COLETIVOS DE APROPRIAÇÃO COTIDIANA – CONJUNTO HABITACIONAL SANTA ETELVINA DISTRITO CIDADE TIRADENTES TFG AGO 2002 GUILHERME MOREIRA PETRELLA - ORIENTADOR JORGE OSEKI 1 INTRODUÇÃO Há muito se diz da ineficiência do urbanismo moderno em tratar da complexidade social nas grandes cidades. Reduz a complexa rede de relações sociais em métodos analíticos, estatísticos, abstratos; segregando funções e ações. Predominando a questão do espaço (formal, tecnicista e funcional) sobre as relações temporais que formam, ou condicionam, a sociabilidade e o desfrute cotidiano. Se o pragmatismo técnico e funcional são sustentáculos da sociedade industrial de exploração de classes sobre o trabalho, o cotidiano é o lugar das relações políticas, lúdicas e simbólicas. Que não quer dizer que o cotidiano prescinda do espaço (muito pelo contrário), mas que o pragmatismo abstratotécnico-burguês e a sociabilidade cotidiana são, pelo menos, conflitantes1. O tempo histórico é um elemento fundamental para a formação da sociabilidade nos espaços coletivos. Embora o espaço seja a base física dessas relações, o cotidiano não é projetável, controlável ou ordenável. O que impõem alguns limites e questões para a atuação do arquiteto e urbanista na produção dos espaços coletivos empiricamente dados. E ainda, não quer dizer, também, que este profissional não deva produzir formalmente o espaço, mas que deva fazê-lo a partir da construção de modelos teóricos a partir de dados da realidade, do contexto do indivíduo a toda a cidade. Relação dialética entre as possibilidades programáticas e teóricas, e experiências empíricas ou práticas, de demandas e temas. Daí surge o interesse pelo estudo de um grande conjunto habitacional chamado Santa Etelvina, situado no distrito de Cidade Tiradentes no extremo leste da cidade de São Paulo, cujo enfoque seria o espaço coletivo (público ou privado) e a sociabilidade cotidiana. Interessa primeiro por ser conseqüência de um raciocínio abstrato moderno 1 No espaço do trabalho, cada vez mais especializado, predominam o controle do tempo, a otimização produtiva, ordem, hierarquia. No espaço do ócio, predomina o encontro, o lazer, a reflexão, a brincadeira. segregatório, funcionalista e tecnicista, no que diz respeito à forma de sua implantação, constituição e definição dos espaços e demandas. Implica em uma análise crítica das promessas das idéias e de sua concretude, e na proposição de um reparo formal e programático. Segundo, pela posição na dinâmica da cidade de São Paulo, cuja segregação do território e mobilidade (ou falta de) são elementos estruturadores. E terceiro, pelas carências conseqüentes dos temas anteriores, como a falta de opções de lazer, equipamentos públicos, grande distancia de regiões mais diversificadas da cidade, além de ser uma das regiões com os maiores índices de criminalidade e aumento populacional. 2 ESPAÇO POLÍTICO, ECONÔMICO E SOCIAL A questão do espaço público é particularmente interessante no pensamento urbano, não apenas por não se restringir a um lote exclusivo ou a um edifício, mas por constituir servem para assegurar privilégios absolutos de poucos da classe dominante; e a opressão, e muitas vezes repressão, servem para controlar as classes populares em absoluta carência. formalmente um espaço de ligação entre eles e dos encontros das pessoas (que também A constituição do espaço público se dá como uma extensão do privado, mantendo a sua ocorre em espaços privados de uso coletivo). Agora, não basta o arcabouço material para estrutura hierárquica e de privilégios, e em contrapartida, toda e qualquer noção de uma que a sociabilidade, a apropriação social se dê. O espaço é uma construção material das esfera pública de direitos, das opiniões e da sociabilidade coletiva são destruídas. Como, relações políticas, econômicas e sociais de um povo, civilização ou nação na história. Se por exemplo, ocorre quando movimentos populares que vêm negar essa estrutura de nesses aspectos há posições dominantes e subalternas, há também a alienação. mando-obediência, privilégio-carência manifestam sua opinião e reivindicam novas leis Segundo Marilena Chauí, a noção de democracia lá dos gregos e romanos, é associada à passagem do poder despótico (como pai ou chefe de família) ao poder propriamente político: discussão, deliberação e decisões coletivas e realizadas em público sobre os direitos e as leis. A relação numa sociedade de classes se dá a partir de determinações de que assegurem seus direitos, são tachados de desordeiros e perigosos para a sociedade. A luta por uma política democrática pela noção de espaço público, cidadania, participação e representação; e ainda de justiça social, de liberdade e de felicidade, tornam-se impossíveis devido a esta forma vertical de poder.2 justo e injusto, legal e ilegal, legítimo e ilegítimo, bom e mal, possível e necessário... Com Essa situação só é piorada com a ascensão da economia neoliberal, que atribui ao os princípios de que todos são iguais perante as leis (criadas por e para todos) e que Estado3 ações de âmbito econômico em benefício do mercado e política internacionais em todos devem ser ouvidos, suas idéias discutidas, aceitas ou não. E que a presença de decorrência do esfacelamento da função social por ele promovida “regulada” pela norma conflitos opera, não como mera oposição, mas como elemento legítimo e necessário para globalitária. A globalização pode ser considerada como o ápice do sistema capitalista, a busca de mediações institucionais às contradições de uma sociedade de classes. Ou a partir da existência de uma mais-valia universal e uma unicidade do tempo e das seja, são nos espaços coletivos, públicos ou privados, que formas diferentes de ações. Apenas possível devido às transformações técnicas com as novas formas de apropriação geram conflitos. comunicações que esta permite e manobras políticas eficazes que asseguram a Agora, no caso brasileiro, que conserva as marcas da sociedade colonial escravista, o espaço privado e as relações verticais de poder predominam sobre a noção de público (espaço e convívio), e assim “as relações entre os que se julgam iguais são de parentesco, isto é, de cumplicidade, e as relações entre os que são vistos como desiguais tomam a forma do favor, da clientela, da tutela, da cooptação e, quando a desigualdade é muito marcada, assume a forma clara de opressão” (Chauí). As leis e noção de direito emergência de um mercado global. Neste aspecto a condição de competitividade, base de relações entre empresas num mercado, passa a se configurar como o lugar que toda 2 Inspirado na fala de Marilena Chauí no congresso “Espaços Urbanos e Exclusão Social” realizado na FAUUSP de 4 a 6 de Novembro de 1998, intitulada “Espaço Público e Democracia”. 3 O Estado é uma instituição que regularia conflitos entre diversos interesses e estratégias, associado à constituição de um território. Porém é composto por classes hegemônicas, resultando na imposição de suas idéias, estratégias e seus modos de resoluções de conflitos. Neste caso de nota, quer dizer que a classe hegemônica constitui ideologicamente ou praticamente essa noção de que o Estado não deve impor barreiras ao “livre desenvolvimento” da economia do mercado global. 3 a sociedade do planeta é colocada e a condição de consumo como meio de é, desalienação do espaço: o espaço é a “reprodução das relações de produção”. Os sociabilização e estilo de vida. Evidentemente o dinheiro e a informação se constituem conflitos gerados cotidianamente por diferentes formas de apropriação e níveis de como seus elementos básicos e operam pela ideologia, através exatamente do controle utilização, devem operar como reguladores da contradição do espaço urbano. Mais (das informações a todos os segmentos da sociedade e o controle do dinheiro), claramente onde parcelas do território (sua ocupação e seus habitantes) estão à margem, “legitimando” as relações humanas que se reconstroem a partir deste universo. excluídos, daquele processo global que se baseia na competição e no consumo, isto é, se A fragmentação do modo de produção e a unicidade temporal das ações planetárias baseadas no consumo tiram o significado do território, materialmente dado, como base das relações culturais, políticas e sociais. Pasteurizado pelo discurso ideológico que antecede as ações e se apresenta como coisa. A ação do Estado (muito próxima das ações das empresas) é mais enérgica nos assuntos relacionados à economia em detrimento de reais necessidades da sociedade (estas muito claramente territorializadas) e segmentada quando se trata das questões de pobreza estrutural, embora seja o seu grande produtor. Para as grandes corporações dotadas desta lógica mercantil, onde a agilidade das ações é base da competitividade e do consumo, o território é necessário apenas para a extração daquilo que interessa na ordenação da própria causa, obrigando o seu entorno a se adaptar, desordenando-o, em decorrência de transformações da lenta relação de são excluídos desse processo, ocupam partes do território que não interessam a esse processo, não consomem imagens e objetos que sustentam esse processo, não se situam na lógica de competição desse processo; devido essa experiência de escassez4 (não por opção, e sim pela condição estrutural social, política e cultural), as relações de solidariedade e reivindicação podem aflorar, humanizando e politizando as relações sociais, acentuadas se forem por causas e finalidades coletivas. É nesse sentido que o espaço coletivo, da relação isonômica e de diversas formas de apropriação e uso cotidiano, pode ser base para uma desalienação do espaço como lugar de expressão política, capaz de mostrar essas contradições e conflitos. Nas regiões de maior carência urbana da cidade a simples defesa de uma melhora material já é significativa, pois apesar do discurso ideológico tecnicista, estas áreas não foram “beneficiadas”. Mas a organização coletiva em torno de reivindicações e explicitação de demandas é mais fecunda, pois ale, de gerar uma união associada ao reconhecimento comum do território, sociabilidade. Os elementos que interessam para essa produção fragmentada não se onde relações culturais, políticas e econômicas se dão de forma mais solidária; relacionam com o entorno por causa da divisão de etapas para a produção e consecutiva possibilitam um debate, um enfrentamento, com a máquina estatal dissolvendo, ao menos alienação do processo produtivo, cujo comandado, militarmente organizado por regras diminuindo, o viés ideológico institucional. O acesso à moradia, à propriedade privada, próprias, é central e sem qualquer proximidade. muitas vezes desmonta movimentos reivindicatórios no processo de discussão com o Se a globalização é um modelo universal, cada espaço empiricamente dado é um Estado. resultado do conflito desse modelo universal com contexto social, político e cultural. E é neste contexto que se pode criar elementos de desalienação do processo políticoeconômico global devido às relações “horizontais” de sociabilidade que se compõem. Isto 4 Santos, Milton. Por uma outra globalização, Rio de Janeiro, Record, 2000. 4 APROPRIAÇÃO PRIVILEGIADA COMO ELEMENTO ESTRUTURADOR DA CIDADE A emergência da segregação do espaço como elemento estruturador da cidade, tem sua origem quando o principal lastro econômico e político passa a ser a posse da terra. Com o “afrouxamento” das relações de poder entre classes, a dominação e garantia de privilégios, através do espaço urbano, muda de forma. “Nas ruas, e mesmo dentro das casas, a proximidade de condições sociais distintas não parecia produzir perigo ou ameaça, pois as distâncias morais supriam as distâncias físicas, o rigor dos sinais de respeito e hierarquia e as diferenças no vestir corrigiam a familiaridade da vida coletiva. Os limites entre os grupos sociais eram clara e rigidamente definidos: na vida dos senhores e escravos – relação básica na São Paulo escravista – , não havia qualquer dimensão em que não estivesse expressa a relação de dominação”.5 Antes da promulgação da Lei das Terras (1850), a posse da terra era toda da Coroa e o uso era atribuído a poucos ou com apossamento informal. A partir desta lei, a posse só seria permitida pela compra, transformando a terra no grande lastro econômico e a desvinculando ao seu estrito uso, fazendo com que esta, depois do escravo no sistema escravocrata, tornasse-se a principal mercadoria. O que implica na reprodução dos conflitos de classe: na sua posse, no seu controle, na sua troca. A lei das Terras é anterior a abolição (1888), porém são acontecimentos históricos interligados, gerando a “crescente generalização da propriedade privada da terra a partir de 1850, com a confirmação do poder político dos grandes proprietários nas décadas seguintes”.6 O primeiro movimento de redefinição territorial das elites foi o espaço privado. “Se a rua mistura grupos sociais, origens e sexo, a sala de visitas seleciona as misturas permitidas. Esse movimento coincidiu também com a intensificação do espaço da rua como espaço de circulação por excelência. (...) É importante afirmar aqui que o movimento tinha duplo sentido. Por um lado, pretendia-se retirar do convívio dos homens de bem da mistura das ruas, criando espaços exclusivos para isso no interior das casas (a sala de visitas e os escritórios) e fora destas (cafés, salões e clubes privativos). Por outro lado, iniciou-se também nesse momento um conflito histórico – jamais resolvido – entre a apropriação da rua como espaço de circulação e todos os demais usos, 5 Rolnik, Raquel. A cidade e a lei, São Paulo, Studio Nobel, 1999; p. 30. 6 Maricato, Ermínia. Brasil, cidades, Petrópolis, Vozes, 2001; p.18. 5 automaticamente excluídos”.7 Isso decorrente da “necessária limpeza social” do espaço público. Se a sua vocação de misturar as diferenças era incômoda, ou seja, onde não haveria uma distinção clara entre classe dominante e classe dominada que pudesse revelar os conflitos (além do grande número de favorecidos nessa relação de privilégio versus carência), as elites impuseram parâmetros legais para assegurar o seu domínio, num conjunto de regras morais de convívio que conservariam a hierarquia (o poder incontestável patriarcal), através da proibição de qualquer forma de “estar” nestes espaços, desde pequenos comércios, varandas e balcões, alinhamentos definidos das vias e medidas mínimas para sua conformação. O controle do espaço público, decorrente de um modelo de regras de convívio, além de assegurar as relações verticais de poder, instaura um “estilo de vida” que, de certa forma, passa a ser o modelo seguido por todas as pessoas (o que não deixa de ser outro controle, agora ideológico), isso para por fim a um espaço “de libertinagem, devassidão” ou fora do controle do “poder privado”. Os territórios claramente populares seriam identificados como o espaço da imoralidade, berço da marginalidade e até mesmo como “não-territórios” decorrentes da idéia do estado provisório. Decorrência da má qualidade de vida e higiene que as aglomerações se encontrariam, pelo seu caráter de excluídos das prioridades da cidade. O potencial de “revolta popular” seria bastante incômodo para “os homens de bem” que passam então a intervir (via Estado). Dentro dos padrões científicos e sanitaristas do séc XIX e XX engendrou-se, nos projetos de melhorias urbanas, a intervenção nestas áreas que complementariam o “projeto de construção de uma nova imagem pública para a cidade, aquele de um cenário limpo, e ordenado que correspondia à respeitabilidade burguesa com a qual a elite do café se identificava”.8 Evidentemente por trás da ideologia do modelo cientifico sanitarista, estava uma forma real de controle. Outro viés ideológico foi indicar as classes populares como uma grande massa homogênea, de preguiçosos, vagabundos e desordeiros, que invariavelmente eram contrários ao progresso da nação e aos bons costumes da família pacífica brasileira.9 7 Rolnik, op. cit., p. 31. 8 Rolnik, op. cit., p. 37. 9 A idéia do povo brasileiro pacífico, naturalmente, por entre outros valores, a miscigenação entre as raças (os corajosos índios, os estóicos negros e os bravos sentimentais lusitanos) e do país “gigante pela sua própria natureza”, onde não há terremotos, furações e onde há verdes matas, céu azul anil, ouro... Não há guerras; constitui o modelo 6 Evidentemente esses territórios eram (são) muito diversificados, e as diferenças em relação às classes dominantes eram apresentadas ideologicamente como malfeitorias. Diferenças na forma de se apropriar dos espaços coletivos, nas relações políticas e solidárias da comunidade, formações culturais em festas, manifestações ou no dia-a-dia, nos espaços de produção associados aos espaços privados de uma ou mais famílias... Entretanto, a legalidade urbana se dava no modelo burguês de cidade e sociabilidade, e as normas de habitação impostas para as camadas populares eram de uma exigência irrealizável 10. “A legalidade em São Paulo foi construída sobre uma divisão de tempos, e a cada um correspondia uma divisão de espaço: tempo do lar, que se dava no interior da casa familiar; tempo para trabalhar na fábrica, no escritório ou na loja; tempo para movimentação de um espaço para outro, nas ruas; tempo para o prazer, nos cafés, cabarés, bordéis ou bares. Qualquer espaço que misturasse esses tempos estava destinado a ser estigmatizado como desviante”.11 Essa divisão opera com a funcionalidade necessária à produção de numa fábrica, que inclui a divisão de trabalho (a divisão de espaço) e alienação do processo produtivo urbanos. Com isso gerou-se uma grande massa de edificações “fora da lei” situadas nos bairros populares. Em oposição às que estavam estritamente nos “conformes” situavam nos bairros mais elegantes e providos de toda a infra-estrutura urbana. Essa relação legalidade-ilegalidade é uma forma cotidiana da dinâmica urbana. A questão dos assentamentos populares nunca foi trabalhada como deveria: ao invés da constituição de guetos sem mobilidade, a inclusão na cidade como um todo. Desde as vilas operárias, produzidas pelos donos das indústrias para exploração imobiliária e comando da vida privada de funcionários (aluguéis eram abatidos dos salários, em troca de uma proximidade à indústria que assegurava alguma infra-estrutura urbana como acesso a rede elétrica e hidráulica, transportes – bondes – e facilidade de deslocamento); aos loteamentos irregulares distantes das áreas de trabalho (quem não quisesse ou não pudesse se sujeitar aos aluguéis) e posteriormente os conjuntos habitacionais projetados pelo Estrado desprovido de qualquer qualidade urbana, incluindo ideológico onde qualquer forma de contradição – conflito – assume a forma de desviante, e que, justamente por contestar, assume a forma de violência não característica de nosso povo tão homogêneo e cordial. Mais precisamente em Chauí, Marilena. O mito fundador e sociedade autoritária, São Paulo, Editora Fundação Perseu Abramo, 2000. 10 Além dos altos custos decorrentes a adequação às leis, devido à máxima construção permitida, instalações, densidades; normas construtivas extremamente rigorosas de pé-direito, tamanho das aberturas, materiais empregados, usos específicos, entre outros. 11 Rolnik, op. cit., p. 84. 7 diversidade de usos, equipamentos coletivos e etc. A integração com o todo urbano e vida pública sempre foram associados a privilégios, que concentram nas regiões ricas da cidade. Nos bairros elegantes tipo Jardins12 os melhoramentos urbanos eram proporcionados e assegurados: desde arborização, legislação que protege de construções vizinhas, densidades, usos, acesso à infra-estrutura de transporte, comunicação, energia e abastecimento. Ou seja Espaços com maior produção social, isto é, maior valor agregado. O desenvolvimento urbano, em específico as melhorias urbanas, são frutos de negociações “entre amigos”, ou seja, entre os maiores interessados (empresários e corporações) e o Estado (representantes da classe hegemônica). Correspondendo a um batalhão de leis urbanísticas que delimitam a construção e que só é seguido em regiões de concentração de renda, correspondendo à implantação de infra-estrutura prioritariamente nesses bairros, como saneamento, energia, transportes. O alto custo assegura tais vantagens, devido a menor densidade de ocupação (pode se vender menos terra) e a concentração de bons serviços comerciais (decorrentes da disputa imobiliária para as localizações das mesmas). Sua conseqüência é a maior concentração de renda, expulsando moradores menos favorecidos com o aumento de taxas e impostos para as regiões que não tem esta mesma qualidade, e que por isso, são mais baratas e assim acessíveis, onde a ilegalidade é o padrão de ocupação, resultado de uma maioria excluída das prioridades urbanas e estatais. Se o poder de fiscalização e polícia fossem usados de forma a garantir a implementação correta das leis e códigos, de duas uma: ou deveria haver uma imensa distribuição de prioridades, de investimento, por fim de renda; ou haveria uma revolta urbana. Então a “possibilidade” de ocupar, estando fora da lei, atenua as demandas sociais 12 São nesses bairros, cujos empreendimentos eram (são) privados, que o asfaltamento e programas de embelezamento urbano chegam primeiro, que seriam de responsabilidade do poder público. Na época da implantação de Bairros como Higienópolis, Paulista, Jardim América, infra-estruturas como eletrificação, água encanada e coleta de esgoto além de acesso ao transporte, tipo bonde, eram de responsabilidade de empresas privadas, que com sua diversidade de nomes e registros, giravam em torno da empresa Light. Embora houvesse o compromisso com o poder público de se levar essa infra-estrutura onde houvesse as demandas, são esses, e sempre esses, bairros que se beneficiam primeiramente, ou até exclusivamente. Essa relação promíscua entre o Estado e as empresas “Light” fazia com que ficassem nas mãos do interesse privados assuntos como desapropriação de terras, no caso da retificação do Rio Pinheiros para a usina hidrelétrica de Cubatão, e a qualidade de seus usos (Sobre este tema ver Rolnik, op. cit. e Fix, Mariana. Parceiros da exclusão: duas histórias da construção de uma “nova cidade” em São Paulo: Faria Lima e Água Espraiada, São Paulo, Boitempo, 2001). Além do fato que, contrariando muito que se diz, as barreiras geográficas não consistem como tal para o deslocamento das elites: fez-se um túnel sob o Espigão da Avenida Paulista – Avenida 9 de Julho – e ocupou-se as áreas pantanosas do vale do Rio Pinheiros com os bairros mais caros da cidade, os Jardins. Que quer dizer que esses grandes investimentos acontecem de fato, mas onde interessam às classes dominantes. 8 por melhoria da situação e permite atuações de cunho clientelista – com fins político-eleitoreiros – quando implantadas as melhorias de forma assistencialista. Atualmente, quatro regiões da cidade, exemplificam estes conflitos de forma bem comum: as regiões do Centro da cidade, da Avenida Paulista, da Avenida Faria Lima e Avenida L. C. Berrini – Avenida Águas Espraiadas. Estas regiões são os próprios lugares onde o capital da cidade, na forma de grandes empresas, localizam-se concentrados no mesmo setor da cidade. Evidentemente cada uma tem sua peculiaridade, mas de forma geral, foram ou estão em curso, renovações urbanas que são reivindicadas por grandes corporações (bancárias, financeiras, associações civis), cujo principal agente da transformação é o Estado, na forma de gestões de governo (isso inclui o investimento financeiro através de renúncia fiscal, infra-estruturas urbanas, corpo burocrático da administração pública, desapropriações; e as transformações legais necessárias como leis de incentivo, operações interligadas e urbanas). Cada uma busca valorizar as localidades respectivas a sua maneira, e é nessa valorização que encontram os conflitos decorrentes de posterior expulsão das camadas populares. Na região central, o modelo apoiado é a revitalização de edifícios públicos para fins culturais13. É a região de maior acesso e mobilidade da cidade, porém faz parte desse “projeto” de revitalização “atrair pessoas e investimentos”, isso quer dizer, pessoas que detenham os investimentos. Neste caso, a imagem da “metrópole global” é embaçada pela apropriação popular da região, que assim, torna-se inimiga, indesejada e objeto de remoção. No Caso da Avenida Paulista, uma grande corporação bancária, o Itaú, promoveu um concurso para a escolha do novo símbolo da cidade, o qual induziu-se a escolha desta avenida. Apesar de ser um dos “metros quadrados” mais caros da cidade, decorrente da competição imobiliária, há fuga de empresas para as regiões da Faria Lima e Berrini – Marginal Pinheiros, para edifícios que atendem a demandas desse mercado imobiliário especulativo e financeiro. Uma das reivindicações mais presentes pela associação civil deste local é a 13 Como é sabido, há alguns projetos executados e outros em operação: todos que foram feitos pela Secretaria de Cultura do Estado foram construídos por uma mesma empresa – Spenco – que foi a maior patrocinadora da campanha do então candidato Mario Covas. Caso como do casarão de Santos Dumont, que era ocupado por um movimento de moradia organizado, e cujas reivindicações de projeto de habitação nunca foram ouvidas, é um bom exemplo deste modelo: foi desocupado para futuramente virar um “Museu da energia”, e será executado pela mesma empresa já citada. Em épocas do apagão social, o museu da Light é uma ótima energia política. 9 diminuição da frota dos ônibus, a remoção de comércio informal e até a proibição de manifestações políticas e esportivas. Na Avenida Faria Lima ocorreu um processo que há mais desdobramentos: a Operação Urbana (que só geram resultados efetivos onde há interesse para o mercado imobiliário, concentrando ainda mais renda), foi aprovada no “atropelo” do tempo, após o início das desapropriações (uma das coisas mais caras), para a execução de uma avenida (prioritária para transportes individuais) e com finalidade de valorização imobiliária. Esse modelo de avenida imobiliária (associado à construção do complexo de túneis que também privilegia o transporte individual) ocorre também nas regiões da Avenida L. C. Berrini e Avenida Águas Espraiadas (futuro objeto de Operação Urbana desta gestão petista). Contam com uma enorme remoção de moradores de favelas (até com repressão policial), que acabam se deslocando para áreas de manancial na zona sul, em outras favelas e conjuntos habitacionais na zona Leste, especificamente, na Cidade Tiradentes. Essa “negociação” surgiu pela organização de um grupo de empresários (cuja valorização destas áreas com essas remoções é absurdamente grande), empresas de incorporações imobiliárias, bancos e o principal agente destas transformações, que é o Estado.14 Esses e outros processos de renovação urbana consistem em uma estrutura do dinamismo da cidade. Diz-se estrutura “um todo constituído de elementos que se relacionam entre si de tal forma que a alteração de um elemento ou de uma relação altera todos os demais elementos e todas as demais relações”.15 Esta estrutura, em parte, consiste nos deslocamentos “do ser humano enquanto portador da mercadoria força de trabalho ou enquanto consumidor” 16, ou seja, as próprias pessoas, entre as áreas de moradia, trabalho, serviços e lazer. Elementos como centro principal, sub-centros, localizações urbanas, transportes, saneamento, são de grande importância à conformação desta estrutura. E ainda onde situam as melhores condições desses deslocamentos e o motivo, pois é na definição espacial destes elementos que a classe dominante comanda. 14 Esses processos estão descritos e analisados de forma mais precisa em dois livros: Frúgoli, Heitor. Centralidade em São Paulo: trajetórias, conflitos e negociações na metrópole, São Paulo, Editora da Universidade de São Paulo, 2000, e Fix, op. cit. 15 Villaça, Flavio. Espaço Intra-urbano no Brasil, São Paulo, Studio Nobel, 1998; p.12. 16 Villaça, op. cit., p. 21. 10 Segundo Flávio Villaça, a cidade se desenvolve seguindo as aglomerações de alto padrão habitacional da cidade, ou seja, a cidade segue onde a elite instala seus bairros residenciais. Estas áreas sofisticadas apropriam-se da cultura e história urbanas, o que quer dizer que todos os equipamentos que usufrui acompanham-na, sendo muitas vezes os melhores serviços da cidade, desde os comerciais, às áreas de trabalho como os escritórios, os espaços culturais e de lazer. Devido a uma indistinção entre elite dominante e Estado, as melhorias urbanas, como acessos viários, infra-estruturas, saneamento, áreas livres, equipamentos públicos, etc, priorizam estas áreas, valorizando simbólica e economicamente aquilo que se tornará a “cidade formal”, com visto nos exemplos acima. Ainda segundo o autor, quando estas áreas, desde as residências às comerciais e serviços “a sua volta” saturam, perdem o seu dinamismo locacional, congestionam ou permitem o acesso de pessoas que não se enquadravam “no melhor espaço da cidade”; essas elites o abandonam, criando uma “nova centralidade” que os interessa e deixam a anterior para uma ocupação mais “popularizada”, interclasses, devidamente desprezada com a terminologia de ”centro velho”. Esse modelo de “auto-segregação” das elites (um elemento estruturador) segue no deslocamento do mesmo setor da cidade, aproveitando as melhorias anteriores que dão acesso ao centro e concentrando as posteriores nesta mesma direção, remodelando como um todo o dinamismo da cidade. No caso de São Paulo, como é muito sabido, esse setor de deslocamentos das elites é no sentido sudoeste á partir do Centro. Evidentemente, estes locais são os que mais agregam valor, pois são frutos de trabalho social com uma finalidade social. Essa valorização se dá em duas formas “O primeiro é dos produtos em si – os edifícios, as ruas, as praças, as infra-estruturas. O outro é o valor produzido pela aglomeração. Esse valor é dado pela localização dos edifícios, ruas e praças, pois é essa localização que os insere na aglomeração”.17 Ainda assim, o valor dessa localização é referente aos demais espaços da cidade, dada as relações quantitativas e qualitativas entre elas, sendo assim, quanto maior a acessibilidade ao terreno ou lugar urbano, maior a 17 Villaça, op. cit., p. 72. 11 quantidade de trabalho social despendido, e consecutivamente maior sua valorização em relação às demais áreas. O sistema de transportes são responsáveis pela acessibilidade a toda cidade, além de ser um elemento que agrega valor a cada área. O privilégio de grupos ou classes se dá justamente no domínio da implantação desse sistema, ou seja, as áreas privilegiadas da cidade, as mais nobres, são justamente as que têm maior acessibilidade e possibilidade de deslocamentos, “quanto menor a renda, de um modo geral, maior é o tempo gasto para se fazer transportar do domicílio ao trabalho. Entre os que necessitam de apenas vinte minutos para o seu deslocamento estão 61% dos que circulam de automóvel, 56,6% dos que usam táxi e apenas 15,5% dos que toma ônibus. Para os que utilizam trem e metrô, os porcentuais são, respectivamente, de 1,2% e 6,6%. Ao contrário, os que precisam de mais de uma hora para se deslocar são 7,3% dos usuários de automóveis, 7,9% dos que circulam de táxi, 81,6% dos que toma trem, 49,5% dos que usam metrô e 39,7% dos usuários de ônibus”.18 Os bairros de maior concentração de renda são os que são mais bem servidos de estruturas viárias, principalmente sobre veículos particulares, enquanto as periferias, onde a dependência do transporte coletivo é maior, essa mesma qualidade já não se apresenta, somado ainda à característica predominantemente radial dos sistemas de transportes, que concentra os deslocamentos e gera uma densidade alta de usuários. Nas zonas de renda concentrada, apesar de não necessariamente serem contíguas, as principais vias de transporte não estão exatamente nas áreas privilegiadas, mas próximas a elas, como se observa nos corredores Consolação – Rebouças – Francisco Morato, ou 9 de Julho, 23 de Maio, entre outros; e as aglomerações mais “sofisticadas” estão transversas a esses corredores, como Avenida Paulista, Avenida Brasil, Avenida Faria Lima, Av. L. C. Berrini, entre outras, sem que, no entanto, prejudique a sua acessibilidade, privilegiada pelo transporte individual. As ligações entre São Paulo e outras cidades, a partir de ferrovias e posteriormente rodovias, além de uma valorização e de especulação imobiliária, também favoreceram a ocupação, mais pontuais nas primeiras (paradas de trem e formação posterior de sub-centros) e mais lineares nas segundas (devido aos vários 18 Santos, Milton. Metrópole corporativa fragmentada, São Paulo, Studio Nobel, 1990; p. 85. 12 acessos ao longo da rodovia). Não tão bem equipadas como as aglomerações da classe dominante, mas com mobilidade suficiente a toda a cidade, que se pode dizer, “uma proximidade não tão próxima assim”. No caso de São Paulo, quando a classe dominante ainda ocupava o centro da cidade, as camadas menos favorecidas ocupavam sub-centros como o Brás, ou seja, estão próximos do centro principal, onde tudo encontram, mas não estão de fato neles. Tendo entre eles barreiras geográficas (no caso a várzea do Tamanduateí) e a barreiras construídas, como a linha de trem, resumidas na expressão de Villaça, “os de cá e os de lá”. Se o transporte “enriquece” aqueles que vivem perto (mobilidade territorial), ele também, de certa forma, populariza a região, justamente por dar acesso livre e público (quando se trata de transportes coletivos). Essa acessibilidade tornase indesejada às elites privilegiadas, que de alguma forma justifica a redução desses transportes, como no caso da redução de linhas de ônibus tão desejadas no Centro, na Paulista, entre outras. Com relação às camadas ainda menos favorecidas, nem àqueles sub-centros pertenceriam. Elas ocupam onde literalmente sobra. Em áreas tanto quanto possível próximas aos seus locais de trabalho (por exemplo, empregos em indústrias alojadas na Dutra, ou empregos de serviços ou domésticos que ocorrem nas regiões mais ricas da cidade, como na região de Morumbi e Marginal Pinheiros – Berrini) e em áreas que não interessam ao mercado imobiliário (onde incidem leis ambientais extremamente rígidas como nos rios e córregos, áreas de mata e de mananciais), em áreas longínquas e sem acessibilidade fácil (extrema leste ou extremo sul) ou em áreas centrais que foram previamente abandonadas pelas elites por não corresponder mais a demandas do mercado como tipo de edifício, dificuldade de acesso devido ao congestionamento da região e a falta de dinamismo locacional com a ascensão da concorrência de outras áreas mais ao gosto do freguês. Em suma, há espaços de vencedores e espaços de perdedores na disputas por localizações urbanas. O resultado desta disputa é a qualidade do tempo despendido nos deslocamentos diários, a diversidade de usos e programas, o valor imagético-sentimental criado, etc. Não esquecendo que o principal agente destes “melhoramentos urbanos” é o próprio Estado, ou por que é ele mesmo o beneficiado enquanto membro das classes dominantes, ou por que enormes lobbys conseguem pressioná-lo, e assim vai. Esta tremenda desigualdade, e por muitas vezes injustiça, só é possível pela dissimulação do conflito através de discursos e 13 práticas ideológicos, sendo um dos mecanismos mais eficientes de dominação do território. Faz com que vultos de investimentos nestas regiões, já concentradas de renda, passem como “a construção da metrópole global”, ou “mega-cidade” que todos temos que defender. Enquanto acontece a explosão periférica sem as menores condições urbanas de sociabilidade. 14 DA ABSTRAÇÃO MODERNA À IDEOLOGIA DA CIDADE CONTEMPORÂNEA A abstração moderna é baseada na funcionalidade de produção da indústria, que transpondo à sociedade, iria construir um novo homem a partir de um processo civilizatório maquinista. Para tanto, a arquitetura e o espaço urbano, como forma nova de organização, tomariam a posição de vanguarda destas transformações. Neste caso “a utopia resumia-se à convicção de que era possível, e desejável, resolver os antagonismos da grande metrópole através da reordenação do espaço habitado, uma intervenção em profundidade que se refletiria na organização social”.19 A funcionalidade industrial, portanto, indicaria as especialidades dadas a cada lugar da cidade e o homem que surgiria desta nova construção urbana a apropriaria de forma mais racional e objetiva. Daí a “ideologia do plano” e a “ideologia da técnica”, pois com apenas a resolução destes dois elementos, todas as demais contradições, arcaísmos e deseconomias estariam superados. A aposta nas melhorias advindas pelo capitalismo positivo e no progresso técnico dá lugar “ao quadro estreito e opressivo das relações de produção”: seu expoente máximo da abstração, onde nivela “diferenças e condições históricas das mais variadas, subordinada ao princípio do modelo único e com validade internacional, (...) forçosamente substituía o homem concreto e as relações reais na sociedade por uma organização espacial maximamente eficiente do ponto de vista do sistema econômico geral”.20 O esvaziamento de sentido moderno nada é mais que a concretização de seus próprios objetivos: ao se buscar a extrema funcionalidade de produção chega-se ao “formalismo integral das soluções padronizadas” (Arantes). Que, na era do consumo, em épocas de “obsolescência programada”, a experiência é maximizada na busca desvairada pela novidade e constante substituição, elementos característicos ou singulares produzidos dentro de um universo padrão de indústria. 19 Arantes, Otília. Lugar da arquitetura depois dos modernos, São Paulo, Editora da Universidade de São Paulo, 2000; p. 54. 20 Idem. p. 55. 15 A funcionalidade do “enquadramento social regido pela reprodução material” destitui do espaço público o caráter da liberdade de ação, pois a dimensão cotidiana do espaço (o espaço lúdico, simbólico) é conflitante com a organização industrial tecnicista e segregatória, com a substituição da noção de bem público pelo papel cada vez maior da relação patriarcal, caracteristicamente privilegiada. A sociabilidade então introduzida é meramente uma relação de costumes pautada em valores únicos vigentes. O retorno ao público é um arremedo à busca de uma sociabilidade (fictícia) apagada pela funcionalidade industrial (ou fragmentação pós-industrial): a constituição de caráter universal de símbolos coletivos (monumentos), espaços de convívio e de encontro em determinados lugares e situações, embora “a forma de vida exigida como suporte e alimento do público a ser recomposto à contra-corrente do capitalismo avançado já não pode contar mais com a forma outrora abarcável da cidade. As aglomerações urbanas deixaram de corresponder ao conceito de cidade; nelas predominam as conexões funcionais não configuráveis, sem a visibilidade do lugar público, incomensuráveis portanto com a clareza da autocompreensão prática que caracteriza um mundo de vida”.21 A metropolização sem fim, oriunda da racionalidade abstrata moderna, destitui a identidade sujeito-espaço. A autodefesa do sujeito imerso nesse gigantismo descontextual metropolitano é a individualização, e por conseqüência, a não relação aos processos de transformação da cidade, a perda da sociabilidade e noção de coisa pública (evidentemente adicionado ao fato mesmo do “declínio do homem público” pela alienação provocada na distribuição social do trabalho, a ascensão do espaço privado e da sociedade de massa). Contra esse indivíduo blasé surgem as acepções comunitárias interiorizadas: a busca de imagem urbana a partir de significados coletivos em que operam uma comunidade. “É entretanto esse imaginário coletivo que parece ter se esgotado faz tempo, de tal modo que, sob uma memória soterrada, não parecem subsistir mais do que 21 Idem, p. 119. 16 fragmentos de uma história desconexa, recapitulada à força pela retórica dos poderes saúde – requalificação de vida contrária a qualquer expectativa de mercado, pois concerne constituídos, no intuito de fazer acreditar na existência de uma identidade há muito diretamente aos que foram expulsos dele. Medidas compensatórias de assistencialismo? perdida”.22 À “ideologia do plano” soma-se a “ideologia do contexto” na elevação do lugar Talvez, e por certo a cargo do Estado, ao menos até que o capitalismo tome novos rumos, público à função de reestruturador da vida pública perdida. A cidade concebida como ou o mundo saia de vez do capitalismo...”25 “uma produção social, coletiva, convencional e complexa” é ilusoriamente reconstituída por ações pontuais e muitas vezes fortemente publicitárias. “Se for mantida a perspectiva urbana e se não se perder a consciência de que se trata de uma sociedade de massa, talvez se possa escapar simultaneamente à tirania da intimidade e à ideologia comunitária, ou, o que vem dar no mesmo, à formação de guetos”.23 As intervenções urbanas deixam de ser um objeto da planificação racional em seu conjunto e passam a uma nova significação pontual contra a monotonia da reprodução em série moderna. A diversidade, fragmentação e espontaneidades, fluxos (caos?) são os novos apoios. A cidade é um repertório de símbolos, continuamente substituível: “tudo é passível de associações simbólicas, possui referências à prática e tradições locais – Surge a expressão desenho urbano, ao invés do planejamento que “parece anunciar valores esquecidos e reativados por essa nova voga cultural, que parece querer a todo esse estreitamento das possibilidades de mudança real. (...) Encolhimento que não se custo devolver aos cidadãos cada vez mais diminuídos nos seus direitos, materialmente deve apenas à interferência direta dos interesses em jogo, dos verdadeiros agentes aviltados e socialmente divididos, sua ‘identidade’ (ou algo similar que o console de um urbanos ou promotores do espaço público: governos – no mais das vezes preocupados em esbulho cotidiano), mediante o reconhecimento de suas diferenças ‘imateriais’. ”26 A transformar a cidade em imagem publicitária – ou os especuladores imobiliários de sempre cultura e o patrimônio passam a ser o novo lastro econômico e político. A sociabilidade a (proprietários, construtoras etc.); basicamente, imposto pelo rumo atual do capitalismo, muito perdida é recapitulada em intervenções de alta aparência em mídia e com resultados cuja mundialização é responsável em grande parte por uma urbanização tanto mais econômicos e políticos bastante expressivos (somas de investimentos, bilheterias, intensa e extensa quanto maior o contingente dos ‘náufragos da competitividade’ publicidade e gentrification). mundial”.24 Por mais que se tenha a vontade progressista de “alinhar essas intervenções no desenho urbano com uma possível instauração da cidadania”, é possível que pela contaminação de projetos cenográficos tornem-se um “ensaio de representações futuras” ou apenas administre contradições, escamoteie conflitos, esconda a miséria. “Num contexto calamitoso dessas proporções, talvez nada mais seja possível (e isso já é muito) do que multiplicar medidas para a melhoria relativa de higiene, habitação, alimentação, Agrega-se uma nova finalidade ao desenho urbano: a constituição das singularidades de uma Cidade-Estado (ideologia vigente da apropriação privilegiada da classe dominante do aparelho do Estado). Com a crescente desestatização, ou melhor, privilégios da classe dominante, as cidades passam a competir por investimentos globais: a guerra fiscal sem fronteiras, sem nações. A cidade, enfim, é a própria mercadoria (dentre outras cidades, também vendáveis). Tudo é simbólico, tudo é cultural: grandes intervenções para atrair o 22 Idem, p. 141, grifos meus. 23 Idem, p. 155. 25 Idem, p. 140. 24 Arantes, Otília. Urbanismo em fim de linha, São Paulo, Editora da Universidade de São Paulo, 1998; p.132. 26 Idem, p. 152. 17 capital, onde as heterogeneidades são emersas na forma de símbolos e expressão do encolhimento tão radical do espaço público, de subordinação do poder público às nacionalismo cívico , identidade ao contexto e diversidade de mercadorias. O grande exigências do capital internacional e local? Talvez nada seja mais consistente e mote são os equipamentos culturais, devidamente rodeados do aparato necessário ao reiteradamente enfatizado nos textos aqui analisados a necessidade de um consenso. comercio global: centro de convenções e feiras, parques industriais e tecnológicos, hotéis, Sem consenso não há qualquer possibilidade de estratégias vitoriosas. O plano estratégico comunicação, acessibilidade a aeroportos, vida pública... “A ‘tese’em questão nada mais é supõe, exige, depende de que a cidade esteja unificada, toda, sem brechas, em torno do portanto do que uma explicitação da contradição recorrente entre o valor de uso que o projeto”.30 Da mesma forma que é preciso uma unicidade de tempo e fragmentação da lugar representa para seus habitantes e o valor de troca com que ele se apresenta para produção – com uma mais-valia internacional – que se deve ter governabilidade local em aqueles interessados em extrair dele um benefício econômico qualquer, sobretudo na detrimento da revelação de conflitos e questões sociais, no “novo urbanismo”, da cidade – a partir de investimentos pesados do Estado. A mundial vendável, o “pensamento único” também deve prevalecer: dá-se a partir dos 27 forma de uma renda exclusiva”28 governabilidade da cidade-empresa-cultural opera no tempo da economia global, o Estado ágil deve garantir, acima de tudo, condições à competitividade29 internacional e as parcerias com setores privados. modelos “fora do lugar” alastrados pelas universidades, especialistas e mídia em geral. Desta forma se configuram dois universos: o do mercado internacional onde rege a ideologia política-econômica-urbanística do pensamento único e os que estão totalmente O planejamento estratégico, associado ao desenho urbano, tem com função dar essas excluídos desse processo, apresentando-se como a própria contradição, ainda mais no condições de competitividade à formação de uma cidade global, onde os interesses das caso brasileiro, desse progresso global e suas reminiscências arcaicas. Evolui, como já empresas globalizadas atuam num panorama em que opera o banimento da política, vimos, na segregação territorial das classes, da relação promíscua entre elite e o aparato eliminação de conflitos e condições de cidadania. Ou seja, não se apóia mais na idéia do Estado, nos privilégios garantidos por essa relação, na absoluta carência dos que moderna de plano funcional, mas sim no horizonte do mercado, todas as suas flutuações, estão fora e, por fim, a política do favor31 clientelista cuja finalidade do assistencialismo é inconstâncias e regras: a não regulação das relações do capital e a participação da político-eleitoreiro. Enfim, essa imagem civilizatória do progresso advindo desses modelos iniciativa privada (os empresários mais interessados) em políticas urbanas públicas. de Cidade-Estado baseadas no lugar público e na crença do plano-desenho como “Como construir política e intelectualmente as condições de legitimação de um projeto de solucionador das contradições históricas da sociedade, é, no mínimo, imprópria apenas 30 Idem, p. 91. 27 Se o Estado é a expressão da classe dominante no território, o nacionalismo cívico é uma maneira, ideológica, de garantir, defender as 31 “A colonização produziu, com base no monopólio da terra, três classes de população: o latifundiário, o escravo, e o ‘homem livre’, na intenções desta classe das posições contrárias. verdade dependente. Entre os primeiros a relação é clara, é a multidão dos terceiros que nos interessa. Nem proprietários nem proletários, 28 Arantes, Otília. Uma estratégia fatal. em Otília, Vainer & Maricato, A cidade do pensamento único, Petrópolis, Vozes, 2000; p. 26. seu acesso à vida social e a seus bens depende materialmente do favor, indireto ou direto, de um grande. O agregado é sua caricatura. O 29 Competir precisamente nos seguintes aspectos: investimento de capital, tecnologia e competência geral; na atração de novas indústrias favor é, portanto, o mecanismo através do qual se reproduz uma das grandes classes da sociedade, envolvendo também outra, as do que e negócios; no preço e na qualidade de serviços; e na atração de força de trabalho adequadamente qualificada. (World Economic têm. Note-se ainda que entre estas duas classes é que irá acontecer a vida ideológica, regida, em conseqüência, por este mesmo Development Congress & The World Bank, 1998 – em Vainer, Pátria, empresa e mercadoria, op. cit., p. 77.) mecanismo.” (As idéias fora do lugar, in Schwarz, Ao Vencedor as Batatas: forma literária e processo social nos inícios do romance brasileiro. São Paulo: Ed. 34, 2000; p. 15.) 18 pela presença desses vastos territórios que vivem abaixo da linha de pobreza, de saúde, material, tipo saneamento, mobilidade e serviços públicos) além de concretizar esse de higiene, de cidadania. Se esses modelos postiços constituem como fatos ideológicos, processo de segregação territorial (guetos) pela exclusão, ao se valorizar (com as cabe ao profissional “desideologizar” para se ater a questões prioritárias para o avanço e intervenções e melhorias) não estaria dando seqüência a esse processo de periferização progresso para todos. excludente, sendo assim um ciclo vicioso? Como muito falado, as atividades urbanísticas, através dos planos, nunca conseguiram dar Somado a isso, outra questão importante é dos espaços empiricamente constituídos, conta dessa complexa exclusão. Quando muito, serviam para a instauração do projeto conseqüência de modelos urbanísticos e de transformações históricas ocorridas. Se as urbanístico das elites mais organizadas em um único modelo. Dos melhoramentos urbanos condições de sociabilidade já são exíguas pela própria condição cultural resultante da de matriz francesa (de cunho civilizatório e modernista), dos planos diretores32 e urbanos formação em curso, o que se dirá com a forma abstrata de constituição dos espaços ao planejamento estratégico de intervenções “pontuais-mundiais”, o objeto de estudo coletivos decorrentes da “ideologia do plano” e das formas fictícias provenientes da sempre se restringe à cidade oficial, a cidade formal das elites e a questão social, ora “ideologia do lugar”? “A necessidade que as cidades têm de uma diversidade de usos mais ideológica, ora publicitária, não passariam da dimensão clientelista. Eis que surge um complexa e densa, que propicie entre eles uma sustentação mútua e constante, tanto beco sem saída: a questão dos espaços públicos como espaço da cidadania, mas na econômica quanto social” relação de favores e num universo ideológico; a ineficácia dos planos numa alternativa ao urbanos de cunho tecnicista. A diversidade de usos mais complexa poderia contribuir para modelo único urbanístico ou a “impossibilidade” de mudança no que diz respeito ao que houvesse a apropriação de “pessoas estranhas” a um lugar em variados horários e enfoque das prioridades e por fim, que se dirá a mais complicada, a questão das periferias, finalidades. A integração de diferenças econômicas, sociais, culturais, das pessoas nos talvez num sentido mais abrangente como periferia da lógica capitalista excludente, cujo lugares deveria ser, esse sim, o modelo a ser desenvolvido em formas urbanas, que no aviltamento material é palco de relações de dominação política e econômica, se a caso das grandes cidades, as metrópoles, essa indeterminação dos encontros seria um intervenção nestes espaços (por mais que sejam pela garantia mínima de qualidade dado fundamental. 32 Segundo Flavio Villaça, os planos diretores nunca foram viabilizados ou respeitados porque não dizem respeito à maioria da população. O cotidiano não é passível de ser controlado. É na rua, no espaço público, no privado, e Ele só é respeitado, não integralmente, nas regiões mais ricas da cidade, cuja população consegue ter maior poder de pressão sobre o poder público e defender seus interesses de bairro. Para a maioria da população, o Plano Diretor, de fato, não intervém na vida deles. A maioria da população não sabe para que serve, pois nunca representou alguma mudança e nem alguma forma de participação política. Lembrando o fato de que a cidade é produzida para a classe dominante, “os ‘planos’ não aspiram realizar muito mais do que convencer o público da inocência da burguesia” (Artigas, Vilanova. Caminhos da arquitetura moderna. São Paulo: Cosac & Naify, 1999; p. 31.) Não é de se esquecer, como lembra Ermínia Maricato, que além de os Planos Diretores não significarem ações, muitas destas ações“independem” de um plano: normalmente grandes obras viárias de cunho imobiliário. A atenção do plano para questões de 33 é destruída pela maneira abstrata e funcional dos projetos tem-se o trivial: os elementos formais que o configuram, os sinais, os espetáculos, os movimentos. Porém as relações sociais revelam significados distintos, peculiaridades, efemeridades, desmontando, de certa forma, o arcabouço oficial constituído no espaço. “A substancia do homem, a matéria humana, o que permite viver resíduo e totalidade há um tempo, seus desejos, suas capacidades, suas possibilidades, suas relações essenciais regulamentação do Estatuto da Cidade, por exemplo, como demarcação de áreas de interesse social, definição de parâmetros utilização e subutilização, incidência de IPTU progressivo no tempo e no espaço, entre outros, seria mais eficaz na implementação de alguma melhoria real segundo Flávio Villaça. 33 Jacobs, Jane. Morte e vida de grandes cidades, São Paulo, Martins Fontes, 2000; p.13. 19 como os bens e outros humanos, seus ritmos, através dos quais é possível passar de uma ou apropriação alguma que não esteja já anteriormente planejada, analisada. “O domínio atividade específica a outra distinta, seu tempo e seu espaço ou seus espaços, seus da natureza material, resultado de operações técnicas, arrasa esta natureza permitindo às conflitos”.34 A cidade moderna tem como elemento estruturador a divisão de trabalho e a sociedades substituí-la por seus produtos. A apropriação não arrasa, sendo que segregação de funções. Reduz a um homem ideal e excluindo de investigações espaciais, transforma a natureza – o corpo e a vida biológicos, o tempo e o espaço dados – em bens programáticas ou simbólicas, possíveis especificidades levantadas pelas mulheres, pelos humanos. A apropriação é meta, o sentido, a finalidade da vida social. Sem apropriação, a velhos, adolescentes, crianças. A evolução tecnológica resulta da diminuição de tempo dominação técnica sobre a natureza tende ao absurdo, à medida que cresce. Sem despedido às locomoções e a tarefas no trabalho ou na residência, aumentando assim o apropriação, pode haver crescimento econômico e técnico, porém desenvolvimento social tempo de ócio, espontâneo, histórico, vivido e não alienado. propriamente dito se mantém nulo.” 36 “Não afirma que habitar queira dizer alojar-se. Nos encontramos, disse Heidegger, ante a O resultado maior da “especialização” é a individualização e posterior esvaziamento uma dupla exigência, e um duplo movimento: Pensar a existência profunda do ser humano urbano, “pois o que devia ser sentido como igualdade pode ser transformado em partindo do habitar e da habitação – pensar o ser da poesia como um ‘edificar’, como um anonimato. Nesse sentido, ao ideal de uma vivência comunitária se sobrepõe uma fazer habitar por excelência”.35 O habitat é o espaço formalmente constituído. O habitar é consciência radical da dubiedade implicada na experiência da alienação e mutilação sob o uma situação: quando a pessoa apropria daquele espaço, fazendo dele sua obra, quando impacto da sociedade de massa, nada estranha à poética modernista”. o indivíduo ou o coletivo se faz a si mesmo na história. O conflito existe quando formas peculiar das cidades é a própria diversidade, possibilitando uma maior segurança, distintas de apropriação entram em choque. Se se retirar todas as formas de apropriação, encontros e integração de diversas pessoas. Segundo Jane Jacobs, é necessária, além eliminam-se os conflitos, mas também os espaços de sociabilidade. Esses “encontros” da clara distinção entre espaço público e privado, a existência concomitante de quatro cotidianos não acontecem exclusivamente nos espaços públicos, mas nos coletivos; nem condições urbanas para assegurar a diversidade: que não haja apenas um uso principal necessariamente devem ter uma mediação estatal. O princípio da auto-gestão ou práxis, em determinada área, ou seja, deve haver pelo menos dois ou mais usos que atraiam “auto-regularia” as demandas, os desejos, as possibilidades e potencialidades de usuários, de preferência em horários e finalidades diferentes; que o arranjo urbano, as indivíduos, grupos, comunidades ou a sociedade com um todo. quadras, possibilite uma gama de possibilidades de percursos, de oportunidades A confusão do moderno é querer, justamente, unificar a idéia e ação do habitat e do habitar, ou melhor, dar conta do processo histórico de formação através de extensíssimas análises pela técnica e pelo plano. Não leva em conta formas diferentes de apropriação, 37 A natureza freqüentes de mudar de caminho; a percepção de formação do espaço no tempo, ou seja, historicamente como se dão as transformações (diferentes de uma implantação moderna, toda de uma vez); e a concentração alta de pessoas morando para multiplicar o numero de encontros inesperados. 34 Lefébvre, Henri. De lo rural a lo urbano. Barcelona: Península, 1971; p. 88. 36 Idem, p.164-165. 35 Idem, p. 152. 37 Wisnik, Guilherme. Lucio Costa: entre o empenho e a reserva, São Paulo, Cosac & Naify, 2001; p. 29-30. 20 Evidentemente, devido a estes aspectos, o antiparadigma é os conjuntos habitacionais Embora mudanças estruturais só são possíveis com a condição de “que o capitalismo (decorrentes da funcionalidade abstrata moderna, militarmente produzidos e organizados): tome novos rumos, ou o mundo saia de vez do capitalismo”, alguma coisa deve ser feita. A uso específico residencial que assume característica de “zona dormitório” (perda da vida segregação territorial é uma estrutura da cidade, e as zonas mais prósperas concentram coletiva devido ao uso funcional dos espaços públicos apenas quando se sai de casa de desde maioria de investimentos públicos, idéias urbanísticas a renda propriamente dita. manhã e quando volta à noite. A ausência dos “olhos nas calçadas” (Jacobs) possibilita a Um conjunto de elementos postiços importados de uma matriz econômica, cultural e apropriação destes espaços das formas mais diversas, inclusive pela violência). Sua política externas. Em contrapartida, as periferias ocupadas concretamente, apresentam-se disposição monótona de edifícios sobre “imensos gramados” não configura espaços com precárias e distante de “padrões” urbanos de inclusão. Aqui nesta cidade, vastos territórios qualidades distintas (além da falta de privacidade devido à proximidade, barulho), e essa sempre identificados com uma ocupação popular oriunda do trabalho industrial, como a terra de ninguém nada mais é que um vazio marginal. A implantação de conjuntos inteiros Zona Leste, têm sofrido o impacto das conseqüências do capitalismo excludente. E ainda de uma só vez não permite relações simbólicas, formação de laços com outras pessoas e sofrem “do mal” dos conjuntos habitacionais funcionais extremamente distantes. A o lugar de forma gradual, que na maioria das vezes, a apropriação se dá nas proposta deste trabalho é intervir nestes territórios monofuncionais da periferia, através de transformações que os moradores fazem nos edifícios e nos espaços coletivos no decorrer espaços coletivos públicos e a inserção numa rede de transportes que dêem mobilidade a de sua vivência no local. E apesar de concentrar habitações, normalmente, por espalhar- essas áreas que mais crescem na cidade. Além de ainda ter possibilidades ecológicas e se no território a densidade apresentada não é alta. paisagísticas para uma melhor ocupação, para que tomem rumos diferentes da cidade da Outra questão abordada pela autora é que a diversidade urbana é garantida por uma multiplicidade econômica e social. Aí surge mais um problema no nosso caso: a multiplicidade econômica existe no campo da concorrência de mercado. A multiplicidade social, aqui, é “trocada” pela segregação do território resultando em espaços dos “vencedores” e os espaços dos “perdedores” dessa concorrência por localidades urbanas (cujas “regras” são econômicas, e não urbanísticas). Ou seja, quem ocupa os espaços que não interessam para o mercado são os que perderam a concorrência. Então essas enormes periferias monofuncionais dificilmente conseguiriam constituir uma diversidade econômica e social. Ou o que é pior, caso conseguisse, geraria novamente o processo de expulsão de novos perdedores. O território construído pelos e para os “derrotados” dessa guerra territorial são os conjuntos habitacionais, loteamentos clandestinos, cortiços e favelas. “exploração e abandono da terra”. 21 OCUPAÇÃO INDUSTRIAL E POPULAR DA ZONA LESTE Nos fins do século XIX, São Paulo apresentava uma intensa atividade econômica, com a sobreposição de funções no território: o sistema financeiro emergente, a primeira geração de industrias de grande porte (principalmente alimentícias e têxteis) e a convergência de ferrovias que ligavam a capital à zona produtora de café, ao litoral onde se encontram os portos para exportação e a outras cidades importantes como o Rio de Janeiro, então capital do país. Estas vias de transporte localizadas nas várzeas foram os sítios onde se implantariam as indústrias, principalmente nas regiões Leste, Sudeste e Noroeste da cidade de São Paulo (onde concentram hoje o zoneamento específico industrial, pois o restante da cidade de então era a cidade formal e elegante da elite paulistana). “As várzeas industriais serviram como espaço de trabalho e moradia numa morfologia horizontal e de alta densidade, contígua aos trilhos do bonde e do trem: galpões de tijolo, vilas e cortiços, vendas e oficinas se misturavam no espaço de vida e trabalho dos milhares de recém chegados que durante décadas foram povoando a cidade de maneira intensa e rápida”.38 Começa a ser instaurada a segregação territorial como elemento estruturador da cidade: competição por melhores localizações urbanas. Como já visto, na cidade oficial, disponível de toda infra-estrutura, as leis de regulamentação de uso do solo urbano vigoravam e garantiam (inclusive pelos maiores custos) a qualidade de ocupação e de ocupantes. Enquanto a multiplicidade de usos acontecia nas áreas lindeiras às indústrias (locais de trabalho da classe operária) formando um padrão de ocupação territorial periférico, associado a conjuntos de habitação popular, distantes e desprovidos de infra-estrutura (com a chegada posterior de equipamentos comerciais, serviços públicos. Investimentos meramente funcionais e não urbanísticos – espaços da cidadania). Com a mudança do padrão industrial (a partir da década de 70 as industrias buscam áreas mais bem servidas de infra-estrutura de circulação, com menos restrições ambientais e com espaços disponíveis a expansões) a ocupação de setores da Zona Leste dá sinais de transformação (a indústria é um elemento estruturador, se ela muda, todo o conjunto muda também), ocorrendo ilhas de grande investimento e valorização imobiliária associadas à pulverização de pequenas indústrias pelo território, devido à nova forma de produção e distribuição 38 Rolnik, Raquel. Reestruturação urbana da metrópole paulistana: análise de territórios em transição, São Paulo, Pontifícia Universidade Católica de Campinas, 2000; p. 3. 22 mais fragmentada (que aparenta estar ocorrendo um processo de desindustrialização nas cidades centrais)39. Essa fragmentação e flexibilização da produção produzem nas classes operarias e populares uma instabilidade que gera informalidade, acentuando ainda mais a precariedade de ocupação periférica. Em decorrência desse novo padrão industrial surgem novas formas de ocupação territorial, com a proliferação de grandes concentrações comerciais, shopping centers (tão comum às regiões centrais e Sudoeste, mas nessa região começa a chamar atenção a partir dos anos 90) e habitações produzidas pelo mercado imobiliário para classes mais bem sucedidas. “Tal expansão é responsável pelo surgimento de novos padrões de distribuição de mercadorias em áreas que tinham como lugar de consumo o pequeno comércio varejista local, o supermercado de bairro, os centros comerciais tradicionais e o centro do Município de São Paulo”.40 Esses complexos comerciais utilizam áreas enormes e, justamente, por otimizarem ao máximo o consumo (desde vestuário e praça de alimentação às concessionárias de automóveis e agências de viagem), ao se constituírem 39 Sobre características dessa nova forma de indústria na cidade de São Paulo, ver Tendências gerais de transformações territoriais na Zona Leste no município de São Paulo, em Rolnik, op. cit. 40 “O pequeno comércio varejista local é utilizado normalmente para compras miúdas do dia a dia, principalmente alimentos, feitas segundo necessidades momentâneas. Esse comércio instala-se em pequenas construções junto à calçada e é dirigido pelo proprietário que atende os fregueses contando, às vezes, com a ajuda de algum familiar ou algum empregado contratado quase sempre informalmente. O complemento do pequeno comércio varejista é o vendedor ambulante, o camelô. Ambos disputam uma mesma posição na cidade – o trajeto que a população percorre entre o ponto de chegada do transporte coletivo (estação de trem ou metrô, ponto de ônibus) e sua casa, ou vice-versa. Os supermercados de bairro, que comercializam principalmente os itens básicos de alimentação, higiene pessoal e limpeza, são os lugares onde são feitas as compras do mês, normalmente no dia de recebimento do salário. Instalam-se em construções maiores do que as mercearias e contam com vários empregados coordenados diretamente pelo proprietário nas tarefas de etiquetar os produtos, colocá-los nas prateleiras, empacotar as compras dos clientes, entregá-las nas adjacências etc. Na lógica de funcionamento de um supermercado de bairro sempre há um grande espaço na parte dos fundos do terreno que serve para estocar os produtos a serem comercializados. Trata-se de um tipo de funcionamento em extinção dando lugar a novas estratégias de gestão dos estoques que os hipermercados mais modernos introduzem como inovações que garantem maior eficiência e maior competitividade introduzindo maior flexibilidade na estocagem de mercadorias permitindo adaptações segundo o comportamento do mercado consumidor. Os sub-centros tradicionais de bairro apresentam uma concentração comercial que extrapola a escala de vizinhança contrapondo-se aos dois níveis de comércio citado anteriormente. Esses sub-centros possuem um tipo de comércio mais específico, utilizado mais esporadicamente pelos compradores, como lojas de móveis, vestuário e calçados, bem como alguns serviços especializados como dentista, agências bancárias, cursos diversos, agências de empregos, dentre outros. Geralmente, são lugares onde existe algum equipamento de transporte coletivo de grande porte como estações e terminais de ônibus por onde circula grande número de pessoas. Tais sub-centros são tradicionais porque fazem parte dos núcleos originais de formação dos bairros que articulam a estrutura metropolitana principal. Finalmente, o centro do Município de São Paulo, onde se localiza a maior e mais diversificada oferta de serviços e consumo da cidade, com várias lojas, instituições públicas e privadas, comércio especializado e equipamentos culturais, coloca-se como importante pólo de lazer e consumo para a metrópole de uma maneira geral”.Rolnik, op. cit., p. 40. 23 como ilhas auto-suficientes (decorrência dessa otimização), não contribuem com seu entorno, ou melhor, contribuem para a deteriorização do mesmo por não fazê-lo parte desta “dinâmica” urbana. Além de usufruir as infra-estruturas e sistemas de transportes (Avenidas, Trem e Metrô) que os conectam a toda a cidade e seus possíveis consumidores. Isso para dar conta às novas formas de distribuição das mercadorias, mais adaptada às variações e flexibilidade do mercado e dos padrões de consumo. Há ainda a incidência de habitações de mais alto padrão, produzidas pelo mercado imobiliário concentradas em algumas regiões da Zona Leste. Resultado de um “enriquecimento” de parte da população que se mantém lá, de uma possível saturação deste mercado em outras regiões mais tradicionais da cidade, surgimento de empresários da região com maior poder de competição, de uma estabilidade econômica advinda do Plano Real e expansão de infra-estrutura de saneamento garantindo uma redução de problemas de saúde e uma melhora de qualidade de vida. É associado a esse processo o aumento de estabelecimentos comerciais tipo franchising e o incremento de redes de hotéis e escritórios. Pode se dizer que fazem parte de um processo comum a toda a cidade, em regiões que concentram renda, com o “esvaziamento” de população decorrente da diminuição da densidade de população. Essa valorização, que expulsa e troca populações, assume uma forma de ocupação do território fragmentada e em porções auto-suficientes, padrão condomínio fechado e shopping centers. “Não aparece nenhum plano de desenvolvimento para a região Leste da cidade elaborado por algum governo municipal ou metropolitano. Trata-se meramente de aproveitar uma oportunidade lucrativa construída pela conjugação de fatores físico-espaciais, econômicos e urbanísticos com a ausência de uma política urbana capaz de introduzir outras variáveis no conceito de desenvolvimento que extrapole as dimensões do consumo e acolha as variáveis relacionadas às condições de vida”.41 O resultado dessa “Losangelização” é a troca da população (gentrification) que passa a residir em áreas mais distantes da cidade. “A tendência oposta a esse esvaziamento das áreas mais consolidadas na década de 1980 é o intenso crescimento dos distritos de Cidade Tiradentes e José Bonifácio verificadas nesse período. Localizados no extremo da Zona Leste, eles tiveram os maiores crescimentos populacionais dentre os 96 distritos 41 Rolnik, op. cit., p. 55. 24 administrativos do município. Cidade Tiradentes teve o maior incremento. Sua população saltou de 8 603 habitantes em 1980 para 96 281 em 1991 a uma taxa de crescimento anual um pouco maior do que 100% (101,92%). A cada ano da década de 1980, Cidade Tiradentes dobrava a sua população. Tal crescimento se deve predominantemente à implantação do conjunto Santa Etelvina que ocupa a quase totalidade do distrito então pouco urbanizado. Esse conjunto foi sendo entregue pela Companhia Metropolitana de Habitação de São Paulo – COHAB/SP em diversas fases ao longo da década de 1980 e começo da década de 1990. Apesar das críticas feitas na década de 1970 a esse tipo de projeto habitacional, há uma persistência desse padrão de urbanização levada a cabo pelo poder público ao longo de toda a década de 1980 e na primeira metade da década de 1990. Esse padrão de ocupação periférica do território estende a área urbanizada causando os conhecidos problemas de transporte e encarecimento da infra-estrutura.”42 Devido “as tendências econômicas recentes na Zona Leste e na economia metropolitana, as transformações na indústria, os novos – e antigos – padrões no comércio e serviços, as condições de vida, os investimentos imobiliários, os padrões de mobilidade, a morfologia”; formulou-se hipóteses de divisão da região em sub-regiões diferentes, que “revela como os diferentes processos operam de forma imbricada e interdependente ao mesmo tempo, produzindo seletivamente espaços de diversas qualidades econômicas e urbanísticas”.43 A região que 42 Idem, p. 58. 43 “Os bairros da primeira indústria. Correspondem aos distritos do Pari, Brás e Belém. É o território onde se instalou a partir o final do século XIX uma ocupação que misturava galpões e armazéns industriais de todos os tamanhos e habitação popular de aluguel(vilas, cortiços). Apesar de atualmente o uso industrial estar desaparecendo, a estrutura morfológica permanece praticamente intocada. A centralidade emergente. Distritos do Tatuapé, Água Rasa, Vila Formosa, Carrão e parte da Vila Matilde e Penha. Com uma clara centralidade no Tatuapé, é a porção da Zona Leste que vem se transformando no sentido de acolher a população de mais alta renda da região, com a sofisticada estrutura de comércio e serviços que ela demanda. A várzea do Tietê. Parte dos distritos de Cangaíba, Ermelino Matarazzo, Vila Jacuí, São Miguel e a totalidade de Jardim Helena, terrenos em parte conquistados pela cidade por meio da retificação do rio e marcados pela sua persistência em permanecer na paisagem, seja pela crescente importância de sua marginal, seja pelas periódicas enchentes que atingem com especial violência as partes mais baixas. O Eixo do Tamanduateí, distritos da Mooca e Vila Prudente. Território de caráter historicamente marcadamente operário, que se estende em um território linear organizado em torno da ferrovia e, posteriormente, da Avenida do Estado, que apresenta especificidades em seu processo de reconversão industrial. A periferia consolidada: circunscreve uma grande porção do território – distritos de Itaquera, Cidade Líder, Aricanduva, Artur Alvim, Ponte Rasa, além de partes de Vila Matilde, Penha, Cangaíba, Ermelino Matarazzo, Vila Jacuí, São Miguel, Vila Curuça e Parque do Carmo. Representa a expansão periférica que foi predominante na metrópole a partir dos anos 40, cuja ocupação encontra-se consolidada à força de persistentes microinvestimentos privados e lutas pela provisão de infra-estrutura no sentido de superar a precariedade original. 25 mais cresceu na cidade de São Paulo nas décadas de 80 e 90 seria denominada de “fronteiras”, cujos maiores índices são dos distritos de José Bonifácio e Cidade Tiradentes. Essa sub-região é identificada por uma padrão construtivo de ocupação habitacional e urbanístico precários. Na forma de grandes conjuntos habitacionais produzidos pelo poder público, tanto municipal (o conjunto habitacional Santa Etelvina no distrito de Cidade Tiradentes é dividido em sete partes. Produzido pela COHAB/SP sobre um total de 7 012 833 metros quadrados com 22 808 apartamentos, 53 unidades produzidas por mutirão e 3 853 casas totalizando 26 714 unidades) como estadual (conjuntos produzidos pela CDHU em áreas de terrenos acidentados e cuja cobertura vegetal e nascentes vão sendo eliminadas, gerando uma área de grande instabilidade e riscos de desastres urbanos) e que devido sua implantação fragmentaria, nos interstícios apresentam-se loteamentos clandestinos e favelas próximas a vias de transporte e córregos. Outra característica é a presença de franjas de mata nativa constituindo como possibilidade de expansão urbana precária. “Essas frentes de expansão precária, ilegal e irregular contrastam com as dinâmicas geradas pelos investimentos públicos e privados tratados na seção anterior. Os territórios periféricos das fronteiras, comparados à periferia consolidada da Zona Leste, estão em estágios anteriores de urbanização. Esses territórios constituem campos férteis tanto para desenvolvimento de movimentos sociais emancipatórios quanto para o aprofundamento do clientelismo político tradicional na história da sociedade brasileira. (...) São distritos que estão entre os mais excluídos da cidade apresentando alta concentração de população com baixa renda, pouca oferta de hospitais, unidades básicas de saúde, creches, empregos, equipamentos e espaços públicos de lazer”.44 Ou seja, como de costume, a produção formal da cidade (desde os espaços e construções empiricamente dados aos modelos urbanísticos, planos e regulamentações jurídicas) passa longe dessas áreas que estão sofrendo um processo de grande adensamento (conjuntos, loteamentos irregulares e favelas) decorrente da dinâmica urbana A periferia do ABC, distritos de São Lucas, Sapopemba, São Rafael e São Mateus. É o território do município de São Paulo cuja ocupação se deu muito mais devido à expansão da urbanização do ABC do que à da capital, cujo funcionamento até hoje é altamente integrado a Santo André e São Caetano do Sul. O território das fronteiras. Distritos de Iguatemi, Lajeado, Cidade Tiradentes, Guaianazes e Itaim Paulista, e partes da Vila Curuça e Parque do Carmo. Ilustra a ocupação periférica acontecendo agora, com toda a precariedade urbanística e os riscos ambientais que caracterizam os loteamentos clandestinos e os gigantescos conjuntos habitacionais promovidos pelo poder público a partir da década de 70.” Idem, p. 85-86. 44 Idem, p. 116. 26 de segregação e exclusão territorial. O descompasso se dá na não relação com os grandes empreendimentos centrais e os da própria Zona Leste, como, até, pela não oficialização e titulação das propriedades (nos conjuntos, nos loteamentos irregulares e nas favelas). 27 MODELO DE EXPANSÃO URBANA A PARTIR DO CONJUNTO HABITACIONAL As grandes cidades sofrem de uma expansão territorial e populacional incrível, principalmente, com a implantação e as conseqüências da industrialização. O ambiente natural é devastado dando lugar à exploração do meio para a produção. Junto desta decadência ocorre a destruição da vida urbana, fragmentada e segregada em porções do território cada vez mais isoladas e desconexas. No caso brasileiro, essa explosão-implosão das cidades ocorre com as grandes migrações, primordialmente do campo às cidades, invertendo assim, o lugar e a atividade em que se baseiam as ações econômicas, políticas, culturais, etc. A ação da burocracia estatal é o ordenamento desse espaço urbano pela distribuição de funções, que seguem as exigências do modo de produção (capitalista), reproduzindo suas relações sociais no urbano, ou seja, “a fragmentação do espaço para a venda e a compra (a troca), em franca contradição com a capacidade técnica e científica da produção do espaço social em escala planetária”.45 Um novo fenômeno, o urbano, conseqüência direta da dispersão e segregação da cidade, onde as relações de exploração, antes internas ao modo de produção, se espelham no território. As segregações econômicas, sociais e culturais no território, que formam as periferias dispersas e isoladas, são a própria deteriorização da vida social. “O crescimento quantitativo da economia e das forças produtoras não tem provocado um desenvolvimento social”. Sendo assim uma contradição: as elites e o Estado reforçam a cidade como centro de poder e decisão política, enquanto essa ação provoca o espraiamento urbano. As classes dominantes usam o espaço como um instrumento de dispersão e controle das classes operárias: “distribuí-las nos lugares designados a ela – organizar diversos fluxos, subordinados a regras institucionais –, subordinar conseqüentemente, o espaço ao poder – controlar o espaço e reger de forma absolutamente tecnocrática a sociedade inteira conservando as relações de produção capitalista”.46 O Urbano, essa explosão-implosão da cidade, destitui noções anteriormente estabelecidas, como totalidade orgânica do tecido, sentido de pertencimento, passado histórico comum, monumentos... É a sobreposição de resíduos arcaicos da sociedade, como grandes bolsões de pobreza; à expressões pós-modernas da ideologia 45 Lefébvre, Henri. Espacio y política, el derecho a la ciudad, II. Barcelona, Península, 1976, pág 9. 46 Lefébvre, op. Cit. Pág. 140. 28 urbana neo-liberal, como a construção da “metrópole global”. “À necessidade corresponderia o período agrário, produção limitada, submetida à ‘natureza’, atravessada por catástrofes e fome, domínio da escassez. Ao trabalho, corresponderia o período industrial, produtivo até fetichizar a produtividade, devastando a natureza, inclusive aquela que vive ou sobrevive no ‘ser humano’. A sociedade urbana corresponderia a fruição? Esses três campos, não só existem simultaneamente, mas se sobrepõem. Eles acumulam os problemas, sem por isso acumular as riquezas”.47 Suas formas essenciais de relações sociais também se sobrepõem, como as relações dos que possuem a terra, as relações dos que possuem o meio de produção e as relações dos que possuem os privilégios de gestão do Estado e as relações com os que não possuem a terra, a produção e os privilégios. Outro aspecto é a redução da sociedade de classes à ideologia da comunidade (totalidade de re-conhecimentos, sem conflitos e passados e culturas comuns). Isso se reflete nas “aparências caricatas de apropriação e reapropriação do espaço”, autorizados e controladas pelos poderes, nas festas folclóricas, comemorações, eventos; enquanto a real forma de apropriação, como a “manifestação efetiva, é combatida pelas forças repressivas, que comandam o silêncio e o esquecimento”.48 Essa construção da “imagem de comunidade” visa despistar reais interesses de mercado, produzidos essencialmente pelo Estado, para pequenos grupos produzirem e comandarem seu espaço. No urbanismo se constitui uma cegueira. “Em que consiste tal cegueira? No fato de olharmos atentamente o campo novo – o urbano – , vendo-o, porém, com os olhos, com os conflitos, formados pela prática e teoria da industrialização, comum pensamento analítico fragmentário e especializado no curso desse período industrial, logo, redutor da realidade em formação. (...). Quantas pessoas percebem ‘perspectivas’, ângulos e contornos, volumes, linhas retas ou curvas, mas não podem ver, nem conceber percursos múltiplos, espaços complexos! Não podem saltar do cotidiano – fabricado segundo coações da 47 Lefébvre, Henri. A Revolução urbana, Belo Horizonte: Editora UFMG, 1999, pág. 40. 48 Idem, pág. 31. É só lembrar acontecimentos na Avenida Paulista: comemorações de futebol, virada de ano, “cara pintada”. Esses todos, constituídos, programados e, principalmente, autorizados. Já as manifestções de desempregados e trabalhadores, sem-terra, monitoradas por tropas de choque da polícia militar. Casos mais chocantes e recentes são das manifestações dos professores em 2000 e contra a ALCA, cujos resultados, de extrema violência contra os manifestantes, mal foi discutida na mídia e nos poderes. 29 produção industrial e do consumo de produtos da indústria – para o urbano, que se libertaria desses determinismos e coações”.49 Outro aspecto é relacionado à natureza. Num primeiro momento, das relações agrárias cuja vida se baseia na resolução da escassez de bens e coisas, a natureza representa o desconhecido, o infinito, aquilo que envolve e delimita a cidade, os mistérios e fontes de mitologias. Ela é uma referência na produção dos espaços, isto é, onde têm tal e qual matéria prima, se é planície, se é frio, se encontram rios e estradas. Noutro momento, da industrialização, a natureza passa a ser o lugar que impede o desenvolvimento do homem, “um trambolho”, serve então para ser devastada e explorada para bens de produção. Ela não é mais referência para a produção do espaço. Por fim, o momento em que se estaria formando, o urbano, a natureza é a sobra do processo de expansão das cidades. Constitui-se como a nova raridade da sociedade. Não mais as raridades do período agrário, pois a industrialização pode produzir tudo, a produção como finalidade (não mais para suprir demandas, mas para suprir desejos construídos para o consumo dirigido da obsolescência programada, produção de capital). Essa raridade, como toda raridade, pode vir a ser a maior e mais cara mercadoria: a água, o ar, o sol, a luz... O que indica que seria importante que fossem geridos coletivamente, para a não reprodução das relações de produção. A questão é as relações sociais no espaço.“Isso quer dizer que o urbano como forma e realidade nada tem de harmonioso. Ele também reúne os conflitos. Sem excluir os de classe. Mais que isso, ele só pode ser concebido como oposição à segregação que tenta acabar com os conflitos separando os elementos no terreno. Segregação que produz desagregação da vida mental e social. Para evitar as contradições, para alcançar a harmonia pretendida, um certo urbanismo prefere a desagregação do laço social. O urbano se apresenta, ao contrário, como lugar dos enfrentamentos e confrontações, unidade das contradições. (...). O urbano poderia, por tanto, ser definido como lugar de expressão dos conflitos, invertendo a separação de lugares onde a expressão desaparece, onde reina o silêncio, onde se estabelecem os signos de separação. O urbano poderia também ser 49 Idem, pág. 38. 30 definido como lugar do desejo, onde o desejo emerge das necessidades, onde se concentra porque se reconhece, onde se reencontram talvez (possivelmente) Eros e Logos!”50 O cotidiano, a apropriação do espaço, e do tempo, subverteriam (ou poderiam) a lógica industrial e territorial de segregação e divisão de trabalho; porque a utilização do espaço não seria dada em conseqüência do funcionamento-funcionalidade da indústria e de suas relações de produção, mas das relações sociais. A gestão, ou autogestão, deste espaço pode subverter em dois sentidos: primeiro, subvertendo a ordenação funcional e industrial para o melhor usufruto cotidiano e simbólico; e segundo, na subversão da regulação institucional e ideológica do Estado (expressão de uma classe hegemônica), para uma relação democrática e participativa. A passagem da passividade controlada para a ação. A auto-regulação dos conflitos decorrentes dos contrastes, das oposições, das superposições e justaposições. Formalizando os espaços, objetivando os momentos da vida humana, de trabalho e de jogo, de conhecimento e de repouso, esforço e fruição, alegria e dor. O objeto urbano, por excelência, é a rua, “não se trata simplesmente de um lugar de passagem e circulação. A invasão dos automóveis e a pressão dessa indústria, isto é, do lobby do automóvel, fazem dele um objeto-piloto, do estacionamento uma obsessão, da circulação um objetivo prioritário, destruidores de toda a vida social e urbana. Aproxima-se o dia em que será preciso limitar os direitos e poderes do automóvel, não sem dificuldades e destruições. A rua? É o lugar (topia) do encontro, sem o qual não existem outros encontros possíveis nos lugares determinados (cafés, teatros, salas diversas). Esses lugares privilegiados animam a rua e são favorecidos por sua animação, ou então não existem. Na rua, teatro espontâneo, torno-me espetáculo e espectador, as vezes ator. Nela efetua-se o movimento, a mistura, sem os quais não há vida urbana, mas separação, segregação estipulada e imobilizada. Quando se suprimiu a rua (desde Le Corbusier, nos ‘novos conjuntos’), viu-se as conseqüências: a extinção da vida, a redução da ‘Cidade’ a dormitório, a aberrante funcionalização da existência. A rua contém as funções negligenciadas por Le Corbusier: a função informativa, a função simbólica, a função lúdica. Nela joga-se, nela aprende-se. A rua é a desordem? Certamente. Todos os elementos da vida urbana, noutra parte congelados 50 Idem, pág. 160. 31 numa ordem imóvel e redundante, liberam-se e afluem às ruas e por elas em direção aos centros; aí se encontram, arrancados de seus lugares fixos. Essa desordem vive. Informa. Surpreende”.51 Para as nossas elites, a implementação destes conjuntos na extrema periferia não se justifica plenamente pelos menores preços de terra, mas por duas razões: primeiro em relação ao controle político das camadas populares com o seu afastamento, concentrando-as em regiões homogêneas, estagnadas economicamente (grande reserva de mão de obra desqualificada), desprovidas de transporte (o que não permite uma mobilidade e acesso fácil às áreas providas da cidade) e confinadas a uma forma urbana específica; e segundo em relação à valorização da terra entre os conjuntos e os centros providos, devido à implantação de infra-estrutura que passa em antigos vazios urbanos, resultado da especulação imobiliária devido ao favorecimento de camadas da sociedade (possuidoras de terras). Formando assim um ciclo vicioso: a valorização de terras expulsa moradores para as periferias. A implantação de infra-estrutura resultado de uma especulação imobiliária decorrente aumenta o preço da terra, que expulsa os moradores... Com o resultado de uma expansão urbana descontrolada, concentração de riqueza em benefício de corporações, e uma periferia carente sem qualidade urbana, mobilidade e infra-estruturas adequadas. Muitas vezes baseadas na “políticas de desapropriação para modernização de sistemas viários”, sobretudo em função de transportes individuais, que contribui para a periferização, distanciando ainda mais contingentes populacionais de seus locais de trabalho e lazer e intensificando a demanda de transportes. Constituindo assim uma “Metrópole corporativa e fragmentada” (corporativa no sentido em que são beneficiadas as corporações e fragmentada no sentido de que os pobres se tornam praticamente isolados, devido sua imobilidade, fragmentados nas periferias urbanas) agenciada pelo próprio Estado52. Essa mesma lógica se aplica às zonas comerciais: os centros são bem mais providos de quantidades, estoques e mercado volumoso. Nas periferias, devido ao baixo giro econômico, à menor diversidade de produtos e serviços, os preços acabam sendo 51 “Os trabalhos de Jane Jacobs mostram que nos Estados Unidos a rua (movimentada, freqüentada) fornece a única segurança possível contra a violência criminal (roubo, estupro, agressão). Onde quer que a rua desapareça, a criminalidade aumenta, se organiza. Na rua, e por esse espaço, um grupo (a própria cidade) se manifesta, aparece, apropria-se dos lugares, realiza um tempo-espaço apropriado. Uma tal apropriação mostra que o uso e o valor de uso podem dominar a troca e o valor de troca. Quanto aos acontecimentos revolucionários, ele geralmente ocorre na rua. Isso não mostra também que sua desordem engendra uma outra ordem?” Idem, pág. 29-30. 52 Ver Santos, Milton. Metrópole corporativa fragmentada, São Paulo, Studio Nobel, 1990. 32 mais elevados que das áreas centrais, concentrando nelas, aumentando a diversidade, os estoques... Enquanto dificulta ainda mais nas periferias. Esse modelo de beneficiamento de grupos ou empresas, a partir de investimento público, tão típico e caro à cidade, ocorreu da seguinte forma nos Conjuntos Habitacionais: “O papel do Banco Nacional de Habitação mostra-se eficaz no que se refere à formação territorial corporativa. O BNH presta-se ao serviço da unificação de capitais necessários aos grandes investimentos em infra-estrutura que as grandes firmas nacionais e multinacionais iriam exigir para facilitar sua ação e lucro. Sem esse instrumento de unificação seria certamente impossível dotar as cidades brasileiras, sobretudo as maiores, de equipamentos modernos e capazes de permitir a operação de firmas modernas. Utilizando uma parcela de salário, compulsoriamente subtraída todos os meses de todos os trabalhadores, foi criado um verdadeiro fundo de modernização urbana, graças ao qual se criaram distritos industriais e se reduziram as distâncias entre cidades e dentro destas com a construção de vias expressas comparáveis às melhores dos países ricos e cujo uso deveria ser do interesse primordial das grandes firmas. Assim foram suprimidas deseconomias externas que ameaçavam a saúde das empresas já existentes e desencorajavam a instalação de novas. Isso iria facilitar a desconcentração industrial, já que grandes fábricas podiam se instalar ao longo das novas autopistas, porque as distâncias entre produções complementares eram, desse modo, consideravelmente reduzidas.”53 Com o fim do BNH outras formas de financiamento foram criadas. Algumas obras de implantação de conjuntos habitacionais são paralisadas no meio de sua execução pelo término dos financiamentos. E o estoque de terras da cidade concentra-se nestas “zonas de fronteiras”, cujo zoneamento é dedicado ao uso rural, entre eles os que compõem o Conjunto Habitacional Santa Etelvina, no distrito de Cidade Tiradentes. Apesar de terem sido projetados, esses conjuntos são implantados de forma fragmentada, dissociada tanto da topografia quanto dos sistemas de acessibilidade e transportes públicos e sem relações com conjuntos vizinhos, sobrando franjas de matas nativas e do sistema hídrico que possibilita a ocupação precária a posteriori. Se não bastasse a própria monofuncionalidade características deste tipo de projeto urbano, essa fragmentação não permite que esses 53 Santos, op. cit., p. 95. 33 territórios se constituam como sistema, que permitiriam compartilhar equipamentos públicos, áreas de lazer, redes de transportes, zonas comerciais e a constituição de sociabilidades cotidianas. Embora haja a implantação de conjuntos de melhor qualidade urbana, caracterizados pela auto-gestão dos próprios moradores (por muitas vezes os próprios construtores nos casos de mutirão) e pela organização social e política mais fecundas, persiste o problema da especialização espacial responsável pela configuração de zonas dormitório. Além da implantação fragmentada e a desconexão com outros conjuntos habitacionais e a cidade como um todo. Outra questão é a falta de mobilidade, decorrência direta do próprio modo de implantação e também devido à ausência de políticas integradas de transporte e incentivos a criação de pólos de desenvolvimento econômico. A forma de produção industrial é o modelo de pensamento da produção espacial urbano. As relações de produção se reproduzem no espaço. “Com o desenvolvimento do capitalismo é preciso reconhecer, como já mencionado, que não está aprisionado somente o tempo de trabalho – trabalho que se perde como trabalho qualitativo e realização do ser humano, através de sua atividade – o tempo de não trabalho sofre mais e mais interferência da organização da indústria e das estratégias políticas. A rigor, em Marx, já aparecia que, a compreensão, de forma cabal, da lei de acumulação capitalista, exigia transcender o processo direto de produção e exploração direta da força de trabalho, preocupando-se, naquele momento, com o levantamento das condições de habitação dos trabalhadores”.54 Esse tratamento analítico da vida social se projeta no urbano, através do urbanismo moderno (e a sua forma mais vulgar, os conjuntos habitacionais), segregando suas funções, perdendo a relação imediata com o espaço e assim ratificando sua própria funcionalidade. Esses conjuntos representam outra forma de pobreza, que não apenas a pobreza material, absoluta, ou a falta de instituições, equipamentos e serviços urbanos; mas a falta de cidade, a pobreza de vida urbana e todas as suas possibilidades cotidianas. “O cotidiano inclui o homem inteiro em seus diferentes momentos: o da vida privada, o dos lazeres, o do trabalho, e exatamente quando cada um desses momentos se constitui como tal, sustentado por instituições, organizações, poderes, conhecimentos, é 54 Damiani, Amélia Luisa. A cidade (des) ordenada, concepção e cotidiano do conjunto habitacional Itaquera I. São Paulo: Tese de doutoramento apresentada a Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo – departamento de Geografia, 1993. Pág 18. 34 que o tema torna-se crucial”.55 Pois entram nas estratégias de controle ideológico, burocrático e toda gama de ordenamentos possíveis, para finalidades dessas instituições, organizações, poderes. É bem sabido que os primeiros grandes conjuntos foram resultados de políticas habitacionais do governo da ditadura militar, com reverberações nos governos “democráticos” conservadores. Foi uma estratégia para abafar as crescentes insatisfações populares pela baixa qualidade de vida, pelo empobrecimento geral e por demandas disso conseqüente. A articulação popular consistia um outro viés político efervescente, contingente de possível subversão, que não mais os movimentos “camponeses” neutralizados pela repressão. Isso num contexto em que o Brasil se industrializava, mas não precisava reproduzir a força de trabalho, pois era, e ainda é, abundante: grandes reservas de mão de obra. A intervenção política nessas camadas se dava pelo mínimo, pelo mais funcional e racional. “O Estado mantém-se providencial, mas poroso às modalidades mais modernas, nem por isso menos destrutivas, de clientelismo. Age, de forma modernizada, através da criação de instituições comunitárias, controladas pelos governos num ardiloso clientelismo institucional. Esse clientelismo institucional apresenta-se como gerenciamento de elites operativas, racionais, pragmáticas, civilizadas. Vai desde a tentativa de controle da organização da população, através da criação de associações de moradores modelares. Estabelecendo normas de como organizá-las, e criando equipes sociais de acompanhamento cotidiano de sua realização; até o domínio das aspirações da população – sua pretensa inserção no mercado de trabalho, com cursos profissionalizantes, e a preocupação com a satisfação do morador no seu local de moradia. Havia, então, um departamento no BNH, Departamento de Estudos e Pesquisas Aplicadas – DEPEA –, que entre seus programas, incluía o ‘programa de melhoria das condições de habitabilidade dos conjuntos financiados pelo BNH’. Mas a esse clientelismo institucional se soma o clientelismo pessoal que aparece nos conjuntos habitacionais, como a relação de favor entre políticos e moradores, (...). A modernização do clientelismo, com o clientelismo institucional instaurado ao nível das estratégias políticas organizadas pelo governo central, não elimina o clientelismo pessoal, que essas forma urbana, no seu cotidiano, propicia reduzir-se. A sobrevivência do 55 Damiani. Op. Cit., pág. 16. 35 clientelismo pessoal também é explicada pela distância entre os discursos eficientes e a modéstia da prática e dos investimentos reais, realizados nos conjuntos habitacionais”.56 O controle dos espaços dos conjuntos habitacionais, não se encerra apenas na disposição dos serviços e equipamentos, mas nas possíveis formas cotidianas de apropriação. São as vilas operárias “contemporâneas”, representando a reprodução do controle dos trabalhadores fora do tempo de trabalho (nos tempos de ócio, nos tempos perdidos na burocracia dos serviços e nas formas de locomoção). Mesmo sendo conseqüência de reivindicação e organização populares, a implantação de equipamentos ou serviços nos conjuntos eram roubados pelo Estado na sua performance de controle e manipulação nos conjuntos onde as demandas são gritantes e o isolamento social é o modo de vida, cumprindo sua função e o legitimando. As regiões onde se instalaram os conjuntos, de certa forma, já eram ocupadas por contingentes populares. Principalmente na forma clandestina, na sua relação com a posse efetiva da terra. Nesses pontos as terras eram baratas, devido essas ocupações, distâncias, etc. e viabilizariam grandes empreitadas com a instalação de grandes sistemas de infra estrutura e saneamento, e ainda, possibilitando o desenvolvimento do mercado imobiliário através dos financiamentos e da concretização de construtoras com a adoção de técnicas de construção em massa. Só se justificava pelo acesso à propriedade privada pelas classes populares (“evidentemente de acordo com suas possibilidades e merecimento”) formando assim um campo de formalidade e controle centralizado desses territórios populares. “Esse mercado segmentado pressupunha um tipo de habitação, um lugar na cidade, limites do direito à cidade, também, segmentados. As grandes construções, referentes aos grandes conjuntos, definem, também, um processo renovado de segregação espacial, e delimitação, novamente segmentada, do que se referia ao padrão popular, como concepção de cidade. É a integração desse morador na cidade, no país, no Estado, enquanto parte das classes subalternas, reproduzidas como tais”.57 Os conjuntos habitacionais como uma expressão da política do espaço na manutenção de um governo autoritário. Ou seja, intervenções bem dosadas para, apenas, assegurar o controle político, através do espaço. A propriedade da terra 56 Damiani. Op. Cit., págs. 77-78. 57 Damiani. Op. Cit., pág. 91. 36 justifica a tirania do capital: subordinação, exploração e alienação: tira-se cidadão e coloca-se massa de manobra, o modo de produção se reproduz no urbano, na disputas por localidades na cidade. A população que tem acesso a esse tipo de financiamento, na sua maioria, já residia na cidade há bastante tempo. Vieram de habitações precárias como cortiços e favelas, mas também “removidas” devido ao processo de valorização de zonas mais prósperas, principalmente em relação aos aluguéis. Apesar do financiamento abarcar uma pequena variação de renda, atinge uma população completamente diversa, no sentido histórico, geográfico, político e social. A preocupação dos conjuntos habitacionais deixa de ser urbanística, no sentido da qualidade e forma urbanas, e passa a ser econômica: aumento da densidade populacional nos conjuntos com a redução dos tamanhos das unidades, redução dos espaços livres e coletivos, além da redução de serviços essenciais como transporte, educação, saúde, entre outros. Esse disparate urbano gera a falta de privacidade nos espaços privados (o autocontrole diário entre os vizinhos, que por estarem fisicamente tão próximos, participam diretamente à totalidade das vidas diariamente) e a falta de coletividade nos espaços coletivos (ausência total de qualquer referencial urbano a qualquer tipo de individualidade. Sua defesa é a individualização). Cidadania sitiada. “A forma não só é a expressão de um conteúdo, no qual adere ou seu reflexo, como, mais que isso, sintetiza mais de um conteúdo em movimento, reunidos, reduzidos, reinterpretados pela forma, como se ela fosse um filtro. Pois a forma é, ao contrário dos conteúdos, que se dão na dimensão do tempo, do movimento; a codificação, a formulação lógica, no limite último, num sentido mais abstrato, a liberação aparente dos tempos do conteúdo ou dos conteúdos redefinidos e reorientados. A forma, por isso, pode dissimular conteúdos, ‘agir seletivamente’, tentar autonomizar-se frente a eles, purificada. Ela é a lógica do espaço, enquanto conteúdo da lógica do tempo. (...). A forma urbana de conjuntos habitacionais seria a mistificação dessa forma urbana*, que antevê a sociedade urbana. Ao contrário, é o urbano reduzido á lógica da sociedade industrial, à racionalidade da empresa, à divisão técnica do trabalho. Nela imersos, conviver-se-ia com contradições acrescentadas ao acesso à humanidade do homem: é o homem reduzido em suas diferenças, sujeito a poderes e vontades de poder que lhe escapam, administrado em seus tempos e necessidades, redefinido ao nível da estratificação social. Às 37 diferenças de classe sobrepõem-se estratificações e preconceitos, baseados no local de moradia; relativos ao pobre urbano”.58 Nessa rigorosa homogeneidade formal, qualquer pequena diferença intrínseca a um mesmo extrato social, ganha corpo e extrapola a questão em si, gerando um comparativo social hierárquico. Agora, “as pessoas, vão docilmente, como quer o plano, comprar no centro comercial, pedir conselho no centro social, brincar no centro de lazeres, realizar pontualmente os atos do cidadão no centro administrativo? (sem omitir o fato que esses centros não existem ainda, senão sobre o papel, e que eles serão já um progresso!)”.59 Quer dizer, a produção analítica do espaço pelos planos, não contempla toda a gama de possibilidades de situações urbanas. A vida urbana, necessariamente, imprimirá, e imprime, marcas nessa homogeneização formal dos conjuntos habitacionais. A vida cotidiana vai “sujando” a pureza formal límpida dos edifícios, dos gramados, das ruas. A apropriação dos espaços (públicos, privados; coletivos, individuais) se dá, á partir de ações individuais e coletivas, preenchendo os vazios de vida urbana, (sem pieguice) humanizando o espaço. Nesse sentido, que submergem da miopia urbana, os conflitos e contradições inerentes de uma sociedade tão complexa e heterogênea. Isso também deve ser à base de gestão democrática do espaço. Constitui-se uma dupla possibilidade: a organização política reivindicatória da comunidade, cujo resultado desta luta é o próprio espaço apropriado, historicamente constituído, emancipado; ou a alienação total, a do controle centralizado com distribuição de favores por parte das instituições ideológicas e clientelistas de toda ordem. O urbanismo não deve ser a expressão da redução das funções urbanas, sua otimização; mas como o lugar das complexas relações humanas. “O BNH e o atendimento a faixas de renda diferentes, com projetos alternativos e diversificados, é possível porque a concepção lógica da cidade, com seus usos estáticos e funcionalmente propostos, crie essa possibilidade. Não se trata do burburinho e da complexidade urbana, considerados como desordem, mas de sua deteriorização em forma de uma cidade segmentada e segregada, em segmentos 58 Damiani. Op. Cit., pág. 190-192. *Forma urbana da simultaneidade dos encontros, da “reunião de todos objetos e sujeitos existente e possíveis”. 59 Lefebvre, Henri. Introduction à la modernité. Paris, Minuit, 1962, pág 123. Em Damiani. Op. Cit., pág. 149. 38 espaciais e sociais diferentes. Esta segmentação já existia como possibilidade. Contudo, a arquitetura moderna, no mínimo, não a perturbou; no limite. Legitima e alimenta essa racionalidade”.60 60 Damiani. Op. Cit., pág. 201 39 CIDADE REAL E INTERVENÇÃO NO AMBIENTE CONSTRUÍDO As críticas ao urbanismo moderno se dão pela sua atemporalidade e pelo autoritarismo com que são adotadas as suas soluções. A idéia de projeção de uma cidade nova já traz nela mesma a pressuposição de níveis de sociabilidade. Seus métodos técnicos e analíticos enquanto que a cidade historicamente constituída, menos ordenada, traz no seu bojo toda a gama de contradições da sociedade. Um outro urbanismo deveria se apoiar, em oposição ao “autoritarismo analítico” da cidade nova, na intervenção no território real, com características físicas e sociais específicas, elevando a participação, auto-gestão e apropriação cotidiana como elementos definidores do espaço. “A redução do urbano à moradia e aos equipamentos faz parte das estreitezas da vida política, que se tornou sufocante, tanto à direita como à esquerda”;61 e das possibilidades que essas ações têm de condução dos clientelismos tradicionais brasileiros. Está em curso o projeto Pontal Leste, uma Operação Urbana, associada ao projeto do Plano Diretor do Município, cuja finalidade é dar conta da problemática da região (Mapas a seguir). A questão essencial trabalhada pelo plano é a integração da acessibilidade dada a esses territórios, a partir da constituição ligações viárias (principalmente as rodoviárias) a um fomento econômico com o advento de um “pólo industrial”. A acessibilidade seria garantida pela finalização do eixo Jacu-Pêssego – Nova Trabalhadores que ligaria a região do ABC a Guarulhos, sendo parte de um anel viário que contorna a Área de Proteção Ambiental do Carmo interligando boa parte de distritos da “periferia consolidada” e “zonas de áreas de lazer, bem como a implantação de bairros residenciais. O pólo industrial63 seria responsável pelo fomento econômico, possibilitando uma sustentabilidade da região e gerando empregos em comércio e serviços. Estes elementos seriam necessários para uma possível melhora referente à estagnação em que os conjuntos monofuncionais se apresentam, além da integração com o sistema de transporte de médio porte. No caso do distrito da Cidade Tiradentes a correção da monofuncionalidade dos conjuntos existentes seria através da criação de uma centralidade no entorno do Terminal de ônibus Cidade Tiradentes, que “deverá ser acompanhada de um programa de recuperação ambiental e funcional (comércio e serviços locais)”. Além da ligação com a Estrada do Iguatemi, que conforma o anel viário já citado. A questão da constituição de “centralidades” associadas aos transportes, a equipamentos públicos como sub-prefeituras, postos de saúde, áreas de lazer, etc., de certa forma, repetem a mesma forma do “urbanismo funcional” com intervenções pontuais e a especialização destas áreas além das de uso comercial (associadas a esses nós de transporte) e zonas habitacionais. Apesar das boas intenções, o plano ainda não nos oferece qualquer forma de viabilidade, a não ser a “fórmula mágica das parcerias”, neste caso, Operação Urbana Jacu-Pêssego.64 Não delimita claramente as áreas específicas (oposto do que indica o Estatuto da Cidade e essa ambigüidade não objetiva ações), nem sugere nenhuma forma de desenho urbano ou arquitetônico (a não ser aquelas velhas conhecidas perspectivas coloridas, porém genéricas). E ainda conta com a Área de de fronteira” da Zona Leste62. Essa área ambiental seria responsável pela implementação 63 “Potencialização e estímulo à diversificação do pólo econômico existente em processo de transformação. A ZUP (Estadual) e Z7-001 Municipal deverá ser compreendida no âmbito das tendências econômicas metropolitanas traduzidas em um plano urbanístico que 61 Lefébvre, Henri. A Revolução urbana, Belo Horizonte: Editora UFMG, 1999, pág. 136. contemple desde ações públicas tais como implantação de infra-estrutura adequada (complementação do sistema viário, energia, 62 “Deverá receber tratamento de avenida urbana com sistema de transporte público de média capacidade (em estudos na SPTrans), e comunicação), desmembramento de lotes, etc., até uma política articulada de gestão e incentivos legais (legislação específica, cobrança de equipamentos públicos e comerciais que funcionem como indutores da pretendida estruturação urbana. A avenida deverá comportar 3 tributos, etc.)”. faixas por sentido com uma delas destinada a estacionamento de veículos de forma a permitir o acesso ao comércio local. As calçadas 64 Esta Operação Urbana é bastante reivindicada pelo empresariado local, que além dos incentivos legais conta com a construção de um terão de 5 a 6 m de largura com faixa destinada a tratamento paisagístico e comunicação visual específicos que distingam a rótula na viaduto “sobre a linha leste da CPTM com 405m de comprimento, ponte estaiada com 265m e quatro alças de acesso à Rodovia Ayrton região” Senna”. 40 Proteção Ambiental do Carmo, preservando a mata da ocupação urbana ao mesmo tempo em que garante maior acessibilidade à região e incentiva a intervenção urbana. O PROJETO DE INTERVENÇÃO NO CONJUNTO HABITACIONAL Este trabalho indica a necessidade de se agrupar intervenções pontuais sendo um ensaio de uma constituição de espaços coletivos diversificados e fluidos. Alguns elementos projetados, concebidos formalmente a partir de demandas mais diretas ou óbvias, e transformações que se constituiriam através da apropriação e gestão da população. Tem um caráter genérico, podendo ser pensado em outros conjuntos, devido a certa similaridade quanto às questões territoriais, urbanísticas e arquitetônicas; e um caráter específico devido às especificidades físicas e sociais do lugar. Vale atentar que hoje os Conjuntos Habitacionais são estruturados como “escama de peixe”, isto é, distribuição linear e ramificada dos acessos e mobilidade (sem esquecer da monofuncionalidade segregada característica); e que se deveria reestruturá-los á partir de um sistema, integrando-os e diversificando-os. O projeto se dá em quatro níveis: 1. Conjunto de equipamentos associados às paradas de ônibus. O projeto prevê o desmonte do Terminal de Ônibus Cidade Tiradentes cuja única função é o transbordo gratuito65 que poderia facilmente ser garantido por bilhetes de transporte 65 Os dados da Origem Destino da Cidade Tiradentes revelam que basicamente 1/3 dos motivos de mobilidade é o Centro de São Paulo, 1/3 é o Centro de Itaquera e 1/3 as redondezas, como Guaianazes (ver mapa OD pág. 26). As linhas de ônibus, de certa forma, confirmam esses dados: uma parte vai ao Centro de Itaquera passando por Guaianazes (Estrada do Iguatemi), outra passando pelo Carmo (Av. Ragueb Chofí e Av. Jacu Pêssego), ainda outra parte vai ao Centro de São Paulo. Notar que ao chegar no Conjunto Habitacional Santa Etelvina, todos eles fazem o mesmo caminho, passando pelo Terminal Cidade Tiradentes e com sua parada final no Terminal Metalúrgicos (Divisa de Ferraz de Vasconcelos com acesso pela avenida de mesmo nome). Isso quer dizer que o Terminal Cidade Tiradentes não serve como ponto final, é apenas passagem, e que todos os ônibus já passam pela Avenida dos Metalúrgicos. 41 temporário. Em conversa com o Arquiteto McPhaden, especialista em transportes e ex-vice-presidente da EMURB (Empresa Municipal de Urbanização) na Gestão de Luiza Erundina, esse sistema de bilhetes, já há muito tempo estudado aqui e utilizado no exterior, é bastante simples (podendo até ser integrado com outras modalidades de transporte). Enquanto o modelo de Terminal de ônibus se apresenta bastante deseconômico, pois é um grande equipamento que concentra chegada e saída de pessoas, segregado do entorno. Exatamente por causa desses motivos há uma concentração de ocupações informais ao redor do Terminal Cidade Tiradentes caracterizadas por pequenas e precárias barracas comerciais. O conjunto de equipamentos seria uma cobertura para a espera do ônibus, com bancos, telefones, lixeiras; bilheteria, lanchonete e banheiros públicos. E pelo fato dessas paradas concentrar acessos e atrair uso comercial, pensou-se em espaços comerciais formais, que poderiam ser alugados, por exemplo, e espaços que poderiam ser ocupados informalmente, com a diferença de que não atrapalharia a circulação de quem quer passar, a espera do ônibus, o descanso na lanchonete... Além de se situar na Avenida mais movimentada, Avenida dos Metalúrgicos, cujas habitações já apresentam várias adaptações para uso misto. Essas paradas, esse conjunto de equipamentos, estender-se-iam sucessivamente pela Avenida dos Metalúrgicos, potencializando o uso comercial lindeiro e a conformação de espaços coletivos como jardins, sombras, jogos. Associa-se ainda equipamentos de maior porte e de serventia para muitas pessoas. Neste projeto, optou-se por um posto de saúde e um refeitório tipo “bandejão”. 42 43 2. Ruas paralelas Estas ruas são as menos movimentadas, pois não dão acesso às habitações servindo como transposição das quadras. Algumas são completamente vazias e outras são ocupadas temporariamente por feiras ou por construções irregulares como botequins, mercearias e cabeleireiros, sendo estes os usos mais freqüentes da região. O projeto utiliza-se da declividade do terreno para construir espaços comerciais e lanchonetes no térreo animando a rua e nas suas coberturas terraços para os edifícios, garantindo uma distinção entre espaço público e privado. Há também terrenos desocupados destinados a uso institucional, que neste caso poderiam comportar equipamentos de maior porte como um centro comunitário, uma piscina pública e uma creche. 44 3. Ruas transversais Estas ruas são as que ligam os edifícios à Avenida dos Metalúrgicos. Neste caso ligando as ruas paralelas às paradas de ônibus. Projetou-se um edifício associado ao centro comunitário do outro lado da rua, de cursos ou aulas e uma biblioteca, podendo ser utilizados por cooperativas, grupos... “Plugado” nas empenas cegas dos edifícios. E um auditório que pode se transformar em sala de cinema ou teatro, no interior de uma quadra, cujo térreo é estacionamento do condomínio. 45 4. Espaços internos às quadras Mostra a possibilidade da construção de espaços com usos diversos dando uma maior qualidade ao conjunto privado. A sua estratégia é a remoção dos muros de divisa de lotes e o uso da topografia para conformação de recintos. Neste caso a questão da gestão desses espaços deveria ser trabalhada, pois esta remoção de muros quer dizer a formação de uma espécie de condomínio. Em conversa com assistentes sociais da COHAB, uma das coisas que dá mais problema é justamente reuniões de condomínio (embora neste caso seja porque um prédio ratifica a conta de luz com um outro e a de água com um terceiro, não entrando em acordo). Muito dos conflitos gerados entre os moradores como, por exemplo, lugar para estacionamento, lugar par criança brincar, lugar para os idosos descansarem tranqüilamente, poderiam ser solucionados com a maior liberdade de se transformar e utilizar esses espaços. 46 ENTREVISTAS E DEPOIMENTOS Esse material não caracteriza perfeitamente o universo social pela pouca quantidade de relatos e por não ser representativo da diversidade social existente, mas interessa por revelar formas de discurso das pessoas, desejos, ações e indicar um caminho para se olhar uma região de forma menos analítica e mais humana. É também interessante pela possibilidade de se atuar urbanisticamente através da reconstrução do caminho de seus moradores, sua história, percursos de vida, símbolos, cultura. Na primeira parte são relatos extraídos da obra de Amélia Luisa Damiani66 e na segunda parte são entrevistas feitas por mim e por Heloisa Diniz Rezende. Nestas, tentamos abordá-los de modo que não os conduzisse formulando perguntas menos específicas que pudessem expressar seus desejos, vontades. PRIMEIRA PARTE O isolamento do conjunto em relação a cidade e às pessoas. 67 “Em Tiradentes, a vida aqui não é boa. É ruim de tudo. É grande a distância e a falta de coisas que nós temos. O posto de saúde está quase para fechar. Lá, onde eu morava, a gente saía para trabalhar. Eu mesmo trabalhava, fazia limpeza nas Aqui é difícil até pra você fazer amizade, porque você tem que pensar duas vezes pra você conversar com as pessoas. O nível de vida aqui é muito baixo. As pessoas que saem, que moram em outros locais, que vem pra cá, não sabem definir: aqui é Cidade Tiradentes, aqui não é centro, aqui não é Carrão, aqui não é Tatuapé. Eu tenho que fazer minha vida aqui, agora as pessoas não colaboram. Aqui ninguém confia em ninguém. Eu moro aqui há cinco anos. Eu fui a primeira moradora desse prédio. Eu não queria ficar aqui, até como hoje não quero. Porque parece que o lugar aqui não ajuda a gente. Aqui parece que a gente não se desenvolve, a gente fica parada no tempo. Passa ano, entra ano e você ta sempre na mesma. Você não se desenvolve. Não consigo explicar como. O local é muito descriminado. A condução, a gente quer pegar um ônibus de tarde, a gente fica na fila, tem cinco na frente da gente, quando a gente vai subir no ônibus já tem trinta, quarenta. Os outros invadem. Minha mãe mora em favela. Lá, eu acho uma delícia. Não saio de lá, lá não tem fofoca, não tem briga, não tem nada de um falar do outro. Muito diferente do que aqui. Lá a gente vive mais solta, porque aqui a gente não pode sair para viajar, quando a gente volta é capaz de não ter nada além da casa da gente.”(pp. 247-249). casas das mulheres. Tinha meu dinheiro pra comprar minhas coisas, que eu precisava. Agora, aqui, só espero pelo meu marido, só. É um sozinho para trabalhar, pra dar de comer para 7 filhos, que eu tenho em casa. Sete. Eu não posso trabalhar porque aqui tem muito assalto. A gente sai pra trabalhar, deixa a casa da gente, chega e não acha nada. Aqui é uma cidade violenta. “Agora, eu acho grave a Cidade Tiradentes. Ali, na Cidade Tiradentes, é tudo morro, não dá pra você fazer um praça, fazer um campo de futebol. Aqui ainda dá. 68 Os prédios são mais apertados. O conjunto muito maior, também. Você perde um pouco a identidade. Cidade Tiradentes é mais difícil você recuperar aquilo como uma cidade, dar uma característica de cidade para ele. É uma população muito sofrida. 66 Damiani. Op. Cit. 67 Quando conversei com assistentes sociais da COHAB-SP, elas disseram que o maior problema de informalidade e inadimplência dos conjuntos, que chegam a 90% em Cidade Tiradente, é devido a evasão dos mutuários originais e moradores seguintes. Talvez, em 68 Em referência ao Itaquera I, o primeiro grande conjunto habitacional brasileiro, cujos espaços coletivos são um pouco melhores: mais decorrência da não adaptabilidade ao conjunto. distâncias entre os prédios e conquistas dos moradores para a implantação de praças e espaços de lazer. 47 Analisando o Conjunto Santa Etelvina, hoje, eu paro a discussão com relação aos Liberdade assistida: ordenação social e controle político. arquitetos. Porque não é do passado, não é da ditadura militar a construção daquele “Mas na prática o pessoal do conjunto habitacional da Cohab I, da Zona Leste, não estava conjunto. Aquilo ali é um absurdo. Levaram 18 mil famílias para aquele conjunto. No total preparado para conviver em edifício, em condomínio. (...). A boa harmonia entre os me parece que tem 2 ou 3 campos de futebol. Aí você tem a coragem de pedir segurança. condôminos, a vizinhança, o problema da lei do silêncio, que é a partir das 22 horas. O Você quer o que, que não tenha marginal num lugar desses? condômino se ressente um pouco restrito em questão de festa, de aniversário no seu A gente não queria esse negócio isolado. A gente quer daqui para fora, de fora para apartamento, e a gente orienta a proceder: faz requerimento pro síndico, pede autorização. dentro. Tem que ser integrado. Não está mais separado, mas separava. A gente sentia, Eles acham tudo isso uma depravação, uma coisa contendo a liberdade deles”. (pp. 242) porque a tendência, se a gente não tomar cuidado, se fecha. A gente tem que estar “Por exemplo, os conjuntos têm poucas saídas. Aqui tem três. A gente sentia que era uma sempre atenta, porque senão se fecha mesmo, se isola; o pessoal do conjunto se preocupação de juntar o pessoal. E se um dia cai uma repressão violenta em cima da isola.”(pp-252-253). gente aqui, como a gente sai do conjunto? Eles fecham as saídas, a gente fica sufocado. Esquisito isso. Não é uma coisa que eu tenho claro, se é proposital isso”. (pp. 251)69 “Simão, comparando a Cohab I (Itaquera I) à Cidade Tiradentes, diz – O pessoal que veio “Eles fizeram esses conjuntos proibindo vender pinga, proibindo outros tipos de atividades aqui para a Cohab I, quando ele mudou, aqui, foi assim: agora eu estou no meu que gerassem discussão. Não pode ter botequim. Eu sou o maior defensor do botequim, apartamento. Aí, aqui mesmo com dificuldades, ele conseguiu reunir forças para lutar. que para mim é o seguinte: o único espaço cultural do trabalhador é o botequim. Por Cidade Tiradentes tem uma característica interessante, o pessoal foi pra lá, chegou lá, incrível que pareça é o único. É no botequim que se discute tudo. Lá se discute religião, se quer sair. Ele não quer se enraizar”.Emenda, Cidade Tiradentes é mais violenta, mais discute se a mulher do vizinho é bonita ou se não é, se discute se o Corinthians ganhou ou isolada, e seus moradores, hoje, são mais pobres: “a população está muito mais miserável empatou, se discute a questão do aposentado lá no Congresso. Então, vamos fazer um do que há dez anos atrás, ta muito mais pobre, muito mais empobrecida.” E a Cohab I projeto que não crie isso, que não crie essa discussão, que essa discussão não interessa”. “tinha ainda o bairro de Itaquera e Guaianazes pra lá, Cidade Tiradentes não tem mais (pp. 264) nada, eles estão isolados, no limite.”(pp.222) “Quando colocaram a gente no conjunto, a COHAB tutelava as pessoas, tutelava as “Você vê muitas pessoas na rua, aqui, entre 5 e 8 horas da manhã e entre as 17 e 20 entidades. Eles falavam: pode até surgir associações. Mas eles não esperavam que horas. Nesses dois horários você vê o fluxo. Aí as pessoas nem se cumprimentam, saem algumas pessoas escapassem daquele tipo de pessoas que eles queriam aqui. preocupados para não perder o horário de trabalho. E chega cansado, quer descansar, Porque você percebia, assim, que o técnico, ele tem um limite. Ele pode ir até certo ponto, assistir a sua novela”. (pp. 290) depois ele não pode ir mais. Mas nós não, a gente extrapolava isso. Foi uma coisa que nasceu fora dos limites da COHAB, que o BNH impunha. Então, foi um negócio que surgiu 69 Em referência ao Conjunto Habitacional Itaquera I. 48 na margem desde 1980, movimentos mais intensos, na medida que não se tinha nada”.(pp. 268)70 alguma forma, e essa revolta, poeticamente, fixa-se em algumas em algumas fachadas”. (pp. 223)71 “Como enfrentar o rigor do espaço onde moram: através de uma ação individual, com Desejos. reformas nos apartamentos e nas casas, ou nos prédios; e numa atuação essencialmente “A gente precisa construir aqui, espero daqui uns 5 ou 10 anos, restaurante, que a gente coletiva, através dos grupos populares, que lutaram e lutam em benefício do conjunto tenha lanchonete. Estamos brigando para ter uma casa de cultura. Tem que ter um teatro, como um todo. Mesmo o morador mais imerso no anonimato, que esse espaço reforça, cinema. Ter, não aquele centro esportivo, temos que trabalhar para que tenha piscina, que essa atitude coletiva pode tê-lo alcançado. Por meio dos abaixo assinados, que numa as pessoas tenham tudo o que tem do outro lado, lá nos Jardins. Essa juventude ia dada época, os anos 80 em especial, circularam por demais nos conjuntos. É próprio de começar a se interessar pela parte cultural. A gente está preocupado mais com a Itaquera I afirmar lideranças populares, que se valem, por vezes, de mediações de convivência, porque os filhos estão crescendo”. (pp. 266) políticos, até das assistentes sociais, mas não submergem à elas, ou se descaracterizam Sobre velórios: “na Cohab, os apartamentos são pequenos; velar nos locais públicos através delas. Se esses grupos populares não são conhecidos por grande parte dos (igreja, centro comunitário, etc.) não é permitido, é anti-higiênico; os cemitérios estão longe moradores, inclusive porque, como cidade dormitório, como dizem, recebem muitos (e são caros). Então, nada mais justo haver um local próprio para isso, dentro do conjunto desses moradores por algumas horas ou dias, o eco político da ação coletiva tem certa (que é uma verdadeira cidade). Aqui morre muita gente, que é lógico, mora muita gente”. intensidades. E há, mais que nunca, o embate entre a identidade do morador, que tenta se (pp. 267) firmar, com a produção e a reprodução de um espaço ‘planejado’. Aquele imediatamente afeto a instancias mais amplas e distantes, que , como já vimos, atingem o cotidiano do Apropriação dos espaços: transformações e expressões. morador”.(pp. 225)72 “Vocês devem ter visto aí que tem uma quitanda, hoje, dentro dos conjuntos, habitacionais, quer dizer, a própria comunidade atendeu às suas necessidades. Ela mesma buscando criar instrumentos para atender às suas necessidades, contrariando os projetos, e até contrariando, também, a legislação que está aí”. (pp. 265) “Nos grafites, aparecem cores, motivos, que não repetem a imagem do conjunto, mas seu inverso. São sonhos, memórias, imaginações e que reprovam o que se vê ao redor, de 71 Interpretação da própria autora em relação ao Conjunto Habitaciomal Itaquera. Eu, em visita aos conjuntos Santa Etelvina IA e IIA, não reparei esses tipos de expressão. Ao contrário, a maioria dos muros tem inscrição de candidatos às eleições. A dúvida neste caso: expressar para quem? 70 Em referência ao Conjunto Habitacional Itaquera I. 72 Interpretação da própria autora. 49 SEGUNDA PARTE SEU COSME 73 A gente gostaria que você começasse contando um pouco a história do senhor, de onde veio... É uma história muito grande, e triste. Bem, eu sou cearense, nasci lá na caatinga, lá no cafundó mesmo. Eu até não gosto de conversar, isso não, porque eu sofri muito. A minha infância foi terrível, foi seca, fome, e tanta coisa errada. Muita pobreza. A gente vem chegando aqui, né. Eu fui para Brasília, trabalhei nas obras do Juscelino, eu sou velho, tenho 72 anos. Você veio para São Paulo quando? Eu vim em 1960. Aí eu cheguei aqui, quando eu cheguei aqui, eu era morador de rua, não tinha jeito, eu vim de pau-de-arara na época. Não tinha condição. A Rio-Bahia era terra, não tinha nem asfalto. Eu levei 19 dias do Ceará para cá, uma viagem de louco, dormindo debaixo do caminhão, um bocado de sofrimento. Eu cheguei aqui, minha mulher ficou lá no Ceará. A gente tinha casado lá, quando eu vi que não dava para criar meus filhos lá, eu vim para cá. Cheguei aqui, fiquei dormindo pelo chão, uma vida danada, mas eu tinha muita fé em deus, sempre tive. Eu dormia na estação da luz, antigamente aquilo funcionava, mas agora está tudo... De madrugada, agente deitava, os maloqueiros, maloqueiro entre aspas, era tudo trabalhador, mas não tinha oportunidade. E quando era de madrugada, para lavar a estação, jogavam água com a mangueira e a gente estava deitado, tudo em fila, molhava o traseiro... Mas eu pensava comigo: eu não vou ficar assim, eu tenho coragem de trabalhar. Aí fui parar na imigração, tinha antigamente no Brás um lugar que a gente comia e dormia, quando chegava do Nordeste, mas eram só três dias. Depois tinha que se virar, eu fui parar numa fazenda, lá pelo lado de Salto de 73 Morador de uma casa tipo “célula embrião”. Piraporinha, que fica do lado de Sorocaba, por lá trabalhei de escravo. Mas é uma vida danada pra a gente contar. Depois eu vim para cá de novo, e fiquei ali pelo Brás, jogado aí, até que um dia... Eu trabalho de eletricista, tenho uma profissão, sou um homem das mil profissões, nenhuma eu fiz, mas eu sei fazer um pouco de tudo. Tenho a bagatela de 40 anos de motorista, de carro pesado, não é só “baratinha” não. E eu era analfabeto quando cheguei aqui. Mas quando eu cheguei aqui, a gente que tem um pouco de mentalidade, você fala: numa cidade grande dessa, que não era do tamanho que está hoje, era bem mais pequeno, mas então eu tenho que aprender a ler um pouco. Para fazer duas coisas: ler o itinerário dos ônibus e fazer uma ficha de emprego. Eu entrei numa escola do SESI na ponte pequena, não sei se ainda tem, aí eu trabalhava de dia e estudava de noite. Quando deu o quarto ano, não deu mais para estudar, porque a mulher estava aqui, as crianças nascendo, então eu tive que trabalhar mesmo. Eu trabalhei vinte anos em dois empregos, foi quando eu montei minha vida. Se eu fosse me aposentar pelo meu trabalho, eu tinha me aposentado com quarenta anos, eu me aposentei com 52 porque deu tempo de serviço. Uma vida meio danada, meio cansada. Mas grassas a deus fiz o meu dever de homem, que se todo homem fizesse isso o Brasil seria outro. Casei, cuidei dos meus filhos, o analfabeto aqui sou eu. Eles todos tem o canudinho de papel. Outra coisa deus tem abençoado muito, você vê, nos dias de hoje, que a crise está horrível em todo lugar do mundo, os meus filhos nunca ficaram desempregados, nem macho e nem fêmea. Eu parei porque aposentei, fiquei velho e ninguém me quis mais, coragem eu tenho de trabalhar, mas... Grassas a deus eu sou feliz, fiquei aposentado depois de tanta luta, fiquei coma minha casa, que hoje em dia você vê nessas televisões, lutas para conseguir uma casinha, todo mundo. Conforme a classe, pobre ou rico, classe média. Estão tudo doidos pra ter um apartamento, uma casinha. Todo mundo. A nossa casa é o nosso ninho. Grassas a deus eu fiquei com a minha, paga a vinte anos. Não sei se vocês lembram, mas uns vinte anos 50 atrás, eles tiraram a metade do saldo devedor, eu tinha pago a metade da minha casa, aí entregou a chave, mas não me entregou a casa, eu não posso entrar! Por que?” Aí ele eu corri e paguei tudo. Não tirei a escritura porque muita coisa aconteceu, os filhos olhou para mim, falou assim “olha, porque não tem água!” Aí eu falei “eu vejo uma lagoa casaram, a mulher morreu. Eu peguei os documentos de quitação, guardei, não devo cheia lá em baixo! Cheinha”.Tinha uma lagoa grande ali, onde hoje tem aquele motel. mais, a Marta não cobra IPTU, nós somos isentos. E a morada aqui é muito boa. Aqui o Eu fui o primeiro da rua, porque tive peito de arrombar a porta, arrombei porque era minha que se fala, da COHAB, “é casa de companhia...”, mas a nossa que moramos aqui, e a né, e o outro dia o vizinho arrombou essa, depois o outro, quer dizer, todo mundo criou minha nora faz muitos anos que mora aqui já, não tem o que falar não. Eu acho que é um coragem. No começo não tinha nada aqui, tinha poste de luz, mas era quebrado; a rua era dos locais mais calmos da Zona Leste. toda danada, passava um rio de água aí, descia. Aí puseram a Sônia aqui, era uma moça Como é que foi que o senhor conseguiu essa casa? Como foi a inscrição, como muito boa, como presidente aqui da COHAB, aquilo foi uma santa nessa COHAB, não sei ficou sabendo da inscrição? que fim levou aquela moça. O que se pedia ela fazia, ela demorava um pouquinho, ela era Eu trabalhava no SESI, naquela época na Rua Catumbi, e lá tinha uma viúva pobre, você tão gorda que quase não podia andar, mas aquilo era de bondade. Tudo que se pediu a vê, às vezes conversar é bom, ser tagarela é ruim, eu sou, mas é bom de conversar... Eu Sônia ela fez. Tanto é que a cohab, tem muito bairro por aí que não melhorou que nem estava pagando aluguel, com um monte de filho, lá no Jardim Brasil, aí conversando com aqui. Ela pôs asfalto, ela pôs luz, tudo que se pedia. Uma vez eu fui lá “olha, eu queria que essa viúva lá, que era faxineira disse, “porque não vai na COHAB, eu moro numa casa lá você pusesse umas pedras na pracinha, que a molecada joga muito futebol, fala palavrão, em Sapobemba”, um sobradinho que nem aqui, eu falei “não sei nem onde é”, aí ela falou e se a gente põem umas pedras, e pinta as pedras, fica bonito”. Aí ela falou “olha, eu vou assim “é na Rua Maria Antônia, bem na esquina da Consolação”. Eu fui mais a minha pôr pra você, você deu uma boa idéia A gente põem umas pedras uma do lado da outra, mulher, cheguei lá e nos inscrevemos e ficamos 5 anos esperando. A gente ia lá, nunca depois pinta de cal, os moradores pintam, além de ficar bonito interrompe a molecada de deixamos de ir, você quer uma coisa, você batalha por isso, nós íamos, mês sim mês não. bagunçar”. Mas ela foi embora antes disso, foi a única coisa que ela prometeu aqui e não Aí depois que mudou para cá também, foi uma luta para entregar, porque, eu vou falar fez, mas é porque tiraram ela daqui, foi para a Cohab II, ela está pra lá, até hoje. Mas era uma coisa, esses prefeitos da nossa terra são muito divagares, essas casa aqui chegaram uma boa moça. a apodrecer, o povo esperando. Eu cheguei aqui, eu derrubei, meti o ponta-pé na porta, Quando eu fui receber minha casa na COHAB, eu tinha vendido um táxi naquele tempo, falei “deu o que der”. Estava escrito, a casa saiu para mim, entregaram a chave, mas não eu era empregado e comprei e a prestação não dava pra pagar, pesou porque eu tinha davam ordem de entrar. Eu mais a minha mulher derrubamos a porta, lavamos a casa, que trabalhar de um lado e do outro, aí eu vendi aquele táxi e o rapaz falou que assumia. enchemos as caixas d’água. Nesse dia veio um engenheiro, no centro comunitário, pra Quando fui receber a minha casa, estava atrasado três meses o táxi, já estava no cartório, atender o pessoal, falar porque não entregava as casas, mas eu já estava aqui dentro. Eu o protesto, e eu não sabia, aí ela falou, a assistente social, “você não pode receber a sua fui falar com ele, ele era altão, cabelão branco, tava aquela fila lá e aí foi passando todo casa”. Você vai passar cinco anos esperando, na hora de receber tem uma pedra no mundo e chegou a minha vez “o senhor me colocou numa situação terrível, o senhor me caminho, aí eu falei “pelo amor de deus, tenho criança pequena. O que eu faço?” Ela falou 51 “o que eu posso fazer pra você é você procurar pagar e eu vou arrancar os documentos da O que você achava bom daqui, o que é legal, como é morar aqui? mão do juiz”, aí eu vasculhei São Paulo, até que eu paguei, e ela disse “agora não se Eu da minha parte acho muito bom. Acho que eu morava mais depressa aqui do que na preocupe, deixa o resto comigo”. Até hoje eu vejo ela na COHAB, na Prestes Maia, está Zona Sul. velha ela, da vontade de dar um beijo, de tão boa que é aquela moça. O que é que tem aqui que te anima? O que mais tinha aqui? Tinha centro comunitário? O que me anima aqui, eu acho que pra mim pessoalmente, como eu já falei, eu cheguei na Centro comunitário tinha, lá do outro lado tem, muito devagar mas já tinha essas coisas, minha casa, eu achava que era o Juscelino lá e eu aqui. Porque eu não podia comprar tinha um lugar que servia de igreja, um bocado de coisa. Tinha uma salãozinho e fizeram uma caixa de luz na época. E eu cheguei aqui pagando pouquinho, e poder olhar e falar um supermercado, depois né. Quando agente chegou aqui tinha que comprar pão em “isso aqui é meu agora!” Sobre casa que eu morei, eu tive casa melhor do que essa, casa Guaianazes. As peruas vinham aqui trazer leite de manhã, a gente comprava na porta, e particular, fazendo poço, eu tive umas oito casas na Vila Maria, só que eu tinha muito filho, não tinha asfalto nem nada, a gente ia lá em cima... Quantas vezes a gente não perdeu o tinha que trabalhar, os pedreiros me passavam a mão. Cheguei numa situação que não sapato! Aquela baixada ali, a perna da gente entrava até o meio na lama, uma vida tinha mais casa, tinha que pagar aluguel, e caí aqui, e nessa daqui eu me firmei. Fiquei danada, viu! Não tinha nada quando chegamos aqui. Tinha os postes da luz, água também mais espero, não pus ninguém pra me roubar, tinha minha mulher que ficou mais esperta não tinha, que era de bomba. No dia que tinha água, tinha. No dia que não tinha, a gente também. Quando a gente vem do Norte, a gente vem meio bobão, sabe. Confia em todo saía doido de balde na mão, atrás de poço... Todos os começos são assim, mas logo mundo. Porque o nortista é muito bobo nesse ponto. Depois que você chega numa cidade melhorou. Depois entrou a Sônia, como te falei, pediu água, pediu luz e tudo pra nós. Em grande você fala “não é nada disso não, você tem que confiar nas pessoas, mas vê quem”. dois ou três anos nós já tínhamos tudo. O nortista tem um defeito muito grave, chega uma pessoa eles armam uma rede de lá até Você disse que comprava em Guaianazes. Você trabalhava fora. Como é que era o aqui, com a varanda que encosta no chão, te trata assim e quando você sai fica todo transporte? mundo chorando pra você voltar. A gente é criado assim, a hospitalidade fora do comum. Era uma vida muito dura, porque quantas vezes eu vim no último trem e dormia na Que não pode se fazer nos dias de hoje. Não pode, porque você cai do cavalo. As delegacia em Guaianazes. E eu fiquei tão conhecido lá que o delegado falava “lá vem o pessoas exploram. Do milhão você tira um que pode confiar. Eu fui criado no tempo do meu companheiro velho!” Dormia lá até as quatro horas da manhã, que era quando tinha bigode, você tirava um pelo e aquilo valia um documento e hoje em dia acabou isso daí. condução que passava aqui pelo Iguatemi, tinha uns ônibus Santa Rita, era a única Até no papel se acaba. condução. Que o nosso mesmo aqui, não tinha nada, nada. Muita gente fazia como eu. Não conhecia essa expressão... Uns dormiam no meio do caminho... Era muito ruim. Aqui passava os verdureiros, os Não? Antigamente os fazendeiros, os barões, eles tinham aqueles bigodões, então você ia fruteiro, os caras vendendo leite, mas não tinha venda, não tinha nada. Depois vem vindo, fazer um negócio... melhora. “toin...” 52 Tiravam e aquilo valia a palavra. Agora, hoje em dia, o cara dá documentos, vai no cartório apresentar você pra ele”. Não acredito: vou falar com um deputado federal, não é possível! e tudo... Eu só conhecia jegue lá no norte... Aí eu sentei assim com ele e ele falou “que falou pra O pessoal aqui estudava aonde? Como que fazia coma s crianças? você falar comigo?” Dona Maria. Parece que ele não gostou... Tinha que ser a Dona Maria. As crianças estudavam lá em cima, no Jardim São Paulo, não sei se você conhece, lá O Coração dela é deste tamanho... Eu falei “é mesmo”. Ele falou “o que o senhor quer de tinha ônibus da CMTC. Aqui tinha um córrego que chamava Guaiol, esta canalizado, as mim?” Aí eu falei, um bocado de mentirada, que tem que falar, “olha doutor, o senhor é tão crianças passava de noite, os pais iam levar ou a criança maiorzinha. Estudavam do lado bom, que o seu nome chega lá na minha terra”, que nada eu nunca tinha ouvido falar em de lá que aqui não tinha. A Marta fez... Aqui de frente tem uma creche, esta pronta, já está deputado: é jogada política, então ele falou “é verdade?” É verdade. “O que você quer de enferrujando! E não entregou ainda. Esta assim de criança, esta assim de mãe “pelo amor mim?” E falei “um emprego, tenho sete crianças e tal e tal”. Ele falou assim “você vai de deus”. É uma lentidão tão grande e aqui nós estamos em época de eleição, você trabalhar amanhã”, olha que homem hein, “você vai trabalhar amanhã, sabe por que? imagina se passa. Se passar ao a ovelha perdeu a lã. Sabe conversar bem, viu rapaz!” Aí ele me deu um cartãozinho, desse tamainho, falou As coisas acontecem mais em época de eleição aqui? assim “você vai do lado de lá, no Palácio Mauá”, que é ali na Maria Paula, onde é o Fórum É. Aqui em época de eleição acontece mais. Mas acho que é em todo ligar né, porque é hoje, “você sobe no primeiro andar e fala com o Jarbas, ele foi criado comigo no interior, por debaixo do pano... Ninguém pode fazer nada por um voto, mas faz. na minha infância, o meu pai tinha uma fazenda aqui e o pai dele ali e nós nos criamos O pessoal vem aqui pedir? juntos. Ele não vai falar não para você. Garanto. Pode ir lá”. Despedi dele fui. Cheguei lá, Vem. Só que os que vêm aqui, as vezes fica no meio dessa praça aí, discursando, “vou atrás do seu Jarbas, tropecei no tapete do homem, todo atrapalhado para entrar lá, aí o fazer isso, vou fazer uma escada, um banco...” Depois não vem mais. secretário falou “o senhor não pode entrar”e eu falei “eu preciso falar com ele”. “Então o Todo mundo já aprende... senhor vai esperar um pouco”, espero sim, até um dia... Até que uma hora o secretário Já aprende. Aliás, tudo nessa terra muda tanto. Eu já fui beneficiado por um político aqui, e dele, que hoje em dia me recebe tão bem no prédio do SESI na Paulista, quando eu vou eu posso falar o nome dele, que eu não acredito Eu falei com ele pessoalmente, fui lá todo lá, chama Humberto, ele está velhão, chego lá ele me abraça “hei rapaz, você sumiu!” Eu caipirão, nem falar direito eu não sabia, eu falei com o deputado, o velho, não o novo. O fico lembrando “naquele dia você queria colocar uma pedra no meu caminho, mas escritório dele é no palácio das arcadas na Quintinho Bocaiúva, no Centro. Eu falando um consegui”. Seu Jarbas quando saiu de lá “você quer falar comigo?” Sim senhor. Mas aquilo dia com um senhor “por que você não fala com um deputado?” Mas como é que eu vou era uma beleza de pessoa. Falou a mesma história, quando a coisa é séria, quando a falar com um homem desses? Aí ele falou assim “vou te emprestar um paletó, uma gravata coisa é verdade, um vai atrás do outro. A mesma história que o deputado falou para mim e você vai falar com ele”. Eu fui. Cheguei lá, Dona Maria era a secretária dele, velha, uma “a fazenda do meu pai era aqui e a dele era ali”, ele falou a mesma coisa. “Eu não posso senhora até feia, mas com um coração do tamanho desse vaso, e eu falei pra ela que era falar não para ele, porque ele foi meu colega de infância. Você vai trabalhar amanhã. Eu do Norte e estava cheio de filho, ela falou “venha quarta feira de tarde que eu vou vou arranjar um lugar pra você trabalhar...” “Doutor eu não tenho documento nenhum...” 53 “Você vai tirando, trabalhando e quando terminar você já está empregado”. E eu fiquei Isso. Não sei se todo mundo presta atenção como eu, e olha que eu votei no Getúlio, eu dezesseis anos, de besta que eu saí. Fui feliz nesses dezesseis anos, que me ajudou sou velho. Você vê, quem faz um bom governo são os assessores. Ele acha bom ele lança muito na aposentadoria. Os políticos mais velhos, eu sei lá, comigo foi bom. lá, mas se os outros não acharem ele não faz nada. A política é como uma casa de família, Eu vejo falar aí na praça, que nem o Salim, que foi um dos que mentiu pra nós, nós não é a mesma coisa? Quer dizer, todo mundo tem a sua pequena política, todo mundo. pegamos o Salim e subimos ele. “Ah! Eu faço uma escada aqui, ponho um banco...” Não Aqui na minha casa era eu, minha mulher e sete filhos. Você acha que eu ia fazer as quero muito amigo! Uma pracinha deste tamanho! Pra por uns cinco ou seis bancos... E coisas só? Que jeito? Alguém tinha que falar alguma coisa, e assim pode ser na sua casa pra um político que está querendo alguma coisa, e outra coisa, ele é dono de depósito, lá e na sua, alguém tem que falar. Porque nós não somos só, número um é que se toma a em Itaquera, um dos maiores depósitos aqui da Zona Leste, e ele só mentiu, só prometeu, sua decisão, mas quando tem mais gente é diferente. A primeira família do mundo tinha só e não fez nada. Depois ainda caiu naquele negócio da Câmara, onde eles passam a mão, quatro. A família mais infeliz do mundo foi a de Adão e Eva. Acredita nisso? Só tinha né. Quer dizer, um cara que foi falho até o último. Hoje em dia é até duro pra gente votar quatro! E um irmão matou o outro! Naquela época! “A infelicidade é de agora”. Não, isso é não é, muito embora eu vou votar se eu quiser, vou votar porque eu quero vota no Lula de muito tempo atrás. Olha como está o Oriente Médio, pegando fogo. Mas não é de hoje mesmo, no PT! Votar na raça todinha, sabe. A coisa ou pega ou cai por terra, porque está também, naquele tempo como tinha só quatro pessoas, quatro pessoas, não é fácil? Mas bom de mudar isso aqui. Os caras estão com medo do Lula. Você viu no noticiário? Já três um irmão com inveja do outro, já matou. A Mãe teve que ir embora com o mais velho, que bancos de lá estão falando que, do crescimento do homem, já estão com medo. Porque as mães são uma coisa linda. Adão falou “vai embora”, se o deus já estabeleceu “sois você fala assim “eu não vou na casa do Seu Cosme, que ele é valente, está com uma vagabundo na Terra, até quando eu quiser”, Caím teve que se mandar. E a raça de Caím calibre 12. então eu não vou lá”. É porque você está com medo. Então os caras estão com está aí, o mundo inteiro é cheio deles e Abel morreu ali. E depois de cem anos, como diz a medo do Lula, porque sabe que ele não vai ser muito bom pra tubarão não. Aqueles escritura, é que vem novamente Adão conhecer a sua mulher novamente e nascer outro tubarões que você passa a mão na cabeça, põem uma gravatinha nele... Estão com medo filhos. Mas ele ficou afastado aquele tempo todo, e que angústia houve nessa família, do homem. Mas aquele lá não é do tipo que corre só com conversa não, não corre não. naquele tempo, quantos mil anos atrás que nós nem sabemos. Então, todo mundo tem sua Pode não ser bonito, não fazer bem a barba, ser nortista, não falar bonito, mas pode pequena política. Teve irmão, teme pai, teve tio, e todo mundo tem, você tem a sua esperar. Eu acho. Outra coisa, muita gente fala “o Lula é analfabeto, não vai fazer um bom pequena política. Queira ou não. governo”, acontece o seguinte, muitas vezes, o camarada nem é tão cheio de conversa, Entre as pessoas que moram aqui, tem uma pequena política também? não tem muita leitura e tal, e os assessores? Onde é que está o Zé Dirceu? Aquele Tem. Em todo lugar tem. Mercadante que é um crânio? Onde é que estão eles? Vamos chegar pertinho que ele vai Como é que é? lá... Muitas vezes não é o cara... A pequena política dos vizinhos aqui, todo lugar que tem uma comunidade, sei lá, você É a equipe, né... tem que passar “oi, bom dia!” Não pode se aprofundar, não se enfiar na casa dos outros, 54 não deixar enfiar muito na sua, fazer que nem a sabedoria chinesa: numa casa que nem a porque eram poucas pessoas e tinham que se juntar. Pra fazer alguma coisa, não é? E era minha ali, essa porta fechada pra eles não olharem nem pra cozinha. Eu não faço isso, muito melhor do que hoje, que esta abandonado, jogado lá, ninguém deu mais uma pintura mas se fazem comigo, eu não tenho queixa não. Não sei que credo, porque a pessoa faz naquele trambolho. isso, mas coisas da vida, não é? Tem pessoas que você pode conversar mais, tem Mas tem reunião hoje em dia, tem festa, algum acontecimento? pessoas que só da bom dia, um bocado de coisa. Principalmente da Cohab toda. Eu estou De vez tem um bazarzinho, agora foi dividido e tem lá um pedaço que é da anti-alcólico... falando da minha rua. Aqui são mil sobradinhos, do mesmo conjunto, da mesma época, São salas, aquilo que era um salão. Tem um pedaço da associação lá. Então dividiram e quer dizer, são quatro quadras: tem a primeira e vai subindo até a nossa aqui. Dessas mil, vão aquelas pessoas. Mas não tem mais aquela união que nem antigamente. Cada qual a maioria dos donos já não são os mesmos. A maioria vendeu, foi pro interior, outros tomou parte do quarto do boi. compraram noutro lugar, tem pouca gente dos primeiros, dos pioneiros tem pouco. E por que será que as pessoas deixaram de usar? Quando todos vieram para cá, ninguém se conhecia? Acho que além de tudo, a vida endureceu tanto. Amanhece o dia, todo mundo corre atrás Não. Ninguém se conhecia não. do seu trabalho, que a gente não pode negar que é longe do Centro, que uma pessoa pra E isso é ruim ou é bom? pegar uma condução pra trabalhar lá não é fácil. Você vai de trem ou de metrô, mas de Como eu sou um cara muito tagarela, da minha parte, eu acho bom conversar com qualquer maneira é difícil. E a nossa condução aqui não é boa não. Parece que é, passa pessoas que eu não conheço. Daí você faz um bom amigo, ou você afasta não é? Quando mil ônibus aí, mas aqui nós não temos ponto final, nós não temos. Passa aí, quando quer convém você faz uma boa amizade, quando não convém você... Até o dia de hoje, aqui parar para, quando não que passa por cima da gente, um bocado de coisa não é? E mesmo, tem pessoas que você não pode fazer muita amizade. Tem pessoas que só naquele tempo nós tínhamos um ponto da CMTC aqui. porque tem um carrinho bonito acha que é melhor do que você e não é, não existe isso no E outra coisa, muitas pessoas interessadas daquela época, os velhos, já morreram. mundo. Porque o que eu acho, no meu modo de pensar, eu tenho que ver o que sou por Naquele tempo os velhos chegaram aqui e muita gente que eram caprichosos, andavam dentro, por fora. Meu amigo, por fora é porcaria, sabe? Meu sentimento, meu modo de ser com um livrinho debaixo do braço pra fazer abaixo assinado, a maioria já morreu. E a de pensar. E tem pessoas aqui que nem sabem o que é isso. No começo não foi muito juventude não vai tomar conta disso nada. Está feito, está feito. Acabou. bom, mas depois que as coisas melhoraram ficou. (Noshimori – nora de Seu Cosme) Falta muita união, também. Acaba ficando Você falou do centro comunitário. Como ele é e o que tem lá? desacreditado. “Você vai fazer isso pra que? Não vai acontecer nada!” Mas se não toma o Naquela época era melhor do que hoje. Parece incrível, naquele tempo que era inicial, o ponta-pé inicial, não vai conseguir nada mesmo. pequenininho, e não tinha mudado todo mundo. Era melhor. As pessoas faziam reunião, Você acha que é por isso que as pessoas perdem o interesse? conversavam, planejavam a creche, essas coisa que não tinham aqui, quer dizer, era até É. E porque os políticos ajudam muito né! Todo político que vem aqui “vamos fazer isso, melhor naquele tempo, sabe? Saiam as pessoas soltando foguete, chamavam a gente, vamos fazer aquilo”. “Vai ter uma reunião, a Marta vem, não sei mais quem vem, lá no 55 centro comunitário”, não vem ninguém, é só papo furado. Outro que se candidata pela falar uma coisa, eu não sei os outros, mas eu tive uma luta muito grande para reformar primeira vez, com aquela força, passa aí berrando de carro, “vamos lá em baixo”, a gente essa casa. Porque eu tive que cuidar de sete filhos e tinha que pagar pedreiro e comprar vai lá e também não vai. E se vai, vão quatro pessoas, porque também estão material, fazer um monte de coisas. Eu acho que eu sou um herói, pelo amor de Deus. desacreditados. Um bocado de coisa né? Vocês não vão entregar essa fita pros políticos Porque as pessoas que fizeram, que eu vi, os vizinhos, tinham uma possibilidade melhor não né? Eles vão falar “esse cara fala muito!” Embora tanto faz estar aqui como lá. Você para fazer, mas eu foi com muita raça que eu fiz isso aqui, eu lutei muito. Eu não fiz dentro sabe que com a velhice a gente fica liberto? Hoje em dia se eu fosse um camarada que de pouco tempo não, foi dentro de vinte anos. fosse político, eu falava a verdade doesse a quem doesse. Sabe o que eu falava? Vocês Eu e minha mulher falávamos: "Bem, o dinheiro vai dar para pagar um saco de querem fazer de mim bife, pois então façam. Me comam. Mas que a verdade é essa, é arroz...vamos dividir, vamos comprar três quilos de cimento, três de arroz, quer dizer essa! Ninguém me tirava. Eu sempre falei a verdade, doa a que doer, viu! Fui criado aquela batalha para a gente poder fazer, e Deus me deu uma mulher 100%. Porque eu assim, sem pai, quase sem mãe, que eu tinha que trabalhar, mas sempre tive esse jeito de falava, combinava e a gente fazia, foi bom, foi muito bom. ser. Doa a quem doer. E depois que eu conheci a palavra de deus, que fala assim “dizei E aí a casa, no começo era o quê? Tinha um quarto, uma sala, como que era? sim, sim; e não, não nem que cortem o seu pescoço fora!” Agora que eu sei falar a Tinha uns três quartos aqui, dois pequenininhos e um maiorzinho, né? Tudo com porta verdade. E eu falo pro meus filhos, que são tudo homem como eu, acabou aquele negócio bonitinho e tudo, mas aí na quebrada lá de dois pequenos eu fiz um que é justamente de vocês falarem “não conta pro pai!”, conta sim. E se eu estiver errado, me chamem a esse, onde mora ela (Noshimori). atenção, por favor. Eu não sou o dono da verdade! Você é velho, mas as vezes você erra, E outras casa eram assim também, as pequenas não, as pequenas só tinham dois fala uma coisa que não é. quartos, um para lá, outro para cá. Eram bem menor do que a minha, enquanto que a Quando agente veio pra cá, não podia fazer nada, como vocês sabem que pobre é sempre minha tem 5 metros (largura do lote) a dele tem 3,5, né? Mas a família era mais pequena, pobre. Agente vem pra casa de companhia que desse tamaninho, mas a gente queria e o resto é tudo assim. Cada quadra dessa tem duas casas dessa, o resto tudo é pequena. demais, não tinha condições de pagar aluguel, morar em lugar nenhum. Vir pra cá é uma As pequenininhas eram dois quartos, embaixo sala, cozinha e banheiro, mas muita gente benção. já levou até o fundo, construiu, cresceu. Essa casa aqui por exemplo, você entra lá, como E era tudo igual antes? casa de pobre você fica bobo, porque o cara tem uma sala e uma cozinha tão bem Tudo igual. Você entrava numa e era o mesmo que entrar noutra. montada que você precisa ver, tudo material de primeira...quer dizer então, muita gente E aí vocês foram transformando... fez muita coisinha dentro daquilo que pode fazer, né? É. Aí muda de escada, muda de parede. Eu podia ter tirado foto aqui da minha casa pra E o senhor mexeu aqui por que, sentia falta de alguma coisa...? vocês verem como é que era, mas nem me lembro mais, de tanto que eu quebrei aqui. Além de sentir falta do espaço que eu queria, eu não fiz isso aqui bem feitinho porque eu Olha, ali era um banheiro, onde tem essa escada era a portinha, pequenininha. Eu vou te não posso, porque eu gosto das coisas bem arrumadas, eu sempre fui assim, né? Eu sou 56 um camarada, que sempre quando eu comprava um carrinho velho para mim, quando Mas o que você gostaria que tivesse? chegava no fim do ano, ele estava mais bonito do que aquele que eu comprei, né? Porque Ah, para juventude e para os meus netos um centro esportivo era o ideal, e para os velhos eu estava sempre em cima, né, põe pneu novo e põe uma coisa nova, eu gosto de uma pelo menos um jogo de bocha não era bom? (risos) Legal, né? Mas não tem nada. coisa bonita e boa, né, então se eu não tenho é porque eu não posso, né? Então a minha E para você, Noshimori? casa era essa, a minha mulher era muito caprichosa, queria as coisas bonitinhas e eu (Noshimori) É aquilo que eu falo o que falta, tem espaço... também, aí a gente fazia dentro daquilo que a gente podia, a gente fez, e eu acho que Tem o terreno,mas não tem as coisas... todo mundo é assim. (Noshimori) É, não tem as coisas. É aí que entra eu que faço parte de um grupo de Vocês passam a maior parte do tempo aqui na casa ou... voluntariado para a gente estar correndo para lá e para cá. Tem que aproveitar essa Eu passo aqui mesmo. Eu não pago mais passagem de ônibus nem nada, mas eu fico época, de politicagem aí para a gente pegar uma abertura, principalmente esses novos aqui. Primeiro porque eu gosto muito da minha casa, eu gosto, eu amo a minha casa e que estão entrando pela primeira vez. Eles querem mostrar serviço, tem mais possibilidade depois eu vou para a cidade para ser assaltado? Como eu tenho visto, sem querer às de estar ajudando a comunidade também, então principalmente esses que querem voto da vezes eu vou para a cidade e vejo assalto. comunidade a gente está correndo atrás. Eu não estou pensando...penso em mim Eu trabalhei até os últimos tempos, eu trabalhava no banco, no 'Citibanco', eu trabalhava também, penso nos meus filhos de estar vindo um centro de aprendizado lá, de todas as como maloteiro lá dirigindo, depois que eu aposentei. Às vezes eu parava na Rio Branco, idades de estar ali aprendendo, tipo uma cooperativa praticamente, né, então é isso que na São Luiz ali e eu via os malandrinhos da rua, aonde tem uma mulher e um velho eles eu quero. vão lá, é presa fácil, né, então eu vou lá agora fazer o que, ser assaltado? Mas por aqui não tem... (Cosme) Lá no São Miguel, na praça do forró que eles chamam, porque toca os forrós e Não por aqui acontece porque em todo lugar está horrível, né, mas é bem pouca, pouca tal, abriram um negócio, o Alckmin fez isso aí. E você chega lá, tem saúde, tem esporte, coisa, não tem muita coisa não. para terceira idade e aí se abrange para todo mundo, né? Então tem até comida de um Mas falta, sei lá, um jardim...? real. Só que você não vai daqui até São Miguel só para comer. É, falta sim. A molecadinha às vezes invade aí para pagar um sapo é porque falta Gasta mais dinheiro chegando lá do que... justamente, né. Quer dizer um centro esportivo não podia ter? Podia ter um centro É e quem não gasta como eu, nem toda hora você pode... Então porque não aqui que esportivo para o nego patinar, sei lá, jogar basquete, isso aí segura muito as crianças que você tem uma população tremenda aqui. Quer dizer você já pensou essa hora a gente ficam por aí aprendendo o que não deve, né? estar aqui se ajeitando para almoçar chega lá a gente leva um realzinho e paga, se os E para vocês, assim... governos podem fazer por que não faz? Ah, para nós não tem é nada. 57 Eu não sei, eu acho o povo brasileiro, muito embora, a gente vê um mundo muito pior do que todo mundo. Mas eu acho que é uma falta de reconhecimento tão grande por aquilo que aqui agora mesmo a Globo está fazendo uma série de reportagem sobre Serra Leoa que você fez. É a mesma coisa das pessoas, às vezes eu estou aqui em casa vendo que é um troço terrível para a gente ver, né, a gente que é humano, gente sofrendo televisão e eu vejo a moçada passar aí para estudar de noite. Uns fazem as coisas de dia, absurdo, mas nós não estamos lá, estamos num país graças a Deus bom, vamos usar trabalham e de noite querem estudar, queimam a pestana, é muito justo que você também nosso país enquanto nós temos, não é, porque os países do mundo não vão ser ruim para tenha seu lugar para recompensar aquilo que você fez, às vezes um rapaz da sua idade é nós muito não, porque nós somos o celeiro do mundo, nós somos, vai na Amazônia...Olha, ruim da vista porque estudou demais, fica a noite não pode estudar de dia estuda a noite, no sertão do Nordeste tem umas terras que chamam Cerrado, se você vê aquilo diz: "Aqui mas aí te faz mal a luz, um bocado de coisas, né? não dá nem pipoca" Mentira, os matos são todos tortos vermelhos, ressecados, a melhor E de fim de semana aqui, Seu Cosme, o que as pessoas fazem? uva do mundo está dando no Cerrado da Bahia. Três sacas por ano. A Itália que dá mais Aqui mesmo nesse nosso pedaço não tem nada, outros vão para a pizzaria, mas para uva no mundo perdeu já para nossa qualidade de uva, deste tamanho, roxa, a coisa mais cidade, aqui mesmo, não tem uma festinha, não tem nada não, falta um lugar não é, falta linda, aí depois disso vem tudo, tudo no Cerrado, o que falta é vontade dos governos. Por um lugar. Quando tem um ginásio esportivo, por exemplo, tem competição, tem convidado, que os governos não acordam, só querem voto, só voto. Se fossem bons nós ficávamos aqui não tem nada. Aqui atrás tem um terreno vazio, uma coisa doida de grande, puseram mais felizes quando votássemos neles, com certeza, não é? umas grades que já apodreceram, como os políticos fazem, né, já apodreceu, gastaram o Eu não faço por mim mais, mas eu faço por você que é jovem, por você, eu dava o meu dinheiro do povo, que é do povo, né, compraram umas grades, disseram que ia ser, que ia voto, “Vamos por o homem lá, o homem é bom”. ter rodeio que ia ter isso, que ia ter aquilo, morreu na praia, está tudo podre aí, ninguém Muitas vezes a gente começa, eu sou um cara muito pensador. Às vezes eu vou no Poupa ligou mais para nada, agora estamos em época de eleição podiam reavivar o negócio. Se Tempo fazer qualquer coisa e eu fico pensando que bela obra fez o Mário Covas, não é, a fizessem isso aí, como eles planejaram, que tem uns prédios aí que a Marta está fazendo, gente não pode fugir da realidade. Mas você chega no Poupa Tempo, aqueles jovens tudo o outro lado está tudo cercado dentro do nada. Se tivesse isso aí funcionado, não era uma de crachá te atender, você fica bobo porque nunca houve isso, chega lá só falta te pegar beleza, chegava domingo ter para onde ir. Porque eu vou te falar uma coisa muitas vezes no braço. Você se sente feliz, você está na sua terra, você está sendo bem atendido por você sai de casa e senta numa arquibancada e vê os jovens jogarem, basquete, qualquer aquilo que você fez, e você já pensou um cara como eu, eu nasci quase trabalhando que coisa, a gente não participa, mas você vai lá dá belas risadas, chega em casa feliz, é ou nem franguinho. Minha idade de oito anos foi me dada minha primeira enxada, eu nunca não é? Você se diverte. mais parei. Trabalhei que nem um des...para quê? Para ver esse país bonito que nem ele Até uma vez eu vi um samba lá no Rio-de-Janeiro que falava assim 'Nós estamos velhos, está, e assim igual a mim são muitos e ninguém não é nem reconhecido. Porque eu vou te mas ainda não morremos ', porque quando você tem vida você, você quer ver alguma falar viu, cara que hoje trabalha, que se mata de trabalhar e ganhar o salário que eu ganho coisa, mas nesse nosso pedaço aqui você não tem o que ver. Às vezes eu estou aqui de aposentadoria é infeliz, mas...fazer o que? não sou só eu, e eu não quero ser melhor do sozinho, aí eu pego um ônibus, não pago mais condução, aí eu vou no Habib's e lá eu 58 como umas duas esfirras abertas e depois eu volto e continuo o mesmo Manuel Luis aqui um modo de pensar. Porque o que acontece é o seguinte, se você quer ver mulher nua, dentro. vai à praia, aí você vai ver aos lotes. Aí você trás dentro da sua casa aonde tem você, Aqui tem mais jovens ou mais adultos? seus netos, tem sua mãe que é mais velha que não está disposta a ver porcaria, todo Aqui está dividido.Tem muito velho também, aposentado, mas tem muito jovem também. mundo sabe que mulher nua é bonita, a senhora desculpa, mas é , é o troço mais bonito Mas aqui por causa do jovem não ter lugar, eles pegam muito caminho errado, nossa! que pode ter nessa terra, é ou não é meu amigo? Com certeza, não é? Então você vai à Como dizia minha mãe, se junta com bons que será o melhor, quando se junta com ruins, praia, você vê: preta, branca, mulata, do jeito que você quer, por que tem que trazer para a será o pior. Então se junta com os outros aí prefere fazer outras coisas, quando vê morre televisão? Então, os homens deviam fazer um programa melhor, mais educativo, vê a TV até, às vezes rapaz de dezessete, dezoito anos amanhece aí com a boca cheia de Cultura, qualquer hora que você liga lá tem um programa bom, não é? Então, já tem o formiga, porque toma caminho errado, aqui na nossa quadra graças a Deus não , mas daí nome de Cultura, aí vem a Globo com esse pornô, deixa eu falar bem alto que é para para baixo acontece. Então a gente não queria isso, a gente não quer isso. Você sabe de gravar, a Globo é pornô, só tem porcaria, essa novela que está passando aí, é uma novela uma coisa, não é demagogia não, eu vou à igreja de domingo, eu fico feliz da vida, se eu que a gente conhece as outras terras, sem nunca ter ido lá, mas uma hora a moça está chegar lá e a igreja tiver cem membros, cinqüenta são velhos e cinqüenta são jovens, você com um cara, outra hora, já não está mais com o cara está com o outro. Geralmente eu fica feliz da vida, sabe por quê? Jovens educados, vão cantar lindo, vão falar coisas falo para os meus filhos: 'Olha filho, eu lamento tanto quando as coisas tomam um rumo bonitas, dançam, vestem aquelas roupinhas, os pastores ensinam, a gente fica feliz de diferente...' Porque no dia que você vai casar, eu casei, eu sei disso, eu me lembro porque vida sabe por quê? Porque a gente está vendo a continuação do nosso Brasil. Não é eu não casei no católico, casei só no civil, mas eu me lembro que o cara que me casou era porque a gente vai se acabar, que a gente vai morrer que vai se acabar o mundo, vai doente da espinha, corcunda, mas ele me falou uma coisa que nunca mais eu me esqueci. continuar, e quem vai continuar? Os jovens. A minha mulher tinha quatorze anos, era uma menina, acabar de criar para nós podermos Eu vou te falar uma coisa, dentro de mim eu sinto um carinho tão grande pelos jovens, viver, eu tinha 27 e ela 14, mas o juiz na hora do casamento ele falou, veja bem: 'Isso aqui porque eu já fui. Às vezes eu falo para os meus filhos: “Vocês pensam que eu nasci se chama aliança, aliança é uma vivência, não tem fim. Não pensa que você vai casar velho?” Eu já tive meus quinze anos, eu já tive meu tempo bom também de namorar, era hoje, separar amanhã que você está infringindo uma grande lei’. legal, e hoje em dia você fica feliz. Eu falo para o meu neto às vezes: 'Se aquieta um E passou o dedo assim na aliança... pouco dentro de casa. Presta atenção no que está acontecendo aí, põe uma fita boa aí para você aprender, porque a televisão se você for procurar os programas que têm, são ROSANA74 uns programas sem-vergonha, você sabe que tem, mas tem programa instrutivo, então Meu marido trabalha fora, mais perto de onde agente morava. você assiste os instrutivos, caramba. Por que você vai assistir aquilo que não presta? Tem Apesar de estar mais longe foi melhor de mudar para aqui? esse “Big Brother" esse negócio aí é uma porcaria, meu amigo, eu acho, né, cada qual tem 74 Moradora de uma casa, recém removida de uma favela. 59 Foi porque onde a gente morava dava enchente. A gente morava onde tinha um córrego processo, te enganaram. Não trouxeram para cá. A gente fez um cadastro em 90, então perto, então, toda vez que tinha essa chuva de verão, final de ano, nossa! A gente sofria, quem mudou depois, ou comprou barraco, não tinha direito, perdia. Eles ficaram lá, não tinha que subir tudo as coisas, pra não estragar. Tem gente que perdeu muita coisa lá. deram casa para eles. Algumas pessoas, minha irmã por exemplo, conseguiram aqui com Quando a gente mudou, não tinha água, não tinha luz. A assistente social um dia foi lá e muita humilhação, na época elas compraram o barraco lá e as assistentes descobriram e exigiu que a gente mudasse, já tinham invadido três vezes aqui. Ela deu uma semana pra não queriam dar a casa para eles. Eles passaram por tanta humilhação, chamavam de gente mudar, inclusive muita gente que não queria. Ela falou: se vocês não mudarem, mentirosas. vocês vão perder, e a gente não vai dar casa pra vocês, e daqui vocês vão sair, porque a Há quanto tempo vocês moravam lá? avenida vai passar por aqui. Inclusive já estão fazendo isso. Teve gente que não Nossa! Eu me criei lá, faz mais ou menos 20 anos. Eu gostava muito de lá, inclusive conseguiu pegar as casinhas. depois que eu mudei pra cá, fiquei com depressão. Que avenida que é? Por que você gostava de lá? Ah! Não sei. Já estão fazendo a avenida. Era área de risco. Por que eles chamam agente Porque era mais agitado. Quando eu passo da portaria já sinto a diferença, aqui não tem de área de risco? Porque muitos barracos caíram, uma área muito próxima do rio. Eu nada. Apesar de serem as mesmas pessoas que moram aqui nessa rua serem as mesmas morei em um que desbarrancou, caiu o tanque e aí, chegou um pessoal da Prefeitura e me pessoas que moravam lá, tudo junto. Lá era mais agitado, mais animado. Tudo perto. fez sair de lá, pra pagar aluguel, porque tinha crianças e corriam risco. Padaria, farmácia, mercado. Tudo. Aqui tem pessoal do Arthur Alvim também, de vários lugares. Por que você acha que aqui ficou menos agitado? De remoção também? Aqui é muito calmo. A noite é uma escuridão, não tem luz na rua. Não sei se o pessoal tem Tudo de remoção. medo do lugar. Eu fiquei com depressão quando cheguei, de tão calmo que é aqui. São quantas famílias aqui morando? Mas você fica com medo daqui? Eram 108 famílias, mas chegaram mais umas 50 lá embaixo. Lá na rua que agente Uma parte a gente tem medo porque é escuro, não tem luz na rua, e tem gente aqui que morava, ficaram seis pessoas, que não ganharam casa aqui e estão lá até hoje. Elas não estuda, chega tarde da noite. Tem gente que trabalha, chega tarde da noite. Aqui tem sabem o que vão fazer, estão com medo, não sabem se vêm pra cá. A obra parou por umas pessoas... Então dá medo. Nessa rua era tudo de um lugar só, mas pra lá é gente causa deles, porque se a obra continuasse a casa caia. Tem até um primo meu, está de favela, gente ruim. Então dá medo. nessa de que não sabe pra onde que vai. Enganaram a coitada de uma mulher lá, uma Vocês tiveram algum problema? vizinha nossa, deram o prazo pra ela sair até hoje. Aí ela saiu, inventaram que tinha umas Por enquanto não. Tem pra lá, como esses dias, teve um cara que expulsou a sua mulher, casas lá em Cotia, ela foi de mudança e tudo. Chegou lá era mentira. Quando ela voltou o deu um prazo pra ela sair de casa. E ela saiu. A maioria das casas está no nome da barraco dela estava derrubado, ela está na rua. E falaram pra ela, você tem que jogar um mulher. A minha é no meu nome, porque quem participava das reuniões, os maridos 60 trabalham, eram as mulheres. A do meu pai é no nome da minha mãe, porque meu pai já O tamanho é, muitos daqui moravam em um cômodo só. Uns outros em dois, no máximo foi beneficiado uma vez pela Prefeitura, só que o local que a gente foi era muito perigoso, três cômodos, e aqui é tudo igual, mesmo tamanho para todo mundo. Essa mulher aqui de lá pelos lados de São Miguel, e meu pai não quis e vendeu. E quando foi para conseguir traz, ela é sozinha, mora sozinha nessa casa. Ficou tudo de bom, a mesma coisa. Isso essas casas, eles descobriram que já tinha sido beneficiado pela Prefeitura e não tinha aqui eu acho bom. Mas todo mundo reclama da luz, você não sabe quem vem vindo. Tem mais direito. Aí foi no nome da minha mãe. Não só ela, como a minha tia, e outras uma história que uma menina foi estuprada lá em cima, eu não sei se é verdade, mas tem pessoas. uma história, pelos boatos. Vocês passam o dia inteiro aqui? (Noshimori) Esses apartamentos em construção, são meio perigosos também. Durante o Ah! Eu Passo, infelizmente. dia tem aquele movimento, mas à noite para. Mais dentro de casa ou fora? (Rosana) Embora esses dias eles têm trabalhado até de madrugada, não sei se estão com Mais aqui dentro de casa. Tem dia que você sai e não vê uma alma viva na rua. É muito pressa de entregar isso aí, tem dias que eles ficam até 1h, 2 da manhã. Acho que eles mais calmo do que onde agente morava. estão com pressa. Eles estão trabalhando até tarde, antes às 17h parava, agora ficam até O que seria bom fazer, trazer aqui para que ficasse mais animado? O que você tarde. desejaria que tivesse? Por que você diz que o pessoal lá do fundo é ruim? Eu acho que é luz na rua, que é o principal... Outro dia teve uma morte aqui, um rapazinho Por que ali, você sabe, tem muito bandido, né! Ali para trás, agente tem medo. que mataram aqui dentro. Só que ele não era daqui e não foi gente daqui quem matou. Ele Dizem que não pode mexer nas casas, mas o meu pai mexeu. Elas vieram esses dias aqui entrou aqui dentro e acabaram matando ele lá atrás. Isso aconteceu, eram 11 horas, e e não falaram nada, não. Tem casa aqui atrás que já tem não sei quantos andares em essa hora tem gente chegando da escola, está chegando gente do serviço, e passam cima, fizeram até churrasqueira, a casa está linda. Inclusive foi a tia do menino que morreu assim atirando. Eu fico com medo de bala perdida. Então o melhor é luz na rua. A gente já do caminhão aqui (terreno da Associação Paulo Freire - Mutirão), ele foi pegar a rabeira do fez abaixo assinado, mas ficou só na promessa. caminhão e bateu no peito, hemorragia interna... Suas crianças também ficam por aqui? Só as duas meninas, à tarde, vão para a escolinha e o menino, eu estou tentando uma vaga na creche, mas está meio difícil. Pra idade dele, 12 vagas, e foram inscritas 700 FÁTIMA75 crianças. Lá onde agente morava, eles tinham creche, escola. Tudo perto. Agente saía na A gente mora a 14 anos. Durante um ano e meio construímos em mutirão. Aqui todo rua e dava de cara com a padaria, uma padaria em cima da outra. Mercados. Farmácias. mundo trabalhou, a maioria ficou. Aqui era térreo. Dois cômodos pequenininhos, a cozinha Aqui não, é tudo longe. O tamanho da casa aqui é maior de que onde vocês moravam? 75 Líder comunitária, moradora de uma casa tipo “célula embrião” construída em mutirão, segundo ela. 61 era metade desta, tinha o banheiro na cozinha e a sala era grandona, porque fazia sala e banheiro, aumentei a cozinha, aumentei a garagem, diminuí a sala. Hoje é sala, cozinha, quarto. banheiro e dois quartos. Vocês começaram a construir quando? Como é que foi essa conversa de que iam morar 250 famílias e depois 520? Em 88. Aqui seriam 250 famílias, aí teve uma reunião e ficou decidido 520, por isso que Teve uma reunião com o “pró-favelas”, que do mesmo jeito que eu preciso, tem sempre hoje ainda tem esse problema da documentação, porque tem que desmembrar. Cada duas alguém que também precisa. E estava todo mundo louco para pegar a sua casa, e todos casas daqui era para ser uma. Nós aceitamos que fosse dividido, porque de 250 para 520 aceitaram. é mais gente precisando, e a gente aceitou. Aqui a gente começou a pagar 10% do salário É bom morar aqui? mínimo, depois, porque o “pró-favelas” faliu, agora a COHAB toma conta, a gente está É fazendo o recadastramento para terminar de pagar. E quem está fazendo sou eu, a Jô, e O que tem bom, o que vocês acham legal, o que gostam? algumas pessoas. Eu gosto de tudo aqui. Eu não dou dinheiro nenhum na minha casa. E não adianta falar Aqui nessa casa moram quantas pessoas? que aqui é violento, porque qualquer lugar é. Não troco não. Aqui morava quatro. Nasceu mais um. Cinco. E os vizinhos? E dava para se virar dentro deste espaço? Aqui se tornou uma família grande. Têm alguns, porque aumentou a casa, acha que é Tem que dar né. Porque, pelo menos você está pagando uma coisa que é sua. Você sair melhor que os outros. Mas também não incomoda ninguém, não. Aqui na minha rua todo do aluguel, a maioria aqui pagava aluguel. mundo fala com todo mundo. Todo mundo sabe da vida de todo mundo. Você morava onde antes? O que vocês acham ruim daqui? Parque Guarani. Perto de Itaquera. Uma casa, bem maior que aqui. Só a sala dava dois Nas casas ou...? Bem, aqui, nessa rua não tem esgoto, não tem boca de lobo, e a gente cômodos daqui e ainda sobrava espaço. paga. Ali que está estourado, eles cavaram, vieram procurar vazamento e não acharam, Como é que foi essa mudança, sair de um lugar maior para um menor? as empreiteiras da SABESP gostam muito do fazer isso para ganhar dinheiro, aí taparam o Tem a vantagem que é minha, e o dinheiro do aluguel você pode aumentar a casa. buraco. No outro dia começou a vazar, e aí cortaram a mangueira. Precisei brigar quatro E as coisas que você tinha que ficavam num espaço maior? Como você fez? dias com a SABESP, com o Genilson, para vir arrumar e agora fiquei sabendo que vai vir Ficou tudo amontoadinho. O que não coube eu vendi. na minha conta! R$ 35,00 para concertar uma coisa que eles mesmos estouraram. Só E vocês dormiam onde aqui? isso. Eu gosto daqui, eu já conhecia aqui, eu sou suspeita para falar. Aqui era só mato. Eu Na sala, que era bem maior, tinha minha cama, a dos meninos, que eram dois, a cama e o namorava um rapaz ali, então eu não saia daqui. Eu casei e vim morar logo aonde? Aqui berço. A mesa ficava debaixo da cama, desmontada, e ela sempre gostou de ficar debaixo mesmo. da cama, não cabia na cozinha. Ali tinha o quintal, mais eu aumentei, fiz dois quartos, tem 62 Começamos a construir lá em cima. Só entregou as casas depois que as 520 estavam Eu me divirto assim, encontrando a Noshimori, a Madalena, nas reuniões da política da prontas. Fizeram os sorteios, quem ia ficar com qual. Teve gente que pegou a casa que vida. Você já viu presidente de associação não se meter em política? queria, teve gente que não. Quer dizer que política é diversão? Existe ainda alguma casa original? É diversão, você vê cada coisa que não acredita. Ontem eu recebi uma visita aqui que eu Tem essa aqui. A Irene, vizinha da Jô. Ainda são dois cômodos, ela não mexeu na casa. deixei o cara falar e depois foi embora. Deixei o cara falar, falar, falar, depois ele falou Quando é que vocês começaram a mudar a sua casa? assim: nós vamos pagar tanto. Olhei para a cara dele assim e falei tchau. Sabe quem é? Demorou uns três anos, ainda. Você vê que aqui, tem três anos que bati a laje. Eu construí Leandro. Leandro da vida! (ai Jesus) É para eu receber dinheiro do Maluf? Aí ele: não, lá atrás, bati laje, terminei tudo lá atrás. Aí depois eu construí, coloquei viga, que dá para ainda não, Maluf não entrou ainda aqui. Ele falou o nome do cara, peguei até o cartão: construir em cima. Terminei de construir a uns três anos atrás, fui colocar piso, azulejo Ricardo Teixeira. Ele falou, falou, foi ele e mais um, então para encurtar o assunto, quanto agora, a uns dois meses. É assim, cada vez que mandam a gende embora do serviço, a é que ele está pagando? R$ 200. Tá me chamando de que? Na outra campanha eu gente aumenta um pouco a casa. ganhei mais! Que era para vereador! Em vez de subir, vai cair? Pra deputado, pela O que vocês desejariam fazer aqui no bairro, que vocês acham que falta? primeira vez o cara vai entrar para a campanha. Eu imaginava esse mutirão assim, todas as casas pintadas igualzinhas. A gente precisava Eles pagam para que, para fazer campanha? aqui, que nunca conseguimos, era um centro comunitário, que no Prestes Maia tem, do É. Fazer campanha com as mulheres que a gente trabalha. Se me oferecer R$ 400, aceito outro lado da rua, mas agente não pode usar. Se a gente usar, tem que pagar. Pra usar e prometo pensar. Menos do que eu ganhei da outra vez, não quero não. tem que pagar, e se for sócio paga metade. A gente tem direito, na planta consta um É assim toda eleição? centro comunitário, consta uma delegacia, um posto de saúde, uma creche. Não tem nada É eles sempre aparecem. aqui. Tem uma área aqui que era pro posto de saúde, invadiram. Onde era para ser a Vocês participaram outras vezes? delegacia, virou um jardim! O que eles não construíram, virou campo ou o povo invadiu. Já, já, nossa senhora! Sempre participamos. De fim se semana o pessoal faz o que aqui? E quem que era? Tem um campo aqui em cima que tem alguns que jogam bola... Eu mesma fico aqui. A Maluf. Eu falei pra ele, você trabalha com o Maluf há tantos anos... O Adilson da Silva. Eu gente fica mais sentada na calçada conversando, fazendo crochê. trabalhei pro Cunha Bueno. Eu peguei esse cartão foi com o Cunha Bueno. Vocês trabalham aqui normalmente ou em outro lugar da cidade? Eles vêm aqui com aquela conversa fiada e, “agente vai pagar tanto para te dar uma Agora não estou trabalhando não. ajuda”. Eu não quero não, prefiro ficar em casa e não fazer nada. Vocês se divertem como? Nas outras eleições que vocês já ajudaram, foi como? 63 Olha, depende do candidato. Eu trabalhei e ganhei R$ 300. Agora tem senador, deputado. Agora, a gente trabalha pro governo, não ganha nada para isso, tem dor de cabeça e não Aí ele falou que não, que não tem dobradinha. Então não tem conversa. É esse aqui, ó. nos pagam nada, a gente não pode cobrar nada, mas também não trabalha pro governo76. Engenheiro Ricardo Teixeira. Quando esse pessoal vem aqui, chamar vocês para trabalhar, o que vocês fazem? Ah! Ele é engenheiro também? Eles não vêm. Porque não pode misturar política com esse programa do governo. Então Instituto de Humanização do Trânsito do Transporte. quando a gente faz um trabalho político, a gente faz separado. É lógico que a gente Eu nem tinha visto isso, que o homem é engenheiro! trabalha coma s mulheres do programa, mas não usamos do programa. É até proibido, dar (Noshimori) Ai meu deus... Daqui a pouco é o engenheiro Roque Fernandez. cesta, dar isso, aquilo. E ele é de que partido? O trabalho político que vocês fazem é o que? PSDB. Ele disse que dia 11 (de maio de 2002) ele vem aí. Você vai ver que eu vou Eles mandam o ônibus, a gente leva para os comícios, pra show, pra Câmara. E trabalha arrumar para ele. Vai dar certinho: o Leandro, esse homem (Ricardo Teixeira), a cesta. no dia da eleição também, a gente faz boca de urna. Eles não funcionam sem nós, viu! (Noshimori) O Leandro não é aquele que está sendo cassado? Que as mulheres lá de Tem muitos anos que a gente trabalha com a política e não tem vantagem, por que se cima estão querendo pegar ele, matar ele? tivesse, por exemplo, construído o centro comunitário, eu trabalharia tranqüila, não é? Não Quem são essas “mulheres lá de cima”? é uma coisa que agente quer para nós. É para todos, para a comunidade. Só que você (Noshimori) É uma comunidade aí que conseguiu fazer um cadastramento pra cesta e trabalha, trabalha. Depois que acaba a campanha, ninguém te conhece. A gente resolveu tudo, e a cesta até hoje... trabalhar assim também: se não pagar, também não dá. Não é o dinheiro que manda? Cesta básica? Vamos trabalhar por dinheiro. A gente prefere ficar sem trabalhar nada, mas não trabalho É. E Pegaram dinheiro. de graça para ninguém! A cesta básica é para o dia-a-dia, ou é só para a eleição? Não, não! Nós temos a entidade que trabalhava com cestas e com leite do governo, não MADALENA77 tem nada a ver com o interesse do rapaz. Eu distribuo para 50 famílias aqui. Agora, ele, Quando eu mudei aqui, ainda não tinha o Juscelino (Conjunto Habitacional Juscelino aproveitou esse gancho do governo, se juntou com umas mulheres, que eu não sei quem Kubitschek), depois fizeram. são, nem me interessa, e começou a cadastrar e pegar uma quantia de cada uma, que eu não sei quanto era, e depois que juntou aquele montante de dinheiro, deu no pé. O governo não estava sabendo de nada. 76 Instaurou-se um sistema bastante perverso: o Estado se exime de fazer o trabalho social, “contratando” informalmente trabalhadores “voluntários” para fazer um arremedo de programa social e ainda permite a constituição de um sistema clientelísta, ideológico, que o sustente. Afinal, por mais que elas saibam, ou suspeitem, que estão fazendo coisas que elas mesmas não achem corretas, de alguma forma precisam receber salário, pagar suas contas… 77 Líder comunitária moradora de um apartamento. 64 São quantos blocos aqui? dos garotos que eu criei morreram, assassinados por causa da droga. Não tem empregos Aqui, Águas de São Pedro I, são nove blocos. Água de São Pedro I, II, e III. para esses garotos, não tem associações que empregam esses garotos para trabalhar Você mora aqui desde o começo? eles para saírem das drogas. Então a finalidade qual é? É se prostituir, é viver do passa- Desde o comecinho. Faz 17 anos que eu moro aqui. passa de drogas, né, e morrer depois. Como é que foi esse começo aqui? O que vocês desejariam que tivesse, o que falta? Difícil. Nós nos inscrevemos na cidade, na COHAB, e nós tínhamos que madrugar, Saúde. Saúde, nós estamos em fase terminal. No posto de saúde aqui do Juscelino, no amanhecer na fila, duas e meia, três horas da manhã, para poder conseguir uma fichinha, hospital em Guaianazes, nós não temos dipirona, nós não temos nem sequer o para conseguir fazer ficha. Aí a gente aguardou mais de dez anos. Aí saiu na COHAB I, esparadrapo e a faixa para estar atendendo pessoal doente. Principalmente saúde, porque nós éramos para ir à COHAB I, em Itaquera. Aí depois, saiu o José Bonifácio, porque toda se não tem saúde, não tem vida. Então nós estamos numa carência total, primeiro em vez que entrava política, entrava um pessoal na frente. Nós fizemos em 1972 (o cadastro) saúde, depois aí vem a segurança. Eu trabalho na área da saúde como líder comunitária, e conseguimos pegar em 1978, demorei quase oito anos para pegar. sou voluntária. Nós implantamos o núcleo de voluntariado no HGG, e eu faço parte do Você lembra que governo que era? gerenciamento. Dentro do hospital, você sabe que existe a ética do enfermeiro, a ética da Não lembro. Não era Maluf? Porque o pessoal passava na minha frente para pegar lá na diretoria e a ética dos funcionários. Nós que estamos do lado de fora, não temos ética. COHAB. Então a gente vê tudo assim a olho nu, é um absurdo, é um absurdo, é um absurdo o que Onde vocês moravam antes? esse governo atual está fazendo com a gente. Que diz ser médico, né... (Geraldo Alkimin) Eu morava na Vila Guilhermina. Tudo o que está acontecendo agora, é um abandono geral. Principalmente nós da caixa Era uma casa? d’água pra cá. Nós temos aí um grande elefante branco, que é o São Carlos, um hospital Era. de especialidade, mas não funciona. Nós temos uma sala de fisioterapia completa, mas E como foi mudar de uma casa? não temos fisioterapeutas. Por que? Porque os médicos não querem vir para cá, por causa Misericórdia! Nem me pergunte. Faz dezoito anos e nem me acostumei. do índice de criminalidade, acha que é perigoso, e como eu digo nas reuniões: e mesmo Era maior do que aqui? assim vocês continuam se formando doutores... O que me deixa indignada é participar de Era maior. Uma casa térrea, grande. tantas reuniões, e nessas reuniões dizer que Guaianazes, Cidade Tiradentes, são os O que faz mais falta? O que é difícil de acostumar? maiores índices de periculosidade. Até pode ser, mas ninguém faz nada. Da caixa d’água O Lugar. O índice de periculosidade. Os filhos da gente saem e não sabemos se voltam, para cá, somos esquecidos por tudo e por todos. É a segurança, alimentação, nossa feira porque aqui morrem garotos todos os dias, drogas, assassinatos mesmo. Garotos que é precária: tudo chega mais ou menos em Guaianazes, quando chega aqui está tudo morrem com 14, 15 tiros. Logo no início aqui montamos uma creche comunitária, a maioria podre. Tudo deteriorado. As 7h da manhã, eu estava no posto, eu ia fazer uma revisão nos 65 Posto de Saúde, nós não tínhamos médico, não tem ambulância, a nossa (polícia) prédio. Ela anda com um crachá deste tamanho no peito dizendo que faz parte da saúde. metropolitana deteriorada. A Prefeitura tem coragem de dar R$ 13 para o metropolitano Nossos agentes de saúde, nossos enfermeiros desempregados. Por que? Eu vou falar colocar combustível na viatura. Olhando daqui se vê: está tudo parado, tudo quebrado. sinceramente, porque eu sei, que tem um Geraldo, assessor do Devanir Ribeiro, que fecha Quando os metropolitanos andam com o se 38, os meninos andam com as suas 765, com uma cúpula entre eles, o cara não entende nem de esgoto, e diz que é agente de saúde. seus “PT’s”, e disputam frente a frente com a polícia. Nós vivemos num fogo cruzado. Os Faz parte não-sei-o-que da saúde. Ele fica preocupado em preparar o cronograma da filhos da gente saem, não sabemos se voltam. São garotos criados aqui. saúde dele, sem saber que o único médico que tínhamos aí, estava com um abaixo- É a região inteira ou só esse pedaço? assinado para ser mandado embora do posto. Para mim é tudo mentira, é tudo falsidade, Tudo! Tudo! A Cidade Tiradentes a uns vinte dias atrás tinha “toque de recolher”. Nós nada funciona. Nada! No ano político78, nós líderes comunitários, temos que participar temos “toque de recolher” na Juscelino. Comandado pelo PCC. dessa podridão, tem que ser líder partidário. Mas com certo cuidado. Porque tudo se cria Isso acontece por causa do que, você acha? no ano político, depois tudo se acaba. Estou aqui porque não tenho para onde ir, meu Do governo. Da ausência do governo, do pouco caso, da displicência. Que é assim: o marido está se aposentando, eu quero ir embora daqui, sinto muito, porque minhas raízes governo federal joga para o estadual, o estadual joga para o municipal, então fica esse estão aqui, amo o lugar, me serviu durante 16, 17 anos. jogo de empurra e ninguém faz merda nenhuma. Olha esse PSF, quem confia nisso? O Quando você fala assim “o que você mais precisa”, nós precisamos de tudo, nós somos Qualis é um circuito fechado, nós somos aqui mais de quinhentos mil habitantes, o Qualis carentes de tudo. Um lugar onde tem quase 600 000 habitantes, onde se poderia eleger nunca veio bater aqui na minha porta. Eu tinha aqui um bebê com tumor exposto, no qual deputados e vereadores do próprio local, mas se você faz uma reunião como as “mães de agente enfiava a seringa e tirava o pus de dentro do tumor dele. Cadê o Qualis, cadê esse leite”, se você faz uma reunião como as “mães de cesta básica”, se você falar que um PSF que eles estão implantando? Estão implantando o PSF porque estamos em pleno ano político vem, ninguém vem. Porque eles não acreditam mais. político. Quer dizer, no ano político tudo se implanta, tudo se cria, e tudo morre. Se cria em Nós temos representantes que ganharam com um grande índice de voto. Inclusive estava 2002, no princípio, quando chega em outubro, novembro, “ah! Não deu certo!”. Esse PSF, até revisando, ele esteve numa reunião na favela do “Vilma Flor”, nós estávamos com não acredito. índice de leptospirose. Aí ele apareceu e disse que ia voltar porque ele estava assustado com índice de leptospirose. Leptospirose, doutora, não porque o rato fez xixi e a criança O que é o PSF? pisou em cima não, leptospirose porque o rato mordeu. De ele ver a tabuinha, tinha uma É Plano de Saúde Familiar. Estão montando um belíssimo posto, lá em cima, no JK. Mas senhora na reunião onde ele estava presente, Adalberto do PT, ele foi lá e viu a criança até agora... Nós temos aí, agentes de saúde, enfermeiros qualificados, com o porém de cair, a mamãe foi procurar o bebê... estarem desempregados, e quem faz o PSF é uma louca que sobe aqui em cima da casa e taca pedra aqui na minha casa. Gente, ela é louca, entendeu! Xinga todo mundo aqui do 78 É interessante notar que eles não se referem a ano eleitoral , mas sim ano político, que é um sintoma da redução da política e da própria noção de participação e democracia ao ato de votar. 66 Tem dois belíssimos multirões, mas no buraco tem uma favela, onde nós temos gente com tinham dois garotos se matando com pedaço de caibro, lá em cima no Inácio Monteiro, eu bicho, acabamos de internar uma senhora com bichos na perna, tem uma queimada daqui liguei da esquina de um orelhão, eles vieram e invadiram a casa da Sandra, que trabalha à aqui, onde se vai no posto, não tem uma vaselina para passar na queimadura. E outra, o no posto, que cede remédio para gente. Quer dizer, os bandidos vendo, o que a senhora pessoal não tem dinheiro para ir ao hospital, e se vai até o hospital morrem. Antigamente acha? “Ela é dedo-duro, vamos pegar ela e o filho dela”. eu tinha na minha pasta da saúde reclamações, hoje eu tenho atestados de óbito de Meu filho esses dias, houve uma abordagem... Nós tivemos uma reunião com o capitão crianças de 2, de 3 anos. Valtemiro, da Cidade Tiradentes, vieram e prenderam todos os bandidos. De tarde Hoje veio uma mamãe com uma criança de um mês que precisava de remédios, estavam todos soltos. Aí foram fazer uma blitz nas peruas dos perueiros, tiraram sim os morrendo, um mês. Ela andou tudo quanto foi posto. Eu peguei R$ 18, fui na farmácia e trabalhadores de dentro das peruas, os PM’s valentões. Inclusive meu filho, que tem 21 comprei os remédios. Aonde se tem farmácia. Eu sou uma só, eu ando até meio de anos e 5 anos trabalhados na carteira, mostrou o RG, e ele (o policial valentão) jogou o ladinho, porque as líderes comunitárias são assassinadas. Onde nós temos postos de RG e pisou em cima falando que aquilo era merda. Aí eles fazem uma reunião com o saúde aí, que eu já peguei caixas fechadas de remédio para trazer para minha casa, conselho de segurança, dizendo que a comunidade tem que respeitar os policiais. E os coquetel de HIV, tinha 16, 6 foram para o lixo porque estavam vencidos. Nós trouxemos policiais? Acabaram de bater em dois garotos lá em cima, inclusive um garoto que eu 10. Tem alguma coisa errada! Tem alguma coisa errada! conheço, de boa índole. Não está trabalhando porque não tem serviço. Quer dizer, não Você pensa em ir embora para onde? pode mais ficar sentado na porta? Espancar, da mãe desmaiar no chão. Aí você sai na rua Ah! Eu ia para o interior, sei lá eu onde! Eu vou viajar agora no princípio do mês, meu e diz, “Tenho tanto para te dar”, e eles param de espancar. São esses policiais iguais ao marido tira férias. Vai para João Pessoa, vai ver algum lugar. “Barba”, esses caras do narcotráfico, que até extintor de incêndio joga na cara das Uma vez eu falei isso pro presidente, pro dono do sindicato da saúde, Doutor Leão. Essa pessoas. Eles coagem as pessoas, são mini traficantes, é a sobrevivência que a maioria aí eu fiz questão de gravar, quando estava falando com ele. Falei “senhor, como ir dos jovens têm aqui. embora? E as minhas raízes?”. Como é morar aqui, em relação aos apartamentos? E a relação de vizinhança, como é? No começo foi terrível. Por que não é assim que a gente pega. A gente pega ele numa Maravilhosa, porque agente faz ser assim. Porque a gente se ajuda muito. situação, assim... Mas depois a gente se acostuma, tudo vai da adaptação, da gente Diz-se que somos todos responsáveis, “governo cidadão”, mas o que funciona é a arrumar, mas demorou. Eu agradeço muito a deus, pelo meu teto, mas lamento pelos cidadania, é a união entre moradores. Ninguém denuncia, porque são omissos, ninguém meninos que eu vi morrer, lamento pela minha comunidade sofrida do jeito que eu vejo, denuncia porque tem medo, eles vêm com esse negócio, “se tiver você liga para lá, você lamento pelos meus filhos saírem e eu não saber se voltam, lamento pelas minhas filhas. faz. Você acontece”. Adianta você ligar de um orelhão, mais próximo de uma casa, eles A gente acostuma, tudo é uma questão de costume, de situação. Mas eu sempre quis ir virem, os PM’s, e derrubar a casa? Por que foi de lá que saiu a denúncia! Esses dias embora. Nunca me acostumei. Falo com os meus filhos, para confortá-los, “cada um tem o 67 seu quarto”. Os meus filhos não saem de noite, se vão ao portão, vão com medo. É uma continuam na merda, continuam na lama. Você sobe lá em cima, com aquelas redes de situação, assim, terrível. esgoto, que sobem aquelas borbulhas, em cima, o coco a seu aberto. Acreditar no que? Meu apartamento é confortável, vivo bem com os meus filhos e o meu marido, mas com A gente faz reuniões de conscientização política, pro pessoal saber em quem vai votar. muito medo. Os meus vizinhos, temos um relacionamento muito bom, eu fui sindica Porque nós somos semi-analfabetos, mais não somos burros. Ainda tem muita gente durante 7 anos, então, aqui não tem nada de um ficar com a mãozinha mais fina que o tapada aí, que eu falo que abre uma covinha em Junho, vem aquela merrequinha, e você outro. Se tiver que ir a luta... A gente que faz jardim, a gente que cava, a gente que planta. joga uma pá. Agosto vem outro e você joga uma pá. Setembro vem outra, Outubro vem A gente tem que melhorar nossa arinha. outra, aí se enterra, em Outubro, eles sentam seus bundões nas câmaras municipais, Tem centros comunitários aqui? assembléias legislativas, e o povo, desculpe a expressão, se f. Entendeu? Aí você Centro comunitário é uma das coisas que eu mais gostaria, não sei o que vocês estão procura, faz quatro anos que eu estou tentando me agendar com o Rodrigo Garcia, eleito fazendo, mas socorro79, os centros comunitários são ocupados por pessoas, pessoas que com uma grande quantidade de voto aqui, cadê ele? moram dentro dos centros comunitários. Tem um imenso aqui. Lá mora a dona Janete há Quem é o Rodrigo Garcia? anos, tem um tal de coronel da cidade que cobre aí. Quer dizer, é um centro comunitário Rodrigo era estadual e cassaram o Federal. particular! Aqui é particular, do Devanir Ribeiro, que eu falo que é Devagar Ribeiro, é De que partido que é? particular do PT, é dele. O centro comunitário é dele. É exclusividade dele. Ele convida PFL. E continua no PFL, porque eles estão chegando. As gracinhas já estão chegando de quem ele quer. Mas eu acho que não, centro comunitário não é assim. novo. Ligando para líderes comunitárias para fechar com eles. Já falei aqui, que eu vou ser Temos também um garotão aí, chamado “Geléia”. Ele pega as unidades do CDHU e um busca-pé, eu sou sozinha, mas vou ser uma busca-pé, para ficar no pé desses caras, vende. As primeiras unidades, lá em cima na gleba do Carmo... Nós temos lá alojamentos, aqui eles não entram. O que me deixa indignada, doutora, é isso: eles ficam longos anos que é subumano, temos aquele no Prestes Maia, um alojamento no Inácio Monteiro, e fora, aí depois chega, chega um, chega outro. Os que não são, políticos que são daqui, temos um alojamento lá na Gleba do Carmo. E temos belos apartamentos em volta, que que enriqueceram aqui e são uma merda. Quer ir lá para pegar um dinheiro e empregar na têm dono. Não é o CDHU. Eu já estive sentada com o Doutor Colombo, já estive sentada sua empresa, para poder enriquecer mais, porque pra comunidade mesmo não tem nem com o diretor de mutirão, o Bolota, e perguntei: “isso aqui é um CDHU ou é uma máfia?” perfil político. Nem eles sabem responder. “Ah! O cara está com uma voz de prisão”.Voz de prisão Aí eles chega aí. Fleury está chegando, Cassab Rodrigo está chegando, está chegando. aonde? Ele vendia as unidades por 750, depois vendia por 1000 e agora por 3000. Vai lá, Infelizmente na carência do povo, é isso aí, como você chama? dá 3000 para ele e ele te dá a chave. O que é isso! E o povo, que constrói esses multirões, Guilherme. 79 É importante ressaltar que a relação entre nós, os entrevistadores, e os entrevistados, por mais que se queira, não é de igual para igual. Guilherme, na carência do povo, na carência das líderes comunitárias, nas carências... Nós, os “doutores” – forma de distinção hierárquica – como nos chamam, personificamos, talves, mais uma possibilidade de ouvir as suas Não condeno não, porque uma impressora não funciona sem tinta. Você vai lá no governo reinvindicações e assim solucioná-las. 68 e consegue leite e cesta básica. Aí você entrega leite e cesta básica. Que retorno que Aí vem Telecentro, Infocentro. A Infocentro, gente, aonde já se viu aqueles computadores essa líder comunitária tem do governo? Se tem uma verba para ajudar, que eu sei que de última geração, último tipo, funcionar para as crianças entrarem na Internet, sem direito eles tem, para ajudar o fundo social, mas cadê essa verba para as líderes comunitárias? de fazer um trabalho escolar, sem direito de fazer uma pesquisa, para entrar na Internet Líderes comunitárias não, para as que têm associação como a Noshimori, como a Fátima, para ver o “Mano Brother”? A puta que o pariu fazendo sexo! Vê isso na televisão! como a Eliana, como a Cal, a Jô, que são mulheres que abrem seus espaços80 para poder (Fátima) É o engenheiro... estar atendendo a comunidade, quer dizer, uma impressora não funciona sem tinta. Como (Madalena) Vamos colocar a Internet para nossos filhos, precisando mandar os currículos é que essas mulheres vão sobreviver? Essas entidades beneficentes, sem fins lucrativos, pela Internet. Para isso, não pode mandar currículo, não pode fazer trabalho, não pode vão sobreviver? Fazendo gracinha para o governo, dando risadinha para o Alkimin? fazer trabalho de escola, só pode entrar na Internet para... Para mim é putaria! Vocês Porque ele dá essa cesta básica? acham que eles vão procurar o que na Internet? Agora, Telecentro eu não posso falar Nós fomos numa reunião aí, com o Rosset. Ele abriu espaço para 150 presidentes de nada81, ele funciona. São duas horas, eles ensinam a mexer, a ligar, o outro é meia hora entidades, “vocês têm alguma coisa a reclamar?”, mas sabe aquele medinho, “vou perder, só. Sabe como eu encaro isso, essa Infocentro, em pleno ano eleitoral? Mala direta! Quer é pouco, mas vem”. dizer, eu tenho 200 pessoas por dia, na minha associação, via Internet. É aonde o (Fátima) Com uma desvantagem, o presidente, ele distribui a cesta e não pode pegar uma Governo vem aplicar mais e mais e mais essa associação “pilantrópica”. cesta. Entrega o leite, mas não pode ficar com um litro de leite. Tem gente aqui, doutora, que chega nessa época, foi o que eu falei para o doutor Leão, do (Madalena) Pelo amor de deus! Pelo amor de deus! Essa presidente vai sobreviver como? sindicato da saúde, falei “sabe senhor”, ele começou contar uma historinha de criança que Eu sou líder, eu sou voluntária, voluntária no hospital, no posto de saúde. Quem me dera: joga futebol e cai porque as perninhas dobram. “Isso não é nada, vai lá na Cidade eu fizesse um “estalinho” de dedo e melhorar tudo. Mas infelizmente acho que vou cair Tiradentes, doutor, pra você ver as crianças com leptospirose mordida de rato, vai lá na dura, qualquer momento, de ver tanta coisa errada, tanta patifaria, e não poder mudar. Cidade Tiradentes, Senhor! Conversar com as mamães que perderam os seus filhos, suas Quer dizer, aonde tem lama eles não deixam você ficar, a gente que é transparente, a filhas, de dez anos de idade. De Hepatite”.Agora os jogadores, que caem, que dobram as gente se sente como se fosse ameaçada. Eles falam, “mas a entidade que pega leite e perninhas porque estão com fome, isso não é nada. O senhor mata a fome delas. Sabe o cesta básica, não funciona”.Como não funciona? A Noshimori está esperando, há quantos que o pessoal que foi comigo falou? Falou que eu extrapolei, que eu me emocionei meses, 50 cestas para cada entidade, como tem entidade que tem 340 cestas e cobra R$ demais, que eu falei com o coração e que eles tinham ido lá fechar com ele, porque ele sai 5 de cada cesta, e ninguém denuncia. É uma questão de prioridade. Quer dizer, se eu ficar deputado do quinto dos infernos, pelo PGT. Partido Geral dos Trabalhadores, daqueles pendurada no saco do governo, o tempo todo, pegar o meu umbigo e grudar no umbigo sindicatos que eles metem a mão. Ano político, não vem conversar comigo não. dele, fazer tudo o que ele quer, eu tenho prioridade? Agente pode? 80 Essas associações funcionam nas casas das próprias líderes. 81 Telecentro é da Prefeitura do Município e Infocentro é do Governo do Estado. 69 Vocês podem (risadas). pode porque é da prefeitura”. Não pode porque é do CDHU. E eles podem. Nós temos o Vocês falaram que fazem um trabalho de formação política. espaço, o CDHU pode vir construir um circo-escola, uma escola profissionalizante, porque Conscientização. Não votar em quem aparece aqui jogando... Essa ponte demorou três nós temos aí a TAM, a Estrela... anos quebrada, caiu, afundou. E é um negócio de bater palma, fazer aniversário, a Atualmente, tudo o que acontece é culpa do governo. Hoje eles aparecem com seu Erundina veio, na época dela conseguiu-se arrumar. Agora um outro dia eu estou vendo colarinho engomado, na frente da televisão falando um monte de mentira, a senhora vê ai no meio da ponte, nego traz bolo e faz bolo, daqui a pouquinho vem carro, e carro, e carro, nos muros, um monte de mentira. Não sei lá das quantas, saúde, saúde e segurança. era na época da música “Taca merda na Gení”, (risadas) não sou revolucionária não, viu! Lógico que eles vão pintar os muros da Juscelino, lógico que eles vão pintar o muro da Na época da música “Taca merda na Gení”. Aqui nós éramos sem muros, a gente era bem Cidade Tiradentes, lógico que eles vão pintar o muro de Guaianazes. Segurança e saúde carente, aí eu arrumei uma lata de leite ninho deste tamanho, e mandei as crianças porque sabem que é a área que nós estamos morrendo. fazerem coco (risadas), o dia inteiro, “faz xixi aqui!” Para ver quem é que vinha aqui na Mas como não se preocupar com uma comunidade, aonde um filho da puta de um ponte dizer que fez a ponte. Aí, daqui a pouquinho, chegam aquelas mulheres, colares de governo, na puta de uma reunião, falam que nós somos o curral político? E essa merda pérola, ouro, tudo saindo dos carros, cada carrão! Daí quem eu vejo: Maluf desceu com dessa comunidade calou a boca. Aí eu pulava como uma macaca, doida, doida! Zona uma loiríssima, com aquele vagabundo, ele desceu com aquela turma toda aqui. Aí Leste, Zona Leste, Zona Leste! “A senhora aí...” Uma grande reunião, se alguém for ficamos uns do lado de cá e outros do lado de lá. pesquisar, descobrir onde que é, aonde nós tínhamos aí o cara que se diz Ministro da Aconteceu isso aqui e no Inácio Monteiro. Que ele veio tirar os 5 anos das casinhas do saúde. Que não tem vergonha na cara de sair a presidente da República, com a saúde em povo, jogar para 25. Falei “você que subir? Vocês enfiam um foguete no ‘fiafofó’, e fase terminal. Se colocar na UTI não sobrevive. Disse que Zona Leste era um grande sobem...” Oh! Mulheres! A mulherada aí, que vocês não tem um realzinho para deixar pro curral político. Aí falou “fala para aquela louca falar”.Subi numa mesa, “nós somos o curral filho de vocês, estão vendo aquela bolsa da madame, de couro de jacaré? Se nós político sim, nós somos os animais e vocês as bostas”. Políticos que falam que um pão trabalharmos de empregada doméstica na casa delas durante 5 anos, nós não com mortadela e um copo com refrigerante satisfaziam o povo da Zona Leste. Nessa conseguiremos comprar uma. Saíram tudo fugindo. E aqui nós “tacamos merda na Gení”. época eles sempre vêm aqui, pra votar neles e para trabalhar para eles. Não foram vocês que fizeram a ponte! (O telefone toca, ela atende. Logo depois volta.) Dona Janete, ela apóia quem lhe é de apoio. Quem cobre a entidade dela. Jamais eu ia E o senhor Geraldo, do PT, querendo trazer Terminal de ônibus numa área residencial, pegar meus meninos de rua, porque Pitta vem, vai acontecer, vou por no meio da rua para sendo que nós temos uma grande área lá do outro lado do Juscelino, com espaço para fazer gestos, para dizer que o governo vai vir e eu tenho que mostrar, porque tem trabalho. fazer um belíssimo de um Terminal, mas aí prevalece a voz do mais forte. “Eu sou Você está vendo ali, nós temos espaço, pra fazer um trabalho igual ao do Padre assessor do Devanir Ribeiro, eu faço, eu posso, eu aconteço”.Aqui é uma área residencial. Rosalvino, quer dizer, espaço nós temos de monte. A senhora vai lá na COHAB, “Ah! Não Qual seria o problema do terminal aqui? 70 Aí é o sacolão, aí é a feira, e aqui é uma área residencial. O senhor está vendo aquelas petistas... A área da saúde é petista, doutora Simone, a doutora Mirian, diz que é do centro casinhas ali? Ali os motoristas fazem dos seus ônibus, motéis. Os papais e mamães de saúde, faz parte da saúde, elas vêm em reuniões de credenciamento, de saúde, e só queriam ficar com as suas janelas abertas até meia noite, não faziam porque os motoristas falam do PT, PT, PT. Cadê o relatório que eu pedi a seis meses do São Carlos. Raimundo, estavam fazendo sexo com mulher vagabunda, sem vergonha que se vende por uma diretor do São Carlos, petista doente. Hoje meu marido falou assim “você muda?”, falei passagem de ônibus. Vai para um lugar isolado, lá em cima não tem área residencial. Lá “mudo!”. Eu tenho uma estrela do PT que tem vinte e poucos anos. O Lula estava falando em cima é um descampado, parece que foi próprio para um terminal. É todo asfaltado, não na televisão, me deu um ódio! Fui petista na época em que o PT era PT. Era PT, hoje eles tem casa aqui, nem do lado. não são. Esse cara veio de um sindicato, com essa barba ralé, com essa barba nojenta O que é bom ter é um ponto de ônibus, e não um terminal? dele, hoje a barba dele foi feita na Suíça. Então ele estava aqui no Brasil, é sindicalista, Ponto tem. Perto da nossa casa, passa o São Miguel, passa o Penha, passa o 3754. De conseguiu conquistar o espaço dele, quando nós mais precisávamos dele, independente transporte, o que nós precisávamos é um Terminal Carrão, o Tatuapé não funcionou. O de ser presidente ou não, (como diz o Fernando Henrique, que é outro “púlia”, outro filho terminal Parque D. Pedro, doutor, é duas horas, duas horas daqui até lá. Então se passa da puta) falou que ele subiu no sapatinho. Todos sobem no salto antes do tempo. Você vê mais dentro do ônibus do que trabalhando. Se chega no horário de pico, lá em Itaquera, as como está a disputa agora, o Fernando Henrique diz que ele subiu no sapatinho, porque peruas não comportam a quantidade de passageiros. E os ônibus ficam parados. Ontem ele está achando que o Lula vai ser Presidente da República. Não vai, não. Não vai, não. eu fui pegar o 3754, 40 minutos dentro do ônibus, enquanto 10, 15 peruas saem. Aí eles Quem está pensando que o Lula vai ser o Presidente da República, não vai, não. Quando criticam os perueiros, quem não quer perueiro na linha, quem não quer perua clandestina, nós mais precisávamos dele, onde é que estava Lula? Estava em Miami. Então eles melhora o meio de transporte, melhora as empresas de ônibus. Para mim é disputa de cresçam para lá e nos deixem aqui. poder isso. Quem sofre é a comunidade, é a população. Diminui-se a frota de peruas e continua a mesma de ônibus. O que mais falta pra gente aqui é amor, união, principalmente união entre as A melhoria agora, o mais ou menos, agora é até o Tatuapé, do Tatuapé para cá... Aqui comunidades. então chega podre. Eu falo que a alface chega mais ou menos em Itaquera, murcha em Esse individualismo... Esse egocentrismo... Guaianazes e podre aqui. É o depósito de lixo, lixo dos lixões. Tem que acabar. Eu faço, eu aconteço, eu sou. Nós pedimos um relatório do JK, que o posto de saúde foi dado, nós pedimos, fizemos um Nós fazemos, nós fazemos acontecer, nós somos... relatório do hospital HGG (Hospital Geral de Guaianazes), no qual nós conseguimos tirar o Maurício, diretor do hospital. Agora estamos dando chance para a Doutora Maria Luiza, de Ferraz de Vasconcelos, e o doutor Luis Antônio, que também é de Ferraz, pra ver se levanta um hospital. Pedimos pro hospital São Carlos, pro Raimundo, do PT, aqueles 71 BIBLIOGRAFIA ARANTES, Otília Beatriz Fiori, VAINER, Carlos e MARICATO, Ermínia. A cidade do pensamento único: desmanchando consensos. Petrópolis, RJ: Vozes, 2000. ARANTES, Otília Beatriz Fiori. O lugar da Arquitetura depois dois Modernos. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2000. ARANTES, Otília Beatriz Fiori. Urbanismo em Fim de Linha e Outros Estudos sobre o Colapso da Modernização Arquitetônica. 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De lo rural a lo urbano. Barcelona: Península, 1971. WISNIK, Guilherme. Lucio Costa: entre o empenho e a reserva. São Paulo: Cosac & Naifi Edições, 2001. ANEXOS: Mapa dos Conjuntos Habitacionais da COHAB por São Paulo Dados estatísticos dos Conjuntos Habitacionais da Cidade Tiradentes Conjunto Habitacional Santa Etelvina I / VI-A - Área do conjunto: 1.241.558 m2 - Unidades habitacionais: 3760 apartamentos e 1395 casas embrião - População estimada: 25.775 - Localização: Avenida dos Metalúrgicos - Administração regional: Guaianazes – Leste Equipamentos sociais: - ASSIST, núcleo comercial. Avenida dos Metalúrgicos, 1081. (assessoria de condomínio) - Ação Comunitária Senhor Santo Cristo – Centro Comunitário. Rua Santo Izzo, 120. (datilografia, corte e costura, tricô, balé, caratê, capoeira, pintura, reuniões, horta comunitária) - ASSETCASP (Associação dos Empregados dos Transportes Coletivos e Anexos de São Paulo), Rua Manoel Moscovo, s/n (atividades comunitárias) - Posto Policial, Centro comunitário. Rua Ernesto Gould, 317. (Secretaria dos Negócios de Segurança Pública) - IBEAC (Instituto Brasileiro de Estudos Apoio Comunitário Queiroz Filho) Avenida dos Têxteis, 1050. (oficina de formação profissional) - Associação em Defesa da Moradia de Cidade Tiradentes e Adjacências. Avenida dos Têxteis, 580. (reuniões com os moradores) Conjunto Habitacional Santa Etelvina II-A - Área do conjunto: 842.848 m2 - Unidades habitacionais: 7.024 apartamentos e 417 casas embrião - População estimada: 37.205 - Localização: Avenida dos Metalúrgicos - Administração regional: Guaianazes – Leste Equipamento Social: Comunidade Batista Evangélica Renovo do Calvário Quadra 43H – L.03 Conjunto Habitacional Santa Etelvina II-B1 - Área do conjunto: 31.000 m2 - Unidades habitacionais: 224 apartamentos - População estimada: 1.120 - Localização: Estrada Circular / Estrada São Tiago - Administração regional: Guaianazes – Leste Conjunto Habitacional Santa Etelvina II-B2 - Área do conjunto: 74.664 m2 - Unidades habitacionais: 768 apartamentos - População estimada: 3.840 - Localização: Estrada Circular / Estrada do Iguatemi - Administração regional: Guaianazes – Leste Conjunto Habitacional Santa Etelvina II-B3 - Área do conjunto: 49.388 m2 - Unidades habitacionais: 448 apartamentos - População estimada: 2.240 - Localização: Estrada Circular / Estrada do Iguatemi - Administração regional: Guaianazes – Leste Conjunto Habitacional Santa Etelvina II-B6 - Área do conjunto: 74.670 m2 - Unidades habitacionais: 1.040 apartamentos - População estimada: 5.200 - Localização: Estrada Santo Inácio / Avenida Souza Ramos - Administração regional: Guaianazes – Leste Conjunto Habitacional Santa Etelvina III-A - Área do conjunto: 323.538 m2 - Unidades habitacionais: 2.080 apartamentos - População estimada: 10.400 - Localização: Avenida dos Metalúrgicos - Administração regional: Guaianazes – Leste Equipamentos sociais: - Associação Defensora dos Direitos dos Deficientes Físicos e das Mulheres. Rua Profeta Jeremias, 93 L1e2. - Associação de Moradores do Conjunto Habitacional Cidade Tiradentes. Rua 2E, 96. Conjunto Habitacional Santa Etelvina IV-A - Área do conjunto: 1.002.508 m2 - Unidades habitacionais: 1.440 apartamentos e 1263 casas embrião - População estimada: 13.500 - Localização: Avenida dos Metalúrgicos - Administração regional: Guaianazes – Leste Equipamentos sociais: - Ação Comunitária Tiradentes. Avenida dos Gráficos, 382. - Mitra Diocesana São Miguel Paulista Conjunto Habitacional Santa Etelvina V-A - Área do conjunto: 1.142.032 m2 - Unidades habitacionais: 936 apartamentos e 688 casas embrião - População estimada: 8.120 - Localização: Avenida dos Metalúrgicos - Administração regional: Guaianazes – Leste Equipamento social: - Associação Educacional Beneficente A. S. Presbiteriana Conjunto Habitacional Santa Etelvina VII - Área do conjunto: 741.580 m2 - Unidades habitacionais: 5.088 apartamentos, 154 casas embrião e 856 lotes urbanizados - População estimada: 30.490 - Localização: Avenida dos Metalúrgicos - Administração regional: Guaianazes – Leste AGRADECIMENTOS Kazuo Nakano (Instituto Pólis) Margareth Uemura (Viver Melhor – COHAB) Renato Viégas (CPTM) Wagner Germano (COHAB) Klara Kaiser Maria Lúcia Refinete João Whitaker Amélia Luisa Damiani Antonio Carlos Barossi João Marcos Lopes AGRADECIMENTOS ESPECIAIS Jorge Oseki Meus pais, Eros e Yara Aos meus companheiros de infindáveis debates de botequins... Bia, Zé, Zé, João, Heloisa, Renata Bruno, Aninha, Camila, Jordana, Mariana, Dani, Vinicius, Leila, Cris, Ju...