Pensamento do Dia Pensamento do Dia

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Pensamento do Dia Pensamento do Dia
Pensamento do Dia
Economistas analisam a Economia, o Brasil
e o mundo,
mundo, na mídia diária 11 05 2010
------------------------------------------------------------------Valor Econômico - 11/05/2010
Presente de grego
Yoshiaki Nakano
O mercado financeiro se acalmou nesta segunda- feira com as medidas anunciadas no
final de semana. A União Europeia anunciou a criação de um fundo de estabilização
financeira de 750 bilhões. E mais importante, o Banco Central Europeu recuou de sua
posição de não comprar papéis de dívida de países europeus excessivamente
endividados. Passou a acompanhar as decisões dos bancos centrais dos Estados Unidos
(FED), do Canadá, da Inglaterra e da Suíça de injetar liquidez para evitar a repetição de
pânico financeiro que ocorreu em 2008 com a falência do Lehman Brothers. Essa decisão
de monetização dos títulos de dívida pública, que não depende de aprovação dos
parlamentos, tem eficácia imediata e deverá acalmar o mercado financeiro por hora. No
último dia 5 de Maio, a situação era tão grave que avizinhávamos uma situação similar a
uma corrida bancária, em que os intermediários financeiros paralisam as operações
empréstimos com corrida generalizada para ativos líquidos e considerados mais seguros,
particularmente, o dólar e títulos do Tesouro Americano. Daí a decisão dos bancos
centrais de intervir para evitar o pior.
Essa crise desencadeada pelos excessos de endividamento da Grécia deverá ter novos
desdobramentos e não há nenhuma segurança de que as medidas anunciadas no final de
semana serão suficientes para acalmar os ânimos do mercado financeiro global. É
inevitável que a atual crise não tenha repercussões sobre o Brasil.
Enquanto as autoridades governamentais não enfrentarem o problema da falta de
regulamentação dos mercados financeiros, novos desdobramentos serão inevitáveis.
Qualquer que seja a forma da nova regulamentação será um processo penoso para os
países e instituições com alto endividamento, pois a solução passará inevitavelmente
pela clássica solução do problema de endividamento que é a dupla transferência de renda
interna e externa. No caso desses países, o problema será maior pois ao adotarem o
euro, abriram mão da taxa de câmbio e da depreciação como mecanismo de correção
dos déficits em transações correntes e da emissão de moeda para saldar a dívida pública.
A nova regulação financeira passará também pelo aumento dos requisitos de capital e de
liquidez das instituições financeiras e por uma desalavancagem generalizada do sistema
financeiro, isto é, num ambiente de taxa real de juros mais elevada e de menor liquidez.
É neste contexto pós-crise financeira que os países e instituições devedoras terão que
pagar as suas dívidas.
As decisões tomadas neste final de semana não representam uma solução para a dívida
da Grécia, nem dos demais países, mas que os investidores e especuladores começaram
a rejeitar estas dívidas, que até agora lhes renderam polpudas comissões e juros,
provocando sua desvalorização. Para evitar um círculo vicioso de quebras financeiras
estão, a partir de agora, sendo transferidas dos balanços dos bancos, das instituições
financeiras e dos investidores privados, para o balanço dos bancos centrais e tesouro
nacional. Ou seja, países com gestão fiscal responsável e que fizeram ajustes estruturais
na sua economia tornando-a competitiva, contendo os salários reais e os preços, como a
Alemanha, é que passarão a ser financiadores e detentores da maior parte das dívidas
assumidas por países que se endividaram muito acima das suas possibilidades.
Que impactos a crise da Grécia terá sobre o Brasil? De imediato, já tivemos, na semana
passada, um ensaio do que poderá acontecer se a crise se agravar: o canal de
transmissão imediata e de maior impacto é o da conta de movimentos de capitais do
exterior. Houve uma pequena parada súbita nos fluxos de capitais do exterior, com os
bancos e empresas brasileiras paralisando captações no exterior. Tivemos também uma
pequena saída de capitais fazendo com que as cotações da bolsa de valores tivessem
quedas. Obviamente o real sofreu uma depreciação. É esse o canal que tem
desestabilizado periodicamente a economia brasileira a partir do início dos anos 90
quando a conta movimento de capitais foi liberalizada. Mesmo que a economia brasileira
esteja com as contas públicas em ordem, tenha reservas cambiais, e pratique uma
política monetária conservadora, os reflexos de uma parada súbita nos fluxos de capitais
podem ter consequências dolorosas. Basta lembrar que no terceiro trimestre de 2008,
com a parada no fluxo de capitais, levou a uma reação muito forte de contração
doméstica de crédito pelos bancos que fez com que uma economia que vinha crescendo a
mais de 6% a.a., despencasse para -0,2% a.a. Em 1999 sofremos recessão econômica
similar quando tivemos uma típica crise cambial, mas, diferentemente de 2008, tínhamos
endividamento público e externo crescentes. Em 1997, com a crise da Ásia; em
2000/2001, com a crise do NASDAQ, da Argentina e Turquia, sofremos parada súbita por
contágio. O fluxo de entrada e saída de capitais e as taxas de câmbio flexíveis são, na
verdade, os canais de transmissão através dos quais crises financeiras repercutem na
atividade econômica e na inflação no Brasil. É hora de aprender com os fatos.
Yoshiaki Nakano, ex-secretário da Fazenda do governo Mário Covas (SP),
professor e diretor da Escola de Economia da - FGV/EESP, escreve mensalmente
às terças-feiras.
-------------------------------Estadão Online – 10/05/2010
Choque, mas e daí?
Paul Krugman
Ok, grande plano para a Europa. O que ele fará? O que não fará? Alguns pensamentos
iniciais, provavelmente um pouco carregados de jargão (não tenho tempo para uma
tradução completa para o inglês).
Pois bem, vamos considerar um país de coesão genérica – chamem-no Espécia, ou
Grepanha. Ele teve 7 anos gordos após a criação do euro, experimentando grandes
influxos de capital e inflação relativamente alta. Agora a bolha estourou, a arrecadação
fiscal entrou em colapso e os problemas avultam.
O que o país deve fazer, independentemente de como seja realizada, é conseguir uma
deflação relativa – reduzir seus custos e preços em comparação com Alemanha e França,
recuperar a competitividade. Como a inflação alemã é baixa, isso significa um prolongado
período de deflação, com custos altos em emprego e produção. Significa também
dificuldades fiscais, requerendo cortes de gastos e aumento de impostos que aprofundam
a crise.
O risco de crise imediata é o de uma perda de confiança autoalimentada por investidores
em bônus, que temem o calote e, portanto, pedem taxas de juro tão altas que forçam o
calote, mesmo que o país esteja disposto e seja capaz de suportar muitas dificuldades.
Daí as garantias de empréstimos: ao fornecer dinheiro a taxas não tão punitivas, a ideia
é ganhar tempo para ajustes. E a crise foi em frente, contagiando Portugal e Espanha.
Agora vêm os anúncios de ontem. O anúncio nº1, dos ministros da União Europeia,
basicamente ofereceu uma versão maior do falido plano grego. Isso, por si, não faria
muito pela Grécia. Discutivelmente, poderia ajudar Portugal e, em especial, a Espanha,
que não estão em tão má forma e poderiam (apenas possivelmente) ser capazes e estar
dispostos a suportar anos de deflação e austeridade fiscal contanto que evitassem um
ataque especulativo. Essa é uma questão um pouco marginal, contudo. Quando o
primeiro anúncio veio, minha reação foi dizer que a UE estava cometendo um erro
clássico, tratando um problema de solvência como se fosse um problema de liquidez.
O anúncio nº2, do Banco Central Europeu (BCE), muda as coisas um pouco. Agora
parece que (Jean-Claude) Trichet foi arrastado esperneando para se tornar ao menos um
semi-Bernanke, engajando-se em políticas muito mais expansivas que antes. (Sim, o
BCE diz que são apenas operações de liquidez e que serão esterilizadas, blá, blá – só
podemos esperar que eles não queiram mesmo dizer isso.)
Uma política monetária mais expansiva poderia fazer uma verdadeira diferença – em
especial se o BCE acabar aceitando uma inflação um pouco mais alta. Suponham que a
Espécia ou a Grepanha precise conseguir uma queda de 15% nos preços relativos nos
próximos cinco anos. Se a zona do euro tiver uma inflação de 1%, isso representa uma
deflação de 10% na periferia. Se a zona do euro tiver uma inflação de 3%, tudo que se
precisará são preços estáveis. Também, uma economia da zona do euro no geral mais
forte significa um Produto Interno Bruto maior e, portanto, uma arrecadação maior,
tornando menos sombrias as dificuldades fiscais.
Portanto, há algo de substantivo aqui; não se trata apenas de ganhar tempo durante o
qual nada de bom ocorrerá.
Dito isso, eu fico pensando nas grandezas. Estou certo de que o BCE não tem nenhuma
intenção de deixar que a inflação avance 200 pontos-base (apesar de que ele deveria
saudar esse desdobramento). E a Grécia, ainda o epicentro da crise, não ganha muito
com as linhas de crédito. Então uma queda de mais de 500 pontos-base no rendimento
de títulos gregos de 10 anos fará sentido? Acho que não.
A boa nova aqui é que, pela primeira vez nesta crise, as autoridades europeias agiram à
frente da curva de juros, com mais vigor do que se esperava. Isso é um choque, e
deixou os mercados boquiabertos. Mas eu ainda não acho que seja minimamente
suficiente.
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Valor Econômico - 11/05/2010
Aprendemos a lição?
Antonio Delfim Netto
Temos sempre insistido que o "capitalismo" entendido vulgarmente como uma forma de
organização da sociedade não é uma "coisa", é um "processo". Não há um "capitalismo".
O mesmo nome é aplicado a um fenômeno evolutivo que tem raízes comuns: a
propriedade privada, a separação entre os detentores do capital que dão emprego e os
portadores da força de trabalho que a alugam, a livre apropriação dos benefícios
derivados da iniciativa individual e a organização da produção utilizando uma forma
institucional a que damos o nome de "mercados". Sua existência, continuidade,
preservação e aperfeiçoamento dependem de um Estado constitucionalmente forte que
garanta a paz interna e externa, que garanta uma razoável administração da Justiça e
produza outros bens públicos que, por diversos motivos, não podem ser eficazmente
supridos pelos mercados. Este Estado deve tributar com parcimônia e inteligência e,
finalmente, ser amigável com relação àquela forma de organização.
O importante é entender que o "mercado" não foi inventado. Foi sendo "descoberto" pelo
homem ao longo de sua história desde que saiu da África há 200 mil anos. Trata-se de
uma evolução quase biológica. O mecanismo de seleção foi a procura de uma forma de
organização da atividade econômica que combinasse a liberdade de iniciativa individual
com a eficácia produtiva. Essa organização floresceu dramaticamente a partir de meados
do século XVIII com a incorporação do progresso científico e tecnológico e,
posteriormente, com a apropriação de uma nova fonte de energia, o petróleo. Para
reconhecer isso basta saber que até 1750 a população do mundo era de apenas 1 bilhão
de pessoas e a renda per capita manteve-se inalterada. Em 250 anos, graças às
revoluções agrícola, comercial e industrial, a população cresceu para 6 bilhões e a renda
per capita cresceu dez vezes!
Qual o problema, então? São dois. 1) por um lado o homem não quer apenas liberdade
individual e eficácia produtiva, que são os instrumentos de sua "humanização": reduzem
o tempo material de sua necessidade de subsistência e libertam o seu espírito criador.
Ele sente-se mais confortável quando há uma relativa igualdade; e 2) por outro lado, o
homem tem necessidade de segurança no processo de "ganhar a vida". Nenhuma dessas
duas "necessidades" pode ser oferecida pela organização dos mercados. Aqui, revela-se o
papel do Estado indutor capaz de reduzir as desigualdades (com programas abrangentes
que aumentem a igualdade de oportunidades para todos os cidadãos) e reduza a
tendência ínsita à flutuação do nível de atividade econômica, derivada do próprio
comportamento do homem sujeito a ciclotimias de otimismo e pessimismo.
Os ciclos não são todos iguais, mas a maioria deles é produzida por uma disfunção do
setor financeiro quando este, em lugar de servir ao processo produtivo passa a controlálo. Se observarmos a economia americana dos últimos 80 anos (1929-2009)
verificaremos que registraram-se 14 "recessões" cuja duração, em meses, distribuiu-se
conforme a tabela abaixo.
Ela mostra que, em média nos 960 meses, tivemos 158 de recessão (20%).
A recessão mais profunda historicamente registrada foi a de 1929/1933 que durou 43
meses. A segunda, nestes oitenta anos, foi a que vivemos entre 2007/2009. Uma rápida
comparação entre elas é apresentada na segunda tabela, no fim da coluna.
Os números mostram a enorme diferença entre as duas. Elas revelam, de um lado, que o
Fed melhorou e, de outro, que o Estado foi mais rápido em usar o dinheiro do público à
custa de um desequilíbrio fiscal.
Essas duas recessões tiveram a mesma causa, a "falha do Estado": 1º ) com políticas de
regulação laxista apoiadas na ideologia de que o "mercado é perfeito e sabe o que faz" e
2º ) numa política monetária frouxa que levou à construção de bolhas no mercado de
ativos que os Bancos Centrais teimaram em ignorar.
A luta do sistema financeiro contra a tentativa de regulação no Congresso Americano e o
apoio do Partido Republicano, que tem um comprometimento conhecido com ele, mostra
a sua irresistível propensão para voltar ao local do crime...
Antonio Delfim Netto é professor emérito da FEA-USP, ex-ministro da Fazenda,
Agricultura e Planejamento. Escreve às terças-feiras
----------------------------------Valor Econômico - 11/05/2010
Brasil é líder no combate à fome e
desnutrição
Josette Sheeran
A segurança alimentar é um dos pilares do compromisso internacional assumido
pelo Brasil
Quando o presidente Lula tomou posse em 2003, fez uma referência clara para o
sucesso: que todos os brasileiros tenham a oportunidade de comer três vezes ao dia. O
presidente Lula e o governo brasileiro têm tomado medidas para transformar essa
promessa em realidade e estão criando novas parcerias para trazer as melhores
experiências e programas para os países em desenvolvimento da América Latina, o
Caribe e a África.
Juntos, esses esforços tornam o Brasil um líder mundial no combate à fome, e todos já
estão notando. No ano passado, a Action-Aid, uma organização não-governamental,
posicionou o Brasil como a nação líder na luta contra a fome.
O Brasil, como muitos países ao redor do mundo, tem comida suficiente para alimentar a
sua população inteira. O obstáculo, para milhões de pessoas, é ter acesso a alimentos
saudáveis e nutritivos diariamente. A estratégia do Fome Zero do Brasil é um esforço
pioneiro que incide diretamente sobre a questão do acesso à alimentação saudável,
fortalecendo o desenvolvimento local e a organização social para resolver a fome de uma
maneira sustentável. O Fome Zero fornece alimentação a 47 milhões de crianças em
idade escolar todos os dias, e cerca de 12 milhões de trabalhadores de baixa renda
recebem alimentação por meio do Programa de Alimentação para Trabalhadores. Os
restaurantes populares e as cozinhas comunitárias tornam possível o acesso à
alimentação saudável para as pessoas com menor nível sócio-econômico, nas grandes
cidades e nas periferias urbanas. Esses programas, juntamente com as transferências
condicionadas em dinheiro do Bolsa Família, asseguram que os brasileiros tenham o
alimento que necessitam a um preço acessível, focando nas populações em situação de
maior vulnerabilidade que, do contrário, não teriam nada.
Os resultados são impressionantes: desde que o Fome Zero foi lançado há quase seis
anos, a desnutrição em crianças menores de dois anos diminuiu 72% e as mortes infantis
registraram queda de 47%. Sabemos também que 93% das crianças e 82% dos adultos
que participam do programa Fome Zero têm acesso a três refeições ao dia.
No Brasil, o Fome Zero está se beneficiando dos alimentos produzidos pela agricultura
familiar. Nada menos que 30% dos alimentos utilizados nas escolas do Fome Zero vêm
da agricultura familiar, favorecendo o desenvolvimento e a economia local. Isso é muito
importante, já que a agricultura familiar é a espinha dorsal das áreas rurais brasileiras,
empregando aproximadamente 80% da mão de obra rural do Brasil, sendo responsável
por 10% do Produto Interno Bruto do país e produzindo 70% de todos os alimentos
consumidos no Brasil. Ao trazer a agricultura familiar para o Fome Zero, essa estratégia
propicia uma tripla vitória para os brasileiros: os agricultores familiares têm um
comprador para os seus alimentos, os brasileiros obtêm refeições nutritivas e a economia
do Brasil se beneficia mantendo a cadeia alimentar completa - do campo à mesa - dentro
do país.
Com uma economia líder emergente, o Brasil desempenha um papel cada vez mais
importante no cenário mundial. O Brasil tem feito com que a segurança alimentar e
nutricional seja um dos pilares de seu compromisso internacional. O Brasil é um dos
sócios mundiais chave do Programa Mundial de Alimentos das Nações Unidas, é ele,
junto com muitas outras nações doadoras que nos ajudam a salvar vidas com a
assistência alimentar, alcançando a 100 milhões de pessoas anualmente.
Desde o arroz e feijão para o povo do Haiti após o devastador terremoto, o milho para El
Salvador e a assistência técnica para os programas de alimentação escolar na
Guatemala, Bolívia, Zimbabue, os Territórios Palestinos Ocupados, Angola, Cabo Verde,
Guiné-Bissau, Moçambique, São Tomé e Príncipe e Timor Leste, o apoio do Brasil salva
vidas e garante que a próxima geração tenha a oportunidade de crescer com a mente
saudável e corpo saudável graças a uma boa alimentação.
Durante o Diálogo Brasil-África sobre a Segurança Alimentar desta semana, o Brasil e o
Programa Mundial de Alimentos concordam em fortalecer a parceria atual para levar as
melhores experiências e conhecimentos para mais países. Estamos estabelecendo uma
nova plataforma conjunta para todos os países, fornecendo informações e assistência
técnica em questões críticas, tais como os programas de alimentação escolar, os
programas de alimentação e nutrição, e outros programas efetivos de proteção social,
bem como as melhores experiências para unir os agricultores familiares aos mercados.
Essa plataforma será a vanguarda da cooperação Sul-Sul para a luta contra a fome.
O Brasil tem motivos para estar orgulhoso de suas realizações dentro de casa, assim
como de sua liderança internacional. Ao trabalhar para enfrentar o desafio da fome, e
levar as lições aprendidas a outros países, o Brasil está liderando, por meio do próprio
exemplo, a luta contra a fome. Milhões de pessoas poderão cumprir a visão do
presidente Lula para que todo mundo tenha comida suficiente para alimentar-se.
Josette Sheeran é diretora executiva do Programa Mundial de Alimentos das
Nações Unidas.
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Correio Braziliense - 11/05/2010
Gorilas na sala
Antonio Machado
Europa multiplica o socorro aos países do euro, mas há duvidas se a crise será
enjaulada
A Europa está com um gorila na sala vestido para combinar com as cortinas noutra
tentativa de torná-lo invisível para quem quiser ser enganado, mas ele está lá, e poderá
tornar-se mais ameaçador.
A bancarrota da Grécia foi um de seus urros. Depois de meses sem solução para sua
agonia, explicitada quando o novo governo grego anunciou em outubro do ano passado
que o deficit público, em vez de 5% do PIB, como até então divulgava, era de quase
13%, a Alemanha, a França e outros condutores da União Europeia (UE) juntaram-se ao
Fundo Monetário Internacional para garantir os pagamentos das dívidas da Grécia até
2012.
O pacote começou com 20 bilhões de euros. Passou para 45 bilhões de euros e, na
semana passada, foi fechado em 110 bilhões de euros, com o FMI assumindo 30 bilhões
de euros do total. Os detalhes foram ultimados na sexta-feira.
Mas o tamanho da necessidade de funding fiscal e externo da Grécia continua incerto,
razão pela qual os líderes da UE que se opunham à entrada do Fundo em problemas da
Europa engoliram o orgulho. Duvidoso é que estejam de olhos abertos.
No fim de semana, a UE reconheceu que desdenhava a gravidade da situação e
contrariou também a negativa do Banco Central Europeu (BCE) em recomprar papéis de
dívida privada tornados ilíquidos em razão da virtual insolvência seriada dos países sócios
do euro. É uma lista que começa pela Grécia e continua com Portugal, Espanha, Irlanda e
até a Itália, uma das locomotivas da comunidade.
A crise da Grécia transbordou para outros países da Zona do Euro, e a rede de defesa da
moeda, condição para os mercados financiarem os deficits e dívidas soberanas da região,
teria de ser bem maior.
Os mercados financeiros abriram a semana com a notícia de que vão dispor de mais 750
bilhões de euros, equivalentes a quase US$ 1 trilhão, adicionais aos 110 bilhões de euros
anunciados para a Grécia. É muito, e sem garantia de que, dessa vez, o gorila sai da sala
direto para uma jaula no jardim zoológico onde já se exibiam os animais do mercado
desregrado. Falta enjaular os espécimes do Estado irresponsável.
Se, a cada urro dos mercados com o tamanho do deficit fiscal e da dívida soberana dos
países, os governos respondem com mais dívida, contratada até pelos rotos, como
Portugal, forçados pela UE a dar sua contribuição à operação de resgate da esfarrapada
Grécia, não há solução à vista, conforme análise precisa do blog Sudden Debt.
O euro copia o dólar
De onde virá o dinheiro do novo pacote europeu? Do mesmo lugar de onde vieram os
110 bilhões de euros para a Grécia: da emissão de papelote de dívida pelos 16 países
associados ao euro e do sofisma lançado pelo Federal Reserve após a debacle de Wall
Street e copiado pelo BCE. Trata-se da tal “flexibilização quantitativa”, o neologismo
técnico para a emissão de dinheiro sem lastro. Isto é, inflação.
Mas quem hoje se importa? As bolsas mundo afora dispararam com a “boa nova” dos
europeus. Até o preço da dívida da Grécia melhorou.
Mais dívida resolve?
A banca e os fundos que investem em moeda e em papéis de dívida soberana tiveram o
que queriam: a garantia de que os ativos podres dos países-problemas não vão virar pó.
Foi o que já haviam obtido na primeira rodada da crise aberta pela quebra do Lehman
Brothers, em setembro de 2008: a encampação dos ativos podres que carregavam em
carteira. Os Estados nacionais, boa parte com orçamento fiscal em frangalhos, se
endividaram ainda mais para salvar o seu sistema financeiro — o fizeram emitindo
dívida, essa mesma que a Europa vai ampliar para tentar impedir a bancarrota da região.
O problema é a overdose de dívida. E eles a tratam com mais dívida. Vai dar caca.
O problema vai piorar
O economista David Rosenberg, da Gluskin Sheff, do Canadá, faz um comentário
pertinente em sua análise diária, ao questionar como as agências de risco reagirão ao
novo pacote europeu. As três grandes do ramo, Standard & Poor’s, Moodys e Fitch,
rebaixaram as notas de crédito de Grécia, Portugal e Espanha ao nível de “junk bonds”,
de alto risco. “Se a UE empresta dinheiro para a Grécia ou a qualquer outro paísproblema da região, as relações de dívida, incluindo os passivos contingentes, só vão
aumentar”, diz ele. Ou seja, piorar. O gorila pode até parecer inofensivo, mas continuará
na sala.
As forças indomáveis
Nos momentos de pânico, ninguém ousa as perguntas inconvenientes. A mais ostensiva
é a que trata da viabilidade dos cortes de gastos e do aumento de impostos exigidos pela
UE e FMI aos países da Zona do Euro como condição para serem socorridos. Como a
Espanha, com taxa de desemprego de 20%, atenderá tais condições? E a Grécia, onde
mais da metade da renda é paga pelo Estado? Tais planos atendem a falta de liquidez e
omitem o problema fiscal e as sequelas sociais.
Não há outra solução nos termos do socorro ensaiado pela UE tanto quanto é certo que,
sem crescimento econômico, os países mais fracos da Europa tendem à estagnação
perene. É difícil, em tal cenário, que a recessão possa resolver os problemas fiscais. E é
mais difícil supor que a opulência da Alemanha ou da França possa conviver com tal
panorama sem implicar instabilidade política e abalos ao euro.
A conclusão é que só se ganhou tempo para o desfecho inevitável: uma ampla
renegociação de dívidas soberanas, com perda partilhada com os credores. O gorila
parece domado, mas continua na sala. E é sabido que gorilas, tal qual o mercado, não se
deixam domesticar.
----------------------------------O Estado de S.Paulo - 11/05/2010
Artilharia pesada
Celso Ming
Depois de longo período de vacilação e 11 horas de reunião de cúpula, nesse fim de
semana a União Europeia finalmente decidiu usar sua artilharia pesada contra a
desvalorização do euro.
É quase US$ 1 trilhão em disponibilidades e garantias. E o Banco Central Europeu (BCE)
aceitou fazer aquilo que até sexta-feira seu presidente, Jean-Claude Trichet, considerava
inadmissível, que é recomprar no mercado secundário títulos de dívida emitidos pelos
Tesouros da área do euro.
Tão importante quanto essa demonstração de força da União Europeia foi o anúncio de
que o governo dos Estados Unidos também entrou na parada para escorar o euro. E o
Federal Reserve (Fed, o banco central americano) coordenou uma nova operação de
swap de dólares destinados a dar suporte às decisões das autoridades europeias.
Os mercados comemoraram porque, afinal, conseguiram enxergar chefes de Estado
agora determinados a agir e não o mesmo punhado de molengões de semanas atrás. (No
gráfico, você tem a reação das principais bolsas do mundo.)
Os recursos não foram ainda desembolsados e talvez nem sejam. É apenas uma
demonstração de cacife, destinada a desencorajar apostas contra os países mais frágeis
do bloco e contra o próprio euro.
Essa ação de ordem unida, responsável e necessária, ataca, no entanto, apenas as
labaredas que estavam vivas. Não tampa os rombos da Grécia, Portugal e Espanha. Nem
estanca o vazamento de gás que deu origem ao fogaréu que saiu dos enormes déficits
públicos na área.
A exibição desses recursos, que há alguns dias não existiam, levanta outras questões.
Como é que países quebrados conseguem juntar US$ 650 bilhões num fundo agora
denominado "mecanismo de estabilização" sem, ao mesmo tempo, aumentar seus
rombos?
E como fica o BCE? Garantiu que a injeção de dinheiro a ser feita por meio da operação
de recompra de títulos públicos será devidamente esterilizada. Isso significa que cada
operação de resgate de títulos terá como contrapartida uma operação de venda de títulos
de valor equivalente destinada a trazer de volta os euros que terão sido despejados no
mercado. Mas o BCE não disse como fará isso nem que títulos usará na operação. Os
líderes da União Europeia e do BCE mataram a cobra, mas ainda não mostraram o pau.
O mercado vai questionar o que falta.
De todo o modo, a decisão tomada em Bruxelas é uma convincente demonstração de
unidade. O problema agora é construir uma convergência política duradoura a fim de
impedir que se repita com membros da área do euro o que está acontecendo com Grécia,
Portugal, Espanha e Irlanda.
Ficou demonstrado que os compromissos consagrados pelo Tratado de Maastricht e pelo
Pacto de Estabilidade e Crescimento (PEC) não são suficientes para assegurar a
necessária austeridade fiscal dos membros da área do euro. Esses tratados tampouco
asseguram fiscalização dos orçamentos nem punição para os transgressores. Nem
preveem cobertura para rombos provocados por despesas dos Tesouros, como segurodesemprego e aposentadorias. Mas, se é preciso mais, é preciso providenciar esse mais.
Confira
Cadê a bomba?
Uma das publicações de maior prestígio no mundo, a revista alemã Der Spiegel, publica
matéria assinada por Hans Rühle que pergunta se o Brasil não estaria desenvolvendo sua
própria bomba nuclear. "O Brasil pode enriquecer urânio para seus submarinos
nucleares, mas ninguém sabe o que acontece com o combustível que está em bases
militares de acesso restrito."
Prazo apertado
É cada vez menos provável o aumento de capital da Petrobrás na forma planejada pelo
governo, ou seja, na modalidade em que a União subscreverá sua parte mediante a
transferência de 5 bilhões de barris de petróleo (cessão onerosa). É que a oposição vem
conseguindo obstruir a votação no Senado e o governo não vai tendo outra saída senão
admitir que a matéria seja votada sem regime de urgência. Para garantir mais capital
ainda em julho, cresce a probabilidade de que a Petrobrás terá de sacar o Plano B. Falta
saber como a União obterá seus recursos para subscrever a parte do Tesouro.
-------------------------------------Folha de S.Paulo - 11/05/2010
Depois da beira do abismo: e dai?
Vinicius Torres Freire
A FINANÇA mundial esteve à beira do abismo na tarde de quinta-feira e na sexta-feira,
pois o Banco Central Europeu disse na manhã de quinta que não iria financiar governos
sem crédito na praça, como era o caso da Grécia e seria, em poucos dias, o de Portugal.
O BCE, na pessoa de seu presidente, Jean-Claude Trichet, dizia também que não taparia
rombo de banco caloteado. Disse, enfim, que o mercado poderia vir quente que ele
estava frio feito um pepino.
Bem, o mercado veio quente e anunciou o fim do mundo. Os europeus levaram um
susto, uma corrida, uma bronca dos EUA e, vexaminosamente, jogaram a toalha. Vão
tapar rombos e fizeram picadinho de normas da União Europeia. Os EUA ainda
ofereceram dinheiro para conter a quebradeira da prima.
Não vai haver despejo imediato do dinheiro prometido, 750 bilhões, US$ 958 bilhões ou
R$ 1,7 trilhão (53% do PIB do Brasil). Um fundo europeu vai tapar eventuais rombos de
caixa de governos falidos -por falar nisso, o governo de Chipre se comprometeu a
emprestar US$ 1,27 bilhão, quatro vezes mais que o Brasil alardeou. Um fundo para
"desastres naturais" (sic) e outras ocorrências excepcionais vai tapar súbitos rombos de
caixa.
O FMI vai oferecer outro tanto de dinheiro e, vergonha, vai supervisionar as contas dos
governos europeus. Por fim, o BCE se comprometeu a emprestar dinheiro para governos
e bancos, a fim de evitar quebras, além de oferecer garantias. Algo parecido com o que
EUA e seu BC, o Fed, fizeram na crise de 2008. Qual o resumo da ópera?
1) Mais uma vez os bancos transferiram os riscos de sua incompetência para o setor
público, como o fizeram em 2008. Mamãe União Europeia vai cobrir eventuais calotes;
2) Para o Brasil, foi ótimo, ao menos no curto prazo (um ano). Há grande chance de não
haver disparada do dólar nem seca global de crédito devida a quebras de bancos e
governos europeus. Mas, como os europeus vão crescer muito pouco, algo dessa baixa
global no consumo deve respingar por aqui;
3) O risco de calote de governos europeus não acabou. As medidas de arrocho, de cortes
de gastos públicos e, indiretamente, redução de salários serão ainda mais pesadas. Se
não houver arrocho, os governos quebram. A Grécia continua tão quebrada quanto na
sexta. Os "povos do Mediterrâneo" continuam tão fritos quanto antes do pacote;
4) Haverá deflação e recessão ou crescimento muito pequeno na Europa por dois ou três
anos, em especial na Grécia, em Portugal e na Espanha, talvez na Bélgica e na Itália.
Assim, pode haver revolta social, política. Que pode derrubar governos e acordos de
arrocho. A própria recessão vai criar dificuldades para o governos pagarem suas contas;
5) A União Europeia ficou politicamente desmoralizada. Só agiu aos 44 minutos do
segundo tempo. Vai ter de, na marra, fazer algum tipo de governo comum no que diz
respeito a gastos públicos e a financiamento da dívida pública. Coisa prevista faz tempo
por acadêmicos e sábios, mas que terá de ser feita na marra, agora, ao menos em parte.
Os governos nacionais, que já não têm moeda, terão ainda menos autonomia fiscal;
6) A crise ainda não acabou.
----------------------------------O Globo - 11/05/2010
O superpacote
Miram Leitão
O superpacote europeu tem vários significados.
A Europa assumiu que não era uma crise grega, mas europeia; criou um mecanismo
novo, o fundo de estabilização monetária, que será decisivo na solução do problema;
admitiu que vários países como Espanha, Portugal, Irlanda e até Itália poderiam sofrer as
mesmas turbulências. Pela primeira vez, a Europa viu o tamanho da crise.
O valor que chega a quase US$ 1 trilhão pode acabar tendo que ser ampliado. E mais:
outros desdobramentos podem ser inevitáveis, como, por exemplo uma reestruturação
da dívida grega.
Os gregos precisam se comprometer publicamente com o ajuste nas contas, mas agora
terão reforços.
Como nos piores momentos da crise que começou no final de 2008, a agenda econômica
da semana começou no domingo. Líderes europeus passaram 14 horas reunidos para dar
uma resposta rápida e forte antes da abertura das bolsas asiáticas. A entrevista de
explicação oficial do pacote acabou acontecendo de madrugada, em Bruxelas. Diante de
respostas meio vagas, um jornalista se aborreceu e lembrou aos representantes
europeus que já eram quase três da manhã.
Esse volume todo de dinheiro não será transferido para os governos. O fundo de
estabilização será uma espécie de fiador. Os países continuarão indo a mercado para
rolar suas dívidas, mas o fundo de estabilização vai garantir que eles tenham uma
segunda opção de captação.
A ideia é que isso reduza a taxa de risco e eles possam captar a juros menores.
Essa pode ser uma fórmula também para contornar limitações de se financiar países que
estão com déficits acima do limite do Tratado de Maastricht. A Alemanha, por exemplo,
tem essa limitação.
Pôr dinheiro num fundo de estabilização é bem mais palatável politicamente do que
emprestar para um país com risco de default. Da mesma forma, receber de um fundo é
bem mais palatável politicamente do que de um país, ou um conjunto de países. Mesmo
assim, os parlamentos dos países terão que ser ouvidos.
Se o prometido no fim de semana demorar a se tornar realidade, certamente os
mercados passarão por outros momentos de volatilidade.
Ontem foi dia de festa, mas a tendência pode se inverter.
Há um longo caminho até que se encontre soluções definitivas para a grave crise fiscal
da Europa. Depois que o cabo da tormenta for contornado, ainda será necessário um
longo tempo para os países digerirem os déficits.
Isso significa que a Europa pode passar anos crescendo pouco ou não crescendo.
O economista Armando Castelar, do Gávea investimentos, acha que o pacote está bem
dimensionado, mas que a solução não será trivial: Existe espaço para ruído por conta dos
detalhes e da aprovação do crédito nos 16 parlamentos. Não será trivial. A própria
concessão dos créditos virá ligada a condicionalidades impostas pelo FMI.
Há vários dilemas no caminho.
O Banco Central Europeu antes estava se recusando a comprar títulos de países com
problemas, mas isso acabava sendo o mesmo que condená-los, o que afetaria todo o
sistema.
Agora, decidiu-se que ele vai comprar esses títulos, mas aí cai em outra contradição,
como diz o economista Carlos Thadeu de Freitas, da Confederação Nacional do Comércio
(CNC): O BCE será obrigado a cobrar a mesma taxa de juros de todos os países da Zona
do Euro, o que vai significar subsidiar os países que hoje estão mal. Vai usar a via
monetária para resolver um problema essencialmente fiscal.
O professor José Márcio Camargo, da Opus Gestão de Recursos, e da PUC-Rio, acha que
a dúvida é de novo se o excesso de ajuda não acabará retardando os ajustes necessários
nas economias encrencadas: O mercado já não comprava os títulos de alguns países, e o
que a Europa fez foi dizer que está disposta a financiá-los por dois a três anos. Mas no
médio prazo a dúvida que fica é se eles terão vontade política para fazer os ajustes.
Prometer é uma coisa, fazer é outra. E isso será colocado em prática num momento de
crescimento baixo.
De qualquer maneira, vários economistas acham que não está afastado o risco de
reestruturação da dívida grega. Eles preferem falar essa palavra do que a outra, temida:
calote. A escolha não é apenas semântica.
Acham que há uma chance de uma negociação com os credores, processo mais bem
representado pela palavra reestruturação do que por calote. De qualquer maneira, só há
a chance dessa solução menos traumática depois do último fim de semana.
Caiu a ficha de que existe uma falha fenomenal na Zona do Euro. A criação desse fundo
de estabilização pode ser o embrião de um fundo monetário europeu, que funcionará nos
moldes do FMI. A reestruturação da dívida grega continua inevitável, mas ela poderá ser
feita agora ao longo do tempo e não de forma abrupta diz Monica de Bolle, da consultoria
Galanto.
O pacote afasta o maior medo do mercado que é o de começar tudo de novo, com mais
uma rodada da mesma crise. Mesmo assim, as dúvidas continuam. Os países que já
estão com déficit terão que aumentar seus gastos para socorrer os outros governos. A
conta dos países mais encrencados pode não ser paga à vista, mas será paga a prazo,
através do baixo crescimento.
COM ALVARO GRIBEL e VALÉRIA MANIERO
-------------------------------------Valor Econômico - 11/05/2010
Europa ganha tempo ao lançar novo plano
Eduardo Campos
A reação ao socorro de € 750 bilhões desenhado por União Europeia e Fundo Monetário
Internacional (FMI) foi eufórica nos mercados. As bolsas tiveram os maiores ganhos
diários em mais de um ano e o dólar teve um ajuste de baixa só visto nos pregões da
crise de 2008. No entanto, a avaliação tanto de economistas como de participantes das
rodas de negociação é que de o problema não foi solucionado. Como notou o vicepresidente de tesouraria do Banco WestLB, Ures Folchini, com esse programa a Europa
ganhou tempo para tentar solucionar seus problemas.
Ainda de acordo com Folchini, o ponto principal do plano é a garantia de recompra de
papéis privados e governamentais, pois encerra a especulação contra os títulos, já que
agora existe um comprador de última instância para os papéis. Com isso, diz o
tesoureiro, se resolve o problema financeiro da região. No entanto, o sucesso do plano
como um todo dependerá de como cada país vai lidar com o seu endividamento e como
serão adotadas e conduzidas as políticas de austeridade.
É justamente essa contrapartida de ajuste fiscal que traz preocupação, pois como
economias que mal saíram da recessão provocada pela crise de 2008 vão encontrar
impulso econômico suficiente para crescer e ainda pagar o que devem. "Por enquanto,
não podemos falar em solução. Temos que avaliar o impacto futuro das decisões
tomadas", pondera o gerente de operações da Terra Futuros, Arnaldo Puccinelli.
Considerações à parte, o dia foi de forte ajuste de posições no câmbio. O dólar comercial
caiu 3,99%, para fechar a R$ 1,777 na venda. Desde 24 de novembro de 2008 a moeda
americana não perdia tanto em um único pregão.
O ajuste de baixa no preço do dólar não era surpresa, pelo menos para os bancos, que
seguiam com posições vendidas (apostas pró-real) de aproximadamente US$ 5,8 bilhões
em dólar futuro na sexta-feira. Bom para eles, ruim para os estrangeiros que seguiram
ampliando sua posição comprada (apostas pró-dólar). Na sexta-feira, os não residentes
compraram 27.332 contratos, o equivalente a US$ 1,36 bilhão. Com isso, o estoque pródólar subiu a R$ 5,22 bilhões.
No mercado de juros futuros, a redução da preocupação com uma crise generalizada na
Europa resultou em alta nos contratos de curto prazo. Pelo comportamento da curva, os
agentes reduzem o peso da influência externa na condução da política monetária local.
Segundo o diretor de gestão da Meta Asset Management, Henrique de La Rocque, o
mercado assistiu ao quadro reverso do observado na semana passada. O especialista
lembra que, conforme a situação piorava na zona do euro, ganhava corpo a percepção de
que o Banco Central poderia reavaliar o tamanho do ciclo de alta de juros, pois em um
ambiente recessivo se reduz a ameaça inflacionária. Já ontem, após o anúncio do plano
de resgate, voltou a ideia de um cenário de recuperação. "A princípio, o mundo pode
continuar crescendo e talvez o ajuste de juros seja grande mesmo", explica de La
Rocque.
Olhando agora para agenda da semana, o destaque local é a venda varejista de março,
que será apresentada amanhã. E o Banco Safra de Investimento chama atenção para a
possibilidade de os dados apresentarem um crescimento em ritmo chinês. A projeção do
economista-chefe da instituição, Cristiano Oliveira, é de alta 15% no conceito restrito no
comparativo com março de 2009. No confronto mensal, o ganho deve ser de 1,1% na
série com ajuste sazonal. Se essa estimativa estiver correta, a média móvel trimestral
deve subir 1,85% no mês ou avanço anualizado de quase 25%.
Colando na conta os veículos e os itens do setor de construção civil, temos o conceito de
"varejo ampliado", para o qual Oliveira estima alta de 17,4% no confronto anual. Para
efeito de comparação, na noite de ontem saíram os dados da vendas varejistas na China
e a previsão apontava alta de 18%.
O mais interessante é que tais variações devem ser registradas nos próximos meses,
pois segundo o economista, o tripé que da suporte às vendas continua intacto: juros
reais abaixo do considerado neutro, expansão do crédito e mercado de trabalho
aquecido. "Com isso, massa salarial e rendimento médio crescem, o que alimenta um
ciclo virtuoso", diz Oliveira.
Com tal ritmo de crescimento da demanda, o banco trabalha com com avanço de quase
7% para o PIB em 2010.
Eduardo Campos é repórter
--------------------------------Estadão Online – 10/05/2010
A verdadeira educação de que precisamos
Ethevaldo Siqueira
Educação no Brasil tem sido pouco mais do que um discurso eleitoral e político. Todos os
candidatos a presidente da República e a governadores prometem dar-lhe prioridade. O
resultado concreto dessas promessas, contudo, tem sido frustrante, pois o Brasil
apresenta um dos piores padrões de ensino e educação do planeta.
Passemos ao extremo oposto e positivo da questão. A Finlândia oferece à sua população
aquela que é considerada a melhor educação do mundo. Esse nível de excelência alcança
tanto a universidade, como o ensino nos níveis médio e primário. Tais resultados
decorrem, acima de tudo, da qualidade de seus professores, das instalações de suas
escolas, da adequação de seus currículos, do número de horas efetivas de aulas e da
seriedade dos processos de avaliação da aprendizagem.
Que bom seria se professores brasileiros pudessem dar um depoimento parecido com
este que ouvi de um professor de primeiro grau finlandês: “Como educador, sou bem
remunerado, sinto-me integrante da classe média, tenho casa própria, automóvel, sei
que terei uma aposentadoria decente e que meus filhos poderão estudar nas melhores
escolas. A sociedade me respeita e reconhece o valor de minha contribuição para o
futuro das crianças e jovens de meu país.”
Ao visitar a Finlândia no ano passado, minha maior surpresa foi notar que suas escolas
não revelam nenhuma paixão especial pelo computador ou pela banda larga. É claro que
seus educadores consideram esses recursos tecnológicos importantes, mas afirmam que
eles devem ser utilizados na dose certa, no momento exato e de modo correto.
Um dos exemplos desse uso correto é o curso que a escola de nível médio ministra a
garotos e adolescentes na Finlândia e em outros países da Europa, para prepará-los para
o uso competente do computador e da internet, fornecendo-lhe, ao final, o certificado
chamado computer driving license, por analogia com a carteira de habilitação de
motorista. Seria muito bom que as crianças brasileiras dispusessem de cursos periódicos
semelhantes.
Um laptop por aluno?
Não tenho dúvida de que a maioria das pessoas que defende o projeto de Um Laptop por
Criança (OLPC, na sigla em inglês One Laptop Per Child) para o Brasil e outros países
emergentes, são pessoas bem-intencionadas e idealistas. Mas basta refletir um pouco
mais para se comprovar a fragilidade desse projeto.
Sejamos realistas. A maioria das crianças não poderá levar seu laptop à escola sem
correr o risco de assalto no caminho, em especial em São Paulo e no Rio de Janeiro. Os
que conseguirem chegar à escola com a máquina, serão, com certeza, tentados a
navegar pelos sites mais inadequados durante as aulas. Nesse caso, o laptop será muito
mais um elemento de dispersão da atenção do aluno do que uma boa ferramenta de
ensino.
A experiência finlandesa mostra claramente que o computador, quando usado
rotineiramente em sala de aula, sem critério, não traz nenhum benefício para a
aprendizagem. Pelo contrário, prejudica o aproveitamento escolar do aluno.
É claro que muitas escolas poderão oferecer a seus alunos acesso a terminais de
computadores de uma rede local, com recursos audiovisuais e didáticos, para o ensino de
geografia, história, matemática, física, química, biologia, literatura e outras matérias, a
partir de projetos pedagógicos bem concebidos.
Nesse sentido, seria útil e desejável que os garotos aprendessem a usar em casa alguns
aplicativos para a aprendizagem de certas matérias. Conheço pais que usam o Google
Earth para ensinar geografia a seus filhos. Ou astronomia com um programa tão atraente
quanto o Starry Night (Noite Estrelada). Na escola, esses e muitos outros recursos de
software poderiam ser adotados para ilustrar aulas, mas sempre sob estrita orientação
do professor.
Não há milagre
Esperar que a simples disponibilidade do computador e da internet de banda larga na
escola deflagre uma revolução na qualidade do ensino é mais que ingenuidade. Nenhuma
ferramenta ou tecnologia, isoladamente, tem esse dom mágico.
Na verdade, a grande revolução educacional que um país pode realizar é resultado da
combinação de um conjunto de fatores tão conhecidos como:
1)
investimentos públicos prioritários em educação;
2)
melhor formação e atualização do professor;
3)
remuneração condigna e a perspectiva de uma carreira atraente ao educador;
4)
melhoria constante do ambiente escolar, dando-lhe mais segurança e funcionalidade;
5)
especial atenção à saúde e à nutrição dos alunos;
6)
atualização permanente dos currículos e do material didático;
7)
envolvimento direto da família e da sociedade no problema da educação.
Esse último aspecto me preocupa de modo especial pois a maioria dos pais brasileiros
não acompanha de perto a vida de seus filhos na escola, não conhece sequer seus
professores, nem sabe o que suas crianças fazem na internet.
No Brasil, vivemos um momento paradoxal. Sem realizar nenhuma reforma em
profundidade da educação no País, o governo federal anuncia um projeto no mínimo
eleitoreiro: a distribuição de centenas de milhares de laptops e a instalação de terminais
de acesso de banda larga à internet em todas as escolas de primeiro e segundo graus do
País.
Os resultados efetivos desse projeto para a educação serão quase nulos. Como sempre,
a maioria dos políticos e governantes só pensa em obter votos e não está, realmente,
interessada nas melhores soluções para o País.