Untitled
Transcrição
Untitled
Número quatro, Abril de 2007. Sabemos das coisas depois do tempo delas. E sabemos dos passos depois da vontade se ter sumido. E dos mundos quando já não são redondos e pedem, aos balcões das pastelarias, bolas de berlim com creme. Ficamos a pensar se o problema não será dos outros. Correm muito. Não vêem nada. Ricardo Galésio CAPA Romance ilustração de Emma Overman FICHA TÉCNICA Director de Arte e Conteúdos Ricardo Galésio Colaboradores Ana Elisa, Ângelo Fernandes, Diana Lugansky, Emma Overman Hugo Mortágua, João Alves dos Santos, Lambros FisFis, Michael Wolf Pedro Palrão, Rodrigo Falcão Nogueira, Sara Toscano, Sónia Bettencourt Agradecimentos Diana Lugansky, Emma Overman, Michael Wolf país profundo Hugo Mortágua “José Miguel Júdice - Um dos segredos de Sócrates é a imagem. Nos EUA não há nenhum feio que possa ser candidato a presidente. Têm todos que usar camisas de uma certa cor, a politica hoje é imagem, quem não gosta não se mete nelas. Ângela Silva do Expresso - Sócrates não é feio. Mas acha Alberto João Jardim, que também é um vencedor, um homem bonito? JMJ - Mas aí estamos na Madeira. Jardim não passa no continente.” In Revista Única, Caderno Expresso de 10 de Março de 2007 acerca de Marques Mendes. Ora nós, que gostamos de viver na eufórica procura e assimilação de tendências urbanas e que abraçamos conscientemente movimentos racionalistas que nos trazem ímpares momentos de confrontação entre, por um lado, a nossa consciência crítica, a nossa ética, a nossa coerência e a nossa “moral” e por outro lado, o mundo em que vivemos, tantas vezes desonesto e cruel como feio e repelente, como sendo uma projecção irrealista do que somos. Dizia eu, nós que gostamos de nos ver por momentos distanciados deste mundo (que reconhecemos…), somos imagem e não circulamos na política, ou será que circulamos? Certamente que sim. Pois bem, realmente não há moral que se lhe ajuste ou ética que não o condene, mas terá ele alguma razão? Somos a imagem de uma sociedade alerta e activa que não se importa de rejeitar o que não é consciente, correcto ou de qualquer forma contra-natura. Efectivamente sabemos viver e extraímos da metrópole, fonte natural e foz da convergência e alocação de bens essenciais à vida desfrutada de forma consciente e questionada: as modas, as tendências, os pensamentos e filosofias que chegam de fora. Estas encontram nos citadinos a terra e o fertilizante necessário para crescerem e ganharem forma expandindo-se para outras culturas num perpétuo ciclo. No limiar, o plano continental português actual, e refiro-me obviamente e apenas às cidades porque Portugal não tem interior (pois é povoado pelos ásperos intelectuais que se agarraram à cultura local portuguesa e essa, a meu ver, é desactualizada da presente e homogénea cultura europeia), insere-se na procura de espaço mediático entre a sociedade de consumo e o crescimento tecnológico-intelectual. Nesta realidade cresce um apoio incontestável ao, cada vez mais lugar-comum, metrossexual. “Ora não tem nada de especial!” – penso eu, porque o culto metrossexual já há há uns bons 6 anos e poderei dizer que fui um dos primeiros a abraça-lo sem medo de ser confundido com um dandy. Mas será comum ver o culto da imagem a circular pela política? Certamente que sim. Portanto, posso afirmar com alguma alegria que já somos um país desenvolvido! Porquê? Porque os nossos políticos têm imagem! E isto é o que querem que o povo absorva da dita cultura desenvolvida: a nossa! No que me toca, recebem todo o meu apoio e aplausos, porque prefiro andar na rua a ver pessoas bonitas e arranjadas. Mas talvez eu seja pouco profundo! diana lugansky bvlgaria A Diana é finlandesa. Vive em Helsínquia. Para além de designer também é fotógrafa. Vimos as suas fotos tiradas na Bulgária e não resistimos. Pela simplicidade, pelas cores, pelo mundo imaginado que não existe. (Disse-nos que adora o marido Mishka. Ainda bem.) 11 gostava de ter alguém Sónia Bettencourt «É-nos possível viver sozinhos, desde que seja à espera de alguém» Gilbert Cesbron Ás vezes saio sem saber para onde vou. Gosto de deambular sozinha pelas ruas e travessas da cidade, ver pessoas a passar a pé e de carro, entrar nas lojas onde na realidade não há nada que queira comprar, e imaginar que necessito daqueles artigos que estão expostos nas montras e nas prateleiras; frequentar um café ainda que por alguns minutos e ouvir parte de conversas: ao telefone, ao balcão, na mesa ao lado e nas pessoas que passam na rua junto à porta; comprar um bilhete de metro e sair numa estação por impulso, por uma urgência que me toma em desfazer as horas ou simplesmente procurar-te mesmo sem te saber o rosto. Quem és? De onde vens e para onde vais? Ocorre-me vezes sem conta e submeto-me a uma investigação clandestina, muito íntima e divirto-me a interpretar uma vida ao cruzar contigo por acaso, num sítio qualquer. Persigo-te durante alguns minutos, observo o modo discreto como falas ao telemóvel, os gestos diplomáticos, a pasta e o sobretudo que seguras pelo braço, o maço de tabaco vazio que deitas no caixote do lixo, os sapatos brilhantes que atravessam a passadeira. Interrogo-me se vais ao encontro de alguém, se estás atrasado ou se, regressas de uma habitual viagem solitária. E logo me perco nas avenidas dos meus enredos tentando enquadrar-te numa história, com imagens claras e perfeitas, fantasiando que me vais encontrar, que somos amantes ou simplesmente bons amigos, e frequentamos a casa um do outro, onde cada um de nós vive, sozinho, por entre garrafas de vinho e obras de arte. Podíamos dormir juntos durante a tarde, entre duas reuniões de negócios, num escritório com vista para a cidade. Enquanto me despias as roupas caras e soltavas-me o cabelo, que usava sempre cuidadosamente atado por um fio elástico, falaríamos de marketing e da última festa em que te interessaste por tudo e não te apaixonaste por nada. Ah, serias casado? Comprometido, talvez. Ou então, num outro contexto totalmente diferente, trocávamos ideias sobre viver em Lisboa ou Nova Iorque, o amor à primeira vista e a tua nova namorada que quer ser actriz. Eu acompanhava-te ao teatro, estaria em cena a peça de Becket, Á Espera de Godot, e ao final seríamos os primeiros a dar início à chuva de aplausos. Mas, para te colocar ainda numa outra história, melhor ficará se fores o meu namorado, e ires ter com uma mulher desconhecida que, apaixonada, marcou encontro contigo através de e-mail, com o argumento que te vê todas as noites na televisão como pivot de telejornal. Sem tu saberes seria eu essa mulher – a tua própria namorada. Mais tarde arriscar-me-ia a explicar-te a minha atitude: a televisão tornou-se uma psicose. Ver o telejornal, por exemplo, não apenas esgota como pode ser letal. Os diálogos formam-se-me nos lábios e quase me dirijo a ti com um sorriso sem saber muito bem em que quadro estamos ambos representados. Só me apetece dizer-te: «estou aqui» ou «cheguei». Então apercebo-me de que te sou desconhecida, anónima, indiferente; que a história te é completamente incógnita, que aliás não é a tua, mas a minha. A história só existe em mim servindo fundamentalmente para me ausentar de mim, perder-me e deixar de ser eu para ser outra qualquer. E abato-me, no meio da rua, sozinha, entre a multidão. A lucidez é detestável. Dirijo-me ao café mais próximo, lotado de gente, e sento-me à mesa, por sinal, a única disponível, ainda com um punhado de frases agora a desfazerem-se lentamente na garganta. Tu, de súbito, entras no café e sem outro lugar para te sentares e beber a meia de leite, perguntas-me referindo-te à cadeira: «está ocupada?» Esmago o cigarro no cinzeiro de vidro, fecho o bloco de notas e respondo irritada como se fôssemos dois actores e estivéssemos a contracenar: «não era essa a tua deixa!». Sem demora regresso ao metropolitano, transtornada pela história, sempre a ficcionar, a persistir na procura, porque de facto não és nem meu amante nem meu amigo e a verdade é que eu nunca te vi. Agora quero sair desta confusão, deste mundo desinquieto que é o de viver sozinha e faço o trajecto inverso, ansiosa por chegar ao mesmo lugar de onde parti, com uma só vontade: a de ter alguém à minha espera. 13 chimoio Ângelo Fernandes 15 Fotografias transversais a um projecto de voluntariado, realizado em Agosto de 2007 em Chimoio, ex Vila Pery, Moçambique. Seis jovens, com idades compreendidas entre os 24 e os 30 anos com diferentes formações – três professores, duas psico-pedagogas e uma ilustradora – viajaram até Chimoio para trabalhar numa escola comunitária do primeiro ciclo, três infantários e um lar para crianças órfãs, totalizando num trabalho directo com mais de 600 crianças e 19 agentes de ensino – professores, educadores e auxiliares de educação. Os objectivos estavam relacionados com vários aspectos, como metodologias no ensino da leitura e da escrita, motivar os alunos para escrita, detectar deficiências nos alunos e agir sobre elas, postura dos professores e o uso dos jogos como actividades lúdicas e como meios de aprendizagens. Para informações ou também como participar em projectos futuros escreva para [email protected] ou [email protected] Parallel photographs of a voluntary project taken place in August of 2007 – Chimoio , Mozambique . Six volunteers, with ages from 24 to 30 and with various formations – tree teachers, two psycho-pedagogues and an illustrator – traveled to Chimoio to work in a primary communitary school, tree day care and a residence for orphan children; resulting on a direct work with more than 600 children and 19 teaching mediators – teachers, educators and education auxiliaries. The goals of this project were related with several aspects, like methods of teaching how to read and write, to motivate the children to read, how to detect handicap on the students and how to work on them, teachers posture and the use of game as enjoyable activities and a prosperous process of learning. For more information or how to participate on future projects write to [email protected] or [email protected] 17 19 21 23 25 27 29 31 33 35 o que a arte já não é Sara Toscano Quinta-feira, espectáculo improvisado de musica e dança na casa ocupada de Amesterdão. Empurramos a porta e entre corredores e correrias encontramos sozinhos a sala de espectáculos. O pianista grita para a organizadora: “estas cadeiras, para onde são?”. Ajudamos a distribui-las por dois degraus quando uma bailarina entra “Bem, acho que é para começar” e sai. Nenhuma luz se apaga nem nenhum cenário desce. São negligenciados todos esses momentos que, como uma ponte levadiça, permitem passar do real para o curioso mundo imaginário dos castelos, do espectáculo. A um canto um Mac escancarado, sem disfarces e logo à minha frente a hipnotizante luz verde Exit, desleixada, por cima do baterista. Três bailarinas entram com roupa do dia-a-dia, sem brio. Nem sequer um apontamento que me transporte para o universo do espectáculo e que faça uma só borboleta levantar voo no meu estômago. E começam a dançar, os músculos tensos, o corpo elástico, expressivo, magnífico. Um amadorismo cheio de esforço e intenção. Mas cada uma por si como se dançassem a própria sombra . Nem um momento de cumplicidade. Os músicos excelentes, engolidos pelo próprio instrumento tocam pequenas maravilhas mas como autistas não comunicam nada. Antes do intervalo os seis artistas interagem, no momento mais contagiante de todo o espectáculo. Mas não há historia... Sons e movimentos ligam-se como fichas e tomadas que não se conectam. Cada um como um fragmento. Faltava tudo o que faz de um espectáculo um acontecimento maior que um exercício de “espelho meu”, ou uma exibição de talentos. E faltava o “era uma vez”. Começa o intervalo e os músicos saem, bebem 2 cervejas e voltam para os seus lugares sem fecharem os olhos e respirarem fundo. Faltava aquilo que nos faz guardar memórias, os significados. Porque jamais um belo pliet ou uma infinita piruet nos deixa lembranças se ninguém nos faz acreditar que eles são feitos de magia, se ninguém nos prepara para os recebermos com emoção, se ninguém os liga com um fio que nos conduza para outra realidade. 37 ainda não sei Ricardo Galésio Rodrigo Falcão Nogueira Sabes da verdade? Qual? A de que dois corpos lavados não se misturam? Isso não é nenhuma verdade. Para mim é. Mas isso não tem lógica. Para mim tem. Então explica-me lá isso. Se um corpo lavado se mistura com outro lavado deixa de estar lavado. E porque é que deixa de estar lavado? Porque já se sujou. Com o quê? Com o outro corpo. Mas o outro também está lavado. Se se misturarem deixam de estar lavados. Tem a ver com a Teoria da Osmose da Sujidade. Essa teoria não existe. A partir do momento que eu a criei passou a existir. Mas quem és tu para criar teorias? John Malkovich. Tu não és o John Malkovich. Como é que sabes que não sou? Porque sei quem ele é? Então quem é? É um actor. Se achas que uma pessoa se define pela profissão que tem então ainda és muito novinho para discutires qualquer teoria que seja comigo. 39 41 43 45 seetadino Ana Elisa Estou em Portugal há 11 anos. Abri esta loja há 4 anos, porque antes tinha um restaurante. Agora queria mais calma, e um restaurante dá muita confusão. Porque sim, por causa das inspecções…andam sempre “em cima” de nós. Uma loja é mais calmo, não tenho empregados, sou eu mais a minha esposa. Há muitas pessoas a fazerem mal as coisas, não são só os chineses. As inspecções fecham muitos restaurantes, não são só os nossos. E o meu nunca teve problemas, mas dá muita confusão. Aqui é melhor. Vendemos muita coisa, as coisas são mais baratas aqui, e só vendemos o que as pessoas querem comprar, há produtos diferentes, é por isso que as pessoas vêm cá, e também pelos preços. Também é mais fácil para comunicar com os clientes. Antes eu tinha problemas em perceber algumas coisas, e depois há sempre pessoas que gozam com a nossa pronúncia… mas tente você aprender mandarim e depois falamos. O português é difícil e então para a nossa comunidade, não é nada fácil. Sim, há essa ideia, mas muitos de nós tentam e depois somos gozados, também não é fácil ter vontade para aprender muito bem esta língua, vamos sempre ser gozados pela pronúncia. Mas aqui na loja é melhor, porque não temos que ter grandes conversas, e eu também já falo melhor, mas naquela altura foi muito difícil. Os meus produtos estão todos legalizados, isto é importado e passa pelos registos todos, depois é só vender. As ligações com o Oriente estão muito mais fáceis, hoje em dia a comunicação entre a Europa e a China está muito mais rápida. Acho que vendemos bem, mas são pequenos artigos, pequenos lucros. Mas as roupas, os pequenos aparelhos, fios, brincos, bonecos, coisas para decoração, acho que é isso que se vende mais. No início estava com medo, mas muitos chineses vinham para cá e contavam boas histórias. Foi um risco, mas também comecei logo a gostar do país. Principalmente pelo tempo, este sol é muito bom. As pessoas também são simpáticas. E a comida, adoro bacalhau, de todas as maneiras. Portugal na altura era o país onde se tinha legalização de forma mais fácil. Hoje em dia já é mais fácil por exemplo na Espanha, França, Itália. Ohhh, os boatos são muitos. Que fazemos tráfico de orgãos, que traficamos droga, que os negócios são todos para esconder dinheiro, que não declaramos os mortos e que os cozinhamos nos restaurantes…há de tudo. O que é que quer que lhe diga? Não posso falar por todos, mas claro que isto são boatos. Os chineses morrem e passam-lhes as certidões, como é que se chama? Óbito, sim. Sim, isso é verdade. O povo chinês gosta de jogar, e cá não é nada que se compare com o que havia na minha cidade. Aposta-se para tudo, isso é realmente oriental. Mas aqui temos os casinos, ou jogamos com os amigos. Também não lhe vou dizer que não há chineses ilegais em Portugal, eu não sou, mas como os outros imigrantes, devem existir alguns. Vimos alguns canais asiáticos, lemos os jornais, como o Sino. Gosto muito de Lisboa. É bom estar junto ao rio, é uma cidade calma, eu agora já gosto desta calma, coisa que não havia na minha cidade (Hangzhou). Gosto também desta luz, é uma cidade clara, limpa. Mas tenho o coração dividido, porque aqui não tenho toda a minha cultura, não vivo a minha tradição. Sim, acho que sim. Um dia volto. B.I. Chéng Comerciante Chinês “Li Ming” – Loja / Bazar 44 anos 47 architecture of density Michael Wolf é muito conhecido pelas suas fotografias que nos mostram a densidade arquitectónica num limite que se torna quase insuportável. Viveu dez anos em Hong Kong e não ficou indiferente à paisagem padronizada dos prédios. Quando as cidades crescem para cima e a terra acrescenta-se ao céu. 49 51 53 55 crónica frenética de uma paixão Pedro Palrão Sorriste-me e eu sorri-te de volta. Olá como estás? Sou o Paulo e tu? Joana, como estás também? E todas essas palavras conjuradas num tom de desdém pois que a sua verdadeira intenção subjaz o seu expressar e os dois míseros beijos na face, que em breve se espera trocar por um bem quente nos lábios. Amiga de um amigo, que engraçado vocês por aqui?, já se conhecem?... Pois que não mas quero de imediato que esse deixe de ser um facto e possa avançar a passos largos por um caminho desconhecido que apenas se prostra à minha frente por um breve esgar dos teus olhos, um breve trejeito dos teus lábios no sorriso que me deitaste antes de sequer saberes o meu nome. Esperei por novos contactos fortuitos forçados por mim...Ah porque não trazes amigas tuas como aquela tão simpática com quem estavas no outro dia? Ahaha, risos jocosos tentando encobrir a verdade, pondo um toque de ingenuidade no que à partida é tão calculado, mas já se sabe que nestas coisas confiar na sorte é pôr em jogo demasiado e não me podia dar ao luxo de o fazer após ter marcado a tua cara e o teu corpo no mapa das minhas lembranças. De facto lá estavas tu da primeira vez, e da segunda estavas já enrolada nos meus braços e embrenhada nos meus lábios, enquanto por entre o calor da praia trocávamos o sal do mar onde nos banháramos…E da terceira e da quarta e da quinta, onde comi um pouco de areia ao beijar-te a testa, e da sexta…Seria de estranhar conhecer apenas os teus lábios após tanto tempo…obviamente que não, pois que da primeira tive oportunidade de palmilhar uns quantos centímetros mais de pele que não a que usas a descoberto. Posso mesmo dizer que conheci uns quantos dos teus segredos por essa altura, e tinha-te completamente desvendada pela segunda vez onde te li por entre o granulado da areia molhada daquele recanto naquela praia com todos ao longe a imaginarem o que fazíamos. O corpo masculino tem infinitamente menos segredos por isso conheceste-o bem da primeira vez, aliás nos primeiros instantes em que me despi de reservas e avancei sem medos nos teus trilhos em curva e contracurva tu ficaste a conhecer o meu caminho simples e directo. E da sétima lá estavas tu deitada na minha cama, e da oitava eu na tua, em todas elas nos embriagávamos cada vez mais um no outro, em todas elas nos deixávamos tomar de delírio pelo que tínhamos para oferecer um ao outro. No restante tempo trocávamos sinceridade e entrega, mas ao final de alguns dias a ilusão dos sentimentos, o pó que eles nos lançaram aos olhos assentou e reduzimo-nos a meras trocas de calor, pois que o frio nos inundava quando íamos além das nossas fronteiras corporais. Tentámos, pois tentámos, mas tu tinhas isto e mais isto e mais aquilo ainda que me desagradava bastante e que eu não conseguia aguentar e só conseguia atenuar a agarrar-te bem perto e em silêncio, sentindo-te a misturar com a minha pele. E depois eu tinha aquele péssimo hábito que tu detestavas e via tudo de uma forma completamente irritante para ti, e que tu só conseguias ultrapassar quando eu aplicava os meus lábios a beijar-te ao invés de balbuciar aqueles disparates sem sentido, que mais do que uma vez me apontaste. Alguns meses depois os caminhos de cada um eram automáticos, eram já rotinas que percorríamos como um casal regressa a casa sabendo o que os espera...e que os vai continuar a esperar para o resto da vida, a menos que rompam todos os laços que os façam regredir a essa previsibilidade…por isso apartámos caminhadas e resolvemos trilhar novos atalhos, conhecer novas rotas que nos permitissem crescer. Parece que eu me safei mais rápido do que tu e viajei por vários locais antes de te conhecer 57 novo destino, e ao que me constou escolheste uma viagem de longo curso… pelos vistos alguém que não é como eu, não tem aqueles hábitos irritantes e formas de ver a vida tão desagradáveis para ti…fiquei contente porquanto ainda me contento eu próprio com viagens pequenas, mas que mesmo assim me permitem conhecer tão belas estradas e tão idílicos destinos. E depois encontrar-te depois de alguns longos e largos meses Então estás bom? O que fazes? com aquele sorriso condescendente de quem sabe das minhas aventuras em terrenos alheios e que do alto da sua chegada a bom porto me apela de imaturo por detrás dos dentes de um sorriso forçado. Cá estou? E tu? Ouvi dizer que tens namorado? Pois é, estou muito contente, tu é que não assentas não é verdade? Ahahah a presunção de uma falsa maturidade e o pretensiosismo de uma graça inusitada e inoportuna que me faz pensar em como provavelmente ele não conhece os teus segredos e atalhos secretos como eu conheço, ou as peculiaridades daquelas curvas mais perigosas que me deste a conhecer num devaneio. Ciúmes não, conheço-te demasiado bem e se me apelido de aventureiro esforço-me por fazer jus e lançar-me à descoberta de novos horizontes. Inveja não porque…porque não, simplesmente porque não, estou de consciência tranquila. É verdade, mas assentar para quê?! Ainda sou novo e gosto de gozar a vida, não sou de me prender a monotonias…virei costas e fui a balbuciar por entre um sorriso talvez pouco convincente que tinhas sido a viagem mais aborrecida que tinha feito, e que cheguei mesmo a enjoar, no fundo tudo palavras que estão fadadas a ficar guardadas pois que nunca passam de algo que poderíamos ter dito, e para as quais a coragem só surge quando o tempo se esgota. Se calhar é tudo mentira, mas também mereço saborear o travo de algum escárnio antes de me lançar em novas jornadas. 59 João Alves dos Santos 61 63 65 67 69 71 romantic comedies 342 b.c. - 2007 Lambros FisFis Romantic comedies are one of the oldest sub-genders of comedy. Historically the first one to write one was Menander in Greece around 342 B.C. Traveling in time from ancient Greece to Rome with the plays of Plautus, to England with Shakespeare, to India with all the Bollywood movies and Hollywood of today we will find very tiny differences in the fundamental things that consist a romantic comedy. Romantic comedies always deal with true love. The tricky part is that true love always has obstacles in the way to achieve it. The more the obstacles that appear the more triumphant and festive the end will be. The fact that makes this gender so open to everything is the nature of true love as something that has no boundaries of age, social classes, cultural backgrounds and character differences. Actually the more different the two people are the more interesting the story is. Let’s see now five elements that make a good romantic comedy great: 1. The people that have a say in the marriage of the couple (parents, friends, grand parents) must object to the marriage. But there must be at least one that supports it (a maid, a grand mother). This someone is the one that will help the kids sneak out and meet, hand the letters without the parents knowing a sort of guardian angel of the relationship. 2. There must always be a big first kiss in the rain. The couple has gone for a walk a boat ride or anything else equally romantic and although it is summer surprise it rains. Of course a normal person would run for shelter but not in a romantic comedy. The minute you hear rain get ready for a big passionate first kiss. Rain is just one version but for sure a climatologic phenomenon must exist. 3. There is always a significant period of time that the couple spends apart usually when everything is going perfect for them. The reasons can vary. Maybe because the parents found out and take the daughter and leave, or the boy has to go to the army but doesn’t have the time to explain anything to her. Something really dramatic always. This is the time in the movie that the viewer starts to worry. But after seeing 100 romantic comedies he remembers that they have a happy ending and just looks forward to the games of fate and luck that will bring them back together. 4. After they meet again lots of things must be different new obstacles must appear. The girl after a big heart breaking has managed to find another boy, one that her parents approve. The catch is that this boy doesn’t make her as happy as the other but is always a good boy. In fact there is little chance that you will ever find bad people in romantic comedies. Till the end everybody becomes good. So the girl has to choose now. In most recent romantic comedies that is the time when the boy says to the girl: ’come with me I want to show u something’. That something can be a thing he had promised he would make for her, a gift that shows how much he understands her but in any case a big surprise that puts the final touch the cherry on the top and makes her choose him. 5. Finally the festive and romantic, happy, optimistic, tear dropping, joyful, and any other adjective ending. This is the time when everybody is happy and good. Usually there must be a wedding which is common to be a double one (for example the maid with the best friend of the groom). This doubles the romance and happiness. Although romantic comedies are considered nowadays by some a light pointless 90 minute movie they are actually very complex and well thought. They do a deep analysis of character and relationships, create female characters that are as bright or brighter than male leads, have well developed minor plots and characters and have a social comment on the values, beliefs and clichés of the time. All these make them one of the most time enduring, loved and popular film genders. I recommend some romantic comedy classics. It happened one night by Frank Capra, Tootsie by Sydney Pollack, The African Queen by John Huston, The Notebook by Nick Cassavetes, As Good As It Gets by Richard L.Brooks. 73 Menagerie A Emma Overman faz desenhos para livros infantis. As crianças gostam das suas fadas madrinhas desnorteadas, das suas princesas cor de ébano e das suas árvores corcundas. Gostam das cores com que pinta os desenhos e das vidas imaginadas em que os transforma. Consegue abranger universos tão distintos como o de Dali ou Tim Burton. Há vida no traço que pinta e nós gostamos. 75 Movie Night 77 My artwork is inspired primarily by the idea of things that are fragile and fleeting. For me, the ability to imagine the end of something makes its existence more precious. I tend to like things that are both sweet and sad. While only some of my illustrations are intended to be for children, most of what I create stems from the range and depth of emotion I remember feeling in those years. Adults are so well-trained and subdued. Children are much more emotive and compelling: When children like something, they will happily enjoy it to excess if given the opportunity. My niece can listen to the same song twenty times without tiring of it. I appreciate this ability to indulge, the sense of wonder, and all their sensitivities. Animals are yet more expressive. Using children and animal characters in my work is the most natural way to express the emotions we all share. For the past year I have been creating many images by painting on layers of glass and sometimes plexiglass. With about four inches of depth within each image, I feel they have an ability to approach and invite the viewer into the scene. I love the feeling of delicacy about the material and the way it adds an ephemeral quality to the subject matter. I want my images to seem as if they were dreams or fond memories. In the future I have plans to involve more precious materials such as silk and velvet to my work. One of the aspects I’m most proud of in my work is its accessibility to a wide variety of people. I have appreciators both young and old, academic and those of little art education. Sometimes an artist’s work can become diluted or muddied by too many influences. As a rather internal person, I am more driven by my own ideas than by trends. I feel I am a poor verbal communicator. I find it easier to retreat into imagery to create a sense of understanding rather than an explanation through words. Many of my current works are collaborations with a designer named Michael Krisch. “Romance,” the painting of the two dancing ladybugs on the giant patterned floor, is one of these. He creates designs by hand, manipulates them in Photoshop, and airbrushes them onto the surface. When we first met his work was more industrial and less curvaceous. It seems the nature of my work has altered his style. We intend to work together for a long time. When I am not creating I enjoy spending time with my family, maintaining a reasonable state of health, and enjoying the art of others and other forms of art. I consider myself to be not terribly well-rounded. Like my niece, I can listen to the same song twenty times without tiring of it! I could also easily eat the same meal day after day and hardly notice. Luckily for me, my job provides all the variety and entertainment I need. Emma Overman 79 About Michael 81 Romance The Thief 83 LISBOA FESTIVAL Indie Lisboa O 4º Festival Internacional de Cinema Independente vai decorrer este mês em Lisboa. Em competição estarão 12 longas-metragens e 30 curtas-metragens. Outros filmes poderão ser vistos nos ciclos paralelos. De 19 a 29 de Abril, no Fórum Lisboa, Cinemas King, Londres e S. Jorge. ESPECTÁCULO For the Children of Yesterday, Today and Tomorow - Pina Bausch Para comemorar os 30 anos da Companhia Nacional de Bailado, Pina Bausch apresenta uma das suas peças de teatro-dança. De 5 a 8 de Abril, no Auditório do Teatro Camões ELVAS ESPECTÁCULO Joaquín Cortés Joaquín Cortés propõe uma viagem através das suas emoções pessoais. Nesta ocasião e com o título, “Mi Soledad”, aprofunda esse sentimento, uma solidão bem entendida, com uma carga intimista, como se fosse uma manifestação individual do homem. 28 de Abril, às 22h00, no Coliseu José Rondão Almeida nós estamos em www.cru-a.com fala connosco através do [email protected] envia coisas boas para [email protected] a CRU A número cinco sai a 1 de Maio 85