A batalha política de Rafael Correa em dois níveis: entre a

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A batalha política de Rafael Correa em dois níveis: entre a
A batalha política de Rafael Correa em dois níveis: entre a esquerda e a direita
Carolina Silva Pedroso
No dia 09 dezembro de 2013, o governo de Rafael Correa anunciou o fechamento da organização não
governamental Fundação Pachamama, por meio da aplicação do decreto 16 do Ministério do Meio Ambiente,
em que fica proibida a atuação política ou partidária de qualquer entidade deste tipo. A reação veio logo em
seguida, sob argumentos de que tal lei atenta contra o direito de livre associação, reunião e expressão, ferindo
gravemente os princípios democráticos1. Muita outras organizações equatorianas e internacionais2, sobretudo
de cunho indígena e ambiental, declararam solidariedade à Pachamama e tentam recorrer da decisão no
Conselho Interamericano de Direitos Humanos, da OEA (Organização dos Estados Americanos). Para
compreender o motivo da atitude tomada com relação a essa ONG, cujas atividades de engajamento ambiental
no país duraram quase duas décadas e inspiraram o reconhecimento inédito da natureza como sujeito de
direitos na Constituição de 2008, é preciso revisitar as ações de Correa frente à questão ambiental.
Embora tenha sido eleito, em 2007, com uma plataforma ambientalista e de defesa dos direitos indígenas,
muitas organizações que ajudaram em sua campanha eleitoral foram, gradativamente, rompendo com o
governo de Rafael Correa3. Mesmo com a aprovação da Constituição de Montecristi, em 2008, considerada
uma das mais avançadas do mundo em termos de direitos ambientais, indígenas e sociais, essas organizações
acusam o governo de desrespeitar a própria constituição que ajudou a aprovar. As críticas vão no sentido de
questionar o suposto viés ambientalista de Correa que, contraditoriamente ao que diz, tem aprofundado a
dependência econômica em relação ao petróleo e incentivado explorações de outros recursos minerais em áreas
indígenas e de proteção ambiental.
A Fundação Pachamama, impedida de continuar suas atividades de promoção de políticas públicas em prol dos
direitos da natureza, foi acusada de ter seus membros envolvidos em agressões aos participantes da 11ª rodada
petroleira, que ofereceu em leilão 13 blocos de petróleo, em 28 de novembro de 2013, na cidade de Quito. O
governo divulgou um vídeo em que manifestantes agrediam violentamente o embaixador chileno e o diretor de
uma empresa de Belarús, alegando que eles fariam parte da Fundação Pachamama e do coletivo juvenil La
Hormiga. No entanto, a ONG não teve o direito de se defender e foi fechada, causando ainda mais indignação.
Para sua diretora, Belén Páes Cano, houve, na verdade, uma ação de intimidação do governo contra a entidade,
por advogar ideias diferentes das do presidente. Esta e outras entidades do gênero criticam duramente as
rodadas petroleiras da forma como são promovidas pelo governo, uma vez que desconsideram o direito ao
território dos indígenas que vivem nas regiões dos blocos, além de perpetuar um modelo de desenvolvimento
baseado na exploração de combustíveis fósseis, o que claramente vai contra os princípios constitucionais4. Com
o objetivo de desmoralizar essas entidades, um dos principais veículos de comunicação públicos do país, El
Telégrafo, publicou no dia 17 de dezembro os perfis da Fundação Pachamama e do La hormiga, indicando que
ambas recebiam financiamento dos Estados Unidos com a manchete “Los ideólogos de Pachamama son
estadounidenses” e afirmando que as organizações não governamentais são “uma máscara que esconde al
imperialismo”5. Por meio de seu espaço virtual, La hormiga rebateu as denúncias do jornal oficial mantido pelo
governo, afirmando serem inverdades as informações e acusando-o de violar a Lei de Comunicação do país6.
Neste mesmo dia, o El Telegrafo abriu espaço para uma carta-resposta de Belén Páez, esclarecendo que os
fundos da Fundação Pachamama eram oriundos de diversas fontes7.
Acusação semelhante tem sido direcionada contra o governo no caso do cancelamento dos projetos de
cooperação do Equador com a USAID, agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional. No
dia 16 de dezembro de 2013, uma semana após o fechamento da Pachamama, foi anunciado o congelamento
indefinido das atividades da USAID, eliminando os projetos de cooperação que tem desenvolvido no Equador,
juntamente com muitas organizações não governamentais. A alegação oficial é que o acordo de permanência da
agência no país data de 1962 e não mais corresponde às necessidades e à realidade sócio-econômica atuais.
Essa atitude rendeu críticas também dos setores mais conservadores, ligados aos Estados Unidos e da grande
mídia, que afirmam ser essa mais uma ação ideológica do presidente Correa8. Não é a primeira vez que o
presidente demonstra seu descontentamento com a presença da USAID no país: em 2012, ele ameaçou
expulsar a agência do país, sob a acusação de ingerência dos Estados Unidos em assuntos internos9.
Em ambos os casos, o mandatário equatoriano tem sido alvo de críticas sobre a forma como lida com posições
contrárias e diferentes às suas, seja de uma perspectiva mais à direita ou à esquerda, tomando atitudes
consideradas autoritárias e que podem, inclusive, ser questionadas quanto à sua constitucionalidade. Este é um
precedente perigoso para um país que viveu, na década de 1990, uma crise de estabilidade democrática, tendo,
em um período de 10 anos, 7 presidentes diferentes. Por ora, o governo ainda goza de altos índices de
aprovação, contudo, a popularidade de Rafael Correa já apresentou grandes oscilações no decorrer destes 6
anos no poder. Estas duas decisões governamentais demonstram a dificuldade do presidente e seu gabinete em
lidar com a oposição e com críticas, o que pode comprometer a estabilidade política e econômica lograda em
seu mandato, considerando o histórico de crises democráticas do Equador e a aproximação forçada pelo
próprio governo entre seus críticos à esquerda e à direita.
1Ver
http://elcomercio.com/politica/ONG-fundacion_Pachamama-USAIDdecreto_16_0_1049895125.htmlehttp://elcomercio.com/politica/ONG-Pachamama-decreto_16Correa-Derechos_Humanos-Amnistia_Internacional_0_1046895448.html
A Anistia Internacional também demonstrou preocupação com o decreto 16,
segundo http://elcomercio.com/politica/ONG-Pachamama-decreto_16-Correa-Derechos_HumanosAmnistia_Internacional_0_1046895448.html
2
Para uma análise mais aprofundada sobre essa ruptura de setores de esquerda com o governo de Rafael
Correa, ver “O conceito de Sumak Kawsay e o desenvolvimento equatoriano no governo de Correa: o caso da
proposta Yasuní-ITT”, disponível em: http://www.ieei-unesp.com.br/portal/?page_id=37
3
Para mais informações, ver artigo publicado no Sem Diplomacia no dia 11 de Dezembro de 2013, disponível
em:http://unesp.br/semdiplomacia/artigos/2013/273.
4
Versão digitalizada da publicação está disponível em: http://www.telegrafo.com.ec/politica/item/el-poderde-las-ong-es-un-ejercicio-de-dominacion.html.
5
6
Disponível em: http://www.lahormigaecuador.com/2013/12/las-mentiras-de-el-telegrafo-que-el.html.
Disponível em: http://www.telegrafo.com.ec/politica/item/pachamama-ecuador-fondos-provienen-dediversas-fuentes-2.html.
7
O editorial do Hoy do dia 18 de Dezembro de 2013, um dos principais jornais eletrônicos do país, corrobora
essa afirmação:http://www.hoy.com.ec/noticias-ecuador/bye-bye-usaid-597155.html.
8
Conforme reportagem publicada no El Comercio: http://elcomercio.com/politica/USAID-EE-_UU-Ecuadorasistencia-cooperacion_0_1048695322.html
9
Postado em 19/12/2013

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