Curso de Canto Gregoriano

Transcrição

Curso de Canto Gregoriano
2015
Curso de Canto
Gregoriano
Apostila básica
Prof. Rodrigo Felipe Fernandes
Material integrante do Curso de Canto Gregoriano via internet.
SUMÁRIO
Material essencial ................................................................................................................................................. 3
Sites ............................................................................................................................................................................ 3
Documentos da Igreja ......................................................................................................................................... 3
Alguns pontos em destaque: ....................................................................................................................... 4
Sobre o Latim:.................................................................................................................................................... 5
Pronúncia do Latim ......................................................................................................................................... 7
HISTORIA DO CANTO GREGORIANO ............................................................................................................ 9
NOTAÇÃO gregoriana.......................................................................................................................................... 9
ESTUDO DA NOTAÇÃO GREGORIANA ....................................................................................................... 12
NEUMAS LIQUESCENTES ........................................................................................................................... 15
ALGUNS SINAIS PARTICULARES:............................................................................................................ 16
– AS «BARRAS»........................................................................................................................................... 16
– O «BEMOL» ............................................................................................................................................... 16
– O «ALGARISMO», COLOCADO NO INICIO DO CANTO .............................................................. 17
– O «GUIÃO» ................................................................................................................................................ 17
– O «ASTERISCO» ...................................................................................................................................... 17
– AS «LETRAS» ........................................................................................................................................... 18
– TITULOS DAS MISSAS DO «KYRIALE ROMANUM» ................................................................... 18
– AS INDICAÇÕES CRONOLOGICAS.................................................................................................... 18
O RITMO NO CANTO GREGORIANO ............................................................................................................ 18
O «TEMPO COMPOSTO» E O «ICTUS» ................................................................................................... 19
O RITMO COMPOSTO ................................................................................................................................... 19
A MODALIDADE GREGORIANA ..................................................................................................................... 20
A.– QUADRO GERAL DO «OCTETOS» ................................................................................................. 22
OBSERVAÇÃO PARTICULAR SOBRE CADA MODO ...................................................................... 23
A SALMODIA ......................................................................................................................................................... 25
O ACENTO SECUNDARIO ....................................................................................................................... 26
O QUE É A SALMODIA? ........................................................................................................................... 27
A «ENTOAÇÃO» .......................................................................................................................................... 28
A «DOMINANTE» E A «FLEXA» ........................................................................................................... 29
ADAPTAÇÃO DO TEXTO À «FLEXA» .................................................................................................. 30
AS «CADENCIAS» ....................................................................................................................................... 31
QUADRO GERAL DOS OITO TONS SALMODICOS .............................................................................. 32
Exercícios ............................................................................................................................................................... 36
CURSO DE CANTO GREGORIANO
MATERIAL ESSENCIAL
«Liber Usualis» - http://www.musicasacra.com/pdf/liberusualis.pdf
«Graduale Romanum» - http://www.musicasacra.com/pdf/graduale1961.pdf
“Liber brevior” – Uma edição reduzida e atual do Liber usualis, ideal para todos os
cantores. À venda: http://loja.cursoscatolicos.com.br/liberbrevior
Índice do Graduale Romanum de 1974, para, em correspondência com o de 1961, ser
usado na forma ordinária - http://www.musicasacra.com/pdf/propers1974.pdf
Graduale Simplex, 1975 (forma ordinária) http://media.musicasacra.com/books/graduale_simplex.pdf
OS CANTOS DA TRADIÇÃO – suplemento da revista 30dias. CD e livreto com cantos
para a Missa e populares bem fáceis, para popularização do canto gregoriano; disponíveis
para download: http://www.30giorni.it/download_l6.htm
SITES
http://www.cantogregoriano.pt.vu/ - “Curso elementar de Canto Gregoriano”, de Ismael
Hernandez. O “elementar” é por conta do autor. O material teórico é bastante completo.
http://www.christusrex.org/www2/cantgreg/index_por.html - Ordinários e próprios de
quase todas as Missas do ano litúrgico, em partituras e áudio.
http://gregoriano.org.br/gregoriano/partituras1.htm - Diversos cantos, em partituras,
áudio e vídeo.
https://www.facebook.com/groups/175594132524445/ - Nosso grupo “Canto gregoriano
e música sacra” no Facebook.
DOCUMENTOS DA IGREJA
Motu Proprio TRA LE SOLLICITUDE de S. Pio X, sobre a Música Sacra, de
22-NOV-1903;
http://www.vatican.va/holy_father/pius_x/motu_proprio/documents/hf_p-x_motuproprio_19031122_sollecitudini_po.html
Constituição «Divini Cultus», de Pio XI, de 20-DEZ-1928;
http://divinicultussanctitatem.blogspot.com.br/2011/03/divini-cultus-sanctitatem-1928do-papa.html
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CURSO DE CANTO GREGORIANO
Encíclica «Mediator Dei», de Pio XII, de 20-NOV-1947;
http://www.vatican.va/holy_father/pius_xii/encyclicals/documents/hf_pxii_enc_20111947_mediator-dei_po.html
Encíclica «Musicae Sacrae Disciplinae», de Pio XII, de 25-DEZ-1955;
http://www.vatican.va/holy_father/pius_xii/encyclicals/documents/hf_pxii_enc_25121955_musicae-sacrae_po.html
Instrução «De Musica Sacra», da Sagrada Congregação dos Ritos, aprovada e
confirmada por Pio XII, em 3-SET-1958;
https://www.4shared.com/web/preview/doc/I_fCVtbT
Constituição Conciliar «Sacrossanctum Concilium», Cap. VI, promulgada em 4DEZ-1963, por Paulo VI;
http://www.vatican.va/archive/hist_councils/ii_vatican_council/documents/vatii_const_19631204_sacrosanctum-concilium_po.html
Instrução «Musicam Sacram» – actualmente em vigor –, promulgada por Paulo VI, em
5-MAR-1967. http://divinicultussanctitatem.blogspot.com.br/2011/03/musicam-sacram1967-sagrada-congregacao.html
ALGUNS PONTOS EM DESTAQUE:
CONCÍLIO VATICANO II
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A Música litúrgica tem a mesma finalidade de toda a Liturgia: a glória de Deus e
santificação dos fiéis;
Canto gregoriano é o canto próprio da liturgia romana; incentivar outros gêneros
de música sacra, desde que harmonizem com o espírito da ação litúrgica;
Incentivar o canto popular religioso para os exercícios de piedade e para as ações
litúrgicas, de acordo com as rubricas;
Instrumento tradicional é o órgão de tubos; outros instrumentos podem ser
admitidos ao culto divino desde que adequados;
Os textos sejam conformes a doutrina católica, inspirados nas Sagradas Escrituras e
nas fontes litúrgicas.
JOÃO PAULO II – 2003
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«purificar o culto de dispersões de estilos, das formas descuidadas de expressão, de
músicas e textos descurados e pouco conformes com a grandeza do ato que se
celebra»;
«não é indistintamente tudo aquilo que está fora do templo (profanum) que é apto a
ultrapassar-lhe os umbrais»
“Os vários momentos litúrgicos exigem, de fato, uma expressão musical própria,
sempre apta a fazer emergir a natureza própria de um determinado rito, ora
proclamando as maravilhas de Deus, ora manifestando sentimentos de louvor, de
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CURSO DE CANTO GREGORIANO
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súplica ou ainda de melancolia pela experiência da dor humana, uma experiência,
porém, que a fé abre à perspectiva da esperança cristã.”
O canto gregoriano continua a ser também hoje, um elemento de unidade na
liturgia romana;
A tarefa da schola não foi diminuída: ela, de fato, desenvolve na assembleia a função
de guia e de sustento e, nalguns momentos da Liturgia, desempenha a sua função
específica;
"Uma composição para a Igreja é tanto sacra e litúrgica quanto mais se aproximar,
no andamento, na inspiração e no sabor, da melodia gregoriana, e tanto menos é
digna do templo, quanto mais se reconhece disforme daquele modelo supremo"
I N S TR U Ç Ã O G E R A L D O M I S S A L R O M A N O ( 2 0 0 2 )
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Canto é sinal de alegria do coração – “Cantar é próprio de quem ama ” (Santo
Agostinho).
Valoriza-se o uso do canto na celebração da Missa – zelar para que não falte o
canto e do povo nos domingos e festas de preceito
Cantos mais importantes são aqueles que o sacerdote, diácono, leitor cantam com
respostas do povo ou aquelas cantadas simultaneamente pelo sacerdote e o povo.
“O Apóstolo Paulo aconselha os fiéis, que se reúnem em assembleia para aguardar
a vinda do Senhor, a cantarem juntos salmos, hinos e cânticos espirituais (cf. Cl 3,
16), pois o canto constitui um sinal de alegria do coração (cf. At 2, 46). Portanto,
dê-se grande valor ao uso do canto na celebração da missa, tendo em vista a índole
dos povos e as possibilidades de cada assembléia litúrgica”.
SOBRE O LATIM:
«Instrução Musicam Sacram», datada de 1967, do Papa Paulo VI. No N.º 47:
"Conforme a Constituição sobre a Sagrada Liturgia, «conservar-seá o uso da língua latina nos Ritos Latinos, salvo direito
particular» (Const. «Sacrosanctum Concilium», N.º 36, §1). «Mas,
como o uso da língua vernácula é muito útil ao povo em não
poucas ocasiões" (idem, N.º 36, §2), "será da incumbência da
competente Autoridade Eclesiástica Territorial determinar se deve
usar-se a língua vernácula e em que extensão; estas decisões têem
que ser aceites, isto é, confirmadas pela Sé Apostólica» (ibid., N.º
36, §3). «Os pastores de almas cuidarão de que, além da língua
vernácula, os fiéis sejam capazes também de recitar, ou cantar
juntos, em latim, as partes do Ordinário da Missa que lhes
pertencem»" (ibid., N.º 54).
E, no N.º 51, diz a mesma Instrução:
"Tendo em conta as condições locais, a utilidade pastoral dos fiéis
e o carácter de cada língua, os pastores de almas julgarão se as
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CURSO DE CANTO GREGORIANO
peças do tesouro de Música Sacra compostas, no passado, para
textos latinos, além da sua utilização nas Acções Litúrgicas
celebradas em latim, podem, sem inconveniente, ser utilizadas
também naquelas que se realizam em vernáculo. Com efeito, nada
impede que, numa mesma celebração, algumas peças se cantem em
língua diferente".
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A linguagem da Mãe (a Igreja) se torna nossa; aprendemos a falar nela e com ela, de
modo que as suas palavras se tornam, pouco a pouco, sobre os nossos lábios, as
nossas palavras.
Cardeal Joseph Ratzinger (Papa Bento XVI)
Que o antigo uso da Língua Latina seja mantido, e onde houver caído quase em
abandono, seja absolutamente restabelecido. – Ninguém por afã de novidade
escreva contra o uso da Língua Latina nos sagrados ritos da Liturgia.
(Papa João XXIII, Encíclica Veterum Sapientia)
A Igreja católica, fazendo seu o idioma do Lácio, como que lhe comunicou a sua vitalidade
perene, unitiva e pacificadora, servindo-se dele para evangelizar os povos e para criar a
nova civilização cristã.
Os Apologetas e Padres Latinos, ao escrever suas obras na majestosa língua de Roma, deu
a ela nova vida, criaram novos vocábulos, remoçaram-na, avigoraram-na.
SINAL DE UNIDADE DA IGREJA
Pio XII proclama o uso do latim como «evidente e belo sinal de unidade e remédio eficaz
contra qualquer possível corrupção da genuína doutrina».
O latim é a língua em que se encontram traduzidos os livros do Antigo e Novo
Testamento; é a língua em que são redigidos a maior parte dos documentos Pontifícios; é a
língua em que foram escritos alguns dos tratados mais belos e autorizados de ascese e
exegese Patrística, de Teologia, de Filosofia e de Pastoral; é finalmente a língua em que os
sacerdotes da Igreja Latina recitam a Liturgia das Horas, da Missa e das cerimônias
litúrgicas.
SINAL DE UNIDADE DA FÉ
A Igreja Católica mantém sempre uma e a mesma fé, a mesma forma de culto público, o
mesmo governo espiritual.
A Missa não é um sermão, mas uma oração sacrifical que o sacerdote oferece a Deus por si
mesmo e pelo povo. Quando o sacerdote celebra a Missa, não fala com o povo, mas com
Deus, para quem todas as línguas são inteligíveis.
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CURSO DE CANTO GREGORIANO
PRONÚNCIA DO LATIM
Podem haver sotaques na pronúncia do latim dependendo da língua nativa do falante.
Daremos preferência à pronúncia eclesiástica italiana.
A pronúncia romana do latim é quase igual à da língua portuguesa, com algumas poucas
diferenças:

as vogais e e o devem ser pronunciadas sempre abertas. Assim, por exemplo, a
palavra “Domine” se diz /Dó-mi-né/ e não /Dô-mi-nê/, e a palavra “Deus” se
fala /Dé-us/ e não /Dê-us/ como no português.
- No latim não existe nasalização de vogais. Por exemplo, “campus” se diz /ká-m-pus/ e
não /kã-pus/. Para quem tem o português como língua nativa, evitar as nasalizações talvez
seja uma das poucas grandes dificuldades que o latim oferece.

ae e oe pronunciam-se e. Exs.: – rosae (pr. róse) = as rosas; poena (pr. péna) =
castigo.
Obs.: a) Aē e oē pronunciam-se ae e oe. Exs.: poēta (pr. poeta) = poeta; aēr (pr. á-er) =
ar.
b) Mesmo no fim das palavras a vogal e sempre se pronuncia e e a vogal o sempre se
pronuncia o.

O c diante de e e diante de i tem quase o som de tch (o som de ch inglês em
children). Exs.: cinis (pr. tchinis) = cinza; cedĕre (pr. tchédere) = ceder; micae
(pr. mitche) = migalhas.
Obs.: o grupo ch tem o som de k. Ex.: architectūra (pr. arkitectura) = arquitetura.

O g diante de e e de i soa dg (o som do g inglês em gentleman). Exs.: gero (pr.
dgéro) = levo; gigas (pr. dgigas) = gigante.
Obs.: O grupo gn soa como o nh português. Ex.: agnus (pr. ánhus) = cordeiro.

O h não soa. Portanto homo (homem) pronuncia-se ómo; rythmus pronuncia-se
ritmus, etc. O "H" intervocálico tem som de K: ex. Nihil [níkil] (nem sempre,
alguns o pronunciam como o inglês home);

O j soa como i (era ignorado pelos romanos). Exs.: juvenis (pr. iuvenis) = jovem;
adjutorĭum (pr. adiutórium) = auxílio.

O "DI" e o "TI" não se pronunciam como [tchi] e [dji], mas como em alguns
lugares no Brasil; ou seja, em latim, não é ta, te, tchi, to, tu, mas ta, te, Ti, to, tu e
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CURSO DE CANTO GREGORIANO
nem da, de, dji, do, du, mas da, de, Di, do, du. Igual o d mudo e o t mudo, como
em et, não é etch, mas eT. Quando ela vier seguida de uma vogal e não for
antecedida por um s, ela se pronuncia /tsi/. Como exemplo, “gratia” se diz /gratsia/, enquanto “hostia”, se fala /hos-tia/ mesmo. A palavra “laetitia” seria
portanto pronunciada como /le-ti-tsia/ – lembre-se que /le-ti-tsia/ não é a mesma
coisa que /le-tchi-tsia/.

O grupo "EXCE" e "EXCI" pronuncia-se como ekche e ekchi: ex. Excelsis
[ekchelsis], excitare [ekchitare].

O r se diz sempre com a vibração da língua, como em caro, barato. O rr, do mesmo
modo, porém com mais intensidade. Não existe em latim o som do r aspirado,
como em rápido ou do h inglês, como em home.

sce e sci tem som de ché e chi.

Por fim, a letra z pode soar como dz quando inicia uma palavra ou ts quando se
encontra no meio dela.
Acentuação
As palavras latinas, assim como as portuguesas, têm uma sílaba na qual a voz se eleva;
chama-se esta sílaba acentuada ou tônica, por trazer o acento tônico ou simplesmente o
acento. Não existem sinais gráficos de acento nos textos latinos; quando aparecem, foram
colocados para facilitar a pronúncia correta, como em alguns exemplos acima.
No latim não há palavras oxítonas, excepto as poucas que perdem uma vogal final: educ
(edúc, de educe), illic (il-líc, de illice).
As palavras com duas sílabas são paroxítonas: unda (únda), rosa (rósa).
Se houver mais de duas sílabas: são paroxítonas se a penúltima sílaba é longa, amicus
(amícus), frumentum (fruméntum). Também se a última sílaba é uma partícula enclítica,
fratresque (fratrésque, mas frâtres), reginave (regináve, mas regína).
Em todos os demais casos são proparoxítonas: dominus (dóminus), agricola (agrícola).
Muitas vezes, para facilitar-se a pronúncia figuram nas palavras os seguintes sinais:
¯ macron - colocado na penúltima sílaba; indica que o acento tônico recai, exatamente, na
penúltima sílaba: amābo (amábo = amarei); rosārum (rosárum = das rosas); formīca
(formíca = a formiga); corōna (coróna =a coroa), etc.
˘ brachia (bráquia) - colocado na penúltima sílaba, indica que o acento recai sobre a
antepenúltima sílaba: optĭmus(óptimus = ótimo); Helĕna (Élena = Helena); Hippolĭtus
(Hipólitus = Hipólito), etc.
Regra geral, uma vogal é breve quando seguida de outra vogal: influit (ínfluit), remeo
(rémeo), acuuo (ácuo), mulier (múlier), e longa quando seguida de duas consoantes: ancilla
(ancílla)
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CURSO DE CANTO GREGORIANO
HISTORIA DO CANTO GR EGORIANO
A História do Canto Gregoriano pode dividir-se em quatro períodos principais:
1.– Período de formação: do começo da Igreja – sensìvelmente, desde o fim das
perseguições (313) até S. Gregório Magno (590);
2.– Período de apogeu e de difusão: desde S. Gregório Magno (590-604) até ao
século XIII – Notação da melodia e do ritmo;
3.– Período de decadência: do século XIII à primeira metade do século XIX;
4.– Período de restauro: da segunda metade do século XIX, até aos nossos dias.
NOTAÇÃO GREGORIANA
Os sons musicais exprimem-se por meio de sinais que se chamam notas: DO [UT]
(*) – RE – MI – FA – SOL – LA – SI, e que se repetem, sucessivamente, pela mesma
ordem. Estes nomes, usados por Guido de Arezzo (monge benedictino da Idade Média),
correspondem às primeiras sílabas da 1.ª estrofe do Hino do Ofício de S. João Baptista:
«Ut queant laxis
Resonare fibris
Mira gestorum
Famuli tuorum
Solve polluti
Labii reatum
Sancte Ioannes».
(*) No ano 1673, Bononcini mudou o nome de «UT» «DO».
O Canto Gregoriano é uma oração cantada em uníssono. Para cantar nós temos que
controlar três coisas: nota, ritmo e expressão. Para ajudar a controlar a nota, seria útil ter
uma maneira de representar as notas e, graficamente, os momentos que as cantamos. Para
esse efeito: digamos que a linha acima representa uma nota. Se nós queremos cantar “kyrie
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CURSO DE CANTO GREGORIANO
eleison” neste tom, nós podemos indicar as sílabas que queremos cantar colocando marcas
no linha abaixo delas.
Para indicar qualquer uma melodia mais elaborada, precisamos de uma forma de indicar
uma variedade de notas, e de uma forma precisa. Podemos começar a fazer isso usando
ambas as linhas e os espaços acima e abaixo delas.
Para indicar uma nota abaixo (mais grave) do campo indicado pela linha, nós simplesmente
desenhamos uma marca abaixo da linha. Isso ainda é bastante limitado, não é? E se
quisermos que a nossa melodia seja mais desenvolvida, ou maior do que o espaço acima da
linha?
A solução, claro, é adicionar mais linhas. A coleção de linhas é chamada de partitura. Com
uma partitura, nós podemos indicar uma maior variedade de notas. Infelizmente, há ainda
um problema. As notas abaixo podem ser cantadas de diferentes maneiras, dependendo de
como nós concebemos as suas exatas; diferenças relativas.
Movendo as notas (punctum) em linhas diferentes, também não vai resolver o problema,
porque seria apenas trocar um conjunto de notas de lugar. Então o que devemos fazer para
especificar a exata diferença entre cada nota (punctum)? Nós precisamos de uma maneira
que seja mais eficiente. Para encontrá-la, vamos voltar e olhar para toda a variedade de notas
usadas no canto gregoriano.
Esta gama de notas e seu posicionamento particular de tons e semitons corresponde à
disposição exatamente das notas brancas de um piano, como mostrado.
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CURSO DE CANTO GREGORIANO
Selecionando somente as quatro linhas que precisamos para abranger a gama de notas que
a nossa música exige, e (este é o golpe de gênio) indicam qual das linhas representa o DÓ.
Ao fazer isso, todos os nossos problemas estão resolvidos! Marcando DÓ implica, eficazmente,
quais são todas as outras notas, e exatamente onde o todo e os meios tons ocorrem. Essa marca (ela se
parece com um C) é chamada de clave de DÓ.
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CURSO DE CANTO GREGORIANO
Voltando à nossa melodia original com DÓ indicado na 4ª linha, agora podemos cantá-la
com confiança. Sabemos que ela começa em RÉ, que a distância entre a segunda e a
terceira nota é meio tom (mi-fa), e que a distância entre a penúltima e a última nota é um
tom inteiro. Cante-a. Soa bastante grave, não é? Mas e se não é o que nós queremos? E se a
distância entre a segunda e a terceira nota supõe-se ser um tom inteiro?
Mude a clave para baixo uma linha. Isso faz com que a nota da primeira linha seja um FÁ.
Agora, a nossa melodia soa bastante diferente, bastante festiva, talvez. A localização dos
meio-tons (mi-fa; si-dó) evidentemente gera efeitos diferentes.
No canto gregoriano, a sequência de notas são indicadas com marcas chamadas de neumas.
Mais de um neuma associado a uma dada sílaba é chamada de melisma. Como você pode
ver, neumas podem ter diferentes formas. Essas formas têm nomes. Vamos aprender os
nomes dos neumas básicos, aqueles que afetam a ordem em que eles são cantados, e
aqueles que afetam a maneira como nós expressamos ou articulamos as suas notas.
ESTUDO DA NOTAÇÃO GREGORIANA
(Segundo os princípios do «Método de Solesmes»)
A notação Gregoriana que vemos nas edições modernas reproduz a escrita gótica dos
manuscritos diastemáticos dos séc.s XIV e XV.
As notas são dispostas sobre uma pauta de quatro linhas e três espaços – o
«tetragrama». Quando o tetragrama não pode englobar todo o âmbito – ou seja, toda a
extensão – da melodia, usam-se outras linhas, para as notas que tenham que ser escritas
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CURSO DE CANTO GREGORIANO
para além do mesmo: são as chamadas «linhas suplementares», tal como na escrita em
notação moderna.
O nome das notas é determinado por duas espécies de claves: a clave de DO – que pode
estar nas 2.ª, 3.ª, ou 4.ª linhas – e a clave de FA – que pode encontrar-se, apenas e só, nas
3.ª, ou 4.ª linhas (note-se que tais claves são provenientes das letras «C» e «F», da notação
alfabética – de origem Grega – referida no Cap. I).
A leitura, em cada uma destas claves, é muito simplificada, por um cálculo rápido e
exacto dos intervalos: todas as notas que estejam na linha em que se encontra a clave, têem
o nome desta; uma vez conhecidas aquelas, subindo, ou descendo, fica-se a saber o nome
das restantes.
As notas – todas iguais em duração (apesar da sua forma diferente) – são representadas
por sinais, a que, em canto Gregoriano, chamamos «neumas»: a palavra «neuma» deriva
do Grego e significa,
exactamente, «sinal».
Os neumas fundamentais são
a «VIRGA» e o «PUNCTUM»
(«quadratum», ou
«inclinatum»: sob a forma de
«inclinatum» – ou seja, de
«losango» – nunca se encontra só).
Os neumas têem a sua origem nos acentos gramaticais:
o acento agudo [´] – que se tornou «virga»;
e o acento grave [`] – que se tornou «punctum» (ou «tractulus»).
O canto Gregoriano, sendo formado por uma sucessão de tempos simples, é regular – ou
seja, isócrono – no seu movimento, enquanto um sinal suplementar não vier a modificar a
sua duração. Tais sinais suplementares são, principalmente:
1.– o episema horizontal, que indica uma ligeira prolongação da nota, ou do grupo que
afeta (sinal mais expressivo do que quantitativo):
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CURSO DE CANTO GREGORIANO
2.– e o ponto mora, que dobra o valor da nota (sinal quantitativo):
T endo como base os neumas fundamentais – «punctum» e «virga» – a partir deles,
surgem os neumas (ou combinações neumáticas) de duas, ou mais notas, dos quais se
apresenta o seguinte
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CURSO DE CANTO GREGORIANO
NEUMAS LIQUESCENTES
Os neumas chamados «liquescentes» são neumas que terminam em caracteres mais
pequenos que os normais e que se encontram quando duas vogais formam ditongo
(«autem», «eius»), ou com determinadas consoantes («excelsis», «omnes», «Sanctus»), ou antes
de certas consoantes («petra», «melle»).
A(s) nota(s) liquescente(s) perde(m) uma parte da sua força, mas não do seu valor
(notas semi-vocais).
«Gloria I» (entoação: «excelsis» e «in»):
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CURSO DE CANTO GREGORIANO
ALGUNS SINAIS PARTICULARES:
– AS «BARRAS»
No canto Gregoriano, as «barras» não são, de modo algum, «barras de compasso», como na
notação moderna, mas sim verdadeiros sinais de pontuação musical, que assinalam os
momentos cuja respiração é mais ou menos importante, segundo o(s) caso(s):
O «quarto de barra»
(«divisio minima») indica o fim de um inciso e não implica em respiração – que tem, muitas
vezes, um carácter facultativo e individual do cantor, não do coro.
A «meia barra» («divisio minor») indica um fim de membro e determina uma
respiração obrigatória, tomada sobre o valor da nota que precede.
A «grande barra» («divisio maior», ou «barra inteira») indica o fim de uma frase,
anunciado por um ligeiro abrandamento do andamento. A nota que precede esta barra – e
que tem sempre um ponto mora – é sustentada, inteiramente, nos seus dois tempos: a
respiração faz-se, então, durante o silêncio de um tempo simples.
A «barra dupla» («divisio finalis») indica o fim de um período, pressentido por um
«rallentando», correspondente à importância e ao caráter da peça, ou a alternância de dois
coros.
A «vírgula» é um sinal de respiração facultativa, tomada sobre o valor da
nota que precede. A pausa mínima que distingue, em certos casos, dois
incisos – ou duas fracções do mesmo inciso – é indicada por um episema
horizontal, que, nestes casos, provoca uma cadência absolutamente
secundária, sem respiração.
– O «BEMOL»
O canto Gregoriano é, por definição, de género diatónico (há que saber que a «escala
diatónica» é uma série de sete sons, que procedem por intervalos naturais, que se chamam «tons» e
«meios-tons»: entre todas as notas desta escala, há o intervalo de um tom, excepto de MI a FA e de SI
a DO, que é de «meio-tom»).
Uma só alteração se permite, que consiste em trasladar o meio-tom do último grau
(SI-DO) para o penúltimo (LA-SI) e isto indica-se por meio do «bemol».
O «bemol» é colocado antes da nota por ele afetada, ou – quando, tipogràficamente,
seja impossível – antes do neuma que contém essa alteração. A única nota em que é
possível colocar o «bemol» é, no canto Gregoriano, o SI.
O «bemol» é válido:
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CURSO DE CANTO GREGORIANO
até ao aparecimento de um «bequadro» (no Gradual do XVII.º Dom. depois de
Pentecostes, in: «Domini» – o «bemol» da 1.ª sílaba é anulado pelo «bequadro» da última);
até ao final de uma palavra: no Communio do IV.º Dom. depois da Páscoa, o SI de
«ra» (Paraclitus) torna-se «natural» depois de «ne» (venerit), por se passar de uma palavra a
outra;
até ao final de subdivisão («barra», «meia-barra», ou «quarto-de-barra»):
«Alleluia» do I.º Dom. do Advento, in: «tuum», o «quarto-de-barra» anula o efeito do
«bemol», sobre a mesma sílaba (Pierre Carraz).
– O «ALGARISMO», COLOCADO NO INICIO DO CANTO
O canto Gregoriano é diatónico e modal, contando oito modos: o algarismo – ou
caracter Romano – colocado no começo de uma peça Gregoriana indica o modo de
cadência final desse mesmo trecho musical; nas antífonas que sejam seguidas de Salmódia,
indica também o respectivo tom Salmódico.
– O «GUIÃO»
O «guião», quando colocado:
à direita da clave (nalgumas edições) indica a dominante do modo;
na extremidade do tetragrama, indica a nota que está no começo do tetragrama
seguinte;
antes da mudança de clave, no decorrer de certos cantos, indica a primeira nota a
ler na nova clave:
– O «ASTERISCO»
O «asterisco» [*] indica:
o fim da entoação (por um solista, ou uma pequena «schola»);
o momento em que o Coro se junta ao(s) solista(s), no fim dos Versículos;
a alternância de dois Coros, nos vocalisos desenvolvidos (por ex., última invocação do
«Kyrie IX» – cum Iubilo);
a pausa, na cadência média dos Salmos.
~ 17 ~
CURSO DE CANTO GREGORIANO
O «duplo asterisco» indica o momento em que todo o Coro se junta – após a alternância
de dois Coros –, tal como foi referido ut supra.
– AS «LETRAS»
Os caracteres «ij», «iij» (que são algarismos Romanos) significam que deve cantar-se
duas, ou três vezes o fragmento precedente;
Os caracteres «e, u , o, u, a, e» correspondem às palavras latinas «saeculorum. Amen»,
no fim dos Intróitos e das Antífonas do Ofício Divino, para a adaptação da terminação dos
Versículos dos Salmos.
– TITULOS DAS MISSAS DO «KYRIALE ROMANUM»
E’ frequente ver, no início das Missas do «Kyriale», inseridos alguns títulos, tais como:
– «Lux et origo», «Fons bonitatis», «Cunctipotens Genitor Deus», «cum Iubilo»,
«Alme Pater», «Orbis
Factor», «Pater
cuncta», «Dominator
Deus», etc.
Esses títulos ficaram dos
«tropos» (ou palavras) que
foram introduzidos nos
grandes vocalisos dos
«Kyries», chamados, por
esse motivo, «Kyrie
farcis», ou seja, «Kyries
recheados, ou misturados»: a
razão invocada foi o
facto de que o povo, difìcilmente reteria os longos vocalisos dos «Kyries»; assim, foram
reduzidos a um silabismo que não deixou de exercer influência na decadência do ritmo e,
por consequência, no próprio canto Gregoriano.
O «tropo» mais conhecido é o do «Kyrie Fons bonitatis».
– AS INDICAÇÕES CRONOLOGICAS
As indicações cronológicas que se encontram no «Kyriale» não se referem à época
da composição da música, mas sim à do manuscrito do qual foi retirado e reproduzido pela
Edição Vaticana.
O RITMO NO CANTO GREGORIANO
Para os músicos não principiantes – passe o termo – o canto Gregoriano apresenta,
desde logo, uma dificuldade que não é conhecida no mundo musical: – a notação
~ 18 ~
CURSO DE CANTO GREGORIANO
Gregoriana não apresenta, à primeira vista, a precisão rítmica absoluta da notação
moderna!
O «TEMPO COMPOSTO» E O «ICTUS»
Em toda a frase musical, seja ela qual for, as combinações rítmicas, mesmo as mais
complicadas, resumem-se sempre, em última análise, a grupos binários e ternários.
Nas formas musicais do ritmo chamado «mensurado», os grupos sucedem-se,
regularmente binários, ou regularmente ternários.
Nas formas de ritmo chamado «livre» – o do canto Gregoriano, em particular –
estes grupos sucedem-se numa ordem irregular, criando assim uma linha extremamente
leve.
R E G R A D A D E T E R M I N A Ç Ã O D O S I CT U S N O S C A N T O S O R N A D O S :
São afectadas de ictus rítmico:
1 – todas as notas com episema vertical;
2 – todas as notas longas, seja qual for o seu modo de formação:
a)
as notas pontuadas;
b) a primeira nota das «trístrofes», ou das «dístrofes»;
c)
a primeira nota do «pressus»;
d) a nota que precede, imediatamente, o «quilisma»;
e)
o «punctum» inicial dos neumas desagregados;
3 – a primeira nota dos neumas (excepto se for precedida, ou seguida, imediatamente, de
uma nota que tenha episema vertical);
4 – a «virga culminante» dos grupos melódicos, quer se encontre no meio, ou no
fim desses mesmos grupos.
Estas regras – que não admitem qualquer exceção – atuam, de preferência, pela
ordem por que são enunciadas.
O RITMO COMPOSTO
Do mesmo modo que os tempos simples se unem uns aos outros, numa relação de
«elevação/repouso», para formarem ritmos elementares, assim também os tempos
compostos, reduzidos pràticamente à unidade e, levados pelo ictus que os rege, se unem
entre si, numa relação de «elevação/repouso», para formarem ritmos compostos: uns –
chamados «ársicos» – produzem movimento; outros – chamados «téticos» – conduzem ao
repouso (provisório, ou definitivo).
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CURSO DE CANTO GREGORIANO
1.– Como se distinguem, na prática, na interpretação, os ictus ársicos e os téticos?
Os primeiros, por um arranque mais claro, uma elevação do movimento e, às vezes –
mas nem sempre – por uma ligeira intensidade; ao contrário, os ictus téticos são mais
pesados, mais moderados, e vão perdendo movimento, pouco a pouco e, com frequência,
intensidade.
2.– Quais são as regras práticas que determinam a natureza ársica, ou tética, de
cada ictus?
É impossível dar uma resposta
categórica e precisa. O problema é
complexo, podendo-se, no entanto, indicar
algumas normas gerais, porque, na arte, é
difícil determinar regras absolutas e,
sobretudo, porque aqui estão em jogo dois
factores – melodia e texto latino com
direitos próprios e, às vezes, um contra o
outro.
Em princípio, a ascensão melódica e o
acento tónico latino são ársicos, por
natureza; em contrapartida, as descidas
melódicas e as sílabas postónicas (penúltimas de dáctilos) e finais (átonas) são téticas.
A MODALIDADE GREGORIANA
Uma composição musical, para se desenvolver, pode utilizar uma parte – maior, ou menor
– daquilo a que se chama de «escala geral dos sons». Mas, em todos os casos, é sobre um
som escolhido como ponto de partida desta escala parcial que se deve estabelecer o
repouso definitivo do trecho musical: a este som se chama «tónica».
É, portanto, a nota escolhida na escala geral dos sons, como ponto de partida de uma
escala, que determina o tom, isto é, a altura absoluta dos sons que a compõem. No entanto,
é o lugar dos tons e dos meios-tons – no interior de uma escala – que determina o modo,
ou seja, a sua maneira de ser (é de suma importância não confundir os dois termos – «TOM» e
«MODO» – um com o outro).
O conhecimento dos modos é fundamental, quer na música moderna, quer no canto
Gregoriano: a chamada «música moderna» utiliza todos os tons possíveis, ao passo que,
quanto ao «modo», apenas e só, conhece – pelo menos, teòricamente – os modos maior
(estabelecido em DO) e menor (estabelecido em LA): A primeira escala demarcada na figura é de
LÁ MENOR, a segunda de DÓ MAIOR. Experimente executá-las alternadamente para
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CURSO DE CANTO GREGORIANO
sentir audivelmente a diferença dos modos maior e menor.
Na chamada «música antiga», as escalas podiam estabelecer-se em qualquer grau da
escala natural. “A escala – sendo e permanecendo diatónica –, daí resultava que o lugar dos tons de dos
meios-tons, em relação à tónica, se encontrava modificado de cada vez, segundo o ponto de partida adoptado,
chegando a sete o número de modos diferentes” (Dom Joseph Gajard):
E´ bom recordar que a «escala diatónica» – a única de que se serve o canto Gregoriano
– está tomada da seguinte escala (as notas em ambos os extremos da escala – SOL grave e LA
agudo –, colocadas entre parêntesis, foram acrescentadas, como complemento à escala original):
No canto Gregoriano, os modos reduzem-se a quatro, tendo como ponto de partida, na
parte grave da «escala geral», respectivamente, as notas RE – MI – FA – SOL.
Vejamos como se inscrevem estas quatro escalas modais no «material» de «DO
MAIOR», que ùnicamente utilizam (abstraindo-nos da acção da nota móvel SI – bemol, ou
bequadro):
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CURSO DE CANTO GREGORIANO
Em teoria, a escala é de uma oitava, mas, certos tipos estendem-se uma 8.ª acima da
tónica; outros começam a sua 8.ª (teórica) uma 4.ª abaixo desta tónica, para chegar à 5.ª
superior desta: daí, a distinção entre os modos agudos, também denominados
«autênticos», e os modos graves, ou «plagais» (acuidade e gravidade, puramente de escrita, sem
consequência alguma para a execução).
Com estas subdivisões se elevam a oito o número (teórico) dos Modos Gregorianos, dos
quais se apresenta o seguinte:
A.– QUADRO GERAL DO «OCTOECOS»
MODO
Intervalos
Dominante
Dominante
Final
próprios
Autêntico
Plagal
PROTUS
3.ª menor
I.º modo
II.º modo
RE
(1 tom +
LA (5.ª)
FA (3.ª)
½ tom)
DEUTERUS
3.ª menor
III.º modo
IV.º modo
MI
(½ tom +
SI (ou DO)
LA (4.ª)
1 tom)
TRITUS
VI.º modo
FA
3.ª Maior e ½ V.º modo
tom sob a final
DO (5.ª)
TETRARDUS
3.ª Maior e
VII.º modo
VIII.º modo
SOL
1 tom sob a
RE (5.ª)
DO (4.ª)
LA (3.ª)
final
Examinando o quadro precedente, notamos que:
o modo autêntico e o modo plagal têem a mesma «final», ou «tónica» modal;
o «protus» e o «deuterus» – pela natureza dos seus intervalos característicos – são
modos «menores»;
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CURSO DE CANTO GREGORIANO
ao passo que o «tritus» e o «tetrardus» são modos «maiores».
Além da «tónica» (ou «final»), uma outra nota desempenha um papel importante: é a
«dominante» (ou «tenor») – diferente, consoante o âmbito (ou «tessitura») do modo –
servindo, sobretudo, de «corda de recitação» dos tons salmódicos, pròpriamente ditos.
Exercícios preliminares para o estudo de uma peça Gregoriana:
dizer o modo em que está escrita;
precisar a «final» (ou «tónica modal») e a «dominante» do modo;
recordar os intervalos característicos do modo;
cantar o «material» de «DO MAIOR»;
cantar a escala modal, subentendendo, mentalmente – se for necessário – os graus
da escala de DO que precedem a tónica modal.
OBSERVAÇÃO PARTICULAR SOBRE CADA MODO
– O «PROTUS» – “Modo discreto, tranquilo e recolhido, modo de contemplação e de paz” (Dom J.
Gajard):
«Kyrie XI» e/ou «Kyrie X, ad libitum» (Orbis Factor):
«Sanctus XI» e «Sanctus XII»;
«Agnus Dei XII»;
Ofert. «Domine, Iesu Christe» e Grad. «Requiem aeternam» (da Missa de defuntos);
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CURSO DE CANTO GREGORIANO
– O «DEUTERUS» – “Suavidade, modo estático, modo Eterno, que não conclui, que fica como que
suspenso entre o Céu e a Terra” (Dom J. Gajard):
Alleluias «Domine Deus, Salutis meae» (do XII.º Dom. depois de Pentecostes) e «Post
partum» (do Comum de N.ª Sr.ª);
«Kyrie II» (Fons Bonitatis), «Kyrie XVI»:
– O «TRITUS» – “Jovial simplicidade, confiança” (Dom. J. Gajard):
«Sanctus IX», «Sanctus XVII», «Agnus Dei IX», «Agnus Dei XVII», «Kyrie
Firmator Sancte», «Kyrie Altissime», etc:
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CURSO DE CANTO GREGORIANO
– O «TETRARDUS» – “Modo claro, quente, vibrante; modo dos voos alegres, dos movimentos de
entusiasmo e de triunfo; modo da certeza, das afirmações solenes, da alegria perfeita, da plenitude” (Dom J.
Gajard):
Alleluias (da Missa da Vigília Pascal) e «Pascha nostrum» (do Dom. de Páscoa):
A SALMODIA
(Segundo os princípios do «Método de Solesmes»)
CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES PARA O ESTUDO DA SALMODIA
Antes de abordarmos o estudo da Salmodia Gregoriana, é indispensável ter bem
presente o que se disse a propósito da palavra Latina e dos acentos (tónico e secundário).
A PALAVRA LATINA E O ACENTO TONICO
O Latim é formado – como as demais línguas românicas (português, castelhano, italiano,
francês) – de monossílabos e polissílabos. Todos os polissílabos têem um acento tónico, cujo
lugar é indicado por um acento agudo [´].
Todo o monossílabo, tendo um sentido distinto, é acentuado, mas esse acento pode
ser enfraquecido – ou até mesmo, anulado –, tal como em:
Réx díxit
Réx Dóminus
Tú nóbis (…),
– já que não é possível haver dois acentos seguidos. As sílabas acentuadas são chamadas
«tónicas» e as não acentuadas «átonas».
~ 25 ~
CURSO DE CANTO GREGORIANO
Em português, os acentos dos polissílabos podem recair na penúltima sílaba
(terminação feminina: «amável», «automóvel», etc.) e também na última sílaba (terminação
masculina: «café», «maracujá», «avó», etc).
Ao contrário do português e de outras línguas românicas – como o castelhano e o
francês – o acento tónico dos polissílabos latinos nunca se encontra na última sílaba,
podendo recair:
a)
na penúltima sílaba (palavra grave – terminação «espondaica», ou «paroxítona»);
b) ou na antepenúltima sílaba (palavra esdrúxula – terminação «dactílica», ou
«proparoxítona»).
As palavras dissilábicas têem, forçosamente, o acento na primeira sílaba, ao passo que
as trissilábicas poderão tê-lo na primeira, ou na segunda («Dóminus», «inclína»).
PAROXITONOS
PROPAROXITONOS
(espondeus):
(dáctilos):
Dé-
us
Dó-
mi-nus
In-
clí-
na
Om-
ní-
pot-ens
Orati-
ó-
nem
Iu-
stí-
ti-a
Iustificati-
ó-
nes
Miseri-
cór-
di-a
Consubstanti-
á-
lem
Iustificati-
ó-
ni-bus
Aquilo que distingue um «espondeu» de um «dáctilo» não é o número de sílabas
constitutivas da palavra, mas sim o número de sílabas que se seguem ao acento tónico
(uma no «espondeu» e duas no «dáctilo»).
O ACENTO SECUNDARIO
Uma palavra nunca tem mais do que um acento tónico. No entanto, um polissílabo
contém – segundo a categoria a que pertence e o número de sílabas – um, ou vários
acentos secundários, que se colocam de duas em duas sílabas, antes e/ou depois do
acento tónico. É aquilo a que se chama «princípio de acentuação binária» (no quadro seguinte, as
sílabas tónicas estão representadas em «negrita» e as sílabas que levam acento secundário, em «itálico»):
PAROXITONOS (espondeus):
PROPAROXITONOS (dáctilos):
Ve-ri-tá-tem
Iu-stí-ti-a
O-mni-po-tén-tem
a-bun-dán-ti-a
Con-sub-stan-ti-á-lem
Iu-sti-fi-ca-ti-ó-ni-bus
~ 26 ~
CURSO DE CANTO GREGORIANO
O QUE É A SALMODIA?
Chama-se «Salmódia» ao canto dos Salmos e dos cânticos da Igreja Latina. O canto
dos Salmos passou do Culto Judaico, ao Cristão, no qual adquiriu a forma de um canto
alternado (a dois Coros).
Entre o canto dos Salmos têem lugar de relevo os Cânticos Evangélicos, extraídos
do Novo Testamento, que são três cânticos de Acção de Graças:
de Maria («Magnificat»);
de Zacarias («Benedictus»);
e de Simeão («Nunc dimittis»).
Os Salmos dividem-se em Versículos: cada Versículo compreende, por sua vez, em duas
partes distintas – os «hemistíquios» – indicados nos livros de canto Litúrgico pelo
asterisco [*].
A cada modo (como vimos, no estudo da Modalidade, há oito Modos) corresponde uma fórmula
Salmódica especial, que se deve repetir em cada Versículo.
A escolha da fórmula Salmódica depende de uma outra melodia – a Antífona – que se
canta antes do Salmo: o Modo da Antífona determina o tom Salmódico; “a Antífona e o
Salmo formam um todo, uma só peça Musical, que termina depois do «Gloria Patri», com a repetição desta
Antífona” (Dom Mocquereau).
A fórmula Salmódica é indicada no início da Antífona por um algarismo e uma
letra. A letra indica a nota final do tom Salmódico: se a final do tom Salmódico for igual à
do Modo, a letra usada é maiúscula; caso contrário, será minúscula.
As fórmulas Salmódicas apresentam-se sob duas formas:
tom simples (tonus simplex);
e tom solene (tonus solemnis – com cadência média ornada),
– empregando-se este tom, no Ofício Divino, sòmente nos três cânticos Evangélicos:
«Benedictus» (a Laudes);
«Magnificat» (a Vésperas);
e «Nunc dimittis» (a Completas).
– e também nos Intróitos e, ad libitum, nos Communios (com ambas as cadências – média e
final – ornadas).
Numa fórmula Salmódica completa distinguem-se três elementos principais:
a)
a «Entoação»;
b) a «Dominante» (ou «tenor», ou «corda de recitação») do Modo correspondente;
~ 27 ~
CURSO DE CANTO GREGORIANO
c)
as «Cadências»:
1.– média (no fim do 1.º hemistíquio);
2.– e final (no fim do 2,º hemistíquio).
A «ENTOAÇÃO»
A «entoação» é o início melódico que, no começo do Salmo, volta a ligar,
geralmente, o fim da Antífona à dominante: sòmente o primeiro Versículo é cantado
com entoação, exceto nos Cânticos Evangélicos, nos quais, em todos os Versículos,
se repete a entoação.
A entoação consta de duas ou três notas – ou grupos – aos quais se adaptam tantas
sílabas quantas as existentes.
Eis, por exemplo, as entoações para os seguintes tons Salmódicos – entoações de
três sílabas:
II.º tom Salmódico:
Dominante FA
V.º tom Salmódico:
Dominante DO
VIII.º tom Salmódico:
Dominante DO
– e entoações de duas sílabas:
I.º e VI.º tons Salmódicos:
~ 28 ~
CURSO DE CANTO GREGORIANO
Dominante LA
III.º tom Salmódico:
Dominante
SI (DO)
IV.º tom Salmódico:
Dominante LA
VII.º tom Salmódico:
Dominante RE
A «DOMINANTE» E A «FLEXA»
A «dominante» (ou «tenor», ou «corda de recitação») é formada por todas as notas
que são cantadas em uníssono:
·
desde a entoação, até à cadência média;
·
e desde esta, até à cadência final.
O lugar melódico da «corda de recitação» é, normalmente, na dominante do Modo, excepto
no chamado «tonus Peregrinus».
Para cantar devidamente uma «corda de recitação», é preciso ter bem presente todas as
regras de uma boa leitura, sobretudo no que concerne à acentuação e articulação das
palavras, assim como a união e separação das mesmas, visto que, enquanto estamos na
~ 29 ~
CURSO DE CANTO GREGORIANO
«corda de recitação», é do texto que as notas recebem toda a sua vida e, por consequência,
todo o seu ritmo oratório.
Quando o primeiro hemistíquio do Versículo é demasiado longo, é frequente encontrar
uma «flexa» [+], que é a indicação de uma flexão da melodia e que permite, em rigor, uma
ligeira respiração, tal como para o ¼ de barra. A «flexa» é feita no intervalo diatónico
inferior mais próximo da dominante, exceptuando-se o ½ tom.
Portanto, reportando-nos aos tons Salmódicos citados ut supra, teremos:
·
a dominante FA, do II.º tom, desce a RE (3.ª menor);
·
a dominante DO, dos III.º (Romano), V.º e VIII.º tons, desce a LA (3.ª menor);
·
a dominante LA, dos IV.º e VI.º tons, desce a SOL (2.ª Maior);
·
a dominante RE, do VII.º tom, desce a DO (2.ª Maior).
ADAPTAÇÃO DO TEXTO À «FLEXA»
O último acento tónico do texto que precede a «flexa» é cantado ainda na dominante.
Se este acento pertence a um espondeu, a flexão faz-se sobre a sílaba final (átona) da
palavra; mas, se o acento pertence a um dáctilo, a flexão faz-se na sílaba átona (penúltima) da
palavra, prolongando-se na final, sem mudança de grau. A nota na qual se canta a sílaba
átona chama-se «suplementar» e é representada por um «punctum» em branco:
·
Exemplos de «Flexa» à 3.ª menor (c/dominantes FA – II.º tom – ou DO – III.º, V.º e
VIII.º tons):
·
Exemplos de «Flexa» à 2.ª Maior (c/dominante LA – I.º, IV.º e VI.º tons):
·
Exemplo de «Flexa» à 2.ª Maior (c/dominante RE – VII.º tom):
~ 30 ~
CURSO DE CANTO GREGORIANO
Logo após a nota pontuada da «flexa», retoma-se a dominante.
AS «CADENCIAS»
Chamam-se «cadências» aos pequenos incisos melódicos que, em cada parte do
Versículo, terminam a recitação sobre a dominante. As cadências começam no preciso
momento em que o canto deixa a dominante, para ir, quer para o agudo, quer para o grave.
As cadências médias terminam a primeira parte do Versículo (ou, seja, o 1.º hemistíquio),
parando, normalmente, na dominante.
Cada tom Salmódico tem a sua cadência média particular, resultando daí que,
no total, há oito cadências médias.
As cadências finais – também designadas «terminantes» – concluem o 2.º
hemistíquio e, conforme já foi dito, podem acabar na «final» do Modo, ou noutra nota
distinta daquela.
Esta diversidade de escolha é exigida pela repetição da Antífona que segue o Salmo e
que, com ele, forma um todo (a fórmula melódica da cadência final é indicada – tal como já foi dito,
oportunamente – pelas letras e, u, o, u, a, e).
As cadências podem ser:
·
de 1 (um) acento:
·
de 2 (dois) acentos:
·
de 1 (um) ou 2 (dois) acento(s), com sílaba(s) de preparação:
~ 31 ~
CURSO DE CANTO GREGORIANO
·
espondaicas:
·
e dactílicas:
A dificuldade da Salmodia está em saber acomodar estas melodias – que são imutáveis –
aos vários Versículos de cada Salmo. Torna-se, por isso, um método de adaptação –
preciso, simples e uniforme – sobretudo, tendo em atenção que todo o povo está
convidado a tomar parte no canto dos Salmos.
QUADRO GERAL DOS OITO TONS SALMODICOS
I.º TOM: cadência média de dois acentos; cadência final de um acento, com duas notas
de preparação (na cadência «D2», «clivis» com antecipação de acento):
~ 32 ~
CURSO DE CANTO GREGORIANO
II.º TOM: cadência média de um acento; cadência final de um acento, com uma nota
de preparação (no «Antiphonale Monasticum», a cadência final – que é única – apresenta-se
sob a forma de um «podatus» com antecipação de acento):
III.º TOM: cadência média de dois acentos e «clivis» com antecipação de acento;
cadência final de um acento, com uma, duas, ou três sílabas de preparação (no
«Antiphonale Monasticum», apresenta-se com a dominante SI):
~ 33 ~
CURSO DE CANTO GREGORIANO
IV.º TOM: pode apresentar-se com dominante LA, ou (por transposição à 4.ª superior) RE;
cadência média de um acento, com duas notas de preparação; cadência final de um
acento com três sílabas de preparação (na terminante «E», «clivis» com antecipação de
acento):
c/dominante LA:
c/dominante RE:
V.º TOM: cadência média de um acento; cadência final de dois acentos:
~ 34 ~
CURSO DE CANTO GREGORIANO
VI.º TOM: cadência média de dois acentos (ou: de um acento, com uma nota de
preparação); cadência final de um acento e duas sílabas de preparação:
VII.º TOM: cadências média e final, ambas de dois acentos:
VIII.º TOM: cadência média de um acento; cadência final de um acento, com duas
notas de preparação:
~ 35 ~
CURSO DE CANTO GREGORIANO
EXERCÍCIOS
Associe as frases no sentido correto.
Consulte os documentos da Igreja sobre a música e a liturgia.
1. A finalidade da música litúrgica
é...
2. O canto próprio da liturgia
romana é...
3. Incentiva-se, para os exercícios
de piedade e para as ações
litúrgicas...
4. Os pastores de almas cuidarão de
que, além da língua vernácula, os
fiéis sejam capazes...
5. O canto gregoriano é um gênero
de música vocal...
( ) ... de recitar, ou cantar juntos, em
latim, as partes do Ordinário da Missa
que lhes pertencem.
( ) ... o canto gregoriano.
( ) ... a mesma de toda a Liturgia: a glória
de Deus e santificação dos fiéis.
( ) ... monofônica, monódica (só uma
melodia), com o ritmo livre, utilizada na
liturgia católica romana.
( ) ... o canto popular religioso.
Sobre os livros de cantos e suas definições:
1. O Graduale Romanum contém...
2. O Liber Usualis contém...
3. Kyriale é o livro ou parte do livro
que contém...
4. Próprio da Missa é...
5. Ordinário da Missa é...
( ) ... a parte fixa, como o Kyrie, Glória,
Sanctus, Agnus Dei.
( ) ... o mesmo que o Graduale
Romanum, mais cantos da Liturgia das
Horas e cantos para ritos específicos,
como batismo, casamento, funerais,
ordenações e bençãos.
( ) ... a parte mutável de cada Missa,
como os cantos de entrada (introito),
gradual, alleluia, ofertório e comunhão.
( ) ... os cantos gregorianos para a Missa,
com o próprio do tempo litúrgico, dos
santos e o ordinário da Missa.
( ) ... as peças musicais para o Ordinário
da Missa (Kyrie, Gloria, Credo, Sanctus e
Agnus Dei).
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CURSO DE CANTO GREGORIANO
Observe as pautas e indique o nome de cada nota na sequência correta:
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