Ler um trecho

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Trabalho: prisão ou destino?
(Depende de em que você crê)
ntes de continuar a leitura, responda para si mesmo
estas perguntas:
” O que você pensa sobre o trabalho?
” O que Deus pensa sobre o trabalho?
” O que a Bíblia ensina sobre o trabalho?
A
As respostas que der a essas perguntas são de vital
importância, pois o que você crê determinará se você
considera o trabalho como algo que pode satisfazer
plenamente sua vida cristã, ou se o vê como uma prisão
que o impede de progredir no trabalho “real” de adorar
e servir a Deus.
Um silêncio na linha de frente
Em minhas palestras ou pregações acerca do tema,
sempre pergunto ao auditório: “Quantos de vocês já
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ouviram um sermão sobre trabalho?” Quase sempre,
a resposta é menos de 50%. Até alguns anos atrás, esse
número chegava quase a 100%! E não é só isso: 75%
nunca foram questionados por seus líderes sobre as
interrelações entre a fé cristã e as atividades profissionais.
Essas ainda são estatísticas alarmantes. Atestam que
os cristãos não estão sendo equipados para o local onde
passam nada menos que 65% do seu tempo. E ainda
pior, mostram que a igreja veicula uma mensagem
implícita que poderia ser descrita da seguinte forma:
aquilo em que gastamos a maior parte de nossa vida,
além de irrelevante para nossa fé, é algo subestimado
por Deus. Não admira por que os cristãos passam por
tanta luta no trabalho.
O que é meu trabalho: obstáculo à fé ou meio de
expressão mais pleno de meu cristianismo? Meu trabalho reduz as oportunidades de servir a Deus ou é
um ambiente maravilhoso, desafiador e satisfatório
proporcionado por ele? São perguntas fundamentais
que nos desafiam.
Depende de em que você crê!
O que significa trabalho para nós? Primeiro, o óbvio,
um emprego remunerado. Inclui também os afazeres
domésticos, os estudos (escola ou faculdade), ajudar
com os deveres de casa. Trabalho é trabalho, quer seja
remunerado quer não. Todavia, a pergunta de fato
é esta: Cremos que nosso trabalho (em tempo integral ou
parcial, remunerado ou voluntário) é trabalho cristão, um
“ministério” digno do Reino de Deus?
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Corremos o risco de nos enganar quanto a isso,
associando a “trabalho cristão” apenas as atividades
de domingo ou aquelas que servem mais diretamente
à comunidade cristã de algum modo (células, grupos
de louvor etc.). Enquanto isso, pensamos no restante de
nossos afazeres como simplesmente “trabalho”.
Não é difícil compreender o que teria gerado essa dicotomia entre os cristãos. Em geral, consideramos que
líderes, pastores e ministros, assim como aqueles que
nos orientam e discipulam, costumam enquadrar-se na
categoria “trabalho cristão em tempo integral”. Como
reconhecemos todos esses ministérios como dados por
Deus – e graças a Deus por eles – , podemos acalentar
uma visão distorcida e pervertida sobre os cristãos e o
trabalho, crendo, por exemplo, que só somos plenamente aprovados e valorizados por Deus, ou reconhecidos
pela igreja, quando nossos dons dados por Deus são
manifestados no contexto da igreja. Talvez mais insidioso ainda seja o pensamento de que eu poderia ser
mais agradável a Deus, além de um indivíduo mais
eficaz e mais valioso, se estivesse trabalhando mais na
igreja ou para a igreja. Nada poderia estar mais distante
da verdade.
Lembro-me do encorajamento de um de meus amigos, Niall Barry: “Você sabe que tem a permissão dele
para ser bem-sucedido; você tem sua bênção para ser
bem-sucedido”. Fiquei muito grato e ainda o sou, por
aquelas palavras; mas não deixa de ser significativo
que alguém tenha de proferí-las! Conversei com um
bom número de homens e mulheres que confessaram
sentir-se menos espirituais, e até mesmo culpados, por
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trabalhar dia após dia em ambientes não relacionados
à igreja. Muitos não conseguem curtir o trabalho por
causa dessas crenças e pressões. Outros ficam inquietos, insatisfeitos ou frustrados por não enxergar saída
para a prisão do trabalho. Quero que as palavras do
meu amigo sejam palavras de consolo e desafio. Você
ousaria crer que, quando vai trabalhar, está cumprindo
um destino gravado no software de sua vida, comandado pelo departamento de programação do céu?
Você ousaria crer que foi criado para essa atividade?
Se conseguisse crer, que diferença faria? Destino! A
maioria dos cristãos se preocupa em cumprir a vontade
de Deus. E se for isso que você já está fazendo? Sim, isso
mesmo, você no seu trabalho, com seus clientes, suas
máquinas, seus pacientes.
Trabalhando para Deus
Quando analisamos de mais perto as histórias bíblicas daqueles que serviram a Deus e a seu reino, poucos
tinham ministérios de “tempo integral”, segundo o
modo como concebemos essa ideia. Abraão é o pai da fé
tanto para judeus quanto para gentios. Quer algo mais
espiritual ou importante que isso? Contudo, ele cumpriu tal papel como fazendeiro itinerante, homem de
negócios, latifundiário, criador de gado e investidor em
prata e ouro. Toda tribo, língua e nação estará diante
do trono de Deus um dia; toda tribo e língua de todo
o globo – e isso será por causa da promessa de Deus a
um homem que trabalha. Em vez de abrir mão de seu
trabalho, ele simplesmente modificou seu modo de trabalhar e seu estilo de vida para adaptá-los ao chamado
de Deus. Moisés foi, em épocas diferentes, erudito entre
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os egípcios e fazendeiro nômade. Jesus menciona Abel
como o primeiro profeta das Escrituras; porém, além
de profeta, Abel foi também um dos primeiros trabalhadores registrados nas Escrituras, e seu trabalho foi
baseado na adoração que agradou o Criador. O ministério profético de José começou na pecuária, levando-o
a servir em gabinetes militares e na administração de
uma prisão, até chegar ao posto mais alto do governo,
imediatamente abaixo do Faraó. As visões geniais de
Daniel lhe surgiram enquanto ele estava empregado no
serviço público e na corte do rei, liderando o que pode
ser considerado um grupo de especialistas, desenvolvendo política governamental e oferecendo consultoria.
Davi foi pastor, poeta, músico, estrategista militar e, por
fim, um diligente monarca.
E os profetas? Amós cuidava de um rebanho e um
bosque de sicômoros. Isaías fazia parte da corte do rei.
Sofonias era um socialite a serviço da corte, com participação política. Ezequiel, apesar de vir de uma família
sacerdotal, era incrivelmente bem versado em assuntos
internacionais, cultura, construção naval e literatura. Neemias era um governador do serviço público.
Obadias era chefe da administração do palácio. Eliseu
era um rico latifundiário que possuía o equivalente a
doze ceifeiras-debulhadoras.
E que tal Jesus, aquele que somos chamados a seguir?
Bem, ele era “o carpinteiro” (Mc 6.3). Como tal, teria
sido aprendiz, além de sócio principal nos negócios de
carpintaria da família. É quase certo que ele tenha lidado
com fluxo de caixa, fixação de preço, qualidade, entrega
e compras, passando anos, dos doze aos trinta, ocupado
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como comerciante. Jesus sabia o que era trabalhar nisso!
Compare essa situação com os três anos na estrada, ensinando e pregando. É uma proporção de 6 por 1. Mesmo
assim, Jesus passou a maior parte de seu tempo ao lado
de trabalhadores comuns: fazendeiros, pescadores,
carpinteiros, construtores, coletores de impostos, empreendedores, servos, soldados, donas-de-casa, advogados...
Conversava com eles e lhes ministrava, dedicando-lhes
muito mais de seu tempo que a um lugar de adoração.
Contextualizava suas parábolas sobre o Reino de Deus
utilizando figuras familiares do cotidiano de trabalho
daqueles a quem falava – semeadores e trabalhadores
da vinha, ceifeiros, pedreiros, mulheres varrendo casa,
banqueiros, forças armadas.
Se eu lhe perguntasse quem são, no livro de Atos,
as figuras-chave na proclamação do evangelho, quem
você sugeriria? Pedro? Paulo? E se eu dissesse que esse
grupo incluía dois trabalhadores da manufatura, um
integrante das forças armadas e um comerciante de alta
moda? Improvável demais? Não exatamente.
Priscila e Áquila eram fabricantes de tenda. Paulo
os encontrou em Atenas, e eles trabalharam juntos. A
igreja em Corinto nasceu do grupo que provavelmente
se reunia em sua casa. Sua empresa manufatureira era
também a base a partir da qual Paulo e a equipe operavam, e Paulo se empenhava muito para que se soubesse,
em todo lugar por onde passava, que ele trabalhava pelo
próprio sustento como um fazedor de tenda. Depois de
viajar com Paulo, Priscila e Áquila permaneceram em
Éfeso. Menciona-se que todas as igrejas dos gentios são
gratas a ambos.
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Cornélio foi um dos primeiros (mas, certamente,
não o último) soldados romanos a se converter. Essas
conversões de soldados romanos foram um elemento
estratégico, não apenas na difusão do evangelho para
os gentios, mas também por todo o Império Romano e
pela Europa.
Lidando com a alta moda estava Lídia, que comercializava púrpura – produto exclusivo em sua época. Foi a
primeira convertida na Europa, e não é exagero afirmar
que a primeira igreja do continente adveio de sua rede
de relacionamentos. Foi ela quem providenciou uma
casa para Paulo e sua equipe, a base para a primeira
equipe europeia de alcance evangelístico.
O que estou tentando dizer com isso tudo é que a
Bíblia está repleta de episódios em que Deus atua por
intermédio de homens e mulheres comuns. Mais que
isso, a Bíblia é um livro sobre homens e mulheres que
trabalham, escrito por homens e mulheres que trabalham, sempre. Em Hebreus 11, o capítulo sobre os heróis
da fé, pelo menos quinze pessoas das dezessete mencionadas eram homens e mulheres que trabalhavam. Isso
deve nos inspirar, confortar e encorajar. Significa que
podemos ter fé e confiança de que, seja qual for nosso
trabalho, estamos trabalhando para Deus.
Deus trabalha
É bom saber que homens e mulheres que trabalham
estão no centro da Bíblia. Todavia, talvez a revelação
mais encorajadora, significativa e positiva de todas
seja: Deus trabalha! O primeiro versículo na Bíblia diz:
“No princípio Deus criou [trabalhou] os céus e a terra”
(acréscimo do autor). Deus é mencionado como aquele
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que faz, forma, constrói, planta. Trata-se de palavras
usadas em outros trechos na Bíblia para referir-se a trabalho. Então, em Gênesis 2.3, “Abençoou Deus o sétimo
dia e o santificou, porque nele descansou de toda a obra
que realizara na criação” (NVI).
” É evidente que o trabalho de Deus se diferencia do
nosso, por ele ser todo-poderoso, e seu trabalho,
perfeito. No entanto, nesse trabalho estão envolvidas muitas funções que também são humanas:
” Deus cria coisas – como um artesão;
” Deus classifica e nomeia coisas – como um cientista;
” Deus planeja cuidadosamente – ações sucessivas;
” Deus examina a qualidade de seu trabalho – controle de qualidade;
” Deus define claramente a função de cada componente – como um engenheiro;
” Deus define claramente o papel da humanidade e
provê recursos – como um bom gerente;
” seu trabalho reflete a pessoa que ele é – como
gostaríamos que fosse conosco;
” Deus tem prazer em seu trabalho – um trabalho
bem-feito; contentamento.
Na Bíblia, Deus trabalha constantemente, ordenando
circunstâncias para mudar nossa vida, envolvendo-se
com nações e indivíduos. Deus cumpre seu trabalho –
governando, delegando, provendo. Em Filipenses 2.13
está escrito: “Porque Deus é o que opera em vós tanto
o querer como o efetuar, segundo a sua boa vontade”.
Tanto a vontade quanto o trabalho de Deus são seu
prazer.
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Tudo isso é positivo. No entanto, tudo o que aprendemos até agora nos leva à inevitável e oportuna pergunta:
com toda essa evidência e todos esses exemplos, como
pode haver tal indiferença ou falta de engajamento por
parte do povo de Deus com relação ao trabalho?
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