Sinais da crise econômica em 2008/2009 e do seu tratamento

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Sinais da crise econômica em 2008/2009 e do seu tratamento
Sinais da crise econômica em 2008/2009 e do seu tratamento político
Michelle Amaral da Silva e Guilherme Delgado 1
Os primeiros dados da economia real, de produção e emprego, relativos aos meses de outubro e novembro de
2008, já começam a aparecer, confirmando forte recuo da produção industrial em novembro, relativamente ao mês
anterior. Já os dados de emprego, apurados mensalmente, quer pelo IBGE (Pesquisa Mensal de Emprego nas Regiões
Metropolitanas), quer pelo sistema RAIS-CAGED do Ministério do Trabalho, indicam estagnação do mercado crescimento zero - mas as projeções para o primeiro trimestre são de fortes demissões na indústria a partir de
dezembro - segundo sondagens da FGV).
Tudo indica que a partir da divulgação dos dados de produção e emprego do último trimestre do ano – outubrodezembro, haja mais clareza sobre os efeitos da crise externa, em quais setores, regiões e principalmente com que
intensidade sobre o emprego formal, que vinha de um mini-ciclo de crescimento firme há cerca de sete anos.
Aparentemente o governo só trabalha políticas anti-crise, de maneira curativa. Depois dos fatos do desemprego
consumados, provavelmente virão medidas de reativação setoriais; na base de respostas aos setores com maior
capacidade de vocalizar demandas. Esse padrão de respostas começou a se desenhar desta forma a partir de
outubro.
Primeiro foi o setor financeiro, prontamente atendido com medidas de política monetária para reativação do
crédito bancário. Depois as montadoras de automóveis, parcialmente atendidas com isenções do IPI e facilidades de
crédito, depois as empresas do agronegócio – fortemente ligados à exportação, cujas apostas comerciais- financeiros
sobre o dólar-futuro fracassaram.
Agora que começam as evidências da crise também no mercado de trabalho, aparentemente viriam medidas
para reativação do investimento público e/ou de estímulo ao consumo nos setores em que se revelarem tais
problemas, ou ali onde houver pressão sindical e política mais explícita.
Essas medidas, que vem sendo adotadas desde outubro-novembro, têm certa lógica. Atendem a demandas
setoriais explícitas, mas aparentemente estariam correndo atrás do prejuízo, sem capacidade efetiva para preveni-lo;
e ainda por cima estão viesadas pelo enfoque do tratamento segmentado, sob a ótica da “socialização de perdas”.
No plano macroeconômico persiste ainda um forte tom desafinado da política de juros do Banco Central – único
do mundo que eleva juros nominais e reais em plena recessão global.
Por sua vez, a iniciativa da reforma tributária oficial, ainda que elaborada e enviada ao Congresso em
março/abril de 2008, não se adequa a nenhum tratamento anticíclico, antes pelo contrário, concebido que foi numa
conjuntura de forte crescimento da arrecadação tributária. Com o rumo declinante da arrecadação de novembro,
aparentemente a reforma tributária deverá passar por uma crítica importante de oportunidade, além de outras
tantas que se dirigem ao seu conteúdo.
A crise de liquidez externa (fuga de capitais + déficit na conta-corrente) do último trimestre do ano,
aparentemente resolveu um problema – o da sobrevalorização cambial, mas custou caro para vários setores que
vinham apostando no dólar barato.
Por último, o Programa de Aceleração do Crescimento, cuja programação de projetos prioritários antecede a
crise de liquidez externa, é visto como uma espécie de tábua de salvação da situação macroeconômica, sendo o
investimento público o grande. fiel da situação. Aqui se coloca com muita clareza o problema do financiamento
desses projetos, com a saída de parceiros externos. O governo espera contar com recursos do superávit-primário ou
da dívida pública, autorizados a operar por meio do “Fundo Soberano”. Isto é idéia do Min. Da Fazenda e da Casa
Civil, na contra-mão da linha do Banco Central.
Ao final desta nota – o leitor ficará com a impressão de que a crise econômica não é tratada com um plano de
conjunto, e menos ainda numa perspectiva preventiva. Isto também é verdade; ou talvez uma meia verdade, porque
sob pressão da própria crise seria possível divisar alguma direção estratégica para o seu tratamento. Mas por ora isto
ainda não está claro. Ficaria mais claro, se metas de emprego, ou de minimização do desemprego passassem a ser
perseguidas pela política econômica.
* Guilherme Delgado é economista e pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
A dureza da crise pode ainda trazer muito mais prejuízo do que já tivemos; recuar todos os ganhos de
recuperação econômica alcançados nos últimos anos, se sobre ela não houver discernimento de rumos a seguir, no
sentido do interesse geral da sociedade.