DIAGNÓSTICO QUALITATIVO DA POLUIÇÃO SONORA URBANA
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DIAGNÓSTICO QUALITATIVO DA POLUIÇÃO SONORA URBANA
II Simpósio de Pós-Graduação em Engenharia Urbana - SIMPGEU DIAGNÓSTICO QUALITATIVO DA POLUIÇÃO SONORA URBANA: ESTUDO DE FUNDAMENTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS RESUMO Considerando a expressiva e crescente aceitação técnico-científica das análises qualitativas como método indireto de diagnóstico da qualidade ambiental, tomadas de decisão, prognósticos e planos de intervenção urbanística, após previa revisão que demonstrou a complexidade dos fatores relacionados, o presente trabalho teve como principal objetivo reunir conhecimentos capazes de contribuir para o aprimoramento da abordagem aplicada à avaliação qualitativa da poluição sonora urbana, sobretudo, no que se relaciona a identificação e implementação de indicadores válidos e eficientes. Visto que a percepção ambiental, na qual se baseiam tais avaliações, pode ser distinta para diferentes grupos, entre os resultados obtidos destaca-se a discussão dos principais conjuntos de fatores que podem exercer significativa influência e, portanto, devem ser adequadamente articulados para obtenção de resultados precisos e criteriosos. Complementarmente, são discutidos estudos afins que ilustram a aplicação de técnicas correlatas em centros urbanos. Por último, considera-se que aprimoramentos metodológicos aplicáveis ao diagnóstico urbano qualitativo são de expressiva importância para o controle ambiental de cidades saudáveis e sustentáveis. Palavras-chave: Percepção ambiental. Diagnóstico qualitativo. Poluição sonora. Fundamentos metodológicos. 1 II Simpósio de Pós-Graduação em Engenharia Urbana - SIMPGEU 1. INTRODUÇÃO Tensões generalizadas, condutas agressivas e dificuldades em se relacionar socialmente são alguns exemplos de manifestação psicossocial decorrentes da degradação da qualidade de vida urbana, mesmo que, na maioria das vezes, inconscientemente (DEL RIO e OLIVEIRA, 1996). Nesse sentido, o aspecto subjetivo da poluição sonora quanto aos seus efeitos sobre a população dificulta o convencimento sobre a adoção de medidas mais eficazes de controle, ao mesmo tempo em que o contínuo aumento dos níveis de ruído nas áreas urbanas torna-as cada vez mais desconfortáveis, insalubres e inseguras (CARMADELLA, 1977), afetando a saúde do indivíduo e contaminando intensamente as relações sociais (MMA, 2005). Contudo, a participação da população no desenvolvimento de políticas públicas há décadas vem sendo considerada um fator indispensável ao planejamento ambiental estratégico (TABAK, 1977). Como exemplo, em alguns países, como nos Estados Unidos, para que determinados projetos sejam aprovados, exigi-se que os estudos prévios de impacto ambiental contemplem a avaliação da percepção da comunidade potencialmente afetada (ZUBE, 1980 apud DEL RIO e OLIVEIRA, 1996). Em consonância, conforme recomendações da Organização Pan-Americana da Saúde, a elaboração de diagnósticos ambientais deve contemplar a participação das pessoas que vivem nas localidades avaliadas, sendo a percepção da comunidade um importante indicador no qual se deve apoiar a qualidade e confiabilidade da informação que visa gerar indicadores satisfatórios sobre a situação local (OPAS, 1999). Novaes (1977) argumenta que o resultado de estudos anteriores permitiram reforçar que avaliação de fatores psicossociais oferece respaldo à investigações e diagnósticos ambientais, viabilizando a formulação de políticas públicas adequadas. Logo, ao avaliar a satisfação, necessidades, interesses e anseios da população, os estudos de percepção podem representar expressiva contribuição para a tomada de decisões (POLTRONIÉRI, 1996). Assim, o emprego dos estudos subjetivos vem experimentando crescentes reconhecimentos, inclusive no Brasil, principalmente a partir da década de 1980, no qual a percepção ambiental como área científica tem assumido papel cada vez mais destacado (CASTELLO, 1996). Da mesma forma, como a grande proporção destes estudos pode nortear projetos através da aplicabilidade de seus resultados, as análises subjetivas tornam-se de especial interesse para engenheiros, arquitetos e urbanistas (DEL RIO e OLIVEIRA, 1996). Segundo Castello (1996), o campo do projeto urbanístico é cada vez mais contemplado por preocupações que envolvem questões de subjetividade, sendo ressaltada sua importância para definir pautas de intervenção, reforçando a legitimidade das ações públicas para melhoria da qualidade ambiental e atenuando as inquietações dos planejadores, cujas proposições estarão mais próximas das expectativas da população. Embora as pesquisas em si não tenham força legal para adoção ou implementação de ações, se estrategicamente bem articuladas, podem exercer forte influência e, em síntese: O conhecimento adquirido sobre os processos perceptivos e cognitivos podem melhorar a qualidade dos ambientes humanos através de políticas, planejamentos e projetos, na medida em que esse informa sobre como planejar e projetar ambientes que não interfiram com os próprios funcionamentos destes processos (REIS e LAY, 2006). Portanto, o estudo dos pressupostos teórico-metodológicos sobre percepção ambiental, bem como uma revisão sobre os efeitos psicofísicos do ruído podem proporcionar conhecimentos capazes de contribuir para o aprimoramento da abordagem aplicada aos estudos subjetivos da poluição sonora, sendo esse o objetivo central desse trabalho, visto sua importância para o planejamento local no que se relaciona ao gerenciamento do ruído urbano. 2 II Simpósio de Pós-Graduação em Engenharia Urbana - SIMPGEU 2. DESENVOLVIMENTO Visando agregar conhecimentos fundamentais para o adequado tratamento dos aspectos subjetivos nos estudos de poluição sonora, o desenvolvimento dessa revisão ocorreu em três etapas, após previamente ter sido realizada um estudo preliminar que demonstrou a complexidade dos fatores relacionados. Tal complexidade inicia-se na divergência de concepções e aceitação científica da multiplicidade de métodos na busca por indicadores válidos e eficientes. Portanto, a primeira das etapas concentrou-se em referenciais teórico-conceituais sobre percepção, bem como nos fatores psicossociais influentes (atributos ambientais, do estímulo e do individuo). Na segunda etapa, uma revisão dos principais efeitos psicofísicos causados pela exposição ao ruído foi realizada para identificar possíveis indicadores a esse respeito. Por último, a terceira etapa reuniu estudos correlatos para complementar a fundamentação científico-metodológica atualmente aplicada em pesquisas dessa natureza. Por se tratar de uma pesquisa de revisão bibliográfica, os materiais utilizados corresponderam a trabalhos correlatos, relatórios e artigos de periódicos, entre outros meios de divulgação e comunicação científica. Para isso, o acesso às fontes de consulta, a leitura, seleção e construção dos textos foram desenvolvidas mediante um plano de leitura com base em um fichário bibliográfico formulado para este fim, prosseguindo de obras gerais para especializadas. 2.1. Referenciais teórico-conceituais sobre percepção ambiental A rigor, a atividade geográfica sempre se baseou na percepção de seus praticantes e, entre os não-geográfos, Kevin Lynch deve ser destacado entre os precursores dos estudos de percepção ambiental, que se consolidaram efetivamente durante a década de 70 através de grupos de trabalho da UNESCO (Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura) e da União Geográfica Internacional (AMORIM-FILHO, 1996). Desde então, o conceito de percepção tem sido compreendido e definido, fundamentalmente, de duas maneiras: na primeira, o processo perceptivo de interação entre o espaço e o indivíduo se dá exclusivamente através dos sentidos básicos (visão, olfato, audição, tato e paladar), (WEBER, 1995 apud REIS e LAY, 2006); já na segunda, além da interação sensorial, também consideram-se outros fatores psicossociais, tais como cultura, memória, conjunto de informações e valores pessoais (GIBSON, 1966 apud REIS e LAY, op. cit.). Na primeira concepção, em que a percepção é tratada como exclusivamente sensorial, os demais fatores relacionam-se com a cognição, processo de construção do sentido na mente, cumulativo, que se forma através da experiência cotidiana, através da qual sensações adquirem valores e significados, gerando expectativas sobre o ambiente que se traduzem em atitudes e comportamentos (REIS e LAY, 2006). Todavia, na última concepção, na qual a cognição em complemento a sensação integram a percepção, reside o objeto de interesse da grande proporção dos estudos de percepção ambiental (DEL RIO, 1996), tal como da presente pesquisa. Segundo Clark (1985), a abordagem perceptiva se interessa pelo modo como os indivíduos percebem e tomam decisões associadas e, conforme Serrano (2006), esta percepção depende do relacionamento entre o estímulo, o ambiente e as condições do indivíduo, o qual pode provocar os seguintes processos: - Atenção seletiva - ao receber milhões de estímulos diários, predomina a percepção daqueles cujos desvios sejam maiores em relação a um estímulo normal (fenômenos atípicos); - Distorção seletiva - nem sempre a interpretação de estímulos ocorre de maneira presumível em função da psicologia individual (tendências e predisposições); e 3 II Simpósio de Pós-Graduação em Engenharia Urbana - SIMPGEU - Retenção seletiva - apenas uma pequena proporção dos estímulos permanece retida conscientemente por maior tempo, predominantemente aqueles que provocam efeitos associados (sensações/reações) ou estão relacionados a alguma informação de interesse atual. Para Bertrand (1978, apud BLEY, 1982), cada pessoa percebe aquilo com que se preocupa, ou seja, o que está habituado conforme os reflexos de sua herança sócio-cultural. Bley (op. cit.) ainda cita Bailly (1977), autor que reforça o pensamento de que a percepção depende da psicologia individual, da cultura aprendida, de influências socioeconômicas e profissionais, da experiência de vida e da originalidade biológica. Em consonância, para Ribas e Graemel (2006), atualmente vive-se numa sociedade saturada por riscos, na qual o ser humano prioriza suas necessidades fundamentais, sendo a importância da percepção, atribuída a certo problema, relacionada à expectativas sócio-culturais variáveis do que se considera ou não como negativo e com qual prioridade. Em sua pesquisa, Del Rio (1996) observou que a receptividade e o interesse dos respondentes dependiam mais da conscientização que demonstravam ter quanto a qualidade de vida do que de seu nível socioeconômico ou cultural. Nesse sentido, observa-se que o comportamento do homem em relação ao ambiente varia de acordo com a intensidade de seu envolvimento e em razão de determinantes psicológicas (MATTOS-FILHO, 1977). A respeito da relação entre as características inatas de um indivíduo e sua percepção ambiental há pouca evidência comprovada, sendo um pouco mais seguro fazer correlações com as categorias de sexo e idade (TUAN, 1974). A audição, por exemplo, declina acentuadamente na amplitude de alta freqüência ao final da idade madura, e de forma mais acentuada no homem do que na mulher (NEPOMUCENO, 1968). Entre outros aspectos de difícil quantificação estão a influência da hora do dia, estado emocional, atitude da pessoa em relação a fonte sonora, tempo de exposição e características do estímulo, se é freqüente, cíclico, habitual ou atípico, entre outros (ENNES, 1977). Logo, o estudo da percepção pode ser relativamente complexo, pois pessoas vivendo na mesma cidade, no mesmo bairro, mesmo assim, podem perceber mundos diferentes (TUAN, 1974). Portanto, embora haja fortes tendências no sentido de buscar indicadores ambientais mediante análises subjetivas, deve-se considerar que a percepção pode ser distinta para diferentes grupos sociais (MATZ, 1977). Consequentemente, a principal dificuldade a ser superada diz respeito à definição de indicadores válidos que permitam uma avaliação criteriosa do problema em estudo. Todavia, ao contemplar os fatores psicossociais apresentados, considera-se possível definir indicadores de incontestável validade e significação estatística (NOVAES, 1977). Portanto, adiante da discussão sobre os efeitos psicofísicos causados pela exposição ao ruído, pesquisas sobre a percepção da poluição sonora urbana serão apresentadas visando destacar indicadores que vêm sendo empregados em estudos dessa natureza. 2.2. Efeitos psicofísicos causados pela exposição ao ruído A energia acústica atua normalmente como estímulo sensorial sobre os sistemas nervosos central e autônomo, entretanto quando os níveis sonoros excedem determinados limites, além de prejuízos ao sistema auditivo, também podem ser provocados outros efeitos patológicos. Segundo Costa e Kitamura (1995), antes de atingir o córtex cerebral e ser redirecionado as demais partes do sistema nervoso, o estímulo sonoro passa por inúmeras estações subcorticais, em particular das funções vegetativas. Conforme a intensidade sonora, podem ocorrer respostas tanto psicológicas (tensão, irritabilidade e baixa concentração), quanto químicas (secreção anormal de substâncias hormonais) e físico-somáticas decorrentes, consideradas por alguns autores tão expressivamente relevantes quanto a própria surdez, pois podem contribuir para ocorrência ou piora de doenças graves (MEDEIROS, 1999). 4 II Simpósio de Pós-Graduação em Engenharia Urbana - SIMPGEU Dessa forma, embora outros fatores possam influenciar a proporção de indivíduos conscientemente afetados, como a atividade desenvolvida no momento e o estado contextual da pessoa, o efeito cumulativo da exposição ao ruído é considerado o melhor indicador para investigar a suposta capacidade da poluição sonora em alterar a condição humana (GIERKE e ELDRED, 1993). Por isso, os principais efeitos psicofísicos e sociais provocados pelo ruído descritos pela literatura foram resumidos na seqüência. Incômodo, perda de concentração e de rendimento Em desacordo com a definição de saúde da OMS: “Um estado de completo bem estar físico, mental, e social, não mera ausência de doença”, o incômodo causado pela poluição sonora é talvez o efeito mais comum sobre as pessoas e a causa da maior parte das queixas relacionadas (AMDE, 2006). Estudos demonstraram que o excesso de ruído ambiental altera a condutividade elétrica no cérebro, além de provocar uma queda na atividade motora em geral, levando o indivíduo mais rapidamente a fadiga física e intelectual, diminuindo a capacidade de concentração e performance (quantidade e qualidade) na realização de tarefas que exigem atenção, aumentando da probabilidade de erros e acidentes. Calcula-se que um indivíduo normalmente precisa gastar em média aproximadamente 20% de energia extra para realizar uma tarefa, quando exposto a poluição sonora (MEDEIROS, 1999). Estresse e distúrbios comportamentais Alguns psiquiatras e psicólogos crêem que níveis excessivos de ruído podem induzir uma instabilidade emocional, maior propensão a hostilidade, intolerância e agressividade (MEDEIROS, 1999). A esse respeito, em estado de vigília, até 50 dB(A) o ruído pode perturbar, mas é adaptável. A partir de 55 dB(A) provoca leve estresse, assim como pode tornar-se excitante, causando sensação de dependência. O estresse orgânico degenerativo inicia-se aos 65 dB(A) com desequilíbrio bioquímico, aumentando o risco de doenças cardiovasculares, infecções e osteoporose, entre outros (PIMENTEL-SOUZA, 2006). O estresse em estágios iniciais pode até ser benéfico na medida em que funciona como excitante ocasional (TUFIK, 1991), mas quando progride pode conduzir rapidamente à exaustão (BONAMIN, 1990). Entre outros efeitos, ocasionados ou agravados pelo estresse decorrente da exposição a níveis excessivos de ruído, verifica-se o aumento da prevalência de gastrite e úlcera, cefaléias, redução da libido, perda de apetite, perturbações labirínticas, insônia e sonolência (WHO, 1980; QUICK e LAPERTOSA, 1981; GOMES, 1989). Efeitos sobre os sistemas vestibulares e neurológicos Colleoni e Cols (1981) argumentam que na faixa de freqüências baixas, iniciando-se com as freqüências infra-sônicas (abaixo de 16Hz), os efeitos do ruído já podem provocar tonturas e enjôos. O ouvido interno, ou labirinto, contém os órgãos auditivos e de equilíbrio, entre os quais está o vestíbulo que pode ser afetado pela exposição ao ruído excessivo, provocando os referidos efeitos, que podem tornar-se crônicos com repetidas exposições (MARTINES, 1999). Quick e Lapertosa (1981) descrevem casos em que foram demonstradas experimentalmente as influências do estímulo sonoro em níveis excessivos sobre a motilidade, redução da reação à estímulos visuais, vertigens acompanhadas ou não de náuseas, nistagmos e até desmaios, também relatados por Seligman (1993). Costa (1994) acrescenta a piora de crises epilépticas desencadeadas por alterações nas ondas cerebrais e aumento da pressão do liquor raquidiano. Efeitos sobre o sistema endócrino Segundo Harlan (1981, apud MEDEIROS, 1999), em conseqüência da exposição a elevados níveis de ruído podem ocorrer alterações hormonais e bioquímicas relacionadas ao aumento dos níveis plasmáticos de colesterol, triglicérides e ácidos graxos livres, entre outros. Para Joachim (1983), os efeitos fisiológicos do ruído a longo prazo são predominantemente respostas a liberação anormal de hormônios, provocando diversos efeitos colaterais. 5 II Simpósio de Pós-Graduação em Engenharia Urbana - SIMPGEU Cantrell (1974 apud PIMENTEL-SOUZA, 2006) mostrou que níveis iguais ou superiores a 50 dB(A) de ruído de fundo no período noturno, assim como emissões sonoras, em forma de pulsos durante somente 3% do tempo, de 85 sobre 70 dB(A) de fundo no período diurno, desencadearam, durante 40 dias de experimento, um aumento de 25% no colesterol e de 68% do cortisol plasmático em jovens saudáveis de 20 anos. Como conseqüência, o excesso de colesterol liberado pela exposição ao ruído reforça os resultados apresentados em Congresso na Alemanha, referentes ao aumento de 10% dos casos de enfarte em populações submetidas a níveis entre 65 e 70 dB(A), e de 20% quando expostas de 70 a 80 dB(A), (BABISCH, 1991 apud PIMENTEL-SOUZA, 2006). A produção dos chamados “hormônios do estresse” ocasionada por tensões relacionadas a ambientes ruidosos também pode desencadear o aumento dos índices de adrenalina, além do cortisol plasmático, com maiores riscos de diabetes e, aumento da prolactina, com reflexos na esfera sexual (COSTA, 1994). Assim, as mulheres podem apresentar sintomas como alterações no ciclo e/ou no fluxo menstrual, cólicas e, em determinados casos, até mesmo dificuldades para engravidar. Da mesma forma, os homens podem apresentar problemas de impotência e infertilidade (MARTINES, 1999). Efeitos sobre o sistema cardiovascular Embora diversos estudos discutam supostas alterações cardiovasculares relacionadas à exposição a poluição sonora, ainda não há um pleno consenso entre os autores, pois o resultado de algumas pesquisas não confirmaram determinadas hipóteses (SANTANA e BARBERINO, 1994). Todavia, Joachim (1983) descreve modificações dos movimentos rítmicos normais e essenciais dos músculos relacionados à respiração, provocando alterações químicas no sangue em decorrência da exposição excessiva ao ruído. Da mesma forma, Quik e Lapertosa (1981) citam estudos que descrevem a aceleração cardíaca, a alteração do fluxo circulatório, a vasoconstrição periférica, o aumento da viscosidade do sangue, mudanças no ritmo da pulsação, hipertensão arterial e má oxigenação das células. Para Martines (1999), a elevação da pressão arterial (sistólica ou diastólica), pode ser provocada pelo ruído, uma vez que a exposição a excessivos níveis de pressão sonora (por 10 a 20 minutos) pode provocar vasodilatação dos vasos mais internos, resultando na diminuição do fluxo sangüíneo. Logo, devido a alterações na quantidade de sangue bombeado pelo coração, podem ocorrer irregularidades no ritmo cardíaco. Efeitos sobre o sono O nível sonoro ambiente é um dos mais importantes sincronizadores do sono, sendo que a partir de 35 dB(A) este começa a ficar superficial e a partir dos 45 dB(A) ser interrompido que, quando nas fases mais profundas, pode causar a elevação da pressão arterial e do ritmo cardíaco, bem como causar insônias se ocorrer freqüentemente. A 75 dB(A) provoca a perda de 70% dos estágios profundos que restauram os efeitos orgânicos e mentais, pois as funções mais nobres do sono (como restauradoras psicológicas, intelectuais, de memória, do humor, da aprendizagem e da criatividade) deixam de se consolidar, diminuindo a capacidade das funções superiores do cérebro (Jouvet, 1977 e Koninck et al., 1989 apud PIMENTEL-SOUZA, 2006). Na França, um centro de estudos demonstrou que o ruído de baixos níveis (até 55 dB(A)), embora permita adaptação, causa déficits acumulativos mudando a estrutura do sono, verificando que pessoas de 35 anos passam a dormir semelhante às de 55 a 60 anos (CERNE, 1979). Segundo Seligman (1993), pesquisas eletro-encefalográficas demonstraram que ruídos, mesmo de fraca intensidade, provocam o chamado complexo “K” que se refere a passagem temporária de um estado de sono profundo para outro mais leve que, mesmo sem acordar o indivíduo, causa irritabilidade, cansaço e dificuldade de concentração no dia seguinte, assim como afirma que ruídos escutados durante o dia também podem atrapalhar o sono de horas após, dificultando o adormecimento, causando insônias e despertares freqüentes. 6 II Simpósio de Pós-Graduação em Engenharia Urbana - SIMPGEU Interferências na comunicação e efeitos sobre o sistema auditivo O nível sonoro de uma conversação a 1 metro de distância normalmente varia entre 50 e 55 dB(A), mas para que a fala seja perfeitamente audível é necessário que esta supere em 15 dB(A) o ruído de fundo. Portanto um ruído ambiente superior a 35 ou 40 dB(A) poderá prejudicar a compreensão da fala, trazendo dificuldades de interação e aumentando a probabilidade de erros e acidentes (MEDEIROS, 1999). Além das dificuldades na comunicação oral, pelas reações fisiológicas conhecidas, a OMS considera 55 dB(A) o início do estresse auditivo, podendo haver perda súbita a níveis próximos de 120 dB(A), por efeito de vasoconstrição no ouvido interno, causada pelo aumento da demanda por oxigênio para fortalecer e prolongar a excitação das células receptoras (WHO, 1980, MORATA e FERNANDES, 2002). Conforme Oliveira (1997 apud MARTINES, 1999), os efeitos auditivos do ruído estão divididos em três tipos: mudança temporária do limiar auditivo - na qual ocorre uma fadiga temporária das estruturas sensoriais; mudança permanente do limiar auditivo - alteração do tipo neurossensorial de caráter irreversível, que instala-se progressiva e gradualmente, geralmente bilateral; e trauma acústico – perda súbita da audição que decorre da exposição a ruído muito intenso, predominantemente de impacto, agredindo estruturas do ouvido. Efeitos sobre o sistema digestivo, imunológico e grupos vulneráveis Conforme Stephens e Rood (1978, apud MEDEIROS, 1999), o ruído pode diminuir as atividades do trato digestivo, em consonância com estudos que afirmam alterações digestivas descritas como diarréias, prisão de ventre e náuseas. De acordo com Gomez et al. (1983) e Martines (1999), são observados em alguns casos a diminuição do peristaltismo e da secreção gástrica, com aumento da acidez seguida de dores epigástricas, gastrites e úlceras gástricas ou duodenais, enjôos e perda de apetite. É certo que a médio ou longo prazo o organismo pode habituar-se ao ruído, empregando, para isso, dois principais mecanismos aos quais está associado um dano. O primeiro é a diminuição da sensibilidade do ouvido, surdez temporária ou permanente, como anteriormente discutido. O segundo mecanismo relaciona-se a atenuação da percepção dos estímulos, entretanto, os sinais continuam a chegar ao sistema nervoso e, a partir dele, a serem redirecionados para o restante do organismo, desencadeando as conseqüências psicofísicas apresentadas (AMDE, 2006). Como se não bastasse, em decorrências dos distúrbios hormonais, o sistema imunológico também pode ser afetado por alterações na composição dos elementos de defesa do organismo (redução de linfócitos), tornando-o mais vulnerável às doenças, especialmente os recém-nascidos, crianças, idosos, gestantes e enfermos (MARTINES, 1999). 2.3. Estudos de diagnóstico qualitativo da poluição sonora urbana Considerando a concepção de bem-estar físico, mental e social, a princípio convencionou-se que uma análise satisfatoriamente abrangente, sobretudo quanto aos fatores psicossociais, seria praticamente inatingível para avaliar a qualidade ambiental, entretanto, avaliações de cunho qualitativo vêm demonstrando ser capazes de revelar bons indicadores (NOVAES, 1977). O ruído afeta indiscriminadamente homens e mulheres, adultos e crianças, independente das condições sócio-econômicas, culturais, étnicas e religiosas (MARTINES, 1999). Todavia, como anteriormente discutido, diferentes trabalhos interdisciplinares vêm constatando que a tolerância e a vulnerabilidade ao ruído depende tanto dos fatores físicos do som, quanto de fatores psicossociais, que devem ser cuidadosamente consideradas durante a definição de indicadores e equacionamento das variáveis envolvidas (SANTOS e MARTINS, 2005). Em consonância, temos os estudos de Zannin et al. (2002), Moraes e Lara (2004), Lacerda et al. (2005) e Paz et al. (2005), que possuem em comum o objetivo de avaliar a percepção da 7 II Simpósio de Pós-Graduação em Engenharia Urbana - SIMPGEU população em relação à poluição sonora e os efeitos psicofísicos associados, através da aplicação de questionários, método mais amplamente observado em estudos correlatos. Em Zannin et al. (2002), 1.000 questionários foram distribuídos pelo correio aleatoriamente a moradores dos bairros residenciais de Curitiba-PR previamente contatados por telefone, e recolhidos após duas semanas por 50 colaboradores, visando avaliar as principais fontes de ruído urbano e a conseqüente reação da população. O estudo verificou que 5% das pessoas que classificaram o ruído de sua rua como muito intenso não se declaram incomodadas, entretanto, entre os respondentes que sempre se incomodam, 25% consideravam-no pouco intenso. Em Moraes e Lara (2004), os questionários foram aplicados à 3 participantes em cada um dos 246 pontos de medida do mapa acústico de Belém (PA), que permanecem cotidianamente no local por no mínimo 9 horas, visando correlacionar a percepção ao ruído com a rotina diária e costumes do entrevistado por faixa etária. Em Lacerda et al. (2005), os participantes foram selecionados de forma aleatória em diferentes regiões da cidade de Curitiba (PR), sendo entrevistados em suas casas por acadêmicos através de questionários compostos por questões fechadas, visando identificar os principais ruídos percebidos enquanto estivessem em suas residências e os efeitos psicossociais associados. Neste estudo, uma análise dos dados utilizando o teste Qui-quadrado (a = 0,05), revelou existirem diferenças significativas em determinadas questões entre os sexos e os diferentes grupos etários (p < 0,05). A pesquisa constatou-se que a maioria dos entrevistados está consciente dos efeitos danosos do ruído contra a audição e para a sua qualidade de vida e, que o fato do período noturno ter sido o mais citado pelos moradores no qual mais se sentiam incomodados, pode ser explicado pela maioria das pessoas trabalham durante o restante do dia (LACERDA et al., 2005). Alguns estudos desenvolvidos no Brasil buscaram correlacionar análises subjetivas e objetivas, tal como em Paz et al. (2005), no qual duas zonas urbanas foram selecionadas mediante avaliação dos níveis sonoros, sendo uma considerada acusticamente controlada (bairro) e outra não controlada (centro), nas quais foi analisada comparativamente a percepção ao ruído urbano no cotidiano dos habitantes, de ambos os sexos e faixa etária entre 17 e 69 anos, mediante a aplicação de questionário à uma amostra aleatória residente nas vias principais destas zonas, entre 7:01 e 22:00h. Totalizando 104 entrevistados no bairro e 130 no centro, os questionários foram preenchidos pelos próprios indivíduos na presença do pesquisador. 3. CONCLUSÃO Conforme os resultados apresentados, verificou-se que em estudos ambientais a concepção de percepção está predominantemente associada a um conjunto integrado de fatores psicofísicos e sociais que precisam ser adequadamente articulados para se obter resultados precisos e criteriosos em avaliações qualitativas, método analítico indireto que vem conquistando crescente aceitação no cenário técnico-científico. Portanto, considerando que a percepção pode ser distinta para diferentes grupos amostrais, conclui-se que devem ser considerados três principais grupos de fatores que podem exercer expressiva influência: (1) Atributos socioculturais que caracterizam os participantes integrantes da população avaliada; (2) Atributos relacionados aos potenciais efeitos psicofísicos causados pelo fenômeno estudado sobre essa população; e (3) Atributos físicos que caracterizam esse fenômeno, bem como outras variáveis ambientais relevantes. Quanto aos atributos relacionados a população avaliada, destaca-se a condição socioeconômica, o nível de conscientização e/ou grau de instrução, a influência cultural, as experiências anteriores e as categorias de sexo e idade. Embora sejam muitos os potenciais efeitos psicofísicos causados pela exposição ao ruído excessivo, devem ser considerados aqueles realmente capazes de refletir a real gravidade da poluição sonora no cenário urbano avaliado, relacionados a distúrbios: no sono (dificuldade no 8 II Simpósio de Pós-Graduação em Engenharia Urbana - SIMPGEU adormecimento, despertares freqüentes, insônia e sonolência); emocionais (incômodo, mau humor, irritabilidade, nervosismo, perda de apetite e estresse mental); na capacidade intelectual (baixa concentração e performance, perda de memória e criatividade, dificuldade na aprendizagem, aumento da probabilidade de erros e acidentes); auditivos (diminuição na sensibilidade do ouvido, surdez temporária ou permanente, zumbido e dificuldade na comunicação oral); na esfera sexual (redução da libido, impotência masculina, alterações no ciclo e/ou no fluxo menstrual e cólicas); e outros distúrbios físicos (dor de cabeça, estresse e fadiga física, perturbações labirínticas (tonturas e enjôos), mudanças no ritmo cardíaco e debilidade imunológica). Entre os atributos relacionados ao fenômeno, características físicas do estímulo, tais como intensidade, tempo de exposição e freqüência, destacam-se no caso da poluição sonora urbana, sendo ainda significativo, entre as variáveis ambientais, o período horário em que ocorre e com qual periodicidade, se é habitual, cíclico ou atípico. Como nos estudos apresentados, observa-se que freqüentemente esses fatores são apenas parcialmente considerados, e geralmente são organizados no formato de formulários padronizados, compondo questões aplicáveis em pesquisas de campo mediante dois meios principais, as entrevistas ou o auto-preenchimento pelos participantes. Da mesma forma, observou-se a tendência em correlacionar informações sobre as reais condições acústicas locais e a respectiva percepção da população. Por fim, em conseqüência do complexo equacionamento das variáveis ambientais, espera-se que a revisão dos fundamentos teórico-metodológicos desenvolvida nesse estudo possa contribuir para o desenvolvimento de pesquisas correlatas, no que se relaciona a identificação e implementação de indicadores válidos e eficientes para a avaliação subjetiva da poluição sonora urbana. REFERÊNCIAS ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. ABNT. Avaliação do ruído em áreas habitadas visando o conforto da comunidade – Procedimento. NBR 10151. Rio de Janeiro, 2000. 6p. ASSOCIAÇÃO DOS MUNICÍPIOS DE EVORA. AMDE. Efeitos nocivos do ruído. Disponível em: http://www.amde.pt. Acesso em 16 jan. 2006. AMORIM-FILHO, O. B. Topofilia, topofobia e topocídio. pg.’s. 139-152. In: OLIVEIRA, L.; DEL RIO, V. (org). Percepção Ambiental: A experiência brasileira. São Carlos: Editora da UFSCAR, 1996. 265p. BLEY, L. Percepção do Espaço Urbano: O centro de Curitiba. Dissertação (Mestrado em Geografia). UNESP / IGCE. 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