eutanásia no anteprojeto do código penal de 1999

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eutanásia no anteprojeto do código penal de 1999
EUTANÁSIA NO ANTEPROJETO DO CÓDIGO PENAL DE 1999
1 INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem por objetivo a análise da eutanásia no Anteprojeto
do Código Penal de 1.999, bem como suas conseqüências e problemáticas jurídicas,
em razão do advento do Anteprojeto do Código Penal de 1.999.
A eutanásia é um assunto muito polêmico, e envolve posicionamentos
favoráveis e contrários à sua aplicação, sempre levando-se em conta o caráter
religioso e ético nesta discussão.
Existem doutrinadores que defendem a prática da eutanásia, considerando
o móvel piedoso em que se encontra imbuído o sujeito ativo do delito, sendo que, no
entanto, a sociedade ainda não adquiriu um grau de desenvolvimento que permita a
sua aplicabilidade.
Muitos países atualmente estão discutindo a possibilidade de se legalizar a
prática do homicídio eutanásico, bem como existem países que refutam totalmente
essa idéia. Um exemplo clássico de sociedade que busca a legalização da eutanásia
é a holandesa.
Com essa conduta adotada pelo Parlamento Holandês ao aprovar tal projeto
e legalizar a eutanásia, demonstram-se claras as tendências de legalização dessa
prática pelo mundo.
O mundo presenciou um grande embate envolvendo esse instituto nos
Estados Unidos, em razão de uma paciente portadora de uma doença incurável,
cujo nome era Terry Schiavo, que teve sua vida ceifada por essa prática.
No Brasil, o Anteprojeto que tem por escopo a reforma da parte especial do
Código Penal demonstra também que o legislador pátrio está rumando à legalização
de tal instituto, tendo em vista a exclusão da ilicitude nos casos de ortotanásia e
abrandamento da pena nos casos de eutanásia ativa.
Com tal postura, o legislador pátrio demonstra claramente a sua real
intenção, ou seja, ir adequando aos poucos uma sociedade que se manifesta
contrariamente à prática de tal conduta, pois o anteprojeto supracitado demonstra,
nada mais, nada menos, do que um caminho para a legalização de tal instituto em
nosso país.
No entanto, tal instituto fruto de muitos debates doutrinários não é passível
de aceitação por toda a sociedade, já que muitos atentam para uma afronta à Carta
Magna, devido à indisponibilidade do bem jurídico vida.
Tal assunto encontra-se presente no cotidiano do mundo, pois a prática de
tal conduta vem sendo relatada por noticiários, demonstrando a grande resistência
por parte dos religiosos e grupos que se manifestam contrariamente a tal prática.
Como se não bastassem essas práticas demonstradas de maneira direta
pelos noticiários, ainda existem as que são realizadas de modo indireto e muitas
vezes camufladas por boas intenções. Isso ocorre, por exemplo, com a política
adotada pelo Governo que tem por escopo retirar os enfermos que padecem de
doenças terminais e incuráveis dos leitos das Unidades de Terapia Intensiva, pois
estes suprimidos da esperança de cura e, muitas vezes, já com seu decreto de
morte atestado, seriam somente um fardo a ser carregado pelo Governo, visto que,
desta forma, podem ceder seus lugares a pacientes que mais necessitam e que
poderão lograr êxito em seu tratamento.
Desta forma, com a implementação de tal programa, o Governo estaria se
utilizando da prática da eutanásia econômica, ou seja, tentando se livrar de
pacientes que somente trariam prejuízos, pois dariam ensejo a gastos despendidos
pelo mesmo, sem retorno algum, sendo tais pacientes considerados como um fardo
a ser carregado.
Nesse passo, o presente trabalho no primeiro capítulo traz, em seu bojo,
considerações
gerais
sobre
a
eutanásia,
abrangendo,
preliminarmente,
a
conceituação do instituto tratado, bem como os diversos tipos de classificações
citadas pela doutrina pátria.
Não obstante, o capítulo supracitado aborda também a prática da eutanásia
na história das civilizações, demonstrando que tal instituto foi utilizados por povos de
todo o mundo na antiguidade, bem como por tribos situadas em nossa nação.
Outrossim, relata a prática eutanásica em diversos países, bem como o
conteúdo de sua legislação no que diz respeito à matéria, já que muitos países se
posicionam a favor dessa conduta, como por exemplo, a Holanda, conforme
explicitado anteriormente.
Em seguida, tal capítulo ainda demonstra a relação existente entre a
eutanásia e a Medicina, ciência esta intimamente ligada com a matéria abordada.
Não obstante, tal sub-capítulo relata o comportamento médico adotado em relação
aos seus pacientes quando os mesmos encontram-se em estado terminal ou por
estarem à beira de terem suas vidas ceifadas por uma doença incurável.
Em um segundo momento, é necessário demonstrar os aspectos jurídicos
relevantes no tocante à aplicabilidade da eutanásia. Inicialmente, tal capítulo aborda
a indissociabilidade da idéia de se abordar um tema que trata da concessão de uma
morte suave a um indivíduo que padece de um mal incurável ou terminal e não tratar
especificamente do bem jurídico mais importante que é a vida. Tal bem foi analisado
sob o prisma da Carta Magna, demonstrando sua relevância jurídica frente aos
demais bens e sua intrísica relação com o tema abordado.
Não obstante, necessário se faz abordar o instituto, objeto dessa pesquisa,
sob o aspecto penal, analisando o mesmo dentro do Estatuto Repressivo Brasileiro
atual e seus principais efeitos, além dos requisitos ensejadores à tipificação do delito
ora tratado.
Ademais, tendo em vista que o Anteprojeto do Código Penal de 1.999 que
busca a reforma da Parte Especial do Estatuto Repressivo Brasileiro, traz, em seu
bojo, os institutos objetos dessa pesquisa, é importante salientar a importância de
sua abordagem, pois o mesmo é fruto de muitas discussões, tendo em vista que traz
modificações importantes no tocante à matéria, determinando a exclusão da ilicitude
no tocante à ortotanásia e o abrandamento da pena no que se refere à eutanásia.
2 EUTANÁSIA: CONSIDERAÇÕES GERAIS
2.1 EUTANÁSIA: CONCEITO E CLASSIFICAÇÕES
Na acepção da palavra, eutanásia quer dizer boa morte. A eutanásia pode
ser conceituada, segundo Gisele Mendes de Carvalho, como
[...] dar a morte a uma pessoa dotada de uma enfermidade incurável ou de
um estado de invalidez permanente, com o objetivo de lhe diminuir o
sofrimento, estando munido o sujeito ativo praticante do delito, de um
móvel piedoso.1
Contudo existem alguns conceitos expostos pelo Professor Hélio Gomes.
São eles:
MORSELLI: “É aquela morte que alguém dá a outrem que sofre de uma
enfermidade incurável, a seu próprio requerimento, para abreviar agonia
muito grande e dolorosa”.
PINAM: “É o ato pelo qual uma pessoa põe termo à vida de outra que sofre
de uma enfermidade incurável, ou então, a aleijados padecendo de dores
cruéis, atendendo às suas solicitações reiteradas, levada puramente pelo
espírito de piedade e humanidade”.
RICARDO ROYO-VILANOVA Y MORALES: “É a morte doce e tranqüila
sem dores físicas nem torturas morais, que podem sobrevir de um modo
nas idades mais avançadas da vida, surgir de modo sobrenatural como
graça divina, ser sugerida por uma exaltação das virtudes estóicas, ou ser
provocada artificialmente, já por motivos eugênicos ou com fins
terapêuticos, para suprimir ou abreviar uma inevitável dor, larga e dolorosa
agonia, mas sempre com prévio consentimento do paciente ou prévia
regulamentação legal”.
LUIZ JIMENEZ DE ASÚA, em sua obra intitulada “Liberdade de Amar e
Direito de Morrer, definiu eutanásia como ‘a morte que alguém proporciona
1
CARVALHO, Gisele Mendes de. Aspectos Jurídicos Penais da Eutanásia. São Paulo: IBCCRIM,
2001, p. 74.
a uma pessoa que padece de uma enfermidade incurável ou muito penosa,
e a morte que tende a extinguir agonia demasiado cruel e prolongada’”.2
2.2 CLASSIFICAÇÕES
A eutanásia possui diversas classificações explicitadas pela doutrina que já
se tornaram comuns em sede de análise sobre a matéria tratada. Dentre elas as
mais importantes são:
-
Eutanásia natural: consiste na morte do paciente sem padecimento,
sem agonia.
-
Eutanásia provocada: consiste na utilização de meios artificiais para
abreviar o sofrimento passado, tanto pelo enfermo, quanto pelos
parentes.
-
Eutanásia Solutiva: consiste no auxílio à “boa morte”, através da
utilização de meios terapêuticos, que diminuam o sofrimento, mas não
lhe diminuam a vida.
-
Eutanásia resolutiva: consiste no auxílio à “boa morte”, utilizando-se de
meios para diminuir a vida do enfermo.
A eutanásia resolutiva se divide em:
-
Eutanásia libertadora: consiste na prática da eutanásia pelo sujeito
ativo que está munido de um móvel piedoso, visando diminuir o
sofrimento da vítima que se encontra em estado terminal, ou sendo
portador de um mal irreversível.
2
GOMES, Prof. Hélio. Medicina Legal. Rio de Janeiro: Freire Bastos, 31ª ed., 1994, p. 381.
-
Eutanásia eugênica: consiste em interromper o curso vital do indivíduo
que possua problemas físico-psíquicos, evitando que o mal de que
sofre se propague para outras gerações, buscando-se um ideal de raça
humana. Um dos maiores exemplos a serem citados com relação à
prática da eutanásia eugênica, é o de Hitler, que buscava a qualquer
custo a formação de uma raça pura, declarando a superioridade da
raça ariana e a eliminação de outras raças, como por exemplo, dos
judeus.
-
Eutanásia econômica: consiste em extinguir a vida de pessoas que são
portadoras de deficiências, bem como, de aposentados que não irão
gerar nenhuma espécie de lucro, mas sim, de gastos. Esse caso de
eutanásia é passível da demonstração de um exemplo condizente com
a realidade da sociedade em que vivemos. Como já dito anteriormente,
o Governo através da adoção de um política voltada para a saúde que
busca a não-utilização de UTIs por pacientes que são portadores de
doenças atestadas incuráveis ou em estado terminal, está camuflando
a prática desta modalidade de eutanásia, pois insistir no tratamento
desses pacientes seria um fardo para o Estado.
A eutanásia ainda pode ser:
-
Eutanásia ativa: consiste em gerar ao indivíduo a boa morte, para que
lhe seja diminuído o seu sofrimento. A eutanásia ativa se divide ainda
em:
A) Eutanásia ativa direta: visa o encurtamento da vida do
paciente.
B) Eutanásia ativa indireta: visa primeiramente, diminuir o
sofrimento do indivíduo, tendo como conseqüência desta, a
diminuição da vida do paciente.
-
Eutanásia passiva: consiste em não se utilizar de tratamentos médicos
que poderiam prolongar a vida do enfermo.
Em oposição à eutanásia, existe a Distanásia, que consiste em prolongar a
vida do indivíduo, através de recursos médicos, já que a enfermidade desse
paciente é incurável, não possuindo mais perspectivas de reversibilidade.
Para se prolongar a vida do paciente é possível se utilizar de dois meios:
A)
Meios ordinários: são os meios obrigatórios que devem ser
utilizados pelos médicos para tentar salvar a vida do paciente.
São os meios mais utilizados, pois os seus custos não são tão
altos quanto os custos dos meios extraordinários.
B)
Meios extraordinários: são os meios facultativos que podem ser
utilizados para se prolongar a vida do paciente, contudo, esses
são mais custosos e cuja aplicação sempre possui um caráter
mais agressivo.
Ademais, existe ainda, a Ortotanásia ou Eutanásia por omissão, que
consiste na não utilização ou na interrupção dos métodos médicos que estão sendo
utilizados para o tratamento do indivíduo, para que o paciente seja levado à morte
sem que lhe cause sofrimento. Tal prática é detentora de um exemplo atual, qual
seja: a da cidadã norte-americana Terry Schiavo que teve seus aparelhos
desligados, bem como seu tratamento interrompido, o que causou, em conseqüência
de tal conduta, o óbito da mesma em poucos dias.
Existem ainda, outras espécies de eutanásia, sendo elas:
-
Eutanásia Criminal: consiste na eliminação dos indivíduos sociais
considerados altamente perigosos. Esse tipo de eutanásia foi muito
utilizada na época das guerras colonizadoras, onde os presos
enfermos de alta periculosidade eram mortos.
-
Eutanásia Experimental: é a que se caracteriza em nome do progresso
científico, ou seja, a vida humana tida como cobaia em prol da
humanidade.
-
Eutanásia Suicídio: é aquela em que o próprio paciente é o autor, ou
seja, ele se torna o executante da sua morte. Esse tipo consagra o
Suicídio Assistido.
-
Eutanásia Teológica: é a chamada morte em estado de graça.
-
Eutanásia Estóica: era a morte obtida com a exaltação das virtudes do
estoicismo.
2.3 HISTÓRICO DA EUTANÁSIA
A prática da eutanásia não é recente, não havendo uma marca precisa do
início de sua aplicabilidade, sendo que foi muito utilizada pelas civilizações de
épocas remotas, como por exemplo, em tribos e grupos selvagens, os quais
matavam seus idosos doentes e guerreiros feridos em combates. Como é cediço a
prática da eutanásia é tão antiga quanto a vida em sociedade, pois existem
inúmeros testemunhos que demonstram a prática de tal conduta em épocas
pretéritas.
De acordo com Ricardo Barbosa Alves, a própria Bíblia Sagrada, traz em
seu bojo, no Primeiro Livro de Samuel, um caso da prática da eutanásia. Explicita o
referido trecho:
Neste meio tempo os filisteus estavam em guerra com Israel. Os israelitas
fugiram diante dos filisteus e, feridos de morte, caíram na montanha de
Gelboé. Os filisteus perseguiram de perto a Saul e seus filhos,
massacrando Jônatas, Abinadab e Melsequisua, filhos de Saul, Então, se
travou uma peleja encarniçada em torno de Saul, e os flecheiros o
atingiram com as flechas. Ferido mortalmente pelos flecheiros, ordenou
Saul ao escudeiro: “Desembainha a espada e me traspassem com ela! Não
venham esses incircuncisos e me traspassem, abusando de mim!. Mas o
escudeiro não quis saber, porque ele tinha muito receio. Então Saul tomou
a espada e precipitou-se sobre ela. Quando o escudeiro viu que Saul
estava morto, também ele se precipitou sobre a espada e morreu ao lado
dele. Portanto, nesse dia morreram Saul e seus três filhos, o escudeiro,
bem como todos os seus homens.3
O doutrinador ALVES ao citar Platão, demonstra que o mesmo, em sua obra
República, já externalizou a admissibilidade da prática da eutanásia, tendo em vista
que a sociedade deveria eliminar os membros enfermos. Esclarece o filósofo em um
trecho de sua obra:
Portanto, estabelecerás na cidade médicos e juízes da espécie que
dissemos, que hão de tratar, dentre os cidadãos, os que foram bem
constituídos de corpo e de alma, deixarão morrer os que fisicamente não
3
ALVES, Roberto Barbosa. Eutanásia , bioética e vidas sucessivas. Sorocaba: Brazilian Books, 2001,
p. 39.
estiverem em condições, e mandarão matar os que forem mal conformados
e incuráveis espiritualmente.4
De acordo com o doutrinador supracitado, o filósofo grego Aristóteles não
fugiu à regra, admitindo a prática da eutanásia, assim como pensavam os demais
filósofos gregos, pois prezava que matar indivíduos recém-nascidos com
deformidades seria um benefício para a sociedade.
Um exemplo clássico da prática da eutanásia em civilizações remotas faz
alusão à civilização espartana. Essa civilização atirava do cume de uma montanha
pessoas defeituosas, crianças pobres e raquíticas que não pudessem se firmar
como grandes guerreiros, pois não tinham mais utilidade para o Estado.
Outro exemplo a ser citado é o da civilização grega, no qual os médicos
eram procurados por pessoas portadoras de males incuráveis, para poderem se
aliviar da dor que sofriam, através da antecipação de sua morte.
Na Idade Média os cristos tinham a idéia de matar por compaixão como
repugnante, pois diziam que a dor provinha da vontade de Deus, e que se
acabassem com esta, seria atentar contra a vontade do Criador. Nessa mesma
época ocorreram inúmeras epidemias e pestes, sendo a eutanásia vista como uma
solução para o não alastramento das doenças que acabavam com populações
inteiras, tudo isso devido à grande miséria em que se encontrava o povo durante o
período de decadência do feudalismo.
São Tomás de Aquino também se apresentava totalmente contrário à idéia
de práticas eutanásicas, pois dizia serem estas, atentados contra a própria vida,
pessoa e principalmente a Deus.
4
PLATÃO apud ALVES, idem,p. 38.
Na Idade Moderna e Contemporânea é necessário fazer alusão ao pedido
feito por Napoleão ao cirurgião Degenettes, de matar com ópio soldados atacados
por doenças, posto que este negou a prática de tal ato, pois dizia que era médico
para curar pessoas de males e não para matá-las em decorrências destas, devido o
seu sofrimento.
Na Índia, os doentes incuráveis eram levados até o rio Ganges, onde eram
asfixiados, pois, suas narinas e bocas eram tampadas com barro, sendo estes,
posteriormente, abandonados no leito no rio supracitado.
Quando falamos em eutanásia, é impossível não fazermos referência à
carnificina realizada pelo Terceiro Reich. Como é cediço, a Alemanha nazista
efetuou a eliminação de várias raças, dentre elas os judeus, possuindo como
argumento a busca de uma raça pura. Tal conduta trouxe à baila o conceito de
eugenia e, posteriormente, o conceito de eutanásia eugênica ou selecionadora.
No Brasil, pode-se encontrar vestígios de eutanásia em algumas tribos, as
quais deixavam os idosos que não participavam mais de festas, caças e demais
atividades, morrerem, pois acreditavam que as pessoas que não podiam mais
participar destas atividades não teriam mais estímulo para a vida, perdendo esta
todo o seu significado. Diante disso, a morte viria como uma benção.
2.4 EUTANÁSIA NO DIREITO COMPARADO
As discussões sobre as práticas eutanásicas têm sido freqüentes, não
somente em nosso país, com o advento do Anteprojeto do Código Penal de 1.999,
como também em outros países que buscam um caminho para a sua legalização.
O primeiro exemplo a ser dado em relação à legalização da eutanásia faz
alusão à civilização holandesa, pois como foi disposto anteriormente, esta
civilização, por meio de seu Parlamento, legalizou a eutanásia no referido país.
Outros países também estão buscando a legalização da eutanásia, como os
Estados Unidos, que tentaram, no Estado da Califórnia, a inclusão do homicídio
eutanásico em seu Código Penal.
Em 1.924, o Peru legalizou o homicídio piedoso, copiando o Código Penal
Suíço de 1.918, tratando de matéria similar ao projeto Tcheco-Eslovaco de 1.921.
Conforme assevera ALVES, o Código Penal Uruguaio reconhece a
faculdade de aplicar a pena ao sujeito ativo de delito, desde que o mesmo possua
bons antecedentes e esteja imbuído por piedade ao praticar a conduta criminosa.5
A jurisprudência japonesa vem acatando a prática da eutanásia. No entanto,
demonstra-se medida de rigor a observância de alguns requisitos, tais como: que se
trate de um paciente terminal, cuja morte seja eminente; que existam padecimentos
graves; que a intenção seja a de levar ao paciente alívio ante o sofrimento vivido
pelo mesmo; a morte deve ser efetivada por um médico e que sejam utilizados
métodos ética e esteticamente aceitáveis.
Os Estatutos Repressivos de vários países, como por exemplo, da
Alemanha, Portugal e Itália, reconhecem uma atenuante para o homicídio
eutanásico cometido com o consentimento do enfermo.
O Código Penal Italiano prevê a pena de seis a quinze anos de reclusão
para a morte com o consentimento da vítima. Outrossim, na Alemanha, é cominada
pena não inferior a três anos para o sujeito ativo que praticar a eutanásia, com a
expressa petição da vítima.
5
ALVES, Op. Cit., p. 46.
Ademais, o sistema penal espanhol prevê redução de pena quando o
agente auxilia na morte da vítima a pedido desta, desde que o pedido seja sério e
desprovido de qualquer equívoco.
Conforme já dito anteriormente, os Estados Unidos já tentaram a
legalização de tal conduta. Ocorre que em tal nação vários são os casos de
eutanásia relatados. Um dos casos mais conhecidos da prática da eutanásia diz
respeito ao médico aposentando Jack Kevorkian, que alegou ter auxiliado cerca de
130 pacientes a alcançarem a “boa morte”.
Outro caso recente, que ocorreu nos Estados Unidos foi o de Terry Schiavo.
Tal paciente sofria de uma patologia incurável e irreversível. O cônjuge de Terry,
alegando estar imbuído de móvel piedoso, efetuou o pedido de paralisação do
tratamento efetuado, bem como a cessação de fornecimento de alimentação à
paciente, o que faria com que a mesma alcançasse o óbito durante pouco dias,
falecendo, desta maneira, por inanição.
O cônjuge de Terry foi contestado pela família da paciente, que pleiteava
levar para si a responsabilidade do tratamento da mesma. No entanto, depois de
várias tentativas da família de Terry de obstar tal acontecimento, a Suprema Corte
norte americana, julgou procedente o pedido do cônjuge de Terry, para que
cessasse o tratamento à paciente e não mais se fornecesse alimentação à mesma.
Assim, em poucos dias, a paciente supracitada entrou em óbito, tornando
claro e visível um caso de eutanásia. Grupos religiosos de todo o mundo
manifestaram-se contrariamente a tal procedimento, mas, no entanto, a conduta foi
perpetrada.
Diante de tais acontecimentos, e com a evolução das legislações penais dos
países, demonstra-se claro a intenção de se legalizar a prática da eutanásia. Tal
fato, não obstante, se estende também à nossa nação com o anteprojeto do Código
Penal de 1.999. Tal anteprojeto ora exclui a ilicitude de determinada modalidade de
eutanásia, ora abranda a pena aplicável. Diante disso, demonstra-se como
tendência mundial a busca pela a legalização da prática desse instituto, mesmo
sendo tão debatido por grupo religiosos e éticos.
2.5 EUTANÁSIA E MEDICINA
São procedimentos dos médicos quando se deparam com um paciente em
estado de morte iminente ou de um mal irreversível:
a) Apressar a morte. Aqui ocorre o caso da eutanásia ativa, que acaba por
configurar crime, de acordo com os elementos constantes do tipo;
b) Deixar de utilizar os meios artificiais e adotar as medidas que aliviem o
sofrimento do enfermo. É a chamada eutanásia passiva;
c) Desligar o aparelho de respiração artificial. O indivíduo, tendo apenas a morte
cerebral, não precisa de máquina para mantê-lo vivo, pois este respira por si
mesmo;
d) Usar os meios artificiais, logo após à morte cerebral, para manter os órgãos
vivos, par aproveitá-los para transplantes.
O médico, a partir do momento em que passa a cuidar do paciente tem o
dever de tentar restaurar-lhe a saúde, para que viva com dignidade, e não, buscar
diminuí-la face a existência de alguns males, tidos como incuráveis para a nossa
sociedade atual, mas não, em relação a uma sociedade mais avançada, pois do
modo que a Medicina evolui, logo teremos curas para doenças que sequer
imaginávamos que alcançaríamos.
Em seu juramento, os médicos demonstram a intenção de preservar a vida
a todo custo, buscando a cura de males incuráveis, jamais tendo a intenção de pôr
fim a vida de um paciente. Fica clara essa situação com a análise do trecho
seguinte:
Seguirei o método terapêutico que, segundo a minha capacidade e recto
entender, considere o melhor para o bem do meu paciente, e abster-me-ei
de toda a ação ou omissão, com intenção direta e deliberada de pôr fim a
uma vida humana. Terei o máximo respeito por toda a vida humana [...]6.
Portanto, os médicos têm o dever de cuidar de seus pacientes da melhor
maneira possível, buscando o total restabelecimento do indivíduo, sendo este
preceito, inclusive, disposto no referido juramento.
Para os médicos, a prática tanto da eutanásia como da ortotanásia poderia
ser considerado como um homicídio, se presentes os elementos caracterizadores,
ou mesmo, um auxílio ao suicídio. Além disso, os médicos quando contrariam o seu
juramento estão afrontando o seu Código de Ética.
A relação médico-paciente possui alguns pontos incontroversos, que geram
discussões sobre o prisma ético. Talvez o maior deles seja a comunicação ao
paciente do diagnóstico sobre a enfermidade a que se encontra submetido.
Muitos sustentam que o paciente deve ser informado de todos os
acontecimentos sobre sua enfermidade, inclusive sobre o eventual risco de morte ou
incurabilidade da doença.
Destarte, outra corrente sustenta que não se deve revelar ao enfermo o
diagnóstico de sua enfermidade, pois, muitas vezes com tal notícia, o estado clínico
6
Trecho do juramento médico cedido pela aluna do curso de Medicina da Universidade de Marília,
Grasielle Christiane Furtado.
do paciente pode se alterar e muitas vezes ocasionar distúrbios psicológicos que
ensejarão a aceleração do mal em que padece.
Essa corrente possui um estilo protecionista, buscando proteger o enfermo
de informações que porventura possam causar pânico ao mesmo.
Noutro ponto, ALVES ao citar ELISABETH KÜBLER-ROSS, apresenta uma
corrente intermediária que busca dirimir o conflito existente entre as correntes
anteriores.
Tal corrente se pauta no fato de que o paciente deve ser informado do
diagnóstico de sua enfermidade, sendo que ao médico jamais caberá informá-lo
sobre a eventual iminência de morte em que se encontra ou incurabilidade de sua
enfermidade.
A corrente em questão demonstra a necessidade de manter acesa a
esperança de cura ao paciente, pois o estado psicológico do paciente influi
consideravelmente no seu tratamento.
Como assevera ALVES ao citar a doutrinadora supracitada, “todos os
pacientes conservam uma porta aberta à possibilidade de continuarem vivendo e
nenhum deles sustentou o tempo todo que não deseja mais viver”.7
Tal assertiva apresenta-se como um das críticas realizadas a um dos
critérios ensejadores da prática da eutanásia. A crítica realizada ocorre com relação
ao consentimento do enfermo, que deverá externalizar a vontade de que se pratique
a conduta tipica contra si. Assim, tal consentimento suscita algumas indagações, tais
como: será possível considerar o consentimento de um enfermo que está
padecendo de uma enfermidade, muitas vezes incurável ou em estado terminal?
7
ALVES, op. cit., p. 368.
Ocorre que, via de regra, os enfermos somente suplicam para que seja
dada a “boa morte” a si quando estão imbuídos de dores profundas, ensejadoras de
sofrimentos muitas vezes insuportáveis.
No entanto, se tal sofrimento for aliviado, tanto em razão do sucesso do
tratamento, como em razão de um medicamento que faça cessar tal estado, o
paciente, com certeza, não efetuará tal pedido, bem como não consentirá para que
outra pessoa o faça.
Assim, a relação médico-paciente demonstra grande complexidade, tanto no
tocante ao prisma ético, jurídico e humanista.
3 ASPECTOS JURÍDICOS DA EUTANÁSIA
3.1 O BEM JURÍDICO VIDA NA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA
DO BRASIL DE 1.988.
Explicita o caput do artigo 5º da Constituição da República Federativa do
Brasil de 1.988:
Art.5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e estrangeiros residentes no país, a
inviolabilidade do direito à vida, liberdade, igualdade, segurança e
propriedade. (Grifo Nosso).
A vida é expressa no artigo 5º da Constituição, como bem jurídico inviolável,
sendo também considerado indisponível e inalienável, ou seja, o indivíduo não pode
violar, dispor ou alienar a sua vida ou a vida de outrem. É o bem jurídico mais
importante tutelado pela Constituição, pois na falta deste, não será possível o
exercício dos demais bens jurídicos expostos no caput do artigo supracitado.
Mesmo a vida sendo o mais importante dos bens jurídicos que o homem
dispõe, ela não possui caráter absoluto. A vida possui caráter relativo em função da
pena de morte, expressa no artigo 5º, XLVII, “a” da Constituição, além de outras
hipóteses constantes no próprio Código Penal, como o estado de necessidade, a
legítima defesa, dentre outros.
A Constituição ao tutelar o direito à vida, impõe ao Estado o dever de
assegurá-la, tanto no que diz respeito ao direito de continuar vivendo, como no que
diz respeito à sua subsistência, pois é seu dever assegurar ao cidadão, o direito à
saúde, educação e outros demais que são de extrema importância para uma vida
digna.
Desta forma, são impostos ao Estado três deveres constitucionais
principais. São eles:
a) O dever de respeitar a vida humana como objetivo de todos e de cada um dos
cidadãos;
b) O dever de proteger o direito a vida humana no âmbito das funções exercidas
pelo Estado;
c) Consiste no direito que o Estado tem de punir os indivíduos que atentem
contra a vida, respondendo, conseqüentemente, pelos atos praticados.
É importante salientar o artigo 5º da Constituição traz, em seu bojo, os
direitos e garantias individuais do cidadão.8 A doutrina realiza uma diferenciação
entre os direitos e as garantias constitucionalmente tuteladas pelo artigo
8
No caso em tela, entende-se cidadão, aquele detentor de direitos políticos, sociais e civis,
diferentemente do que ocorria em épocas pretéritas, em que somente alcançaria tal condição a
pessoa dotada de direitos políticos.
supracitado. De acordo com MORAES ao citar RUI BARBOSA9, esclarece que há
necessidade de realizar a bipartição dessas normas em duas categorias, quais
sejam: declaratórias e assecuratórias. As normas declaratórias são aquelas que
instituem os direitos, ao passo que as assecuratórias, visam proteger os direitos, ora
criados. Logo, as garantias, presentes no corpo do artigo 5º da Carta Magna
possuem caráter instrumental em relação ao Direito Material criado pelas normas
declaratórias.
Noutro ponto, é importante destacar que o artigo 5º da Constituição é
considerado como cláusula pétrea, em razão do disposto no artigo 60, § 4º, inciso
IV, do mesmo diploma legal. Dispõe o referido artigo:
Art. 60- [...]
§ 4º- Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a
abolir:
IV- os direitos e garantias individuais.
Deste modo, de acordo com o artigo supracitado, o artigo 5º, que traz, em
seu bojo, os direitos e garantias individuais do cidadão, não poderá ser abolido por
emenda constitucional, já que tal matéria é integrante das matérias caracterizadas
como sendo o núcleo intangível da Constituição.
Assim, de acordo com o artigo com o caput do artigo 5º da Constituição e
pelo fato de ser a vida o bem jurídico mais importante da pessoa humana, a prática
da eutanásia ou de qualquer das suas modalidades apresenta total discordância
com o conteúdo da Carta Magna.
No entanto, há existência de uma corrente no Direito Brasileiro, embasada
no Direito Alternativo, que garante a aplicação dos institutos supracitados em face
9
BARBOSA, Rui apud MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. São Paulo: Atlas, 2.002.
da observância do princípio da dignidade da pessoa humana, estampado no artigo
1º, inciso III, da Constituição da República Federativa do Brasil.
Explicita o referido artigo:
Art. 1º - A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel
dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado
Democrático de Direito e tem como fundamento:
III- a dignidade da pessoa humana.
Tal posicionamento se abaliza no fato de que ao indivíduo que padece de
uma doença terminal ou incurável deve ser aplicada a eutanásia, para que, desta
maneira, tenha um término de vida digno, sem sofrimento.
Destarte, tal corrente é muito contestada, pois é impossível falarmos em
dignidade da pessoa humana sem anteriormente fazermos menção ao bem jurídico
vida, já que este é pressuposto para o exercício de todos os demais bens jurídicos
existentes.
Logo, tal teoria não é passível de aplicabilidade nos casos de eutanásia ou
de qualquer de sua modalidade, pois se tal teoria fosse abarcada e a prática de tal
conduta fosse legalizada, teríamos a legalização de um homicídio.
3.2 EUTANÁSIA NO CÓDIGO PENAL ATUAL
A eutanásia não se encontra tipificada no Código Penal atual, sendo
necessário fazer a sua adequação à outro tipo penal. O homicídio eutanásico se
adequa ao artigo 121, § 1º do CP, que trata do homicídio privilegiado, pois não há
nenhum tipo penal que seja específico quanto à matéria. Diz o artigo supracitado:
Art. 121 – [...]
§ 1º - Se o agente agiu impelido por motivo de relevante valor social ou
moral, sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta
provocação da vítima, o juiz poderá reduzir a pena de um sexto a um terço.
Logo, atualmente, se houver a prática de um homicídio eutanásico, o
mesmo deverá ser tipificado como homicídio privilegiado, em razão do relevante
valor moral pelo qual o agente agiu. O motivo de relevante valor moral é aquele
atinente ao interesse do particular, diferentemente do relevante valor social que diz
respeito ao interesse público.
No entanto, para a configuração de tal evento criminoso há necessidade da
presença de alguns requisitos presentes no tipo penal supracitado, quais sejam:
a) emoção violenta;
b) injusta provocação da vítima;
c) sucessão imediata entre a provocação e a reação: É necessário que o agente
cometa o crime logo após à provocação, pois, se cometer muito tempo depois, o
homicídio não mais será privilegiado.
Essa adequação somente se dará quando a eutanásia possuir os elementos
que a caracterizem como homicídio, pois poderá também ser considerada, como um
suicídio assistido, encontrando, desta forma, tipificação no artigo 122 do Código
Penal.
Para que tenhamos o homicídio eutanásico são necessários alguns
elementos, já que o seu conceito expressa a morte dada a um indivíduo portador de
uma enfermidade incurável e irreversível perante as técnicas da medicina atual,
estando o sujeito ativo praticante da eutanásia movido por um sentimento de
piedade, frente ao sofrimento enfrentado pelo enfermo.
São os elementos do homicídio eutanásico:
Critério de incurabilidade: para que se tenha o homicídio eutanásico
A)
é necessário que o enfermo seja portador de uma doença incurável,
sendo que todos os tratamentos possíveis se esgotaram frente ao
quadro clínico de irreversibilidade da doença.
Móvel humanitário: no homicídio eutanásico o sujeito ativo deve
B)
estar movido por um sentimento de piedade em relação ao enfermo,
pois, quer praticar a eutanásia para amenizar o sofrimento vivido.
Consentimento do enfermo: é necessário o consentimento do
C)
enfermo, pois neste, se expressa a concordância entre as partes
para
a
realização
do
homicídio
eutanásico.
No
caso
da
impossibilidade do enfermo expressar o seu consentimento, caberá
aos seus descendentes, ascendentes ou cônjuge fazê-lo. Esse
elemento traz de imediato algumas críticas:
-
Pode o consentimento dos descendentes, ascendentes ou do cônjuge
do enfermo substituírem o seu próprio consentimento?
-
Pode levar-se em conta o consentimento de um paciente que se
encontra sofrendo de uma doença incurável e em estado terminal?
Tais críticas, como já dito anteriormente, remontam ao estado clínico em
que se encontra o paciente. É comum no caso de um paciente que sofre de um
sofrimento insuportável, pleitear a outrem que seja aplicada contra si a “boa morte”
ou suplicar para que lhe seja retirada a vida, para que não continue sofrendo.
O problema ocorre no exato momento em que o sofrimento cessa,
independentemente dos motivos que lhe deram causa. Indubitavelmente, tal
paciente que inicialmente suplicava pela morte, não mais desejará tal resultado para
si, pois não está sendo mais vítima do sofrimento que lhe impulsionou a realizar tal
conduta.
Assim, não é possível levar em conta o consentimento de um indivíduo que
se encontra no estado terminal de uma enfermidade, ou padece de um mal
incurável. Noutro ponto, não há também que se cogitar sobre o consentimento de
outras pessoas dispostas pela lei, com o fim de efetuarem o mesmo, em razão de
sua impossibilidade do enfermo em expressá-lo.
Tal fato se justifica em razão de que não é possível apontar com clareza se
o enfermo externaria seu consentimento caso não estivesse impossibilitado para tal.
Indubitavelmente, pode ocorrer discordância entre a manifestação da vontade dos
legitimados para expressar o consentimento e a vontade do paciente, motivo
ensejador da impossibilidade de tal prática.
Outro problema grave surge no tocante à possibilidade expressa pela lei de
outros indivíduos serem legitimados para a expressar o consentimento para a prática
da eutanásia. Tal fato pode justificar a prática de homicídios qualificados, como, por
exemplo, praticados por motivo torpe, no caso de prática da conduta tipificada para
que possa dar guarida ao tráfico de órgãos.
Por derradeiro, há que se vislumbrar a oportunidade da ocorrência do
instituto
do
homicídio
qualificado-privilegiado.
Tal
fato
ocorre
quando
há
manifestação de qualificadoras de natureza objetiva no crime de homicídio
eutanásico praticado. A conseqüência jurídica trazida em razão de tal modalidade de
homicídio é a perda do caráter de hediondez do delito.
3.3 EUTANÁSIA NO ANTEPROJETO DO CÓDIGO PENAL DE 1.999
Do mesmo modo que em 1.984, a Parte Geral do Código Penal foi fruto de
alterações, um anteprojeto que tramita pelo Congresso Nacional tem por objetivo
reformar a parte especial do Estatuto Repressivo Brasileiro.
O anteprojeto supracitado foi elaborado por uma Comissão nomeada pelo
ministro Iris Rezende, tendo sido entregue pela mesma em 08 de abril de 1.999 ao
ministro da Justiça da época, Renan Calheiros, para que fosse submetida ao crivo
do Congresso Nacional, por onde encontra-se em tramitação até a presente data.
Tal anteprojeto aborda vários problemas atuais, ensejadores de discussões
sob o prisma ético e o jurídico, tais como a eutanásia e o aborto.
O Anteprojeto do Código Penal de 1.999, que tramita pelo Congresso
Nacional, trata da eutanásia e da ortotanásia, em seu artigo 121, §§ 3º e 4º,
respectivamente. Dispõe o Anteprojeto:
Art. 121 – [...]
§ 3º - Se o autor do crime é cônjuge, companheiro, ascendente ou
descendente, irmão ou pessoa ligada por estreitos laços de afeição à
vítima, e agiu por compaixão a pedido desta, imputável e maior de dezoito
anos, para abreviar-lhe o sofrimento físico insuportável, em razão de
doença grave e em estado terminal, devidamente diagnosticados. Pena –
reclusão de 2 a 5 anos.
Art. 121 - [...]
§ 4º- Não constitui crime deixar de manter a vida de alguém por meio
artificial se previamente atestado por dois médicos, a morte como iminente
e inevitável, e desde que, haja o consentimento do paciente, ou na sua
imposibilidade, do cônjuge, companheiro, ascendente ou irmão. –
EXCLUSÃO DA ILICITUDE.
Alguns doutrinadores afirmam que a diminuição da pena na eutanásia e a
exclusão da ilicitude na ortotanásia pelo Anteprojeto, são somente um caminho para
a legalização da eutanásia em nosso país. Mas essa questão é muito complexa,
pois envolve muitos interesses, posicionamentos, questões religiosas, éticas,
morais.
Um dos problemas suscitados com o advento do Anteprojeto do Código
Penal de 1999 é a possibilidade da ocorrência de crimes estruturados em motivos
torpes e fúteis, se aproveitando da diminuição da pena nos casos de eutanásia, e da
exclusão da ilicitude nos casos de ortotanásia.
Como é possível se perceber, a pena imposta às práticas eutanásicas, no
Anteprojeto, varia de 2 a 5 anos, notadamente inferior à do homicídio simples, que
varia de 6 a 20 anos.
Com a diminuição da pena inerente à eutanásia e a exclusão da ilicitude no
que tange à ortotanásia, pode-se fazer constante a prática de crimes, como por
exemplo, o tráfico de órgãos. Além disso, poderia a morte do paciente ser
estruturada através da eutanásia ou da ortotanásia, para a antecipação do
recebimento de uma herança.
Como é possível perceber, o anteprojeto supracitado traz à baila a
tendência mundial de legalização da eutanásia.
3.4 EUTANÁSIA SOB O CRIVO DE ALGUNS INSTITUTOS PENAIS RELEVANTES
PRESENTES NO ESTATUTO REPRESSIVO BRASILEIRO
Outro ponto a ser tratado no presente trabalho é a aplicação de alguns
importantes institutos penais presentes na Parte Geral do Código Penal ao instituto
da eutanásia, presente no § 3º do artigo 121, do Anteprojeto do Código Penal de
1.999. Tal imputação não será realizada com relação ao instituto da ortotanásia,
tendo em vista a inconstitucionalidade do § 4º do artigo 121, do referido anteprojeto,
posto que contraria o caput do artigo 5º da Carta Magna, ensejando a presença do
vício material de constitucionalidade.
Desta forma, necessário se faz a imputação dos principais institutos penais
a tal figura criminosa, disposta no anteprojeto supracitado. Tal correlação se mostra
de suma relevância, para que possamos demonstrar os principais efeitos jurídicos
que afetam tal instituto.
Neste passo, os principais institutos passam a ser tratados abaixo.
De acordo com o Anteprojeto do Código Penal de 1.999, a eutanásia é um
crime comissivo, ou seja, um crime cometido mediante uma ação ou um ato positivo
do agente, sendo este punido de maneira mais branda que o homicídio simples,
conforme preceitua o caput do artigo 121 do Código Penal.
Para que a eutanásia se concretize, é necessária a presença dos elementos
constantes no § 3º do artigo 121 do Anteprojeto, sendo que na ausência de um dos
elementos do tipo, esse crime poderá ser tipificado como homicídio simples,
qualificado ou privilegiado.
Quando falamos em ortotanásia, disposto no § 4º do artigo 121 do
Anteprojeto, temos preliminarmente, a idéia de tratar-se de crime comissivo por
omissão, em que o médico, pelo seu comportamento anterior, ou seja, quando
recebem o paciente para tratar-lhe, teria assumido a responsabilidade de impedir um
resultado extremo, a morte.
No entanto, ao analisarmos mais precisamente, faz suscitar a idéia de que
proposta anteriormente feita não se consolida, pois os médicos, na ortotanásia, não
são necessariamente os sujeitos ativos do delito, cabendo somente a eles, a tarefa
de atestar previamente que o mal sofrido pelo enfermo é iminente e inevitável.
Além de se enquadrar como homicídio, a eutanásia, desde que presentes
os elementos constantes no tipo, poderá ser considerada como auxílio ou instigação
a suicídio, com penas que variam de 2 a 6 anos de reclusão, podendo ser esta
duplicada, se o gesto for por motivo egoísta, de acordo com o artigo 122, parágrafo
único, I do Código Penal.
Na ocorrência do delito, é clara a presença de violência à pessoa, fazendo
com que não se torne possível a substituição da pena privativa de liberdade pela
pena restritiva de direitos, conforme explicita o artigo 44, I do Código Penal, com sua
redação determinada pela lei 9.714/98.
Nesse caso, é possível também a concessão do sursis ao condenado,
desde que este atenda aos elementos do artigo 77 do CP, podendo haver
suspensão da pena por 4 a 6 nos, no caso de condenação não superior a 4 anos,
desde que o condenado seja maior de 70 anos ou sua situação de saúde justifique
essa suspensão.
Diz o artigo 89 da lei 9099/95:
Art. 89 - Nos crimes em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a
1 ano, abrangidas ou não por esta lei, o Ministério Público, ao oferecer a
denúncia, poderá propor a suspensão condicional do processo, por 2 a 4
anos, desde que o acusado não esteja sendo processado ou não tenha
sido condenado por outro crime, presentes os demais requisitos que
autorizariam a suspensão condicional da pena.
De acordo com o artigo supracitado, se a pena mínima for igual ou inferior a
um ano, e atender aos demais requisitos presentes, haverá suspensão condicional
do processo, ao indivíduo condenado por tentativa de eutanásia.
3.5 EUTANÁSIA E DIREITO PROCESSUAL PENAL: PROCEDIMENTO APLICÁVEL
EM CASO DE INFRINGÊNCIA AO TIPO PENAL PREVISTO NO ARTIGO 121, § 3º,
DO ANTEPROJETO DO CÓDIGO PENAL DE 1.999.
A eutanásia ativa, figura estampada no artigo 121, § 3º, do Anteprojeto do
Código Penal de 1.999, está inserida no Capítulo do Código Penal referente aos
crimes contra a vida. Tendo em vista que a conduta externalizada sempre será de
cunho doloso, o procedimento processual aplicável neste caso é o do Júri.
Cabe ressaltar que tal crime sempre será de cunho doloso, em razão da
inexistência de figura culposa referente a tal delito, pois, como é cediço no Direito
Material Repressivo, a figura culposa sempre virá expressamente prevista.
Logo, tendo em vista que o procedimento aplicável a tal crime é do Júri, a
competência para o julgamento será do Tribunal do Juri, conforme dimana do artigo
5º, inciso XXXVIII da Constituição Federal de 1.988.
Tal artigo expressa que são princípios básicos do tribunal supracitado: a
plenitude de defesa, o sigilo das votações, a soberania dos veredictos e a
competência para julgamento de crimes dolosos contra a vida.
Não obstante, ainda cabe ressaltar que a instituição do Juri é considerada
como cláusula pétrea, visto que se encontra disposta no artigo 5º da Constituição.
Tal previsão está alicerçada no artigo 60, § 4º, inciso IV, que dispõe serem imutáveis
quaisquer direitos ou garantias individuais.
Tal procedimento é denominado pela doutrina como bifásico ou escalonado.
A primeira fase, denominada de Sumário de culpa, inicia-se com a apresentação da
denúncia pelo representante do Ministério Público e se encerra com a decisão de
pronúncia, que é considerada como um mero juízo de delibação, no qual o juiz não
se atém à análise do mérito da causa, pois esta cabe somente ao júri popular,
constitucionalmente competente para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida.
A segunda fase deste procedimento, denominada de julgamento em
plenário, inicia-se com a apresentação do libelo-crime acusatório pelo órgão do
parquet e se encerra com o julgamento pelo Tribunal popular em dia designado para
tal.
Tendo em vista a importância de tal procedimento, em razão de
instrumentalizar o Direito Material que tutela o bem jurídico mais importante, dentre
todos os outros existentes, que é a vida, é importante demonstrar todos as passos
que compõe as duas fases que compõe tal procedimento.
Conforme já explicitado, tal procedimento considerado como bifásico ou
escalonado, possui uma marcha de atos processuais que os compõe. Desta forma,
é necessário fazer alusão a tais atos para a compreensão de tal procedimento.
Inicialmente, a primeira fase do procedimento do júri, denominada de
sumário de culpa, é composta pelos seguintes atos processuais:
1- Denúncia;
2- Recebimento da denúncia;
3- Citação do acusado;
4- Interrogatório do acusado;
5- Fixação do prazo para a apresentação da defesa prévia pela defesa;
6- Audiência para oitiva das testemunhas arroladas pela acusação;
7- Audiência para oitiva das testemunhas arroladas pela defesa;
8- Apresentação de alegações finais pelas partes;
9- Decisão de encerramento da judicium acusattionis (Sumário de culpa): após a
apresentação das alegações pelas partes, os autos sobem conclusos ao
magistrado para que sentencie. Nesse momento o magistrado poderá tomar as
seguintes decisões:
-
Prununciar o acusado, submetendo-a julgamento pelo Egrégio Tribunal
do Juri;
-
Impronunciar o acusado;
-
Desclassificar o delito cometido pelo mesmo para infração não dolosa
contra a vida; ou
-
Absolver sumariamente o acusado.
A fase do sumário de culpa, primeira fase do procedimento de júri se
encerra com uma das decisões supracitadas. No entanto, somente será dado
prosseguimento à fase do plenário (2ª Fase) se o acusado for pronunciado pelo juiz
monocrático. Nos demais casos, não há que se cogitar de julgamento em plenário,
visto que o acusado ora foi absolvido, ora teve sua imputação desclassificada.
Nesse passo, a segunda fase deste procedimento denominado de
judicium cause inicia-se com a apresentação do libelo-crime acusatório pelo órgão
ministerial e terá seu termo com o julgamento em plenário.
Desta maneira, os atos pertencentes à segunda fase do procedimento
do júri são:
1- Apresentação do libelo-crime acusatório;
2-Contrariedade do libelo;
3-Julgamento em plenário realizado perante o Conselho de Sentença.
Assim, o sujeito ativo praticante do crime de eutanásia, previsto no
Anteprojeto no Código Penal de 1.999, em seu artigo 121, §3º, se submeterá ao
julgamento pelo Tribunal do Júri, conforme o procedimento supracitado. Isso ocorre
pelo fato de caracterizar-se como um crime doloso contra a vida, o que enseja a
utilização de tal procedimento especial.
3.6 A INCONSTITUCIONALIDADE DAS LEIS OU ATOS NORMATIVOS
Quando
o
assunto
em
questão
é
a
constitucionalidade
ou
a
inconstitucionalidade de uma lei ou ato normativo, é necessário fazer referência à
supremacia da Constituição, à sua rigidez e proteção dos direitos fundamentais.
As leis se encontram em uma hierarquia no qual a Constituição é a lei maior
e nenhuma outra poderá contrariá-la, sob pena de ser considerada inconstitucional.
O controle de constitucionalidade tem tanta ligação com as Constituições rígidas que
no local onde não houver esse tipo de controle, a Constituição será flexível. Por mais
que apontem a rigidez da Constituição, se esta não possuir um controle de
constitucionalidade, será flexível, pois o legislador, desse modo, poderá elaborar
uma norma infraconstitucional que afronte a Carta Magna.
Antes de tratarmos dos requisitos de constitucionalidade, é necessário
esclarecer o significado de Controle de Constitucionalidade. “Controlar a
constitucionalidade significa verificar a adequação de uma lei ou ato normativo com
a Constituição, verificando seus requisitos materiais e formais”. 10
São requisitos da constitucionalidade das espécies normativas:
1-) Requisitos Formais: a inconstitucionalidade formal da lei ou do ato normativo
ocorre quando há o descumprimento ou inobservância das normas constitucionais
atinentes ao processo legislativo, podendo ser este, tanto quanto ao quorum, como à
iniciativa. O doutrinador Alexandre de Moraes, em seu magistério, esclarece que
[...] a inobservância das normas constitucionais de processo legislativo tem
como consequência a inconstitucionalidade formal da lei ou do ato
normativo produzido, possibilitando pelo controle repressivo de
constitucionalidade por parte do Poder Judiciário, tanto pelo método difuso
quanto pelo método concentrado.11
O requisito formal se divide em:
a) Requisito formal subjetivo: ocorre a inconstitucionalidade formal subjetiva quando,
a iniciativa ou a fase introdutória do processo legislativo foi ferida, não sendo a lei
proposta por quem detinha o poder de iniciativa. Ex: Só o Presidente da República
tem iniciativa para a elaboração de uma lei que aumente o efetivo das Forças
Armadas, pois se outro indivíduo o fizer, será inconstitucional.
b) Requisito formal objetivo: ocorrerá esse tipo de inconstitucionalidade quando
houver desrespeito ao trâmite da lei, previsto nos artigos 60 a 69 da Carta Magna.
10
11
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. São Paulo: Atlas, 2002, p. 578.
Id., Ibid., p. 579.
2-) Requisitos Material ou Substancial: ocorre quando o objeto da norma
infraconstitucional ou do ato normativo forem incompatíveis com o disposto na Carta
Magna.
Esses
tipos
de
vícios
de
inconstitucionalidade
não
são
vistos
individualmente, já que podem ocorrer casos de inconstitucionalidade, nos quais
sejam desrespeitados tanto o quorum, quando a iniciativa, como o objeto da lei,
causando, respectivamente, vícios formal objetivo, formal subjetivo e material ou
substancial.
Os vícios de constitucionalidade se apresentam em uma hierarquia de
gravidade:
1-) Vício material + Vício formal subjetivo + Vício formal objetivo
2-) Vício material + Vício formal subjetivo
3-) Vício material + Vício formal objetivo
4-) Vício material
5-) Vício formal subjetivo + Vício formal objetivo
6-) Vício formal subjetivo
7-) Vício formal objetivo
A presente escala apresenta os vícios de consitucionalidade em hierarquia
de gravidade, caracterizando-se o mais grave de todos a afronta conjunta aos
requisitos material e formal, tanto do prisma subjetivo, como objetivo.
3.7 A INCONSTITUCIONALIDADE DO § 4º DO ARTIGO 121 DO ANTEPROJETO
DO CÓDIGO PENAL.
Como já foi visto, a vida na Constituição da República Federativa do Brasil
de 1.988 constitui um direito inviolável, sendo o mais importante dos bens jurídicos
que possuímos. Foi abordado também, o assunto atinente ao § 4º do artigo 121 do
Anteprojeto do Código Penal de 1.999, que trata da exclusão de ilicitude do agente
que pratica a ortotanásia.
Tendo como base esses dois prismas, é possível verificar-se uma
discordância entre o conteúdo da norma infraconstitucional em questão, com o
caput do artigo 5º da Carta Magna.
Como conseqüência desta discordância supracitada, faz-se presente o vício
material de inconstitucionalidade que, segundo Alexandre de Moraes significa, “a
incompatibilidade do objeto da lei ou do ato normativo com a Constituição Federal”
Portanto, é possível afirmar a inconstitucionalidade do § 4º do artigo 121 do
Anteprojeto do Código Penal de 1.999, pois, excluir a ilicitude da ortotanásia, seria
como se estivéssemos deixando de punir o homicídio, atentando sem dúvida ao bem
jurídico vida, tutelado pela nossa Constituição.
4 CONCLUSÕES
Diante das observações feitas, pudemos concluir que o assunto abordado é
polêmico, gerando debates e valores éticos e religiosos.
Levando em conta a gama de doutrinadores que tratam minuciosamente da
matéria, podemos concluir que a eutanásia é dar a morte a uma pessoa que sofre de
uma enfermidade incurável, estando o sujeito ativo do delito munido de um móvel
piedoso.
Diversas são as classificações de eutanásia, sendo as mais importantes e
relevantes a eutanásia ativa e a ortotanásia.
A prática da eutanásia não é recente, sendo muito utilizada nas primeiras
civilizações, principalmente em caso de guerras, em que soltados eram feridos, ou
mesmo, nas tribos onde os velhos não tinham mais importância social.
Os médicos buscam a todo custo a reabilitação do paciente, não pensando
nunca em pôr fim a vida do paciente, pois esta conduta, além de homicídio, se
presentes seus elementos caracterizadores, será também uma afronta ao Código de
Ética Médica.
De acordo com o caput do artigo 5º da Constituição Federal de 1.988, a vida
é um bem jurídico fundamental, sendo o principal deles, pois sem a existência deste
não será possível o exercício dos outros demais. Diante disso, se houver a prática
de um homicídio eutanásico durante nossos dias, poderá ser este considerado como
um homicídio privilegiado, e se aprovado tal anteprojeto, haverá uma norma
infraconstitucional que regulará especificamente a matéria.
Atualmente, se houver um homicídio eutanásico será tipificado pelo Código
Penal em seu artigo 121, § 1º, que trata do homicídio privilegiado, pois inexiste em
nossa legislação pátria norma específica que abarca a matéria.
De acordo com o Anteprojeto do Código Penal de 1.999, se aprovado, será
possível a adequação do caso concreto ao tipo, pois o referido anteprojeto regulará
respectivamente a eutanásia e a ortotanásia, no artigo 121, §§ 3º e 4º,
respectivamente.
Constatamos também a inconstitucionalidade do § 4º do artigo 121 do
anteprojeto do Código Penal que exclui a ilicitude do sujeito ativo que pratica a
ortotanásia, diante do caput do artigo 5º da Constituição. Essa inconstitucionalidade
dá-se pela discordância entre o conteúdo do parágrafo supracitado e do caput do
artigo 5º da Constituição. A Carta Magna expressa que não se pode violar o bem
jurídico vida. No entanto, a exclusão da ilicitude da ortotanásia pelo anteprojeto
acaba por contrariar a Constituição, pois deixa de punir-se um crime que atenta
contra esse bem jurídico.
Nossas análises revelam ainda que a não-aplicação da pena inerente ao
homicídio qualificado em certos casos, podem fazer da eutanásia como da
ortotanásia, justificativas para uma morte estruturada em motivos torpes e fúteis,
como por exemplo, do recebimento de uma herança ao tráfico de órgãos.
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