História e Economia

Transcrição

História e Economia
História e
Economia
Revista Interdisciplinar
História e Economia Revista Interdisciplinar
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História e Economia Revista Interdisciplinar
História e
Economia
Revista Interdisciplinar
História e Economia Revista Interdisciplinar
3
HISTÓRIA E ECONOMIA - revista interdisciplinar.
Brazilian Business School. - v. 7, n. 1, (2010). - São Paulo:
Meca Comunicação, 2010
Semestral
ISSN 1808-5318
1. História - Periódicos 2. Economia - Periódicos 3. Finanças Periódicos 4. Brasil - Periódicos I. Brazilian Business School.
CCD 330.981
4
História e Economia Revista Interdisciplinar
Expediente
História e Economia
Revista Interdisciplinar
BBS – Brazilian Business School
Editor: John Schulz
Vice editor: Adalton Francioso Diniz
Secretários gerais: Roberta Barros Meira, Rafael Balan Zappia
Secretário adjunto: Anderson Floriano
Conselho editorial:
Adalton Franciozo Diniz (Faculdade Cásper Líbero;PUC- SP) • André Villela (EPGE/FGV) • Antônio
Penalves Rocha (USP) • Carlos Eduardo Carvalho (PUC/SP) • Carlos Gabriel Guimarães (UFF) •
Flavio Saes (USP) • Gail Triner (Rutgers University) • Jaime Reis (ICS - Universidade de Lisboa) •
John Schulz (BBS) • Jonathan B. Wight (University of Richmond) • José Luis Cardoso (ICS - Universidade de Lisboa) • Marcos Cintra (Unicamp) • Pedro Carvalho de Mello (ESALQ) • Renato Leite
Marcondes (USP/Ribeirão Preto) • Ricardo Feijó (USP/Ribeirão Preto) • Steven Topik (University of
California Irvine) • Vitoria Saddi (INSPER)
Agradecimento aos pareceristas externos:
Rogério Arthmar (UFES)
Luiz Eduardo Simões de Souza (UFAL)
Alexandre Queiroz Guimarães (PUC - MG)
Wilson Luiz Rotatori Corrêa (UFSJ)
Fausto Saretta (UNESP)
Júnia Furtado (UFMG)
Antônio Jucá (UFRJ)
Projeto gráfico e arte: Meca Comunicação Estratégica – Tel. 55 11 2447-0681
Apoio editorial: Denise Freitas
Diagramação: Valter Luiz de Freitas
Tiragem: 1.000 exemplares
Impressão: Neoband
BBS – Brazilian Business School
Al. Santos, 745 – 1º andar – São Paulo – SP – Brasil
Tel. 55 11 3266-2586 – Fax 55 11 3289-3345
[email protected] – www.bbs.edu.br
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História e Economia Revista Interdisciplinar
Sumário
Apresentação
O momento de História e Economia
The moment of História e Economia
Conselho editorial.....................................................................................................................................9
Nota do editor
Editor’s note
John Schulz.............................................................................................................................................11
Artigos
In Hoc Signo Vinces: moeda e poder da monarquia na época moderna
Grasiela Fragoso da Costa.......................................................................................................................13
“A parte onde cria é aquele onde menos ouro se vê”: ouro e crédito em Minas Gerais durante o
século XVIII
Raphael Freitas Santos...........................................................................................................................31
Política econômica e crises cambiais: A gestão financeira do Império do Brasil nos primórdios
do padrão-ouro (1846-1858).
José Tadeu de Almeida............................................................................................................................49
Câmbio: uma questão da política
Esther Kuperman....................................................................................................................................67
Regimes Cambiais: A Teoria na Prática
João Basilio Pereima / Marcelo Curado.................................................................................................87
Roteiro para submissão de artigos....................................................................................109
História e Economia Revista Interdisciplinar
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8
História e Economia Revista Interdisciplinar
O momento de História e Economia
The moment of História e Economia
O País e as Disciplinas
D
e proporções continentais, o Brasil
se fechou em si mesmo ao longo da
segunda metade do século 20. A industrialização tardia do País materializada sob a
forma de substituição de importações foi o tema
dominante nesse período. Durante a última década, entretanto, a visão do Brasil mudou de forma
significativa. Tal episódio teve também repercussão na academia, observando um movimento no
qual tanto a “esquerda” quanto a “direita” passaram a buscar novas idéias de fora do País. Os historiadores e economistas procuraram entender o
mundo inclusive em áreas nas quais o Brasil possuía pouco contato prévio. Atualmente, a Coréa
do Sul e a Índia podem ser modelos para o Brasil.
Neste ínterim, o Brasil, que liderou o
mundo em termos de crescimento econômico
por diversas décadas e, recentemente, superou
um processo de pré-hiperinflação, tem muito a
contar para o mundo. Ao nosso ver, História e
Economia é um fórum multilinguístico para estudiosos brasileiros e de outros países. Também
entendemos que esta revista é uma forma na qual
os pesquisadores do Brasil podem expressar suas
experiências a acadêmicos e demais interessados
no exterior.
Os estudos interdisciplinares estiverem
em voga, no mínimo a partir da publicação dos
Annalles em 1929. Os historiadores, em sua
grande maioria, apesar de serem influenciados
por idéias de áreas distintas, raramente produzi-
The Country and the Disciplines
O
f continental proportions Brazil looked predominantly inwards
throughout most of the second half
of the twentieth century. Import substitution and
autarky dominated thinking accross the political spectrum. Over the past decade the outlook
changed dramatically with both the “left” and
the “right” searching outside for new ideas and
for material fulfillment. Historians and economists seek to understand the world including areas with which Brazil had little previous contact.
Today South Korea and India may be role models
and are at least “benchmarks” for Brazil.
Meanwhile Brazil, which led the world
in economic growth for a number of decades,
and which recently overcame near hyperinflation, has something to tell the rest of the world.
We view História e Economia as a multilingual forum for both Brazilian and international scholars. We also see our journal as a means
by which Brazilian researchers communicate the
Brazilian experience to academics and other interested parties abroad.
Interdisciplinary studies have been in
vogue at least since the appearance of the Annales in 1929. In practice, historians, although
influenced by ideas from many fields, rarely undertake research in conjunction with scholars
trained in other disciplines. Collective studies
tend to be by groups of historians. Brazil has a
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ram trabalhos em co-autoria com acadêmicos de
outras disciplinas. Esforços coletivos tendem a
incluir apenas historiadores. Esta revista pretende ser um fórum de propagação de idéias inovadoras de historiadores e economistas. De fato,
o Brasil tem um grande número de economistas
cujos trabalhos de história econômica possuem
reconhecimento internacional e contribuíram
para o avanço da história. Tal tradição teve início
nos anos 50 com Celso Furtado, senão antes. Assim, usando da credibilidade desses acadêmicos
brasileiros, o intuito da revista é o de estimular
a pesquisa e a comunicação por acadêmicos das
duas disciplinas.
A revista abarca três áreas: história econômica geral, história financeira e história das
idéias econômicas. Em história financeira incluímos moeda, instituições e instrumentos financeiros e finanças públicas. A história das idéias
econômicas abrange as adaptações que economias, como as do Brasil e de Portugal, terminaram por implementar no pensamento econômico
tradicional.
Será por meio do encontro entre história
e economia e do Brasil com o mundo que esta
revista deverá fazer sua contribuição.
Conselho editorial
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História e Economia Revista Interdisciplinar
large number of outstanding economists whose
work on economic history is recognized around
the world. This tradition started with Celso
Furtado in the fifties if not earlier. We intend to
take advantage of this existing situation to encourage research and communication by scholars of both disciplines.
História e Economia dedicates itself to
three areas: General Economic History, Financial History and the History of Economic Ideas.
Within Financial History we include money, financial institutions and instruments, and public
finance. The History of Economic Ideas encompasses the adaptations that relatively backward
economies, such as Brazil and Portugal, have
made of economic thought from the “advanced”
countries.
It is on the intersections of history and
economics and of Brazil and the world where we
wish to make our contribution.
Editorial board
Nota do editor
Editor’s note
D
esde o período medieval, as letras de
câmbio têm sido uma grande preocupação dos empresários internacionais.
O Brasil teve problemas de câmbio praticamente
desde o nascimento, quando a sua moeda caiu
em dois terços durante a primeira década do país.
Uma vez que os movimentos separatistas foram
encerrados, as autoridades imperiais voltaram
sua atenção para a política de câmbio, incluindo um longo debate sobre as virtudes da moeda
convertível. Embora o país só adotasse o padrão
ouro em 1906, o sistema que prevaleceu durante
duas gerações anteriores deu à economia a maioria das vantagens do padrão-ouro e a estabilidade dos preços, permitindo uma flutuação durante
o período de preços baixos das commodities. A
I Guerra Mundial e a Depressão em conjunto
destruíram o padrão-ouro, e o Governo Vargas
da década de 1930 impôs controles rigorosos
no câmbio. Esses controles sobreviveram mais
tempo no Brasil do que na maioria dos outros
estados. A Moeda tornou-se conversível no Brasil apenas em 1989, embora os exportadores e os
investidores ainda hoje enfrentam uma boa dose
de burocracia para fechar câmbio.
O Seminário BBS História e Economia sobre o Câmbio, realizada em 13 de agosto
passado, teve como palestrantesArnim Lore e
Celina Arraes. Meu amigo Arnim foi diretor do
Banco Central, que presidiu o desmantelamento dos controles de câmbio em 1989. Hoje, ele
é vice-presidente da FIESP (Federação das In-
S
ince the medieval bill of Exchange,
exchange has been a major preoccupation for international businessmen.
Brazil suffered exchange problems almost at
birth as her currency fell by two thirds during
the country’s first decade. Once the separatist
movements terminated, the imperial authorities turned their attention to exchange policy
including a lengthy debate on the virtues of
convertible currency. Although the country only
adopted the gold standard in 1906, the system
which prevailed during the previous two generations gave the economy most of the advantages
of the gold standard and price stability while allowing a float during periods of low commodity
prices. World War I and the Depression together
destroyed the gold standard, and the Vargas
Government of the 1930s imposed stringent exchange controls. These controls survived longer
in Brazil than they did in most other states. Brazil’s currency became convertible only in 1989
while even today exporters and investors face a
good deal of bureaucracy to close exchange.
The BBS Historia e Economia Seminar
on Exchange, held last August 13, had as keynote speakers Arnim Lore and Celina Arraes.
My friend Arnim was the director of the Central
Bank who presided over the dismantling of major exchange controls in 1989. Today he the vice
president of the FIESP (Federation of Industries
of São Paulo) Committee on International Trade.
Celina served as international director of the
História e Economia Revista Interdisciplinar
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Nota do editor
dústrias de São Paulo) - Comissão do Comércio
Internacional. Celina atuou como diretora internacional do Banco Central no governo que acaba
de terminar. Ela liderou iniciativas para criação
de um mecanismo de compensação da América
Latina que utilizasse moedas locais e diminuísse
o trabalho dos exportadores. As duas participações nos honraram profundamente.
Nosso seminário foi aberto com uma
história geral de câmbio no Brasil apresentada
por André Villela, professor da Fundação Getulio Vargas no Rio de Janeiro e um dos membros
de nosso conselho editorial.
Tivemos também cinco apresentações
que publicaremos nesta edição. Duas são relacionados com a circulação de ouro e de crédito
durante o período colonial, uma na tentativa de ir
do padrão-ouro no ano 1846-1858, e duas sobre
as políticas de troca contemporânea. Como sempre, estamos ansiosos por comentários e críticas.
O conselho editorial gostaria de expressar seu agradecimento a Roberta Barros Meira
pela coordenação deste seminário e desejar-lhe
sorte na organização de nosso seminário para
este ano que será: Sustentabilidade: Dimensões
históricas e econômicas.
Central Bank in the government which
just ended. She led initiatives to establish a
Latin American clearing arrangement which
utilizes local currencies and to reduce paper
work for exporters. Their participation honors
us profoundly.
Our seminar opened with a general history of exchange in Brazil delivered by André
Villela, a professor at the Fundação Getulio Vargas in Rio de Janeiro and one of the members of
our editorial board.
We also had five presentations which we
are publishing in this issue. Two are related to
gold, circulation, and credit during the colonial
period, one on the attempt to go on the gold standard in the years 1846-1858, and two on contemporary exchange policies. As always we look
forward to comments and criticism.
The editorial board would like to express
its appreciation to Roberta Barros Meira for
coordinating this seminar and wish her luck in
organizing our seminar for this year which shall
be: Sustainability: Historical and Economic
Dimensions.
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História e Economia Revista Interdisciplinar
In Hoc Signo Vinces
moeda e poder da monarquia
na época moderna
Grasiela Fragoso da Costa
Mestrado/UFRJ/PPGHIS
[email protected]
Resumo
Por que criar uma Casa da Moeda na América Lusa em finais do século XVII?
Para compreendermos o terreno dessa discussão, analisaremos a situação do meio circulante e as dificuldades econômicas advindas
da falta de numerário nas principais praças comerciais da América Lusa no século XVII. Num segundo momento, examinaremos
duas fases dessa instituição: a Casa da Moeda Itinerante, na qual essa instituição circulou pela Capitania da Bahia, do Rio de Janeiro e de Pernambuco entre 1694 a 1702, com o objetivo de se cunhar a moeda provincial, uma moeda específica para a América
Lusa, com cunho e valor diferentes das do reino; e a Casa da Moeda Definitiva, que se inicia em 1703 na capitania do Rio de Janeiro,
fruto de uma outra paisagem política, com maior peso na complicada trama de formação da Monarquia Portuguesa.
.
Palavras-chaves: Moeda metálica, Casa da Moeda, Rio de Janeiro, século XVIII
Abstract
Why create a mint in Portuguese America in the late seventeenth century?
To comprehend this discussion, we analyzed the situation of the currency and the economic difficulties that were consequences of
the lack of cash in the main business centers of Portuguese America in the seventeenth century. Then, we examined two phases of
this institution: 1- the Itinerant Mint, which moved among three captancies: Bahia, Rio de Janeiro and Pernambuco between 1694
and 1702. The mint’s goal was to produce the provincial currency: a specific currency for Portuguese America, with different values
from that of continental Portugal Kingdom’s one), and 2- the Permanent Mint, which opened in 1703 in Rio de Janeiro, the result of
a new political landscape, with more importance to the development of the Portuguese Monarchy.
Key words: Currency, Mint, Rio de Janeiro, Eigtheenth Century
História e Economia Revista Interdisciplinar
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In Hoc Signo Vinces - moeda e poder da monarquia na época moderna
Moeda e metais preciosos
“São as moedas uns documentos com que
igualmente se autorizam as histórias; porque,
por elas, se entra no conhecimento da grandeza
e do poder dos soberanos, pela riqueza dos metais e pela diversidade dos cunhos.” 1
O
btidos pela força, pela conquista de
novos territórios e, na maioria das vezes, pelo comércio, os metais preciosos, personificados nas moedas, desempenharam
um importante papel nas economias modernas.
Além de matéria-prima para a fabricação do
meio circulante, eram eles ingredientes indispensáveis no exercício de poder e de soberania real,
na medida que compunham o que Eli Heckscher
denominou de entesouramento, de potência financeira nas mãos do príncipe (HECKSCHER,
1983, 654).
Segundo o mesmo autor, as reservas de
metais preciosos existentes dentro de um reino
eram uma das bases mais importantes de poder
da Monarquia, pois sua soberania, sua autonomia frente às outras Monarquias se traduzia por
sua capacidade de entesouramento, ou seja, na
reserva de objetos caros e de fácil realização,
guardados para serem utilizados num momento
de necessidade súbita e inesperada, como uma
má colheita ou mesmo uma guerra:
Um príncipe deve contar com um
grande tesouro, e também seus súditos, para
fazer frente a todas as eventualidades. (...) Se
tivéssemos guerra ou uma má colheita, como
temos tido, ou se necessitássemos de uma artilharia, armas ou outra ajuda do estrangeiro,
não é a moeda que atualmente dispomos que
poderia nos abastecer disso. E o mesmo ocorreria se padecêssemos de uma grande penúria
de trigo dentro do país... Nossas mercadorias
não poderiam, tampouco, em caso de sensível
escassez, contrastar essa situação, nem sequer
1 SOUZA, C. História Genealógica da Casa Real Portugueza e dos
Documentos, Lisboa:Régia Officina Sylviana e Academia Real, 1749,
p.100.
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História e Economia Revista Interdisciplinar
nos anos de abundância não bastam para procurarmos a quantidade suficiente de artigos necessários. Portanto, se se juntassem a guerra e
uma má colheita, como outras vezes ocorreu,
o que teríamos de fazer? Nos veríamos, indubitavelmente, em uma situação muito difícil
e expostos a um grande perigo por parte do
estrangeiro. Em troca, se existisse um tesouro
acumulado dentro do país, estaríamos, apesar
da guerra e da má colheita, em condições de
lhes fazer frente durante dois ou três anos. (...)
O dinheiro é, por assim dizer, uma despensa na
qual se armazenam todas as mercadorias apetecíveis. (HECKSCHER, 1983, 657)
Esse texto, datado do século XVI, nos
dá uma boa amostra de como era sabido que a
falta de um tesouro poderia tornar vulneráveis
as defesas de um reino. Nesse mesmo trecho, o
autor descreve o dinheiro como uma dispensa,
na qual se armazenam todas as mercadorias.
Percebemos com isso mais uma função da moeda: além de poder ser utilizada como uma reserva de valor, a moeda se constitui também em
instrumento que viabiliza e agiliza as trocas. Em
outras palavras, a moeda, em especial as cunhadas em metal precioso, ouro ou prata, funciona
como o equivalente geral das trocas, ou seja, a
mercadoria específica pela qual todas as outras
mercadorias comparam e medem o seu valor, e
pela qual se pode adquirir qualquer outra mercadoria. (MARX, 1983, 31-149)
Demonstrando o quão vital representava
a moeda para os reinos, no período compreendido em nossa análise era comum que a moeda
aparecesse em documentos, relacionada à imagem do sangue, vital elemento que, ao circular,
dá vida às partes do corpo. A carta do Governador do Brasil, Câmara Coutinho, de 1694, é um
bom exemplo:
“Toda a opressão, e ruína que se teme,
nasce da falta do dinheiro, que é aquele nervo
vital do corpo político, ou o sangue dele, que
derivando-se e correndo pelas veias deste corpo, o anima e lhe dá forças...” 2
Ao circular, a moeda ativava as trocas
comerciais e nutria o corpo político da Monarquia, mantendo a vitalidade de sua economia e
sua força perante o estrangeiro. Essa força, transfigurada no poder de compra da moeda cunhada
sob a efígie e as armas do monarca em exercício,
estava ligada à reserva interna de metais, o entesouramento, pois nas trocas feitas entre diferentes reinos a moeda era cotada por seu valor
intrínseco, ou seja, pela quantidade de metal
precioso nela existente. Logo, quanto mais metal
disponível para a cunhagem, maior o número de
moedas e maior a quantidade de metal precioso no seu toque. Ao contrário, se houvesse uma
baixa nas reservas de metais, a Monarquia tinha
de promover a alteração do seu valor nominal,
ou de face, para compensar a escassez. Todavia,
essas alterações aumentavam o poder de compra
dessa moeda somente no interior de seus domínios, desvalorizando-as perante as trocas no
estrangeiro.3
A partir disso, podemos perceber como a
imbricação moeda-metal precioso era, na visão
mercantilista, signo de poder e de soberania real,
uma vez que proporcionava à Monarquia o sustento do seu corpo político e sua capacidade de
reiteração no tempo.4
Para impor sua política monetária no estrangeiro frente às outras Monarquias e internamente frente a seus súditos, o monarca contava
com o empenho de uma instituição em particular,
2 Fragmento da carta do Governador do Brasil, Antônio Luís
Gonçalves Câmara Coutinho de 1692. Apud Anais da BN do RJ vol.
LVII, 1935, pp.147-153. BRAUDEL, F. A Moeda In: ____.Civilização
material, Economia e Capitalismo, século XV-XVIII, vol 1, São Paulo:
Martins Fontes, 1997, p.399-437.
3 Essa prática era denominada de levantamento da moeda. Esses levantamentos, na verdade, rebaixavam o valor da moeda, pois consistiam
num aumento do seu valor extrínseco, ou valor nominal, sem alterar a
quantidade de metal precioso existente no seu toque, ou seja, seu valor
intrínseco.
4 Para saber mais sobre o assunto: DEYON, P. O Mercantilismo. São
Paulo: Editora Perspectiva, 1992; FALCON, F. J. C. Mercantilismo e
Transição, São Paulo: Brasiliense, 1996.
a Casa da Moeda. Criada para zelar pela qualidade e fidelidade do dinheiro em circulação, a
Casa da Moeda tinha o monopólio da emissão
das moedas e da cotação dos metais preciosos
em circulação.5 Seus membros, denominados
em geral de moedeiros, possuíam privilégios especiais e juravam na sua cerimônia de sagração
fé e lealdade no serviço à Coroa.
A primeira Casa da Moeda instalada
na América Portuguesa data de 1694. Ao analisarmos o contexto político-econômico desse
período, vemos como a moeda, ou melhor, sua
escassez e aviltamento, era um problema de primeira grandeza. Problema esse que afetava não
só a sede da Monarquia, como também suas
conquistas na América Lusa. O século XVII foi
um período de grande dificuldade para a Monarquia Portuguesa, uma vez enredada por conflitos
internos que marcaram a separação das Coroas
de Espanha e Portugal, a Monarquia Restaurada
teve de lidar com um estado crescente de dificuldades financeiras, advindas das despesas de
guerra e da montagem do novo governo.6
No ultramar, a ofensiva holandesa e
inglesa contribuiu para o agravamento da situação. No Oriente, a entrada desses novos personagens nas transações comerciais gerou a perda
do monopólio português sobre o comércio das
especiarias, resultando numa forte queda nos
rendimentos do Estado da Índia. No Ocidente, os
holandeses conseguiram também atrapalhar dois
dos principais negócios lusos no Atlântico: a produção de açúcar – com a tomada de Pernambuco,
Olinda e Recife, nos anos de 1620 – e o comércio de escravos – com a conquista de Angola por
5 “Regimento que Sua Majestade que Deus guarde manda observar na
Casa da Moeda, Lisboa, 1687”. Apud GONÇALVES, C. B. A Casa da
Moeda do Brasil, 290 anos de sua história. Editora: Casa da Moeda,
RJ, 1989, p.113-137.
6 Sobre as guerras de restauração em Portugal: GODINHO, V. M. 1580
e a Restauração In: ____. Ensaios II, Sobre História de Portugal, Lisboa: Livraria Sá da Costa Editora, 1978, p. 257-291. Sobre a situação
financeira no reino nesse período: HESPANHA, A. M. A Fazenda In:
____. (Org.) História de Portugal: o Antigo Regime. Lisboa: Editorial
Estampa, 1998, pp. p.203-238.
História e Economia Revista Interdisciplinar
15
In Hoc Signo Vinces - moeda e poder da monarquia na época moderna
volta de 1640.7
A situação se complicou ao longo do
século. O açúcar brasileiro – nesse momento um
dos principais produtos de reexportação do qual
Portugal dependia para pagar as importações essenciais à sobrevivência de sua economia – estava em baixa no continente europeu, devido às
guerras do norte da Europa e da concorrência da
produção açucareira das Antilhas holandesas e
inglesas.8
Essa instabilidade econômica se refletia nos constantes desequilíbrios da balança
comercial lusa. O numerário já escasso nessa
época, em parte por causa do declínio das importações de prata vinda da América espanhola,
esvaía-se para fora do Reino. Conforme observou Thomas Maynard, cônsul-geral inglês em
Lisboa, em 1671:
“Todo o açúcar deles que chegou este
ano, com todos os produtos que este Reino pôde
exportar, não pagará sequer metade das mercadorias que são importadas, portanto, todo dinheiro sairá do Reino deles dentro de poucos anos” 9
O colapso financeiro acabou por gerar
uma crise monetária. A moeda já escassa passou
a sofrer sucessivas deteriorações. Para remediar
a carência e o aviltamento da moeda metálica,
a monarquia portuguesa tomou algumas medidas. Uma das mais polêmicas foram as leis de
levantamento da moeda. O que significava esse
7 Sobre a ofensiva holandesa e inglesa no ultramar: ALENCASTRO,
L. F. As guerras pelos mercados de escravos In: ____. O Trato dos
Viventes, São Paulo: Cia. das Letras, 2000, p.188-246. BOXER, C.
R. A luta global com os holandeses In ____. O Império Marítimo
Português. 1415-1825. São Paulo: Companhia das Letras, 2002,
p.120-140. CHAUDHURI, K. A Concorrência Holandesa e Inglesa In:
BETHENCOURT, F. & CHAUDHURI, K. (Orgs.) História da Expansão
Portuguesa, Do Índico ao Atlântico, Lisboa: Círculo de Leitores, 1998,
vol 2, p.82-106. MELLO, E. C. Olinda Restaurada, Guerra e Açúcar no
Nordeste, 1630-1654. Rio de Janeiro: Topbooks, 1998.
8 Refere-se a importação de produtos como: cereais, tecidos e outros
produtos manufaturados. GODINHO, V. M. Flutuações econômicas e
devir estrutural do século XV ao século XVII; Portugal, as frotas do
açúcar e as frotas do ouro In: ____. Ensaios II... p.177-205 e 425-448,
respectivamente.
9 Apud BOXER, C. R. O Império Marítimo Português... p.164.
16
História e Economia Revista Interdisciplinar
levantamento?
Os levantamentos da moeda
“Levantar moeda” consistia em recolhê-la e fundi-la novamente ou simplesmente
carimbá-la com um novo valor, mais alto do que
o anterior. O levantamento, na verdade, era um
rebaixamento do valor da moeda, pois se referia
a um aumento do seu valor extrínseco, ou valor
nominal, sem alterar a quantidade de metal precioso existente no seu toque, ou seja, seu valor
intrínseco.
Esses levantamentos eram também um
meio de se arrecadar impostos, pois, a cada remarcação, uma pequena parte do metal precioso
era confiscada pela Coroa.10 Conforme Rita de
Sousa, entre 1640 e 1688, contam-se seis desvalorizações para o ouro e cinco para a prata,
que se traduziram no montante de 243% e 133%
respectivamente:
“No período compreendido entre 1640
e 1688, a política monetária caracterizou-se por
intensas desvalorizações que, sobretudo, visaram um aumento das receitas do Estado através das receitas de senhoriagem. Um conjunto
de medidas legislativas refere explicitamente
a canalização dos lucros das recunhagens e
contramarcações para as despesas de guerra.”
(SOUSA, 1999, 76-115)11
10 LEVI, M. B. Elementos para o Estudo da Circulação da Moeda na
Economia Colonial In: Estudos Econômicos, 13 (nº especial), FEA/
USP, p.825-840, 1983. Para saber mais sobre o assunto: SAMPAIO, A.
C. J. Crédito e circulação monetária na Colônia: o caso fluminense,
1650-1750. Anais do V Congresso Brasileiro de História Econômica
e 6ª Conferência Internacional de História de Empresas. ABPHE, 20.
FARIAS, S. de C. Moeda In: VAINFAS, R. (Dir.) Dicionário do Brasil
Colonial (1500-1808). Rio de Janeiro: Objetiva, 2001, p.403-405. VIEIRA, D. T. A Política Financeira. In: Holanda, S. B. (Dir.) História Geral
da Civilização Brasileira - I. A Época Colonial - 2. Administração,
Economia e Sociedade. São Paulo: Difel, 1985, p.340-351.
11 O imposto de senhoriagem é cobrado aos particulares na Casa da
Moeda, sempre que estes a ela se dirijam para transformar metais em
moeda ou recunhar moedas que não cumprem as devidas condições
legais. A diferença estabelecida na lei entre o preço do metal em barra e
o preço do metal em moeda é igual ao imposto de senhoriagem, sendo o
montante anual deste imposto função quer da taxa, quer do volume anual de amoedação. No caso da cunhagem não ser gratuita, a existência
deste imposto faz com que os particulares se dirijam à Casa da Moeda
apenas quando o valor monetário excede o valor metálico./Essa tese já
se encontra disponível na versão impressa pelo Instituto Nacional, Casa
da Moeda, Lisboa, ano de 2006.
Além destas medidas que desvalorizavam a moeda, diminuindo seu poder de compra
no estrangeiro12, o dano do cerceio tinha se tornado uma verdadeira calamidade. O cerceamento
da moeda consistia na raspagem de suas bordas
com o intuito de extrair fragmentos do seu metal,
para a cunhagem de novas moedas. (MADEIRA,
1993, 33-34) A prática do cerceio, que alterava o
peso da moeda, e as constantes remarcações que
mudavam seu valor nominal acabaram por facilitar a falsificação, tanto por meio do aviltamento
da liga como na alteração do valor nominal da
moeda.
Além desses aumentos, uma série de medidas foi ordenada pelo Conde de Óbidos, ViceRei do Brasil, para conter a anarquia monetária.
O Regimento por ele escrito, datado de 1663,
previa, por exemplo, a recunhagem de todas
as moedas de ouro e prata e o confisco das que
não estivessem de acordo com as prescrições do
referido Regimento.16 Tudo indica, porém, que
pouco resultado teve tal intento. Por carta de 2
de janeiro de 1687, enviada ao Governador da
Capitania do Rio de Janeiro, João Furtado de
Mendonça, El Rey relatou os males que padecia
o meio circulante:
A América Lusa também sofria com essa
escassez e deterioração do meio circulante. A
solução encontrada para minimizar tal problema
foram os aumentos nominais nas moedas, pelas Câmaras. Em 1643, o Governador da Bahia
decretou o aumento de 25% e 50%, respectivamente, para as moedas de ouro e de prata, nestas
incluídas as patacas de origem peruana.13 Uma
consulta do Conselho Ultramarino de 1681 nos
informa que pela lei de 23 de março de 1679 El
Rey mandava marcar, em um mês, todas as patacas no Estado do Brasil e que essas passassem a
correr por 640 réis.14
João Furtado de Mendonça, eu El Rey
vos envio muito saudar. O dano do cerceio da
moeda se introduziu de sorte neste Reino que
desejando dar todo remédio conveniente e necessário a tão perigoso delito e de que resulta
tanta confusão e perda à República, fui servido
mandar publicar uma lei com pena de morte a
todos os que cerceassem moeda (...) e sendo as
patacas o que recebiam o maior dano por terem
mais capacidade para o cerceio, [estando] fora
do Reino já cerceadas, por ser moeda que não
é nacional com que receba em si o maior prejuízo por ser em benefício dos estrangeiros para
se lhe dar o remédio de que necessitam, mandei publicar a lei que com esta se vos remete
e porque acabada a redução das patacas se há
de passar a dar remédio a moeda nacional para
que ela se acabe de todo este delito do cerceio,
se considera tanta a importância de perda que
não bastam o cabedal da Fazenda Real para se
satisfazer as partes ficando por minha conta 17
Esta lei, porém, não foi executada na Capitania do Rio de Janeiro. A justificativa para esta
exceção, fornecida pelo Mestre de Campo Pedro
Gomes, que estava governando a referida Capitania, é que, em 1676, a Câmara e os povos daquele Estado haviam acrescentado dois vinténs
nas patacas e um vintém na meia pataca, para ver
se o dinheiro se conservava nessa Capitania.15
12 Diminuía o seu poder de compra, pois no comércio com o estrangeiro a moeda deveria correr a peso, ou seja, pelo seu valor intrínseco.
HECKSCHER, E. Las Relaciones de Cambio com El Extranjero In: La
Época Mercantilista..., p.680-706.
13 MAURO, F. Portugal, o Brasil e o Atlântico, 1570-1670, vol. 2,
Lisboa: Editorial Estampa, 1988, p.175.
14 Arquivo Histórico Ultramarino, Coleção Castro Almeida, Rio de
Janeiro – Doravante – AHU CA RJ – doc 1766-1769, cd 1, 1681, f. 3334. Provisão de 23 de março de 1679, relativo ao “Carimbo Coroado de
640 réis sobre oito reales”.
15 Idem.
A lei a que tal carta faz alusão é a de
1686, que ordenava o recolhimento das moedas
para que lhes fossem postos cordões e marcas,
com a finalidade de dificultar a prática do cerceio, tão perigoso delito e de que resulta tanta
16 SOMBRA, S. Historia Monetária do Brasil colonial: repertório
cronológico com introdução, notas e carta monetária. Rio de Janeiro:
Laemmert, 1938, p. 81-84. BARROS, M. D. de. “O Regimento do Conde
de Óbidos diante da história e da legislação monetária”. Rio de Janeiro: Anais do Museu Histórico Nacional, vol. IV, 1943. Edgar Araújo
Romero. “O Regimento do Conde de Óbidos, 7 /7/1693”. Revista Casa
da Moeda, nº9-14, mai-jun de 1948 a março-abril 1949.
17 AHU CA RJ - doc 1766 a 1769, cd 1, 1687, f. 34-36.
História e Economia Revista Interdisciplinar
17
In Hoc Signo Vinces - moeda e poder da monarquia na época moderna
confusão e perda à República.18 Os prejuízos
eram de tal monta, que não bastavam os recursos
da Fazenda Real para socorrê-los, tendo o Rei de
dispor de seus próprios meios para trazer alívio à
vida de seus súditos.
Nesse período, Portugal se encontrava
com seu stock de metais em baixa, devido aos
constantes desequilíbrios da balança comercial,
que faziam com que o pouco numerário de que
dispunha corresse para fora do Reino.19 E o que
lhe era mais caro, o parco numerário existente no
Reino e nas terras da América Lusa, eram as patacas castelhanas. Logo, essa abundância de moedas estrangeiras nas terras pertencentes ao Rei
de Portugal, que, devido à escassez de numerário
haviam se tornado a principal moeda disponível
para as trocas, mexia com a soberania da Monarquia Portuguesa, não só pelo fato de serem
falsificadas, mas também por demarcarem certa
dependência lusa frente à prata castelhana. Tão
importantes eram essas patacas para a economia
da América Lusa, que o levantamento de 1688,
no qual se ordenava que essas passassem a correr
a peso, foi embargado na Bahia, em Pernambuco
e no Rio de Janeiro.
O dito levantamento ordenava que o aumento fosse de 20% no valor de face das moedas
de ouro e prata. Sendo que as patacas castelhanas
passariam a correr pelo peso, com a oitava a 100
réis. Esse era o ponto mais polêmico do levantamento, pois somente as patacas de sete oitavas,
raras em terras brasileiras, receberiam alguma
vantagem, mas não chegariam aos 20% previstos na lei. As demais patacas cerceadas de menor
valor intrínseco – as de quatro a seis e meia oitavas – estavam fora do acréscimo, por terem seus
pesos adulterados. Contudo, esse era o gênero de
18 Idem. Para uma visão mais ampla sobre a circulação monetária nas
demais capitanias no século XVII vide : GALANTE, Luís Augusto Vicente. Uma história da circulação monetária no Brasil do século XVII. Tese
(Doutorado em História)-Universidade de Brasília, Brasília, 2009.
19 Nesse contexto do XVII, não só Portugal sofria com a escassez de
metal precioso como também toda a Europa. VILAR, P. O Ouro e a Moeda na História-1450-1920, Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1980, passim.
18
História e Economia Revista Interdisciplinar
moeda de que dispunha a América Lusa para as
suas transações. (AZEVEDO, 1947, 328, 349)
Pela lei de 1679, todas as patacas, independentemente do seu peso, estavam correndo a
640 réis; logo, o fato de correrem a 100 réis a
oitava implicava numa perda para seus possuidores, pois no máximo elas valeriam 600 réis.
Afora isso, a multiplicidade de valores intrínsecos, devido a variações de peso, causaria muita
confusão no comércio; primeiro, pela necessidade de se pesar cada uma, e, depois, pela falta de
troco. A reclamação foi geral. Por volta de 1690,
o Rio de Janeiro em Câmara protestava ao Rei,
descrevendo os prejuízos que viriam da execução de tal lei:
a primeira ruína e prejuízo irreparável
é que dentro de um ou dois anos se há de sacar e tirar todo este gênero de moeda nas frotas
que vierem e forem e ficará totalmente a terra
exausta de toda a dita moeda, porque como o
açúcar está na baixa (...) e tem pouca saída (...)
remeteram os comissários e mercadores desta
terra, em cuja mão está e vai parar toda a dita
moeda para o Reino pois tenha o mesmo valor
que cá tendo o lucro certo sem o risco de perderem no açúcar. Tanto é assim que nas frotas de
1688 e 1689 se levaram mais de 400 mil cruzados desta cidade (...) faltando o dinheiro, como
certo e precisamente há de faltar, se hão de desfabricar os engenhos (...) porque não hão de ter
os senhores com que fornecer e fabricar os seus
engenhos e partidos porquanto a mais principal
fábrica dos engenhos conta de escravos e de
bois os quais se compram sempre a dinheiro e
os não querem vender os donos e credores de
outra maneira (...) não só se ameaça e se segue esta ruína e prejuízo dos moradores e povo
desta cidade mas também que se segue a fazenda Real de Sua Majestade, certa e infalível
perda porque os contratos e rendas reais viram
diminuídas e se ande arrematadas por menor, a
metade do que até agora andavam (...) se acabará a nova colônia do Sacramento porque não
há de haver dinheiro para se lhe acudir assim
para os socorros para os soldados como com os
mantimentos necessários (...) até os hospitais
se não admite nem querem admitir os soldados
e mais pobres doentes por não haver dinheiro e
nem efeitos com que se curam...20
O documento acima nos mostra como a
moeda era um problema de primeira grandeza na
conjuntura do século XVII. A escassez de numerário, combinada com a produção de um açúcar
de segunda pela Capitania do Rio de Janeiro,
num cenário de diminuição da procura desse gênero no estrangeiro, comprometia a reiteração de
sua economia, essencialmente baseada na produção vinda dos engenhos.
Com a queda do preço do açúcar, as
frotas vindas do Reino preferiam negociar suas
mercadorias em troca de moedas. Isso significava, para o Rio de Janeiro, uma diminuição das
suas exportações e uma diminuição de sua capacidade de investimentos, devido à evasão do
meio circulante. Essa queda nas vendas do açúcar, ou sua comercialização por preços muito
baixos, colocava em risco o funcionamento dos
engenhos, a principal unidade produtiva da economia da América Lusa, signo de poder e prestígio; por conseguinte, colocava em risco a própria
organização social presente na América Lusa,
que tinha no topo de sua hierarquia a nobreza da
terra, formada principalmente por senhores de
engenhos de açúcar. (FRAGOSO, 2002)
Câmara Coutinho, Governador do Brasil
na época, especialmente preocupado com as dificuldades financeiras vividas pela América Lusa,
enviou ao Rei D. Pedro II uma representação datada de 4 de julho de 1692, na qual destacava
as graves consequências da falta de numerário.
Nessa mesma carta, ele sugere ao soberano a
20 AHU CA RJ doc 1766 a 1769, cd 1, 1691. Confirmando os prejuízos
advindos do cumprimento da lei de 1688, somam-se as certidões passadas nessa mesma época pelas principais autoridades da Capitania: os
irmãos do Colégio da Cia. de Jesus, o Prior do Convento N. Sr.ª do Carmo, o frei Francisco da Cruz, guardião do Convento de São Francisco,
o Provedor da Santa Casa de Misericórdia e o Ouvidor Geral. AHU CA
RJ 1766 a 1769, cd 1, f. 20-32.
cunhagem de dois milhões de moedas provinciais, que seriam distribuídas pela Bahia, Pernambuco e Rio de Janeiro.
Assim, em face das inúmeras representações provenientes das diferentes Capitanias do
Brasil, por suas Câmaras e seus Governadores,
somando-se a estas o pedido de Câmara Coutinho, o Rei de Portugal, entendendo a necessidade de se criar uma moeda própria à América
Lusa – com cunho e valor diferentes da moeda
do Reino21 e que circulasse somente nessas terras – instituiu em 8 de março de 1694 a primeira
Casa da Moeda no Brasil, para a cunhagem da
provincial: a Casa da Moeda Itinerante.
A moeda provincial trazia, pois, em suas
raízes, o embate em torno da questão do valor da
moeda, ocorrido no século XVII entre América
Lusa e Lisboa.
Neste panorama, a escassez de numerário
provocava iniciativas das Capitanias na tentativa
de se amenizar o problema. Algumas Câmaras
com apoio dos seus Governadores, mesmo sem
autorização régia promoveram, aumentos nominais nas moedas que circulavam na América
Lusa, como a ocorrida em 1643, na Bahia, e em
1676, no Rio de Janeiro.22 Estas ações independentes e a anarquia monetária vivida tanto aqui
quanto no Reino, levou a Monarquia a demonstrar sua força, por meio da lei de 1688. Esta lei,
que não foi amplamente aceita pelas principais
Capitanias da América Lusa, como evidenciado
pela documentação da época, se tornou alvo de
protesto das Câmaras.
A proximidade de algumas datas sugere
uma relação entre esses eventos apresentados e
a criação da Casa da Moeda Itinerante. Por volta de 1690-91, partem da Câmara do Rio de Janeiro reclamações contra o cumprimento da lei
21 10% a mais sobre o acréscimo anterior de 20%.
22 AHU CA RJ doc 1766-1769, cd 1, 1681, f. 33-34.
História e Economia Revista Interdisciplinar
19
In Hoc Signo Vinces - moeda e poder da monarquia na época moderna
de 1688, a representação de Câmara Coutinho
endereçada ao Rei D. Pedro II data de 1692 e
a criação da Casa da Moeda do Brasil, não por
acaso, data de 1694.
A criação da Casa da Moeda Itinerante
representou um ganho para as elites locais, uma
vez que a criação da moeda provincial significava aumento nas exportações dos gêneros da terra, pois aos comerciantes vindos do Reino eram
oferecidas duas opções: ou negociavam seus
produtos por uma moeda fraca, podre – mais
desvalorizada que a moeda do Reino e restrita
às transações comerciais da América Lusa – ou
em troca de açúcar, mesmo que considerado de
qualidade inferior.
Com isso, a moeda provincial acabou
por assegurar a saída do açúcar produzido na Capitania do Rio de Janeiro, garantindo desta forma a reiteração não só da economia baseada na
produção desse gênero, mas também da própria
hierarquia social presente nessa sociedade.
A criação da Casa da Moeda
Criada em 1694 para transformar o dinheiro antigo em moeda provincial, a Casa da
Moeda, instalada inicialmente na Bahia, acabou
por circular pelas principais Capitanias da América Lusa.23 Como nos mostra a carta enviada
em 14 de maio de 1696 pelo Governador Geral,
João de Lencastre, para Artur de Sá e Meneses,
o então Governador da Capitania do Rio de Janeiro, havia uma grande resistência por parte dos
habitantes dessa Capitania em enviar o pouco
numerário de que dispunham para a Bahia, com
o objetivo de ser recunhado. Escreveu Lencastre:
23 Para saber mais sobre o assunto: LIMA, F. C. G. de C. A criação
da Casa da Moeda ‘itinerante’ e a cunhagem de moeda provincial no
Brasil (1695-1702). Anais do V Congresso de Economistas de Língua
Portuguesa, Recife, 2003; AZEVEDO, M. A Casa da Moeda In: ____.
O Rio de Janeiro, sua História, Monumentos, Homens Notáveis, Usos
e Curiosidades. Rio de Janeiro: Brasiliana, vol II, 1969, p.275-291.
Coleção Vieira Fazenda; GONÇALVES, C. B. A Casa da Moeda do
Brasil... LUDOLF, D. A Casa da Moeda do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Separata dos Anais do Museu Histórico Nacional, vol XIX, 1968;
Revista Casa da Moeda, nº1-23, 1947-1950.
20
História e Economia Revista Interdisciplinar
muitas repetidas são as ordens que tenho mandado a essa Capitania, para na forma
das de sua Majestade, que Deus guarde, vir o
dinheiro dela a esta cidade e converter-se na
Casa da Moeda na Provincial; e nenhuma teve
efeito até o presente, pela repugnância que esses moradores tiveram ao risco que podia ter no
mar com os Piratas e na terra com as distâncias
dos caminhos, e passagens de caudalosos rios.
(SOMBRA, 107)
Em 1697, os membros da Câmara do
Rio de Janeiro, com o apoio do Governador da
Capitania, escreveram ao Rei relatando o inconveniente de se afastar daquela Praça o pouco numerário de que a mesma dispunha. Em resposta
a essa representação, o Rei ordenou aos vereadores que escolhessem entre dois meios:
ou mandarem o dinheiro como se lhe
havia ordenado a essa casa [da Bahia] ou remetesse acabado o lavor dela oficiais e engenhos
ao Rio de Janeiro para se reduzir a sua moeda, não se levando por parte de minha fazenda, senhoreagem ou braceagem, mas correndo
por conta de todos aqueles moradores a despesa desta fabrica, para a qual se lhe daria os
engenhos por estarem já pagos, e lhes mandei
declarar que iria um desembargador por Superintendente daquela Casa ao qual por sua conta
se havia de dar o ordenado que era costume24
Reconhecendo a vontade de seus vassalos e repassando para eles os custos com a
transferência e a manutenção da Casa e de seus
funcionários na Capitania do Rio de Janeiro, a
Monarquia não só permitiu a saída da Casa da
Moeda da Bahia rumo ao Rio, como também
abriu mão dos seus direitos reais, traduzidos no
imposto da senhoriagem e da brassagem,25 para
que esses fossem revertidos em prol da manutenção da Casa. Mais uma vez a Monarquia agia
24 Carta de Sua Majestade escrita ao Doutor João da Rocha Pita
Superintendente da Casa da Moeda, 7 de março de 1697, Apud GONÇALVES, C. B. A Casa da Moeda do Brasil...p. 153-154.
25 A senhoriagem é o imposto cobrado pela Monarquia aos particulares
na Casa da Moeda, para transformar metais em moeda ou recunhar
moedas que não cumprem as devidas condições legais. Já a brassagem
é o pagamento dos custos de amoedação. In: SOUSA, R. M. Moeda e
Metais Precisos... p.20.
de forma a favorecer seus vassalos da América
Lusa, em especial os da praça fluminense. A
Casa ficou temporariamente no Rio até 1700,
passando para Pernambuco nesse mesmo ano
e funcionando por lá até 1702. Já em 1703 ela
retorna, agora de maneira definitiva, para o Rio
de Janeiro.
Esta Casa da Moeda – que circulou pela
Bahia em 1694, pelo Rio de Janeiro em 1698 e
por Pernambuco em 1700, denominada de Itinerante – foi a resposta dada pela Coroa Portuguesa
para o problema da escassez e do aviltamento do
numerário vivida pela América Lusa no século
XVII. Com a abertura desta Casa na Bahia, buscava a Monarquia Lusa aliviar a crise financeira
advinda da falta de numerário e, no mesmo sentido, a evasão das moedas para o Reino.
Mas o século XVIII coloca a Casa da
Moeda numa nova paisagem política. Se até então o papel desempenhado pela Casa Itinerante
foi a cunhagem da moeda provincial, a descoberta das minas de ouro conferiu um novo peso
político a essa instituição, que passou a ser um
dos canais de administração e envio do ouro para
o Reino.
A Casa da Moeda do Rio de
Janeiro – 1703
A Casa da Moeda que se instalou no Rio
de Janeiro no alvorecer do século XVIII teve um
peso diferente da Casa da Moeda Itinerante. Não
só pelo tipo de moeda cunhada mas, sobretudo,
pela importância que essa Casa adquiriu na malha política da Monarquia Portuguesa. Antes de
investigarmos em pormenores essa Casa da Moeda do Rio de Janeiro, vale a pena analisarmos
um pouco a viragem que o século XVIII empreendeu nos rumos da Monarquia Lusitana.
Antes mesmo do tão sonhado ouro brasileiro ser descoberto, a América Lusa já vinha
desfrutando de uma crescente importância na
cartografia política do Império. Segundo Bethencourt, uma série de medidas militares e administrativas vinham sendo postas em prática
por Portugal para assegurar suas possessões no
Atlântico Sul. A articulação entre as duas partes
do Atlântico, costa brasileira e costa africana, começou a tomar contornos expressivos no XVII.
Tão estratégico se mostrava o domínio sobre os
portos de comercialização de escravos em Luanda, que Salvador Correia de Sá e Benevides levantou tropas no Rio de Janeiro para tirar Angola
do jugo holandês. Se no início do XVII a situação do Brasil na balança econômica do Império
era de inferioridade se comparada ao Oriente, ao
final do mesmo século a situação se inverteu, e
as rendas da América Lusa a superaram as do
Oriente. (BETHENCOURT, 1998, 320-335;
ALENCASTRO, 2000; BOXER, 1973)
Esta guinada, de fato, foi dada em decorrência dos descobrimentos do ouro. Segundo Boxer, a Coroa Portuguesa soube jogar com
a vaidade dos paulistas, quando solicitava seu
auxílio na prolongada procura por metais preciosos. Por volta de 1690, o Monarca autorizava
explicitamente o Governador do Rio de Janeiro
a induzir os principais paulistas a reunirem-se
às buscas de minas, através de promessas segundo as quais eles seriam feitos gentis-homens
da casa real e cavaleiros das três ordens militares, de Cristo, de Avis e Santiago. (BOXER,
2000, 61)26 Esse esforço por achar ouro e prata
na região sudeste da América Lusa se relaciona
com o fato de as economias de São Paulo e Rio
de Janeiro estarem à margem das plantations
nordestinas, fabricantes do produto-rei. Para o
Rio de Janeiro, cujo açúcar o comércio reinol
preteria, as investidas no sertão eram a tentativa de melhorar a reprodução de sua sociedade.
Afora isso, mesmo que houvesse incentivos da
Coroa, as expedições foram custeadas, em parte,
26 mais precisamente nota 9.
História e Economia Revista Interdisciplinar
21
In Hoc Signo Vinces - moeda e poder da monarquia na época moderna
pela fazenda dos sertanistas da nobreza da terra. Com isso, a façanha da descoberta, embora
empreendida por vassalos Del Rey, foi entendida
como uma conquista desses sertanistas, do local.
(GRAGOSO, 2002, 52-53)27
As descobertas dos veios auríferos
consolidaram o interesse da Coroa portuguesa
no Atlântico Sul, sobretudo a partir do século XVIII. A exploração do ouro produziu uma
tremenda mudança na paisagem geopolítica no
centro-sul da América Lusa. (BOXER, 2000,
163-189) Com a necessidade de se abastecer as
regiões mineradoras, rotas de fornecimento e comércio foram criadas. (SCHWARTZ, 1998, 86120; BOXER, 2000, 57-86; RUSSEL-WOOD,
1998, 471-525) Nesse novo contexto, o Rio de
Janeiro emergiu como uma das pedras mais preciosas da Coroa do Rei de Portugal, o ponto de
convergência de embarcações e circuitos mercantis. (SAMPAIO, 2003, 139-184; BICALHO,
2003) Não por acaso, foi nessa porta de entrada
das minas que se instalou, de maneira definitiva,
a Casa da Moeda.
Segundo Noya Pinto, as notícias cada
vez mais alvissareiras sobre a produção aurífera
e seu confronto com os minguados quintos arrecadados impulsionaram a Coroa a tomar uma
postura administrativa de cerco ao ouro. Em
1702, foi criada uma Casa de Fundição no Rio
de Janeiro, ao mesmo tempo em que se instalava
a Casa da Moeda. E, dois anos após, duas Casas
de Registro foram fundadas: uma em Santos e
outra em Paraty. (PINTO, 1979, 39-112)28
27 Mais precisamente nota 26 onde o autor cita a Carta de Gaspar
Rodrigues Paes – AHU, CA, doc. 3.093.
28 Também no início do século XVIII foi aprovado o Regimento para
as Minas de Ouro, 19/4/1702; em 1709 foram criadas as Capitanias de
São Paulo e Minas do Ouro, com a jurisdição separada da Capitania do
Rio de Janeiro. SALGADO, G. (Org.). Fiscais e meirinhos: a administração no Brasil colonial. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985. Para
saber mais sobre a estrutura administrativa e fiscal imposta em Minas
para o recolhimento dos direitos e tributos reais recomenda-se o recente
trabalho de CAMPOS, M. V. Governo de mineiros: “de como meter as
Minas numa moenda e beber-lhe o caldo dourado” 1693 a 1737. São
Paulo, 2002, Tese. (Doutorado em História) USP, FFLCH.
22
História e Economia Revista Interdisciplinar
Conforme pesquisas de Michel Morineau29 retomadas em trabalhos de Rita de Sousa,
podemos constatar que grande parte do ouro que
chegava a Portugal era ouro em moeda. A análise realizada pela autora da composição de duas
frotas, em momentos temporalmente diferentes,
nos permite confirmar a predominância do transporte de ouro já amoedado. Diversas notícias da
Gazeta de Lisboa relatam as grandes quantidades
de ouro em moeda que chegavam ao Reino. Por
exemplo: em julho de 1718, a frota saída do Rio
rumo a Lisboa levava em sua carga 432.052 moedas; em agosto de 1721, a frota saída da Bahia
rumo a Lisboa levava 24.773 moedas para Sua
Majestade e 283.487 moedas para particulares.
Para que possamos contextualizar a representatividade desses números, em 1718 a Casa da
Moeda de Lisboa havia cunhado apenas 162.167
moedas de ouro, emissão, portanto, muito aquém
das 432.052 vindas apenas do Rio.
Os estudos de Leonor Costa, Maria Manuela Rocha e Rita de Sousa demonstram que as
Casas da Moeda do Brasil, sobretudo a do Rio
de Janeiro, e a Casa da Moeda de Lisboa, funcionavam como espaços de amoedação complementares.30 Conforme os dados indicados por
essas autoras, as emissões de moeda portuguesa
de ouro no Rio, se confrontadas com as emissões
de ouro em Lisboa no período de 1730 a 1794,
foram significativamente mais elevadas do que
as da oficina monetária da capital do Reino.
A carta régia de 1702, que ordenou a
29 Morineau encontra-se a realizar um trabalho a partir dos livros dos
Manifestos da Casa da Moeda de Lisboa, em que procura determinar
os montantes de moedas cunhadas no Brasil e legalmente chegadas em
Portugal. SOUSA, R. M. O Brasil e as emissões monetárias de ouro em
Portugal (1700-1797), Penélope, Fazer e Desfazer a História, nº23,
2000, p.89-107.
30 Essa complementaridade descrita pelas autoras se refere aos fluxos
de emissão entre as Casas da Moeda. Se havia uma queda nas emissões
da oficina monetária de Lisboa, era porque ocorrera um aumento nas
emissões das oficinas da América Lusa. Além disso, outro traço distintivo entre as Casas da Moeda era os destinatários de suas emissões.
Nas Casas da América Lusa a maior porcentagem de moedas cunhadas
ia para os particulares enquanto a Casa da Moeda de Lisboa emitia
em maior quantidade para o Estado. COSTA, L., ROCHA, M. M. R.,
SOUSA, R. M. O Ouro Cruza o Atlântico In: Revista do Arquivo Público
Mineiro, Belo Horizonte, Ano XLI, p.71-83, Julho-Dezembro de 2005.
transferência da Casa da Moeda de Pernambuco
para Rio de Janeiro, deu também um novo caráter a essa instituição, ao ordenar que nela se
lavrassem as moedas de ouro correntes no Reino
e fossem para ele destinadas.31 A Casa da Moeda
que reaberta na da Bahia em 1714 e a criada em
Minas em 1725, mais especificamente em Vila
Rica, também cunharam moedas nacionais – as
que corriam no Reino. Pelo pouco que se sabe,
essas emissões são menores do que as da Casa do
Rio. Além da mudança no tipo de moeda a ser lavrada pela Casa, a importância que essa instituição vai adquirindo, na primeira metade do século
XVIII, pode também ser percebida nos variados
empréstimos feitos por ela para a manutenção
e viabilização da administração, da defesa e da
própria urbanização da América Lusa.
Quadro 1: Empréstimos feitos pela Casa
da Moeda do Rio de Janeiro
ANO
1699
QUANTIA
___
1701
___
1712
___
1713
275:194 cruzados
1723
100:000 cruzados
1737
92:000 cruzados
1756
40:000 cruzados
rendimentos foram aplicados em obras na Cadeia
e na Câmara, em pagamentos de naus guardacostas e postos militares na Capitania, contribuindo assim para a própria defesa local.
A partir da análise de um conflito ocorrido em 1755, provocado pela interferência do
Intendente Geral do Ouro nos assuntos da Casa
da Moeda32, pudemos perceber que a Casa do
Rio funcionou como um centro a partir do qual
os materiais necessários à fundição dos metais
eram redistribuídos. Pensando nos aspectos técnicos necessários à transformação e ao refino do
ouro, ter nas mãos o canal de comunicação de
pedido e recebimento dos tais materiais era ter o
controle sobre a conversão da matéria bruta em
produto comercializável: as moedas e as barras.
Isso, obviamente, se analisado dentro dos aspectos legais.
FINALIDADE
Pretensão dos oficiais da Câmara em comprar uma casa para os Governadores
e reedificarem o edifício da câmara.
Obras no edifício da câmara e cadeia.
Pagamento de postos militares.
Resgate da cidade.
Destacamento para Montevidéu.
Destacamento para Sacramento.
Custeamento de nau guarda costa.
Fontes: Fundo Secretaria do Estado do Brasil, Provedoria da Fazenda, Códice 60 v 12 169, AHU C.A. RJ doc
4502, cd 2, 23/8/1724, doc 9742, cd 3, 10/7/1737.
Esses dados, embora pouco numerosos
e incompletos, são uma boa pista de uma outra
faceta dessa instituição: a contribuição dada pela
Casa da Moeda para a organização e viabilização
da administração lusa na América. Sua presença
no Rio de Janeiro trouxe também ganhos para a
localidade. Como vimos no quadro acima, seus
31 CALMON, P. História do Brasil. Rio de Janeiro: Livraria José
Olympio, vol. III, 1971, p 893. Cunhar moedas nacionais para o Reino
era a principal função da Casa, mas isso não implica em dizer que
ela não cunhava moedas para particulares e que também não emitia a
moeda provincial.
Segundo Rita de Sousa, essa prática da
Casa da Moeda socorrer as despesas da Monarquia Lusa acontecia também no Reino.
Na década de [17]30, época dos conflitos na colônia do Sacramento, são numerosos os
avisos dirigidos ao Tesoureiro da Casa da Moeda
para que este entregasse ao Conselho Ultramarino determinados montantes, destinados a pagar
32 AHU CA RJ doc 18492, 1/2/1755.
História e Economia Revista Interdisciplinar
23
In Hoc Signo Vinces - moeda e poder da monarquia na época moderna
fornecimentos de munições, fardas, pólvora e diversos materiais de guerra, que se destinavam ao
Rio de Janeiro, a Nova Colônia, a Pernambuco e
a Paraíba. (COSTA, 2006)
Esse prestígio acabou por incitar o ciúme
de alguns setores no Reino, que tramavam contra
o funcionamento das Casas da Moeda no Brasil
– no plural, pois vale lembrar que em 1725 tínhamos funcionando aqui, além da Casa da Moeda
do Rio de Janeiro, a da Bahia, aberta em 1714, e
a de Minas, em 1725.
A correspondência de Manuel de Sousa,
um dos Provedores da Casa da Moeda do Rio
de c.1700 a 1721, já alertava para as intrigas urdidas em Lisboa contra as Casas da Moeda no
Brasil; teriam estas escapado no ano passado da
extinção, mas neste não sei se lograrão a mesma
fortuna, (BOXER, 1965, 28) dizia o Conselheiro Ultramarino Antônio Rodrigues da Costa, em
1716.
Procuramos analisar até aqui algumas
questões que envolveram a abertura de uma Casa
da Moeda na América Lusa em finais do XVII,
bem como suas diferentes fases. Nossa atenção
agora, se voltará para o interior da Casa da Moeda do Rio de Janeiro, para a compreensão do
seu funcionamento, suas legislações internas,
sua hierarquia.
Sobre a organização das
Casas da Moeda
Existem dois balizadores para a organização das Casas da Moeda na América Lusa: 1- o
Regimento de 9 de setembro de 1687, o mesmo
da Casa da Moeda de Lisboa, e 2- a instrução
feita por Rocha Pita, na época Chanceler da Relação do Brasil e primeiro Superintendente da
Casa da Moeda aberta na Bahia.
O Regimento de 1687 foi o segundo a
24
História e Economia Revista Interdisciplinar
ser observado pela Casa da Moeda de Lisboa, datando o primeiro de 1498, reinado de D. Manuel
I. Pelas primeiras linhas do novo Regimento,
ficam patentes os motivos de sua reformulação:
por estar hoje impraticável o antigo porque ela
até agora se governava, tanto pelas alterações
do tempo, como pela nova forma que se deu
ao lavramento do dinheiro.33 Segundo Rita de
Sousa, a nova forma do lavramento do dinheiro a
qual o texto se refere são as alterações ocorridas
na técnica produtiva em finais do seiscentos que
modificaram a cunhagem da moeda. Esta deixou
de ser feita pelo uso do martelo passando a ser
realizada pela técnica do balancê.34 Essa alteração técnica feita na produção da moeda é parte das medidas tomadas pelo Estado Português
para manter a qualidade da moeda em circulação,
pois, como vimos anteriormente, o dano do cerceio tinha se alastrado pelo reino e pela América Lusa, pondo em risco a utilização do pouco
dinheiro sonante disponível para as transações
comerciais.
O Regimento de 1687 traz algumas alterações em relação ao anterior, mormente a perda da importância dos Moedeiros no plano produtivo e o desmembramento do ofício de Juiz,
dando origem ao cargo de Provedor e de Tesoureiro. (SOUSA, 1999, 44-45) Relacionando os
ofícios às suas correlativas funções no tocante
às fases de fabrico da moeda, temos o seguinte
quadro organizacional:
33 “Regimento que Sua Majestade que Deus guarde manda observar na
Casa da Moeda, Lisboa, 1687”. Apud GONÇALVES, Cléber Batista. A
Casa da Moeda do Brasil..., 1989, pp.113-137.
34 balancê era uma prensa de parafuso com um braço terminado por
pesos horizontalmente fixado na extremidade superior do referido
parafuso. Acionado pelo braço humano, usualmente dois a quatro
homens, esse veio-parafuso, em cuja extremidade inferior era colocado
um cunho, descia rapidamente, esmagando o disco metálico contra um
outro cunho fixo aposto na parte central do balance e na perpendicular
do cunho móvel, obtendo-se assim a moeda cunhada. Apud SOUSA,
Rita Martins de. Moeda e Metais Precisos... p.34.
Quadro 1: Os ofícios segundo as suas
funções
Direção
Provedor
Tesouraria
Tesoureiro
Contabilidade
Escrivão da Receita
Escrivão da Conferência
Guarda Livros
Controle da
Fiel do Ouro e ajudante
Quantidade
Fiel da Prata e ajudante
Controle da
Juízes da Balança (2)
Qualidade
Ensaiadores (2) e ajudantes
Fabricação
Fundidor
Guarda do Cunho
Abridor dos Ferros ou Cunhos
Moedeiros (104)
Auxiliares
Serralheiro
Porteiro
Contínuo
Meirinho
Fonte: SOUSA, Rita. Moeda e Metais Precisos no Portugal
Setecentista (1688-1797). Lisboa: Universidade Técnica de
Lisboa, 1999, Anexo 2.1, p.283. (Tese de Doutorado Inédita).
Segundo o Regimento, o principal ofício
da Casa da Moeda era o de Provedor. Tinha este
por obrigação dar notícia ao Conselho da Fazenda sobre qualquer alteração na moeda dos reinos
vizinhos, para se saber os preços pelo quais corriam os câmbios, e também sobre toda novidade
a propósito da moeda no reino e nas conquistas.
Era ele igualmente responsável pela fiscalização
do trabalho da Casa e pela assistência às possíveis faltas dos materiais necessários ao lavramento da moeda. Era ele também incumbido da
eleição dos 104 moedeiros, aos quais passaria
suas cartas, afim de que o Conservador os armasse e desse juramento.
Ao Provedor também caberia requerer
por escrito aos Corregedores e Juízes do Crime
para que o assistissem nas execuções do ouro e
prata dos ourives ou quaisquer outros que pertencessem à Moeda. Tinha ele também permissão
para pôr ou suspender verbas nos ordenados dos
oficiais da Casa, aos que não estivessem satisfazendo as suas obrigações, fazendo autos que
remeteria ao Conservador. Esses autos não poderiam ser feitos contra o Tesoureiro, Escrivães,
Fundidores e Juízes da Balança, porque contra
estes não procederia antes de dar conta ao Rei
pelo Conselho da Fazenda. Poderia, também, fazer autos que seriam remetidos ao Conservador
de quaisquer pessoas que dissessem palavras injuriosas a algum oficial da Moeda.
Era o Provedor aconselhado a chamar à
Casa da Moeda os homens de negócio que lhe
parecessem necessários para saber das notícias
que fossem interessantes ao bom funcionamento
da Casa.
Depois do Provedor, o ofício mais importante era o de Tesoureiro. Ele não só centralizava todo o processo de amoedação, como
também se relacionava com as partes (os particulares) na entrega do metal amoedado. (SOUSA,
1999, 46) Pelas palavras do Provedor da Casa da
Moeda do Rio de Janeiro, José da Costa Matos,
em 1751 se confirma a importância deste ofício
na hierarquia da Casa: Este ofício tem de ordenado trezentos mil rés por ano. E sendo na série
do Regimento o primeiro depois do meu lugar,
é o mais inferior no ordenado aos oficiais da
Mesa do Despacho...35 Essa Mesa era formada
pelo Provedor, pelo Tesoureiro, pelos Escrivães
e pelos Juízes da Balança. Curiosamente, nos ordenados declarados em 1759 na Casa da Moeda
de Lisboa, o Tesoureiro era o oficial da Casa com
o ordenado mais elevado; recebia o Provedor,
900.000 réis/ano e, o Tesoureiro, 1.200.000 réis/
ano.
35 AHU CA RJ doc 15144, cd 5, 1751. Grifo nosso.
História e Economia Revista Interdisciplinar
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In Hoc Signo Vinces - moeda e poder da monarquia na época moderna
O Escrivão da Receita & Despesa e o
Escrivão da Conferência eram os responsáveis
pelos registros contabilísticos da Casa, podendo o Escrivão da Receita substituir o Provedor
quando necessário. Isso ocorreu na Casa do Rio
nos anos de 1721 a 1723, quando o então Provedor, Manuel de Sousa, regressava para o reino,
deixando a direção da Casa por conta de Francisco da Silva Teixeira, o Escrivão da Receita &
Despesa.
O Guarda Livros era responsável não só
por acomodar os livros nos armários, como também pelo recolhimento daqueles que registram
as diversas fases do fabrico da moeda, designados por livros da Ementa.
O Fiel do ouro ou da prata era o responsável por receber e dar feito em moeda todo o
ouro que se lhe entregar. Devendo confirmar o
justo peso das moedas, antes de chegarem ao
controle da qualidade realizado pelo Juiz da Balança. Feita a entrega da moeda, deveria o Fiel
apresentar a parte em sizalhas 36 ao Fundidor
para nova fundição, enquanto a escovilha 37 era
de sua pertença. O Regimento, no capítulo 62,
exigia a separação dos ofícios de fiel, fundidor e
guarda-cunho, pois não deve o oficial que faz a
moeda fundir o metal de que se obra, nem ter em
seu poder os ferros com que se cunha.
Os Juízes da Balança e os Ensaiadores
eram os responsáveis pelo controle da qualidade da moeda. Aos Juízes da Balança competia
a aferição do peso das moedas, sendo a balança
mais importante a que se encontrava na Casa do
Despacho, onde se fazia a entrega do dinheiro
já amoedado. Embora houvesse esse controle no
legítimo peso das moedas, admitia-se legalmente
uma pequena variação, para mais, as febres (so36 As sizalhas são os resíduos das barras de metal. In: SOUSA, Rita
Martins de. Moeda e Metais Precisos... nota 33, p.47.
37 A escovilha corresponde às partículas de metal precioso que ficavam
nos utensílios onde se realizava a fundição do metal. In: SOUSA, Rita
Martins de. Moeda e Metais Precisos... nota 34, p.47.
26
História e Economia Revista Interdisciplinar
bra) ou para menos, os fortes (falta).
Já aos Ensaiadores cabia o exame da
qualidade do metal de que era composta a moeda. O dinheiro deveria sair com a devida lei: a
prata deveria ter de lei onze dinheiros e o ouro
vinte e dois quilates. O último ensaio ocorria já
depois da moeda feita, para se prevenir dos casos
em que o dinheiro tivesse sido adulterado.
Da fabricação participavam o Fundidor,
os Abridores dos Ferros ou Cunhos e os Moedeiros. O Fundidor, além de responsável pela
fundição dos metais, que deveria ocorrer sempre
com o conhecimento do Provedor, a fim de que
este nomeasse um dos Ensaiadores para Guarda
da Fundição, cabia-lhe também a compra de todo
o ouro que circulava pela Casa da Moeda. Por
isso, este ofício deveria andar sempre em pessoa
de cabedal e crédito. Os Abridores dos Ferros ou
Cunhos eram os oficiais incumbidos da perfeição
da marca da moeda, que continha o nome do Soberano, as Armas e a Cruz.
Os Moedeiros não tinham o estatuto de
oficiais da Casa da Moeda, pois o trabalho que
prestavam nela era descontínuo. Não poderiam
ser mais do que 104, sendo repartidos em doze
Tiradores, dezoito Fieiros, quinze Cunhadores e
quinze Contadores, sendo os restantes quarenta e
quatro encaminhados pelo Provedor para as atividades que lhe parecessem mais convenientes.
Segundo Rita Martins de Sousa, essas atividades
podiam ser a compra de ouro e prata, sobretudo
quando a falta de metais preciosos era excessiva na Casa da Moeda; como foi o caso de 1685
na Casa da Moeda de Lisboa, como a compra de
moedas com o peso fora da lei; como ocorreu em
Lisboa em 1733. Devido ao cerceamento da moeda de ouro, os Moedeiros foram enviados para
as cabeças das comarcas para comprarem as moedas com falta de peso. (SOUSA, 1999, 51)
Os Moedeiros deveriam ser sempre oficiais de tenda aberta, morador da cidade e, em
nenhum caso, poderia ser nomeado Moedeiro
um ourives. Eles eram escolhidos pelo Provedor
e enviados para o Conservador do Cabido para
se armarem moedeiros. Consta que, no ritual
de sagração, o Moedeiro portando um capacete,
de joelhos prestava o juramento solene sobre os
Santos Evangelhos e recebia do Provedor o grau
que lhe era conferido através de duas leves pancadas sobre o capacete, dadas com uma espada
finamente lavrada. Essas pancadas significavam
fé e lealdade e dedicação ao trabalho. (GONÇALVES, 1948, 3-14) Para gozarem de seus privilégios era necessário ter uma certidão e o nome
constar no Livro da Matrícula da Casa da Moeda; para tanto, tinham de pagar 4.000 réis cada
um que se armasse moedeiro: 2.000 iriam para
o Conservador e, os outros 2.000, para a Corporação. Afora essas condições, os Moedeiros não
poderiam falir de crédito, pois, se isso ocorresse,
era-lhes retirada a carta e seu lugar era ocupado
por outro. (SOUSA, 1999, 51)
Completando o quadro da Casa, temos
os Auxiliares. O Serralheiro era o responsável
por acudir qualquer conserto nos engenhos. Ao
Porteiro cabia zelar pela Casa durante o dia e,
de noite, lhe servir de guarda, devendo residir
na própria Casa da Moeda. O Meirinho deveria
servir de carcereiro da prisão que havia na Casa
da Moeda. Já o Contínuo era incumbido da correspondência da Casa da Moeda.
Na verdade, a instalação da Casa na
Bahia não tomou a amplitude que tal Regimento
permitia. D. Pedro II, Rei de Portugal, passou algumas instruções ao Provedor da Casa da Moeda
da Bahia, orientando que: não se embarace muito com o Regimento, porque tem algumas coisas
impraticáveis, quando se possa ajustar com ele
no essencial, não deve reparar nas circunstâncias e acidente. (GONÇALVES, 1989, 112)
Com a vinda da Casa da Moeda Itinerante para o Rio de Janeiro em 1698, João da Rocha Pita, atendendo a vontade de Sua Majestade
escreveu uma instrução, constando de dezoito
apontamentos, para que por ela se guiasse o Superintendente da Casa no Rio de Janeiro, o Desembargador Miguel de Siqueira Castelo Branco. Essa Instrução38 versava, dentre outras coisas, sobre o direito de nomeação do Tesoureiro,
que deveria ser eleito pelo Senado da Câmara,
tal qual havia ocorrido na Bahia; sobre os preços
que deveriam ser pagos na compra dos metais
preciosos pela Casa; sobre a importância do Provedor e do Ensaiador Manuel de Sousa dentro
da Casa da Moeda, faltando por algum caso a
pessoa de José R Rangel, servirá em seu lugar
Manuel de Sousa que vai por ensaiador, homem
de muita verdade e perícia na sua ocupação, e
que para administrar a casa tem toda a suficiência necessária. (GONÇALVES, 1989, 155-157)
O primeiro Provedor da Casa da Moeda
do Rio de Janeiro foi José Ribeiro Rangel. Este
já havia servido de Juiz da Moeda39 na Casa
da Bahia em 1694, juntamente com Manuel de
Sousa, que desempenhava na época o ofício de
Ensaiador. Em 1700, a Casa da Moeda situada
no Rio de Janeiro foi transferida juntamente com
os seus oficiais para Pernambuco. Seria Rangel a exercer ali o ofício de Provedor; porém,
ele seguiu para o Reino, passando a Manuel de
Sousa a administração da Casa de Pernambuco. Com a volta da Casa para o Rio de Janeiro
em 1702, agora de maneira definitiva, Manuel
de Sousa continuaria na sua direção até 1721,
quando retornaria ao Reino. Manuel faleceu em
1722. Foi Francisco da Silva Teixeira, o então
Escrivão da Receita & Despesa, que assumiu a
direção da Casa interinamente até 1723, quando
38 Instrução que mandou o Dr. João da Rocha Pita ao Superintendente
do Rio de Janeiro Desembargador Sindicante Miguel de Siqueira
Castelo Branco. Apud, GONÇALVES, C. B. A Casa da Moeda do
Brasil...1989, p.155-157.
39 De início os Provedores eram denominados Juízes e agregavam as
funções que depois seriam do Tesoureiro e do próprio Provedor.
História e Economia Revista Interdisciplinar
27
In Hoc Signo Vinces - moeda e poder da monarquia na época moderna
seguiu para as Minas para servir nas Casas de
Fundição e Moeda. Ficou em seu lugar, Manuel
de Moura Brito, Escrivão da Receita & Despesa.
Manuel de Moura Brito foi Provedor Interino até
1726, quando se teve uma nova provisão para o
cargo. Concorreram para este o próprio Manuel
de Moura Brito, Dionísio Batista Mendonça, o
já citado Francisco da Silva Teixeira e João da
Costa Matos. Designado por provisão real em 25
de junho de 1725, o novo Provedor efetivo, João
da Costa Matos, foi empossado em 24 de março
de 1726.40
Considerações Finais
A Casa da Moeda Itinerante foi fruto da
negociação vivida no século XVII entre América
Lusa e Lisboa sobre a moeda, sua escassez, seu
aviltamento e a alteração do seu valor. Essa Casa
Itinerante representou também mais uma oportunidade de participação de autoridades locais na
administração régia.
Se de início a função da Casa Itinerante aberta na Bahia em 1694 foi a cunhagem da
moeda provincial – que significou uma conquista
para as principais famílias da terra, por assegurar as exportações de açúcar, afastando assim o
perigo da paralisação da economia pela falta de
numerário e pela desfabricação dos engenhos –
dentro do contexto das descobertas e exploração
dos veios auríferos essa instituição foi ganhando
um novo peso dentro da geopolítica do Império
Ultramarino. Agora marcadamente voltado para
o Atlântico Sul.
Juntamente com essa mudança da conjuntura política que deu uma nova feição à Casa
da Moeda do Rio de Janeiro, ocorreu também
uma alteração no perfil dos Provedores que estiveram à frente da Casa de 1702 a 1750. Manuel
de Sousa veio do reino para a Casa da Bahia em
1694 no cargo de Ensaiador, passando a Prove40 AHU CA RJ doc 4135, cd 2, 1725.
28
História e Economia Revista Interdisciplinar
dor em Pernambuco em 1700 e Provedor da Casa
do Rio de 1702 a 1721. Pela sua correspondência
nota-se uma estreita ligação com membros da
alta administração lusa, como o Marquês de Marialva, seu compadre, e o Conselheiro do Ultramarino Antônio Rodrigues da Costa. Diferente
de João da Costa Matos, que inaugurou uma linha sucessória dentro da Casa. Este foi Provedor
de 1725 a 1750, seu filho José de 1750 a 1811
e depois seu neto também João da Costa Matos. Se Manuel guardava estreitas relações com
membros da administração lusa, João tem na sua
trajetória um histórico de participações no local:
foi Escrivão dos Quintos do Ouro, Almoxarife
da Fazenda, Capitão de Fortaleza e casado duas
vezes com moças nascidas no Rio de Janeiro.
Essa mudança no perfil dos Provedores pode ser
fruto de um rearranjo político entre a Monarquia
e as principais famílias da terra para um melhor
controle sobre os canais de envio do ouro para o
reino, até porque João da Costa Matos exerceu
concomitantemente ao cargo de Provedor e de
Superintendente das Casas de Fundição em Minas, substituindo Eugênio Freire de Andrade.
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História e Economia Revista Interdisciplinar
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30
História e Economia Revista Interdisciplinar
“A parte onde cria é aquele onde
menos ouro se vê”:
ouro e crédito em Minas Gerais durante o século XVIII
Raphael Freitas Santos
Professor Assistente Temporário/UFOP e doutorado em História Econômica/UFF
[email protected]
Resumo:
O costume de vender fiado e a frequência com que se recorria a operações de crédito são referências constantes em relatórios de funcionários da coroa portuguesa, no que tange a economia mineira setecentista. O objetivo desse artigo é, a partir do escopo teóricoconceitual da história social e da análise de fontes de origem cartorial, compreender a dinâmica do crédito cotidiano praticado pela
população mineira durante o século XVIII. O uso de tal metodologia é capaz de ampliar as interpretações sobre crédito, elucidando
questões relativas às trocas cotidianas; e, o uso de tais fontes, de ter um maior conhecimento sobre as práticas dos indivíduos em
sua vivência no mercado.
Palavras-chave: Crédito, Práticas Creditícias, Colônia, Minas Gerais
Abstract:
The custom of selling on credit and the frequency of credit transactions are constant references in the reports of Portuguese colonial
officials concerning eighteenth-century Minas Gerais. The aim of this article is understand the dynamics of everyday credit practiced
in Minas Gerais during the eighteenth century. This article was based on the methodology of Social History and the analysis of
notarial documents. The use of such methodology and sources helps understand the concept of credit, clarifies issues about daily
trade; and informs about the market practices of the people..
Keywords: Credit, credit practices, colony, Minas Gerais.
História e Economia Revista Interdisciplinar
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“A parte onde cria é aquele onde menos ouro se vê”:ouro e crédito em Minas Gerais durante o século XVIII
A
citação que dá nome ao artigo é capaz
de ilustrar a relação entre ouro e crédito em Minas Gerais durante o século XVIII. O trecho foi retirado de uma carta do
governador da capitania, escrita em 1720. Nela,
D. Pedro de Almeida se espantava com o fato de
“sendo este país [as Minas] a parte onde cria, é
aquele onde menos ouro se vê”. 1 (grifo nosso).
Se, assim como no restante da América Portuguesa, em Minas Gerais faltavam moedas, como
teria sido possível ter desenvolvido ali um mercado relativamente importante, em um contexto
de precária circulação monetária? Talvez a resposta para essa questão possa estar nas operações
cotidianas de crédito praticadas pela população
da região, na vivência do mercado.
A historiografia tradicionalmente salientou a escassa liquidez pela qual passava a economia da América Portuguesa, como uma das explicações para as limitações do desenvolvimento
de um mercado auto-centrado no Brasil colonial.
Aliás, salientou Arruda, “a carência de moedas
na colônia sempre se constituiu num problema
sério, a ponto de, em vários momentos, ter se institucionalizado a circulação de ‘bilhetes de extração’ ou de ‘permuta’”. (ARRUDA, 1980, 346) 2
De acordo com Russell-Wood, a escassez de dinheiro líquido teria sido uma das razões
para o declínio da prosperidade na Bahia a partir
do século XVIII: “em 1712 o conselho municipal
estimou que a quantidade total de moeda circulante da Bahia não ultrapassava 500.000 cruzados”. (RUSSEL-WOOD, 1981,53) Kátia Mattoso sugeriu, ainda para a Bahia, que “essa falta
de numerário que se traduzia quase sempre pela
falta de moeda divisionária tinha uma influência
muito grande e decisiva sobre as modalidades de
compra e venda de mercadorias quer se tratasse
1 APM – Seção Colonial: Caixa 4, 802-806.
2 Como foi o caso, por exemplo, dos bilhetes de extração que circularam como moeda no Distrito Diamantino durante o período da Real
Extração. Ver: FURTADO, Júnia F. O livro da capa verde. O regimento
diamantino de 1771 e a vida no distrito diamantino no período da Real
Extração. São Paulo: Annablume, 1996, p. 152.
32
História e Economia Revista Interdisciplinar
de operações do tipo grossistas ou do tipo retalhistas”. (MATTOSO, 1978, 261)
A circulação deficitária de moedas não
teria sido muito diferente ao sul da América portuguesa. Segundo Nazzari, “como a economia
paulista do século XVII sofria de uma escassez
de moeda, certas mercadorias, como o tecido
de algodão, eram com frequência usadas localmente para o pagamento de dívidas”. (NAZZARI,2001,92) Tamanha era a escassez de moedas
no Rio de Janeiro que, como em muitos outros
lugares, o mercado acabou gerando moedas
substitutas. Para tanto, produtos de grande circulação acabaram tomando o lugar do dinheiro nas
transações comerciais. Um desses substitutos foi
o açúcar. De acordo com Sampaio, “sua utilização como moeda é uma constante na documentação seiscentista. (...) Além disso, o açúcar aparece constantemente nas escrituras do século XVII
como meio de pagamento, sobretudo nas vendas
rurais” (SAMPAIO, 2003). Mesmo durante o setecentos, “o dinheiro parecia pouco participar do
dia-a-dia dos indivíduos da sociedade fluminense”. (SAMPAIO, 2002)
De acordo com a historiografia, apesar
de todo ouro extraído em Minas Gerais, a situação ali não deveria ter sido muito diferente: seja
pela dinâmica do sistema colonial que canalizava
o ouro para a Metrópole, seja pela especialização da produção que consumia todos os recursos
extraídos. (NOYA PINTO, 1979) Mas, se por
um lado a historiografia vem atribuindo como
característica marcante de todo o período colonial brasileiro a precária circulação monetária –
mesmo na capitania de Minas Gerais, apesar de
toda a extração de ouro –, trabalhos recentes vem
buscando relativizar essa máxima. Nesse sentido
Ângelo Carrara (2010), em artigo recente, argumentou que a tão propalada falta de moeda,
presente inclusiva na própria documentação do
Arquivo Histórico Ultramarino, nada mais era do
que o reconhecimento das dificuldades existentes em uma das unidades monetárias praticadas
na capitania: a oitava do ouro em pó.
Segundo o autor, não restam dúvida que
o destino natural do ouro extraído de Minas Gerais era os mercados atlântico e, principalmente, europeu. No entanto, antes de percorrer este
caminho que esteve predestinado, boa parte do
ouro – que não teria sido enviado as casas de
fundição imediatamente ao momento de sua extração, mas sobretudo no momento em que era
preciso remetê-lo para fora da capitania – circulou de mão e mão sob sua forma de pó e grãos.
(CARRARA, 2010)
Como já apontava Pandiá Calógera
(1960, 11-12), ao contrário de muitas outras regiões da América portuguesa, além das moedas
de prata coloniais, do bilhão de cobre e das barras de metal, nas Minas, o ouro em pó circulou
durante muito tempo livremente e acabou se tornando a principal moeda nas trocas comerciais
cotidianas. Em relatório enviado a Coroa portuguesa, José João Teixeira ilustra com precisão
essa prática monetária. Segundo o funcionário
da Coroa,
São inúmeras as quantias de ouro em
pó, que giram na Capitania de Minas e infinitos os pagamentos que se fazem com ele. Está
calculada a perda que costuma haver nestes pagamentos miúdos em cinco por cento, porque a
experiência tem mostrado que toda pessoa que
tiver cem oitavas de ouro e as for gastando em
pagamentos miúdos, vem a perder cinco; parte
deste ouro fica pegado nas balanças, parte nos
papéis em que se embrulha e parte se desencaminha com o ar, o que acontece às partículas mais sutis. (COELHO. Apud. ZEMELLA,
1990,164)
É importante ressaltar que a circulação
de ouro em pó não teve impacto apenas na capitania de Minas Gerais. Segundo Carrara (2010,
237), “a circulação mercantil constituída pela
produção de ouro não se circunscreveu ao território da capitania. A mineração fecundou os
circuitos mercantis no interior do Brasil, e trouxe
para a sua órbita de influência gêneros”.
A partir do exposto, uma conclusão possível é a de que a questão da falta de moeda no
Brasil setecentista precisa ser, no mínimo, relativizada. Porém, para se chegar a tal conclusão é preciso se levar em conta não apenas os
agregados macroeconômicos, conforme sugeriu
Ângelo Carrara (2010, 263), mas também a microescala, “à qual se revelam os comportamentos
monetários e sua incrustação social”. Partindo
desse pressuposto, é possível perceber que certas
práticas utilizadas pelos indivíduos, em sua vivência do mercado, foram responsáveis pela superação do paradoxo de um mercado em expansão e uma relativa carência de moedas eficazes.
Além do ouro em pó, outra solução encontrada
para resolver esse paradoxo foi encontrada pela a
própria sociedade que, segundo Silveira, “forjou,
no cotidiano, uma solução: efetivou como uma
nova moeda, no conjunto das transações diárias,
a palavra, escrita ou falada”, o crédito. (SILVEIRA, 1997, 97)
Crédito e práticas creditícias
De acordo com a terminologia da época, o termo “crédito” estava muito mais ligado
à idéia de confiança, “fé que se dá a alguma
cousa”, “autoridade, estimação”, “favor, valimento”, do que a de uma atividade econômica –
conforme definição do termo “crédito” segundo
o Vocabulário Português e Latino escrito por D.
Raphael Bluteau (1712). Apenas como a última
das definições para o termo, aparece o sentido
de “crédito entre mercadores, abono de cabedal
e correspondência entre os mais” Portanto, “crédito”, na sociedade setecentista, estava mais ligado a um sentido social do que econômico – se
é que traçar um limite entre essas duas esferas,
História e Economia Revista Interdisciplinar
33
“A parte onde cria é aquele onde menos ouro se vê”:ouro e crédito em Minas Gerais durante o século XVIII
naquele momento histórico, possa ser uma tarefa
possível.
Por isso preferimos aqui entender as operações de crédito nas Minas setecentistas como
uma prática social. Nesse sentido, foi utilizada a
idéia de “práticas creditícias” para definir o conjunto de atividades de financiamento à produção
e/ou ao consumo utilizado cotidianamente nessa
sociedade. Entendemos por “práticas” as atividades produtoras de sentidos singulares, que adquire significados para indivíduos e determinados
grupos de pessoas, de acordo com suas experiências de vida e com as estruturas do habitus.3 As
“práticas creditícias” seriam, portanto, as diversas apropriações que os habitantes da comarca
do Rio das Velhas fizeram do crédito, quando
deviam e quando eram credores.
Para melhor compreensão das práticas
creditícias nos valemos, principalmente, das informações retiradas de 379 inventários post-mortem escritos entre 1713 e 1773, que alimentaram
o Banco de Dados de Inventários e Testamentos
da Comarca do Rio das Velhas.4 Além disso,
foram analisadas escrituras referentes ao Cartório de Primeiro Ofício da Vila Real de Sabará,
comarca do Rio das Velhas, entre 1719-1769.
Tratam-se de 913 escrituras das quais apenas
195 alimentaram uma base de dados, uma vez
que foram privilegiadas as escrituras de compra
e venda e de dinheiro tomado a juro, assim como
traslados de créditos e recibos frente ao notário.
3 Segundo Bourdieu a “prática” é estruturada, mas relativamente
autônoma. Isso porque ela é o produto da relação dialética entre uma
situação e um habitus. Entende-se por habitus uma matriz de percepções e de ações que geram e estruturam as práticas, mas que não são
simples produtos da obediência a uma regra ou modelo pré-estabelecido. Esse princípio gerador de práticas, diante de situações imprevistas,
permite criar estratégias de ação, procurando a melhor escolha a partir
da avaliação inconsciente das experiências passadas. As relações entre
devedores e seus credores são muito mais complexas, se pensarmos o
crédito por essa chave. BOURDIEU, Pierre. Esboço de uma teoria da
prática. Precedido de três estudos de etnologia cabila. Oeiras: Celta
Editora, 2002, p. 166.
4 O Banco de Dados de Inventários e Testamentos da Comarca do Rio
das Velhas foi um projeto iniciado em 1992 sob coordenação da Prof.
Dra. Beatriz R. de Magalhães (UFMG) e financiado pela FAPEMIG e
pelo CNPq.
34
História e Economia Revista Interdisciplinar
A partir dessa amostragem foi possível
perceber que boa parte das transações assentadas em escrituras públicas – cerca de 47,1% –
foram realizadas a prazo, ou seja, se tratavam de
operações de crédito. O prazo para o pagamento
da dívida era, em média, de 38,2 meses, sendo
que o maior encontrado foi referente a um sítio
vendido pelo Capitão Braz Rodrigues da Costa à
Manoel Gonçalves Lima, em que o pagamento
– equivalente a 2:803$000 – deveria ser quitado
dentro de 192 meses após o dia da venda5; e o
menor prazo estipulado foi de um dia.6 Com relação aos juros cobrados, eles variavam entre 5
e 6,25%, conforme a legislação vigente, e foram
mencionados em apenas 7,6% dos casos analisados, todos referentes a empréstimos.7
No entanto, as transações assentadas em
escrituras públicas tinham algumas particularidades. Em sua maioria, se tratavam da compra e
venda de bens de raiz ou créditos vencidos que
estavam sendo novamente cobrados. Na maior
parte das escrituras notariais eram negociados
valores altos, principalmente quando comparados às dívidas analisadas a partir dos processos
de inventário post-mortem. Enquanto nos inventários as dívidas eram, em média, no valor de
229$621, nas escrituras notariais as transações
giravam em torno de 2:117$6667, em média.
Ao que tudo indica, as operações creditícias cotidianas são mais facilmente mapeadas
por meio da pesquisa em inventários post-mortem do que nas escrituras públicas. Essas tran5 O devedor deveria desembolsar 7000 cruzados e 3$000 como entrada
e realizar pagamentos anuais de 400$000, mais os dízimos equivalentes
a 36 oitavas e meia que estava devendo o capitão à Coroa. MO-Casa
Borba Gato/IPHAN – Livros de Notas: Códice s/n – 1768, fls. 81v-82v.
6 Conforme a escritura de fiança passada pelo Juizado dos Órfão e Ausentes da Vila à Francisco de Seixas Brandão, um dos fiadores de uma
dívida de 3000 cruzados contraída junto ao cofre do juizado. MO-Casa
Borba Gato/IPHAN – Livros de Notas: Códice s/n – 1748, fls. 33-34.
7 A taxa de juros foi limitada pela Coroa Portuguesa até a primeira
metade do século XVIII em 6,25% ao ano e de acordo com o alvará de
1757 foi reduzida, proibindo o empréstimo senão a uma taxa de 5%
anual. Ver: Código Philipino ou Ordenações do Reino compiladas por
mandado Del Rey D. Phillipe II. XIV edição. Rio de Janeiro: Tipografia
Instituto Philomático, 1870.Additamentos, p. 1044.
sações cotidianas envolviam pequenas somas,
que deveriam ser pagas em curto prazo, sobre
as quais, pelos menos aparentemente, não era
cobrada qualquer taxa de juro e, muito menos,
eram acompanhadas da exigência de alguma
contrapartida. Além disso, havia uma grande alternância do papel dos indivíduos nas operações
creditícias, ora como credores, ora como devedores. Foi o que aconteceu em 32% dos casos
analisados, conforme a tabela abaixo.
TABELA 1: Participação das dívidas nos
inventários entre 1713 e 1773.
Tipo de inventário
%
Com dívidas ativas e passivas
32%
Somente com dívidas ativas
31%
Somente com dívidas passivas
14%
Sem dívida alguma
23%
TOTAL
100%
FONTE: Banco de Dados de Inventários e Testamentos da
Comarca do Rio das Velhas – século XVIII.
Pode ter sido justamente essa alternância de papéis que tornou dispensável, em muitos casos, a cobrança de juro e a exigência de
garantias. Um credor sabia que, ao dar crédito a
uma pessoa, ele estaria garantindo uma atitude
idêntica do indivíduo que, naquele momento, lhe
era devedor, e do restante das pessoas que faziam
parte de sua rede clientelar e/ou de sociabilidade. (HESPANHA, 1993, 381-39) Dessa forma,
para uma parcela da população, as práticas creditícias funcionavam, também, como formas de
entreajuda, com base na confiança e na expectativa de um tratamento idêntico no futuro. Uma
passagem do testamento de Antônio Gomes de
Almeida ilustra bem a rotatividade que o crédito
apresentava nas Minas setecentistas:
Declaro que não faço menção de dívida nenhuma que devo nem de nenhuma que se
me devem porque ao tempo do meu falecimento poderei já ter pago a quem agora devo e ter-
me pago quem agora me deve e por isso peço e
rogo a meus testamenteiros que pague todas as
dívidas que eu dever sem contendas de justiça
mostrando créditos ou recibos meus.8
É preciso destacar, ainda, a representatividade das operações de crédito no universo econômico setecentista, de acordo com nossa amostragem. Em cerca de 77% dos inventários analisados foi encontrada alguma menção a dívidas
e/ou a créditos. Isso significa que a maioria dos
habitantes da região que possuía bens, em algum
momento da sua vida, foi credor e/ou devedor.
Apesar dos processos de inventários não ter feito
parte da vida da maioria dos habitantes da região,
sua análise permite entender como funcionavam
as operações cotidianas para a camada mais economicamente ativa da população.
A abrangência do alcance das práticas
creditícias na capitania de Minas Gerais se deve
ao fato do lastro principal de uma dívida não
passar, naquele momento, necessariamente por
bens materiais, mas, principalmente, por meio
da confiança – muito embora essa confiança estivesse inevitavelmente ligada a expectativa de
solvência do devedor. Em outras palavras, o que
garantia o acesso ao crédito não era uma variável
simplesmente de ordem econômica, mas também
de ordem social. Essa, talvez, fosse a principal
característica das operações creditícias realizadas naquele momento.
Outra singularidade das operações de
crédito coloniais, identificadas nas Minas setecentistas, diz respeito às quitações das dívidas.
Ao que tudo indica, muitas dívidas nunca chegaram a ser cobradas e mesmo quando foram,
em muitos casos não houve o pagamento destas.
Durante muito tempo, o fenômeno do endividamento nas Minas foi visto pela historiografia
8 MO-Casa Borba Gato/IPHAN: Testamentos (CPO) Códice 08(16), fls.
556 - 562v – 24/07/1751.
História e Economia Revista Interdisciplinar
35
“A parte onde cria é aquele onde menos ouro se vê”:ouro e crédito em Minas Gerais durante o século XVIII
como um sintoma da decadência. (LEVY, 1986)
No entanto, tendo em vista os dados levantados,
é preciso repensar o significado do crédito naquela sociedade. Se não foi a decadência, qual
o motivo para o endividamento? Por que muitos
indivíduos não pagavam suas dívidas?
Embora não existam respostas concretas
para essas questões, há indícios de que o fenômeno do endividamento nas Minas passa longe
de ser explicado apenas pela dificuldade financeira ou revés econômico. Na verdade, o endividamento era generalizado. Mesmo (e, porque
não, principalmente) entre os indivíduos que
possuíam e negociavam grandes somas, o endividamento esteve presente. Vejamos o exemplo
a seguir.
36
nhia, quanto das demais, ao contrário, perdooulhes as dívidas.9
A Coroa apontou as seguintes razões
para não se tomar uma medida drástica no tocante aos devedores:
(...) O primeiro é a condição de ‘homens de negócio honrados’, aos quais deveria
ser dado um tratamento privilegiado, a fim de
continuarem com seus negócios. O segundo,
apesar de questionada pelo provedor a credibilidade dos livros dos registros, é o reconhecimento da queda da arrecadação em razão
da guerra. O terceiro é a prisão rigorosa dos
contratadores que levava à diminuição do interesse pela arrematação dos contratos régios
na Capitania, o que de fato deve ter ocorrido.
(ARAÚJO, 2002)
Uma companhia, formada por João Fernandes de Oliveira, por Francisco Ferreira da
Silva e por Jorge Pinto de Azevedo, foi responsável pela arrematação do contrato dos diamantes na capitania de Minas Gerais, em meados do
século XVIII. A companhia arrematou o contrato pelo preço de 574:864$438, que deveriam
ser pagos após o seu término, no ano de 1744.
Entretanto, “em uma situação típica do relacionamento entre contratadores e a Coroa portuguesa, a referida Companhia não quitou a quantia
total”. (LAMAS, 2004) Foi feito um pagamento
de 414:000$000, que correspondia à 71,7% do
total acordado.
Ora, se nas transações creditícias nas
quais estavam em jogo grandes somas, o nãopagamento era comum, pode-se dizer o mesmo
das transações cotidianas.10 Muitos credores,
ao fornecer um empréstimo ou adiantar algum
produto e/ou serviço, sabiam que uma parte das
dívidas nunca seria paga. Isso significa que o endividamento, ou melhor, a insolvência, era parte
inerente das atividades creditícias praticadas no
século XVIII. É com alguma freqüência que encontramos nos inventários e testamentos processos nos quais existem dívidas incobráveis, por se
desconhecer o paradeiro dos devedores ou, simplesmente, porque estes não tinham condições de
pagar.11
Era de se esperar que na arrematação seguinte a Coroa não quisesse ter como contratadores as mesmas pessoas que ficaram devendo-na
vultosa quantia em um contrato anterior. No entanto, no período seguinte, eles foram os arrematadores e, novamente, não cumpriram o acordo.
Dessa vez pagaram apenas 44,6% do montante
total acertado. É interessante notar que a administração portuguesa nada fez para impedir o
aumento do endividamento, tanto dessa compa-
9 Condições com que se arrematou o Primeiro Contrato. In:
ANÔNIMO. Anais da Biblioteca Nacional. Vol. 80, 1960. Divisão de
Publicações e Divulgação, 1964, p. 137 citado por LAMAS, Fernando
Gaudereto. Os contratadores e o império colonial português... op. cit.,
p. 8.
10 Muriel Nazzari, ao analisar as práticas de dotação em São Paulo
ao longo dos séculos XVII a XIX observou que “o fato dos inventários
mais ricos serem todos devedores indica não só que eles tinham
crédito e que, sendo famílias mais poderosas, provavelmente podiam
atrasar o pagamento o quanto quisessem como também que eram os
mais envolvidos na produção e distribuição de mercadorias, tomando
empréstimos e negociando constantemente, enquanto a falta crônica de
moeda sonante e fatores não econômicos levavam a um endividamento
mútuo infindável”. Ver: NAZZARI, Muriel. O desaparecimento do dote:
mulheres, famílias e mudança social em São Paulo, Brasil, 1600-1900.
São Paulo: Companhia das Letras, 2001, p. 180.
11 Sobre a insolvência dos devedores em Lisboa ver: ROCHA, Maria
Manuela Ferreira Marques. Crédito privado num contexto urbano.
Lisboa, 1770-1830. Florença: Tese de doutorado apresentada ao
História e Economia Revista Interdisciplinar
No testamento de Paula de Souza, por
exemplo, foi declarada uma dívida no valor de
nove libras e meia de ouro, contraída junto a Manoel de Araújo para a compra de um escravo, ao
qual a testadora já estava “devendo há seis ou
sete anos”.12 No caso de José Francisco Gago,
o tempo em que o devedor ficou sem saldar seu
compromisso de pagamento foi ainda maior,
trinta anos. De acordo com o testamento, Caltário de Souza e o pardo Tomé de Souza lhe deviam “uma dívida há mais de trinta anos”.13
O mais interessante é que, ao que tudo
indica, excetuando o momento em que o devedor falecia e, assim sendo, quando da feitura dos
inventários, os credores, raramente recorriam
judicialmente para cobrar os créditos que não
eram saldados no prazo estipulado; e, quando
iam, normalmente os credores não questionavam
a dívida, prometendo pagá-la assim que possível,
mas adiando ao máximo o pagamento. Tudo isso
era importante para não abalar as redes clientelares e/ou de sociabilidade, e não atormentar a
frágil relação que envolvia os devedores e seus
credores.
A explicação para o endividamento generalizado nas Minas, portanto, não estaria, na
maioria das vezes, na impossibilidade financeira
de saldar a dívida, mas no emaranhado de significados que um ato de conceder/contrair crédito
possuía naquela sociedade. Em muitos casos, inclusive, era preferível ter uma dívida falida, mas
um devedor fiel e prestativo, do que alguns mil
réis na bolsa, mas a reputação abalada.
Um perfil dos credores
Os credores eram aqueles que emprestavam dinheiro, adiantavam produtos ou fornedepartamento de História e Civilização do Instituto Universitário
Europeu, 1996.
12 MO-Casa Borba Gato/IPHAN: Testamentos (CPO) Códice 01(01),
fls. 7-12 – 24/11/1719.
13 MO-Casa Borba Gato/IPHAN: Testamentos (CPO) Códice 08(16),
fls. 644, v-650 – 29/01/52.
ciam qualquer modalidade de crédito. Durante o
século XVIII era comum encontrar como sinônimo de credor a expressão “acredor”, que significava “aquele a quem não paguei o dinheiro
que me emprestou”. Mas a expressão “acredor”,
assim como “crédito”, estava ligada, também, a
um sentido moral. Assim, de acordo com o Vocabulário Português e Latino de D. Raphael Bluteau (1712), “acredor” derivava do verbo acreditar,
que significava “dar crédito e opinião a alguém”.
Cerca de 63% dos habitantes da comarca
do Rio das Velhas que, após a sua morte, tiveram seus bens inventariados, foram, em algum
momento de sua vida, credores. No entanto, os
padrões de endividamento dos habitantes da Comarca variaram ao longo do século, conforme
aponta as tabelas 2 e 3.
TABELA 2: Dívidas passivas (débitos)
inventariadas, por períodos, na comarca do Rio
das Velhas
Período
Soma
Quantidade
Média
1713-1733
32:277$793
364
154$439
1734-1753
187:997$796
724
286$582
1754-1773
131:109$382
564
247$843
TOTAL
351:384$971
1652
229$621
FONTE: Banco de Dados de Inventários da Comarca do Rio das
Velhas – século XVIII
TABELA 3: Dívidas ativas (créditos)
inventariadas, por períodos, na comarca do Rio
das Velhas
Período
Soma
Quantidade
Média
1713-1733
17:114$794
157
133$709
1734-1753
167:235$058
1036
165$419
1754-1773
332:235$681
2820
126$085
TOTAL
516:585$533
4013
141$737
FONTE: Banco de Dados de Inventários da Comarca do Rio das
Velhas – século XVIII
História e Economia Revista Interdisciplinar
37
“A parte onde cria é aquele onde menos ouro se vê”:ouro e crédito em Minas Gerais durante o século XVIII
Percebe-se que, no primeiro período recortado, que equivale ao período de montagem
da sociedade mineradora, havia um grande endividamento da população inventariada. No
auge da atividade mineradora na Capitania, no
cômputo geral dos valores registrados em inventários, apesar de encontrarmos uma quantidade
superior de dívidas ativas em detrimento das
dívidas passivas, os inventariados deviam, em
termos financeiros, muito mais do que tinham a
receber. Foi a partir da segunda metade do século XVIII que as dívidas ativas passaram a estar
cada vez mais presentes nas riquezas inventariadas: a quantidade de crédito mais que quintuplica
e os valores, em termos financeiros, desses créditos quase triplicam entre os anos de 1753 e 1773.
Enquanto que ao longo do século
XVIII os valores das dívidas passivas declaradas em inventário aumentavam, em média, cerca
de 60,47%, o mesmo não foi observado quando
analisadas as dívidas ativas. Ao longo de todo o
período pesquisado, os valores dos créditos fornecidos pelos habitantes da região, em média,
tenderam a ser cada vez menores. É possível
concluir, portanto, que a maioria dos inventariados contraía poucas dívidas que, quase sempre,
importavam em valores mais altos do que aqueles que estavam acostumados a adiantar.
Esses dados revelam a importância assumida pelas transações creditícias em Minas Gerais ao longo do século XVIII, principalmente no
que tange ao crédito cotidiano. Os comerciantes,
os artesãos, os jornaleiros, os boticários e os produtores de alimentos que adiantavam seus produtos ou seus serviços a crédito, foram os grandes
responsáveis pelo emaranhado de dívidas que
se proliferou por todas as camadas sociais da
Capitania.
Tanto na América portuguesa como na
América espanhola, um desses grupos profissio-
38
História e Economia Revista Interdisciplinar
nais alcançou destaque especial nas operações
creditícias: os comerciantes. (SUÁREZ, 2001;
BRADING, 1975) Mas foi na América portuguesa, devido à inexistência de instituições de
crédito de peso, que permitiram que a “atividade
financeira se confundisse com o comércio, ou
ainda, que tal atividade se fizesse por uma cadeia
de endividamentos”.14
Em Minas Gerais não foi diferente. A
principal fonte de financiamento e de fornecimento de crédito foi o comércio. Empréstimos,
vendas fiadas e tantas outras práticas creditícias
foram utilizadas pelos comerciantes com mais
freqüência do que por qualquer outro grupo social ou agente financiador.15 A própria prática comercial exigia deles um contato cotidiano com
operações de crédito. Devido à sazonalidade das
atividades produtivas, à escassez de moedas circulantes, somadas à dificuldade da manipulação
do ouro em pó nas trocas cotidianas, grande parte
do comércio nas Minas era feito fiado.16
Apesar da riqueza dos comerciantes estarem concentradas, na maioria das vezes em
dívidas ativas e estoques, uma das principais
características do comerciante mineiro do século
XVIII foi a sua baixa especialização.17 Observa14 No Rio de Janeiro, entre 1650 e 1700, o Juizado dos Órfãos foi
responsável por “um terço de todos os recursos emprestados (32.91%)
e esteve presente em praticamente um quarto de todas as escrituras de
empréstimos”. No entanto, já nas primeiras décadas do século XVIII,
o Juizado dos Órfãos vai perdendo seu lugar de destaque no financiamento da economia fluminense, sendo que sua participação passa a ser
insignificante ao longo do século. Ver: SAMPAIO, Antônio Carlos Jucá
de. O mercado carioca de crédito: da acumulação senhorial à acumulação mercantil (1650-1750). In: Estudos Históricos, Rio de Janeiro, no
29, 2002, p. 29-49.
15 Sobre a multiplicidade de práticas creditícias ver: SANTOS, Raphael F. Teias de negócios: um perfil da atividade mercantil e do crédito
privado em uma economia colonial (Minas Gerais, século XVIII). IN:
Revista Eletrônica de História do Brasil, v. 10 n. 1 e 2, Jan.-Dez., 2008.
16 Na Bahia, ao longo dos séculos XVII e XVIII, verificava-se uma
situação semelhante à descrita para as Minas. Naquela região,“os
comerciantes ocupavam uma posição particularmente vantajosa e importante no financiamento da economia açucareira. (...) Os senhores de
engenho, em especial, eram afetados por essa situação, em virtude de
sua permanente necessidade de adquirir capital operacional, escravos e
equipamento”. Ver: SCHWARTZ, Stuart. Segredos Internos. Engenhos e
escravos na sociedade colonial: 1550-1835. São Paulo: Companhia das
Letras, 1995, p. 179-180.
17 Ver: CHAVES, Cláudia Maria Graças. Perfeitos Negociantes: mercadores das Minas setecentistas. São Paulo: Annablume, 1999, p. 163.
se, a partir dos inventários desses homens, que
suas riquezas derivavam de múltiplos investimentos e que seus negócios eram bem sortidos.18
O melhor exemplo de comerciante cujos
investimentos estiveram distribuídos em inúmeras atividades foi o capitão Mathias de Crasto
Porto. Além de ser o inventariado que possuía
o maior número de dívidas ativas registradas
durante o período analisado, Porto foi um dos
maiores criadores de gado da capitania de Minas
Gerais, na primeira metade do século XVIII. No
entanto, ele não se preocupava apenas em criar o
gado, mas participava de toda a cadeia produtiva
da carne: desde a engorda e o abate até a venda
nos açougues.19
Encontravam-se açougues do capitão
Mathias de Crasto Porto em duas importantes
regiões da capitania de Minas Gerais: na longínqua, mas próspera, Paracatu – que se localizava
ao noroeste da capitania – e em Roça Grande,
freguesia próxima à Vila Real de Sabará. Seus
investimentos não se restringiam à produção e
distribuição de carne. Além disso, Porto possuía
escravos ferreiros e sapateiros, que trabalhavam
em tendas por ele equipadas, em troca de jornais;
era proprietário, ainda, de prédios urbanos destinados ao aluguel e algumas lojas na Vila de Sabará e em Roça Grande.20
A única diferença entre Mathias de Crasto Porto e o restante dos comerciantes relacionados acima, incluídos entre os maiores credores da região, foi a percentagem que os créditos
assumiam em relação ao monte-mor acumulado
18 Segundo Júnia Furtado, “uma vez nas Minas, esses homens passavam, também, a se dedicar a outras atividades: mineração, agricultura
e pecuária. Pediam sesmarias, levantavam engenhos, abriam lojas e
adquiriam escravos, que garantiam o sustento de seus donos, ao se
dedicarem a diferentes atividades”. Em pouco tempo, seus interesses
econômicos estavam enraizados na terra. Ver: FURTADO, Júnia Ferreira. Homens de Negócio: A interiorização da metrópole e do comércio
nas Minas setecentistas. São Paulo: HUCITEC, 1999, p. 19.
19 MO-Casa Borba Gato/IPHAN: Inventários (CPO) Ref. Ant. 02(18)
– 10/10/1742.
20 Ibidem.
por ele, que era muito menor do que o convencional. Enquanto grandes credores, tanto em
montante, quanto em números de dívidas, como
Domingos Gonçalves de Carvalho, Manuel José
de Abreu e Antônio Francisco Pinto, tinham nas
dívidas ativas a maior parte de suas riquezas,
apenas 18% da riqueza de Mathias de Crasto
Porto estava concentrada nelas.
O exemplo de Antônio Francisco Pinto
é emblemático sobre a participação dos créditos
nas fortunas dos comerciantes. Morador no arraial conhecido como José Correia, localizado na
freguesia de Roça Grande – porta de entrada para
a estrada que liga as Minas à Bahia –, Antônio
Francisco Pinto possuía uma loja de fazendas
secas nessa mesma freguesia, na qual negociava
seus produtos, principalmente, a crédito – haja
vista as duzentas e trinta e sete dívidas ativas listadas em seu inventário. Além do crédito rotineiro derivado das transações ocorridas na sua loja,
no inventário de Antônio Francisco percebe-se
que ele se dedicou também ao empréstimo a
juro e aos adiantamentos mediante cobrança de
interesse.
Foram identificadas quarenta e oito “dívidas por créditos que correm juros” – conforme enunciado no próprio processo – no valor
de 1:116$469, como, por exemplo, a dívida que
devia “Manoel Afonso da Silva por crédito que
corre juros passado em 13 de abril de 1771 a
esta herança a quantia de 203 oitavas um quarto
e dois vinténs de ouro”.21 Um relato feito pelo
tutor dos filhos de Antônio Francisco Pinto, extraído dos autos do processo de inventário dos
seus bens, ilustra com clareza a participação das
dívidas nas riquezas dos comerciantes.
Diz Antônio José Teixeira, tutor dos
órfãos de Antônio Francisco Pinto, e também,
seu testamenteiro, que por constar aquela he21 MO-Casa Borba Gato/IPHAN: Inventários (CSO) Ref. Ant. 06(09)
– 13/10/1772.
História e Economia Revista Interdisciplinar
39
“A parte onde cria é aquele onde menos ouro se vê”:ouro e crédito em Minas Gerais durante o século XVIII
rança quase toda de dívidas de crédito, e rol ou
contas de livros por ter sido falecido mercador,
haver muita miudeza, em que cresce o número
de execuções pelo calamitoso estado em que
se acha o país; lhe foi preciso ajustar por ano
a Miguel Ignácio da Costa Marinho solicitado
nos auditórios desta sentença para tratar de todas as dependências, demandas e execuções
da dita herança por se achar nele a capacidade
precisa para o efeito e dar contas do que cobrar
pelo que ajustou por 50 oitavas por ano, em 01
de maio de 1773.22
No entanto, é preciso salientar que os comerciantes não foram os únicos personagens a
integrar o grupo dos principais agentes financiadores. O maior credor entre os inventariados pesquisados foi o minerador Alexandre de Oliveira
Braga. Em seu inventário, aberto em 17/06/1771,
cerca de 86% dos seus investimentos estavam
concentrados em dívidas ativas equivalentes a
62:554$236. No entanto, todo esse valor esteve
distribuído em apenas cento e vinte dívidas, o
que equivale a uma média de 521$285 por dívida.23 Percebe-se, nesse ponto, uma diferença
essencial entre o crédito fornecido pelos comerciantes e por outros agentes privados: os comerciantes, em geral, adiantavam produtos e moedas
para um grande número de pessoas, porém, pequenos valores.
A concessão de crédito por parte dos
comerciantes dependia também do conhecimento pessoal de cada potencial devedor. No entanto,
no caso do crédito cotidiano fornecido pelos comerciantes, fosse em empréstimos ou em vendas
fiadas, a confiança depositada nos seus devedores era, na maioria das vezes, a única garantia.
Por isso, foram poucas as transações creditícias
nas quais estiveram envolvidas as fixações de hi22 Ibidem. A partir desse relato, percebe-se que, como a riqueza dos
comerciantes estava concentrada em crédito, era difícil a arrecadação
de sua fortuna para ser partilhada entre os herdeiros. Por isso, o tutor e
testamenteiro de Antônio Francisco solicitou ao Juiz de Órfãos que autorizasse a despender uma parte da herança deixada pelo inventariado
na contratação de um profissional especializado em cobrar dívidas.
23 MO-Casa Borba Gato/IPHAN: Inventários (CSO) Ref. Ant. 31(01)
– 17/06/1771.
40
História e Economia Revista Interdisciplinar
potecas ou quaisquer outras garantia.
É bem verdade que alguns comerciantes
mantinham uma organização bastante precisa de
sua “conta corrente”, ou seja, da relação entre
créditos e débitos que possuíam. São vários os
livros de “notas”, de “razão”, de “assentos” e
“borradores” mencionados nos inventários e testamentos setecentistas. Além disso, vários foram
os comerciantes que passaram bilhetes e recibos
que, de alguma forma, serviam como garantia no
caso da insolvência do devedor, uma vez que facilitavam no momento de recorrer judicialmente
à divida.24 Porém, poucas foram as dívidas corriqueiras contraídas junto aos comerciantes em
que se exigia alguma contrapartida.
Por isso, era importante para esse grupo
manter sempre uma rede de contatos, fossem
eles devedores com os quais podiam confiar,
correspondentes competentes em auxiliá-los em
seus negócios – principalmente nas eventuais
cobranças de dívidas25 –, ou pessoas capazes de
financiá-los.
Os recibos e as conexões que Cipriano
Afonso de Monteiro tinha em diversas regiões
facilitaram a cobrança de suas dívidas. O testador declarou “que me deve o herdeiro de João de
Barros Pessoa morador na comarca de Vila Rica
cinqüenta e tantas oitavas [de ouro] ou o que na
verdade constar dos autos de execução o cartório
naquela Vila”. João de Barros declarou, ainda,
que no cartório de execução de Vila de
Mariana trago uma execução contra José Ro24 Ver: MAGALHÃES, Beatriz R.; SANTOS, Raphael F. AMARAL,
Flávia. A. Vestígios de formas elementares da instrução em uma comarca mineira setecentista: o ler, escrever e contar. In: II Congresso de
Pesquisa e Ensino em História da Educação. Uberlândia: UFU, 2003.
25 Uma indicação disso talvez seja o grande número de procurações
registradas em cartórios durante o século XVIII, ocupando a maior
parte do tempo dos escrivães na redação desse tipo de escritura. Além
disso, a nomeação de testamenteiros em diferentes regiões da Capitania
aponta, também, para a importância dessas conexões. Existiam, inclusive, profissionais responsáveis pelas cobranças, como aponta o exemplo
encontrado no processo de inventário dos bens de Antônio Francisco
Pinto, citado anteriormente. Ver: MO-Casa Borba Gato/IPHAN: Inventários (CSO) Ref. Ant. 06(09) – 13/10/1772.
drigues Barros morador no Morro da Passage
da quantia de sessenta e tantas oitavas ou o que
constar na qual me tratam Manoel da Costa
Mayor morador na dita cidade e o sargentomor Silvestre Fernandes dos Reis morador na
freguesia de Itaubira.26
Os comerciantes da região possuíam conexões que extrapolavam os limites das vilas e
arraiais onde se fixavam. O já mencionado comerciante Mathias de Crasto Porto, por exemplo,
para abastecer suas lojas recorreu a diversos comerciantes e casas comerciais cariocas. Um de
seus credores foi João Martins Pinto, morador no
Rio de Janeiro, que adiantou ao comerciante mineiro 3:126$250 em fazendas. Mathias de Crasto
Porto devia, ainda, à casa comercial carioca de
Manuel Rodrigues Pontes e Companhia, duas
dívidas no valor de 660$587, procedidas igualmente de fazendas.27
Assim como Mathias Crasto, grande parte dos comerciantes mineiros esteve ligada, em
boa medida, às casas comerciais baianas, cariocas e/ou do reino. De acordo com João Fragoso,
a leitura dos processos tramitados na
Real Junta de Comércio nos informa que o
funcionamento das atividades empresariais se
dava através do adiantamento de mercadorias
e de créditos, isto é, os negócios se faziam por
meio de uma infinita cadeia de dívidas ativas e
passivas. (FRAGOSO, 1998, 243)
Comerciantes residentes no litoral, não
raramente, adiantavam dinheiro e/ou mercadorias e recebiam parte do lucro, ou juro, após a sua
venda nas Minas. No entanto, o inverso também
acontecia, inclusive com alguma freqüência. Domingos Vieira de Sousa, morador na Vila Real de
Sabará, por exemplo, entregou a João Cerqueira Porto 900$000 “para ir ao Rio de Janeiro a
26 MO-Casa Borba Gato/IPHAN: Testamentos (CPO) Códice 08(16),
fls. 407-415v – 25/05/1750.
27 MO-Casa Borba Gato/IPHAN: Inventários (CPO) Ref. Ant. 02(18)
– 10/10/1742.
buscar fazendas por minha conta e dele, de que
somos sócios na dita fazenda”.28 O comerciante
Agostinho Correa Rego declarou em seu testamento que lhe era “devedor Manoel da Costa
Valle, morador no Sabará, 360 oitavas de mil e
quinhentos [réis cada oitava] procedidos de dois
negros que lhe entreguei na cidade da Bahia e
ele os trouxe para estas Minas por minha conta
e risco”.29
Em um contexto de baixa liquidez, os
comerciantes controlaram desde o financiamento
ao consumo, à ascensão social e aos investimentos produtivos e ainda integraram, junto com os
grandes mineradores, o grupo dos pouquíssimos homens capazes de acumular moeda. Foram raros os indivíduos que possuíram moedas
entre a riqueza inventariada. Em apenas 2,3%
dos inventários feitos, entre os anos de 1713 e
1773, se encontrou registros de moedas.30 Um
dos poucos indivíduos que conseguiu tal façanha foi o comerciante Antônio Ribeiro da Silva
Guimarães, que, entre seus bens, contava com
“dinheiro de prata”, “25 oitavas e 1/2 de prata”,
“2 libras de cobre velho” e “5 oitavas e um quarto de ouro em pó”, que importaram, no total, a
quantia de 59$180.31 Outro morador da comarca
do Rio das Velhas, que possuía moedas entre os
bens inventariados, foi o já citado comerciante
Antônio Francisco Pinto, que tinha guardado,
além de várias jóias, 2 oitavas de ouro lavrado e
“2$550 em dinheiro de prata”.32
Como bem relatou D. Lourenço de Almeida, em carta de 1731 “o estilo observado
28 MO-Casa Borba Gato/IPHAN: Testamentos (CPO) Códice 02 (06),
fls. 111-120v.
29 MO-Casa Borba Gato/IPHAN: Testamentos (CPO) Códice 18 (29),
fls. 154-158v –12/05/1772.
30 É bem verdade, que as moedas poderiam, facilmente, escapar aos
olhos do avaliador e, portanto, é preciso relativizar esse dado. No
entanto, em um contexto de baixa liquidez, como foi discutido anteriormente, o percentual de moedas dentro dos investimentos inventariados
não poderia ser muito superior ao percentual indicado acima.
31 MO-Casa Borba Gato/IPHAN: Inventários (CPO) Ref. Ant. 04(04)
– 20/10/1773.
32 MO-Casa Borba Gato/IPHAN: Inventários (CSO) Ref. Ant. 06(09)
– 13/10/1772.
História e Economia Revista Interdisciplinar
41
“A parte onde cria é aquele onde menos ouro se vê”:ouro e crédito em Minas Gerais durante o século XVIII
nestas minas depois que elas se descobriram até
o presente, foi sempre comprá-las tudo fiado a
pagamento de um ano, ano e meio e dois anos,
não há coisa nenhuma que se compre que seja
com pagamento à vista, senão fiado”.33 Assim,
em um cenário de precária circulação monetária
no que tange as transações cotidianas, as cadeias
de endividamentos entrelaçaram o pequeno comércio e a população de uma maneira geral. A
venda fiada era, nesse sentido, a mola mestra das
cadeias de endividamento. E, devido ao costume
de se comprar e vender tudo fiado, os comerciantes se tornaram os verdadeiros reprodutores da
economia colonial.
Um perfil dos devedores
Contrair uma dívida na sociedade mineira setecentista significava muito mais do que
firmar um compromisso financeiro: era um ato
social. O devedor deveria ser uma pessoa confiável, caso contrário, o seu acesso ao crédito seria
restrito. Isso porque os contratos eram assumidos
lastreados na confiança, fossem aqueles realizados de palavra ou mediante escritura.
Nos processos de inventários foi possível
identificar a importância da palavra empenhada durante o século XVIII. Em muitos casos os
credores sequer faziam algum tipo de anotação
de quem seriam seus devedores e de quanto eles
estariam devendo. Isso aconteceu,
Períodos
porém com maior intensidade, entre
os devedores. Vários deles, inclusi1713 - 1733
ve, declararam quais eram seus cre1734 - 1753
dores, mas não especificaram quanto
1754 – 1773
estariam devendo – conforme aponMÉDIA
ta a tabela 4.
Durante o início do século XVIII, quando a racionalidade capitalista e as técnicas comerciais – como as partidas dobradas, ou mesmo
o simples ato de fazer contas34 – não faziam parte
do universo cultural de muitos indivíduos, o índice de dívidas sem seus respectivos valores foi
superior a 10% do total de dívidas passivas inventariadas. No entanto, observa-se um decréscimo nesse índice com o decorrer do século.
Mas, o que a tabela acima traz de mais
precioso é a diferença no comportamento de um
credor e de um devedor. Ao que tudo indica, a
própria condição de devedor fazia com que a
dívida ganhasse uma dimensão muito maior do
que a financeira; ela adquiria uma carga social
muito grande. Antônio Vieira da Silva, em seu
testamento, escrito em 1720, declarou que devia
“as moedas que disser minha mulher a Gonçalo
Pacheco”. O testador declarou, ainda, uma dívida contraída junto a Rui de Melo Coutinho – que
era seu testamenteiro e, portanto, homem de sua
confiança – na qual pediu para que lhe pagasse
“o que disser sua consciência”.35
As dívidas eram tão importantes na sociedade mineira setecentista que cerca de 77%
dos inventários pesquisados fizeram menção a
alguma dívida ativa e/ou passiva. Algumas delas,
inclusive, tornaram-se “dívidas de consciência”.
Dívidas passivas em que
não constam os valores
Dívidas ativas em que
não constam os valores
10,1%
1,9%
6,4%
1,7%
3,5%
2,9%
6,6%
2,1%
FONTE: Banco de Dados de Inventários da Comarca do Rio das Velhas – século
XVIII
TABELA 4: Dívidas ativas
e passivas inventariadas em que não foram
registrados seus valores.
33 Ver: FURTADO. Júnia Ferreira. Homens de Negócio... op. cit., p.
138
42
História e Economia Revista Interdisciplinar
34 No caso dos comerciantes há alguns indícios que apontam para um
conhecimento mais apurado da habilidade de ler, escrever e contar,
entre esse grupo. Ver: MAGALHÃES, Beatriz R.; SANTOS, Raphael F.
AMARAL, Flávia. A. Vestígios de formas elementares da instrução...
op. cit.
35 MO-Casa Borba Gato/IPHAN: Testamentos (CPO) Códice 01(01),
fls. 87v-102 – 24/04/1720.
Como, por exemplo, a declarada por Sebastião
Pereira de Aguilar em seu testamento:
Declaro que vindo da Bahia para essas
Minas me vali de alguns bois amontoados que
matei para a minha condução e pelos foros que
tomei do dito gado vim em conhecimento de
seus donos a que paguei e dos que não conheço
sou devedor que pouco mais ou menos eram
sete reses para descargo de minha consciência
pessoal meus testamenteiros dêem de minha fazenda 21$000 aos esmoleiros da terra Santa por
tenção de que quer que for seus donos.36
Encontra-se algo semelhante no testamento de Manuel da Costa Pontes. O testador
comprou um cavalo e nunca havia quitado completamente a dívida, por isso, antes de morrer,
segundo suas palavras,
Declaro que devo mais vinte e cinco
oitavas de um cavalo a um homem que lhe não
sei o nome nem lhe passei clareza há muitos
anos, qual por ser já falecido e não lhe saber os
herdeiros, meus testamenteiros por desencargo
de minha consciência mandarão dizer as ditas
vinte e cinco oitavas em missas pela sua alma.37
A gratidão do devedor pelo ato social
realizado pelo credor ao lhe conceder crédito,
chegou, em vários momentos, a se tornar uma
postura de subordinação. Essa subordinação do
devedor frente ao seu credor pode ser percebida em expressões como “devo o que disser” ou
“devo o que constar”, que aparecem em inúmeros testamentos setecentistas. Narciso Rodrigues
Barros em 1767 declarou “que devo a Manoel da
Silva Lagoinha o que constar de seus acentos”.38
Manoel Coelho de Oliveira declarou algo semelhante. De acordo com seu testamento ele devia
“a João Pereira da Silva o que constar de fazen36 MO-Casa Borba Gato/IPHAN: Testamentos (CPO) Códice 01(01),
fls. 21v-32v – 26/10/1716.
37 MO-Casa Borba Gato/IPHAN: Testamentos (CPO) Códice 24(37),
fls. 48v-54 – 26/04/1769.
38 MO-Casa Borba Gato/IPHAN: Testamentos (CPO) Códice 21 (34),
fls. 107-112v – 20/10/1767.
das que me vendeu”.39
As dívidas eram feitas com objetivos
diversos: satisfazer necessidades de consumo,
de ascensão social ou de investimentos no setor
produtivo. Contraíram-se dívidas, também, em
momentos de sofrimento da carne e do espírito,
na busca de ajuda junto a doutores, boticários e
padres para assistência nas horas de necessidade. Enfim, em todos os momentos da vida cotidiana de um indivíduo ele recorria às atividades
creditícias.
Muitas dessas dívidas decorriam de
compras do dia-a-dia, nas quais teria sido impossível apresentar moedas ou ouro em pó no
momento de cada transação. Imagine se toda
a vez que Luis da Rocha Barbosa, morador na
freguesia de Roça Grande, fosse comprar farinha
tivesse que levar moedas junto a si. Por isso, as
suas compras na venda de Luis Carvalho Ribeiro
eram feitas fiadas. De acordo com seu testamento, Paulo Alves de Sousa declarou que devia “a
Luís Carvalho Ribeiro sem crédito 75 oitavas de
ouro procedidas de farinha que lhe comprei para
meu sustento”.40
Vários são os exemplos, como os acima mencionados, encontrados nos testamentos.
Como Martinho Afonso de Melo que devia “o
que disser Serafim Vieira de Vasconcelos de roupas que comprou”,41 e Manoel Rodrigues Machado, que devia duas oitava e 12 réis a “Rita
da Costa, escrava da preta forra Marta da Costa,
procedido de pão” que lhe comprou.42
Mas o mais importante é que essas dívidas e créditos não eram apenas registrados em
39 MO-Casa Borba Gato/IPHAN: Testamentos (CPO) Códice 28(43),
fls. 233-241 – 19/04/1773.
40 MO-Casa Borba Gato/IPHAN: Testamentos (CPO) Códice 02(06),
fls. 02-05v – 29/06/1738.
41 MO-Casa Borba Gato/IPHAN: Testamentos (CPO) Códice 04(09),
fls. 40-54 – 25/02/1741.
42 MO-Casa Borba Gato/IPHAN: Testamentos (CPO) Códice 03(08),
fls. 81v-85 – 26/06/1740.
História e Economia Revista Interdisciplinar
43
“A parte onde cria é aquele onde menos ouro se vê”:ouro e crédito em Minas Gerais durante o século XVIII
bilhetes, letras ou mesmo na consciência dos indivíduos e depois esquecidos, sendo retomados
no momento do pagamento. Muitas das dívidas
acabaram trocando de mãos várias vezes, o que
transformou instrumentos de crédito em verdadeiras moedas fiduciárias.
ventários post-mortem ou transcritas em escrituras notariais. Nelas é possível identificar uma
cláusula que aparece recorrentemente, garantindo o funcionamento dessa prática. Um exemplo
de letra de crédito foi registrada em 1730 no cartório da Vila Real de Sabará, em que se lê:
A “cessão de dívidas” ou “trespasse” era
uma prática muito comum nas Minas setecentistas, que consistia no repasse de uma dívida contraída a um terceiro, que passaria a ser, a partir
daquele momento, o novo devedor. Para esclarecer como funcionava essa prática creditícia,
vejamos alguns exemplos. Em seu testamento,
Cipriano Afonso Monteiro, declarou “que devo
mais ao dito Mateus da Fonseca 4 oitavas de
ouro de um boticário por nome João do trato que
as passou para a sua mão”.43
Devo que pagarei a Manoel Ferreira
Farias 61 oitavas e meia de ouro em pó procedidas de fazendas as quais ditas oitavas lhe
pagarei a ele dito senhor ou a quem este me
mostrar em ouro quintado todas as vezes que
me pedir sem a isso por dúvida alguma e por
verdade lhe passei este por mim feito e assinado. Vila Real, 29 de janeiro de 1725. João de
Souza Pereira.45
No entanto, tal prática não foi comum
apenas na lida cotidiana. Assim como a venda a
crédito, essa prática foi freqüente nos negócios
mais avultados. A fim de saldar algumas dívidas,
Maurício Ferreira Pinto e sua esposa Catherina
Fernandes se desfizeram de um sítio que possuíam próximo ao Rio das Velhas. Na escritura que
consta a venda dessa propriedade ao capitão Antônio Caldeira Telles ficou acertado que, como
pagamento, “(...) o dito comprador [seria] obrigado a pagar os credores seus como foi José da
Silva Brandão 1071 oitavas de ouro, a Francisco
Monteiro de Campos 445 oitavas de ouro, a Manoel de Andrade da Silva, 45 oitavas a Manoel
Gonçalves Cruz, 70 oitavas a Manoel Gonçalves
Velho, 123 oitavas a Bento da Costa”.44
No entanto, onde podemos perceber essa
prática com maior freqüência são nas várias letras de crédito encontradas em processos de in43 MO-Casa Borba Gato/IPHAN: Testamentos (CPO) Códice 08 (16),
fls. 407-415v – 25/05/1750.
44 MO-Casa Borba Gato/IPHAN: CPO – Livros de Notas: Códice
01(05) – 1718, fls. 32-33.
44
História e Economia Revista Interdisciplinar
Como é possível perceber, João Pereira
de Souza, reproduzindo um certo padrão de letra
de crédito, se dispôs a pagar a dívida “procedida
de fazendas” ao seu credor, o comerciante Manoel Ferreira Faria, ou “a quem este me mostrar”.
Essa cláusula, presente em quase todas as letras
e bilhetes analisados, foi o que garantiu que, em
alguns casos, os indivíduos que registraram a letra em cartório ou que apresentaram no momento
da partilha de um inventário, não fossem os mesmos cujo nome estava inscrito no documento. E
o mais importante: permitiu que muitas transações comerciais fossem feitas sem apresentar, no
momento da troca, qualquer espécie de numerário. Com isso é possível afirmar que o crédito
acabou se tornando, literalmente, uma moeda
fundamental na dinâmica das trocas cotidianas.
Considerações Finais
Por causa da falta de moedas, da dificuldade de manipulação do ouro em pó em pequenas transações cotidianas; dos riscos e das incertezas da empreitada mineradora, da necessidade
de adiantamentos para a atividade comercial
e da sazonalidade da produção agropastoril, as
45 MO-Casa Borba Gato/IPHAN: CPO – Livros de Notas: Códice
05(04) – 1730, fls. 78-78v.
atividades creditícias não só tiveram uma atuação destacada na sociedade mineira setecentista,
como foram fundamentais para a circulação relativamente eficaz dos produtos nessa economia.
Nesse sentido, o endividamento generalizado narrado pelos funcionários da Coroa
que passaram pela Capitania, não pode ser mais
interpretado apenas como um sintoma da crise
econômica sentida na região após o fim do ouro
de aluvião. É preciso, portanto, relativizar o termo “crise”, no caso da economia mineira, e compreender o endividamento como um fenômeno
comum não só a capitania de Minas Gerais, mas
ao universo colonial e ao mundo pré-industrial
europeu.
Como chamou atenção outro governador
mineiro,
a mizerável moeda de ouro em pó tem
aqui [na capitania de Minas Gerais] introduzido
huma circulação tão irregular, é feito recorrer
os particulares a tantos expedientes nocivos, e
créditos involuntários, para evitar a perda que
experimentão nela que para dizer em huma
palavra, até as custas dos processos são fiadas.
(MENEZES, 1897, 322)
Esses “expedientes nocivos” que relatou
D. Rodrigo de Menezes nada mais eram do que
as diversas práticas creditícias, nas quais os mineiros são formalizadas em “bilhetes sobre toda
a qualidade de Lojas, para se hirem juntando, e
pagarem por uma vez”.(MENEZES, 1897, 322)
Eram tais práticas que permitiam a circulação
constante de produtos sem a necessidade de
apresentação de moedas. E por serem “mútuos
fiadores um dos outros”, como bem afirmou o
governador, as dívidas por vezes acabavam se
compensando ou mesmo trocando diversas vezes
de mão, garantindo a perpetuação das operações
de crédito e o funcionamento do mercado.
História e Economia Revista Interdisciplinar
45
“A parte onde cria é aquele onde menos ouro se vê”:ouro e crédito em Minas Gerais durante o século XVIII
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Doutorando em História Econômica pela FFLCH-USP
[email protected]
Resumo
Este trabalho tem como meta resgatar alguns aspectos relacionados à gestão da estrutura macroeconômica brasileira, notoriamente no que diz respeito às políticas monetária e cambial, no chamado Segundo Império (1840-1889), principalmente no período
compreendido entre os anos de 1846 e 1858. Neste momento, verifica-se uma aparente hegemonia dos quadros filiados ao Partido
Conservador, capazes de liderar um movimento de aproximação com membros mais moderados do Partido Liberal, denominado
Movimento da Conciliação, como forma de engendrar a formação de governos de coalizão, reduzir o espaço de opinião de dissidências político-partidárias, e garantir a aprovação de projetos favoráveis ao progresso nacional. A política econômica deste período,
portanto, desenvolveu-se em sua maior parte sob a égide dos conservadores, cujo foco incidia constantemente sobre o equilíbrio
orçamentário e pela manutenção da valorização da taxa de câmbio, como forma de evitar o recurso da emissão de moeda para
sanear os gastos públicos.
Busca-se, nesta linha, entender este modelo de natureza conservadora de gestão da coisa pública, a partir da inserção de natureza
periférica ao modelo de paridade cambial corporificado no padrão ouro-libra, então vigente, elucidando também a vulnerabilidade
do sistema monetário brasileiro no século XIX.
Palavras-chaves: História Econômica; Partido Conservador; Padrão Ouro-libra; Movimento da Conciliação.
Abstract
This work concerns Brazil’s public finance, specifically monetary policy and the exchange rate, during the Second Empire (18401889), focusing on the period 1846 to 1858. At that time, the Conservative Party enjoyed an apparent hegemony, co-opting moderate Liberals into “Conciliation” governments, reducing the political space of dissidents, and securing approval of projects conducive
to national progress. The economic policy of this period, therefore, developed mostly under the aegis of the Conservatives, whose
objectives were balancing the budget and sustaining the exchange rate as a means to avoid recourse to the issuing of currency.
We seek to understand this conservative model of public administration which sought to insert a peripheral economy into the gold
standard. The vulnerability of the Brazilian monetary system made this task challenging.
Key words: Economic History, Conservative Party, Gold Standard-pound; Reconciliation Movement.
História e Economia Revista Interdisciplinar
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Política econômica e crises cambiais: A gestão financeira do Império do Brasil nos primórdios do padrão-ouro (1846-1858).
O
presente trabalho tem por objetivo
principal realizar uma discussão sobre uma determinada parte do período da história brasileira conhecido como Segundo Império, qual seja, entre os anos de 1846 e
1858. Mais que isso, pretendemos também fazer
uma análise da política cambial realizada pelas
autoridades responsáveis pela gestão dos negócios do Império ao longo deste recorte temporal,
dominado pelo grupo político denominado Partido Conservador.
Este partido foi responsável, nesta época, pela consecução de um movimento de progressiva acomodação de diferentes grupos políticos – dissidentes internos e membros do Partido Liberal, que lhe fazia oposição no âmbito
do Poder Legislativo – à máquina pública, como
forma de garantir maioria segura na aprovação
das diretrizes do Poder Executivo, bem como
de evitar a possível desagregação do território
nacional em decorrência das sucessivas revoltas
ocorridas em diferentes províncias ao longo do
período da Regência. Ficaria este movimento conhecido como Movimento da Conciliação, sendo
o mesmo corporificado nos diferentes grupos de
ministros que assumiram a condução dos interesses do Estado Nacional, sob a égide do Partido
Conservador, na década de 1850.
Busca-se também, de maneira especial,
estudar a conexão existente entre a dinâmica cíclica dos fluxos de investimento em escala global, e os períodos de depressão e ‘pânicos financeiros’ observados no período, principalmente
no ano de 1857. Pretende-se, assim, avaliar as
conseqüências da integração financeira das praças internacionais e das políticas cambiais empreendidas sobre o desenvolvimento do mercado
financeiro nacional no período.
Em paralelo a esta discussão, o estudo da
história monetária no século XIX, em que pese
50
História e Economia Revista Interdisciplinar
o fato de que ele leve em conta a configuração
político-partidária do Império, também deve ter
em consideração a vigência do sistema internacional de paridades que vigorou até a Primeira
Guerra Mundial sob uma única roupagem: o
padrão-ouro.
Tendo sido o Brasil um dos primeiros países a adotar o modelo, através da Lei nº. 401, de
11 de Setembro de 1846, com a paridade estabelecida para 27 pence a cada um mil-réis (1$000),
observar-se-á nos anos seguintes o sucessivo esforço das autoridades monetárias no sentido de
manter a taxa estável em conjunturas de crise.
A título de exemplo, durante os primeiros dias
do pânico de 1857, a taxa caiu da paridade de 27
pence para 26, e por fim 25,5 pence para cada
mil-réis; neste momento, o Banco do Brasil, visualizando a desvalorização progressiva1 da moeda nacional, suspende as operações de troca de
notas de mil-réis por ouro e libras.
Busca-se assim entender a questão do
padrão-ouro no Brasil não apenas enquanto instrumento de transação e câmbio com as economias centrais, mas também como uma instituição característica de um momento histórico, de
acordo com a abordagem realizada por Barry Eichengreen (2000), para o qual toda a prioridade
governamental está vinculada à manutenção de
reservas de ouro que fizessem frente às taxas de
paridade exigidas pelo padrão vigente.
A ‘atração metalista’ associada à manutenção destes estoques, segundo o autor, poderá
engendrar crises no sistema monetário nacional,
que têm como resultados o esgotamento rápido
1 Utilizando o processo inglês (up is up) para avaliação da taxa de
câmbio, tem-se que para o agente nacional, uma elevação da quantidade de moeda estrangeira necessária para adquirir uma quantidade fixa
de moeda nacional indica a apreciação da moeda nacional; por outro
lado, a redução do preço da moeda nacional em termos de moeda estrangeira evidencia uma desvalorização da moeda nacional. Em termos
práticos, a passagem do mil réis de 27 para 25,5 pence mostra que um
volume menor da moeda inglesa compra a mesma quantidade da moeda
brasileira, evidenciando a desvalorização do mil-réis.
das reservas internacionais e pressões cada vez
maiores para a desvalorização da taxa de câmbio
corrente.
Nossa abordagem contempla, portanto,
um contexto de relativa fragilidade do sistema financeiro brasileiro, aliada ao intenso movimento
especulativo ocorrido na América do Norte e à
diminuição do fluxo de empréstimos (em especial vindos de casas bancárias inglesas) para os
países latino-americanos, em meados do século
XIX.
Havendo delimitado o espaço geral do
trabalho, portanto, será possível depreender
nossa hipótese primordial, que reside em torno
da idéia de que, em que pese o fato de liberais e
conservadores demonstrarem poucas diferenças
no que diz respeito à gestão da máquina pública,
as autoridades monetárias, então membros ativos do Partido Conservador (salvo para o caso
de Bernardo de Sousa Franco, em 1857, que
era membro do Partido Liberal), no período em
análise, tinham como principal foco, mais que a
preservação de estruturas ditas arcaicas de dominação, a necessidade premente de construção e
sustentação do espaço nacional.
E, como decorrência de tal hipótese,
pode-se também pensar em um desdobramento,
uma hipótese paralela, qual seja, a existência de
contradições no campo econômico, configuradas
sob a tensão existente entre a necessidade de expansão dos negócios internos (o que levaria ao
aumento da cessão de créditos e da atividade da
emissão, mesmo em escala regional) e a necessidade de legitimidade internacional para o regime
de paridade proposto, o do padrão-ouro (o que
implica, necessariamente, na defesa do valor do
mil-réis e na restrição à livre emissão).
À guisa de justificativa para a tessitura
deste trabalho, pode-se perceber que o estudo da
correlação entre a ação política e a política econômica do Império, vis-a-vis as conjunturas de
instabilidade nas esferas monetária e cambial, é
pouco realizado em função de sua especificidade: afetando a economia nacional e o seu desenvolvimento (tema voltado para os que desejam
compreender a formação econômica do Brasil),
boa parte dos condicionantes destes momentos
de instabilidade – em outras palavras, destas
crises – possui natureza externa, que se verifica
seja através de pressões sobre o câmbio, ou por
diminuições dos fluxos de empréstimo, o que faz
destes processos de crise um campo de estudo
também para a área de Economia Internacional.
Portanto, a consideração destes momentos de fragilidade – e mesmo de dependência –
para o sistema financeiro nacional deve levar em
conta tanto os aspectos internos quanto os externos, o que não é realizado em boa parte da literatura. A relativamente limitada disponibilidade de
maiores reflexões dentro deste período da História Econômica brasileira, assim, condiciona a
possibilidade de estudá-lo em detalhe.
Para a realização da reflexão proposta,
que perpassa a análise da política econômica do
Império Brasileiro na década de 1850 em paralelo ao momentum político hegemônico do Partido
Conservador, é de suma importância a definição
de uma estratégia metodológica para a devida
consecução e compreensão dos temas.
Para levar a cabo esta tarefa, na primeira parte deste estudo realizamos um processo
de localização temporal e teórica dos temas em
discussão: Buscar-se-á, pelo campo econômico,
efetuar uma análise a respeito da política cambial
quando da implementação do padrão ouro-libra,
vigente durante o século XIX, bem como sobre
sua importância para a consolidação das finanças
da nação, e o fato de também condicionar, em
parte, o movimento de fragilidade financeira na
História e Economia Revista Interdisciplinar
51
Política econômica e crises cambiais: A gestão financeira do Império do Brasil nos primórdios do padrão-ouro (1846-1858).
economia brasileira do período.
No segundo tópico, enfatizaremos a
ação no plano macroeconômico dos gabinetes
do Conselho de Ministros compreendidos entre
1853 e 1858. Verificar-se-ão as medidas tomadas na gestão macroeconômica, com especial
ênfase sobre a formação de um sistema bancário nacional, apoiado sobre a emissão de moeda,
com vistas à reprodução contínua dos complexos
econômicos nacionais, porém mais que isso, para
a aceleração da atividade especulativa, em especial sobre a praça do Rio de Janeiro.
Verificaremos ainda alguns episódios
de crise no padrão-ouro nacional, com destaque
para o ‘pânico financeiro’ de 1857. Visamos à
explicação da referida crise, seus condicionantes e a orientação dos gestores da política macroeconômica – sejam liberais ou conservadores
– no sentido de fazer-lhe frente. Por fim, seguirse-ão algumas considerações finais, em caráter
conclusivo.
1. Notas sobre o advento do
Padrão-Ouro e estrutura
financeira do Império do Brasil
(1822-1862)
No campo econômico, a análise aqui
proposta reside em efetuar explanações a respeito da dinâmica das políticas monetária e cambial
no Segundo Reinado: É importante, nesta linha,
ter em mente que toda a condução da política
governamental – principalmente no campo monetário, que constitui o foco desta análise – se
embasava nos moldes do sistema de transações
e paridade internacional de moedas conhecido
como o Padrão-Ouro.
Ao longo deste tópico, portanto, pretendemos fornecer um pano de fundo para a compreensão das ações de política econômica ao longo dos ‘gabinetes da Conciliação’; em outras pa-
52
História e Economia Revista Interdisciplinar
lavras, buscamos efetuar algumas considerações
a respeito da dinâmica da economia brasileira no
Segundo Império, com especial ênfase à dimensão cambial e à adesão da economia brasileira ao
sistema do padrão-ouro, a partir de 1846.
Qualquer abordagem a respeito da implementação do padrão-ouro em terras brasileiras
deverá levar em consideração, primordialmente,
o fato de que ao longo do século XIX percebe-se
um claro compromisso das economias ocidentais
no sentido de que se mantenham taxas de câmbio
estáveis.
Tal estabilidade neste indicador era necessária à manutenção de políticas comercial e
financeira que fossem adequadas, no sentido
da minimização do risco e manutenção de um
horizonte decisório favorável, aos agentes e investidores nacionais (MILWARD, 1996, 87). O
sucesso na implementação do sistema, portanto,
residiria em torno da capacidade destes países
em manter a paridade cambial (sem corrigi-la
através de intervenções e ouras medidas de natureza discricionária, se possível) a fim de que
se mantenha a estabilidade do padrão em escala
supranacional.
De qualquer forma, faz-se necessário ter
em mente que tal sistema monetário, gerido no
âmbito internacional, visava, sobretudo, salvaguardar interesses dos grandes credores (notoriamente as casas bancárias inglesas) no sentido de
manter ativa a solvência das diversas economias
no que diz respeito ao estoque de suas dívidas.
Estes interesses condicionam, em grande medida, a execução de políticas monetárias,
fiscais e cambiais de cunho ortodoxo, abrindo
espaço para a emergência, a partir da Inglaterra, do sistema do padrão-ouro. Entender, ainda
que de forma sintética, a metodologia adotada
por estas economias, centrais e periféricas, para
a operação do sistema supracitado, bem como as
assimetrias que permeiam os países exportadores
e importadores de capitais, são alguns dos objetivos deste tópico.
1.1.O advento do padrão-ouro
no século XIX
No ocaso do século XVIII, o sistema
monetário europeu começa a consolidar um
processo de profundas transformações. O ouro
e a prata, que já possuíam o status de serem os
principais meios de troca na economia internacional, vão se tornando a base para um sistema
bimetálico.
Ainda que o padrão estipulado fosse
sensível às crises (que ocorreram em profusão
ao longo do século XIX), alterando as relações
médias entre preços, tem-se que ele foi a referência para as trocas entre países até o advento
da Primeira Guerra Mundial, com duração efêmera após o término do conflito. Pretende-se assim estudar a progressiva adoção do ouro como
referencial de riqueza e meio de circulação na
economia mundial no século XIX, e a difusão do
padrão de trocas daí derivado.
A partir das décadas de 1840-50, o modelo bimetalista2 evidenciado em algumas das
economias ocidentais, tais como a França, começa a entrar em declínio. A descoberta de grandes
reservas de ouro na Califórnia e na Austrália,
associada ao ato do Banco da Inglaterra já em
1816 (Coinage Act), adotando o referido metal
como referência para as transações financeiras
são, conjuntamente, o marco inicial da expansão
do padrão-ouro e da conversibilidade de moedas
nas praças européias (comandadas por Londres e
Paris) e, a posteriori, sobre grande parte das eco2 Ao longo dos séculos, o ouro e a prata foram utilizados como determinadores comuns das trocas e da mensuração do valor do dinheiro; em
que pese o fato do ouro ser negociado em valores bastante superiores
aos da prata (eventualmente, no caso brasileiro após 1846, na razão
de 15,625 moedas de prata para cada uma de ouro em circulação
corrente).
nomias ocidentais. (HAWTREY, 1947, 70-78).3
A respeito da formação do padrão, e da
defesa permanente da conversão plena de moedas, afirma Barry Eichengreen:
A pedra fundamental do padrão-ouro
no período anterior à guerra foi a prioridade
atribuída pelos governos à manutenção da conversibilidade. Nos países situados no centro do
sistema – Grã-Bretanha, França e Alemanha –
não havia dúvida de que as autoridades fariam,
em última instância, o que fosse necessário
para defender a reserva de ouro de seus bancos
centrais e manter a conversibilidade da moeda
(...) outras considerações poderiam, no máximo, influenciar a escolha do momento em que
as autoridades deveriam agir (EICHENGREEN, 2000, 57).
É importante ter em conta, porém que o
sistema não era imune a falhas: no século XIX
observaram-se vários períodos de crise, em especial sobre as praças européias4; fatores como
o recrudescimento da inflação e déficits comerciais levavam, eventualmente, as diferentes economias a um processo crise, na defesa desesperada da paridade entre o ouro e suas respectivas
moedas locais.
As necessidades e premissas que
orientam a adoção de um padrão de trocas lastreado sobre o ouro por parte de diversos países
no século XIX, em boa parte, estão ligadas a três
questões principais, quais sejam:
1) A demanda por uma conversibilidade das moedas nacionais em ouro. Enquanto
equivalente universal para trocas, o ouro será o
meio pelo qual as moedas nacionais, de curso
forçado e circulação limitada, serão utilizadas
3 Deve-se ter em conta, ainda, que o período entre 1848 e 1871 é permeado por uma série de revoluções armadas na Europa, o que obriga
algumas economias, por vezes, a utilizar mais intensamente o papelmoeda a fim de sustentar o warfare relacionado a estas convulsões
sociais – papel que, obviamente, era sujeito à depreciação
4 Dornbrusch e Frenkel citam oito grandes crises: 1825, 1836-39,
1847, 1857, 1866, 1873, 1882 e 1890 (DORNBRUSCH & FRENKEL, in
BORDO & SCHWARTZ (1982), p.234.)
História e Economia Revista Interdisciplinar
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Política econômica e crises cambiais: A gestão financeira do Império do Brasil nos primórdios do padrão-ouro (1846-1858).
para mensurar um poder de compra e viabilizar o
comércio.
2) A liberdade para um fluxo internacional de ouro, a fim de equilibrar o balanço de
pagamentos, com superávits/déficits na conta de
capitais entre países. As transferências internacionais do metal, ao menos no plano teórico, seriam a forma de corrigir eventuais desequilíbrios.
3) A formulação de um arcabouço de
regras que pudessem orientar, novamente em teoria, a quantidade de moeda em circulação em
uma economia nacional, em relação ao estoque
de ouro neste país5. Considerando que o século
XIX é permeado por grandes ondas de empréstimos internacionais, nos quais as casas bancárias
inglesas registram grande participação (PETTIS,
2001)6, torna-se necessário o uso de instrumentos que permitam aos credores exercer uma vigilância sobre os tomadores de empréstimo, e
tomar as devidas precauções em caso de risco de
solvência.
O ingresso da economia brasileira ao
regime do padrão-ouro, ocorrido em 1846, deve
ser entendido no contexto de uma debilidade orgânica da economia nacional, que impunha ao
Tesouro nacional uma reforma econômica que
visasse fortalecer os seus estoques em moeda
metálica.
Tal debilidade pode ser observada, portanto a partir da década de 1830. Ainda que o
café já começasse a render dividendos à economia, ainda não se havia evidenciado surtos de
exportação do produto que pudessem acelerar
o crescimento nacional7. A progressiva diminui5 As variações no nível de reservas se davam a partir da formação de
certificados de depósitos bancários denominados nas principais moedas
do sistema; transferências reais, com embarque de moeda metálica, se
davam, via de regra, em momentos de crise generalizada.
6 A partir dos dados dispostos em Ónody (1960), verificamos que os
empréstimos estrangeiros contraídos pelo Império do Brasil, que fazem
parte do principal recorte temporal deste trabalho, se deram nos anos
de 1852, 1858, 1859 e 1860.
7 Este movimento seria visível a partir da década de 1850, notoria-
54
História e Economia Revista Interdisciplinar
ção do ingresso de metais preciosos no ‘sistema
econômico’ através da mineração em jazidas, e
a forte concorrência internacional em gêneros
primários, como a cana-de-açúcar8, contribuem
para uma estagnação das exportações que, junto com o aumento das importações de produtos,
gera evasão de capitais em moeda metálica. O
Gráfico 01 ilustra a tendência:
Já durante a década de 1830, o governo
imperial procedia, em intervalos incertos, a processos de retirada de moeda da circulação nacional, com o intuito de manter a taxa de câmbio no
patamar estabelecido desde 1833. Mais que isso,
porém, tal processo de renovação dos haveres
de moeda em poder do público se dava também
em função do crescente contrabando de moedas
falsificadas, principalmente as de cobre, conhecidas pela alcunha de xenxém. (GREMAUD,
1997, 83-4)
Este fato contribuía sensivelmente para a
deterioração do meio circulante, principalmente
nas províncias do Norte, onde a escassez de vias
de comunicação com a Corte estimulava o surgimento de oficinas de cunhagem de moedas falsas
(MONT’ALEGRE, 1972, 89) 9. Não obstante
mente.
8 A este respeito, afirma Raymundo Faoro: “O açúcar de beterraba,
introduzido no mercado mundial durante as guerras napoleônicas,
precipita o Nordeste na crise de onde não mais sairia, senão para
transitórias melhorias”. FAORO (1975), p.325.
9 O autor faz referência, inclusive, à origem externa dos principais falsificadores, que eram, em grande parte, norte-americanos. A imprensa
de Nova York denunciava o fato em 1835: “NOTÍCIA IMPORTANTE
PARA O COMÉRCIO DO BRASIL – É bem sabido que uma grande
quantidade de moeda contrafeita e falsificada é manufaturada nesta
cidade e subúrbios, a qual é mandada para os diferentes Estados da
América do Sul, e ali passa como genuína por via dos que nelas traficam fraudulentamente”.
este processo de mudança sobre o meio circulante interno, a oferta de papel-moeda10 aumentou gradativamente durante o período; a taxa de
crescimento do volume emitido girava em torno
de 4,2% ao ano. Estes dados estão elencados no
Gráfico 02:
Em 1846, a fim de estancar a saída de
capitais e fornecer maior estabilidade à moeda
nacional, é sancionada a Lei nº. 401, em 11 de
Setembro. Ela fixa a razão de paridade a 27 pence, em ouro, a cada mil-réis. Da mesma forma, o
artigo segundo da Lei determinava que o Governo Imperial estava autorizado a recolher papelmoeda na quantidade que julgasse necessária,
com o intuito de manter a valorização da moeda
nacional. A razão entre a prata e o ouro ficou estabelecida, a partir de 1847, no valor de 15,62511.
Tais medidas colaborariam no sentido
de tornar uniforme o sistema monetário nacional
(dando menos ênfase à prata e aos outros metais
na cunhagem e circulação de moedas). Poder-se10 Neste momento, faz-se mister realizar uma pequena pausa com fins
didáticos: quando utilizamos o termo ‘papel-moeda’, estamos fazendo
referência à moeda na forma de dinheiro/certificados de depósito cujo
lastro era inferior a 100%, ou seja, à moeda criada através dos mecanismos de emissão doa bancos e do chamado multiplicador bancário,
sobretudo para sanar a escassez de moeda puramente metálica. Tratase de um termo com significado diferente de ‘moeda-papel’, que configura certificados de depósito emitidos pelos bancos e outras casas de
custódia com lastro de 100%, ou seja, com resgate total, e garantia plena de conversibilidade de ouro, não havendo assim a criação de moeda
fiduciária; tal sistema seria aquele mais compatível com os preceitos de
plena conversibilidade apregoados pelo modelo do padrão-ouro. Para
maiores detalhes a respeito, ver FERNANDES (2001), pp.80-81.
11 Em ato sancionado em 1849, o governo brasileiro restringiu o
lançamento adicional de moedas de prata na economia, ao proibir as
operações governamentais com o referido metal com valores superiores
a vinte mil-réis (VIANA, p.308).
ia assim, na abordagem de Hugon, gerar bases
para a retomada do desenvolvimento na segunda
metade do século XIX, notoriamente sob a égide
da ‘economia do café’ (HUGON, 1978, 145).
E, mais que isto, a uniformidade do sistema monetário abre espaço, seguramente, para
a melhoria dos negócios em âmbito interno, retirando moedas estrangeiras da circulação cotidiana e contribuindo para a própria unificação da
nação – um dos projetos primordiais dos gestores
da política monetária, conforme depreendemos
ao longo desta análise.
Torna-se conveniente citar, ainda, que
para o caso do Império, vigoravam interesses
distintos no que diz respeito aos principais focos da circulação monetária, a partir do porte – e
da demanda por meio circulante – dos diferentes
complexos produtivos em escala regional. Seguramente, tais complexos demandavam capital
de giro para a manutenção de suas atividades,
sendo que este capital era obtido junto a agentes
particulares (tais como os comissários do café,
nas casas comerciais paulistas), ou junto a bancos privados de médio e grande porte; contudo,
neste trabalho, por apego à brevidade – e com o
sacrifício imposto à justificável necessidade de
uma análise mais ampla – procuramos enfatizar a
demanda por moeda apenas nos espaços ao redor
da Corte, onde se concentrava a vida financeira
do Império.
A partir do referencial teórico-analítico proposto acima, é possível ter em conta que
o sistema do Padrão-Ouro experimenta grande
expansão ao longo do século XIX por conta de
uma necessidade de estabilização monetária nas
economias ocidentais, favorecendo o incremento
do comércio internacional. A defesa da paridade,
porém, poderá ser vista a partir de diferentes ângulos, conquanto verificamos que há um interesse nítido dos credores internacionais, alocados
História e Economia Revista Interdisciplinar
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Política econômica e crises cambiais: A gestão financeira do Império do Brasil nos primórdios do padrão-ouro (1846-1858).
no eixo da grande onda de empréstimos da década de 1840, em especial, em manter a solvência
das economias que haviam contraído empréstimos durante o boom de capitais.
Por outro lado, o sistema de padrãoouro tem sua relevância no sentido de gerar uma
solidariedade mecânica entre as diversas economias (EICHENGREEN, 2002, 60). À medida
que um país elevasse suas taxas de redesconto
para estancar a fuga de capitais, ter-se-ia como
presumida uma reação semelhante por parte de
outros bancos centrais, que elevariam suas taxas,
reequilibrando o sistema.
A política econômica destes países, ainda que seja um tanto quanto ousado afirmar que
tenha sido ‘harmoniosa’, visava não só defender
a paridade de suas moedas, bem como evitar desequilíbrios no balanço de pagamentos que conduzissem ao endividamento excessivo frente ao
nível de produto interno.
O Padrão-Ouro poderá ser entendido,
ainda, enquanto um instrumento de compromisso
entre as diversas economias: ainda que aquelas
que se encontrassem em situação dita ‘periférica’
fossem obrigadas, de forma rotineira, a reverem
ou suspenderem suas metas de paridade-ouro, o
sistema foi mantido em alguns países-chave, notoriamente a Inglaterra, por quase um século.
2. Afirmação conservadora e
política econômica: Os gabinetes
da Conciliação – 1853-58
Nesta parte da pesquisa, pretendemos
estudar em detalhe à gestão dos negócios do Império do Brasil, através dos sucessivos Gabinetes
do Conselho de Ministros, compreendidos entre
1853 e 1858, pari passu à análise da atuação dos
responsáveis pelo Ministério da Fazenda no mesmo período.
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História e Economia Revista Interdisciplinar
A clivagem temporal estabelecida para a
presente discussão se deve a dois fatores principais, quais sejam: Primeiramente, trata-se de
um momento histórico no qual percebe-se uma
hegemonia do Partido Conservador na liderança
dos Gabinetes do Império, encetando a política
de conciliação com os membros do Partido Liberal, possibilitando verificar com maior acurácia o
direcionamento do Partido em questões de política econômica.
Da mesma forma, o ‘pânico financeiro’
evidenciado nas praças européias e americanas,
em 1857, implicou em uma séria desorganização
das finanças imperiais, dada a necessidade de
elevação dos limites para a emissão de moeda a
fim de saciar a demanda dos agentes pelo meio
circulante, frente ao risco de múltiplas falências
bancárias, tal como realmente se verificou. A
partir de 1858-59, porém, a rígida condução da
política monetária, impondo restrições progressivas à emissão, marcará um ponto de inflexão da
política econômica do Segundo Reinado.
Será na década de 1850, ainda, que se
registrará um grande incremento da atividade
bancária, haja visto a reestruturação do sistema
monetário brasileiro proposta com a Lei de 1846
e a fixação da paridade do mil-réis. No eixo deste
novo arranjo institucional, surgem diversas casas
bancárias de caráter emissionista, estimulando
a tomada de créditos para o sistema produtivo
(TRIGUEIROS, 1987, 85-90).
Dentre estes bancos, faz-se mister citar
alguns, de atuação mais destacada no período,
quais sejam:
Banco do Brasil: este banco, fundado
a partir de iniciativa do Visconde de Mauá em
1851, teve seus estatutos aprovados em 2 de julho do mesmo ano, através do Decreto nº. 801.
Prefigurava uma instituição de caráter privado,
com capital de 10.000:000$000 (dez mil contos
de réis), e capacidade de emitir vales de valor
superior a 200 mil réis, mas com o limite de
emissão de até um terço do capital efetivo da
casa bancária. Experimentando desde o início de
seus trabalhos um processo de expansão rápida,
o banco estabeleceu Caixas Filiais em São Paulo
e no Rio Grande do Sul. (PIRES DO RIO, 1947;
KUNIOCHI, 2005, 75)
Banco Comercial do Maranhão: teve
seus estatutos aprovados em 1849, com autorização de emissão de vales de até 100$000.
Banco Comercial da Bahia: fundado por
decreto a 13 de novembro de 1845 (portanto,
ainda sob a égide dos liberais no Poder Executivo), foi autorizado a emitir vales no valor de até
100$000, até o limite de 50% do capital efetivo
da casa bancária.
Com as mesmas características do Banco
Comercial da Bahia no que alude ao montante de
emissão de vales e à formação de reservas compulsórias, têm-se:
Banco de Pernambuco: fundado em 22
de Dezembro de 1851;
Banco Comercial do Pará: aprovado por
decreto em 5 de Janeiro de 1853;
Há que se ter em conta, porém, que os
Bancos do Maranhão e do Pará não chegaram a
funcionar. Estes seriam convertidos em Caixas
Filiais do terceiro Banco do Brasil, no processo
de unificação do sistema bancário de 1853, liderado pelo Visconde de Itaboraí, então Ministro
da Fazenda e também presidente do Conselho de
Ministros.
Com base em tais informações, é possível perceber que a atividade bancária em âmbito nacional apresentará expansão significativa
no contexto da década de 1850. A evolução da
política monetária, através do compromisso da
manutenção da paridade cambial, aliada a um
aparato institucional favorável, capaz de facultar
aos bancos supracitados, e a outros de menor expressividade, bem como à capacidade emissora
de títulos resgatáveis (ainda que se restabeleça
o monopólio ao Banco do Brasil em determinados períodos), e ainda ao aumento significativo
da demanda por créditos para a realização de inversões no sistema produtivo nacional, de caráter
eminentemente agrícola, condicionam significativas oportunidades de realização de lucros no
mercado brasileiro.
Assim sendo, é inegável que estas oportunidades favoreceram uma possível dinâmica
especulativa e viabilizaram, conseqüentemente,
o surgimento de diversas casas bancárias. Esta
lógica, é importante frisar, contraria o movimento de concentração do sistema bancário visível
no ambiente europeu, no qual alguns países passam a unificar seus sistemas na órbita nacional
(como a Bélgica e, em menor vulto, a França) a
fim de torná-lo menos vulnerável a crises.
A lógica de emissão de títulos nestes
países, em relação ao total do fundo disponível, também é mais prudente: em 1857, no auge
da crise, os bancos franceses são autorizados a
fornecer créditos até o limite de 100% de suas
reservas; no Brasil, como exemplo, esta razão
alcançou os 300%12.
Pelo lado do comércio, porém, esta situação, a ampliação do crédito, também seria
passível de verificação: o rápido incremento das
quantidades exportadas a partir de 1849, notoriamente de commodities, impulsionou a tomada
de empréstimos de grandes proprietários para a
12 Para o estudo dos casos francês e belga na unificação do sistema
bancário, ver KINDLEBERGER (2000). Para a reestruturação do sistema bancário britânico, KINDLEBERGER (1985), pp.91-94. Por fim,
para as variações no estoque de títulos brasileiros, VILLELLA (1999) e
PELÁEZ & SUZIGAN (1981)
História e Economia Revista Interdisciplinar
57
Política econômica e crises cambiais: A gestão financeira do Império do Brasil nos primórdios do padrão-ouro (1846-1858).
ampliação de suas propriedades13. Diante desta
demanda crescente por crédito, o sistema bancário, que operava já em seu limite de empréstimos
em relação aos seus encaixes, é forçado a aumentar o limite de emissões. Já em 1854, o Banco
do Brasil solicita licença para elevar a capacidade emissora ao triplo de seu acervo em moedas
metálicas14.
Tal fato não exime, porém, a verificação
de um incremento das importações, tanto em
bens de capital – para as obras de infra-estrutura
– quanto em bens de luxo, para o consumo dos
estratos mais abastados da sociedade. O consumo de tais bens representava, é válido afirmar,
uma espécie de ‘dreno’ de recursos, para fora
da rede bancária nacional, em detrimento de um
processo de acumulação interna de recursos.
A proibição do tráfico negreiro a partir de
1850, porém, trouxe consigo um movimento de
progressiva escassez de oferta de mão-de-obra
escrava; com o aumento dos preços dos escravos
que se estabelecia no período, estudavam-se medidas de caráter atenuador, através do estímulo à
formação de correntes migratórias. A princípio,
cogitou-se a entrada de chineses, cuja eficácia
havia sido comprovada em outros territórios.
Seria, porém, apenas nas décadas seguintes que
o movimento de migração, baseada na mãode-obra européia, apresentaria um incremento
significativo15.
2.1.Conjunturas especulativas e
a Crise de 1857
13 A título de ilustração, temos as quantidades exportadas dos principais gêneros, em toneladas. Café: 129.000; Açúcar, 127.000; Fumo,
7.000; Mate, 6.000; Borracha, 5.000; Cacau, 4.000 (MONT’ALEGRE
(1972), p.127).
14 ‘Foi nesse anno que elle [Carneiro Leão] autorizou a inflação
monetária, a elevação ao triplo do seu fundo disponível das emissões
do Banco do Brasil, para evitar a queda do cambio e a suspensão dos
pagamentos em ouro’. CARVALHO (1927), p.513.
15 Idem, p.139. Não pode, porém, descartar a existência do tráfico de
escravos com natureza interprovincial, que, até certo ponto, manteve
o abastecimento dos complexos econômicos do centro-sul a partir do
remanejamento de cativos das regiões setentrionais do Império; tal
discussão está melhor sintetizada em TROVÃO e ALMEIDA (2008).
58
História e Economia Revista Interdisciplinar
A partir dos anos 1849/1850, registraram-se descobertas de jazidas auríferas nos Estados Unidos e na Austrália. Essa nova ‘febre do
ouro’ propiciou uma entrada maciça do referido
metal nos espaços econômicos europeus, incentivando o mercado financeiro e aumentando a dinâmica especulativa, que se concentrava na compra de participações acionárias em companhias
de origem diversa, em que se incluíam também
as de natureza mineradora.
Mais que isso, o surgimento de novos estabelecimentos bancários contribuiu, igualmente, para o aumento das emissões de papel moeda,
que em 1857 foram responsáveis pelo aumento
da razão entre papel-moeda em poder do público e moeda metálica em poder do público, que
passou de 6 para 1 (1837), ao patamar de 8 para
1 em 1857.
. Fazendo referência, ainda, à dimensão
do meio circulante, o Gráfico 03 faz alusão à variação dos meios de pagamento dos bancos, pari
passu ao aumento de seus depósitos:
Durante a década de 1850, este movimento especulativo revelou-se bastante intenso
nas praças dos Estados Unidos e na Europa, porém concentrou-se significativamente sobre os
papéis de companhias norte-americanas: para
uma economia em expansão de sua infra-estrutura interna, tem-se que grandes obras e jointventures entre os setores público e privado, corporificadas nas estradas de ferro que marchavam,
em ritmo célere, às jazidas dos territórios do
Oeste, representariam, de forma emblemática, as
pontas-de-lança do desenvolvimento econômico
dos Estados Unidos (MOORE, 1975; BENSEL,
1990).
Contudo, como tais obras de infra-estrutura redundavam, em boa parte, em um aumento
dos volumes importados, as reservas norte-americanas em ouro reduziam-se drasticamente; o
sistema financeiro norte-americano, já fragilizado, sofrerá seu primeiro golpe mais intenso em
Agosto de 1857, com a falência da Ohio Life &
Trust Company, cujos ativos, aplicados sobre
títulos de companhias ferroviárias, eram superiores a cinco milhões de dólares (em valores da
época). A falência desta companhia, considerada
sólida até poucos dias antes de sua quebra, é a
primeira de uma série de falências de bancos da
Costa Leste dos Estados Unidos, e que se prolongaria até 1858.
Para o caso europeu, observam-se diferentes fenômenos que engendraram a aceleração da especulação e posterior crise do sistema
financeiro. No início da década de 1850, a Europa (e principalmente a Grã-Bretanha) passava
por um período de prosperidade por conta do
reaquecimento do sistema produtivo após o fim
do conflito entre a Prússia e a Áustria no biênio
1851-52, bem como pelo recebimento de juros e
dividendos do boom de empréstimos da década
de 184016.
Contudo, registram-se diferentes dinâmicas entre as diversas praças européias, no que
alude ao alvo primário da especulação: Na França e na Inglaterra, aplicaram-se grandes quantias
de capital em companhias de construção de ferrovias e na compra e manutenção de estoques reguladores de commodities, tais como trigo (para
a Inglaterra) e café (no caso francês). Já no caso
16 A respeito da onda de empréstimos, notoriamente de origem britânica na década de 1840, ver maiores referências em PETTIS (2001).
da Alemanha, o foco se deslocou para o sistema
bancário, em especial na praça de Hamburgo:
criaram-se novos bancos de emissão e redesconto de títulos; na Escandinávia, por fim, os agentes investidores demandaram as companhias de
construção de navios de guerra.
Colocadas, portanto, as nuances na esfera especulativa, que permeiam a Crise de 1857,
que consiste em um momento capital deste trabalho, levando-se em conta principalmente os
principais mecanismos de especulação no contexto do padrão-ouro, caberá verificar o modo
como tais mecanismos se reproduziram no Brasil, e como as autoridades monetárias – imbuídas, eventualmente, de posturas diferenciadas a
respeito da condução da política de emissão do
meio circulante – reagiram a tais conjunturas de
instabilidade.
No referido ano, ocorre uma troca de lideranças no Conselho de Ministros; na pasta da
Fazenda, ocupa sua liderança Bernardo de Sousa
Franco, futuro Visconde de Sousa Franco. Membro, inclusive, do Partido Liberal, sua postura,
como se verá, contrariará a lógica implementada
pelos diferentes gabinetes conservadores, à medida que prioriza o aumento do meio circulante,
com a liberação da emissão de moeda aos bancos espalhados pelo território, a fim de atender
às crescentes exigibilidades de reprodução dos
complexos econômicos17. O próprio Sousa Franco, em estudo publicado anos antes, faz menção
a esta questão:
Decidi-me a publicar este pequeno
opúsculo pela consideração de que em um país
novo e falto de capitais como o Brasil, é-lhe
17 A respeito de Sousa Franco, refere-se Austricliano de Carvalho:
‘Figura primacial do ministério, já era senador pelo Pará, na vaga
de José Clemente. Era um chefe liberal, instruído e de grande talento,
adestrado na administração , cujos assumptos discutia com proficência.
(...) Mameluco, de mediana estatura e craneo desenvolvido, foi um perseverante, enérgico, dogmático, bravo no ataque e na defesa e sectário
da liberdade de credito, da pluralidade da emissão, em contraposição
a Itaborahy, o mentor financeiro do ultimo ministerio’. CARVALHO
(1927), p.520.
História e Economia Revista Interdisciplinar
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Política econômica e crises cambiais: A gestão financeira do Império do Brasil nos primórdios do padrão-ouro (1846-1858).
serviço importantíssimo procurar desenvolver
seus trabalhos e lançar mão das instituições de
crédito como o mais poderoso meio de aproveitar os capitais desempregados, pô-los a serviço
da indústria, e como que os duplicara em seu
benefício. (GREMAUD, 1997, 89)
Um debate é percebido em torno do fator
desencadeador da crise de 1857. Charles Kindleberger, a título de exemplo, manifesta uma clara
posição ao afirmar que o movimento se iniciou
com a falência da companhia de seguros Ohio
Life & Trust Company, em 24 de Agosto do referido ano. Este fenômeno teria sinalizado aos
credores e investidores que a bolha especulativa,
‘ancorada’ sobre companhias e movimentação de
ações, estaria entrando em colapso. (KINDLEBERGER, 2000)
Tomados pelos conhecidos (e mesmo
tradicionais) mecanismos de incerteza quanto à
solvência das casas bancárias, comuns a momentos de instabilidade que se sucedem a booms de
oferta de ativos financeiros, estes agentes recorreram aos bancos a fim de liquidar suas posições
de caráter especulativo e retornar a aplicações de
corte conservador. Os bancos, porém, fortemente
alavancados por conta dos créditos concedidos
com relativa facilidade nos anos anteriores, não
conseguem fazer frente à demanda por saques e
passam, progressivamente, a entrar em processo
de falência.
Em decorrência deste primeiro movimento nos Estados Unidos, registram-se corridas
bancárias neste país e também na Europa, com
vistas à troca das notas e títulos bancários, além
das participações acionárias, por moeda corrente. Na Grã-Bretanha, que ainda então era a praça
central do sistema monetário, o Banco da Inglaterra reajusta suas taxas de juro, elevando-as a
10%, a fim de reduzir o volume de saques e evitar a descapitalização completa (CARVALHO,
60
História e Economia Revista Interdisciplinar
1927, 523).
A alta dos juros afetará todo o sistema
monetário europeu, conquanto outros Bancos
Centrais passam a elevar suas taxas de redesconto a fim de evitar perdas maciças de recursos através do esgotamento da conta capital. É
importante frisar, neste sentido, que os bancos
estadunidenses, contribuindo para a aceleração
do ‘pânico’, operavam com níveis baixos de reservas, conforme se pode depreender através do
Gráfico 04:
Uma segunda abordagem para a eclosão
da crise posterior, segundo Kindleberger18, residiria sobre o setor agrícola. A Guerra da Criméia,
ocorrida entre 1853 e 1856, retirou do mercado
todo o suprimento de produtos agrícolas russos,
notoriamente o trigo. Neste sentido, os produtores rurais europeus – notoriamente os ingleses,
após a revogação das Leis dos Grãos em 184619 –
passaram por uma pequena Golden Age que lhes
permitiu centralizar capital e aplicá-lo em investimentos (ou especulações) sobre terras públicas
e outros bens estatais, além de outras aplicações
de altas rentabilidades e risco.
18 Além de KINDLEBERGER (2000), a discussão é proposta por HILL
(1985)
19 As leis dos grãos, promulgadas em 1815, via de regra, configuravam-se em medidas de forte caráter protecionista, como forma de criar
reservas de mercado para os produto agrícolas ingleses: As chamadas
corn laws proibiam a importação de alimentos da Europa Continental.
Foram duramente criticadas por David Ricardo, que argumentava que
tais leis, conquanto protecionistas, não obstante favorecerem a elevação
dos preços dos alimentos no mercado interno (dada a ausência de concorrência), possuíam também o efeito de concentrar a renda nos setores
ditos ‘atrasados’, controlados pela nobreza rural. Foram revogadas
durante o mandato de Robert Peel como primeiro-ministro, em 1846.
Com o fim do conflito, aliado a safras
recordes para o período, e o progressivo retorno do trigo russo ao mercado, estes produtores
param de perceber os ganhos extraordinários anteriormente verificados; por terem aplicado seus
fundos em projetos de risco elevado, sua descapitalização será uma conseqüência clara (HILL,
1985, 98; PRADO, 1991, 241).
No verão de 1857, os primeiros rumores
da crise na América chegaram à Europa, com algumas semanas de atraso. Em meio ao pânico e
à corrida bancária que se estabeleceram, o Banco da Inglaterra eleva suas taxas de juros; mas
suspende, por outro lado, o Peel Act de 1844,
que fixava a conversibilidade total da libra em
ouro; dá-se espaço para a emissão de natureza
fiduciária.
Será na Alemanha, porém, que se registrarão os maiores efeitos. De fato, o sistema
bancário vinha operando com baixos níveis de
reservas a fim de sustentar os empréstimos para
a região da Escandinávia e mesmo para a Rússia,
dado o fim iminente da Guerra da Criméia. Para
escapar da primeira onda de pânico, os bancos
alemães, liderados pela praça de Hamburgo, formam uma liga a fim de garantir a manutenção
das operações de redesconto (21 de Novembro
de 1857).
Contudo, isto não seria o fim. Até o final de 1858, 145 casas bancárias européias encerraram suas atividades. Em distantes colônias,
como no caso da Índia, a crise foi sentida por
mecanismos de transmissão de preços a produtos de exportação, como gêneros agrícolas. As
conseqüências desta instabilidade resultaram em
desemprego e baixas taxas de crescimento no biênio 1857-58. Será sobre o Brasil, porém, que
esta crise se abaterá de forma mais significativa, por conta da limitação de seus estoques em
moeda metálica para manter a funcionalidade do
sistema.
2.2. Efeitos da Crise sobre
o Brasil
A 3 de Novembro, através do vapor
Conrab, os rumores da instabilidade nos Estados
Unidos chegaram ao Brasil, dando conta de que
os bancos de Nova York haviam suspendido seus
pagamentos (PRADO, 1991, 243)20. Diante deste cenário, os credores europeus e dos Estados
Unidos aqui residentes passaram a pressionar o
Tesouro Nacional – e seu operador, na qualidade
de emissor da moeda de curso forçado, o Banco do Brasil – a liquidar seus débitos, gerando
fuga de moeda metálica e, mais do que isso, gerando embarque de mercadorias, em momentos
nos quais o estoque de ouro era insuficiente para
honrar as dívidas.
O rápido desdobramento dos eventos é
algo a ser considerado: frente às insistentes demandas dos credores internacionais, o estoque de
ativos monetários do Império passava a perder
reservas, dada a contínua drenagem de recursos
com o intuito de evitar grandes desvalorizações
cambiais (que não tardariam a ocorrer).
Como a colocação de títulos e venda de
ativos imóveis, para obtenção de divisas, era uma
atividade lenta e permeada de riscos, o governo
apelará para a atitude mais dolorosa: suspendeu
a conversibilidade entre notas do Tesouro e moedas metálicas, a 11 de Novembro. O comércio
externo, por sua vez, entra em processo de estagnação, uma vez que os vendedores europeus
passam a exigir pagamentos à vista para a cessão
de seus produtos, desaparecendo o sistema de
compra por consignação (VILELLA, 1999, 2-8).
20 Há que se ter em conta que o Brasil só interligou-se de forma plena
com os ‘centros civilizados’, como afirmava o Barão de Mauá, em 1874,
com a inauguração do telégrafo por cabo submarino, por iniciativa do
próprio Mauá. Antes desta data, eram os paquetes e navios diversos
que traziam as notícias de outras regiões do globo. Eram, em verdade,
os ‘paquetes’, navios de linhas regulares entre o Brasil e os demais
centros, que traziam as principais notícias do que estaria acontecendo
nas praças internacionais.
História e Economia Revista Interdisciplinar
61
Política econômica e crises cambiais: A gestão financeira do Império do Brasil nos primórdios do padrão-ouro (1846-1858).
A 13 de Novembro, outros navios que
haviam acabado de aportar trouxeram as notícias
do aumento dos juros na Inglaterra. Frente a este
cenário, observam-se novas corridas bancárias,
com o intuito de resgatar os títulos por ouro; o
Banco do Brasil corria sérios riscos de ficar sem
cobertura de fundos para fazer frente às operações quotidianas, dado o possível embarque maciço de ouro para a Inglaterra.
Mesmo após a suspensão da conversibilidade, a fuga de capitais prosseguia: os embarques de ouro para a Inglaterra, e a conseqüente
desmonetização da economia nacional, foram
freqüentes durante o período. O próprio Banco
do Brasil teve seus estoques, medidos em torno do montante de fundos disponíveis, bastante
reduzido:
O Banco do Brasil, sendo nesta praça
o único reservatório de capital monetário para a
satisfação do comércio exterior, devia ser o primeiro a sofrer os resultados daqueles acontecimentos. O seu fundo disponível foi seriamente
ameaçado e, de fato, dentro de dez meses, este
fundo sofrera o desfalque de 4.714:123$847,
desfalque que prometia aumentar rapidamente pelos pagamentos forçados de recâmbios e
pedidos de remessa por parte de credores nas
praças em crise.21
O Gráfico 05 ilustra esta tendência:
21 Relatório do Banco do Brasil de 1858, citado por MONT’ALEGRE
(1972), pp.147-8.
62
História e Economia Revista Interdisciplinar
3.O saneamento do sistema:
a política macroeconômica
pós-crise de 1857
Diante deste cenário de crescente incerteza a respeito das finanças públicas do Império,
bem como sobre a solvência seus estabelecimentos bancários, os agentes passaram a recorrer ao
setor privado para a obtenção de créditos. As
casas mais visadas – A.J.Alves Souto e Cia, e
Mauá, McGregor e Cia – sobreviveram à primeira onda de crise, mas principalmente por conta
do tratamento concessivo do Banco do Brasil,
que suplementou suas dotações em moeda metálica e negociou acordos para a obtenção de créditos externos, notoriamente britânicos – a saber,
Rothschild & Sons, no montante de £600.000
– agindo como um Emprestador de Última Instância. A orientação do governo era clara, neste
sentido: deter a marcha da desvalorização cambial e evitar a fuga de capitais e a conseqüente
desmonetização da economia nacional.
Este empréstimo se aloca no eixo de negociações entre o Banco do Brasil e importantes casas bancárias européias, possíveis graças
ao aval do Império Brasileiro para a cessão de
créditos aos bancos nacionais. A princípio, em 1
de Dezembro de 1857, o Governo forneceu aval
para a tomada de um empréstimo de £340.000,
ou 3.000 contos de réis (o que equivalia a 27,63%
do fundo disponível do Banco no período).
Não obstante, em 4 de Dezembro, as autoridades monetárias, julgando que este montante seria insuficiente para reestabilizar as atividades do sistema financeiro nacional, pressionaram
o Governo a fim de que este cedesse um aval
para um empréstimo no valor de £600.000. Por
fim, à medida que os dias passavam e mais notícias chegavam ao país a respeito do pânico instalado nas praças européias e norte-americanas, o
mil-réis continuava a desvalorizar-se, chegando
ao valor de 23,5 pence em 31 de dezembro, o
mais baixo do ano conforme será possível verificar a partir dos dados do Gráfico 06, na página
seguinte.
A respeito destes mesmos dados, é interessante perceber que o spread das taxas máxima
e mínima no Império é relativamente pequena
entre os anos de 1852 e 1856, ocupados, em
grande parte, pelo Gabinete Paraná; o processo
de ajuste do câmbio após o ano de 1846, associado ao enxugamento das moedas falsas em circulação, bem como à relativamente pouca presença
de estabelecimentos bancários com a capacidade
de emissão, certamente terá contribuído de maneira significativa para a estabilização do câmbio
nos anos subseqüentes22.
em Março, atingindo um total de £810.000 até
Junho. Neste mesmo mês, os níveis de comércio
foram restabelecidos na praça londrina, e o sistema bancário norte-americano já havia conseguido absorver as perdas decorrentes da quebra de
bancos e companhias de crédito (CALÓGERAS,
1960, 111).
No Brasil, acertaram-se os últimos detalhes, em Junho, para a tomada de um empréstimo
de £1,4 milhão, para o prosseguimento das obras
da Estrada de Ferro D. Pedro II. Por fim, a colheita de 1858, que elevou os preços do café no
mercado internacional, também elevou a demanda por moeda internamente, o que possibilitou
uma apreciação da mesma: em Agosto, a taxa de
câmbio havia subido para 26,55 pence para cada
mil-réis, nível bastante próximo ao acordado na
Lei nº. 401, de Setembro de 1846.
Contudo, o esforço para a revalorização
do câmbio não pararia por aí: a 12 de Dezembro
de 1858, um novo Gabinete foi formado, tendo
Salles Torres Homem, Visconde de Inhomirim,
como Ministro da Fazenda. Sua concepção de
política monetária era, pode-se afirmar, diametralmente oposta à de Sousa Franco.
A conjuntura de instabilidade começou a
ser revertida apenas em meados de 1858. Neste
momento a casa bancária Mauá, McGregor &
Cia., convencida da possibilidade de restauração
da paridade-ouro do mil-réis, lança com apoio
do Banco do Brasil algumas letras de câmbio na
praça de Londres, com valor inicial de £400.000,
22 A respeito da circulação de moedas falsas e o aumento da fiscalização do governo sobre esta situação, faz referência o escritor José de
Alencar, em tom de sátira: ‘O crime de moeda falsa é um dos mais severamente punidos em todos os países, porque ameaça a fortuna do Estado e a dos particulares. Entretanto não acho razão no legislador em ter
punido unicamente o falsificador de moeda, deixando impunes muitos
outros falsificadores bem perigosos para a nossa felicidade e bem-estar,
Todos os dias lemos nos jornais anúncios de dentistas, de cabeleireiros
e de modistas, que apregoam postiços de todas as qualidades, sem que
a Lei se inquiete com semelhantes coisas. (...) Um homem qualquer que
nos dá a descontar uma letra de uns miseráveis cem mil réis, falsificada
por ele, é condenado a uma porção de anos de cadeira. Entretanto
aqueles que falsificam uma mulher, e que desgraçam uma existência,
enriquecem e riem-se à nossa custa.’ ALENCAR (1955?), pp.90-91.
Em um corte nitidamente metalista, Torres-Homem afirmaria, bem como já o fizera em
momentos anteriores23 que o aumento do estoque
de papel-moeda, praticado ao longo dos anos e
acentuado durante a crise de 1857, era o agente causador dos aumentos no nível de preços,
da desvalorização da taxa de câmbio e descenso
dos salários, além de ‘travar’ o desenvolvimento
industrial24.
23 ‘Na sessão de 58, Torres-Homem investiu contra Sousa Franco,
oppondo a unidade da emissão à pluralidade deste, a quem censurou a
incoherencia da liberdade ampla que defendia com a liberdade restrita
que adotara, com um regimen de autorização’. CARVALHO (1927),
p.523.
24 ‘Deplorava Sousa Franco que a crise commercial que se declarou
em 57 não desse logar a fazer resaltar a efficacia da medida que tomou
[o aumento das emissões e a descentralização da capacidade emissora
do Banco do Brasil], sendo uma inverdade a insufficiencia que se
allega, tanto mais quanto era uma realidade a solidez dos novos bancos, cuja emissão não poderia exceder o capital realizado e effectivo,
História e Economia Revista Interdisciplinar
63
Política econômica e crises cambiais: A gestão financeira do Império do Brasil nos primórdios do padrão-ouro (1846-1858).
No afã de incentivar a formação de um
estoque de moeda metálica compatível com as
emissões bancárias, Torres Homem suspendeu,
como primeira medida, a autorização recebida
pelo Banco do Brasil, a 5 de fevereiro de 1856,
para a circulação de notas bancárias com volume
três vezes superior ao de reservas, já descrita no
tópico anterior.
Ainda que tal medida permitisse que o limite de emissões fosse ao dobro do fundo disponível, já se trata de uma primeira forma de combater a dinâmica especulativa e a emissão sem
lastro. A partir do órgão governamental, ainda,
as medidas de contração da base monetária deveriam atingir todos os outros bancos privados,
dado que também lhes foi retirada a capacidade
de livre emissão (CARVALHO, 1927, 529).
Como fechamento ao tópico, no que alude à evolução da economia brasileira no período,
é possível verificar que, na órbita do comércio
exterior, os impactos da aceleração do comércio
de importação e da Crise de 1857 são significativos, conforme pode-se depreender a partir do
Gráfico 07, na página seguinte.
De fato, houve um aumento de 103% no
volume das exportações durante o período compreendido entre 1847 e 1858, ao passo que as
importações aumentaram em 134% neste mesmo
período. Mais que isto, há uma queda de 7,2%
no valor total das exportações entre 1856 e 1858,
frente a um aumento de 28,8% das importações
no mesmo período. A análise desta situação torna
possível verificar que a Crise de 1857, embora
tenha uma origem clara no sistema financeiro –
sobretudo se consideramos a quebra da seguradora Ohio Life & Trust como desencadeadora do
garantido por titulos acreditados’. CARVALHO (1927), p.522. Em Pires
do Rio, ainda, está a citação de Rodrigues Torres, visconde de Itaboraí:
‘Se convêm edificar nosso sistema monetário sobre papel inconvertível,
então seja o governo que o fabrique; não se dê a associações particulares o direito de se locupletarem à custa dos sofrimentos do povo’.
Citado por PIRES DO RIO (1922), p.111.
64
História e Economia Revista Interdisciplinar
Pânico – traz implicações relativamente severas
sobre a dimensão macroeconômica, sobretudo
sobre o comércio exterior.
4. Considerações finais
A princípio, há que ressaltar – como recuperação das reflexões realizadas no primeiro
tópico – a especificidade do padrão-ouro dentro
do espaço econômico brasileiro. Configurado
originalmente como mecanismo compensatório para transações entre países, uma vez que
déficits em conta corrente em um país seriam
compensados por superávits em outro país, gerando um jogo de soma zero onde a tendência
de queda nos preços pudesse restabelecer o fluxo
de ouro entre estas regiões, a implementação da
conversibilidade do mil-réis em moeda metálica
e a possibilidade de fixação das taxas de câmbio
gerou quatro movimentos distintos.
Em primeiro lugar, em função da adesão
da economia brasileira a um regime de taxas de
câmbio fixas a partir de 1846, o padrão-ouro colocou o país na rota dos fluxos de capital entre
países através do financiamento a projetos de investimento em dimensão interna (COTTRELL,
1975; PETTIS, 2001). Como conseqüência, um
segundo ponto reside na aceleração da atividade
especulativa, passível de exemplificação através
do surgimento de grande número de companhias
de investimento (principalmente em estradas de
ferro e navegação – considerando o fato, devese dizer, de que em diversas situações os pro-
jetos de investimento não foram devidamente
concretizados25).
Em terceiro lugar, permitiu à elite nacional assimilar os padrões de consumo externos,
por conta do estabelecimento da conversão da
moeda nacional e da significativa geração de
divisas decorrente do aumento das exportações:
deu-se, neste sentido, fomento à importação de
bens de consumo, e estímulo às atividades urbanas em torno da Corte, o que se verifica pelo aumento das importações que se verificou ao longo
da década de 185026.
Por fim, sinalizou o início do estabelecimento de um sistema bancário, concentrado
regionalmente e focado na emissão de notas bancárias desprovidas de lastro, em desacordo com
as regras do jogo em relação ao mecanismo da
paridade-ouro; da mesma forma, considerandose que o sistema ainda possuía uma natureza
bastante seminal, não há mecanismos de coordenação entre os diversos estabelecimentos, o
que faz com que instrumentos de articulação de
recursos entre bancos, como cheques e ordens de
pagamento, sejam pouco utilizados, situação esta
que engendra, em diversas ocasiões, o ‘vazamento’ de recursos destes bancos, que tinham suas
reservas drenadas por resgates destinados ao comércio de importação.
A dinâmica do Padrão-Ouro, ainda, no
que diz respeito à relação entre países ‘centrais’
e periféricos, torna possível a propagação de pânicos e corridas bancárias para todo o sistema,
desde que a crise tenha início em uma praça rele25 Em última análise, de fato, trabalhar o Padrão-Ouro como um
mecanismo indutor de investimentos na economia brasileira do século
XIX poderia consistir em uma ‘hipótese heróica’. Efetivamente, não
há indícios suficientemente claros que forneçam sustentação a esta
hipótese. Contudo, à medida que consideramos os presumidos efeitos
da paridade cambial, e do estabelecimento de ‘regras do jogo’ para a
convivência entre a moeda nacional e o sistema financeiro, é possível
ter em conta que a vigência do Padrão-Ouro representa um instrumento
de auxílio nas tomadas de decisão dos investidores privados e institucionais do período.
26 Para maiores detalhes a respeito da vida cultural no Rio de Janeiro
em meados do século XIX, ver SCHWARCZ (1999).
vante – como no caso dos Estados Unidos.
Em 1857, este movimento foi válido: a
concordata da Ohio Life & Trust deu início ao
movimento de pânico nas praças de Ohio e Nova
York, atingindo, meses depois, a Europa (em
especial a Alemanha, cuja praça de Hamburgo
havia investido pesadamente em companhias
ferroviárias e de construção naval na Suécia e
Noruega) e a América Latina, em especial o Brasil: nota-se que esta crise é a primeira de alcance
verdadeiramente mundial, conquanto pertencente a uma conjuntura de implementação da conversibilidade entre as moedas nacionais e o ouro
– seja de facto, como no caso dos EUA, ou de
jure, para os casos do Brasil e da Inglaterra
No Brasil, por sua vez, esta crise foi a
que primeiro atingiu seu incipiente sistema bancário. Uma vez que os efeitos da recessão de
1847 restringiram-se primordialmente aos Estados Unidos, e a constituição da paridade entre o
ouro e o mil-réis ainda era bastante recente, não
se sentiram de maneira significativa os efeitos
dessa primeira oscilação de mercado.
A Crise de 1857, por sua vez, teve início
em uma economia que operava sob condições
adversas, principalmente no que diz respeito a
seus passivos acumulados e à atividade especulativa, através do estabelecimento de companhias de crédito e financiamento às mais diversas atividades, tais como obras de infra-estrutura
portuária, melhorias nos maiores centros urbanos
(principalmente iluminação a gás e obras de pavimentação da malha viária) e ampliação da rede
de ferrovias, que demandavam um volume bastante elevado de capitais, tal como abordamos no
segundo tópico.
Esta situação fornece subsídios para que
se compreenda, ainda, a despeito da melhoria
do ambiente decisório com a fixação da taxa de
História e Economia Revista Interdisciplinar
65
Política econômica e crises cambiais: A gestão financeira do Império do Brasil nos primórdios do padrão-ouro (1846-1858).
câmbio, conforme o receituário do padrão-ouro,
a significativa falta de regulamentação que ainda
era capaz de afetar as instituições financeiras no
âmbito do Segundo Império.
Realizamos aqui, portanto, uma última
ponte, trazendo novamente à baila as perguntas
delimitadas na parte introdutória deste trabalho,
e que permearam a sua realização: Em verdade,
colocando sob forma de síntese as discussões
que procuramos realizar ao longo desta dissertação a respeito da primeira hipótese, relacionada
aos limites do Partido Conservador na gestão da
política macroeconômica, tem-se que não é de
todo lícito imputar às autoridades monetárias,
ou seja, aos gestores do Ministério da Fazenda
(considerando a inexistência de um equivalente
ao Banco Central) a responsabilidade pelas conjunturas de instabilidade que se verificaram no
período em análise.
Mais que atribuir títulos de metalistas
ou papelistas – em função de suas posturas mais
ou menos restritivas quanto à liberdade de emissão do Estado – aos ministros da Fazenda e suas
gestões – Carneiro Leão, Sousa Franco, Torres-
66
História e Economia Revista Interdisciplinar
Homem, entre outros – é importante realizar
uma reflexão mais ampla: por trás das posturas
aparentemente discricionárias, porque ‘emissionistas’, ou draconianas, porque restritivas, realmente permeava a ação daqueles estadistas, em
geral membros influentes do analisado Partido
Conservador, uma preocupação maior, qual seja,
a da construção e afirmação do novel Estado
Nacional.
O que realmente perpassa todas as medidas de política econômica do período é, seguramente, a necessidade de um equilíbrio entre
corresponder às demandas sempre crescentes das
províncias (modelo privilegiado por Sousa Franco) e controlar a sua capacidade de livre emissão
(de acordo com os conservadores). Os diferentes
gestores das finanças do governo atuavam, portanto, acomodando estes distintos interesses. Todavia, durante o período analisado este esforço
de acomodação não perdeu, de modo algum, a
orientação principal, qual seja, o interesse estratégico de longo prazo, que residia na construção
– de maneira centralizada – do Estado brasileiro
no século XIX.
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História e Economia Revista Interdisciplinar
69
70
História e Economia Revista Interdisciplinar
Câmbio: uma questão da política
Esther Kuperman
Historiadora, Doutora em Ciências Sociais pela UERJ
[email protected]
Resumo
Apesar de serem consideradas do campo da economia, as políticas cambiais são resultantes de disputas entre diferentes grupos de
interesses presentes no interior das agências do Estado. Este artigo demonstra como, a partir da década de 1950, o controle destas
agências estatais esteve nas mãos de empresários de diferentes setores, portanto, as políticas públicas, especialmente as que diziam
respeito ao câmbio, refletiam e ainda refletem os interesses do campo hegemônico..
Palavras-chaves: Políticas cambiais, políticas públicas, agências do Estado, grupos de interesse.
Abstract
Although exchange rate policies are considered part of the field of economics, they are the result of disputes among different interest
groups present within state agencies. This article demonstrates how, from the 1950s, the control of these state agencies was in the
hands of businessmen from different sectors. Therefore, the public policies, especially those related to exchange rates, reflected and
still reflect the interests of the hegemonic
Key words: Policies, foreign exchange, public policy, state agencies, interest groups.
História e Economia Revista Interdisciplinar
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Câmbio: uma questão da política
O que faz andar o barco não é a vela enfunada, mas o vento que não se vê.
Platão
A
historiografia brasileira carece de
pesquisas sobre história cambial. Trata-se de um assunto novo, que poderá concorrer para uma melhor compreensão das
bases sobre a quais se assentam as relações sociais e as estruturas jurídico-políticas brasileiras.
Como contribuição para a produção deste campo
de pesquisa, examinamos as políticas cambiais
dos anos cinqüenta, que consideramos serem ferramentas para o entendimento das mesmas políticas nas décadas posteriores, em especial nos
dias de hoje.
Acreditamos que as oscilações da moeda, especialmente o dólar (referencial monetário
para todo o comércio internacional no período
em questão) em relação à moeda nacional, expressam interesses dos diferentes setores do
empresariado brasileiro e que tais interesses têm
como desdobramento as políticas cambiais, cujas
definições se encontram no interior das agências
do Estado. Daí sua importância como objeto de
estudo.
A política cambial constitui um dos principais instrumentos através do qual o Estado
regulamenta algumas relações econômicas. Em
uma sociedade capitalista, tais relações serão geradoras de benefícios para classes ou frações de
classe, especialmente para aquelas que detêm o
controle das instituições promotoras destas políticas – as agências estatais. Na década de 1950
– período que analisamos - é possível identificar
pressões realizadas pelos diversos setores e grupos de interesse, com o objetivo de garantir uma
política cambial que atendesse às suas demandas.
Para os exportadores de produtos agrícolas, especialmente os cafeicultores, a valorização
do dólar frente ao cruzeiro1 era decisiva, pois
garantia bons lucros na venda da safra. Para o
empresariado industrial, esta mesma valorização
do dólar poderia significar o encarecimento dos
insumos necessários à manutenção da produção,
portanto, do ponto de vista deste setor, interessava que o cruzeiro estivesse valorizado frente
à moeda americana. Para os demais setores da
população, a valorização do dólar também tinha
seu significado: para os trabalhadores, mais alto
o preço do dólar, maior seria o custo de produtos
importados e também o do petróleo, o que, por si
só, já constituía fator de encarecimento do custo de vida, não só por interferir no preço do seu
transporte, como também por ser um dos componentes do custo das mercadorias.
Toda eleição das políticas econômicas
resulta de uma hierarquização de objetivos. Estes, por sua vez, refletem as pressões dos diferentes grupos de interesse em torno da ação governamental e tais pressões têm sua origem nos
diferentes setores da sociedade, desde os empresários aos trabalhadores, e são produzidas pelas
instâncias de representação de classe de cada um
destes setores.
As taxas de câmbio são uma variável
importante na política econômica. Nos anos 50
a valorização ou a desvalorização do dólar refletiam diretrizes governamentais – ora ligadas ao
incentivo à importação de insumos para a indústria, ora ligadas à lucratividade do setor exportador – especialmente aquele ligado à cafeicultura
-, que não deixou de constituir a base de nossa
pauta de exportações, no que diz respeito aos
produtos agrícolas.
Na segunda metade da mesma década,
em virtude das dificuldades geradas pela Segun1 Moeda vigente no Brasil de novembro de 1942 a fevereiro de 1967, de
maio de 1970 a fevereiro de 1986 e de março de 1990 a julho de 1993.
72
História e Economia Revista Interdisciplinar
da Guerra Mundial, as políticas públicas encontravam-se sujeitas a mudanças bruscas, decorrentes, principalmente, dos problemas gerados
pelas oscilações da economia internacional. Este
fator dificultava o planejamento e o controle governamental sobre as transações comerciais.
Desde 1945 até o final dos anos 80, identificamos uma característica básica nas políticas
cambiais brasileiras: as taxas de câmbio eram
atribuição governamental, o que significava
controle estatal da cotação do dólar. Tal controle
era feito através da SUMOC 2, até 1965 e, após
a transformação desta Superintendência, pelo
próprio Banco Central. Neste período o Brasil
não havia adotado o regime de câmbio flutuante e o dólar possuía conversibilidade reduzida.
Mas, desde 1945 até o ano de 1953, a intervenção governamental no câmbio contribuiu para a
ocorrência de alguns eventos, conhecidos como
colapsos cambiais, ocorridos em 1951 e 1952.
Em função destes momentos de extrema
tensão nas questões relativas à moeda, as medidas voltadas para o controle e direcionamento do
valor do câmbio passaram a ser motivo de disputa
no espaço onde elas eram definidas: a SUMOC.
Desde aquele período, nos vários momentos em
que despontam crises cambiais ou movimentos
bruscos de alta na cotação do dólar, era através
da SUMOC, e depois da agência de Estado que
irá se constituir a partir desta Superintendência,
o Banco Central, que os setores interessados no
direcionamento do câmbio atuavam. Nos dias de
hoje, o controle do Banco Central tem importante significado para as disputas em torno da
cotação cambial. Embora tenhamos, a princípio,
uma política de câmbio flutuante, as oscilações
na cotação da moeda ainda se mantêm sob o controle do BC, que exerce este domínio através da
compra ou da venda da moeda, atuando através
2 Superintendência da Moeda e do Crédito, departamento do Banco do
Brasil criado em 1945, que em 1964 foi transformado no Banco Central
do Brasil, através da Lei n. 4595.
da redução ou aumento da oferta de moeda no
mercado.
Muitos autores atribuem a crise cambial brasileira do início dos anos 50 à Guerra da
Coréia, mas também apresentam como estopim
deste processo o crescimento das importações,
especialmente em virtude da “boa vontade” governamental para com as licenças para importação, durante os anos 40. Como o aumento das
importações apontava para um volume maior de
itens relacionados aos maquinários e produtos
dirigidos às indústrias de bens de produção, esta
liberalização, na prática, pode ser interpretada
como uma orientação no sentido de incentivar
o crescimento industrial, pois tinha a capacidade reduzir o custo dos insumos industriais. Mas
a desvalorização do dólar tinha seus efeitos na
exportação de produtos, especialmente na agricultura. Este contraste corrobora a idéia de que a
cotação do câmbio e as licenças para a importação definiam o fortalecimento deste ou daquele
setor no interior do aparelho de Estado.
Desde o final de 1950, com a constituição da Comissão Mista Brasil - Estados Unidos3,
houve uma significativa mudança nas relações
entre os dois países, não só através de uma alteração na atitude dos EUA, ampliando os in3 A Comissão Mista Brasil – Estados Unidos para o Desenvolvimento
Econômico era parte do plano norte-americano de assistência técnica
para a América Latina, conhecida como Ponto IV. Foi formada pelos
técnicos brasileiros Eugênio Gudin, Octávio Gouveia de Bulhões e
Valder Lima Sarmanho, e encarregada de estudar os pontos prioritários
que deveriam compor um projeto de desenvolvimento do país. Um dos
resultados do trabalho da Comissão foi a criação, do Banco Nacional
de Desenvolvimento Econômico (BNDE), em 20 de junho de 1952. O
BNDE tinha a incumbência de financiar e gerir recursos captados no
Brasil, no Eximbank e no BIRD para esses projetos, mas durante o
governo Vargas somente 181 milhões forem concedidos pelos bancos
estrangeiros e nem todos os projetos receberam financiamento. A
Comissão Mista foi dissolvida em e apresentou seu último relatório em
1954, já no governo Café Filho, para o Ministro da Fazenda, Eugênio
Gudin. O relatório limitou-se a dois pontos, considerados prioritários:
transportes e energia. O grupo de brasileiros que participou da Comissão, mais tarde, fundou a Consultec, empresa privada que elaborou
todos os projetos para o BNDE. O grupo também serviu de base para
o Conselho de Desenvolvimento econômico que, por sua vez, preparou
o Programa de Metas do Governo Kubitschek. Após a dissolução da
CMBEU, o BNDE levou adiante as negociações para a execução dos
projetos recomendados. Apud: ABREU, Alzira Alves et al. Dicionário
Histórico Biográfico Brasileiro Pós 30. Volume II. Rio de Janeiro: FGV/
Positivo. 2001. p.1466-1468.
História e Economia Revista Interdisciplinar
73
Câmbio: uma questão da política
vestimentos no Brasil, especialmente aqueles
destinados à infra-estrutura, mas também porque
a maioria dos projetos industriais e de infraestrutura seriam financiados pelo Eximbank4.
Neste período os preços internacionais do café
estavam em alta, o que, na prática, representava
alívio na situação das transações externas. Estas,
entre outras razões levaram o governo a manter
a taxa de câmbio fixa e sobrevalorizada, mantendo, também, o regime de concessão de licenças
para importar. Na prática, havia uma política de
liberalização das importações pela via cambial, o
que também refletia os interesses do setor industrial, uma vez que estas diretrizes reduziam os
custos de produção.
Segundo Vianna, esta liberalização pode
ser explicada, do ponto de vista interno, pelos seguintes fatores:
(i) persistência de séria pressão inflacionária interna e de aguda propensão a importar (ii) abastecimento precário do mercado
interno, no que tange a produtos importados,
devido às restrições cambiais de importações
aplicadas com crescente severidade desde
1948 até meados de 1950 e afrouxadas apenas
parcialmente em seguida à melhoria da posição cambial em fins de 1950, (iii) perspectiva
decrescente de escassez internacional de matérias- primas e equipamento importável, em
função da expansão dos programas armamentistas (iv) perspectivas favoráveis da evolução
das exportações dos principais produtos, (v)
posição cambial temporariamente favorável
(CEXIM Relatório 1951; VIANNA, 1990,
126).
Embora Vianna não explicite que esta liberalização através do câmbio era resultante de
pressões políticas, especialmente por parte dos
setores da burguesia vinculados à indústria, há
um indicativo interessante de que esta medida
4 Eximbank (Export and Import Bank of the United States): criado em
1934, o Banco de Exportação e Importação dos Estados Unidos com o
objetivo de financiar programas de governos e empresas estrangeiros
associados à compra de equipamentos e serviços norte-americanos. Sua
atuação tem se concentrado nos países do Terceiro Mundo.
74
História e Economia Revista Interdisciplinar
pode ser atribuída a estes grupos: a presença de
Ricardo Jafet 5 na presidência do Banco do Brasil, instituição que possuía o controle do crédito
em detrimento do Ministério da Fazenda.
A política de “liberalização” cambial e
aduaneira, segundo alguns analistas, foi responsável pelo aumento das importações, o que explicaria, especialmente para Horácio Lafer 6 e os
partidários da contenção creditícia, o aumento da
inflação. Para Vianna, a conjuntura econômica
do início do ano de 1953 pode ser caracterizada
pelo aumento da inflação, pelo colapso cambial,
e pela acumulação do que ele denomina de atrasados comerciais. Segundo o autor, tais fatores
abalaram o projeto de saneamento econômico.
(VIANNA, 1990, 131)
Para fazer frente a esta crise, o Congresso aprovou, em dezembro de 1952 a Lei 1807,
ou Lei do Mercado Livre 7, uma alteração da política de câmbio fixo e utilização das licenças de
importação, que passou a vigorar em janeiro de
1953. Esta lei criava taxas distintas para certas
importações e exportações, com o objetivo de
garantir o escoamento dos produtos gravosos 8
e diminuir a capacidade de importar, através do
5 Em sua gestão à frente do Banco do Brasil, Jafet promoveu uma
política de expansão do crédito, o que levou à incompatibilização com
o então Ministro da Fazenda, Horácio Lafer, defensor de uma política
antiinflacionária que tinha como principais instrumentos a contenção
do crédito. Também foi atacado pela oposição a Vargas, que o acusava
de favoritismo na concessão de créditos ao jornal Última Hora, de
propriedade de Samuel Vainer, periódico criado como contraponto aos
demais jornais, com o objetivo de apoiar o presidente. Estes fatores
levaram ao afastamento de Jafet da diretoria do Banco do Brasil, mas
já o identificam como defensor das teses desenvolvimentistas e da
ampliação da participação do Estado na economia.
6 Horácio Lafer era empresário do grupo Klabin-Lafer, foi Ministro da
Fazenda nomeado em 1951 por Getúlio Vargas. Em 1959, como portavoz do Presidente Juscelino Kubitschek, foi à Câmara dos Deputados
defender a ruptura com o FMI. Em seguida foi nomeado Ministro das
Relações Exteriores, cargo no qual atuou com um perfil de desenvolvimentista favorável à participação do capital estrangeiro, criando a Comissão de Política Econômica Exterior deste Ministério. Apud. ABREU,
Alzira Alves de. et al. Dicionário Histórico Biográfico Brasileiro pós
1930. Rio de Janeiro: FGV/Positivo. V III. 2002, p.2998-3001
7 A Lei 1807 instituiu o sistema de taxas múltiplas de câmbio, algumas
até flutuantes. Permitia às mercadorias que não excedessem 4% do
valor médio do total de exportações realizar parte das divisas obtidas
no exterior fora do controle governamental.
8 É denominada gravosa toda mercadoria exportável que, dado o seu
alto custo de produção, não pode competir, no mercado internacional,
com os similares estrangeiros, ficando, assim, na dependência de
medidas protecionistas por parte do governo.
deslocamento, para o mercado livre, da terça
parte do valor total das importações. Tal modificação na política cambial encerrava um longo
período de taxa de câmbio fixa, que tinha vigorado desde 1939.
Como conseqüência da Lei 1807 sobreveio uma desvalorização do cruzeiro em relação
ao dólar. A valorização do dólar, por sua vez, teve
como principal decorrência o encarecimento das
importações e a maior lucratividade para as exportações. Esta situação comprometia a política
de incentivo ao crescimento industrial, portanto,
teve curta duração: em meados de 1953, Horácio Lafer e Ricardo Jafet foram substituídos. O
Ministério da Fazenda passou para as mãos de
Oswaldo Aranha e o Banco do Brasil ficou sob a
presidência de Marcos de Souza Dantas.
Na nova gestão, o colapso cambial serviu como justificativa para a redução das despesas do setor público, em particular os gastos com
investimentos. Cortar investimentos significa, na
prática, reduzir a capacidade de atuação do Estado como agente econômico. No entanto, esta
maré de medidas de política econômica, cujo objetivo era reduzir o déficit público e solucionar a
crise cambial, levou também à criação, em 9 de
outubro de 1953, da Instrução 70 da SUMOC.
Esta instrução estabelecia nova regra para o câmbio, sob maior controle governamental, beneficiando o setor industrial.
Através da Instrução 70, o câmbio subvencionado estava extinto e era inaugurado um
sistema de taxas múltiplas. Desta forma, o governo distribuía divisas disponíveis em lotes, sendo
a taxa de câmbio para cada categoria determinada
por meio de leilões. Tais lotes eram constituídos
por bens considerados essenciais ou não. Neste
sistema, que durou, com algumas alterações, até
1957, o governo fixava a quantidade de divisas
distribuídas, mas não o valor da moeda estran-
geira. No entanto, a quantidade de divisas atribuída a cada mercadoria já determinava o valor da
moeda, pela escassez ou pelo aumento da oferta.
Caso fosse em menor quantidade que a demanda
existente em algum ramo, geraria uma valorização do dólar para aquele setor da economia.
Procurando não desencorajar demasiadamente as importações necessárias à industrialização, a Instrução 70 era uma tentativa de produzir
estabilidade financeira. Mas, a intenção de Aranha e Dantas era tornar as exportações brasileiras mais acessíveis ao mercado internacional e
reduzir as importações (especialmente as de bens
de consumo), bem como proteger a indústria e a
balança comercial.
Para Vianna (1990), a Instrução 70 pode
ser entendida como uma medida cuja meta era
a estabilização monetária. Tendo como objetivo
principal a política de câmbio referenciada no
sistema de taxas múltiplas, a Instrução buscava
minorar o desequilíbrio cambial e combater a
tendência de aumento da inflação do final da década anterior. Apesar de ter funcionado, na prática, como incentivo ao processo de substituição
de importações (servindo, portanto, de apoio à
indústria), não impediu que a situação financeira do país continuasse instável. De nossa parte,
consideramos que esta medida também expressa
o peso político do empresariado ligado à indústria, que tinha espaço considerável na sociedade
política neste período.
Segundo Almeida (2006), os “liberais”
brasileiros, em defesa da reforma cambial, afirmavam que o processo de industrialização, pela
via da substituição de importações, seria o responsável pela instabilidade financeira e pelo desequilíbrio na balança de pagamentos, na medida
em que o câmbio, sobrevalorizado, não favorecia
as exportações.
História e Economia Revista Interdisciplinar
75
Câmbio: uma questão da política
O que os “liberais” preconizavam era
uma mudança nos rumos do câmbio, uma valorização da moeda nacional e a eliminação dos
impostos – via confisco cambial. Tais medidas
eram atribuição do Banco do Brasil, através de
um de seus departamentos: a SUMOC. Portanto,
o controle do Banco – conseqüentemente da Superintendência - representaria, a prerrogativa de
dar a direção do processo e determinar a forma
como seria feita a reforma cambial.
Além da questão cambial e do domínio
do déficit público, o controle do Banco do Brasil,
responsável pela condução da política monetária, através de um de seus departamentos – a SUMOC – era o objetivo de Oswaldo Aranha. Isto
vai ficar claro quando, também em outubro de
1953, o então Ministro da Fazenda - através do
Plano Aranha - propôs a subordinação do Banco
do Brasil ao seu Ministério. A proposta tinha por
justificativa reduzir a possibilidade de conflitos
como os que haviam ocorrido entre o ex-ministro
da Fazenda, Horácio Lafer, e o ex-presidente do
Banco do Brasil, Ricardo Jafet, e que, segundo
o próprio Aranha, haviam sido entraves para a
estabilização fiscal. Tratava-se de uma iniciativa
cujo intuito era garantir o controle sobre a política monetária e cambial – os empréstimos e o
valor do dólar. É através deste processo que o
conflito pelo controle destas agências do Estado, a Superintendência da Moeda e do Crédito
e o Banco do Brasil, e de suas funções, se torna
explícito.
O Plano Aranha não resultou em maior
controle do Ministério da Fazenda sobre o Banco
do Brasil, nem em redução do déficit monetário
ou das disputas. Este fracasso pode ser, em parte, explicado pela mudança nas relações entre o
Brasil e os EUA, especialmente em virtude da
eleição do republicano Eisenhower para a presidência dos Estados Unidos. Desta mudança no
comando da política norte-americana resultaram
76
História e Economia Revista Interdisciplinar
duas novidades: o acirramento da Guerra Fria,
com a conseqüente decisão de prioridade para o
combate ao comunismo e o abandono da política de Truman 9, o que significou a retirada dos
financiamentos para os projetos elaborados pela
Comissão Mista Brasil Estados Unidos.
A nova orientação norte-americana em
relação aos financiamentos governamentais para
países do terceiro mundo coincidiu com a adoção, por parte do Eximbank, de condições duras
para os empréstimos destinados a saldar dívidas
comerciais e o encerramento dos trabalhos da
CMBEU. O encerramento da Comissão, por sua
vez, teve como desdobramento o fortalecimento
das posições do Banco Mundial. Para a economia brasileira esta situação não era nada favorável, pois, segundo Vianna, as taxas de juros do
Eximbank eram mais baixas e suas condições
de financiamento mais suaves que as do Banco
Mundial (VIANNA, 1990).
Não podemos explicar esta alteração nas
relações Brasil-EUA, o fim da CMBEU ou qualquer outra mudança de rumo nas orientações da
política econômica, através de uma modificação
na correlação de forças interna ou a uma atitude
nacionalista de Vargas. Tais alterações devem
ser atribuídas muito mais à mudança no governo
norte-americano e à tentativa do Banco Mundial
de ampliar sua tutela sobre as políticas econômicas dos países que demandavam crédito, bem
como ao conflito entre o Eximbank e o próprio
Banco Mundial. O novo governo norte-americano colocou-se explicitamente a favor das posi9 A política externa adotada pelo Governo Truman em relação aos
países do bloco capitalista teve início com o discurso de Truman, em
12 de Março de 1947, diante do Congresso Nacional dos EUA, no qual
o presidente assumiu o compromisso de defender o mundo capitalista
contra o comunismo. A política de Truman visava conter o avanço do
socialismo e a expansão da área de influência da União Soviética. A
ajuda americana iniciou com a concessão de créditos para a Grécia e a
Turquia e prosseguiu com a colaboração financeira dos Estados Unidos
na recuperação da economia dos países europeus. No campo econômico
a Doutrina Truman foi responsável pelo chamado Plano Marshall, mas
a ajuda americana não se limitava ao campo econômico, estendendo-se
ao campo militar, o que deu origem à Guerra Fria.
ções do Banco Mundial, o que resultou em endurecimento das condições para a concessão de
empréstimos. Tais fatores também contribuíram
para o acirramento da crise cambial no Brasil.
No ano de 1954, em virtude da crise e
das pressões dos setores contrário às políticas
econômicas implantadas em seu governo, Vargas suicidou-se e tomou posse o vice-presidente,
Café Filho. Seu governo iniciou-se sem que os
problemas relativos ao câmbio e ao déficit tenham sido resolvidos. Café Filho nomeou para o
Ministério da Fazenda, Eugênio Gudin, que nomeou Clemente Mariani10 para o Banco do Brasil
e Octávio Gouvêa de Bulhões para a SUMOC. O
tripé que passou a comandar a economia brasileira a partir de 1954 possuía em comum alguns
princípios: a crítica às políticas de desenvolvimento e de apoio às empresas públicas, a defesa
do ingresso de capitais estrangeiros, a defesa da
importância da agricultura brasileira frente à indústria, além da redução do crédito como ferramenta para o controle da inflação, e a convicção
de que era preciso reduzir a participação do Estado na economia.
Tendo como principal proposta o combate à inflação e o equilíbrio do déficit, o novo Ministro da Fazenda, Eugênio Gudin, baixou nova
medida, através da SUMOC: a Instrução 113.
Esta Instrução criava condições atraentes para o
capital estrangeiro no país, através da concessão
de licença, sem cobertura cambial, para importação de maquinaria para empresas estrangeiras
associadas a empresas nacionais.
A Instrução 113 harmonizava-se aos in10 Clemente Mariani foi deputado constituinte de 1946, saindo para
assumir o Ministério da Educação e Saúde Pública, a convite do
presidente, Eurico Dutra. No governo Café Filho foi convidado pelo
Ministro da Fazenda, Eugenio Gudin, para assumir a presidência do
Banco do Brasil. Manteve-se no cargo até a posse de João Goulart,
quando voltou às suas atividades empresariais, quando criou um banco
de investimento e de uma companhia financeira, ligados ao Banco da
Bahia. Apud: ABREU. Alzira Alves de et allii. Dicionário Histórico
Biográfico Brasileiro Pós-30. Rio de Janeiro: FGV/Positivo. 2001.
Volume III. Pág. 3564 a 3568.
teresses representados por Gudin no Ministério
da Fazenda e suas idéias a respeito da validade
do capital estrangeiro:
Para atrair capital estrangeiro uni ou
multinacional, devemos proporcionar: a) Instituições estáveis, com “regras do jogo” também
estáveis em relação ao capital alienígena. b) Boa
acolhida para a empresa afluente, dando-lhe as
facilidades e proteção usuais. c) Liberdade de
entrada como de saída para as reservas necessárias (GUDIN, 1978).
Gudin possuía enorme prestígio junto à
comunidade financeira internacional. Sua defesa
intransigente da importância do capital estrangeiro como fator necessário ao desenvolvimento
estava explícita em seus trabalhos:
Em recente visita a Brasília, o Presidente do Conselho Diretor do City Bank felicitou os brasileiros “por não mais considerarem
o investimento estrangeiro como uma ameaça
a sua autonomia, e sim como expressão da confiança mundial em sua florescente economia.”
Para quem, como eu trabalha durante mais de
meio século procurando esclarecer a opinião
do país no sentido de acolher a colaboração de
um,a quota de poupança estrangeira e de desfazer o fantasma do perigo do capital invasor, é
decerto confortador assinalar essa evolução da
nossa mentalidade, acabando por compreender
o quanto pode o capital externo contribuir para
acelerar o desenvolvimento econômico nacional, tão carente de poupança e de tecnologia.
(GUDIN, 1978)
No entanto, apesar de todo este prestígio
do Ministro, especialmente junto aos organismos
financeiros internacionais, isto não foi suficiente
para a obtenção de recursos junto a estas instituições. Cabe creditar este fato especialmente à
mudança de orientação norte-americana, advinda com a eleição dos Republicanos, em 1953. Ao
mesmo tempo, o desequilíbrio, resultante da redução das exportações de café, aprofundou a cri-
História e Economia Revista Interdisciplinar
77
Câmbio: uma questão da política
se cambial brasileira. Foi justamente o momento
em que medidas de caráter mais efetivo, no sentido de captar investimentos externos, se faziam
necessárias. Daí a adoção da Instrução 113. Mesmo sendo defendida pelo Ministro como medida
de solução de longo prazo para a crise cambial e
para o financiamento da industrialização, a Instrução 113 só foi possível em virtude do controle
do Banco do Brasil e da SUMOC pelos intelectuais organizadores que apontavam para um
processo de desnacionalização da economia brasileira como condição para o desenvolvimento:
O nacionalismo exclusivista apresentava os argumentos mais curiosos. Um era o
imperativo de se manterem no país os centros
de decisão. Não foi fácil convencer esses nacionalistas bravios de que esses centros de decisão sempre estiveram nas mãos do governo,
que empunha um arsenal de instrumentos com
que pode afirmar sua soberania: tarifas aduaneiras, Cacex, Conselho de Desenvolvimento,
política fiscal e outras glórias (GUDIN, 1978).
A busca de equilíbrio monetário era a
justificativa para a adoção da Instrução 113, mas
seus reflexos, ainda durante o governo Café Filho, e mais tarde ao longo do governo JK, demonstram ter sido uma medida cujo principal
objetivo era a atração de investimentos estrangeiros, como contraposição à política de redução
dos créditos implementada pela gestão de Gudin.
As declarações do Ministro ao jornal O
Estado de São Paulo também são bastante esclarecedoras quanto às suas intenções:
Aplicação de capitais
Quanto às aplicações de capitais estrangeiros e nacionais, assegurou que amanhã
ou depois deverão ser baixadas as instruções
da SUMOC sobre o assunto. “Será regulamentada – declarou – a questão das aplicações de
capitais estrangeiros destinados ao Brasil com
capitais exclusivamente alienígenas, e não ca-
78
História e Economia Revista Interdisciplinar
muflados. Também o capital nacional, interessado em adquirir aparelhamentos novos – não
a compra de uma máquina ou de um caminhão
– mas sim de um conjunto de aparelhamentos
ou de uma fábrica completa, ou ainda, de um
adicional completo – será regulamentada quando se tratar de financiamento.”
Financiamento da produção
Indagado sobre o decreto do financiamento da produção que vem sendo reclamado pelos produtores paulistas, o sr. Eugenio
Gudin respondeu que o projeto foi submetido
à apreciação de novo Conselho de Abastecimento, tendo sofrido ali a demora necessária
ao estudo da matéria. “No momento – informou – já se encontra de volta o projeto, tendo
sido realizada uma sessão para o debate final
e encaminhando-se para o próximo despacho
sua sanção.” 11
Segundo Almeida (2006, 107), o total
dos investimentos estrangeiros no Brasil, facilitados pela Instrução 113, chegou à cifra de
US$401 milhões de dólares, de um total de 565
milhões, no período entre 1955 e 1960. Isto demonstra o significado da Instrução 113 para a internacionalização da economia brasileira.
Em declaração ao mesmo jornal, Bulhões, Superintendente da SUMOC, afirmava:
Várias são as empresas estrangeiras que se
mostram interessadas em trazer conjuntos de equipamentos para instalar novas fábricas no Território Nacional. Poder-se-ia condenar o ‘ investimento’ se se
tratasse da simples entrada de um ou outro equipamento. Seria essa importação uma entrada sem pagamento
de ágios que, na falta de uma adequada tarifa alfandegária, tem hoje um aspecto protecionista que não
podemos esquecer. Tratando-se, porém, como disse,
de uma fábrica inteira, a possibilidade desse conjunto,
contendo um ou outro equipamento produzido no País,
é menos condenável do que proibir-se a entrada de todo
11 DECLARAÇÕES DO MINISTRO GUDIN SOBRE AS PROVIDÊNCIAS DO GOVERNO. As aplicações de capitais estrangeiros e
nacionais. Vai à sanção o decreto sobre o financiamento da produção.
Jornal O Estado de São Paulo: São Paulo, Terça Feira,18 de Janeiro de
1955, Página 36.
esse conjunto com o receio infundado de prejudicar-se
a indústria nacional.12
Fica claro que a política desenvolvida
durante este período tinha por objetivo primordial facilitar o ingresso de capitais estrangeiros.
Mas, quando imaginamos que o Centro das Indústrias do Estado de São Paulo iria combater
este tipo de orientação, nos deparamos com o
pronunciamento favorável do seu presidente. No
dia 27 de janeiro, o Estado de São Paulo, publicava matéria com o pronunciamento do presidente do Centro das Indústrias:
Julgamos também muito oportunas as
observações de s.Exsa. sobre as diretrizes da
Superintendência da Moeda e do Crédito à política de crédito, pronunciando-se decididamente
em prol da seleção de crédito, salientando que
já é tempo de complementar as medidas postas
em execução pela SUMOC quanto à economia
privada, com providências enérgicas relativas
ao saneamento do orçamento federal, mediante
a redução das despesas públicas. É oportuno
acrescentar que, quanto a essa questão, tal apelo não significa uma crítica ao Sr. Ministro da
Fazenda, mas ao contrário, um reforço de sua
posição por parte de um líder de inegável prestígio das classes produtoras.13
No mesmo dia, a diretoria da então denominada Federação das Indústrias do Distrito Federal (Rio de Janeiro) reuniu-se e decidiu
convidar o Sr. Octávio Gouvêa de Bulhões para
realizar uma conferência neste órgão. Ela versou
sobre a Instrução 113, objeto de críticas contundentes por parte destes empresários. A diretoria
também deliberou que iria convocar dois representantes do Conselho de Exportação da entidade para “trabalharem” no órgão [na SUMOC],
12 O sentido das últimas instruções da SUMOC: Declarações do sr.
Otávio Gouveia de Bulhões, diretor executivo daquele órgão. Jornal O
Estado de São Paulo. São Paulo, Quinta Feira,20 de janeiro de 1955,
p. 44.
13 .As forças econômicas e o governo federal. O pronunciamento do
presidente do Centro das Indústrias – Política cambial e de crédito,
orçamento federal e entrada de capitais. Jornal O Estado de São Paulo.
São Paulo, Quinta Feira, 27/01/1955. p. 5
com o objetivo de obter alterações na Instrução
que seriam do interesse da indústria. (FEDERAÇÃO DAS INDÚSTRIAS DO DISTRITO FEDERAL, 27/01/1955)
Estas deliberações mostram que não se
trata de um discurso nacionalista, mas explicitamente classista, que também descortina a participação de membros da Federação em agências
do Estado, como é o caso do Sr. Renato Heinzelmann, integrante da Federação e que faz parte
do comitê especial da CACEX. (FEDERAÇÃO
DAS INDÚSTRIAS DO DISTRITO FEDERAL, 11/01/1955)
A participação de um membro da Federação das Indústrias do Distrito Federal na CACEX possibilitou, ainda antes do lançamento
da Instrução 113, um debate nas dependências
da Federação sobre os problemas voltados para
a exportação de produtos industriais. Na verdade, o debate versava sobre o preço do dólar, ou
seja, sobre as formas como o governo pretendia
lidar com a questão cambial, o que era vital para
empresários que pretendiam adquirir maquinário
no exterior. (FEDERAÇÃO DAS INDÚSTRIAS
DO DISTRITO FEDERAL, 11/01/1955)
O apoio destes industriais às políticas
implementadas pelo governo Café Filho era explícito. Na reunião do Conselho de representantes do dia 11 de janeiro de 1955, eles lembraram
que devemos também telegrafar ao Sr. Ministro
da Fazenda, congratulando-nos com S. Excia,
pela entrevista que deu a respeito do novo tratamento que o governo pretende adotar para com
os investimentos estrangeiros em nosso país.
(FEDERAÇÃO DAS INDÚSTRIAS DO DISTRITO FEDERAL, 11/01/1955)
Ao contrário do que se poderia supor,
os industriais brasileiros, já àquela altura, se
posicionavam contra o que eles denominam de
História e Economia Revista Interdisciplinar
79
Câmbio: uma questão da política
“intervenção estatal acentuada”, além disso, se
ressentiam com as restrições impostas pela Instrução 113 ao financiamento de suas empresas
com capital internacional:
O Sr Mario Ludolf manifesta-se contra essas congratulações, de vez que o critério
anunciado pelo Ministro da Fazenda estabelece distinção entre as indústrias novas e as
já existentes, pois a fórmula só tem interesse
para indústrias que venham a estabelecer-se no
país, de atividades ainda não exercidas, pois do
contrário, a concorrência será evidente e fatal.
(FEDERAÇÃO DAS INDÚSTRIAS DO DISTRITO FEDERAL, 11/01/1955)
Na verdade, os industriais não estavam
se contrapondo às facilidades criadas pela Instrução 113 ao ingresso de capitais estrangeiros, ou
seja, não era um discurso nacionalista. Eles não
discordavam quanto à participação do capital estrangeiro, mas reivindicavam regras que preservassem seus interesses, sem impedir a entrada de
capital estrangeiro. O que estes empresários criticavam era a impossibilidade de utilizarem esta
Instrução para captar financiamentos externos. O
que pretendiam era exercer sua influência para
garantir modificações nesta política, de forma a
abrir espaço para a associação com os capitais
internacionais. A participação de membros da
Federação nos embates que se desenrolavam no
interior da sociedade política fica demonstrada,
quando, na mesma ata, podemos ver as formas
de pressão exercidas pelos industriais em relação
à Instrução 113:
O economista Knaack de Souza14 responde a várias perguntas que lhe são dirigidas
pelo plenário e comenta a Instrução cento e
treze, que se refere a investimentos de capital
estrangeiro no país, aludindo, por fim, a uma
emenda apresentada pelo Senado ao projeto
de lei que prorroga o regime de licença prévia,
emenda esta essencialmente perigosa e até inconstitucional, pois que delega poderes ao Exe14 José Octávio Knaack de Souza era economista e pertencia à Confederação Nacional da Indústria.
80
História e Economia Revista Interdisciplinar
cutivo para estabelecer sobretaxas de câmbio,
caso este resolva extinguir o sistema de licitação atualmente em vigor. (FEDERAÇÃO DAS
INDÚSTRIAS DO DISTRITO FEDERAL,
11/01/1955)
Em abril de 1955, Gudin demitiu-se do
Ministério da Fazenda. Os motivos de sua saída
ainda não são um consenso entre aqueles que se
debruçam sobre este período. Alguns acreditam
que sua saída foi impulsionada pelo pedido de
substituição da presidência do Banco do Brasil,
outros pensam que o estímulo para que Gudin
deixasse o cargo foram as reclamações dos cafeicultores contra o chamado confisco cambial.
Quanto a este último motivo, consideramos que,
por ser um quadro ligado aos interesses do café,
seu nome não seria alvo de veto por parte dos
cafeicultores. Observamos que as pressões, por
parte do empresariado industrial, no sentido de
garantir acesso mais amplo aos investimentos
estrangeiros, poderiam ter tido peso político suficiente para derrubar o Ministro da Fazenda. Em
abril do mesmo ano, a Federação posicionava-se
a respeito da demissão de Gudin do Ministério
da Fazenda:
O Gal Octacílio Almeida, a propósito
da demissão do Ministro da Fazenda, pede que
a Casa pleiteie a permanência do diretor da CACEX, homem digno, que vem desempenhando
o cargo de acordo com os altos interesses do
país e em consonância com as aspirações das
classes. (FEDERAÇÃO DAS INDÚSTRIAS
DO DISTRITO FEDERAL, 05/04/1955)
Na verdade, mais importante que a dignidade do diretor da CACEX, seriam os interesses de classe, e a manutenção de um representante destes interesses na agência. O que eles
desejavam era a continuidade de um programa
e não a simples permanência de um homem no
cargo. (FEDERAÇÃO DAS INDÚSTRIAS DO
DISTRITO FEDERAL, 05/04/1955)
Do que estes empresários se ressentiam
era uma maior participação nas agências do
Estado:
Agora mesmo está informado de que
os ministros para assuntos econômicos do Itamaraty não são economistas e muitos deles são
até estrangeiros, desconhecendo por completo
as necessidades nacionais e as coisas do Brasil.
(FEDERAÇÃO DAS INDÚSTRIAS DO DISTRITO FEDERAL, 12/04/1955)
Porque, na verdade, sabiam que era na
sociedade política que seus interesses deveriam
ser defendidos:
O Sr. José Pironnet solicita à Mesa
providências no sentido de que o Governo não
utilize a Instrução 113 da Sumoc, que permite a importação de máquinas, sem cobertura
cambial, para instalação de novas indústrias
no país, sem ouvir a Confederação Nacional da
Indústria. (FEDERAÇÃO DAS INDÚSTRIAS
DO DISTRITO FEDERAL, 20/07/1955)
Para o presidente da Confederação Nacional do Comércio, que defendia a mínima intervenção do Estado na economia, a mudança
das regras para as importações era proveitosa, do
ponto de vista dos exportadores:
O presidente da Confederação Nacional do Comércio, sr. João de Vasconcelos,
falando à reportagem sobre as duas instruções
que acabaram de ser baixadas pela SUMOC,
afirmou que os primeiros pronunciamentos
recebidos são favoráveis às medidas adotadas
ali, destacando-se que pela primeira vez ficou
estendida aos produtos gravosos o sistema de
exportações até agora vigente para a exportação do café.15
Os representantes da Indústria da Fiação
e Tecelagem em Geral de S. Paulo também eram
contrários à intervenção do Estado na economia,
ao mesmo tempo, reclamavam da nova Instrução
15 Manifesta-se o Presidente da CNC. Jornal O Estado de São Paulo.
São Paulo, Quinta Feira,20 de janeiro de 1955, Página 44.
e clamavam por uma política que fosse representativa de seus interesses:
Sobre os reflexos da Instrução 113 da
SUMOC, observou-se que a indústria têxtil
vem há muito pleiteando a inclusão de teares
automáticos na terceira categoria de importação, o que modificaria o conceito de licença e
financiamento desse material. Acreditam os industriais que a nova instrução tenha dificultado
ainda mais a importação.16
Em outubro de 1955, o Conselho de Representantes da Federação das Indústrias do Distrito Federal reunia-se mais uma vez, sem chegar
a um acordo sobre a melhor forma de enfrentar
a nova política cambial. Uma parte defendia que
na Carta de Princípios da Indústria - a ser discutida por todos os empresários ligados a este setor
- fosse incluída a prioridade para a indústria de
base e de máquinas, especialmente quanto aos
investimentos feitos pelo capital estrangeiro. Outros industriais consideravam que não se deveria
restringir os investimentos estrangeiros a toda a
produção, mas apenas a um setor da indústria.
Sem fechar uma posição unificada, os industriais
do Rio de Janeiro encerraram a reunião. (FEDERAÇÃO DAS INDÚSTRIAS DO DISTRITO
FEDERAL, 18/09/1955)
Em dezembro de 1955, na reunião do
mesmo Conselho de Representantes, o Sr. Álvaro Ferreira da Costa relatou que um dos membros da Federação já havia conseguido barrar
a entrada de uma empresa mexicana de equipamentos para montagem de rolhas, mas que a
partir da Instrução 113, a empresa teria obtido
facilidades para conseguir se instalar no Brasil. E
reportava que várias empresas do ramo estavam
se mobilizando para evitar este tipo de ingresso
de capital. (FEDERAÇÃO DAS INDÚSTRIAS
DO DISTRITO FEDERAL, 13/10/1955)
16 A Instrução 113 da CACEX e a indústria têxtil. Jornal O Estado de
São Paulo. Sábado, 22 de Janeiro. P.11.
História e Economia Revista Interdisciplinar
81
Câmbio: uma questão da política
Não seria de espantar que o discurso de
posse do Ministro José Maria Alkmin, reproduzido pelo periódico Observador Econômico,
expressasse uma tentativa de equilibrar pólos
opostos:
Os tradicionais exportadores de outros
produtos agrícolas e de mineração também são
atendidos em suas pretensões de ajustamento
do valor de suas cambiais à realidade econômica do País. Procuraremos, outrossim, ajustar
e possibilitar a exportação de nossos produtos
industriais. Destarte, sem prejuízo da exportação agrícola que se desenvolverá com benéfico
efeito em sua produção, iniciar-se-á a expansão
da exportação industrial. Com isto, adotaremos
realmente uma política de desenvolvimento,
libertando o País da condição de só exportar
café e fazendo com que o aumento da renda
proveniente do incremento das exportações não
se concentre em determinados setores, dando
a estes uma capacidade de ação inflacionária,
mas antes se distribua pelos diversos campos
da produção. 17
Segundo Almeida (2006, 107), ao “herdar” a Instrução 113 do período anterior, o
Governo Kubitschek obteve um excelente instrumento de substituição de importações que
também facilitou a importação de equipamentos
mediante a emissão de licenças de importação
sem cobertura cambial. A Instrução também simplificou o processo burocrático, o que, em última
instância, representou um reforço na própria industrialização brasileira, garantindo a entrada de
capital estrangeiro para que o crescimento industrial se realizasse de maneira acelerada, como era
a proposta do novo governo.
De nossa parte, identificamos que a Instrução 113 expôs os conflitos entre as frações da
burguesia que se desenvolviam neste período, na
medida em que representou uma reorientação na
política cambial: ao desencadear críticas e pres17 A presença do Estado. Trecho do Discurso de posse de José Maria
Alkmin. In: O Observador Econômico - Janeiro de 1956. Ano XXI n.
239. p.15
82
História e Economia Revista Interdisciplinar
sões por parte dos setores que se sentiam prejudicados com a concorrência do capital estrangeiro,
poderia ter agradado aos empresários ligados à
agricultura. Mas estes não foram beneficiados
com a medida e, ao mesmo tempo, também se
ressentiam, pois a aceleração no ritmo de expansão industrial levaria a balança a pender mais
para o lado da indústria, comprometendo, assim
o espaço conquistado e mantido pelo empresariado ligado à agricultura de exportação no interior
da sociedade política.
A mudança no sistema cambial ocorrida
nos anos 50 não tinha por principal objetivo solucionar os problemas da balança de pagamentos.
Na verdade, o que se pretendia era garantir uma
ferramenta para a promoção da industrialização,
garantindo a participação do capital estrangeiro
neste processo. A prova dessa postura está na
lei tarifária de1957 do SUMOC que também
permitia a importação de equipamentos sem
necessidade de cobertura cambial. Assim, o investidor estrangeiro poderia importar máquinas sob condição de concordar em aceitar pagamento
pela participação do capital no empreendimento
no qual o equipamento seria utilizado.
Em 1957, ainda durante o governo JK,
houve uma mudança básica no sistema cambial
brasileiro, com a promulgação da lei 3244, onde
foram introduzidas tarifas ‘ad valorem’ 18, que
elevaram até a 150%, as categorias cambiais, reduzindo de 5 para 2, a categoria geral (matériasprimas, bens de capital), e a categoria especifica
(eram os bens considerados não essenciais). De
1958 a 1961 o dólar no cambio livre estava
abaixo da taxa aplicada pela categoria geral.
Durante os últimos anos em que vigorou este sistema cambial, o governo cobrou empréstimos compulsórios tanto de exportadores
18 De acordo com o Tesouro Nacional, a expressão ad valorem significa
conforme o valor. Assim um tributo “ad valorem” é aquele cuja base de
cálculo é o valor do bem tributado. Contrasta com o tributo específico,
arrecadado conforme uma dada quantia por unidade de mercadoria.
quanto de importadores. Estes últimos pagavam
um imposto denominado de ágio no mercado de
leilões e recebiam a moeda seis meses depois.
Os exportadores recebiam somente uma fração
dos preços da moeda estrangeira em cruzeiros, e
o saldo era investido em títulos públicos de seis
meses no Banco do Brasil. Tratava-se ainda de
forte intervenção estatal no câmbio, tão combatida pela Associação Comercial de São Paulo, mas
que apesar das pressões, vigorou no país durante
toda a década de 1950.
Somente a partir das novas medidas
econômicas implantadas pela equipe que assumiu, em 1964, as rédeas da economia brasileira,
destacando-se, entre eles, Octávio Gouvêa de
Bulhões e Roberto Campos, as regras cambiais
começaram a mudar, culminando com o câmbio
livre, adotado no país durante os anos 90.
História e Economia Revista Interdisciplinar
83
Câmbio: uma questão da política
Bibliografia:
ABREU, Alzira Alves et al. Dicionário Histórico Biográfico Brasileiro Pós 30. Volume II. Rio
de Janeiro: FGV/Positivo, 2001.
ABREU, Marcelo de Paiva (org). A Ordem do Progresso: cem anos de política econômica
republicana 1889-1989. Rio de Janeiro: Campus, 1990.
ALMEIDA, Lucio Flavio de: Uma ilusão de desenvolvimento: nacionalismo e dominação burguesa nos anos JK. Florianópolis: Ed. da UFSC, 2006.
FEDERAÇÃO DAS INDÚSTRIAS DO DISTRITO FEDERAL. Atas das Reuniões do Conselho de Representantes de Janeiro de 1955 a dezembro de 1960. Rio de Janeiro: Arquivo FIRJAN.
GUDIN, Eugênio. Reflexões e comentários: 1970-1978. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1978.
Jornal O Estado de São Paulo: São Paulo, Janeiro de 1955. Biblioteca Nacional
84
História e Economia Revista Interdisciplinar
Regimes Cambiais: A Teoria na Prática
João Basilio Pereima
Professor e Vice-Chefe do Departamento de Economia UFPR
[email protected]
Marcelo Curado
Professor do Departamento de Economia da UFPR e Bolsista do Programa Cátedras para o Desenvolvimento do IPEA/CAPES
[email protected]
Resumo
Este artigo trata da escolha e mudanças de regimes cambiais ao longo dos anos 1990 e 2000 em diversos países. O trabalho
apresenta resultados empíricos que sugerem, particularmente a partir de 2003, a ampliação de facto dos regimes de administração
da taxa de cambio real, contrariamente ao “consenso” teórico de que o regime de câmbio mais adequado ao sistema monetário
internacional pós-Bretton Woods é o de cambio flutuante. Num cenário em que economias migram para regimes de tendência fixa,
países que adotam de facto regimes de tendência flutuante podem encontrar-se numa posição perigosa quando o regime flutuante
tende valorizar a moeda e os demais países com regimes de tendência fixa estabilizam suas moedas em um nível desvalorizado.
Palavras-chaves: Regimes Cambiais, Macroeconomia, Câmbio
Abstract
This article deals with the choice and changes of foreign exchange regimes during the decades of 1990 and 2000 in different states.
The paper shows some empirical results which suggest, mainly after 2003, that an increasing number of countries adopted managed exchange as opposed to floating exchange, the theoretical “consensus” established after Bretton-Woods. In a scenario where
economies move to fixed rates, the countries that retain floating currencies can be drawn into a dangerous situation, in which their
currencies appreciate unfairly.
Key words: Exchange Regime, Macroeconomics, Exchange
Classificação JEL: F31, N10..
História e Economia Revista Interdisciplinar
85
PRegimes Cambiais: A Teoria na Prática
Introdução
E
ste artigo tem como objetivo central
contribuir para o debate sobre o papel da taxa de câmbio e, em especial
da escolha do regime de câmbio, sobre
o processo de desenvolvimento econômico das
nações. A extensa discussão sobre a utilização
recente de estratégias de crescimento do tipo export led growth pelos países do sudeste da Ásia
e pela China, assim como o desenvolvimento do
debate sobre o “medo de flutuar” das economias
emergentes são exemplos importantes do desenvolvimento desta literatura.
A contribuição mais específica deste
trabalho encontra-se no debate sobre a escolha
de regimes de cambiais e seus impactos sobre a
economia. Em especial, o trabalho apresenta resultados empíricos que sugerem, particularmente
a partir de 2003, a ampliação de facto dos regimes de administração da taxa de cambio real. A
tendência seguida imediatamente após as crises
cambiais dos anos noventa nos países emergentes foi profundamente revertida. O que de facto
se observa é a migração dos países para regimes
de tendência fixa a partir de 2003, elemento que
fortalece os argumentos daqueles que defendem
que de facto há uma preocupação das autoridades monetárias com o comportamento da taxa de
câmbio real.
Num cenário em que economias migram
para regimes de tendência fixa, países que adotam de facto regimes de tendência flutuante podem encontrar-se numa posição ruim quando o
regime flutuante tende valorizar a moeda e os demais países com regimes fixos estabilizam suas
moedas em um nível desvalorizado.
Após esta breve introdução, a seção 2
apresenta a discussão teórica sobre a relevância
da taxa de câmbio para a economia a partir de
contribuições de inspiração keynesiana. A seção
86
História e Economia Revista Interdisciplinar
3 apresenta o debate sobre a escolha e a importância dos regimes cambiais. A seção 4 apresenta
a discussão sobre os regimes cambiais de jure e
de facto. A seção 5 apresenta as evidências empíricas da tendência recente de administração de
facto da taxa de câmbio. Finalmente, a seção 6
apresenta as considerações finais do trabalho.
Taxa de Câmbio Real Importa?
As teorias de crescimento econômico
tradicionais dispensam pouca atenção para o papel da taxa de câmbio real e de suas flutuações
sobre o comportamento das variáveis reais da
economia. De uma forma geral, para esta literatura a política econômica e suas variáveis centrais – taxa de juros e taxa de câmbio – não desempenham papel relevante na trajetória de crescimento econômico de um país1 no longo prazo.
Em sentido oposto, a literatura econômica de
inspiração keynesiana sobre a relevância da taxa
de câmbio no processo de crescimento econômico é vasta. Thirlwall (1979), Davidson (1997),
Eichengreen (2004), Edwards (2006) e BresserPereira (2007) defendem a importância da taxa
de câmbio para o processo de crescimento.
A abordagem sobre a relevância da taxa
de câmbio e seus impactos sobre as variáveis
reais do sistema pode ser organizada em três linhas: 1.) o papel da taxa real de câmbio na competitividade externa do país; 2.) os efeitos do nível da taxa de câmbio sobre a estrutura produtiva
e 3.) os impactos da volatilidade cambial sobre
as decisões de investimento e sobre o crescimento econômico.
O primeiro tema diz respeito ao papel das
desvalorizações da taxa de câmbio sobre a competitividade externa dos países. O argumento é
que a manutenção de uma moeda desvalorizada
em termos reais contribui para ampliar a com1 Para uma discussão aprofundada sobre os determinantes do crescimento econômico de acordo com a literatura convencional recomendase a leitura de Barro & Sala-i-Martin (1995).
petitividade externa e, portanto, as exportações
líquidas do país, contribuindo desta forma para a
ampliação da demanda agregada. Seguindo o argumento keynesiano a manutenção de níveis elevados de demanda, vinculados ao setor externo,
contribui para a elevação sistemática dos níveis
de atividade econômica.
As estratégias de export led growth associadas à manutenção de políticas de desvalorização da moeda, especialmente os recentes exemplos do sudeste da Ásia e a China, são exemplos
históricos importantes para esta literatura do papel desempenhado pela taxa de câmbio sobre o
ritmo de expansão da demanda agregada e da atividade econômica, especialmente no curto prazo
e em países emergentes.
O efeito da taxa de câmbio real sobre
a estrutura produtiva da economia é outro elemento discutido por esta literatura. A conjuntura
econômica recente, pelo menos até a crise financeira de 2008 – que combinou ampla liquidez no
mercado financeiro internacional e elevação dos
preços das commodities exportadas por alguns
países emergentes – tornou mais intensa a discussão sobre os efeitos de longo prazo da taxa de
câmbio valorizada.
Os superávits obtidos pelos países emergentes neste contexto contribuiriam para valorizar o câmbio, reduzindo a competitividade da
economia, particularmente de setores exportadores de produtos industrializados com maior valor
agregado e/ou conteúdo tecnológico. A valorização cambial contribuiria, portanto, para reduzir
a rentabilidade de uma série de atividades com
maior valor agregado e conteúdo tecnológico,
gerando desta forma uma tendência de aumento
da participação dos setores exportadores de commodities na economia. Este é, em síntese, o resultado central literatura que estuda o fenômeno
da “doença holandesa” 2. O estabelecimento da
relação entre câmbio real e estrutura produtiva
torna evidente que os impactos da taxa de câmbio real sobre o sistema não podem ser entendidos como limitados ao curto prazo.
Finalmente, vale à pena destacar a discussão sobre a volatilidade da taxa de câmbio e
seus impactos sobre a economia. Os autores que
analisam este canal de influência da taxa de câmbio geralmente trabalham com modelos de uma
economia pequena com rigidez de salários na
qual os choques exógenos são causados pela volatilidade cambial. O crescimento é medido pelo
aumento na produtividade via investimento. O
desenvolvimento do sistema financeiro - medido
pela proporção do crédito em relação ao PIB ganha importância quando os proprietários das
firmas têm duas opções diante do choque cambial: endividam-se e continuam investindo, ou se
protegem do choque cessando os investimentos.
Países que têm um sistema de crédito desenvolvido, o prêmio ao risco é muito mais acessível,
como atestam alguns estudos empíricos.
Aghion et al (2006), por exemplo, testaram a hipótese de que países com sistemas financeiros menos desenvolvidos são mais afetados
pela volatilidade cambial. O trabalho analisa um
conjunto de 83 países usando um painel dinâmico e encontra resultados que corroboram a hipótese proposta. Em países menos desenvolvidos,
de acordo com os resultados do trabalho,quanto
mais flexível for a taxa de câmbio, mais a volatilidade da taxa de câmbio real afeta o crescimento.
Rocha, Curado & Damiani (2008) apresentam os resultados gerados por um painel
dinâmico que testou a relação do crescimento
econômico com a volatilidade cambial e a escolha do regime cambial para vinte e seis países,
treze emergentes e treze desenvolvidos. Os re2 Para uma discussão mais desenvolvida sobre o tema recomenda-se a
leitura de Bresser-Pereira (2007) e Palma (2004)
História e Economia Revista Interdisciplinar
87
PRegimes Cambiais: A Teoria na Prática
sultados encontrados sugerem que o crescimento
nos países emergentes é afetado pela volatilidade
da taxa de câmbio e pela escolha do regime de
câmbio. Evidências menos conclusivas são encontradas para os países desenvolvidos.
Os resultados encontrados sustentam,
através de trabalhos empíricos, a existência de
uma relação negativa entre a volatilidade da taxa
de câmbio real e o crescimento econômico, relação especialmente importante para os países
emergentes. Em grande medida, esta relação
pode ser justificada pela ampliação da incerteza
derivada da flutuação da taxa de câmbio real e
seus efeitos negativos sobre as decisões de investimento dos agentes econômicos, argumento
defendido, entre outros, por Davidson (1997).
Em síntese, há uma literatura econômica
em franca expansão que busca vincular os níveis
e a volatilidade da taxa de câmbio real com o
comportamento de variáveis reais do sistema, em
especial com o crescimento do produto real. Esta
breve revisão da literatura, antes de ter como objetivo o tratamento á exaustão do tema, procurou
apenas fornecer alguns exemplos de contribuições relevantes no debate que justificam que a
escolhe re regimes cambiais não é um assunto
resolvido na teoria macroeconômica.
Regimes Cambiais Importam?
A passagem do período de regime de
câmbio administrado vigente na era BrettonWoods para regime flutuante após 1973 e a sucessão de crises cambiais que se abateu sobre
várias economias desenvolvidas em desenvolvimento ao longo dos anos 1980 e1990 retomaram a discussão sobre relevância da escolha dos
regimes cambiais e concluíram ao final por um
“consenso” a cerca de que a melhor solução para
os países, atualmente, são regimes flutuantes. No
entanto a literatura se divide entre os que afirmam que regimes não importam e os que afir-
88
História e Economia Revista Interdisciplinar
mam que regimes importam.
Regimes não importam
Uma primeira safra de estudos empíricos conclui pela irrelevância dos Regimes. Baxter and Stockman (1989), comparam os efeitos
de diferentes regimes sobre séries temporais de
agregados macroeconômicos que incluem produto, consumo, comércio internacional, gastos
públicos e taxa real de câmbio de 49 países no
pós-guerra. O estudo constata maior variação da
taxa real de câmbio no regime flutuante comparado com o fixo entre diferentes países, mas não
encontra diferenças nos demais agregados macroeconômicos. Flood e Rose (1995) analisam
o efeito dos diferentes regimes sobre a moeda e
o produto e chegam à constatação semelhante.
Regimes fixos são menos voláteis que flutuantes, no entanto a volatilidade de outros agregados macroeconômicos como moeda e produto
não variam muito entre diferentes regimes. Tais
estudos sugerem que não existe um claro tradeoff entre reduzir a volatilidade cambial por meio
da adoção de alguma variante de cambio fixo e
promover a estabilidade macroeconômica. Isto
significa dizer que não há custo nominal ou real
em deixar a taxa de câmbio flutuar. Em linhas gerais estes estudos conflitam com a teoria macroeconômica tradicional (Friedman, 1953; Mundell,
1960; Flemming, 1962), que estabelece que países que adotam regime fixo assumem o ônus da
perda do controle da política monetária. A teoria
tradicional apóia-se no argumento de que a adoção de regime fixo, com vista a evitar volatilidade cambial, apenas a transfere volatilidade para
outro espaço. As condições operacionais de uma
econômica fora do equilíbrio “conservam volatilidade”, e se esta não se manifestar no câmbio,
irá se manifestar em outra(as) variáveis. No caso
do estudo de Flood e Rose a conclusão é de que a
política monetária é invariante entre os regimes,
contrastando com esta teoria.
Regimes Importam
Uma segunda safra de estudos empíricos, baseadas em reclassificação mais acurada
do que seja de facto um regime fixo e flutuante,
chegam a conclusões distintas. Levy-Yeyati e
Sturzenegger (2003) analisando uma amostra de
183 países no período 1974-2000 e usando um
esquema de reclassificação dos regimes por um
critério de facto encontram evidência de que países em desenvolvimento com menor volatilidade
na taxa de câmbio, isto é, com regime fixo, apresentam taxas menores de crescimento econômico. Para o caso dos países em desenvolvidos não
há relação comprovada entre regime cambial e
crescimento, de forma que para este grupo de
países o regime é irrelevante. No caso de países
não industriais, haveria uma relação negativa entre volatilidade cambial (regime flutuante) e taxa
de crescimento.
Outro trabalho, de Husain, Mody e Rogoff (2005, 36), usando também algoritmos de
classificação de facto encontram evidências de
que países industrializados com mercados financeiros desenvolvidos obtêm maiores benefícios
em adotar regime flutuante. No caso dos países
em desenvolvimento os resultados sugerem que
países relativamente pobres com menos acesso ao mercado financeiro internacional obtém
melhores performances quando adotam alguma
variante de regime fixo. A performance neste
estudo se refere à baixa taxa de inflação, isto é
estabilidade nominal de preços, e à durabilidade
do próprio regime. Estes resultados, no dizer dos
autores, contrastam com a visão tradicional de
que regimes pegs são universalmente instáveis e
propensos às crises. Do ponto de vista dinâmico
o trabalho também revela que à medida que os
países se tornam mais ricos e financeiramente
desenvolvidos, eles teriam ganhos se migrassem
também de regimes de tendência fixa, para regimes de tendência flutuante.
Aghion et al (2006), a partir de uma
amostra de 83 países cobrindo o período de 1960
a 2000, mostram evidência de que a volatilidade
da taxa real de câmbio tem efeitos “significantes” sobre a taxa de crescimento da produtividade no longo prazo. No entanto o efeito depende
do grau de desenvolvimento financeiro do país.
Países que combinam características de baixo
grau de desenvolvimento financeiro com alta
volatilidade cambial (regime flutuante) apresentam menores taxas de crescimento do produto,
enquanto que para países com alto grau de desenvolvimento não existe efeito relevante.
Em outro estudo Ghosh et al (1997), utilizando uma amostra de 140 países no período de
1960 a 1990 e uma classificação dos regimes em
nove categorias, mostram as correlações entre
regimes e agregados macroeconômicos: inflação
e crescimento. As evidências mostram que a inflação é mais baixa e mais estável e, surpreendentemente, que a volatilidade real do câmbio é
maior em regime nominalmente fixo. No entanto
o crescimento econômico é pouco afetado, muito
embora a taxa de investimento seja ligeiramente
maior e a taxa de crescimento do comércio ligeiramente menor em regime fixo. Regimes fixos
são caracterizados por estabilidade de preço à
custa de estabilidade de crescimento.
Broda (2004) usando análises autoregressivas (VAR) aplicadas a uma amostra de 75
países em desenvolvimento entre 1973 e 1996
avaliam se as respostas do produto, taxa real de
câmbio e preços à choques nos termos de troca,
diferem entre regimes cambiais. O estudo encontra respostas diferentes entre os regimes dando
assim suporte empírico à hipótese de Friedman
(1953) a qual diz que uma economia com preços rígidos deveria adotar um regime de cambio
nominal flutuante para isolar-se contra choques
reais. Edwards e Levy-Yeyati (2005) usando re-
História e Economia Revista Interdisciplinar
89
PRegimes Cambiais: A Teoria na Prática
gressões FGLS3 aplicadas a uma amostra de 183
países desenvolvidos e em desenvolvimento entre 1974 e 2000 mostram os efeitos da absorção
de choques nos termos de troca sobre a taxa de
crescimento sob diferentes regimes cambiais. No
caso destes últimos autores, eles encontram evidências de que choques nos termos de troca são
amplificados em países que possuem regimes de
câmbio mais rígidos, para ambos os países, industrializados e emergentes. Além disto, existe
uma assimetria na resposta aos choques: a reação
do produto é maior quando ocorrem choques negativos nos termos de troca do que quando ocorrem choques positivos. Estes resultados levam
à conclusão de que regimes flexíveis ajudam os
países a absorverem choque nos termos de troca
reduzindo assim seus efeitos sobre o produto.
Shambaugh (2004) testa a relação entre
regimes cambiais de jure e taxa de juros com o
objetivo de asseverar a validade da hipótese da
“trindade impossível” para as economias abertas, a qual afirma que é impossível à qualquer
economia controlar ao mesmo a taxa de cambio,
a taxa de juros e o fluxo de capitais. Existe um
trade-off entre a escolha de três objetivos: taxa
de câmbio fixa, política monetária independente
e mobilidade de capitais. Usando uma amostra
de 155 países e dados mensais para o período de
1973-2000, o estudo compara os países com um
país de referência escolhido como benchmark
contra o qual comparar as variações na taxa de
câmbio, na taxa de juros de curto prazo e no fluxo de capital. Se a trindade impossível existir,
então países com regime fixo de facto apresentarão cointegração elevada entre as taxas de juros.
Isto comprova que a política monetária do país
analisado segue a do país base de modo a manter a paridade da taxa de juros e evitar fluxos de
capitais que pressionem a taxa de câmbio para
além da capacidade de controle das autoridades
3 FGLS – Feasible Generalised Last Squares. Procedimento econométrico aplicável aos casos de painéis não balanceados.
90
História e Economia Revista Interdisciplinar
monetárias. Os resultados obtidos atestam a validade da trindade impossível e, portanto, que para
o caso do controle da política monetária, regime
cambiais importam. Na mesma linha de investigação Obstfeld, Shambaugh e Taylor (2005) detectam os limites que um regime fixo impõe sobre os graus de liberdade da política monetária.
Klein e Shambaugh (2006a, 2006b) encontraram evidências da influência de regimes
cambais, incluindo significantes efeitos positivos
de regimes fixos sobre fluxo de comércio com
exterior (2006a), sobre a autonomia monetária e
crescimento (2006b).
Por fim Klein e Shambaugh (2007), ao
analisar uma amostra de países que fixam bilateralmente suas taxas (peg) possuem menor volatilidade multilateral também. Isto ajuda explicar
diversas evidências empíricas que corroboram a
importância do regime cambial sobre a atividade econômica demonstrada em diversos estudos
empíricos.
Regimes Cambiais de Jure e
de Facto
A definição do regime cambial de facto
de uma economia não é uma tarefa trivial. Países
que declaram (regime de jure) adoção de regime
flutuante geralmente intervêm no mercado com
o objetivo de evitar excesso de flutuação (fear
of floating) e países que declaram regimes fixos
permitem que a taxa de cambio flutue dentro
de certos limites (“miragem”), tornando difícil
a classificação exata dos regimes reais nas formas teóricas puras de regime fixo e flutuante.
A prática na maioria das vezes não reflete com
precisão o regime formal. Muitos países também
não declaram compromisso com um ou outro
regime e adotam políticas em ambos os sentidos de fixar ou deixar flutuar, sem comprometimento formal, mas com comprometimento a
alguma meta não revelada ou não especificada
com precisão. Desta forma uma história fidedigna dos regimes cambiais deve recorrer à critérios
de classificação claros baseados na observação
de séries temporais. As estatísticas descritivas e
algoritmos de classificação utilizados para este
fim permitem, para uma dada economia, a periodização ou detecção de alternâncias de regimes
ao longo do tempo e podem se utilizar da observação não apenas de dados sobre taxas de câmbios, como também de outras variáveis macroeconômicas relacionadas à determinado regime
cambial, como saldo do balanço de pagamentos,
reservas e taxas de juros, que devem apresentar o
comportamento previsto pela teoria para caracterizar este ou aquele regime. O caso se torna mais
difícil no caso de regimes duais, com existência
de mercados paralelos flutuantes que coexistem
com um “mercado” administrado fixo, muito
comum antes dos anos 1970. Outra dificuldade adicional refere-se à escolha de uma moeda
ou cesta de referência contra a qual comparar a
flutuação ou estabilidade da moeda local. Países
podem manter sua moeda fixa em relação a uma
determinada moeda e não em relação a outras.
O problema pode ser minimizado com o uso de
critérios de ponderação pelo fluxo de comércio.
O problema de classificação também é minimizado nos casos de regimes fixos extremos do tipo
conversibilidade (dolarização em alguns casos),
currency board e união monetária. Ao longo dos
anos 1990, um período de intensificação de crises cambiais que atingiram tanto países com regime de cambio fixo como também com regime
de câmbio flutuante, a caracterização de regimes
é mais difícil, pois vários países interferiram episodicamente nos momentos singulares das crises
de forma que os regimes cambiais alternaram-se
com mais frequência que períodos anteriores.
Após o fim da era Bretton Woods em
1971-73, caracterizado pelo fim da promessa
de conversibilidade do dólar em ouro por parte
dos EUA, as taxas de câmbio passaram a flutuar.
Tendo em vista os efeitos adversos das flutuações e objetivos diversos vários países adotaram
alguma forma de regime fixo após o início dos
anos 1970. A manutenção deste regime durante
um prolongado período de tempo cobrou um
preço muito alto aos bancos centrais comprometidos com alguma taxa fixa de câmbio, levando a
perdas maciças de reservas em pouco período de
tempo e a perda de credibilidade sobre a capacidade de defesa do regime fixo. Os regimes fixos
geralmente acabaram repentinamente na forma
de graves crises cambiais com overshootings.
Como exemplo pode-se citar o caso do Banco
Central da Inglaterra que teria gasto aproximadamente US$ 5 bilhões de reservas em poucas
horas, na tentativa de manter a libra em setembro
de 1992. A libra desvalorizou 15,1% em termos
reais entre julho e novembro de 1992 e permaneceu desvalorizada até janeiro de 1996 quando
inicia um novo ciclo de valorização. Muitos outros países desenvolvidos e em desenvolvimento
apresentaram histórias semelhantes, em que um
regime de cambio fixo culmina numa crise cambial seguida de mudança para regime flutuante.
A caracterização dos regimes de cambio fixo
como sendo de fato fixo foi tratado por Obstfelt
e Rogoff (1995, 73). A tentativa de “recolocar o
gênio do cambio flutuante dentro da sua garrafa
é fácil de prometer, difícil de realizar”. Mesmo
os regimes ditos de câmbio fixo comportam, de
facto, algum grau de flutuabilidade, decorrendo
dai a metáfora da “miragem” dos regimes fixos.
Partindo do outro extremo Calvo e Reinhart (2002) afirmam que vários países, apesar
de declararem a opção de regimes cambiais flutuantes, por temor dos efeitos negativos de grandes flutuações (overshootings), eles de fato adotaram alguma forma de intervenção no mercado
restringindo as flutuações. O medo de flutuar
(“fear of floating”) leva a algum grau de rigidez.
História e Economia Revista Interdisciplinar
91
PRegimes Cambiais: A Teoria na Prática
Desta feita, tem-se uma situação um tanto desconcertante. Os câmbios fixos são mais flutuantes ao mesmo tempo em que os câmbios flutuantes são mais fixos do que se imagina. A tentativa de reinterpretar estes fatos desconcertantes
levou Reinhart e Rogoff (2002, 2004) à propor
um algoritmo de reclassificação dos regimes
cambiais que inclui 14 regimes diferentes que
vai do mais rígido ao mais flexível dos regimes.
Regimes: Volatilidade e
Mudanças entre 1994-2007
Atualmente há um entendimento generalizado de que uma das conseqüências da globalização financeira ocorrida nos últimos trinta anos,
desde os anos 1980, é a de que as opções de políticas macroeconômicas, especialmente em economias abertas, incluam obrigatoriamente três
elementos: metas de inflação (ou alguma variante de metas não explícitas); mobilidade de capital
e cambio flutuante. A recomendação de adoção
de regimes de câmbio flutuante é uma conseqüência da hipertrofia dos mercados financeiros
e das ondas de crises cambiais que varreram as
economias desenvolvidas e em desenvolvimento
nos anos 1980 e 1990. Estas forças reais estariam
por trás das “miragens” que acometiam policy
makers e analistas neste período, levando-os à
falsa interpretação de que os câmbios eram de
fato fixos. Desta feita, espera-se que atualmente
exista um grande número de países que adotam
alguma variante de regimes flutuantes coexistindo com um pequeno grupo de países que insistem nadar contra a corrente, fixando em alguma
media suas moedas.
Bem, esta seção mostra que os dados empíricos revelam outra tendência. Os países com
regimes de tendência fixa predominam e número
de países que aumentaram a rigidez de sua moeda é maior do que o número de países flutuou
mais. A correnteza pode estar mudando, como
92
História e Economia Revista Interdisciplinar
numa mudança de maré. Analisando os dados
atualizados até 2007, pré-crise, por Ilzetski, Reinhart e Rogoff (2008), que disponibilizam suas
classificações mensais dos regimes de cambio
de facto de vários países, encontramos um fato
que consideramos surpreendente. Contrariamente à visão estabelecida de que no cenário atual
de grande mobilidade de capital e hipertrofia dos
mercados financeiros os países não teriam outra
alternativa senão conviver com flutuação ou volatilidade cambial, os dados mostram que houve
nos anos 2003 a 2007 um movimento de vários
países abandonando alguma versão de câmbio
flutuante caminhando em direção a regimes de
tendência fixa.
Os itens a seguir tratam das mudanças
na volatilidade cambial e nos regimes cambiais
a partir da década de 1990, separando a análise
em termos de volatilidade e classificação dos regimes e separando o período em dois momentos:
1994-2002 e 2003-2007.
Volatilidade cambial no período
1994-2007
Para demonstrar o comportamento da
volatilidade cambial usamos o índice das taxas
reais de cambio do Bank for International Settlements (BIS) 4. Para medida de volatilidade
cambial usamos a forma simplificada do desvio
padrão da variação mensal da taxa real de câmbio não condicionada à qualquer outra medida,
tal como tem sido usado na literatura. Devereux
e Lane (2003), por exemplo, usam critérios mais
sofisticados para determinar volatilidades bilaterais. A volatilidade depende das variações da
taxa de câmbio de um país/região tomado como
parceiro representativo, o qual pode ser uma área
monetária ótima, ao estilo de Mundell (1961),
ou a um conjunto com os quais há uma relação
comercial e financeira intensa. Em nosso caso
4 Série “BIS effective echange rate índices” EER, CPI based, para
amostra “broad” de países.
tomamos a taxa variação mensal do índice CPIbased EER do BIS o qual é calculado com base
na média ponderada do fluxo de comércio entre
os países. Para uma avaliação da metodologia de
cálculo ver BIS (2006).
O comportamento da volatilidade cambial ao longo da década de 1990 e da primeira
década do século XXI tem apresentado muita variação, globalmente. Um fato estilizado importante é que se observa uma acentuada redução
da volatilidade, com poucos países apresentando
desvios padrões elevados em suas taxas reais
de cambio após 2003. Enquanto que no período
1994-2002 dezenove países apresentavam desvio
padrão da taxa real de câmbio igual ou acima de
2,0% ao mês, este número se reduziu para apenas nove casos no período 2003-2007. A grande maioria dos países apresenta desvios-padrão
abaixo dos 2,0%. Os histogramas mostrados na
figura 1, abaixo, revelam um aumento no número
de países que apresentam menor volatilidade das
taxas de câmbio. Este comportamento fica evidente pela redução do número de países na cauda
direita do painel “b”, comparado ao painel “a”.
Figura 1 – Distribuição de Frequência
dos países, segundo os desvios padrões das
variações mensais da taxa real de câmbio 1994-2002 e 2003-2007 - (Total 58 países)
a.) Período 1994-2002
b.) Período 2003-2007
A tabela 1 a seguir mostra a volatilidade
cambial da amostra de 58 países para os quais o
BIS calcula o índice da taxa efetiva de câmbio.
A tabela inclui uma coluna sobre a classificação
adotada pelo FMI em 2007 para cada país, onde
1 representa regime fixo e 4 regime flutuante e 2
e 3 regimes intermediários. Os dados desta coluna foram tirados de Ilzetski, Reinhart e Rogoff
(2008). Além disto, dada a disponibilidade de
dados atualizados até março de 2010, portanto
até o período pós-crise, incluímos uma coluna
comparando a volatilidade do período de crise 2008-2010. Por fim a última coluna mostra
a tendência da volatilidade média comparando
os períodos 1994-2002 e 2003-2007. Os sinais
indicam a direção da mudança e o que se observa é que a grande maioria dos países apresentou redução na volatilidade ao longo do período. Predominam os sinais negativos. Em termos
gerais, destacam-se alguns fatos interessantes.
O principal deles é de que a volatilidade média
observada no período da grande crise financeira
mundial entre 2008-2010 é o mesmo observado
no período 1994-2002, de 2,1% ao mês, em cada
período (ver última linha da tabela 1).
O segundo fato é a natureza dos países
que apresentaram maiores volatilidades no período da crise: Venezuela (8,4%), Islândia (5,3%),
Rússia (4,7%), África do Sul (4,5%) e Brasil
(4,0%). Estes casos são importantes porque as
maiores volatilidades durante a crise estão associadas com países de alguma forma, dependentes, expostos e vulneráveis à
economia internacional, com
exceção do Brasil. Venezuela
e Rússia foram particularmente afetados pelo esvaziamento da bolha do petróleo nas
bolsas de futuros. A Islândia
é um país exportador e, além
disto, teve graves problemas
História e Economia Revista Interdisciplinar
93
Padronização técnica no Brasil...
com seu setor financeiro altamente alavancado.
Os três maiores bancos, Glitnir, Landsbanki and
Kaupthing possuíam passivos financeiros que ultrapassavam seis vezes o produto nacional bruto
(BBC, 2008) e faziam vultosas operações de carry-trade numa situação semelhante ao que tem
ocorrido em escala menor no Brasil nos últimos
dez anos. A África do Sul tem enfrentado problemas com inflação, déficits em conta corrente da ordem de 7,0% do GNP e com o preço de
commodities exportáveis (FMI, 2008). O Brasil
é o único país entre os cinco mais voláteis na crise, a apresentar bons fundamentos econômicos
e sistema financeiro robusto, mesmo assim não
esteve isento do problema da volatilidade cambial o que reflete o caráter peculiar de seu regime cambial, que precisa ser analisado com mais
profundidade.
A indicação do movimento de tendência
de redução da volatilidade pode ainda ser observado pela soma da diferença entre os períodos
1994-2002 e 2003-2007, mostrado ao fim da tabela. A soma, que pode ser entendida como uma
medida de distância percorrida por cada país, indica que a volatilidade total é – 43,2%. O número em si não possui significado econômico, mas
revela que a tendência de redução da volatilidade
nos períodos foi grande.
Tabela 1 – Volatilidade Cambio por País
em três períodos e Tendência - (Total 58 países)
Por fim, no que se refere à volatilidade
cambial, a figura 2 a seguir mostra a evolução
do desvio padrão de 12 meses acumulados para
uma amostra selecionada dentre os 58 países que
constam nos dados do BIS. A escala dos gráficos
foi padronizada de tal forma que a leitura visual
é direta. Os painéis individuais mostram como o
desvio padrão tem evoluído, pela oscilação das
curvas, bem como o nível em que flutuam as taxas, pela altura de cada linha. Novamente o caso
94
História e Economia Revista Interdisciplinar
Data
FMI
2007
DesvPad
1994-2002
DesvPad
2003-2007
DesvPad
2008-2010
Algeria
3
3,0%
2,0%
2,8%
Argentina
3
4,6%
1,7%
2,3%
Australia
4
2,1%
1,9%
3,8%
Austria
1
0,7%
0,4%
0,6%
Belgium
1
0,8%
0,6%
0,8%
Brazil
4
4,4%
2,9%
4,0%
Bulgaria
1
7,1%
1,1%
0,9%
Canada
4
1,1%
1,8%
2,5%
Chile
4
1,7%
1,8%
3,2%
China
1
2,1%
1,8%
2,4%
Chinese
*
1,5%
1,2%
1,4%
Croatia
3
1,1%
0,7%
0,7%
Cyprus
1
1,6%
1,0%
1,2%
Czech
3
1,7%
1,2%
2,3%
Denmark
1
0,8%
0,5%
0,8%
Estonia
1
1,8%
0,9%
1,0%
Euro area
*
1,5%
1,2%
1,8%
Finland
1
1,2%
0,7%
1,0%
France
1
0,8%
0,6%
0,8%
Germany
1
1,0%
0,8%
1,1%
Greece
1
1,2%
1,1%
1,4%
Hong Kong
1
1,3%
1,0%
1,7%
Hungary
1
1,5%
1,7%
3,2%
Iceland
4
1,2%
2,6%
5,3%
India
3
1,5%
1,4%
1,9%
Indonesia
3
8,1%
2,3%
3,2%
Ireland
1
1,1%
0,9%
1,3%
Israel
4
1,7%
1,3%
1,9%
Italy
1
1,3%
0,6%
0,8%
Japan
4
2,8%
1,7%
3,4%
Korea
4
3,6%
1,3%
3,8%
Latvia
1
1,4%
0,8%
1,3%
Lithuania
1
1,6%
0,6%
1,2%
Taipei
Republic
Malaysia
3
2,5%
1,0%
1,0%
-1,5%
-
Malta
1
1,4%
1,5%
1,6%
Mexico
4
4,4%
1,7%
3,5%
0,1%
0,2%
+
-2,7%
-0,9%
Nether-
1
1,0%
0,7%
1,1%
-
-0,3%
0,1%
-
4
1,8%
2,1%
2,7%
0,3%
0,9%
+
Norway
4
1,1%
1,7%
2,0%
0,6%
0,9%
+
+
Peru
3
+
Philippines
4
1,4%
1,0%
1,5%
-0,4%
0,1%
-
2,4%
1,7%
1,5%
-0,7%
-0,9%
0,3%
-
Poland
-
4
2,1%
1,8%
3,3%
-0,3%
1,2%
-
-0,1%
-
Portugal
1
0,7%
0,5%
0,7%
-0,2%
0,0%
-
Romania
3
3,8%
1,6%
1,8%
-2,2%
-2,0%
-
Russia
3
6,1%
3,4%
4,7%
-2,7%
-1,4%
-
Saudi
1
1,3%
1,3%
1,9%
0,0%
0,6%
=
Singapore
3
0,9%
0,8%
0,8%
-0,1%
-0,1%
-
Slovakia
1
1,4%
1,5%
1,2%
0,1%
-0,2%
+
Slovenia
1
0,8%
0,6%
0,7%
-0,2%
-0,1%
-
South
4
3,2%
3,1%
4,5%
-0,1%
1,3%
-
2002 x
2007
Crise x
2007
Tendência
2002/ 2007
-1,0%
-0,2%
-
-2,9%
-2,3%
-
-0,2%
1,7%
-
-0,3%
-0,1%
-0,2%
0,0%
-
-1,5%
-0,4%
-
land
-6,0%
-6,2%
-
0,7%
1,4%
0,1%
1,5%
-0,3%
-0,3%
-0,4%
-0,4%
-
-0,6%
-0,4%
-
-0,5%
0,6%
-
-1,5%
lands
New Zea-
Arabia
-0,3%
0,0%
-
-0,9%
-0,8%
-
-0,3%
0,3%
-
-0,5%
-0,2%
-
Africa
-0,2%
0,0%
-
Spain
1
0,7%
0,6%
0,9%
-0,1%
0,2%
-
-0,2%
0,1%
-
Sweden
4
1,4%
1,2%
2,1%
-0,2%
0,7%
-
-0,1%
0,2%
-
Switzerland
4
1,3%
1,0%
1,4%
-0,3%
0,1%
-
-0,3%
0,4%
-
Thailand
3
3,3%
1,0%
1,2%
-2,3%
-2,1%
-
0,2%
1,7%
+
Turkey
4
4,7%
3,2%
3,3%
-1,5%
-1,4%
-
4
1,3%
1,1%
2,5%
-0,2%
1,2%
-
4
1,1%
1,1%
1,8%
0,0%
0,7%
=
-
1,4%
4,1%
+
United
-0,1%
0,4%
-
-5,8%
-4,9%
-
Kingdom
-0,2%
0,2%
-
-0,4%
0,2%
-
-0,7%
-0,5%
-
-1,1%
0,6%
-
-2,3%
0,2%
-
-0,6%
-0,1%
-
-1,0%
-0,4%
-
United
States
Venezuela
Variação
1
5,2%
3,7%
8,4%
-1,5%
3,2%
* 2,1%
* 1,4%
* 2,1%
**-
**
43,2%
-2,3%
Geral
Fonte: BIS. Elaborado pelos autores. Nº de Países = 58
* Média. ** Soma
História e Economia Revista Interdisciplinar
95
PRegimes Cambiais: A Teoria na Prática
brasileiro é emblemático, pois apresentou um
padrão altamente oscilante durante um período
muito longo. Um padrão que contrasta com os
regimes mais estáveis de seus principais parceiros comerciais e financeiros: EUA, China e Zona
do Euro.
Figura 2 - Evolução da Volatilidade (Desvio Padrão) de 12 meses - jan1995 a mar-2010
Fonte: BIS. Elaborado pelos autores
Obs.: A volatilidade é medida pelo
desvio padrão das variações mensais da taxa
real de câmbio no intervalo de 12 meses. Os
gráficos de cada país estão todos em escala
fixas e iguais, de modo que a comparação
visual da magnitude dos desvios padrões é
direta.
Regimes Cambiais no período
1994-2007
Esta seção se apóia largamente nos dados disponibilizados por Ilzetski, Reinhart e Ro-
96
História e Economia Revista Interdisciplinar
goff (2008). Os autores aplicam um algoritmo
de classificação de regimes cambiais para determinar o regime cambial de facto de cada país.
O método esta descrito em Reinhart e Rogoff
(2004) e em geral leva em consideração não apenas a magnitude da variação da taxa de cambio,
mas também de outros agregados macroeconômicos relacionados com o câmbio. Os autores
usam dois sistemas de classificação. Um sistema
baseado em seis regimes, indo do mais rígido
(1) ao mais flutuante (6). O segundo sistema de
classificação possui uma gradiente maior, com
14 regimes. Preferimos usar a classificação de 6
regimes por ser mais simples. Os resultados não
se alteram se for adotado o sistema de classificação mais detalhado.
Os resultados são resumidos na tabela
2 e reportados em mais detalhes na tabela 3 e
figura 3 a seguir. Os dados da tabela 2 foram
calculados a partir da tabela 3 e mostram os movimentos migratórios dos países entre os regimes cambiais. Os movimentos foram classificados em quatro tipos, conforme consta na coluna
direção da tabela 2. A tabela 3 mostra a moda
de cada país em cada período. Assim, tomandose como exemplo o caso da Albânia, o regime
cambial mais freqüente no período 1994-2002
foi o regime tipo 4, que é flutuante numa escala
de 1 a 5. A Albânia sofre uma mudança de regime em direção ao regime tipo 2, de características mais fixas. Seu movimento (distância entre
as modas) é portanto -2. Como o movimento é
negativo a direção da mudança é do tipo A – Flexível para Fixo e portanto a Albânia é um dos 27
países classificados com A na tabela 2.
Tabela 2 - Resumo das Mudanças
de Regime
A tabela 2 resume a tendência geral dos
regimes cambiais de facto até antes da crise financeira. Os dados revelam um comportamento
Tipo
Direção
Qtde
%
A
Flexível para Fixo
27
16,5%
B
Fixo para Flexível
13
7,9%
C
Estável em Fixo
93
56,7%
D
Estável em Flexível
23
14,0%
nd
8
4,9%
Total
Não Disponível
164
100,0%
Total Movimento (Σ Mov)
-33
Calculado a partir da tabela 1.
real dos países diferente daquele previsto pela
teoria macroeconômica que estabelece a necessidade de adoção de regimes de câmbio flutuante.
Mesmo sendo um período de reformas liberalizantes, especialmente no que se refere aos fluxos
de capitais financeiros, a realidade mostra que os
países estão caminhando em direção a regimes
mais fixos e não o contrário. De um total de 164
países, 56,7% são classificados em regimes fixos
estáveis (1 e 2) e 16,5% migraram de um regime mais flutuante em direção à um regime mais
fixo. Pode ocorrer neste resultado que um país
migre de 4 para 3, permanecendo como um regime flutuante (embora um pouco menos), como é
o caso do Haiti, ou de 5 para 4, como é o caso da
Turquia mas estes casos são poucos. O resultado
geral é de que o saldo dos movimentos de menos
para mais flutuante e vice versa foi negativo em
33, digamos, pontos. Isto significa que os regimes cambiais mundo afora, são mais rígidos e
não menos, como quer dar à entender parte da
teoria macroeconômica prevalecente nos anos
1990 e 2000.
Por fim os painéis da figura 3 mostram
a evolução dos regimes cambiais. O eixo vertical dos gráficos contém a classificação dada pelo
algoritmo de classificação de Ilzetski, Reinhart e
Rogoff (2008) para cada mês, o qual pode variar
de 1 a 6. Portanto a cada mês, desde janeiro de
1994 até dezembro de 2007 temos, para os países
selecionados, um ponto no tempo à uma altura
que varia de 1 a 6. Os painéis mostram um fato
esperado e nada surpreendente que os regimes
se alteram poucas vezes no tempo, sendo que alguns países permaneceram nos mesmos regimes
todos os períodos.
As conseqüências destes resultados
serão exploradas na conclusão deste artigo. A
apresentação destas evidências descritivas sobre regimes cambiais revela o quão importante
ainda é o problema da determinação dos regimes
cambiais adequados a uma economia. Este debate parece ter sido parcialmente deixado de lado
pelo entendimento de que atualmente o regime
adequado é flutuante. Não parece ser este o caso.
Tabela 3 - Mudanças de regimes
entre os períodos 1994-2002 e 2003-2007
Moda
94-02
Moda
Albania
4
2
-2
A
Algeria
2
2
0
C
Anguilla
1
1
0
C
Bahrain
Antigua Barb
1
1
0
C
Argentina
1
2
1
B
Armenia
2
2
0
C
Belarus
País
03-07
Mov
Tipo
Mov.
Moda
94-02
Moda
Azerbaijan
2
2
0
Bahamas
1
1
0
C
1
1
0
C
Bangladesh
2
2
0
C
Barbados
1
1
0
C
5
2
-3
A
País
03-07
Mov
Tipo
Mov.
C
Australia
4
4
0
D
Belgium
1
1
0
C
Austria
1
1
0
C
Belize
1
1
0
C
História e Economia Revista Interdisciplinar
97
PRegimes Cambiais: A Teoria na Prática
Moda
94-02
Moda
Benin
1
1
0
C
Bhutan
1
1
0
C
País
98
03-07
Mov
Tipo
Mov.
Moda
94-02
Moda
Georgia
3
2
-1
A
Germany
4
1
-3
A
País
03-07
Mov
Tipo
Mov.
Bolivia
2
2
0
C
Ghana
5
2
-3
A
Bosnia Herzeg
1
1
0
C
Greece
1
1
0
C
Botswana
2
3
1
B
Grenada
1
1
0
C
Brazil
2
3
1
B
Guatemala
2
2
0
C
Brunei
2
2
0
C
Guinea
2
3
1
B
GuineaBissau
1
1
0
C
Guyana
2
2
0
C
Haiti
4
3
-1
A
Kyrgyz Rep
5
2
-3
A
Lao
5
nd
nd
nd
Latvia
3
2
-1
A
Lebanon
1
1
0
C
Lesotho
1
1
0
C
Liberia
6
nd
nd
nd
Libya
3
nd
nd
nd
Liechtenstein
nd
nd
nd
nd
Lithuania
1
2
1
B
Luxembourg
1
1
0
C
Macedonia
2
1
-1
A
Madagascar
3
3
0
D
Malawi
3
2
-1
A
Malaysia
1
1
0
C
Maldives
1
1
0
C
Mali
1
1
0
C
Malta
3
1
-2
A
Marshall Is
1
1
0
C
Mauritania
2
2
0
C
Mauritius
2
2
0
C
Mexico
3
3
0
D
Micronesia
1
1
0
C
Moldova
1
2
1
B
Monaco
1
1
0
C
Mongolia
1
1
0
C
Morocco
2
2
0
C
Mozambique
1
2
1
B
Bulgaria
1
1
0
C
Burkina Faso
1
1
0
C
Burundi
3
2
-1
A
CAR
1
1
0
C
Cameroon
1
1
0
C
Canada
2
3
1
B
Chad
1
1
0
C
Chile
3
3
0
D
China
1
1
0
C
Colombia
3
3
0
D
Congo, Dem.
4
4
0
D
Congo, Rep.
1
1
0
C
Costa Rica
2
2
0
C
Cote D'Ivoire
1
1
0
C
Croatia
2
2
0
C
Cyprus
1
1
0
C
Czech Rep
3
2
-1
A
Denmark
2
1
-1
A
Dominica
1
1
0
C
Dominican Rep
2
3
1
B
Ecuador
3
1
-2
A
Egypt
1
1
0
C
El Salvador
1
1
0
C
Equat Guinea
1
1
0
C
Estonia
1
1
0
C
Ethiopia
2
2
0
C
Finland
1
1
0
C
France
1
1
0
C
Gabon
1
1
0
C
Gambia
2
2
0
C
História e Economia Revista Interdisciplinar
País
Moda
94-02
Moda
03-07
Mov
Tipo
Mov.
País
Moda
94-02
Moda
03-07
Mov
Tipo
Mov.
Myanmar
6
6
0
D
St Vincent Gr
1
1
0
C
Nepal
2
2
0
C
Sudan
2
2
0
C
Netherlands
1
1
0
C
Suriname
5
1
-4
A
New Zealand
3
3
0
D
Swaziland
1
1
0
C
Nicaragua
2
2
0
C
Sweden
3
3
0
D
Niger
1
1
0
C
Switzerland
2
3
1
B
Nigeria
3
3
0
D
Syria
3
3
0
D
Norway
3
3
0
D
Tajikistan
5
2
-3
A
Pakistan
2
2
0
C
Tanzania
2
2
0
C
Panama
1
1
0
C
Thailand
3
3
0
D
Papua New G.
2
2
0
C
Togo
1
1
0
C
Paraguay
2
3
1
B
Trinidad Tob
2
2
0
C
Peru
2
2
0
D
Tunisia
2
2
0
C
Philippines
3
2
-1
A
Turkey
5
4
-1
A
Poland
3
3
0
D
Turkmenistan
6
nd
nd
nd
Portugal
1
1
0
C
UK
3
3
0
D
Puerto Rico
1
1
0
C
US
4
4
0
D
Qatar
1
1
0
C
Uganda
3
2
-1
A
Romania
5
3
-2
A
Ukraine
5
1
-4
A
Russia
5
2
-3
A
Uruguay
2
2
0
C
San Marino
1
1
0
C
Venezuela
2
6
4
B
Saudi Arabia
1
1
0
C
West Bank G
1
1
0
C
Senegal
1
1
0
C
Zambia
5
4
-1
A
Singapore
3
3
0
D
Zimbabwe
3
nd
nd
nd
Slovak Rep
2
2
0
C
Uganda
3
2
-1
A
Slovenia
2
1
-1
A
Ukraine
5
1
-4
A
South Africa
4
4
0
D
Uruguay
2
2
0
C
Spain
1
1
0
C
Venezuela
2
6
4
B
Sri Lanka
2
2
0
C
West Bank G
1
1
0
C
St Kitts N
1
1
0
C
Zambia
5
4
-1
A
St Lucia
1
1
0
C
Zimbabwe
3
nd
nd
nd
Fonte: Classificações mensais: Ilzetski, Reinhart e Rogoff (2008). Moda e
movimento calculado pelos autores.
História e Economia Revista Interdisciplinar
99
PRegimes Cambiais: A Teoria na Prática
Figura 3 - Movimentos mensais entre regimes 1994-2007 - Alguns
países
mes fixos desde longa data, sendo que a mudança
de regimes flutuantes para regimes mais rígidos
se acentuou no período 2003-2007 em comparação ao período 1994-2002.
Em alguma medida este movimento
pode ser explicado tanto pelo reconhecimento
recente da importância da taxa de câmbio sobre
o crescimento no plano acadêmico, quanto pela
constatação prática das autoridades monetárias
de diversos países sobre a existência de políticas claramente direcionadas para a manutenção
de certos patamares da taxa de câmbio real, contrariando assim as teses convencionais das vantagens existente nos regimes de flutuação pura.
Fonte: Classificações mensais: Ilzetski, Reinhart e Rogoff (2008). Elaborado
pelos autores.
Considerações finais
A revisão da literatura e os dados apresentados neste estudo apontam para um caminho
mais pragmático da escolha do regime cambial.
O caminho pragmático é preferível a uma solução polar livremente flutuante tal como recomendada por instituições internacionais como o
Banco Mundial, Fundo Monetário Internacional
e outras instituições mundiais. A literatura empírica recente tem ressaltado que a escolha dos
regimes de câmbio tem efeitos reais na economia
de modo que a escolha é uma decisão de política
econômica extremamente relevante. Como mostrado na seção cinco os países, de forma geral
e predominante, estão adotando alguma variante
de regimes fixos ou estão estabilizados em regi-
100
História e Economia Revista Interdisciplinar
Neste cenário, países que adotam de facto
regimes de tendência flutuante podem encontrarse numa posição ruim quando o regime flutuante
tende valorizar a moeda e os demais países com
regimes fixos fixam suas moedas em um nível
desvalorizado. Isto é o que está acontecendo com
o Brasil, em relação aos seus principais parceiros
da União Européia e China que possuem regimes
de tendência fixa. O gráfico abaixo mostra a evolução da taxa real de câmbio entre estes países
e a posição valorizada da moeda brasileira em
relação às demais.
Gráfico - Evolução Taxa de Cambio
Real - Brasil, EUA, UE, China
Os dados apresentados tornam evidente
a falta de preocupação das autoridades monetárias brasileiras em relação ao tema da valorização da taxa de câmbio real. Note-se a estratégia
diferenciada em momentos distintos em termos
de escolha de regime de câmbio. Entre 1995 e
1998 o país administrou a taxa de câmbio nominal num sistema de bandas cambiais e manteve
sua moeda valorizada em relação à grandes parceiros comerciais. Recentemente, o movimento
de valorização do câmbio real se deu concomitantemente a utilização de um sistema de flutuação cambial.
Os argumentos elencados neste estudo
sugerem uma mudança deste cenário. A utilização de um regime de flutuação cambial de facto
com valorização da taxa de câmbio, tendo em
vista os elementos discutidos, além de contrariar
a tendência internacional, como apresentado na
seção 5 do trabalho, contribui para a redução na
capacidade de crescimento de economia brasileira. Os dados apontam para a necessidade de
estudos históricos e empíricos analisando o que
os países estão de facto fazendo de suas políticas
cambiais tanto quanto as causas que estão por
detrás deste movimento em direção a alguma
forma de rigidez.
Por fim, ressaltamos que a questão de se
a redução da flutuação ocorreu por um aumento
da estabilidade macroeconômica mundial entre
2003 e 2007 (se é que houve) ou por adoção de
controles administrativos ou intervenções no
mercado cambio via mecanismos de mercado é
uma questão a ser aprofundada, e esta além do
objetivo deste artigo.
História e Economia Revista Interdisciplinar
101
Padronização técnica no Brasil...
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104
História e Economia Revista Interdisciplinar
8.Apêndice
Tabela A.1 Estatística Descritiva da Variação Mensal da Tara Real de Câmbio - fev-1994 a mar-2010
Mean
Median
Max
Min
Std.
Dev.
Skew
Kurtosis
JarqueBera
Prob
Sum
Sum Sq.
Dev.
ALGERIA
-0,25%
-0,02%
7,05%
-25,19%
2,75%
-3,765
36,815
9701,056
0,000
-0,491
0,146
ARGENTINA
-0,40%
-0,13%
7,52%
-36,32%
3,64%
-5,823
54,448
22492,020
0,000
-0,774
0,255
AUSTRALIA
0,18%
0,35%
5,26%
-12,90%
2,37%
-0,973
6,807
147,793
0,000
0,346
0,109
AUSTRIA
-0,03%
-0,05%
2,59%
-1,39%
0,62%
0,639
4,315
27,186
0,000
-0,048
0,007
BELGIUM
0,01%
0,00%
2,43%
-1,81%
0,74%
0,400
3,383
6,346
0,042
0,021
0,011
BRAZIL
0,17%
0,44%
12,46%
-19,80%
4,00%
-1,362
9,354
386,348
0,000
0,333
0,309
BULGARIA
0,53%
0,36%
55,74%
-23,56%
5,34%
4,898
64,519
31367,950
0,000
1,022
0,550
CANADA
0,08%
0,07%
6,01%
-8,69%
1,63%
-0,363
7,261
151,001
0,000
0,156
0,051
CHILE
0,06%
0,04%
6,53%
-8,28%
2,05%
-0,287
4,563
22,412
0,000
0,114
0,081
CHINA
0,24%
0,01%
5,86%
-4,39%
2,04%
0,325
2,758
3,895
0,143
0,461
0,081
CHINESE_
TAIPEI
-0,18%
-0,22%
3,30%
-5,58%
1,40%
-0,208
3,743
5,855
0,054
-0,353
0,038
CROATIA
0,08%
0,12%
2,82%
-2,70%
0,92%
-0,003
3,754
4,598
0,100
0,154
0,016
CYPRUS
0,07%
0,15%
4,09%
-3,91%
1,37%
-0,184
3,381
2,269
0,322
0,131
0,036
CZECH_REPUBLIC
0,35%
0,36%
7,51%
-6,28%
1,70%
0,022
5,547
52,449
0,000
0,670
0,056
DENMARK
0,04%
-0,03%
2,93%
-1,80%
0,72%
0,606
3,914
18,641
0,000
0,071
0,010
ESTONIA
0,48%
0,23%
9,53%
-3,02%
1,51%
1,916
10,094
525,531
0,000
0,938
0,044
EURO_AREA
0,02%
-0,05%
5,31%
-3,01%
1,48%
0,510
3,400
9,700
0,008
0,033
0,042
FINLAND
-0,01%
-0,11%
4,87%
-2,34%
1,01%
0,968
5,588
84,457
0,000
-0,016
0,020
FRANCE
-0,02%
-0,04%
2,38%
-2,43%
0,75%
0,251
3,203
2,370
0,306
-0,038
0,011
GERMANY
-0,04%
-0,16%
3,46%
-2,03%
0,96%
0,677
3,961
22,291
0,000
-0,084
0,018
GREECE
0,09%
0,07%
3,07%
-3,96%
1,23%
0,007
2,950
0,022
0,989
0,184
0,029
HONG_
KONG
-0,09%
-0,02%
5,04%
-5,23%
1,34%
0,186
5,344
45,545
0,000
-0,174
0,034
HUNGARY
0,22%
0,24%
5,95%
-8,18%
1,87%
-0,498
5,649
64,736
0,000
0,417
0,067
ICELAND
-0,11%
0,10%
11,59%
-13,01%
2,70%
-1,200
10,166
461,602
0,000
-0,217
0,141
INDIA
0,04%
0,07%
5,93%
-4,92%
1,54%
-0,078
4,230
12,431
0,002
0,082
0,046
INDONESIA
0,15%
0,13%
23,15%
-42,71%
6,27%
-1,358
17,387
1732,741
0,000
0,294
0,760
IRELAND
0,08%
0,05%
3,19%
-3,47%
1,10%
0,070
3,632
3,388
0,184
0,160
0,023
ISRAEL
0,00%
0,07%
4,91%
-8,09%
1,62%
-0,807
6,238
105,793
0,000
-0,004
0,050
ITALY
0,04%
0,07%
5,13%
-7,34%
1,10%
-0,914
15,033
1197,527
0,000
0,077
0,023
JAPAN
-0,10%
-0,51%
11,56%
-7,30%
2,63%
1,047
5,562
88,534
0,000
-0,194
0,134
KOREA
-0,04%
0,15%
9,30%
-27,18%
3,16%
-3,539
31,953
7181,048
0,000
-0,081
0,193
LATVIA
0,30%
0,25%
5,32%
-2,69%
1,27%
0,654
5,026
47,012
0,000
0,580
0,031
LITHUANIA
0,48%
0,37%
4,57%
-3,27%
1,35%
0,234
3,591
4,592
0,101
0,934
0,035
MALAYSIA
-0,07%
0,01%
14,07%
-10,15%
1,99%
0,638
20,956
2619,305
0,000
-0,133
0,077
MALTA
0,10%
0,06%
4,47%
-4,01%
1,46%
0,031
3,792
5,106
0,078
0,188
0,041
MEXICO
-0,02%
0,36%
16,06%
-27,33%
3,65%
-2,350
21,566
2965,026
0,000
-0,029
0,256
NETHERLANDS
0,03%
-0,05%
3,35%
-1,86%
0,93%
0,623
3,939
19,659
0,000
0,055
0,017
História e Economia Revista Interdisciplinar
105
NEW_ZEALAND
106
0,08%
0,09%
5,88%
-7,14%
2,03%
-0,183
3,385
2,283
0,319
0,155
0,079
NORWAY
0,07%
0,05%
5,06%
-5,62%
1,44%
-0,299
4,673
25,515
0,000
0,134
0,040
PERU
0,02%
-0,01%
4,43%
-4,83%
1,33%
0,082
3,911
6,925
0,031
0,034
0,034
PHILIPPINES
0,05%
0,04%
8,31%
-8,59%
2,12%
-0,292
5,608
57,763
0,000
0,091
0,086
POLAND
0,24%
0,37%
5,48%
-8,71%
2,21%
-0,690
4,221
27,428
0,000
0,470
0,094
PORTUGAL
0,05%
0,00%
2,02%
-1,32%
0,63%
0,486
3,389
8,860
0,012
0,094
0,008
ROMANIA
0,32%
0,25%
18,75%
-12,72%
3,05%
1,356
16,483
1528,962
0,000
0,619
0,179
RUSSIA
0,54%
0,80%
13,31%
-33,50%
5,25%
-1,422
11,577
659,984
0,000
1,049
0,531
SAUDI_ARABIA
-0,08%
0,00%
6,37%
-3,66%
1,41%
0,578
5,034
44,232
0,000
-0,155
0,038
SINGAPORE
-0,01%
-0,01%
2,91%
-2,85%
0,85%
-0,043
4,004
8,206
0,017
-0,021
0,014
SLOVAKIA
0,40%
0,29%
6,58%
-5,50%
1,41%
0,588
7,572
180,115
0,000
0,767
0,038
SLOVENIA
0,10%
0,06%
3,27%
-1,83%
0,74%
0,352
3,966
11,546
0,003
0,191
0,011
SOUTH_AFRICA
-0,08%
-0,09%
9,61%
-16,11%
3,39%
-0,944
6,475
126,418
0,000
-0,155
0,221
SPAIN
0,06%
0,03%
1,92%
-1,98%
0,75%
0,098
2,548
1,966
0,374
0,120
0,011
SWEDEN
-0,08%
-0,18%
5,74%
-4,32%
1,46%
0,296
3,795
7,944
0,019
-0,154
0,041
SWITZERLAND
-0,01%
-0,12%
4,75%
-2,60%
1,24%
0,606
4,011
20,152
0,000
-0,013
0,030
THAILAND
-0,01%
0,16%
14,44%
-13,41%
2,55%
-0,368
18,260
1886,749
0,000
-0,027
0,125
TURKEY
0,20%
0,79%
12,82%
-20,24%
4,14%
-1,290
8,019
257,445
0,000
0,395
0,331
UNITED_
KINGDOM
-0,07%
-0,07%
4,36%
-6,00%
1,50%
-0,339
5,248
44,570
0,000
-0,145
0,043
UNITED_
STATES
-0,01%
-0,01%
5,71%
-3,94%
1,27%
0,215
4,925
31,437
0,000
-0,022
0,031
VENEZUELA
0,30%
1,12%
8,90%
-39,09%
5,43%
-3,506
20,588
2897,856
0,000
0,591
0,570
História e Economia Revista Interdisciplinar
Tabela A.2 Esquema de Classificação dos Regimes - Critério Course
Cod
Course Classification
1
1
1
1
2
2
2
2
3
3
3
3
4
5
6
No separate legal tender
Pre announced peg or currency board arrangement
Pre announced horizontal band that is narrower than or equal to +/-2%
De facto peg
Pre announced crawling peg
Pre announced crawling band that is narrower than or equal to +/-2%
De factor crawling peg
De facto crawling band that is narrower than or equal to +/-2%
Pre announced crawling band that is wider than or equal to +/-2%
De facto crawling band that is narrower than or equal to +/-5%
Moving band that is narrower than or equal to +/-2%
Managed floating
Freely floating
Freely falling
Dual market in which parallel market data is missing.
Fonte: Ilzetski, Reinhart e Rogoff (2008)
História e Economia Revista Interdisciplinar
107
108
História e Economia Revista Interdisciplinar
Roteiro para submissão de artigos
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109
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receberão avaliações escritas dos membros do
comitê editorial.
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automaticamente implica em autorização para
futura e eventual publicação. A revista não paga
qualquer tipo de royalties para o autor.
15. A revista História e Economia deve
enviar uma carta e um e-mail para o autor acusando o recebimento dos originais (caso o artigo
seja aprovado, algumas mudanças podem ser
sugeridas).
16. A revista não devolverá nenhum texto recebido.
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Os artigos podem ser enviados para:
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Instituto de História e Economia
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10. The references must be detailed and
complete. Historical data and tables should
specify the sources used. In case of original/
primary sources, the author must provide the archive’s name, section, box (if it is applicable) and
all the relevant information.
11. The files can be sent by email to: he@
bbs.edu.br, in a 31/2 “ floppy disks or CD-ROM.
12. Only the articles that meet the above
requirements are submitted to the Editorial
Board.
13. All the manuscripts submitted to this
journal will receive written evaluations by the
board members.
14. The submission of a manuscript to us
implies authorization for future publication by
its author. No royalties will be paid.
15. História e Economia will send a written letter and an email to the author. In case of
approval, some changes may be suggested.
16. The journal will keep the originals.
Submission of originals
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