universidade federal do rio grande do norte centro de
Transcrição
universidade federal do rio grande do norte centro de
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE EDUCAÇÃO CURSO DE PEDAGOGIA TICIANE DA SILVA SOUZA ESTÁGIO: UMA EXPERIÊNCIA COM EDUCAÇÃO INCLUSIVA EM UMA ESCOLAR PARTICULAR DE NATAL/RN NATAL/RN 2015 TICIANE DA SILVA SOUZA ESTÁGIO: UMA EXPERIÊNCIA COM EDUCAÇÃO INCLUSIVA EM UMA ESCOLAR PARTICULAR DE NATAL/RN Relatório de estágio apresentado ao Curso de Pedagogia na Universidade Federal do Rio Grande do Norte como pré-requisito parcial para as conclusão da Licenciatura em Pedagogia. Orientadora: Professora Drª Maria da Paz Siqueira Oliveira NATAL/RN 2015 ESTÁGIO: UMA EXPERIÊNCIA COM EDUCAÇÃO INCLUSIVA EM UMA ESCOLAR PARTICULAR DE NATAL/RN Relatório de estágio apresentado ao Curso de Pedagogia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN, no semestre letivo 2015.1, como requisito parcial à obtenção do Grau de Licenciado em Pedagogia. Aprovado em: ___/___/ 2015. Professora Dra. Maria Da Paz Siqueira de Oliveira - UFRN Orientadora Professor Dr. Francisco Vitorino de Andrade Júnior - UFRN Professora Msc.Louize Gabriela Silva de Souza - UFRN Dedicatória Dedico esse trabalho ao meu esposo, Rammon, e a minha filha, Anna Júlia, que em todos os momentos ficaram ao meu lado, me mostrando que eu conseguiria, e que tudo daria certo. Dedico de uma forma especial a Eduardo, “Dudu”, que durante um ano, com seu jeito meigo, me ensinou mais do que eu pude ensiná-lo. Agradecimentos Agradeço primeiramente a Deus, por cuidar de mim tão bem, me dando sabedoria pra conseguir seguir a diante, me dando forças pra cuidar da minha filha, e ao mesmo tempo, conseguir concluir meu trabalho. Agradeço também ao mesmo esposo, Rammon, que entendeu meus momentos de estresses, e me ajudou em todas as horas que precisei, me acompanhando em todas as minhas orientações, e me esperando do lado de fora com a nossa pequena. E mesmo sem ela entender, agradeço a minha pequena Anna Júlia, que me fez aprender a dividir meu tempo, com ela e com o trabalho. Eu amo vocês dois! Não posso deixar, de forma nenhuma, de agradecer aos meus pais e aos meus irmãos, que viram de perto toda a minha jornada, desde a entrada na faculdade até a conclusão, estando do meu lado quando ninguém mais estava. Amo vocês também! Muito obrigada também a minha orientadora Maria da Paz, que soube ser compreensiva e atenciosa diante do tempo e das circunstancias, sendo essencial no término do meu curso. Te agradeço muito! Por fim, agradeço a cada um dos meus amigos que, da sua forma, me ajudou no decorrer dessa jornada, seja de maneira direta ou indireta, me fazendo sorrir quando estava triste, ou simplesmente ficando ao meu lado, escutando minhas lamentações de cansaço. Obrigada a todos vocês! Sumário Resumo ............................................................................................................ 07 1 Introdução ...................................................................................................... 09 2 A pessoa com deficiência ao longo da história ............................................... 10 3 Procedimentos metodológicos ....................................................................... 13 3.1 Lócus do trabalho ............................................................................. 13 3.1.1 A turma ............................................................................... 14 3.1.2 Eduardo .............................................................................. 14 4 A prática em sala de aula: o trabalho com Eduardo ....................................... 16 5 Analisando o processo: que inclusão? ........................................................... 18 6 Considerações finais ...................................................................................... 20 Referências ...................................................................................................... 21 ESTÁGIO: UMA EXPERIÊNCIA COM EDUCAÇÃO INCLUSIVA EM UMA ESCOLAR PARTICULAR DE NATAL/RN Resumo | O presente trabalho propõe um relato reflexivo da atividade de estágio não obrigatório realizado numa turma de 3º ano no ano de 2014 em uma escola particular de Natal/RN. Tem como objetivo discutir sobre como é entendido pela escola a inclusão e como isso ocorre no interior da instituição. Para tal, faz uma breve retrospectiva histórica da deficiência e explicita como ocorreu o trabalho no contexto da escola, discute o entendimento do conceito e da prática de inclusão e apresenta a prática desenvolvida. Utilizou como procedimentos metodológicos a observação, estudos de autores que discutem o tema, além e principalmente, do acompanhamento de um aluno, considerando a função de auxiliar. Podemos dizer que para que na verdade ocorra inclusão, muitos ainda são os caminhos a serem percorridos. Foi uma experiência bastante rica, contudo, pensamos que um auxiliar de turma não pode ser responsável por um aluno e em particular, um aluno deficiente, considerando a falta de conhecimentos necessários para atuação, considerando a fragilidade no conhecimento. Mesmo assim, foram muitas as aprendizagens que nos fizeram ter um olhar mais aprofundado sobre a inclusão, sobre o aluno com deficiência e sobre o que está sendo feito de maneira adequada e inadequada e sobre o que precisa ser modificado. Palavras-chave: Inclusão. Escola. Aprendizagens. Abstract | The present work proposes a reflective report of the non-compulsory training activity performed in a 3rd year class in the year of 2014 in a private school in Natal / RN. It aims to dicuss about how the inclusion is understood by the schools and how it occurs within the institution. To this end, makes a brief historical review of disability and explains how the work took place in the school context, discusses the understanding of the concept of inclusion and presents the developed practice. Used as methodological procedures the observation, studies of authors who discuss the topic Used as methodological procedures the observation, study authors who discuss the topic further and especially the monitoring of a student, considering the auxiliary function. We can say that We can say that to actually happen inclusion, many still are the ways to be followed. It was a very rich experience, however, we think that a class helper can not be responsible for a student and in particular, a disabled student, considering the lack of knowledge necessary to action, considering the weakness in knowledge. Still, there were many lessons learned that make us have a closer look at the inclusion, about the disabled student and what is being done properly and improperly and what needs to be modified. Keywords: Inclusion. School. Learning. 1 INTRODUÇÃO Educação para todos é um princípio da nossa Constituição Federal do Brasil de 1988. Assim, quando falamos em direitos constitucionais não estamos nos referindo apenas há algumas pessoas, mas a todas, independente de classe, gênero, raça, ou condição social sejam as ditas normais, ou com alguma necessidade especial. Nessa perspectiva, além de outros direitos, toda criança precisa estar na escola e essa escola deve atender as suas necessidades básicas de aprendizagem e aquisição/produção do conhecimento.Uma escola para todos supõe um ambiente e ações em que a inclusão esteja presente. Uma escola inclusiva requer respeito às diferenças sejam quais forem. Entretanto, sabemos que no contexto atual, respeitar o outro, as suas necessidades e particularidades, considerando a diversidade é algo bastante difícil e mais difícil é quando falamos da pessoa com deficiência que ainda são vítimas de abandono e preconceito, apesar dos tempos e das mudanças ocorridas. As escola se apresentam como adotantes de práticas inclusivas, mas em geral, o que vemos são práticas discriminatórias e excludentes que não respeitam o sujeito nas suas particularidades, dificuldades e possibilidades. Considerando as questões que envolvem a pessoa com deficiência, especialmente as que frequentam a escola regular, resolvemos fazer um relato do trabalho realizado no estágio não obrigatório numa escola particular de Natal/RN, no período de fevereiro a dezembro de 2014, com o objetivo de refletir sobre como é entendida pela escola o processo de inclusão e como se realiza esse processo nessa instituição, a partir da função desempenhada pela professora e pela auxiliar de sala, que tem a incumbência de “cuidar” da pessoa com deficiência. Para isso, consideramos as observações realizadas, as intervenções feitas, os materiais disponibilizados pela escola, as conversas com outras professoras, como também com a fonoaudióloga, além dos diálogos com a mãe. 10 Buscando fundamentar o que aqui expomos, nos orientamos pelas ideias de Martins (2011), com um material elaborado pelo Ministério da Educação para a educação continuada de professores, em que o assunto abordado é a educação especial, desde seus aspectos históricos aos principais conceitos de necessidades educacionais especiais, como também a educação inclusiva, debatendo como isso pode ocorrer de maneira mais agradável e satisfatória para todos. Além dessa autora nos orientamos também pelas ideias de Carvalho (2004) que em seu livro Educação inclusiva: com os pingos nos “is”, busca colocar alguns pontos nos “is” para entendermos a educação inclusiva no Brasil. Para uma melhor compreensão do que vai exposto, organizamos esse relato refletivo da seguinte forma: na introdução, apresentamos o trabalho, expondo nossas motivações e os objetivos com quais trabalhamos. Na segunda parte, “a pessoa com deficiência o longo da história” fazemos uma retrospectiva histórica da pessoa com deficiência até hoje, com a discussão sobre educação como um direito de todos. Na terceira parte explicitamos que elementos metodológicos que foram utilizados considerando os objetivos priorizados. A seguir explicitamos como foi realizada a prática com o aluno deficiente, a prática na sala de aula: o trabalho com Eduardo e por fim, fazemos as considerações finais, em que retomamos as ideias do texto e explicitamos a importância do estágio para o processo de formação. 2 A PESSOA COM DEFICIÊNCIA AO LONGO DA HISTÓRIA A escola hoje carrega um grande desafio: trabalhar na perspectiva de atender as pessoas que têm algum tipo de deficiência e principalmente, fazer esse atendimento com qualidade e fazer o que chamamos de inclusão. Para entendermos o que hoje chamamos de inclusão e como essa prática ocorre no contexto atual é necessário que busquemos entender o que é a pessoa com deficiência desde os tempos mais remotos estabelecendo relações com as práticas atuais. A forma de se tratar uma pessoa com deficiência seja física, visual ou cognitiva se diferencia de época para época e de uma sociedade para outra. Na Antiguidade, ter deficiência era algo penoso. Por não corresponderem aos 11 padrões estético exigidos pela sociedade, muitos deficientes, velhos, doentes e feridos eram abandonados pois não poderiam contribuir e nem participar das atividades voltadas para a sobrevivência do grupo. Na sociedade grega, existia a busca pela perfeição do corpo e da mente e, sendo assim, a pessoa com deficiência não estaria de acordo com esse “padrão”. Em Esparta, singularmente, as crianças eram cuidadas desde a concepção, durante a gravidez e no nascimento. As consideradas fracas e defeituosas eram eliminadas logo ao nascer. (MARTINS, 2011). Na Roma Antiga, os patriarcas podiam matar ou abandonar seus recém nascidos com alguma deficiência, desde que eles fossem apresentados a um grupo de cinco pessoas, que atestassem sua anormalidade. Já os judeus não eliminavam, porém consideravam essas pessoas como impuras e incapazes. Na Idade Média, ocorreram mudanças e já não se eliminavam as pessoas, contudo, estas eram recolhidas em asilos, igrejas, conventos ou em hospícios, junto com todos os outros que eram considerados indesejáveis e incapacitados para a sociedade. Os deficientes que viviam nos asilos viviam em total abandono e promiscuidade, sem a menor condição de higiene. Eles também passavam por sessões de exorcismo pois os cristãos confundiam suas deficiências com possessão demoníaca, fazendo com que muitas fossem mortas. Além disso, essas pessoas eram usadas para alegrar palácios e cortes reais, sendo chamados de “bobos da corte”. Na Época Moderna, que ocorreu com o nascimento do Estado moderno, houve a ascensão da burguesia, que fez com que a população começasse a perceber a deficiência como uma disfunção orgânica, ou seja, que necessitava de tratamento, e não de punição. Martins (2011) explica que aos poucos, começaram a surgir algumas iniciativas de experiências educacionais, mas de forma isolada. As primeiras foram direcionadas as pessoas surdas, podendo destacar o trabalho do monge Ponce de Leon que a partir de 1541 desenvolveu um trabalho no Mosteiro de Oña, na Espanha. Além disso, escreveu o livro “Doutrina para mudos-surdos”, o que o fez ser considerado o iniciador do método oral. 12 Existem também outros trabalhos referentes à educação de surdos que, de uma forma geral, buscavam a desmotivação, que era ensinar os mudos a falarem. Com isso, os trabalhos visavam mais a recuperação da “doença”, e não à educação da pessoa. Porém, as pessoas com deficiência intelectual ainda eram encaminhadas aos asilos, pois continuaram sendo consideradas doentes mentais. A partir do século XX, a educação especial passou a viver grandes transformações. Os movimentos sociais reivindicavam mais igualdades entre todos os cidadãos e a superação de qualquer tipo de discriminação, incorporou-se aos poucos, ao sistema educacional regular e buscou-se fórmulas que facilitassem a integração dos alunos com alguma deficiência. (COLL; MARCHESI; PALACIOS; 2004), Por fim, na Idade Contemporânea, começam a surgir mais instituições educacionais, porém ainda existia a limitação de quem poderia usufruir do atendimento. A grande contribuição para minimizar essa situação foi a publicação da Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1948, pela Organização das Nações Unidas (ONU). A partir da década de 1960, surge um modo de ensino chamado sistema de cascata, que se constituía primeiro no atendimento domiciliar, em seguida a escola especial, a classe especial, a classe comum com apoio, e por fim a classe comum. Aos pouco, começaram a surgir várias iniciativas de projetos educacionais voltados para o deficiente, porém até a década de 90, eram apenas integrados a sala de aula, não havendo nenhum tipo de mudança no currículo escolar. Na segunda metade dos anos de 1990, tem início um movimento cujo objetivo é a inclusão de todos na escola regular: alunos com deficiências, altas habilidades/superdotação e as síndromes. A educação inclusiva passa a se fundamentar no princípio da universalização do acesso à educação e na atenção à diversidade e a buscar uma filosofia de educação de qualidade para todos A educação então passa a ser vista com uma questão de direitos humanos e requer a definição 13 de políticas públicas, traduzidas nas ações institucionalmente planejadas, implementadas e avaliadas. Nesse sentido, a escola passa a ser vista como um dos espaços que podem ampliar o direito à educação, pelo seu caráter de ação-transformação, uma vez que conjuga a ideia de política educacional e social. Se antes existia segregação, desprezo e morte, hoje ainda são bastante recorrentes os empecilhos, os preconceitos e os atos discriminatórios da sociedade em relação as pessoas com algum tipo de deficiência, o que nos faz perceber que o tempo passou, mudanças ocorreram, entretanto, ainda está muito longe de alcançarmos os direitos à educação pertinente a todas as pessoas. 3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS Para desenvolver este trabalho buscamos as formas mais viáveis no sentido de alcançarmos os objetivos estabelecidos. Inicialmente observamos o trabalho realizado com a professora titular, mantivemos conversas com a fonoaudióloga e principalmente, consideramos o fato de estar diretamente atuando junto a turma e ao aluno, que, neste trabalho temos com referência. Além disso, buscamos apoio nos autores anteriormente citados, uma vez que poderiam nos possibilitar compreensão sobre o(s) aluno(os), especialmente sobre o aluno aqui destacado. 3.1 Lócus do trabalho Esse estágio foi realizado em uma instituição da rede particular de ensino de Natal/RN, em uma turma de 3º ano, no período de fevereiro a dezembro de 2014. A escola possui um ambiente de acesso adaptado aos alunos com deficiência, possuindo um espaço bem amplo e arejado. Dispõe também de uma rampa, que é a via de acesso ao primeiro andar para os alunos, sendo a escada de uso exclusivo de professores, funcionários e pais. Toda a escola possui portas largas, e o banheiro adequado para os deficientes físicos. Existe também uma sala de apoio pedagógico, que foi criada para que as atividades com os alunos especiais fossem trabalhadas de uma forma mais calma e tranquila, e também para que eles não se distraíssem muito na sala de 14 aula, pois era organizado um horário para que ela fosse usada com um aluno por vez. O nosso estágio nessa escola tinha um objetivo: ser auxiliar da turma a qual nos referimos. Turma essa que caracterizaremos a seguir. 3.1.1 A turma A turma era composta por 21 alunos, sendo 7 (sete) meninas e 14 (quatorze) meninos, entre 8 (oito) e 9 (nove) anos. Era minha reponsabilidade acompanhar o único aluno com deficiência da turma, que aqui, para mantê-lo no anonimato, chamaremos de Eduardo. 3.1.2 Eduardo Eduardo há época tinha 8 anos, era uma criança calma, doce e afetiva. Os seus colegas de sala continuamente interagiam com ele. Em geral iam até a sua mesa para cumprimentá-lo ou para ajudá-lo na realização de atividades. Todos gostavam de sua presença, e faziam questão de recebê-lo sempre de modo afetuoso. Este por sua vez, participava das atividades propostas em sala de aula e nas aulas de Educação Física, ajudando o grupo no qual se encontra inserido, sempre com a mediação da auxiliar e/ou professora. Desde o início do estágio, fui informada que a escola não possuía o diagnóstico de sua deficiência; quando questionada sobre isso, a mãe apenas informou que iniciou os exames, porém por problemas pessoais, acabou não dando continuidade. Na verdade, o que percebíamos é que necessitava de acompanhamento desde a sua ida banheiro para que pudesse vestir a roupa devidamente. Em alguns momentos de euforia e alegria, principalmente na hora do intervalo, ocorria dele não se controlar e fazer suas necessidades fisiológicas na roupa. Em função disso, foi resolvido que iria ao banheiro logo após o lanche, para que pudesse brincar sem nenhuma preocupação. Demonstrava poucos cuidados com os seus pertences, tirava os óculos e deixava em qualquer lugar, largava a lancheira na mesa do pátio ou no chão, esperando sempre que alguém pegasse ou carregasse para ele. Porém, 15 obedecia imediatamente quanto solicitado para que a guardasse. Durante o lanche/recreio, pela proximidade e carinho que todos sentiam por ele, Eduardo procurava sempre um grupo diferente para lanchar e compartilhar o lanche. Nesse momento, era sempre observado de longe. Era uma forma de fazê-lo comer sozinho e aprender a agir com autonomia. Possuía o comportamento de ficar rodopiando na sala, segurando algum objeto de seu interesse, ou apenas brincando com as mãos, soltando balbucios de euforia. Isso ocorria sempre que terminava alguma atividade, ou quando retornava de algum ambiente fora da sala de aula, parecendo muitas vezes se ausentar do ambiente com o semblante carregado de felicidade. Muitas vezes para não fazer a atividade proposta, Eduardo nos enchia de carinho, abraço, sentava no colo. Em outras, enrijece o corpo de tal maneira que não se movia, sendo difícil trabalhar com ele. Era necessário muita conversa e um tempo para que ele entendesse que aquele momento é realizar a tarefa. Inicialmente para dizer que queria um objeto apenas apontava. Após algum tempo, ele deixou de apenas apontar para o objeto que queria, falando bem mais, demonstrando alegria nos momentos em que era compreendido, e sempre repetindo quando se fazia necessário. As meninas da sala sempre cercavam Eduardo com mimos e carinhos, os meninos o protegiam e chamavam para participar das atividades, enfatizamos desta forma a importância sócio-afetiva de sua permanência neste mesmo grupo, em beneficio de sua aprendizagem. Uma das coisas pelas quais ele mais gostava eram as aulas de campo. Os pais, percebendo isso, permitiam que ele participasse, apenas alertando sobre alguns cuidados com ele, como a mania de tocar em insetos sem saber ao certo o que é, ou a euforia “fora de controle”. As aulas campo trouxeram para o aluno não apenas aprendizagens significativas, como possibilitaram o estreitamento dos laços afetivos entre ele e os colegas, e principalmente a sua autoconfiança. O aluno entendia que a mãe tem um horário certo para chegar e deixou de ficar “vigiando” na porta esperando sua chegada, costume que tinha no início do ano. Antes mesmo disso, ele já se pronunciava nos dizendo: “mamãe 16 já já”, informando que sabia que a mãe poderia aparecer logo. O desenvolvimento da linguagem oral era observado e estimulado, enfatizado nas atividades e na relação interpessoal, tanto com as professoras como com os colegas de turma. Na sala de aula, chamava todos os colegas pelo nome, reconhecendo quando é perguntando por algum, e mostrava com confiança quem foi chamado. Ele sempre mostrou-se animado para ir na sala de apoio jogar boliche, esporte que parecia ser bem atrativo pra ele. Assim que chegava, ele pedia para ir, pronunciando as palavras “apoio” e “boliche”, fazendo o sinal com a mão como se estivesse jogando. Era passado que ele pode ir, mas apenas depois que todas as atividades propostas fossem feitas. Quando isso era falado, ele queria fazer todas correndo e ir logo, e era necessário pedir um pouco de calma e paciência, e informá-lo que não era a hora. A visão do olho esquerdo de Eduardo era bastante comprometida, precisando usar óculos com uma lente grossa e grau maior do lado esquerdo, já o olho direito era bastante trabalhado por ele. Na maioria das vezes, executava movimentos com os olhos na procura de um objeto, aproximando bem próximo do rosto para poder visualizar. Os óculos eram constantemente trocados pelos pais visando sempre um maior conforto ao aluno, percebendose o cuidado e carinho para com ele. O aluno, quanto ao canal sensorial auditivo, ouvia bem e parecia gostar bastante de música, quando lhe era proposta tal atividade conseguia localizar a fonte sonora, agindo com euforia e felicidade, mas distraia-se com as conversas das crianças em sala de aula, acompanhando com o olhar à procura dos diálogos. Adorava assistir a vídeos, e ficava muito concentrado na sala. Divertia-se com os outros colegas e gostava sempre de sentar o mais próximo de todos nesses momentos. Percebia-se pelas suas expressões o quanto gostava. A seguir apresentaremos como ocorreu a prática com esse aluno tão especial, não pelas suas deficiências, mas pelas suas características pessoais. 4 A PRÁTICA EM SALA DE AULA: O TRABALHO COM EDUARDO 17 Eduardo costumava frequentar dois ambientes diferentes durante seu dia a dia na escola: a sala de aula, e a sala de apoio. A maior parte do dia ele passava na sala de aula com os outros colegas, porém, suas atividades eram diferentes. Os alunos costumavam trocar de lugar a cada semana, e isso fazia com que Eduardo ficasse muito entusiasmado, esperando para saber qual colega sentaria ao seu lado. Já a sala de apoio normalmente era utilizada por um aluno especial de cada vez, para que houvesse uma maior concentração deles durante as atividades. Essa sala possuía vários jogos pedagógicos, como também materiais de papelaria. O objetivo normalmente era que Eduardo realizasse a tarefa ou jogo proposto e, se corresse tudo bem, ele poderia escolher algo do seu interesse e brincar livremente. Suas atividades eram realizadas de maneira lúdica e adaptadas, para que houvesse compreensão e apreensão dos conteúdos de maneira significativa, o que despertava interesse nas outras crianças, que sempre o elogiavam, e queriam sentar perto dele, na intenção de aprenderem ou de obterem ajuda nas atividades, causando satisfação visível no aluno. Sempre que conseguia terminar algo e seus amigos comemoravam, ele se sentia estimulado a continuar e acertar mais. O início do trabalho com ele foi um pouco complicado. Como ele ainda não tinha costume com a auxiliar, fazia as atividades de qualquer forma e saia correndo pra brincar na parte de trás da sala, pois imaginava que ela não brigaria e nem reclamaria com ele. Além disso, não atendia quando era chamado, e nem obedecia quando era pedido que ele voltasse para o seu lugar. Para que as coisas começassem a se desenvolver da melhor forma, foi necessário uma conversa com a antiga auxiliar, que hoje é professora titular da escola. Ela explicou que Eduardo no início não quer fazer nada, e que quando está chateado, faz cara feia e se “trava” na cadeira. Para que ele fizesse, era necessário se impor, e mostrar que havia um momento para cada coisa, e que se ele colaborasse, poderia brincar, mas não a todo o momento. Aos poucos, ele foi percebendo que a auxiliar era a responsável por ele, e que deveria obedecê-la, a partir daí começou a criar um laço, querendo a presença dela em alguns momentos fora da sala de aula, como para brincar ou 18 lanchar. Começou a caprichar mais em suas atividades, e sentia-se mais atraídos pelas que precisavam utilizar algum jogo, ou que ele deveria colorir. A professora da turma era responsável por, semanalmente, elaborar o cronograma de atividades e enviá-lo para a fonoaudióloga, que fazia as devidas adaptações e, posteriormente, passava para a auxiliar. Porém, após esse envio, ela não fazia ideia das mudanças e adaptações que foram efetuadas, pois em sala de aula não fazia o acompanhamento de Eduardo, e não tinha muita ideia do que ele estava aprendendo, a não ser que a estagiária fosse questionada, uma vez que era a estagiária responsável por administrar as tarefas, aplica-las. Percebia-se nisso uma inclusão que, meio “encoberta”, excluía o aluno. Eduardo ficava “por conta” da auxiliar como se a professora não fosse responsável por ele. Na verdade, na sala as atividades eram feitas individualmente, como se não existisse mais ninguém nesse ambiente, ficando Eduardo completamente fora do contexto. Entretanto, a professora gostava de mostrar e se orgulhava do que ele fazia. Entendemos que não a inclusão não é uma palavra que está na moda e que todos usam indistintamente. Incluir é algo que ocorre num processo. Assim, não é suficiente matricular o sujeito em uma escola regular, sendo necessário que participe efetivamente desse processo. Para Carvalho, Inclusão deve ser entendida como processo interminável, dirigida a todos os alunos, contemplando inúmeras ofertas educativas, no espírito da pluralidade democrática. Muito mais do que desmontar a educação especial e distribuir seu alunado pelo ensino regular, aleatoriamente, a proposta inclusiva deve ser entendida como um processo que não se reduz à inserção deste ou daquele aluno numa classe do ensino regular (muitas vezes à revelia do professor!) Inclusão é processo, não ocorre por decreto ou por modismo. (CARVALHO, 2004, p. 158). Nesse sentido, é necessário fazer acontecer esse processo inclusivo e para isso, o entendimento de todos sobre a questão é fundamental. Nada acontecerá se não houver vontade política de quem está envolvido. Lei nenhuma vai dizer o que e como fazer. Entretanto, precisamos de profissionais bem formados, entendedores do que é inclusão e com disposição para 19 trabalhar com a pessoa deficiente considerando as suas dificuldades, mas principalmente as suas possibilidades. 5 ANALISANDO O PROCESSO: QUE INCLUSÃO? Durante todo esse ano do estágio, pudemos perceber que, mesmo sendo em uma escola particular e bem conceituada, não existe de fato uma inclusão. Notamos que ele estava apenas inserido, realizando atividades totalmente diferentes e separados dos outros alunos. A professora desempenhava a função de acompanhar as outras crianças da turma, elaborando suas atividades e aplicando-as. Porém, Eduardo não fazia parte desse acompanhamento, não participava das atividades com os colegas, a não ser das aulas de educação física, ou alguma prática de inglês. Especificamente nessas aulas de inglês, ele sentia-se mais perdido do que nas outras, pois é norma da escola que elas sejam executadas totalmente em inglês, inclusive nos momentos de explicação das atividades. Como ele não entendia o que estava acontecendo, distraia-se facilmente, e nesses momentos, era levado para a sala de apoio para que ele realizasse algo. O que existia era que o aluno era obrigado a se adaptar às condições da escola, sem que esta levasse em consideração as suas necessidades de adaptação tanto com relação ao espaço físico, quanto com relação ao trabalho pedagógico propriamente dito. Carvalho deixa claro que, [...] a escola precisa ressignificar suas funções políticas, sociais e pedagógicas, adequando seus espaços físicos, melhorando as condições materiais de trabalho de todos os que nela atuam, estimulando neles a motivação, a atualização dos conhecimentos a capacidade crítica e reflexiva, enfim, aprimorando suas ações para garantir a aprendizagem e a participação de todos, em busca de atender às necessidades de qualquer aprendiz, sem discriminação. (CARVALHO, 2004, p. 67). As instituições de ensino ainda precisam mudar em muitos aspectos, para que o aluno possa verdadeiramente ser incluído no processo educacional. A instituição abordada nesse trabalho, possui sua estrutura física totalmente adaptada para alunos com deficiências, como por exemplos rampas de acesso com tapetes antiderrapantes, portas largas e assentos sanitários para 20 cadeirantes; porém, na questão do ensino, ainda existem muitas lacunas a serem preenchidas, visto que a escola deposita total responsabilidade do aluno especial somente na auxiliar que o acompanha, sem levar em conta de que esse aluno necessita estabelecer relações com o professor e que o fato de ser diferente no seu tempo e ritmos de aprendizagem não significa que tenha que ficar excluído das atividades de sala com os colegas. Afinal, conviver, se socializar, usufruir de um trabalho de qualidade, ter a professora como elemento de referência é fundamental para o processo de aprendizagem. Para atender a todos e atender melhor, a escola atual tem de mudar, e a tarefa de mudar a escola exige trabalho em muitas frentes. Cada escola, ao abraçar esse trabalho, terá de encontrar soluções próprias para os seus problemas. As mudanças necessárias não acontecem por acaso e nem por Decreto, mas fazem parte da vontade política do coletivo da escola, explicitadas no seu Projeto Político Pedagógico – PPP e vividas a partir de uma gestão escolar democrática. (MANTOAN; ROPOLI; SANTOS; MACHADO, 2010). Cabe a escola, organizar um trabalho, que está definido no projeto Político Pedagógico da escola, e que a discussão sobre inclusão seja sustentada por um referencial consistente e que sejam implementadas ações que realmente incluam o aluno na instituição. 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS Hoje quando falamos em educação escolar está presente a ideia do direito à educação, que é um direito fundamental da pessoa. Temos que compreender que esse direito envolve e independe se a pessoa é “normal” ou com algum tipo de deficiência. No que diz respeito ao deficiente, seja cognitivo, auditivo ou visual são necessárias condições especiais de atendimento, incluindo ai, uma formação adequada do profissional que lida com esse público. Jamais um aluno deve ficar à margem da turma como dito anteriormente. No nosso entendimento um auxiliar estagiário não pode ser responsável por um processo tão complexo. A ação pedagógica do professor é fundamental, para inclusive criar uma relação de qualidade, em que a pessoa se compreenda como parte do contexto, por que são aceitos e tratados de forma igualitária. É certo que ainda 21 existe muito para ser feito, há muitas adversidades e ainda há caminhos diversos a serem percorridos. Podemos dizer que muitos ainda são os caminhos a serem percorridos, que ainda existe muito trabalho pela frente para que haja de fato uma inclusão. Mesmo nas escolas bem conceituadas, da rede particular de ensino, não há um trabalho mais dedicado para que o aluno deixe de estar apenas inserido, mas para que ele passe a se incluir em todas as atividades e ações educativas da escola. O estágio, mesmo não sendo curricular obrigatório nos deu a possibilidade de entender o universo da escola, do trabalho com aluno deficiente, a função do professor, que fica distante desse aluno, e do auxiliar de sala, que se resume em ‘cuidador” de aluno e responsável pelas atividades pedagógica a ele direcionadas. Podemos dizer que foi uma experiência bastante rica, contudo, pensamos que um auxiliar de turma não pode ser responsável por um aluno e em particular, um aluno deficiente, considerando a falta de conhecimentos necessários para atuação, considerando a fragilidade no conhecimento. Mesmo assim, foram muitas as aprendizagens que nos fizeram ter um olhar mais aprofundado sobre a inclusão, sobre o aluno com deficiência e sobre o que está sendo feito de maneira adequada e inadequada e sobre o que precisa ser modificado. REFERÊNCIAS CARVALHO, Rosita Edler. Educação inclusiva: com os pingos nos "is". Porto Alegre: Editora Mediação, 2004. COLL, César; MARCHESI, Álvaro; PALACIOS, Jesús. Desenvolvimento psicológico e educação: transtornos de desenvolvimento e necessidades educativas especiais. Editora: Artmet, 2ª. ed. 2004. (volume 3). MANTOAN, M. T. E.; ROPOLI, E. A.; SANTOS, M. T. da C. T.; MACHADO, R. A Educação Especial na perspectiva da Inclusão Escolar. A escola comum inclusiva. Brasília: MEC/SEESP, 2010. 22 MARTINS, Lúcia de Araújo. Fundamentos em educação inclusiva. Natal: Editora da UFRN, 2011.