SEGUNDA FEIRA (CARTELA) - Tá, agora é só tirar

SEGUNDA FEIRA (CARTELA)
- Tá, agora é só tirar esse tapete horrível. Não acredito
que a imobiliária nos entrega essa casa sem tirar essa
porcaria mofada... Estraga toda a energia da sala.
- Tá, tá. Vai, segura essa ponta, Aline.
- Ai saco...
- AHHH!
- Nossa Senhora... que desenho é esse?
- Que bode horrível... Pedro, limpa isso AGORA. Eu vou
ligar pra imobiliária. Não me admira que o preço tava tão
bom. Bem que eu senti uns fluidos negativos aqui.
- Era só o que faltava. É um alçapão isso no meio? Parece
vedado. Aline, me ajuda e traz uma vassoura e um balde com
água... e uns panos.
- Ai saco...
- Pai, cê não acha que a gente não devia tar mexendo
nisso?
- Bobagem. Mal não vai fazer. Eu quero por os sofás pra
dentro antes que escureça. E eu também já tou cheio de
ouvir sua mãe falar das influências negativas desse
negócio na casa.
NAQUELA NOITE (CARTELA)
- Gostosa. Redonda. Tesuda. Deliciosa. Molhadinha. BUFF, A
cerveja do macho brasileiro.
TERÇA-FEIRA (CARTELA)
- Ele taí desde que horas?
- Desde umas três da manhã. Já viu os desenhos antigos,
depois ele viu o jornal... aí quando começou os programas
de culinária ele começou a mudar de canal. Acho que ele
ficou entediado.
- Eu bem que senti uma energia estranha vindo daquele
porão. Mas como ele aprendeu a mexer no controle?
- Eu ensinei.
- Você ensinou?!
- É.
- PAI!
- Fez muito bem. É ajudando os que não tem nada que nossa
sociedade melhora. Ai, a gente podia preparar um banho de
ervas lá na sua banheira.
- Na minha banheira não!
- Claro que sim, você acha que seu pai já arrumou nossa
água quente?
- Ô, dá um tempo, eu sou um só...
- Ah, tá. Olha só o coitado, ficou preso naquele porão só
Deus sabe quanto tempo...
- Trinta anos.
- Como que você sabe?
- É que eu queria ver os desenhos também... aí sentei do
lado dele e puxei um papo.
- Então como é que ele chama?
- Oswaldo. Era advogado.
- E como é que ele foi parar no porão?
- Isso eu também não sei, fiquei sem jeito de perguntar.
2 SEMANAS DEPOIS (CARTELA)
-
Mãe!
Oi.
O Oswaldo falou que eu pareço uma rameira!
O Que? E seu pai, não falou nada?
Não. Ele só ficou parado, assistindo a TV.
- Porque será que todo filme de monstro mostra zumbi que
nem idiota, hein?
- Cara, noventa por cento das pessoas que eu conheci em
vida eram idiotas. Portanto, nada mais normal que elas
continuem idiotas depois de mortas.
- Pedro! Você deixou ele chamar a nossa filha de rameira?
- Ah, mas querida...
- Mas a senhora há de convir que isto não são roupas que
uma menina de família de quinze anos usaria para sair.
- Eu não queimei sutiã na faculdade pra ouvir esse tipo de
coisa de um MORTO VIVO!
- Ah! Então é preconceito com o Oswaldo só porque ele é um
MORTO VIVO?
- Que preconceito...
- Quer dizer que você comprou aquela biografia do Fidel
Castro só pra fazer média comigo?
- Agora chega, Chega! Eu aturei os pedaços de pele pelo
chão, a incapacidade de levantar o assento da privada, a
tentativa de comer o papagaio do vizinho. Mas zumbi
REACIONÁRIO eu não aturo! Ele ta estragando toda a aura da
minha casa.
- Tudo isso por que eu falei da roupa de rameira dela?
- Pai! Você vai deixar esse monstro me chamar de rameira?
- Ele não te chamou de rameira. Falou da sua roupa, o que
é bem diferente. E além do mais... Você não é meio nova
pra tar maquiada desse jeito não?
- Ai, que saco. Tá ficando tão idiota quanto ele.
- Se fosse na minha época, essa menina tomava uma boa e
velha surra de cinta...
- É, essa pedagogia moderna é uma merda. Depois vai no
baile funk e fica se esfregando até o útero.
- É né, pai, eu vivo em baile funk. Tchau!
- Sabe qual é a única coisa que torna esse mundo moderno
bem melhor do que aquele que eu vivi?
- Mmm, Aumento da expectativa de vida?
- Não.
- Fim das grandes guerras?
- Não.
- Liberdade de informação?
- Não! TV a cabo. Um canal de filmes toscos de monstros.
Isso é o sentido da vida.
- Pedro. Eu vou pra casa da minha irmã e a Aline vai
comigo. Se você quiser conversar, tem até o fim de semana
pra ir lá. Se você não for, eu quero você e seu amigo
inútil fora dessa casa.
- E agora?
- Agora você vai voltar pra onde você veio.
SÁBADO (CARTELA)
PARA ANA (OBJETO EM CENA - CARTA)
- Você acha que ela vai acreditar na sua carta?
- Não sei. Mas eu duvido que ela vá mexer no tapete.
Desbalanceia a harmonia do feng shui, eu seilá que
porcaria é essa. Tamos seguros aqui.
- E se ela perceber que a gente puxou o sinal da TV a
Cabo?
- Relaxa cara, ela nem sabe ligar o vídeo-cassete, sem
chances dela descobrir.
O CONTROLE DOS ZUMBIS (CARTELA)
- Vem cá, como é que você conseguiu botar o tapete em cima
do alçapão depois que a gente entrou?
- Truque de Zumbi, meu caro, truque de Zumbi...