5 fusão à `matte`

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5 fusão à `matte`
ENG06632-Metalurgia Extrativa dos Metais Não-Ferrosos II-A
Nestor Cezar Heck - DEMET / UFRGS
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5 FUSÃO À ‘MATTE’
5.1 INTRODUÇÃO
É o tratamento de uma substância mineral constituída basicamente por sulfetos
metálicos, com a finalidade de se obter uma matéria prima no estado líquido e de separá-la em
duas fases líquidas imiscíveis (separação líquido/líquido): uma contendo a maior parte da
ganga − que será descartada − e outra o metal de valor do minério. Para a separação das fases,
é necessário o ajuste adequado da temperatura e da composição da carga. A fase que coleta a
ganga sobrenada e constitui a escória − formada por óxidos − enquanto que a outra,
constituída por sulfetos, é denominada ‘matte’, e contém o metal de interesse.
O procedimento de fusão à ‘matte’ se constitui numa rota vantajosa em termos de
temperatura, pois a maioria dos sulfetos metálicos possui um ponto de fusão baixo,
permitindo o uso de temperaturas inferiores àquelas que seriam empregadas na fusão dos
respectivos óxidos.
A ‘matte’, formada por sulfetos completamente miscíveis no estado líquido, pode ser
mono, bi ou multi-constituída; alguns exemplos são: a ‘matte’ Cu2S e a ‘matte’ Cu2S-Ni3S2 −
essa última é anotada abreviadamente como ‘matte’ Cu-Ni. As noções de constituinte e de
impureza da ‘matte’ provêm da seguinte definição: sulfetos de metais − que não o de valor −
são chamados de constituintes se estão presentes em quantidades apreciáveis; no caso
contrário, serão considerados impurezas. O sulfeto de ferro na ‘matte’ Cu-Fe é um exemplo
de um constituinte, pois está em grande quantidade e o metal de valor é o cobre.
A ‘matte’ é semi-metálica em caráter e a sua condutividade é mais eletrônica do que
iônica. Ela pode ser formada por sulfetos dos metais de transição: Cu2S, FeS, NiS, etc. e pelo
sulfeto de chumbo: PbS. Em geral, os compostos não são perfeitamente estequiométricos. Os
sulfetos dos metais alcalinos e alcalino-terrosos − além de mais outro grupo que inclui o MnS,
ZnS, Al2S3 − não formam ‘mattes’; a ‘matte’ de maior importância industrial é a Fe-Cu,
seguida pela ‘matte’ Cu-Ni.
O calor necessário para a fusão da carga pode vir da combustão de combustíveis
fósseis ou do efeito Joule − obtido com o uso da eletricidade. No final da década de 40 se
iniciou a utilização do calor da combustão dos sulfetos da ganga, o que possibilitou ao
processo tornar-se praticamente autógeno e muito competitivo (embora ainda seja necessária,
a adição parcial de combustível e o ‘enriquecimento’ com oxigênio do ar da combustão préaquecido, ou alternativamente, o uso de O2 ‘puro’). Esta tecnologia foi denominada ‘flashsmelting’ e é a utilizada modernamente. Na metalurgia extrativa do cobre ela tornou o FeS um
componente essencial, pelo seu papel como combustível!
Na metalurgia do cobre, a escória contém o produto da oxidação do FeS, ou seja:
óxidos do ferro − além de alguns outros componentes normalmente presentes na ganga mais
facilmente oxidáveis do que ele. Diz-se que tanto maior será a riqueza da ‘matte’, quanto
mais cobre houver (ou seja, quanto mais Fe passar à escória); assim, uma ‘matte’ Cu-Fe pobre
conterá uma parte apreciável de FeS.
Os produtos líquidos do processo de fusão à ‘matte’ são: óxidos de ferro (escória) e
sulfetos de Fe e Cu (‘matte’). As duas fases − apesar de imiscíveis − formam inicialmente
uma emulsão. As partículas da ‘matte’, por causa da maior densidade, afundam, separando-se
da escória por gravidade. Para que isso ocorra com facilidade é necessária uma escória com
baixa viscosidade; a sílica é o fluxo comumente empregado para melhorar essa propriedade.
A fusão à ‘matte’, efetuada antigamente em reatores do tipo forno revérbero, forno à
arco, é hoje realizada em reatores especialmente projetados para a tecnologia ‘flash-smelting’.
Os principais são os reatores conhecidos pelos nomes: ‘Outokumpu’ (Finlândia), ‘Inco’
(Canadá) e, mais recentemente, o ‘C-Furnace’ (Japão).
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5.2 TERMODINÂMICA DA FUSÃO À ‘MATTE’
Não se deve assumir tacitamente que a solução de óxidos de ferro e a solução de
sulfetos formem duas fases líquidas; para que isso ocorra é necessária a predisposição
(observada em diagramas de fase) e o ajuste da composição do banho. A ‘matte’ Fe-Cu e a
escória, por exemplo, não são naturalmente imiscíveis à 1200oC. Se os teores de Cu e,
principalmente, de SiO2 forem muito baixos, há uma fase líquida única; somente acima de um
determinado teor de SiO2 ocorrerá a separação em duas fases líquidas. E o melhor resultado
acontece com a saturação em sílica. Assim, não resta dúvida que a operação de fusão à
‘matte’ se constitui em um delicado problema de equilíbrio de fases.
Fig.5.1 Pressão de SO2 de equilíbrio para a reação entre a magnetita sólida
(atividade igual à unidade) e mattes líquidas e escórias de várias
atividades (Rosenqvist, T.: Princ. of Extr. Metall., McGraw-Hill, 1972,
Figura 12-5, p. 360)
Infelizmente, as condições altamente oxidantes da fusão à ‘matte’ provocam o
aparecimento da magnetita (Fe3O4). A presença dessa fase (sólida − pois seu ponto de fusão é
mais elevado do que as temperaturas habituais da fusão à ‘matte’) traz grandes problemas
operacionais ao processo (veja também a operação de conversão) pois dificulta a separação
das fases − por tornar a escória viscosa − e diminui o volume útil do reator − pois ocupa
espaço ao aderir ao fundo do cadinho.
A composição da fase gasosa é fundamental para o entendimento das condições
necessárias para a eliminação da magnetita. Os constituintes da seguinte reação:
FeS + 3Fe3O4(s) = 10FeO + SO2(g)
representam, num modelo muito simplificado, respectivamente, as quatro fases envolvidas na
metalurgia extrativa do cobre: ‘matte’, magnetita, escória e atmosfera. No processo, quando a
atividade do FeS é elevada, a magnetita é convertida a FeO que, por sua vez, se ‘dissolve’ na
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escória (torna-se evidente aqui, um fator igualmente importante, que é a necessidade de se
abaixar o valor da atividade da FeO na escória para a escorificação da magnetita − isto é,
trabalha-se com uma escória ‘ácida’). A importância conjunta dos dois fatores pode então ser
acompanhada através da Figura 1. Essa figura mostra a pSO2 em função da temperatura para
diferentes atividades da FeO e, secundariamente, daquela do FeS. Quando, no equilíbrio, a
atividade da FeO é igual a 0,4 − o que corresponde a uma escória quase saturada em sílica −,
a pSO2 pode atingir um valor elevado, por exemplo, de 1 atm, para temperaturas da ‘matte’
oscilando ao redor de 1250oC; se, ao contrário, essa atividade for igual a 0,8, então serão
necessárias temperaturas por volta de 1450oC para que o sistema admita a mesma pressão
parcial no equilíbrio (estas temperaturas se aplicam para atividades do FeS entre 0,1 a 0,5;
para atividades menores serão necessárias temperaturas ainda mais elevadas). Isso também
pode ser interpretado como um ‘favorecimento’ da escorificação da magnetita pelo uso de
temperaturas elevadas, uma vez que a reação citada é endotérmica − em que pesem as
conseqüências técnicas e econômicas adversas disso.

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