eisFluências Abril de 2013 Ano III

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eisFluências Abril de 2013 Ano III
eisFluências
Abril de 2013
Ano III - Número 22
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três anos 2009 - 2012
Pág. 02 | eisFluências | Abril de 2013
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Diálogo inter-religioso e intercultural – Um Desafio adiado?
Será que o Islão é agressivo?
por António Justo
O incremento do diálogo inter-religioso e intercultural, necessário para assegurar a paz e a boa
convivência entre os diferentes grupos, é contrariado por uma praxis agressiva que se dá em nome da
ideologia e da religião. Actualmente, a religião mais perseguida é a cristã com um número de vítimas
superior a 105.000 em 2012, segundo regista o “Observatório da Liberdade Religiosa”. A grande maioria
das vítimas regista-se nos países islâmicos e comunistas. Um outro aspecto muito dificultador do diálogo
intercultural é o facto de os grupos islâmicos imigrados se isolarem e exigirem para os seus grupos
direitos que não reconhecem aos outros nos seus países. Isso é sentido por muitos cidadãos europeus
como uma atitude não transparente numa tática de conquista suave. A Noruega já proibiu a Arábia Saudita
de financiar mesquitas enquanto não permitirem a construção de igrejas no seu país. O ministro dos
negócios estrangeiros norueguês Jonas Gahr Stor defende a reciprocidade de relações entre países e
culturas e já anunciou que a “Noruega levará este assunto ao Conselho da Europa”.
Cada cultura nasceu duma religiosidade que se expressa num conteúdo de fé à volta do qual construiu a
correspondente identidade. Assim se foram formando identidades contra identidades: umas mais
guerreiras, outras mais pacíficas. Sob a capa da luta religiosa escondem-se tendências hegemónicas que
em nome da religiosidade afirmam constructos de poder dominadores da pessoa e doutros grupos. O
islão é hoje, com o sistema político chinês, o sistema com mais potencialidades de expansão e
“conquista”, porque não permitem a formação de consciências complementares.
Experiência acrescida
O escritor Martin Walser, ao falar de religião, diz: “Religião é uma maneira de expressão como literatura,
pintura, música…, fé é uma capacidade, um talento”. Religião é também uma experiência humana
enriquecedora que fomenta a vida interior e alarga o horizonte humano ao procurar o desconhecido. A
experiência da fé é pura e única, acontece para lá dos credos, das imagens, dos dogmas, dos mitos e das
culturas. Estas deveriam preparar o caminho para a vivência do inefável na vivência da paz universal. O
brilho não vem da capacidade lógica mas do talento da fé (vivência) amorosa, ao contrário dos poderes
que se aproveitam daquela ânsia genuína humana.
Só temos uma terra com muitos sistemas ecológicos naturais/culturais e com grande diversidade. A
diferença é uma constante num mundo feito de retalhos complementares. Se se pretende a paz
verdadeira, a afirmação da identidade pela diferença não pode deixar de reconhecer o seu caracter
subsidiário em relação ao todo.
Iniciativa histórica
Uma iniciativa histórica em prol do diálogo inter-religioso foi a criação da “Jornada Mundial de Oração pela
Paz” em 1986 (em Assis, Itália), por iniciativa do papa João Paulo II, onde cristãos, judeus, budistas,
muçulmanos e representantes de religiões africanas e americanas se reuniram para rezar pela paz
mundial. Joao Paulo II queria iniciar assim uma “viagem fraterna” dos diferentes caminhos das religiões
na procura da Verdade. Isto pressupõe o diálogo inter-religioso como caminho das religiões no sentido de
afirmar a dignidade do Homem e da natureza, onde todos se empenham em minorar as causas do
sofrimento de pessoas e grupos e onde verdades coexistem de modo a possibilitar a probabilidade que
leva ao desenvolvimento.
Para se falar dum diálogo inter-religioso que honre o seu nome teria de se pressupor que cada um dos
parceiros reconhecesse a liberdade religiosa e respeitasse a decisão individual. O Vaticano II reconheceu
esse direito mas as elites do islão não o reconhecem, tropeando assim qualquer forma de diálogo. Aposta
no querer ter razão, substituindo assim a experiência interior (fé) por um sonho intelectual, por uma
estratégia de dividir para dominar. Os muçulmanos que vivem no ocidente, talvez, num dia distante,
provoquem uma espécie de concílio islâmico que o torne compatível com outras culturas.
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Direitos humanos em conflito com direitos culturais
Na sociedade ocidental domina o primado do direito (direitos do Homem) e da democracia enquanto nas
sociedades de influência árabe domina o primado da religião e do grupo. Enquanto o Ocidente educa o
cidadão para o respeito dos direitos individuais, as elites muçulmanas empenham-se na afirmação dos
seus valores culturais religiosos à custa dos direitos pessoais; partem também duma posição dogmática
que não reconhece à sociedade permissiva o direito de exigir contrapartidas na práxis. Muitas vezes,
lutam pela imposição e reconhecimento legal dos seus costumes (direitos culturais contra direitos
individuais) sem se preocuparem com o espírito base das leis dos países de acolhimento. O próprio direito
europeu e direitos nacionais europeus já têm sofrido retrocesso chegando a consignar valores culturais
como superiores ao valor da pessoa humana: prática da circuncisão (RFA), imposição das leis da sharia
em questões de divórcio (Inglaterra), imposição de ementas próprias em instituições públicas, isenção de
aulas de biologia e de ginástica para mulheres, etc.
Uma minoria hermeticamente fechada e uma maioria indiferente
É notória a falta de cooperação entre os grupos minoritários e o grupo maioritário. Praticamente este só
cede, sem contrapartidas. Da parte da sociedade acolhedora (cristã) observa-se uma atitude que vai da
tolerância à indiferença. A parte maometana permanece dogmática. Quem se julga na posse da verdade
não está disposto a procura-la. Não há disponibilidade enquanto dominar a doutrina declarada dum Islão
autossuficiente, hegemónico, totalizante e intolerante. As comunidades maometanas encontram-se
demasiadamente preocupadas na sua afirmação como grupo para poderem reconhecer os outros bem
como a diversidade de necessidades individuais dos próprios membros. Não comportam lugar para a
diferença. Por isso os países muçulmanos oprimem e discriminam quem não professar a sua fé porque
consideram a opinião diferente como um atentado a uma ideologia que quer tudo igual. Talvez vejam na
religião muçulmana o potencial de poder a contrapor ao imperialismo económico. Respondem a um
imperialismo com outro imperialismo; um abusa dos cidadãos (democracia), o outro abusa da crença.
Cada cultura faz a sua interpretação do mundo, do homem e da sociedade com diferentes metáforas.
Cada religião tem a sua maneira de equacionar e enroupar o misterioso transcendente. Este não pode ser
exclusivo dum biótopo religioso nem duma experiência cultural antropológica ou sociológica. Cada
pessoa, cada biótopo natural/religioso tem algo de diferente que o vizinho não tem. Para se reconhecer a
diferença é necessário depor-se as armas do combate e da conquista para se permitir o crescimento
espiritual no próprio biótopo religioso.
No reino da ecologia os biótopos, as realidades/verdades encontram-se, umas ao lado das outras, sem a
necessidade de se negarem. Também deveria ser lógico e natural que num ‘biótopo’ cultural muçulmano
fosse possível a coexistência, sem perseguição nem discriminação de outras religiões e vice-versa.
Também deveria ser natural que cada religião se sentisse, intra muros, como a melhor sem necessidade
de negar as outras.
A não existência de acordos bilaterais suborna a cultura ocidental
Na Europa, a discussão intercultural e inter-religiosa é orientada apenas para o folclore religioso cristão,
judeu, hindu e muçulmano sem que se expresse algo das suas filosofias, antropologias, sociologias e
teologias. Assistimos a abordagens superficiais em curto-circuito ou com afirmações e negações
reducionistas à medida do politicamente correcto. Os governos e a sociedade laica não estão
interessados numa discussão pública objectiva porque, a fazê-lo, o seu actuar seria questionado pelos
interesses democráticos da sociedade acolhedora. Nos conflitos específicos maometanos com a
sociedade maioritária, o politicamente correcto está interessado em reconhecer neles apenas questões
de religiosidade individual. Reina o interesse, o medo. Também a Igreja não pode falar claro porque se o
fizesse logo os cristãos que vivem em estados muçulmanos seriam objecto de maior discriminação e
perseguição.
Por várias razões, o Estado laico não se tem preocupado com o diálogo intercultural internacional nem em
estabelecer acordos bilaterais a nível de direitos de religião. Com o tempo, devido à presença massiva
muçulmana, os estados europeus ver-se-ão na necessidade de reconhecer valor ao diálogo interreligioso, tendo de o colocar na agenda das convenções internacionais.
A sociedade civil, ao não exigir bilateralidade na concessão de direitos religiosos, está a subornar a
cultura ocidental e a contribuir para um futuro muito problemático.
eisFluências | Abril de 2013 | Pág. 05
Enquanto o mundo cristão se empenha em propagar a tolerância possibilitando o exercício livre do islão e
a construção de mesquitas na Europa, os estados muçulmanos como a Arábia Saudita, a Turquia e os
países muçulmanos em geral, proíbem a construção de igrejas, sinagogas e escolas nos seus países, e,
por outro lado, financiam a promoção do islão e a construção de mesquitas no estrangeiro. A tolerância
religiosa ocidental é por vezes interpretada pelos que se aproveitam dela como sinal de fraqueza e como
reconhecimento da superioridade do islão. Não compreendem que um grupo com convicção de verdade
religiosa possa aceitar o outro.Em termos de poder e de estratégia, a atitude hegemónica muçulmana
tem-se revelado como óptima para a sua ofensiva. Os estados europeus, ao considerarem a religião
subjacente à própria cultura como coisa privada, e ao reconhecerem, por outro lado, o islão, como
expressão religiosa, política e social desestabilizam o Estado laico e ao mesmo tempo reduzem a posição
da maioria cultural e cristã ocidental ao nível duma minoria.
Aquela tolerância que parecia haver na Europa entre crentes, agnósticos e ateus tornar-se-á cada vez
mais frágil atendendo à afirmação dum islão rígido, resistente à integração, que tende a qualificar e
legitimar os cidadãos na categoria de crentes e de ímpios. Na Post-democracia a sociedade dá indícios de
querer orientar-se já não por princípios de democracia partidária mas, paulatinamente, possibilitar a
representação do poder estatal por grupos étnico-religiosos. A sociedade cede assim a sua concepção
duma sociedade construída na base de valores e direitos humanos (filosofia cristã) a uma sociedade
construída na base de valores e direitos não individuais mas culturais (filosofia islâmica).
Caminho difícil
O diálogo com o islão torna-se muito complicado porque este se definiu e define sobretudo na
demarcação em relação ao judaísmo e ao cristianismo. Uma hipótese de diálogo estaria no caracter
ambivalente (confuso) em que suras (versículos) do Corão se contradizem. A sua ambiguidade poderia
possibilitar uma interpretação que acentue as suras do Corão benévolas em relação ao judaísmo e ao
cristianismo. De facto, no Corão há as suras provenientes da primeira fase (Meca) em que Maomé era
benévolo em relação ao cristianismo e ao judaísmo e as suras posteriores (de Medina) que são
aguerridas contra o Cristianismo e o judaísmo. Nas mesquitas, os imames orientam-se por estas últimas.
Por outro lado o islão só reconhece os crentes de Alá, não conhecendo a ideia do amor ao próximo como
no caso do cristianismo e do judaísmo. Também por isso nunca se ouve uma autoridade islâmica criticar
publicamente os terroristas islâmicos. Dado a ambivalência facilitar também a arbitrariedade, seria porém
fácil demostrar aos fundamentalistas islâmicos que o seu fundamentalismo é relativizado pelo mesmo
Corão, doutro modo teriam de aceitar que Deus muda de ideia na passagem da fase do Corão em que
Maomé vivia em Meca para a outra fase em que passou a viver em Medina.
O diálogo entre islão e cristianismo é difícil de tratar, atendendo às diferentes abordagens e perspectivas
com que pode ser exposto e aos interesses a elas implícitas e às diferentes sociologias e antropologias
subjacentes a cada cultura. Um outro factor dificultador do diálogo vem da estratégia humana de
argumentação, uma argumentação para ter razão, e que para defender uma posição como verdadeira
tende a declarar a outra como falsa. Este extremismo tem sido acentuado especialmente a partir do
iluminismo sob o manto do espírito crítico e cientista.
A discussão hodierna entre judeus, cristãos e muçulmanos procura partir dos pontos que os une. O
Vaticano II afirma mesmo que os muçulmanos acreditam no mesmo Deus que judeus e cristãos. Isto
embora entre as concepções de Deus haja diferenças enormes.
Uma exegese islâmica, que desse prioridade às suras do Corão da sua primeira fase, em que Alá era
benigno, possibilitaria um diálogo autêntico.
O diálogo entre cristãos e judeus torna-se mais fácil. As diferenças não provocam conflitos na convivência
social, dado a súmula do Antigo e do Novo Testamento se resumirem na mesma premissa “Ama a Deus e
ao próximo como a ti mesmo”. No Cristianismo, como no judaísmo, o caminho de Deus passa pelo
próximo e o próximo é o outro, o diferente. O caminho do Homem passa por Deus no próximo e no mundo.
Na prática o resumo da Bíblia é “não faças aos outros o que não queres que te façam a ti”. Deus é o
mesmo, o resto tradição.
3 de Março de 2013
António da Cunha Duarte Justo
Teólogo e Pedagogo
www.antonio-justo.eu
Pág. 06 | eisFluências | Abril de 2013
A erva daninha da ignorância
por Carlos Lúcio Gontijo
O tempo em que nos dedicamos ao exercício da palavra escrita dentro do jornalismo, através de artigos e
editoriais, e na labuta da edição de livros, desde 1977, ensinou-me que a humildade é predicado
indispensável, uma vez que não há nada mais difícil que a unanimidade, quando a questão se prende à
livre expressão de pensamento ou exposição de análise crítica.
Aprendemos a não nos embevecer diante do elogio e, igualmente, não nos deixar cair em desânimo
perante colocações antagônicas às nossas opiniões, pois a principal meta de quem escreve é levar o
leitor à reflexão.
Lamentamos de maneira profunda o avanço de pendores ditatoriais mundo afora, com muitos
governantes tomando o sistema democrático como uma maneira eficaz de legitimar a sua vocação
autoritária, transformando a sua administração em ato discricionário abençoado pela unção das urnas.
A mentira costuma ter dono, pois todos partem em busca da descoberta do mentiroso, mas a verdade
dispensa proprietário. Ou seja, quando qualquer pessoa se nos apresenta verdadeira, ela nos passa o
sentimento de estar falando por todos. Contudo, a história nos ensina que, se a empáfia e a mentira são
travestidas com o manto da verdade, elas têm o poder de fazer os déspotas capazes de mover
perseguições exacerbadas e disseminar o vírus mórbido da discórdia entre os seus governados, como se
o objetivo administrativo fosse, diabolicamente, governar no caos.
Visualizamos a opção pela “partidarização” (sinônimo de nociva seletividade ao noticiar escândalos
políticos) da mídia brasileira como uma iniciativa que em nada auxilia o aprimoramento de nossa ainda
tênue democracia, que constantemente se vê diante do risco de que maus políticos, sedentos de poder,
ousem recorrer a formas espúrias de ascensão. Se no passado bateram às portas dos quartéis, hoje
podem lançar mão de outros meios, podendo ser até a mais alta corte de nosso Judiciário.
Preocupamo-nos com a baixa tolerância de nossa sociedade em lidar com forças contrárias,
transformando adversário político em inimigo figadal e de tal forma malquisto que todas as armas e todos
os meios são válidos na tentativa de dele se livrar.
Procuramos evitar, por todas as maneiras, não nos deixarmos seduzir ou nos levar pela intriga política,
pois afinal somos ligados à humanística área da palavra escrita, não nos cabendo contribuir para a cizânia
e a divisão entre os homens de má ou boa vontade, semeando a erva daninha da ignorância, que só existe
e progride quando a semeamos com nossas próprias mãos.
Todo esse cenário desanimador nos remete a um poema antigo, que publicamos no livro "Cio de Vento",
editado em 1987, intitulado Decreto-lei: A ferida da folha que cai/ Não arde ao sopro do vento/ Então, antes
que tarde, Pai/ Decretai ao povo alento pleno/ Sem o veneno dos parlamentos.
Carlos Lúcio Gontijo
Poeta, escritor e jornalista
Secretário de Cultura de Santo Antônio do Monte/MG
www.carlosluciogontijo.jor.br
eisFluências | Abril de 2013 | Pág. 07
QUANDO O AMOR ACABOU
por Ervin Figueiredo
Enfim chegava a sexta feira. Ele já decidira que iria pro “happy hour” com os
amigos do escritório. Formado em marketing, trabalhava duro criando
logomarcas. Criou uma até para seu casamento. Verdade ! Ele havia
esquecido: aniversário de casamento. Nossa ! Ela me esgana se eu esquecer como nos anos anteriores.
Tomou uma cervejinha com os amigos e se foi. Enquanto caminhava até o estacionamento, pensava num
presente, uma lembrança para dar a ela. Mas, o que poderia dar ? - pensava ele. Havia próximo dali, uma
floricultura e ela adorava flores. De todos os tipo e cores. Não seria difícil fazer um arranjo. E assim fez. Lá
chegando, a atendente com toda presteza lhe exibiu alguns arranjos. Mas, ele se encantou com um
arranjo de rosas amarelas e fechou: vou levar este ! Desajeitado para carregar seu arranjo, lá foi ele até
seu carro. Enquanto dirigia para casa, foi revivendo tudo o que já havia vivido nessa relação do seu
casamento. Bons momentos, maus momentos, brigas e desconfianças... Lembrou que lhe havia
magoado algumas vezes, sem se importar depois com o que ela sentia. Nunca viveu muito essas brigas a
não ser pelo instante em que aconteciam. Depois se desligava. Ao voltar para casa jamais se sentou com
ela para argumentar e pedir desculpas, pedir perdão. Ele sabia das inúmeras vezes em que estava
errado, mas nunca se retratou. Ela por sua vez, sempre foi muito autêntica. Sempre demonstrou estar
magoada, chateada, aborrecida por esses momentos entre eles. No trânsito, enquanto dirigia, ele
pensava em tudo isso. Resolveu que neste aniversário de casamento ele faria tudo diferente. Se sentaria
com ela e conversaria longamente. Faria como as mulheres dizem, discutir a relação. Era isso. Vou
discutir a relação, resmungou em voz alta.
Ao chegar em casa, qualquer coisa de estranho lhe chamava atenção. As luzes estavam apagadas, e
parece que as cortinas estavam fechadas como sempre faziam à noite, ao se recolherem. Pegou seu
arranjo e entrou bem devagar em casa. Ela não estava. Ele acendeu as luzes, se serviu de um whisk,
deixando seu arranjo na mesa. Foi quando ele avistou uma carta escrita de próprio punho: ela havia se
cansado dos momentos em que ficou só, tempo demais. Sempre esperando pelo seu homem, que
chegava tarde, que reclamava, que por vezes brigou sem razão lhe magoando com palavras ásperas. Ela
se foi ! Sem avisar, sem dizer nada. Como nada ele falava sobre seus instantes com ela. Sentou, sorveu
um gole generoso do seu whisk. Tomou seu banho e se deitou sem nada comer. Pensava, amanhã eu vejo
o que faço, já que ela assim quis. Paciência ! E dormiu, como se nada houvera ocorrido; sem nem sentir
sua falta.
O POETA
Ervin Figueiredo
O dia está frio, apagado, céu cinzento.
O vento buliçoso deixa tudo agitado...
As folhas caídas parecem correr no vento.
Também corremos, mesmo estando parado.
Nestes instantes parece que a vida para.
Percebemos tudo sem que nada se note,
Como se nosso olhar não estivesse na cara,
Levando o que sentimos num imenso pacote.
Só o poeta é quem repara e tudo ele anota.
Rabiscos e mais rabiscos vejo que ele faz,
Passa para outra linha e outra palavra brota.
Vai mais adiante rabisca e depois volta atrás.
Num emaranhado de palavras e mais uma denota,
Surgindo no fim de tudo um lindo poema sagaz !
Ervin Figueiredo
http://ervinfigueiredo.blogspot.com/
--Pág. 08 | eisFluências | Abril de 2013
A MELHOR ESTATUETA DE EÇA
por Humberto Pinho da Silva
Quando entrevistei D. Emília Cabral, neta do autor dos Maias, fui recebido numa sombria salinha onde
havia muitas fotos de família, livros empilhados e sobre mesa de roscas, em local de destaque, a
estatueta de Gouveia, representando Eça de Queiroz.
A neta do escritor, reparando na minha curiosidade, declarou:
- Minha avó dizia: Se querem conhecer o avô, tal qual era, basta olhar a estatueta de Gouveia - e
acrescentou: Conhece-a?!
- Perfeitamente, tenho um exemplar de gesso.
- Pois há poucas! - continuou D. Emília, - que eu saiba, existem quatro, (1) em Portugal: uma, é esta,
outra a da minha mana, a Marquesa do Ficalho; há ainda a que se encontra na família da Duquesa de
Palmela e a do Palácio de Belém, que pertencia a D. Carlos, julgo que se extraviou pelas caves, há
muito….(2)
A palestra prosseguiu enquanto mostrava velhas
lembranças das famílias: Eça de Queiroz e Condes de
Resende.
Por certo a maioria dos leitores nunca ouviram falar do
escultor Francisco da Silva Gouveia, ilustre portuense,
que os livros de arte registam, a Wikilusa menciona e o
dicionário de Eça de Queiroz nomeia e dá-lhe
merecido relevo.
Tentarei, por maior, esboçar brevíssima biografia do
escultor que - segundo a esposa do romancista, Dona
Emília de Castro Pamplona (Resende), - conseguiu a
melhor representação plástica de Eça:
Nasceu no Porto a 12 de Agosto de 1872, na Rua dos
Ingleses, filho de abastado comerciante da Rua de S.
João, da mesma cidade.
O pai, João Maria de Gouveia Pereira, pretendia
prepará-lo para administrar os negócios paternos, mas
o rapaz inclinava-se para o desenho.
Certa vez o tio Caetano - irmão da mãe - vendo o pai
repreender acerbamente a inclinação, acicatou-o a
matriculá-lo na Escola de Belas Artes.
Concluídos os estudos na Academia Portuense,
deslocou-se a Paris para prosseguir o ensino com
reputados mestres da escultura europeia.Em França
foi discípulo de Rodin e Injalbert e recebeu aulas de
Falguière, Pueche e Rolard, sendo admitido na
Academia Julien e Calaron.
O jovem artista torna-se rapidamente conhecido em
Paris, graças a tertúlias e às concorridas recepções
que Eça de Queiroz organizava na embaixada.
Certa tarde do ano de 1890 estava Gouveia a trabalhar no atelier quando deslumbra, pela janela de
guilhotina, graciosa menina, de tez clara e lhano meneios.
Abeirou-se da vidraça e verifica que a jovem trajava uniforme do Liceu Fenelon.
Era Claire Jeancourt, órfã, oriunda de Boult-aux-Bois. Gouveia ficou entusiasmado com a beleza, mas
não se encorajou a declarar-lhe afeição.
Semanas mais tarde, conversando com amigos da precisão de aperfeiçoar o seu francês, pediu-lhes
que indicassem professor. Qual não foi o assombro quando soube que a mestra era a menina por
quem andava enamorado.
eisFluências | Abril de 2013 | Pág. 07
Ficou na memória dos que o
conheceram a extrema dedicação
da esposa. Conta-se que certa
manhã de Primavera, Claire, já
viúva, deixou tombar, por descuido,
o retrato do marido. Curvou-se
vertiginosamente e com os olhos
azuis, azul miosóte, turvados de
lágrimas, beijou-o com ternura e
afectuosamente disse:
- “ Oh! Perdon, mon amour!”
Meses depois casaram na Igreja de Notre Dame de Champs,
apadrinhados pela Senhora Duquesa de Palmela.
Infortunadamente, em 1914, “Fran” - diminutivo carinhoso como
a mulher o tratava, - adoeceu gravemente e regressa
inopinadamente a Portugal.
Consultado o Dr. Manuel Correia de Barros, oftalmologista,
avisaram-no que havia perigo de cegar.
Receoso, agasalha-se com a esposa no lar da Ordem do Carmo,
no Porto, abandonando os tasselos e as matrizes de fundição.
Nos anos quarenta era frequente vê-los passear pela baixa
portuense. Ele, baixo, gordo, segurando guarda-chuva de
paninho preto, quase sempre aberto; ela, muito branca, rosada
nas faces, esquelética e de estatura elevada.
Gouveia iniciou em Portugal as exposições individuais - de inicio
nos salões de casas fotográficas; - e foi agraciado pelo Rei D.
Carlos, Cavaleiro de S. Tiago; reconhecimento pátrio do elevado
valor artístico de sua obra.
Na Grande Exposição Universal de Paris do ano de 1900, obteve a medalha de prata e várias
menções honrosas pelas obras expostas.
Ficou na memória dos que o conheceram a extrema dedicação da esposa. Conta-se que certa manhã
de Primavera, Claire, já viúva, deixou tombar, por descuido, o retrato do marido. Curvou-se
vertiginosamente e com os olhos azuis, azul miosóte, turvados de lágrimas, beijou-o com ternura e
afectuosamente disse:
- “ Oh! Perdon, mon amour!”
Das obras de Silva Gouveia destaca-se a célebre estatueta do escritor, considerada a melhor
caricatura de Eça de Queiroz e talvez a estatueta mais notável de Portugal, segundo o parecer de
reportados críticos de arte.
Exemplar da “Estatueta Célebre” - como foi conhecida na época, - foi adquirida pelo Rei D. Carlos. Até
à data do regicídio permaneceu sobre a secretária do seu gabinete de trabalho.
Francisco da Silva Gouveia faleceu a 28 de Dezembro de 1951, no Porto, no Hospital dos Terceiros do
Carmo.
Aqui tem, caro leitor, a breve biografia do artista que conseguiu prender, no bronze, a melhor
representação do genial escritor.
1 - Equivocou-se a neta do Eça. Deve haver dezenas, em colecções particulares, além das que foram
adquiridas pela: Sociedade “Amigos da Arte” de Bordeux, Academia de Ciências de Lisboa, Museu de
Arte Contemporânea, e a que se encontra em Tormes. No Rio de Janeiro, há também um exemplar,
pertença de António do Nascimento Cottas. Existe, também, um excelente baixo relevo, de Gouveia,
que em nada é inferior à estatueta. Esse sim, é raríssimo; assim como desenho a craião, que ilustra
este artigo,do ano de 1927, feito pelo autor da "estatueta célebre".
2 - A estatueta de bronze, que pertencia a Rei D. Carlos, foi adquirido, mais tarde, pelo Marquês de
Ficalho , num antiquário lisbonense.
Humberto Pinho da Silva
Blogue " PAZ " - http://solpaz.blogs.sapo.pt/
Pág. 10 | eisFluências | Abril de 2013
LEMBRANDO AS PALAVRAS DE CÍCERO
Considerações
por Isabel C. S. Vargas
Na atualidade, muito tem sido pesquisado e escrito sobre a terceira idade, pelo aumento da idade média
de vida e pela perspectiva de um aumento considerável desta população. São teorias, estudos,
pesquisas, políticas públicas, leis visando proteção, qualidade de vida, inserção na comunidade, abertura
de novos campos de atividade para o idoso e para os profissionais que
amizade envolve
venham a lidar com as pessoas desta idade, como gerontólogos,
confiança, alegria
profissionais de educação física, informática, música, dança, psicologia,
vincula-se ao amor,
fisioterapia, etc.
A
Existe toda uma preocupação em que a terceira idade seja vivida com
prazer, com sentimento que induza à fruição deste período como algo que
é recebido como uma graça, uma conquista, não com sentimento de
desvalia ou pensamento angustiante com relação à morte.
É curioso que Cícero (Marco Túlio Cícero) em 44
a.C já se preocupava com isto demonstrando
sentimento semelhante ao da atualidade. Em
SABER ENVELHECER podemos destacar
partes interessantes quando ele diz que há
quatro razões pelas quais seria possível
acharem a velhice detestável que são:
c o m o j á d i t o
anteriormente e não a
benefícios pessoais.
A amizade se estabelece
quando existe autoestima o
que gera relações saudáveis e
positivas.
É fruto da reciprocidade de
afetos. Há desprendimento,
solidariedade, generosidade.
Exige cuidados. As verdadeiras
são eternas.
_afastamento da vida ativa;
_enfraquecimento do corpo;
_privação de prazeres;
_proximidade da morte
Ele próprio rebate dizendo com relação à primeira assertiva que embora a velhice não esteja incumbida
das mesmas tarefas que a juventude, há outras que faz mais e melhor visto que são outras as qualidades
requeridas, como a sabedoria, a clarividência, o discernimento.
Á preocupação com o envelhecimento do corpo e o consequente declínio de memória, ele se contrapõe
citando aqueles que criaram obras notáveis apesar da idade. Enfatiza que a velhice não deve ser inerte,
mas ocupada a ponto de procurar aprender coisas novas. Cícero dedicou-se a aprender literatura grega já
em idade avançada.
Atribuiu grande parte do envelhecimento, à herança de uma juventude voluptuosa ou libertina.
Incentiva o cuidado com o corpo através do exercício físico, comer e beber o necessário para recompor as
forças, ocupar o espírito e a alma.
Com relação à privação do prazer, afirma que a velhice não é insensível a ele.
Há moderação, substituição de prazeres e liberação da alma das paixões. As pessoas passam a viver
mais “consigo mesmas”. São muitos os prazeres do espírito desenvolvidos o que permite este modo de
viver mais tranquilo.
Ao medo da proximidade da morte contrapõe a assertiva que este medo não é específico da velhice, pois
é um risco compartilhado também pela juventude. Aos que pensam que a morte termina com a alma,
aconselha despreza-la e aos que creem na imortalidade, deseja-la, além do que, quem, jovem ou velho,
pode ter segurança de estar vivo a cada amanhecer ou anoitecer?
Por fim, mais um pensamento sábio ao recomendar aceitação do tempo que cada um tem para viver
procurando fazer neste tempo o melhor e que no momento de partir o faça como quem sai de um albergue
onde foi recebido, posto que a natureza oferece uma pousada provisória.
eisFluências | Abril de 2013 | Pág. 11
CÍCERO E A AMIZADE
Através da narrativa de diálogos de seus pares passa as seguintes noções sobre amizade:
O primeiro fundamento da amizade é a simpatia recíproca;
Na amizade tudo é verdadeiro e espontâneo, independe de laços de parentesco.
A amizade é uma unanimidade nas coisas divinas e humanas e se faz
acompanhar de afeto e benevolência.
Com exceção da sabedoria, a amizade seria o que de melhor os deuses teriam
legado ao homem
A amizade envolve confiança, alegria vincula-se ao amor, como já dito
anteriormente e não a benefícios pessoais.
A amizade se estabelece quando existe autoestima o que gera relações
saudáveis e positivas.
É fruto da reciprocidade de afetos. Há desprendimento, solidariedade,
generosidade. Exige cuidados. As verdadeiras são eternas.Pressupõe respeito,
honestidade, tranquilidade, lealdade, amabilidade. Não estabelece diferença.
Cria laços de doçura. Coloca em um mesmo plano os desiguais.
É possível perceber que tanto o assunto sobre envelhecimento como sobre a amizade já discorridos há
dois mil anos atrás, permanecem atuais, com ensinamentos ou constatações perfeitamente válidas.
Isabel C. S. Vargas
Pelotas/Rio Grande do Sul/Br
www.isabelcsvargas.com
“Vila dos Confins”
por Jorge Cortás Sader Filho
Parece difícil alguém começar a escrever sem antes ter passado por um processo que costuma formar
quem pratica este tipo de arte.
O início é a leitura, sempre. Depois as redações, geralmente feitas no colégio. Fui encaminhado pela
educação, e naturalmente pelo gosto de contar histórias. Desde pequeno meus pais cuidaram com
carinho da leitura, que souberam passar muito bem aos filhos — aprendi a ler e escrever com minha mãe.
Comecei com Monteiro Lobato, como a maioria dos pequenos leitores. Mas nada conheço de Dona
Benta, Emília ou Pedrinho. Que eu me lembre, o primeiro livro que li foi “Os doze trabalhos de Hércules”,
se não me engano, na época, composto por dois volumes. Li, reli e vivia lendo, até hoje conheço as
aventuras do herói grego, filho de Zeus e da mortal Alcmena. Digo que me lembre porque tinha o hábito de
ler o que me caísse na frente, fora as histórias que me eram contadas.
O tempo passou, entrei para o ginásio e os professores recomendavam uma serie de livros. “Iracema”, “A
Moreninha”, “Meus oito anos”. José de Alencar, Joaquim Manuel de Macedo e Casimiro de Abreu sempre
foram autores obrigatórios no ginásio. As provas eram sempre constituídas de duas partes. A primeira,
redação. A segunda, análise de algum trecho e gramática. Jamais tive a menor preocupação com a
matéria. Tirava nota máxima, ou perto dela, na redação que sempre valia cinco pontos. Depois, saía
catando respostas da segunda parte, e juntava mais uns pontinhos. Enfim, nunca minha nota foi menor do
que seis e meio, tudo por causa da leitura que me acompanhou todo o tempo.
Pouco mais tarde li o primeiro livro ‘mais sério’, se é que esta classificação existe, por recomendação
escolar. “Vidas Secas”, de Graciliano Ramos, que me impressionou profundamente. Estava aberto o
caminho para uma sucessão que se estende até hoje.
Mas quando li vorazmente “Vila dos Confins”, de Mário Palmério, pensei comigo mesmo “ainda vou
escrever assim”. Vontade tenho até hoje, mas realmente o romance onde é contada a vida política do
sertão, as falcatruas eleitorais, a figura do padre Sommer, o matador de onças pretas, zagaiadas sem
medo, a vida do interior mineiro com todos os seus pormenores grandes ou pequenos é rica demais e
muito difícil de ser simplesmente reduzida a um simples comentário. É impossível, esta é a verdade. O
então deputado federal Mário Palmério, duas vezes eleito pelo PTB getulista, que foi educador, político e
diplomata esgotou o assunto.
-----------Pág. 12 | eisFluências | Abril de 2013
Foi prefaciado por Rachel de Queiroz, um passaporte vermelho para qualquer editora, não fosse o
fulgurante talento do autor. Veio depois “Chapadão do Bugre”, também excelente, mas sem a força do
primeiro.
Enquanto Guimarães Rosa soube mostrar a vida do sertão com requintes de realidade, Palmério, seu
sucessor na Academia, fez o mesmo, mas politicamente. Tempo das eleições onde quem tinha título,
honesto ou obtido mediante fraude, comparecia a seção eleitoral com a sua melhor roupa e orgulho, hoje
uma chatice onde o traje é a bermuda.
“Ainda vou escrever um livro assim.” Foi como tudo começou, uma admiração grande e incontida, não
passei na época, de contos e crônicas, a vida na farra era bem melhor. Jamais deixei de ler e escrever,
mas o primeiro romance, um texto despretensioso, apareceu tarde. O segundo, do qual muito me orgulho,
anda preso em concursos, não deve virar livro até que eu escreva coisa melhor, se conseguir. “Casarão”.
Nele estão presentes o bem e o mal, a saúde e a doença, a virtude e o vício, o caráter e o cafajestismo.
Tudo isto por causa do deputado e Acadêmico Mário Palmério, feliz autor de “Vila dos confins”, indelével
marca na literatura nacional.
Trovas
Encontro texto de amigo da Faculdade de Direito da UFF, que não vejo há mais de quarenta anos.
Eduardo Antônio de Oliveira Toledo, emérito trovador, presidente da UBT, União Brasileira de Trovadores
por mais de dez anos consecutivos.
Meu amigo Eduardo tem diversos prêmios, inclusive em Portugal, onde venceu inúmeros torneios de
trovas. Transcrevo uma delas, vencedora dos Jogos de Nova Friburgo, o mais importante do Brasil,
jubilada em 2001. O tema do concurso foi "Instante".
"A saudade se embaraça,
e o amor se intensifica
- não pelo instante que passa,
mas pelo instante que fica."
(Eduardo Toledo)
Audaciosamente, junto também a minha:
Toda vez que ela aqui passa
olhos mirando você,
ela está fazendo graça;
só quem é cego não vê.
(Jorge Sader Filho)
Jorge Cortás Sader Filho
http://aduraregradojogo24x7.blogspot.pt/
eisFluências | Abril de 2013 | Pág. 13
O PONTO
por Luiz Carlos Leme Franco
O ponto, bolinha no fim da linha, dia destes rebelou-se por não ter com quem conversar á sua direita.
Resolveu pular, sacolejar, procurar outra posição. Tanto fez que caiu linhas abaixo entre dois As e foi
enxotado, pressionado a sair dali, porque deixaria os dois As sem função e ninguém conseguia lê-los.
O ponto triste com tal recepção, mas não querendo de novo se mover por sentir-se bem entre duas letras
rechonchudinhas, agradáveis de se falar, bateu o pé para ficar aí. Foi agredido, espremido e esticado, de
cada lado, por um dos As, até que virou travessão. Pior p’ra ele que ficou maior e mais difícil de se mexer e
para as letrinhas mais longe uma da outra.
O ponto, agora retinha, levantou-se assustado por ver suas ex- vizinhas tão longe, que caiu e quebrou o
pé ficando com um dedinho pendurado: virou um ponto de exclamação, esquisito entre as duas vogais A!A - situação que não agradou nem este ponto rebelde e nem as letras, que começaram puxando-o de
um lado, empurrando de outro até que esta reta com um ponto em baixo envergou-se e originou um ? ,
ponto de interrogação, propiciando já uma leitura rudimentar, ao se ler cada A de uma vez .
-A? se pergunta.
-A.
- A o quê?
-A, oras.
Mas o que é A?
A de Agora, Amora, Afora, Alguém, Amor,
Ah, é Amor. Então deixa. E ficou o ex ponto assim até que lhe entortaram mais e jogaram seu pontinho de
baixo fora.
Agora um S entre As lhe proporcionou a ser ASA e voou alegre e despreocupado para longe até ser
estilingado no lugarejo de nome CASAco quando perdeu um A de sua ASA e não mais ficou livre como
sempre esteve. Virou cASco.
Luiz Carlos Leme Franco
Curitiba, Paraná, Brasil
Professor desde 1966 e médico desde 1973, poeta, contista, com trabalhos publicados em Inglês,
Espanhol, Chinês, Grego e Francês, além do Português, nos E. U. A. Israel, e Brasil ( três livros
próprios,dois em parcerias, várias antologias, poesias avulsas e alguns contos, em jornais e revistas em
vários estados ).Tem poesias no Google ( picasa ), no you tube e em mais de dez portais e blogues.
Premiado muitas vezes. É verbete em livro do M. E. C. e pertence a mais de quarenta academias de letras
no Brasil, Inglaterra e Itália. Foi fundador e editor da revistas “ Poesia & Cia.” premiada nacionalmente e
“Unindo o Brasil pela Trova”, bem como fundador da academia de letras e artes de Londrina (PR) e de
várias casas do poeta, ex-presidente para o Paraná da academia Municipais de Letras, da caravelas, da
casa do poeta de Londrina, da casa literária lampião de gás (SP) da U. B. T. de Londrina, Pr. Pertence a
quatro institutos históricos e geográficos. Pertenceu a academias de letras maçônicas e clubes literários
além de membros de várias instituições literárias. Julgou em muitos concursos literários e escreveu
muitos prefácios e apresentações de poetas. Pertence a International Writers and Artists. Ex - governador
para o Paraná da Associação Internacional Poetas del Mundo.
Pág. 14 | eisFluências | Abril de 2013
MANIFESTO
por Marco Bastos
TRÍVIOLETRAS : Forma poética desenvolvida por Vania de Castro (São Paulo), e Marco Bastos (Bahia).
O QUE É E COMO FAZER ESTÁ AQUI ABAIXO. NO MAIS É PRATICAR.
T
R
Í
V
I
O LETRA mini(ani)mal // AQUI O TEMA // Acróstico e Poema.
Marco Bastos (TI)
V iro o solo, frio floreio // cravo a planta // vesgo rasgo o veio (6)
I nquietas quietas cordas // sol e chuva // bordam borboletas (7)
O boé viola // violeta // cravo e trompa, prata preta (4)
L eio, escrevo // o trevo trino atrevo // voo e avio (2)
E ntre tantos entremeios // nasce a flor // sem rodeio (5)
T oco as letras // teço formas // crio de fio a pavio (3)
A ro a terra // nasce trevo trívio_letra // ardente sol. (1)
Vania de Castro (TC) 1, 3, 5, 7
Marco Bastos 2, 4, 6, 7
E stação, subúrbio // mala sem centavo // sonho sem o cem
S om de sino, silo e senha // sibila // surdo silêncio
T roco trave travo letra // trívioletra // trova e trovoada
I sso soa suave // vento que sussurra // brisa que assovia
L ouco trilho // grito como grilo // brilho bravo como vem
O trivial no som // sibilo e trino // serpente vai o trem.
Marco Bastos (TI)
Nesse Trívioletra destacamos o posicionamento dos motes e também utilizamos recursos da fonética:
aliterações, sequências de sons sibilantes e trinados. Os poemas são curtos e, além do impacto das
palavras como veículo das idéias, devemos/podemos aprimorar a sonoridade por meio de rimas internas
ou finais (não obrigatórias), do ritmo, e da própria sonoridade das palavras - poesia e música andam
sempre muito próximas.
E EIS AQUI ESSE SAMBINHA. rs
ESCREVENDO TRÍVIOLETRAS
Por Vania de Castro e Marco Bastos
Poeta, nunca te esquece - poesia é pensamento, é sentimento, e prece. (MB)
Trívioletra é uma nova forma de poesia minimalista que procura expressar conteúdos poéticos criativos.
O nome Trívioletra foi criado por Marco Bastos em janeiro de 2013. Trívioletra é a união de dois termos:
trívio e letra. Segundo o dicionário priberam.pt:
trívio: s. m. 1. Ponto onde se encontram três caminhos ou três ruas. 2. Na Idade Média, parte do ensino
que compreendia as três primeiras artes liberais (a gramática, a retórica e a dialéctica. dialética. dialética).
adj. 3. Que se divide em três caminhos.
letra |ê| s. f. 1. Carácter .Caráter. Caráter escrito, impresso ou gravado do alfabeto. 2. Forma que se dá à
letra escrita. 3. Som representativo de uma letra. 4. O que está escrito; texto; sentido. 5. Tipo (de
imprensa). 6. Poesia que acompanha música. 7. Parte literária de uma ópera. 8. Emblema, divisa, mote. 9.
Letreiro, inscrição.
eisFluências | Abril de 2013 | Pág. 15
Trívio e letra tornam-se Trívioletra, um trabalho experimental, direcionado à quebra da linearidade da
linguagem e ao compartilhamento da escrita, na presunção de que o poema se construa a partir de uma
sequência de insights, que se completam na cabeça dos leitores e dos poetas, que não sabem de
antemão a que imprevistos a poesia os levará.
A essência da criação poética do Trívioletra é a Gestalt. Entende-se por Gestalt o todo, a totalidade
indissociável, o conjunto imbricado conteúdo/forma/configuração. Não há uma tradução exata do termo
alemão para a língua portuguesa, porém as palavras citadas aproximam-se do real significado.
Para a criação do Trívioletra usamos cada elemento unitário, isto é, cada palavra que comporá um verso e
intensificamos o uso das figuras de linguagem: figuras de som, figuras de construção, figuras de
pensamento e figuras de palavras, incluindo neologismos, regionalismos, e estrangeirismos, se for o
caso, em prol do estético e do poético. Valem as onomatopeias e as aliterações. Os temas são amplos,
livres e triviais. Não se limitam aos fenômenos da Natureza.
Trívioletra fundamenta-se na percepção, na sensação, na memória, no conhecimento, na criatividade do
poeta. Assim, num processo harmônico unimos conhecimento, técnica, e, sobretudo, a sensibilidade para
criar possibilidades lúdicas, rítmicas, sonoras e musicais entre os signos linguísticos (significantes e
significados) e símbolos. Portanto, a máxima da Gestalt “o todo é maior que a soma das partes” evidencia
o desdobramento que ocorrerá a partir do título e do segundo verso do primeiro trívioletra.
O conteúdo deve encerrar algum estranhamento, ser rico, elegante, impactante, ousado, simples,
inovador e ao mesmo tempo minimalista. O poema não deve ser uma reunião de obviedades, e no
entanto, não pode ser um conjunto de coisas desconexas.
Trivioletra é composto por um título (uma palavra) escrito verticalmente e, uma estrofe horizontal com três
versos, cada verso separado por barras duplas (//).
O título na vertical tem no máximo sete letras e os três versos totalizam até dezessete sílabas poéticas.
Conta-se até a última sílaba tônica de cada verso.
Um exemplo:
T
R
Í
V
I
O LETRA mini(ani)mal // AQUI O TEMA // Acróstico e Poema.
Marco Bastos (TI)
O título tem a mesma função que o segundo verso, portanto o título e o segundo verso são dois temas
centrais que funcionam como mote para o desenvolvimento do Trívioletra. Assim, dois assuntos
entrelaçados formarão o Trívioletra.
Denominamos Trivioletra, com T maiúsculo o poema como um todo e trívioletra com t minúsculo, cada
terceto, nas estrofes horizontais componentes.
Para criar um Trívioletra passamos por três etapas, e cada etapa completa poderá se constituir num
completo trívioletra:
1) Trivioletra Individual (TI), exemplificado acima. Conforme a própria denominação, é escrito por apenas
um poeta. Assim, o poema terá uma única estrofe. Após registrar a autoria, ele determina que o poema
tenha um único autor colocando à frente do seu nome TI entre parênteses.
2) Trívioletra Compartilhado (TC) é escrito por no mínimo dois autores e no máximo sete autores seguindo
as letras que compõem o título (uma palavra). Portanto o (TC) é necessariamente um poema em
acróstico. Veja o exemplo:
B olas-de-sabão // versos leves // passa uma brisa. - se vão. (1)
R ede na varanda // descanso – um sonho só // flocos azuis (6)
E m revoada // versos nas_sendas // estrelas_algodão (2)
V i a paina em flocos // faina nos blocos // e a nuvem só (5)
E screve, dança // corpo e contrabaixo // brisa passa (4)
S onho - um sonho só // ela abriu a janela // - ai que dó!... (3)
(TC) 1, 3, 5
Vania de Castro 2, 4, 6
A criação de cada poema segue a inspiração de cada autor e obedece ao entrelaçamento dos temas
definidos no título e no segundo verso do primeiro trívioletra.
3) Trivioletra Expandido (TE) é uma releitura, uma revisão ou um olhar avaliativo do Trivioletra
Compartilhado (TC). Veja o exemplo:
----------Pág. 16 | eisFluências | Abril de 2013
B olas-de-sabão // versos leves // passa uma brisa. - se vão. (1)
R ede na varanda // descanso – um sonho só // flocos azuis (6)
E m revoada // versos nas_sendas // estrelas_algodão (2)
V i a paina em flocos // faina nos blocos // e a nuvem só (5)
E screve, dança // corpo e contrabaixo // brisa passa (4)
S onho - um sonho só // ela abriu a janela // - ai que dó!... (3)
S onho é mel // à luz de vela // - luz; é quando se abre a janela. (7)
V ersos na manhã // soltos no anil // - mil voos - gaivotas no céu!... (8)
Marco Bastos (TE) 1, 3, 5, 7
Vania de Castro 2, 4, 6, 8
O (TE) é um novo poema criado com a função de provocar em cada autor a oportunidade de expressar a sua
compreensão a respeito do (TC) do qual participou e não conhecia ao escrever. Sendo assim, cada autor
escreverá um trìvioletra interpretativo-explicativo, como um meio de sintetizar a sua leitura do Trívioletra
como um todo. Ele terá dois versos se for escrito por dois autores, três versos se for escrito por três autores
e, assim, sucessivamente, com no máximo sete autores que é o número limite do título.
O tipo de Trívioletra que se deseja escrever, Trívioletra Individual (TI), Trívioletra Compartilhado (TC) ou
Trívioletra Expandido (TE) é definido pelo autor do primeiro trívioletra e, assim deverá ser respeitado. O (TC)
deve ser finalizado pelos autores. O (TE) é opcional, porém se foi iniciado todos os autores terão
obrigatoriamente que concluí-lo.
Na construção poética dos Trívioletras recomenda-se:
1) Evitar orações coordenadas/subordinadas, e ligações por conjunções; minimizar o uso das preposições,
complementos circunstanciais, adjuntos adverbiais, adnominais, e adjetivos.
2) Usar substantivos "adjetivando" outro substantivo pode dar boas composições. Nas orações
coordenadas, dar preferência às formas assindécticas (sem a conjunção coordenativa).
3) Escrever nas entrelinhas. Na linguagem minimalista as elipses, zeugmas, anacolutos, e apostos,
metáforas e metonímias, além de contribuírem para compactar os poemas, abrem espaço para que o leitor
interaja e participe como agente de criação da poesia que se induz em sua mente. As palavras polissêmicas
conduzem a diferentes discursos bem como a associações de ideias. Diferentemente da prosa, o poema
não precisa deduzir ou explicar.
4) Não se preocupar com a lógica do poema. Cada poeta é um nefelibata e a poesia se esparrama pelas
nuvens, pra depois se fechar na sua Gestalt. A catálise na produção compartilhada é um processo de alta
sinergia - os versos vêm praticamente prontos. O ato de criação é alegre e espontâneo.
5) O novo trava, ainda mais quando é desestruturante, desestabilizador. Voltar a ser criança não é fácil. Mas
o impulso de brincar com as palavras é importante para escrever trívioletras. É contramão, pois o processo
de educação que tivemos prima por sistematizar, racionalizar, matando a criatividade e a ludicidade no viver.
6) Ao escrever os Trívioletras é preciso ter-se em mente:
a) Cada Ti - Trívioletra individual deve fazer sentido por si mesmo, ou seja, a mensagem se completa em
cada Trívioletra individual, muito embora, possa permitir várias interpretações. Os temas induzidos pelo
título vertical e pelo segundo verso do primeiro Trívioletra deverão ser abordados, explícita ou
metaforicamente.
b) Os Trívioletras individuais consequentes ao primeiro Ti deverão apresentar sensos lógicos e/ou estéticos
coerentes com os Trívioletras individuais antecedentes, ou abrir possibilidades para derivações de sentido
compatíveis com os múltiplos cenários e contextos que o poema até onde escrito possa insinuar. Ou seja,
vale a surpresa, o susto, o estranhamento lógico (e é bom que assim seja) mas não vale o 'absurdo pelo
absurdo', que venha a transformar o poema num amontoado de palavras sem sentido ou num conjunto de
frases desconexas.
7) Tratando-se de poemas coletivos compartilhados, guiados pelas letras livremente escolhidas pelos
autores, formando o acróstico, o autor que escreve "agora" tem mais informações a gerarem novos insights
(de fato, antes dele escrever, outro parceiro já adicionou novas ideias). Se esse autor escrever versos
(tercetos) seguidos, não estará aproveitando o melhor da parceria. Além desse aspecto, escrever versos
seguidos poderá afrouxar a necessária busca pelo minimalismo - o que não conseguiu expressar em
apenas um Ti, poderá expressar em dois Ti´s seguidos, com mais comodidade e menos concisão.
Assim:
a) Recomenda-se que um autor não escreva dois Ti´s seguidos um ao outro (no tempo e não entre versos).
Entre dois Ti´s de um mesmo autor haverá sempre pelo menos um ou mais Ti´s de outros autores que se
revezaram nos momentos de escrever.
b) No caso de poemas compartilhados por mais de dois autores, poderá haver a troca de posições na
sequência dos autores. Observado o que está em 7a, vale "furar a fila", mas não vale "roubar a vez".
eisFluências | Abril de 2013 | Pág. 17
HISTÓRICO, REFERENCIAIS E REFERÊNCIAS
O TRÍVIOLETRA como poema compartilhado inspira-se no TANKA e no RENGA, ancestrais formas
poéticas japonesas. Do Tanka diferencia-se por não ter a métrica e a forma fixa de 5/7/5 - 7/7 sílabas,
nos 5 versos de duas estrofes. Do Renga, poemas “ligados”, também se diferencia, por ter forma, além
de variável, limitada no tamanho da sequência. Os temas dessas poesias orientais são sempre ligados
à Natureza e essa limitação não existe para os Trívioletras, cujos temas ficam a critério do(s) autor(es).
O tamanho de um TRÍVIOLETRA é variável, a depender da quantidade de letras no título e do número
de autores que estão a interagir. Essas quantidades definem a extensão do poema e o tamanho do
título define a quantidade máxima de poetas para uma mesma composição. Os Trívioletras também
são diferentes dos letrix – que têm outras formas de compartilhamento, e não têm a forma expandida. O
Trívioletra trabalha entrelaçada e obrigatoriamente dois conceitos simultâneos. Isso não acontece nos
letrix.
Italo Calvino é referencial para a leveza, rapidez, exatidão, visibilidade, multiplicidade e consistência
da linguagem.
Iniciado no processo de aprofundamento e de aprimoramento do Letrix (forma sistematizada em 2006
por Marco Bastos - proposta apresentada e não aceita como modalidade de Poetrix), o TRIVIOLETRA
ganhou autonomia, e foi desenvolvido em parceria, a partir dos esforços criativos e de organização de
Marco Bastos e de Vania de Castro, em janeiro e fevereiro de 2013.
TRIVIOLETRA não é Tanka, não é Renga, não é Haicai, não é Poetrix, não é Letrix. Trívioletra é
Trívioletra.
Marco Bastos
Salvador/Bahia
A GAROTA DA SACADA
ANGÚSTIA
Mario Rezende
Mario Rezende
Na rua Barão de Ubá,
tem lá um sobrado
pintado de branco
com as janelas azuis.
Na sacada do quarto de dormir,
todo dia ao entardecer,
fica uma jovenzinha
de cabelo escuro
em cascata de caracóis.
O que pensa a linda menina,
cuja figura enfeita a varanda
fazendo inveja às flores,
o sol se retardar e
em mim a esperança de encontrar?
Que nome terá a garota
de pele branquinha e olhos trigueiros
que me seguem até a esquina
e me dedica um sorriso maroto
toda vez que eu passeio sob o seu altar?
Acho que ela anda sonhando
e, pelo mesmo motivo, imagino,
já me peguei a devanear.
Ah, Como eu queria!
Com o meu lado menino
cheio de fogo e energia,
como o sol por todo o dia,
a arte do amor lhe ensinar.
Mas o destino é matreiro e insensato
e resolveu de outra maneira,
de jeito que eu não pretendia
Agora a sua ausência comprida e estéril,
deixa o meu coração triste e angustiado,
magoado pela saudade que ela pensa ser muito
boba,
mas fica sempre aqui, morando no pensamento.
Encenando uma historinha de afeto,
para eu nunca esquecer
Mario Rezende
Plante uma árvore
Leia, leia, leia...
www.recantodasletras.com.br/autores/mrrezende
Pág. 18 | eisFluências | Abril de 2013
PARABÉNS BRASÍLIA!
por Maria da Fonseca
Cheguei ao Rio de Janeiro em 10 de Outubro de 1956.
Oito dias antes, o Presidente do Brasil Juscelino Kubitschek de Oliveira tinha dito, ao visitar pela primeira
vez o local vazio onde seria construída Brasília por sua ordem,
“ Deste Planalto Central, desta solidão que em breve se transformará em cérebro das altas decisões
nacionais, lanço os olhos mais uma vez sobre o amanhã do meu País e antevejo esta alvorada com fé
inquebrantável e uma confiança sem limites no seu grande destino”.
Fui trabalhar para a fábrica de vidro plano e de vidro impresso que fora instalada por uma companhia
portuguesa em São Gonçalo, Estado do Rio. A administração, os engenheiros e encarregados que
construíram a fábrica eram todos portugueses. À data da minha chegada, fazia parte da grande empresa
brasileira VIDROBRÁS, e utilizava o mais avançado sistema de fabrico de vidro plano existente à época –
o processo Fourcault.
Fornecia vidro para todas as regiões do Brasil e ainda para outros países da América do Sul.
Os camiões saíam continuamente carregados de vidro e passavam defronte da moradia onde se
encontrava instalado o Laboratório que eu dirigia, à frente de uma equipa que controlava especialmente
as matérias primas intervenientes no fabrico do vidro e também o produto final, entre muitas outras
tarefas.
Observar os camiões do vidro que se destinava a ser utilizado na futura Capital acelerava os corações de
todos nós. Brasília constituía um objectivo que entusiasmava todos os que trabalhavam na Vidreira.
Kubitschek queria ver a nova Capital inaugurada em 1960.
Tinha-o prometido aquando das eleições para a Presidência do Brasil. Uma vez ganhas, havia que
concretizá-lo!
Todas as semanas o ouvíamos pela rádio incentivando todo o País a participar na construção de Brasília.
A promessa era antiga mas nunca havia sido cumprida. Já em 1751, o Marquês de Pombal tinha
anunciado a transferência da capital do Brasil para o centro do País. E a ideia de fixar o governo no interior
surgiu em 1810.
Houve um afluxo extraordinário de habitantes de todos os Estados para trabalharem na construção da
nova cidade. Os planos urbanísticos e arquitectónicos da autoria de Lúcio Costa e de Óscar Niemeyer,
respectivamente, deram origem a uma moderna cidade que logo se começou a impor pela sua beleza e
originalidade.
Em 20 de Abril de 1960, à noite, foi celebrada uma missa campal solene de acção de graças, em frente ao
Supremo pelo Cardeal-Patriarca de Lisboa, Manuel Gonçalves Cerejeira.
No dia seguinte, 21 de Abril foi inaugurada Brasília. Durante a missa comemorativa foi lida uma
mensagem radiofónica do Papa João XXIII. Emocionada, a multidão acompanhou a cerimónia, ajoelhada
no barro vermelho. Na instalação do Congresso Nacional, o deputado Ranieri Mazzilli disse: “Mais ainda
que um milagre da vontade humana, Brasília é um milagre da fé”.
Em 1987 ao completar 27 anos, passou a figurar ao lado das cidades milenares como Jerusalém e Cairo,
na condição de Património Cultural da Humanidade.
Em breve, festejará 53 anos no próximo 21 de Abril de 2013, e eu, portuguesa, que tive a satisfação de
participar na construção da bela cidade, intervindo no fabrico do vidro destinado ao Palácio do Planalto,
ao Palácio da Alvorada, ao Congresso Nacional entre outras obras espectaculares desta linda capital,
recordo o seu fundador Presidente Kubitschek de Oliveira, de quem fui contemporânea, a quem presto a
minha homenagem, com a consideração que me merece pelas obras que deixou ao seu País, das quais
se destaca a nova capital Brasília.
Parabéns Brasília!
Parabéns ao Povo Brasileiro!
Fonte: elementos constantes do caderno especial Brasília 50 anos do Anuário Brasileiro – Economia e
Turismo
Lisboa, 10 de Abril de 2013
Maria da Fonseca
eisFluências | Abril de 2013 | Pág. 19
DÍA MUNDIAL DEL LIBRO
por María Sánchez Fernández
El próximo 23 de abril de este año 2013, se cumplirán 397 años de la desaparición física de grandes
escritores nacidos en varios puntos de la geografía de nuestra ancha tierra y que aportaron con su pluma,
su imaginación y destreza en la palabra un gran legado para la historia de la Literatura Universal, por lo
que en este día se hace a nivel mundial un homenaje al
libro, al escritor y a todo amante de las letras.
Como soy española y vivo en España me centraré en
Miguel de Cervantes, aunque mi admiración también
es total por el inglés Williams Shakespeare y por el
escritor peruano Inca Garcilaso de la Vega. Estos tres
gigantes de la literatura parece ser que coincidieron en
abandonar este mundo el mismo año y por las mismas
fechas.El libro en sí, que hoy homenajeamos con todos
los honores porque así se lo merece, es un
almacenamiento total de sensaciones vividas o no
vividas, es decir de realidades y de sueños.
Decía don Quijote a Sancho Panza: “Sancho amigo: el
hombre dejará de ser hombre cuando le dejen sus
sueños”
¿Qué somos si no soñamos? ¿Sólo máquinas que se
mueven por el impulso de sobrevivir y procrear?
¿Qué intentó transmitir Cervantes con la locura de don
Quijote y la sabia y rústica cordura de Sancho
Panza?En el Caballero de la Triste Figura, como él
mismo se nombró, había locura, pero también había
sueños, sueños fantásticos de deshacer entuertos; de
defender al débil; de ver en una rústica aldeana a la
mujer maravillosa de sus sueños; de no ver nunca las
burlas que sobre él caían por parte de villanos y
señores; porque siempre en su delirio se sintió
caballero al ser armado con toda pompa por el señor de
un castillo, que no era si no un aldeano que moraba en
su pobre hacienda asistido entre jocosas reverencias
por importantes damas que eran braceras de dicha propiedad,
pero él, en sus sueños de locura, se sintió el hombre más
honrado y feliz, y a lomos de su maltrecho "Rocinante" se fue,
caballero andante, por las llanuras de la Mancha, a defender el
honor y la verdad ataviado con su estrafalaria ar-madura y
tocada su cabeza con la vacía de un barbero,acometiendo a
fuerza de lanza en ristre a terribles gigantes que lo vencieron con
sus aspas de molinos de viento dejándolo herido y abatido en
tierra; a grandes ejércitos de ovejas y corderos ante el terror de
los pastores que, a fuerza de pedradas, se defendían. En sus
maltrechos descansos de palizas, burlas y malos tratos, mientras
comían un bocado de pan con queso con un trago de buen vino,
aconsejaba a Sancho con los más sabios consejos que un
hombre cuerdo pueda dar.¿Quién era don Quijote? Era un loco,
un perturbado, pero también era un soñador. Un soñador
sublime, porque no veía la cruda y fea realidad de la vida sino que
la elevaba a la belleza y a la ética sin límites. En el lecho de
muerte recobró la cordura y dijo a Sancho:
Pág. 20 | eisFluências | Abril de 2013
- “Perdóname, amigo, de la ocasión que te he dado de
parecer loco como yo, haciéndote caer en el error en que
yo he caído, de que hubo y hay caballeros andantes en el
ALMA DE SOÑADOR
mundo”
María Sánchez Fernández
-¡Ay!, - respondió Sancho Panza llorando – No se muera
vuesa merced, señor mío, sino tome mi consejo y viva ¡Alma de soñador, cántico al viento!
muchos años; porque la mayor locura que pueda hacer Te remontas con alas desplegadas
un hombre en esta vida es dejarse morir, sin más ni más, por alturas de fábulas doradas
sin que nadie le mate, ni otras manos le acaben que las nacidas en el nido de tu aliento.
de la melancolía. Mire, no sea perezoso, sino levántese
de esa cama, y vámonos al campo vestidos de pastores, En un vuelo de dulce encantamiento
como tenemos concertado; quizás tras de alguna mata sueñas con paz, con ansias liberadas
hallaremos a la señora Dulcinea desencantada, que no de cadenas ocultas y calladas
que oprimen en dolor y en desaliento.
haya más que ver. Si es que se muere de pesar de verse
vencido, écheme a mí la culpa diciendo que por haber yo ¡Alma de soñador, pájaro errante!
cinchado mal a “Rocinante”le derribaron; cuanto más que Descenderás de un mundo de quimeras
vuesa merced habrá visto en sus libros de caballerías posándote en la rama desgajada
cosa ordinaria derribarse unos caballeros a otros, y el
que es vencido hoy ser vencedor mañana.”¿Quien era que perdura en un bosque agonizante.
Sancho Panza? ¿La conciencia cuerda de don Quijote? Lo anegarás de cantos sin fronteras,
En su rústico saber, y con un amor desbordado hacia su jubilosos, cual gritos de cascada.
señor, y a sabiendas de su enajenación mental, le seguía
paciente en el triste Rucio admitiendo los desvaríos a los María Sánchez Fernández
que él respondía con la más clara sabiduría que se
hallaba en su espíritu de campesino.
Sancho Panza también era un soñador.
Sigamos leyendo, amigos. Sigamos leyendo libros, sin hartura ni pereza, porque nunca perderemos la
cordura sino que nos haremos más grandes, más sabios y altruistas como don Quijote y Sancho y si la
perdemos será en el mundo maravilloso de los sueños .
María Sánchez Fernández
Úbeda – España. Abril de 2013
eisFluências | Abril de 2013 | Pág. 21
FOI ASSIM, PRONTO E ACABOU?
Mario Rezende
Apesar das críticas dos adeptos, seguidores, das ideias dos criacionistas, que
encontraram uma maneira simples, simplória, de explicar o que é muito difícil ou quase impossível, pelo
simples fato de que o que é divino é indiscutível, portanto, não deve ser explicado.
Então, foi assim, pronto e acabou! É? Mesmo que se pareça com uma produção da Disney ou saída da
imaginação de J.K. Rowling?
Ainda que a ciência tenha avançado tanto, talvez ainda sejam necessários outros tantos anos de estudo
quanto os já vividos pelo homem enquanto ser inteligente, para fornecer uma explicação convincente
sobre a origem, já que o próprio homem continua em processo evolutivo, como pensado por Charles
Darwin, como todo o universo, aliás, em constante mutação e as evidências estejam ao nosso redor.
Todos os vestígios encontrados em relação ao homem, desde os primórdios, sugerem a seguinte cadeia:
AUSTRALOPITHECUS– Os hábitos de vida, assim como o aspecto dos homens nessa fase, pouco
diferiam do chimpanzé. Até na aparência se assemelhavam aos macacos. Usavam ossos e pedras como
instrumentos;
HOMO HABILIS – Passaram a receber essa denominação quando adquiriram a habilidade de talhar a
pedra e usá-la como arma;
HOMO ERECTUS – Nessa fase o homem dominou o fogo, adquiriu a bipedia, e construiu as primeiras
habitações para resistir às intempéries;
HOMO SAPIENS – É o embrião do homem de hoje. Com ele surgiram os primeiros sinais de civilização e
vem evoluindo e se adaptando desde então, ganhando algumas denominações conforme a fase
evolutiva, como o HOMO SAPIENS NEANDERTHALENSIS e o HOMEM DE CRO-MAGNON, suas
formas mais antigas, até o HOMO SAPIENS SAPIENS, que, por sua vez, no estágio evolutivo atual,
necessita de desmembramento, face às diversas características diferenciadas.
Sabe-se que há alguns anos começou a se revelar, depois de séculos, o HOMO EFEMINADUS, que por
algum motivo qualquer nasceu homem quando deveria ser mulher, porque age e pensa como uma;
HOMO BABACUS – Aquele que terminada a adolescência, entrando na fase adulta, se acha, somente
ele, o bonzão, o gostosão, que pode fazer o que quer e que toda mulher quer dar para ele. Faz faculdade
particular só para dizer que tem nível superior, PÓS e MBA porque está na moda e não tem banca de
avaliação. Frequenta academia só para zoar as mulheres e toma bomba para inchar os músculos. Tipo
abundante, considerado o pior da espécie, porque tem inteligência limitada e não assume
responsabilidades;
HOMO METROSSEXUALIS – esse tipo se preocupa com a aparência ao extremo. Diz-se que cuida do
corpo, da alma e do guarda-roupa. Anda sempre na moda, vai ao salão de beleza para cuidar dos cabelos,
das mãos e pés; depila os pelinhos, inclusive do púbis. Diz-se que tem complexo de bruxa da história da
Branca de Neve. Na realidade, a intenção é ser bem diferente do chamado HOMO
MACHUSPRABURRUS. Este morre, mas não vai ao urologista, muito menos ao proctologista, tudo
indica, por não aceitar em hipótese alguma, vergonha, talvez, de realizar determinados exames, porque,
segundo eles, vão na contramão da natureza. Considera que mulher é a fêmea que serve exclusivamente
para satisfazer os seus instintos sexuais;
O HOMO REALIS, que é muito raro, é bem resolvido, vê a mulher como sua outra parte, tem consciência
da sua condição natural e consegue se sair satisfatoriamente na relação eu/outro em todos os aspectos.
Finalmente, o HOMO FUTURUS que não foi descrito porque ainda não existe, apesar de que já começou
a demonstrar que vem por aí.
Mario Rezende
Plante uma árvore
Leia, leia, leia...
www.recantodasletras.com.br/autores/mrrezende
Pág. 22 | eisFluências | Abril de 2013
EXPERIÊNCIA CABO-VERDIANA
por Nuno Rebocho
Não há apertos que desmotivem um cabo-verdiano. De facto, há que esperar
tudo deste gente que aprendeu aquilo que o dianho amassou e que fica horrível
desejar a quem quer que seja. Sobretudo, há que o reconhecer, o cabo-verdiano
aprendeu a esperar, dizendo entre dentes a expressão muito crioula: “ave-maria, paxenxa”. Isto, de resto,
foi das primeiras coisas que aprendi mal pus os pés no arquipélago. Eu conto.
Foi por volta de 2001. Estava desesperado, aguardando que o Ministério das Finanças liberasse um
cheque que fora obrigado a fazer na convicção de que o Governo me pagaria conforme prometeu. Mas os
dias passavam e desse pagamento, nada. Eu desesperava. E mais desesperava por sempre me faltar
alguém no Ministério que pudesse ser meu interlocutor. Até que um dia, furioso, desencabrestei pelo
jardim em frente em busca de um graxate que cuidasse dos meus sapatos. Reparando no meu
semblante, o sujeito descalçou a proverbial “morabeza”: o que eu tinha, o que não tinha. Lá me descosi.
Que estava sem dinheiro (situação a que os cabo-verdianos estão habituados), que o Ministério arrastava
o tempo, fingia que andava, mas não andava, e eu estava farto: aquilo eram “más contas”.
O sujeito sorriu. E, no esgar, desembrulhou: “minin, má Kao Berdi é tera di speransa, enton nu spera”, o
que, traduzido, significa: “menino (assim me tratou), mas Cabo Verde é terra de esperança, portanto a
gente espera”. Guardei sofregamente a máxima que tem servido de norte na minha bússola. E quando um
dia tomei conhecimento do que Eugénio Anacoreta Correia, então embaixador de Portugal na cidade da
Praia, afirmou a uma entrevista, percebi o desabafo. Disse ele que Cabo Verde era “a única terra do
mundo onde havia tempo para ter tempo”. Então larguei em “aaah”, que ainda hoje perdura.
Vou-me habituando.
Nuno Rebocho
Cidade da Praia/Cabo Verde
ENTRE O REAL E O ABSURDO
Ceres Marylise
EL MISTERIO SAGRADO - Viernes Santo, 2013
Irene Mercedes Aguirre
Com a carga incerta da vida
arrastei os pés sobre a terra
cruzando o outro lado da linha.
Fui dos países das neves eternas
até os lugares mais quentes
onde habitam todos os feitiços.
Tive Terra, Ar , Água e Fogo
aos meus pés, mudando de cor
enquanto inquietos se agitavam.
Hoje, como antes, ainda sigo,
para chegar até aquela luz
levada pela força das borrascas.
Percorro com olhar aguçado de águia,
toda a força do bem e do mal
que se aninha entre o real e o absurdo.
Por trás da estrada e do vale à esquerda,
vejo o pico exuberante e ilusório da vida,
e à direita, o despenhadeiro da morte.
Pendo as asas pelos meus caminhos
e tomo entre as mãos todos os detalhes
murmurando uma prece emocionada.
Em sua memória, filho, salto no vazio
e inicio mais um voo pelo espaço
sem saber em que preciso momento,
chegarei finalmente até você.
Mi vida se sustenta de un collar que derrama
sus perlas luminosas en el espacio humano,
y yo la voy viviendo , prendida de ese arcano
al que con mi poesía le brindo la proclama
de encajes en el aire, de sílabas sutiles
con ritmos y arabescos de ideales y ensueño.
Conjugo entre las letras con decidido empeño
atisbos de su esencia de incógnitos perfiles.
Aquí el sol, aquí el vino, aquí el beso amoroso
y en penumbras lo cierto. Abierto y venturoso
se escurre hacia horizontes de escala fugitiva.
Y aquí mi interrogante bordado en cada poro
intuye pistas ciertas de esa verdad que imploro
¡y a la que aludiré , constante, mientras viva!
Irene Mercedes Aguirre
Docente, investigadora y Escritora argentina
Buenos Aires-Argentina - 2013
eisFluências | Abril de 2013 | Pág. 23
AR POLAR
por Urda Alice Klueger
(Para Eduardo Venera dos Santos Filho)
Não há como, num dia como este, em que a manhã já vem pejada de
sensações indescritíveis das coisas mais intensas já vividas desde as mais
antigas lembranças, decerto tangidas pelos mistérios deste clima de outono em pleno começo de janeiro,
não há como, repito, não sentar e escrever a respeito.
A massa de ar seco e adstringente decerto se desprendeu lá do Polo Sul e tomou o rumo do verão
inadvertidamente, e nesse seu rolar pelo entorno do planeta foi acendendo lembranças e sensações que
estavam como que esquecidas, dormitando nas pessoas e nas coisas, e imagino quantos frutos, hoje,
estão pensando que é tempo de começar a amadurecer, e quantas flores pensam que é o momento de
formar as sementes que garantirão sua genética, e quantas aves não sentirão aquele primeiro tremor que
as fará pensar que começa a chegar o tempo em que devem se preparar para a migração – as forças das
estações são terrivelmente fortes, e esse prelúdio inesperado de outono traz no seu bojo, também, para
humanos como eu, este caleidoscópio intenso da vida, e me deixa com esta vontade de chorar por toda a
torrente de emoções recordadas inesperadamente, as maiores, as mais intensas.
É um dia para ver e sentir a plenitude da vida, não apenas a que já passou, mas decerto a que ainda virá,
dia de girândola de ânsias, alegrias e sofrimentos, e fica até difícil escolher algum desses momentos ou
imagens que perpassam por meu corpo e meu espírito e que me enchem de perturbação e de
profundidade, como fica uma fruta cheia de sumo no auge do verão.
Penso: há quarenta anos atrás todos os dias eram assim, e então uma flecha de dor atravessa o tempo e
me atinge com todo o seu mistério e sua magia, e aqueles anos de 1972 e 1973 voltam com toda a força e
me derreiam. Sempre falo que o amor é uma coisa que jamais passa e há pessoas que não me creem
quando tal falo. O amor pode até ficar quieto, dormitando indefinidamente como as sementes dormem no
inverno, mas como as sementes que gerarão outras e outras, ele sempre irá se reproduzir e somar –
jamais morre. Se o amor morrer é porque amor não era, mas uma semente fanada, que não teria a graça
da reprodução. E neste dia de vento terral fora de tempo, aquele tempo que parecia perdido, aquele
tempo que já faz quarenta anos ressurge e me toma sem pedir licença e perdão, e lembro dos cheiros, das
ternuras, de músicas do Roberto, de Caetano cantando “Como dois e dois” e Chico falando do seu
”Menino Jesus”, e há um gravador a pilha tocando fitas vídeo cassetes no cheiro bom de um fusca
verdinho claro e a sombra de eucaliptos lá no morro da velha caixa d’água, e penso: por que sobrevivi
quarenta anos desde então? Por que hoje penso viver até os 105, como Dona Canô e o Niemeyer? Há
sentido em viver tanto depois que o sentido da vida parte?
Há quarenta anos todos os dias tinham a intensidade deste dia de hoje, e viver era tão embriagante que eu
não acreditaria se me dissessem que toda a vida não seria assim, que haveria a profunda ruptura que
houve e eu sobreviveria.
Então hoje amanhece este dia que deve estar mexendo com todas as formas de vida, as materiais e as
imateriais, e o mundo está tão mágico que eu posso entender algumas coisas, como a de que há diversos
sentidos para se viver, e quando são sentidos de amor, todos se somam. Então deve ser bom viver até os
105 – sempre haverá novos dias como este de hoje onde existirão as revivências das melhores coisas que
se viveu, e ao redor de mim poderão flutuar no ar as velhas músicas do Roberto junto com aquela que fala
”... Comandante Che Guevara...” e as cantigas religiosas que a minha mãe cantava em manhãs assim e
as imagens da Venezuela na data de ontem e um poema de Mário Benedetti que diz “... en la calle, codo a
codo...”.
Esta massa de ar polar repercute em mim como o sino de uma catedral, e agradeço ao universo por poder
ser assim.
Blumenau, 11 de janeiro de 2013.
Urda Alice Klueger
Escritora, historiadora e doutorada em Geografia pela UFPR
Pág. 24 | eisFluências | Abril de 2013
O ENCANTO DE SEREIA
por Valdir Barreto Ramos
Ah! Como somos bobos! Basta um olhar angelical, uma lágrima solitária, um sorriso tímido e nossos
corações viram manteiga que se derrete ao primeiro sinal de calor.
Que machismo que nada! Não conheço homem com coração de pedra. Todos nós homens temos um
pouco de sensibilidade, nem que seja uma percentagem mínima, aquela do lado feminino que alguns se
recusam a aceitar que possuem.
Por mais que não aceite, homem nenhum jamais deixou de se enternecer com o choro de uma mulher,
com a doçura de sua voz, com o murmurar macio quando quer alguma coisa, com a manha de seduzir
para conseguir o que quer.
Somos todos crianças e vulneráveis ao inegável talento da mulher de saber seduzir. Que sexo fraco que
nada! Sexo fraco é o masculino que acaba cedendo aos caprichos femininos, enfeitiçado pelos seus
encantos.
Qual homem não se deixa hipnotizar pela bela visão de uma mulher à sua frente? Celulites? Que nada!
Isto não é obstáculo para se conquistar um homem. Como diz o Jabor, celulite quer dizer gostosa em
braile. Basta o homem fechar os olhos, tocar nelas e senti-las como um deficiente visual fazendo leitura
com o toque dos dedos.
Conheço quem diz não mais já querendo dizer sim sob a insistência da mulher quando quer algo. Não tem
como recusar. Ou cede ou fica a ver navios. E qual homem quer ficar sem uma companhia feminina? Às
vezes são tão complicadas, tão difíceis que acabam desestimulando a conquista. Porém, perseverante
que é e eterno carente, o homem acaba insistindo e a coisa descamba para o condicional, ao que o macho
sempre acaba cedendo.
Quem nunca viu um gato – ou uma gata quando quer alguma coisa: fica com a cauda em riste e
esfregando-se nas pernas do suposto cedente dos seus caprichos. E não necessariamente precisa ser
seu dono. Basta que exista a possibilidade da realização do seu intento. Penso que a mulher é um felino –
ou felina disfarçada de ser humano. Sempre que quer algo, invariavelmente se derrama em afetividade e
carinho. São as principais armas de sua sedução para conseguir o que quer.
Confesso que sou um desses bobos. Não sei dizer não. Basta me olhar com olhos de candura, com um
sorriso doce daqueles que se estendem pelos cantos da boca, às vezes até formando covinhas, e pronto:
Me ganha. Mecanicamente, como se fosse um robô submisso, apresso-me a realizar os seus desejos.
Se não quer ser enfeitiçado por uma mulher, não lhe olhe nos olhos, pois deles saem fachos invisíveis de
encantamento que o tornará para sempre encantado por aqueles olhos. Se não quer tornar-se escravo de
seus caprichos, evitem inspirar o seu perfume, pois ele contém uma substância terrível capaz de
aprisioná-lo com grilhões dos quais se torna muito difícil se libertar.
Evite o toque dos seus lábios em qualquer parte do corpo de uma mulher, pois dele exala um odor capaz
de acorrentá-lo para sempre como a um cão servil. Lembre-se sempre da fábula do canto da sereia, que
encantava os marinheiros, que, enfeitiçados pelo canto, direcionavam suas embarcações aproximandose das pedras de onde vinha a voz e acabavam naufragando.
Assim somos nós, bobos homens, eternamente encantados pela beleza feminina. Somos assim, crianças
inconseqüentes e sem noção do perigo que é a adorável sensação de amar a uma mulher.
Valdir Barreto Ramos
Cônsul POETASDE MUNDO – Niterói – RJ
www.ramos.prosaeverso.net
eisFluências | Abril de 2013 | Pág. 25
TRADIÇÕES, CONTRADIÇÕES (81)
“Quem acha vive se perdendo”
Feitio de oração – NOEL ROSA
por Walter da Silva
O achismo ou achologia são termos cúmplices criados na linguagem das ruas. Além de uma forma popular,
significam a mesma coisa e para facilitar o discurso, adotemos simplesmente achismo. Numa recente conversa num
famoso bar camaragibense do km 9, na estrada de Aldeia, “Zé do mé”, comentava-se a trivialidade do achismo. De
fato, o interlocutor, um homem viajado e experiente, estava tentando explicar detalhes de dado assunto e ele próprio
encorpou seu argumento, contrapondo-se ao achismo.
Todos sabem que se vive numa época em que muita gente ou a grande maioria “acha” tudo, ou quase tudo. Talvez o
não acesso às fontes ou a falta de hábito de leitura, conduzam o homem comum a achar isso ou aquilo. Na maioria
das vezes a assertiva, seja ela qual for, é resultante de ouvir dizer. Essa prática pode não ser perigosa, mas é meio
perniciosa em si mesma. Há outras razões para alguém, inocentemente ou não, largar uma informação sem saber a
fonte e ao bel-prazer do ritmo da conversa. Isso tem ocorrido comigo, com você e com seu melhor interlocutor. Claro
que às vezes, por falta de algum pingo de certeza, soltamos uma informação que pode estar equivocada. Faz parte
de sua naturalidade.
Ou ainda, porque não saímos da superfície da notícia ou da informação. É por esse motivo que um editor exige
veementemente dos seus repórteres, a fidedignidade da fonte. Diante disso repousa a integridade da notícia e a
veracidade que a reveste. Um falso alarme em jornalismo é algo muitas vezes perigoso para o status de uma mídia,
qualquer que seja ela. Mas não vou me insuflar nessa seara, até porque não sou do ramo. O que a mim me cabe é
comentar essa epidemia de achismos nos dias correntes. A comunicação oral é indubitavelmente a mais antiga
praticada pelo homem desde os primórdios da civilização. É o que chamamos de disse-me-disse, ou marketing
boca-a-boca. Excluindo-se os sinais efetuados por fumaça, cuja patente é indígena, o ser humano contemporâneo e
o do futuro, consumirão todo seu tempo durante acordado, falando.
Não se considere aqui a fumacinha branca bastante antiga, anunciando o “habemus papam”. É outra história.
Ressaltem-se também as principais lacunas educacionais que levam pessoas a falar errado ou pronunciarem, por
atavismo, palavras equivocadamente. Desde sempre me indago porque gente devidamente letrada tem o hábito de
falar “pra mim fazer”. E olha que se encontra esse errinho no sudeste do país, bem mais do que no Nordeste. Ouvi
muitas vezes um apresentador, bacharel em Direito, dizer: “Explique pra mim aprender”. O menos aplicado aluno da
flor do Lácio, a língua portuguesa, sabe que essa é a forma obliqua do pronome. Tudo bem, se perdoa o incauto,
todavia, parece soar mal se disser “pra eu fazer”?
Muito pior é asseverar “verdades” que, apesar do seu populismo e do conhecimento insuficiente, não constituam
verdade. Exemplo é de todos dizerem em qualquer circunstância: “Tudo é relativo”. Foi por essa razão e noutro
contexto, que Bertrand Russell resolveu escrever “ABC da relatividade”, explicando as teorias de Einstein. E fica
muito mais claro, embora não tão aplicável no cotidiano, saber-se que:
“...isso, naturalmente, não faz sentido, porque, se tudo fosse relativo, não haveria coisa alguma em relação à qual
tudo fosse relativo”. (sic)
Com tal explicação ele quis dizer que tudo existente no mundo físico é relativo a um observador. Do trem do metrô, se
você olhar para o alto e estiver passando um avião, a impressão que se tem é de que a aeronave permanece parada
no espaço. Outras mil maneiras de se dizer popularmente frases que se tornaram emblemáticas é citar os livros da
bíblia sem jamais tê-los lido. E as pessoas têm a mania de assim proceder. Por vezes, por ter cometido alguns erros
dessa natureza em minha vida, resolvi, ou ficar calado ou quando tenho alguma certeza, dizer simplesmente “penso
que”. Sobretudo porque nada é definitivo, sequer certas “teorias”. O fenômeno do boato é outro sério aspecto da
comunicação oral.
De certo modo, aquilo que não era, termina sendo. E muitas vezes acarretam danos à comunidade e à sua
população. O “ruído”, termo técnico no campo da comunicação humana é tudo aquilo que envolve a dificuldade de
decodificação, de entendimento. Como se sabe, um sinal emitido pela metade, pode não causar nenhuma reação,
mas poderá se tornar um grave problema para quem o recebe. Por trás de todo esse emaranhado de situações
vexatórias, a clareza da comunicação é que transforma um deficiente decodificador, em um receptor de alta
fidelidade.
O achismo está em toda parte. Menos leitura haja mais achismo prevalecerá. Todos sabem que a teoria foi criada a
partir da observação de fenômenos, daí a ciência levar anos para sacramentar uma descoberta ou uma invenção.
Não pode ser à base de achismos que a sociedade se permite melhorar suas deficiências. Quanto mais prudência
houver no pronunciamento de uma assertiva, menos males e má repercussão ela poderá provocar. Não é à toa que a
placa na rodovia avisa para o condutor: na dúvida, não ultrapasse. Portanto é melhor não se achar nada sob pena de
se ser achado muito antes e apanhado de calça curta.
Walter da Silva
Camaragibe-PE
09.04.2013
--------------Pág. 26 | eisFluências | Abril de 2013
QUE IMPORTA?...
Carmo Vasconcelos
VIDAS
Pedro Du Bois
Que importa os tempos negros já
passados,
os foscos dias, sem sol ou réstia dele…
Se com lágrimas foram já lavados
e em versos sepultados no papel?
No calor da pugna
no calar da ruína
no colar exposto
na prática prisão
dos elementos: o ouro
reluzente
craveja a pedra
arremessada
Que importa os ais, sustidos, engasgados,
os arrepios revoltos pela pele,
se todos se aplacaram desbastados
p’la douta lei da vida e seu cinzel?
Perfeita a mão da sábia natureza
que nos modela ao traço estrutural
que exige pormos n’ alma mais nobreza;
passo a passo na viagem oscilante,
polirmos nosso cerne existencial,
e a pedra lapidarmos em diamante!
o colar sufoca
a vida
inexistente.
Pedro Du Bois
(inédito)
http://pedrodubois.blogspot.com
Carmo Vasconcelos
Lisboa/Portugal
4/Setº/2012
http://www.carmovasconcelos-fenix.org/
eisFluências | Abril de 2013 | Pág. 27
Ruth Farah Luttherbach
http://www.oficinaceramica.com/artesacra.htm
Pág. 28 | eisFluências | Abril de 2013
ISSN 2177-5761
ISSN 2177-5761
9 772177 576008

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