viagem ao centro da fome

Transcrição

viagem ao centro da fome
VIAGEM AO CENTRO
DA FOME
À descoberta das responsabilidades
e de possíveis soluções do movimento
do comércio justo e solidário
Co-financiado pela União Europeia
No âmbito do projecto FRAME - DCI-NSA ED/2008/153-590
VIAGEM AO CENTRO DA FOME foi realizado graças ao co-financiamento da
União Europeia, no âmbito do projecto FRAME - Fair and Responsible Action in
MEditerranean Area (DCI-NSAED/2008/153-590).
Os conteúdos desta publicação são da responsabilidade dos autores e em nenhuma circunstância podem ser considerados expressão ou reflexo das posições
da União Europeia.
As fotografias presentes nesta publicação são de Beatrice De Blasi, Lorenzo Boccagni, Claudio Brigadoi, Valeria Calamaro, Rudi Dalvai, Loredana Gionne, arquivo
Ctm-altromercato.
VIAGEM AO CENTRO
DA FOME
À descoberta das responsabilidades
e de possíveis soluções do movimento
do comércio justo e solidário
Claudia Folli
Laura Battistella
Cinzia Capuzzo
Claudia Piacenza
Miguel Pinto
Catarina Duarte
ÍNDICE
A fome no mundo é uma realidade mas não é natural
4
Crise financeira e alimentar global e os lucros do agrobusiness
8
Dumping económico e ajuda alimentar: uma concorrência desleal
11
A cumplicidade dos agro-carburantes
18
A especulação financeira investe no mercado agrícola
22
Biodiversidade: um recurso a proteger
25
Fileiras curtas e justas no Norte e no Sul
33
Países do Mediterrâneo e direito a comer
37
Mulheres em contextos rurais, um recurso a valorizar
53
E o papel das mulheres nestes cenários? Um exemplo virtuoso
da área a Sul do Mediterrâneo
57
Bibliografia e sites
64
3
A FOME NO MUNDO É UMA REALIDADE MAS NÃO É NATURAL
Em 2009, apesar dos esforços internacionais a favor da redução da fome no mundo, a pobreza extrema continua a crescer em vez de diminuir.
Hoje a fome e a má nutrição atingem mais de mil milhões de pessoas1
em todo o mundo, com consequências dramáticas para as crianças. Para além disso as actuais projecções demográficas indicam que a população mundial, até 2050, vai aumentar de 6,8 mil milhões para 9,1 mil milhões de pessoas e que o maior crescimento se vai registar nos Países em
Vias de Desenvolvimento (PVD). Segundo algumas estimativas, para garantir um adequado nível de segurança alimentar2 será necessário aumentar em quase 70% a produção de alimentos nos PVD3.
Todavia não é correcto acreditar que a fome depende da impossibilidade de
produzirem suficiência. Existiria alimento para todos se os recursos alimentares disponíveis fossem distribuídos de maneira equitativa e consumidos
sem desperdício. A fome no mundo é consequência trágica de um sistema
de políticas e escolhas económicas efectuadas pelos Países do Norte às cu-
1
www.fao.org
«A segurança alimentar existe quando todas as pessoas, ao mesmo tempo, têm acesso do ponto de vista físico, social e económico a uma quantidade de alimento suficiente, saudável e nutritivo, que satisfaça a sua dieta e as suas preferências para garantir uma vida activa e com saúde. A procura de segurança alimentar a nível da família
é a aplicação concreta desse conceito de segurança alimentar».
2
4
3
www.ifad-un.blogspot.com,
, 10/11/2009.
stas daqueles do Sul.
Jornais, televisões, rádio e iminentes representantes do mundo económico
e das instituições internacionais continuam a identificar as causas da gravíssima crise alimentar mundial com alguns factores: as alterações climáticas4, as especulações, o aumento do poder de compra e de consumo dos
indianos e chineses, o boom da produção de bio-carburantes. Tudo isto contribuiu por certo para agravar a situação, mas não a determinou enquanto
tal.
«A intervenção decisiva – precisa o sociólogo Luciano Gallino –, energeticamente iniciada nos anos 80, consistiu na destruição nos Países emergentes dos sistemas agrícolas regionais. Ricos em biodiversidade, parte dos
ecossistemas locais, facilmente adaptáveis às variações do clima, os sistemas agrícolas regionais teriam podido nutrir melhor, no local, um número
muito mais elevado de pessoas. Dever-se-iam ter desenvolvido com intervenções no sentido de aumentar a produtividade dos cultivos locais, com
uma escolha de tecnologia mecânica e orgânica apropriada às suas seculares características. Ao contrário, os sistemas agrícolas regionais foram apagados de modo sistemático da face da terra. Da Índia à América Latina, da
África à Indonésia e às Filipinas, milhões de hectares foram transferidos em
poucos anos das culturas extensivas tradicionais, praticadas por pequenas
empresas agrícolas, para culturas intensivas geridas pelas grandes corporations de produção de milho. A produtividade por hectare aumentou dezenas
de vezes, mas em larga medida os seus benefícios foram para as megacorporations do sector. Os camponeses, expulsos dos campos, foram encher os
intermináveis slums urbanos do planeta. Ou então suicidaram-se porque incapazes de pagar as dívidas que contraíram na desesperada tentativa de
competir num mercado com preços impostos – para as sementes, os fertilizantes, as máquinas – pelas corporations do agrobusiness»5. Instituições
internacionais como o Banco Mundial, o Fundo Monetário Internacional e a
Organização Mundial do Comércio e as políticas agrícolas dos Países mais
4
«The enormous burden of feeding a growing global population is made heavier by the
expected adverse impact of climate change on food production. Recent studies and
projections paint a dire picture. In Eastern and South Asia, climate change is expected
to affect rains, increase the frequency of droughts, and raise average temperatures,
threatening the availability of fresh water for agricultural production. In sub-Saharan
Africa, arid and semi-arid areas are projected to increase significantly. And in Southern
Africa, yields from rain-fed agriculture are expected to fall by up to 50 per cent as early as 2020. The impact of climate change on agriculture is therefore likely to lead to a
loss of stability in productivity and an overall decline in food production. Unless urgent
action is taken, climate change will undoubtedly worsen global food security and dramatically increase the number of people facing hunger and malnutrition. Current estimates indicate that climate change could put an estimated 63 million more people at
risk of hunger by 2020».
www.ifad-un.blogspot.com,
, 10/11/2009.
5 L. Gallino, É assim que o Ocidente produz fome no mundo, La Repubblica, 10/05/2008.
5
fortes do Norte do Mundo, Estados Unidos e Europa à cabeça, favoreceram,
conduziram e apoiaram este modelo de desenvolvimento à custa das frágeis
economias do Sul e preço do sistema agrícola global caiu sobre as costas dos
pobres, que não passam fome por causa da falta de alimento. Pelo contrário, este nunca foi tão abundante no mundo como agora é.
Nos últimos 50 anos, a produção agrícola mundial continuou a aumentar: a
produção de milho teve um aumento de cerca de 240% mesmo se as áreas do seu cultivo apenas tenham aumentado em 42%. A produção de arroz aumentou 175% com um aumento das áreas cultivadas de 35%. A população do planeta duplicou de 1950 até hoje, mas a produção de aves de
capoeira aumentou oito vezes no mesmo período.
O problema está no acesso aos alimentos, bem como no preço dos bens alimentares, que este sistema agrícola global fez aumentar a um ponto de, para uma larga franja da população mundial, se ter tornado impossível pagálo. A receita para fazer face a esta gravíssima situação existe e chama-se
soberania alimentar. Dar a cada cidadão do mundo uma alimentação
qualitativamente adequada, produzida de modo socialmente justo e ecologicamente sustentável: este é o tema na base do conceito de “soberania alimentar”, que a nível macroeconómico é previsto no direito de cada povo a
definir as próprias políticas agrárias ligadas à alimentação e a proteger e regular a produção agrícola e os mercados locais tendo em vista a sua própria auto-suficiência. Muitos investigadores e economistas de renome internacional estão a chamar a atenção pública e aquela das instituições para que
se faça uma alteração drástica da rota: promoção das pequenas empresas
agrícolas6, que respondam às necessidades locais de alimentação e permitam aumentar o rendimento dos produtores e a sua qualidade de vida; incentivo do biológico e de fileira curta, com baixo impacto ambiental e orientada ao desenvolvimento dos mercados locais; protecção dos mercados
agrícolas e aumento dos investimentos na agricultura de pequena escala.
Para que esta receita surja, muito depende da vontade política internacional, mas os consumidores – ou seja todos nós – têm um forte poder para condicionar as regras do jogo.
Como? Através das compras que fazemos todos os dias.
• Comprando produtos alimentares locais e provenientes de fileiras curtas
que, diminuindo as etapas, seguram os preços e apoiam o rendimento dos
agricultores.
6
6
«Such efforts must necessarily focus on the 500 million smallholder farmers worldwide
who currently support around 2 billion people, or one third of the world’s population.
Increasing their productivity is essential not only to secure the food and nutrition needs
of these farmers, but also of the millions of people who depend on them».
www.ifad-un.blogspot.com,
, 10/11/2009.
• Privilegiando as produções biológicas, que respeitam o ambiente e sabem
usar de forma consciente os recursos da terra.
• Escolhendo produtos de Comércio Justo e Solidário, que garantem um
justo preço aos camponeses e promovem um modelo agrícola no qual as
exportações apoiam as produções agrícolas destinadas a mercados locais.
Combater a pobreza e a fome é possível e é uma responsabilidade que
compete a cada um de nós.
7
CRISE FINANCEIRA E ALIMENTAR GLOBAL
E OS LUCROS DO AGROBUSINESS
Discutir esta temática num período em que se está a viver uma crise
económica e financeira de carácter mundial é muito importante para se
poder clarificar todos os pontos de vista. Antes de mais, a crise em curso distingue-se das anteriores por várias razões7.
Esta atingiu muitas partes do mundo contemporaneamente e os mecanismos tradicionalmente activados para a combater seja a nível nacional seja regional parecem não ter um grande efeito.
Contrariamente, no passado, eram frequentes as crises económicas que
atingiam individualmente os PVD ou grupos de Países membros da mesma região: nestes casos a receita consistia em substanciais desvalorizações das taxas comerciais, que favoreciam o relançamento das exportações e permitiam a tais Países sair gradualmente da crise. Outro
instrumento significativo, sobretudo nos contextos familiares mais pobres, era o representado pelas remessas8 . Durante 2009, ao contrário,
muitos PVD registaram uma redução substancial das remessas; para
além disso também os níveis de desvalorização das moedas nacionais
não foram homogéneos: alguns Países desvalorizaram e outros aumentaram as taxas comerciais. Esta situação deixou pouquíssimas possibilidades aos PVD para alterar e melhorar as suas condições económicas.
Depois da actual crise económica global segue-se a crise alimentar e
petrolífera de 2006-2008. Apesar dos preços das commodities alimentares nos mercados globais terem descido arrastados pela crise financeira, mantiveram-se, no entanto, mais elevados em relação aos recentes standard históricos. Também os preços nos mercados locais
desceram rapidamente, estabilizando-se porém em níveis em média
mais altos relativamente aos anos que precederam a crise. Isto significou uma considerável perda de efectivo poder de compra dos consumidores mais pobres, que gastam, todos os dias, uma parte substancial do seu rendimento (cerca de 40%) em géneros alimentares de
base.
Este aumento dos preços dos géneros alimentares, verificado em qualquer parte do planeta no decorrer dos últimos anos, a consequência directa do aumento dos preços agrícolas, isto é, o preço ao qual um determinado produto é colocado à venda no mercado. O trigo, o milho, o
arroz, a soja, a couve-nabiça ou o óleo de palma – produtos centrais
no sistema alimentar – viram duplicar, porventura triplicar, em poucos
anos a sua cotação, enquanto os lucros das populações mais pobres
7
www.fao.org,
8
O dinheiro enviado à família por parte dos seus membros residentes no estrangeiro.
8
continuaram sempre os mesmos9 .
Mais alto o preço, mais altos os lucros... mas na verdade os lucros de
quem? Os camponeses e os pequenos agricultores, que constituem
80% dos mais de mil milhões de pessoas que passam fome, não receberam um centésimo a mais com estes aumentos. Pior, perceberam da
forma mais dramática pois ao irem aos mercados comprar o necessário para a sua alimentação e a da sua família, descobriram que os seus
rendimentos já não eram suficientes para comer. É esta a razão das
numerosas revoltas pelo pão (ou o arroz, ou as tortilhas) que estão a
atravessar todo o globo, do Haiti aos Camarões, do Egipto às Filipinas,
colocando em causa a estabilidade dos governos, incapazes de dar uma
resposta aos pedidos desesperados dos seus cidadãos10 . Na Índia, são
cada vez mais numerosos os camponeses que, esmagados pelos peso
das dividas contraídas na aquisição dos factores produtivos – maquinaria, pesticidas e herbicidas, vendidos pelas multinacionais do agrobusiness – preferem acabar com a sua vida. De acordo com alguns dados, nos últimos 10 anos registaram-se 150.000 casos de suicídio entre
camponeses endividados em toda a Índia11 .
O PAPEL DAS MULTINACIONAIS DO AGROBUSINESS
A verdade sobre quem ganha ou perde com o nosso sistema alimentar
global é, efectivamente, muito óbvia. Para a compreender basta considerar o estado do mais basilar elemento necessário á produção de alimento: a terra. Esta, de facto, drogada com produtos químicos e fertilizantes, necessita de quantidades cada vez maiores de aditivos para se
manter produtiva, enquanto continua a perder os componentes naturais
orgânicos que lhe garantiam a fertilidade, ano após ano. Ao contrário, a
restrita elite de corporations que controla o mercado mundial dos ferti9
www.businessonline.it/news,
10
«[…] O pânico ditado pelas dificuldades de aceder aos alimentos por parte de faixas cada vez mais amplas da população gerou, por sua vez, um pânico político e económico, responsável pelos tumultos registados em cerca de 40 Países do mundo e de
tensões que se estenderam também entre as classes médias dos Países ricos cujos
rendimentos se tornaram progressivamente inadequados para satisfazer as mesmas
necessidades de bens essenciais, como os alimentares. Revoltas pelo pão (ou pelo arroz, de certeza não por croissants) mudaram o rumo da história, depuseram soberanos e deram vida e novas formas de democracia ou de terror. Um pandemónio que é
hoje acompanhado pela desordem dos assentos governamentais e do poder em redor dos alimentos e da agricultura que o fomenta, ao caos climático, à confusão económica e financeira. Enfim, um desconcerto sistémico que oferece desculpas para
tentar aplicar velhas receitas – ou meros ingredientes – que não conseguiram encontrar lugar nas cozinhas e nas mesas do planeta». www.acu.it, PANe, PANico e
PANdemonio: os OGM a cavalo da crise alimentar,
Luca Colombo (Fondazione Diritti Genetici), 2009.
11 www.giornalesentire.it, Índia, o drama dos suicídios, Cecilia Impera, Nov. 2009.
9
10
lizantes aumentou, nos últimos anos, vertiginosamente os seus próprios
lucros. A facturação da Cargillʼs Mosaic Corporation, que substancialmente controla o mercado da distribuição dos preparados à base de potássio e fosfato, entre 2007 e 2008 praticamente duplicou.
O maior produtor mundial de fertilizantes de potássio, a Canadaʼs Potash Corp, realizou em 2008 mais de 9 milhões de dólares de vendas,
com um aumento de quase 70% em relação a 2006. Mas existe uma notícia ainda mais paradoxal: estes excelentes resultados económicos não
foram atingidos aumentando a quantidade dos produtos vendidos, mas
apenas, pelo aumento dos preços. Em Abril de 2008 estas empresas aumentaram os preços dos seus fertilizantes à base de potássio em 40%
para os compradores do Sudoeste asiático, em 85% para aqueles da
América Latina, enquanto a Índia teve de pagar 130% a mais no decurso do ano passado e a China sofreu um aumento de preços equivalente
a 227%.
Enquanto as empresas multinacionais de fertilizantes coleccionam lucros
semelhantes, importa precisar que isto representa para eles apenas um
dos ramos da empresa, e porventura o de menos rendimento. Para a
Cargillʼs, por exemplo, os maiores lucros provêm do comércio global de
produtos agrícolas, que monopoliza em conjunto com outros poucos
grandes grupos. Mesmo as maiores empresas envolvidas na transformação industrial de alimentos (ex: Nestlé, Unilever) e multinacionais da
grande distribuição, como a Tesco, Carrefour, Wal-Mart, Wal-Mex, tiveram um papel de primeiro plano na crise alimentar. A propósito é interessante saber que a Carrefour e a Wal-Mart declararam que as vendas
de produtos alimentares constituíram o principal factor de manutenção
dos seus lucros. As companhias agro-químicas e de sementes (ex: Monsanto, DuPont, Syngenta) continuam, por sua vez, a vender de vento em
popa. Os seus enormes lucros record não têm nada que ver com o valor
acrescentado produzido pelas corporations, nem derivam de imprevistos
desequilíbrios entre a procura e a oferta. Ao contrário, constituem o reflexo do imenso poder que estes intermediários detêm através da globalização dos sistema de produção e comercialização dos bens alimentares. Intimamente envolvidas no
plasmar das regras do comércio que
governam o actual sistema alimentar e
capazes de exercer um controlo directo sobre o mercado e sobre os cada
vez mais complexos sistemas financeiros em que opera o comércio global,
estas multinacionais estão numa posição privilegiada para transformar a falta de alimento em lucros imensos. As
pessoas têm necessidade de comer,
custe o que custar.
DUMPING ECONÓMICO E AJUDA ALIMENTAR:
UMA CONCORRÊNCIA DESLEAL
Os resultados económicos obtidos pelas corporations do agrobusiness
constituem apenas uma das peças do mosaico. Um papel complementar
e de muito relevo na crise alimentar global é aquele jogado pelas instituições internacionais, como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional, que incentivaram à privatização dos recursos (terra, água,
empresas de serviços) e à construção de infra-estruturas como barragens, estradas, oleodutos, funcionais para um certo tipo de agricultura,
aquela industrial e à concentração de capital, à custa dos pequenos grupos de camponeses, obrigados a abandonar as suas terras engrossando
as fileiras dos novos pobres nas grandes metrópoles.
Neste quadro, um contributo claro para a destruição dos sistemas agrícolas regionais, baseados num tipo de agricultura tradicional e bio-diversificada praticada por pequenos grupos de camponeses que produziam para os mercados locais, foi dado pelas políticas agrícolas dos Países
do Norte do Mundo.
A FACE DUPLA DO MERCADO LIVRE
A União Europeia e os Estados Unidos têm a faca na mão quando se trata de decidir as regras do comércio internacional. Os seus interesses económicos e políticos influenciam de maneira decisiva as negociações da
World Trade Organisation (WTO) que, no curso dos últimos decénios,
procurou incentivar o comércio internacional usando dois pesos e duas
medidas: a redução das protecções, tarifárias ou não, sobretudo nos sectores das mercadorias industriais e dos serviços, para os Países do Sul,
e a manutenção de subsídios à agricultura, que na realidade apenas
aqueles ricos do Norte podem permitir-se. Como consequência directa,
estes últimos invadiram com os seus produtos a baixo preço os mercados locais de África, Ásia e América Latina, construindo as bases para a
actual dependência crónica dos Países dos Sul nas exportações de produtos alimentares do mercado internacional ficando, assim, à mercê das
flutuações dos preços e do mercado12.
O conceito que suporta as políticas e as estratégias definidas por Estados, instituições internacionais e empresas multinacionais, e que agravaram o problema da fome no Mundo, é simples: o alimento é uma commodity, isto é uma mercadoria comum, e como tal o seu preço deve ser
decidido pelo mercado, agora considerado como o melhor instrumento
12
www.unimondo.org,
11
de regulação entre procura e oferta, não obstante os numerosos exemplos desastrosos a ele imputados. O alimento representa porém um elemento essencial à vida e, por isso, o direito à alimentação é reconhecido na Declaração Universal dos Direitos Humanos das Nações Unidas
desde 194813, como um direito individual inalienável e uma responsabilidade colectiva.
Considerar o alimento como uma mercadoria qualquer, colocando-o no
mesmo plano dos automóveis ou da roupa, significa torná-lo inacessível
àquela vasta faixa de população que não pode pagar o preço estabelecido pelos mercados. Significa portanto negar o direito à alimentação. Olhando bem, a liberalização dos mercados agrícolas não elimina os vínculos à circulação das mercadorias: apenas desvia o poder de estabelecer
esses vínculos das mãos do Estado para as mãos do mercado e dos sujeitos que o controlam.
Paradoxalmente, aquilo que é proibido aos Países do Sul do Mundo, em
nome da liberalização dos mercados é, ao contrário, praticado de forma
comum nos Países do Norte. Nos últimos vinte anos, enquanto a Europa e o Estados Unidos protegiam os seus agricultores através de subsídios e apoios de natureza vária, as economias emergentes e os Países
em Vias de Desenvolvimento foram constrangidos a seguir os conselhos
neo-liberais da Banca Mundial e do Fundo Monetário Internacional, dos
quais estavam dependentes os financiamentos para os apoios ao desenvolvimento. Em particular, estes Países foram “convidados” a eliminar
a intervenção do estado no sector agrícola e por consequência a encerrar as instituições para-estatais como os conselhos agrícolas, que no passado haviam apoiado as empresas locais através de empréstimos, apoio às vendas e ajudas para aceder aos mercados. Este é o modo no qual
se impôs o dumping14 dos produtos agrícolas provenientes da Europa e
dos Estados Unidos em muitos Países do Sul. Isto acontece sobretudo
por causa dos subsídios governamentais que os Estados do Norte, dota13
art. 23.3 «Quem trabalha tem direito a uma remuneração equitativa e satisfatória,
que lhe permita e à sua família uma existência conforme com a dignidade humana, e
completada, se possível, por todos os outros meios de protecção social»; 25.1 «Toda
a pessoa tem direito a um nível de vida suficiente para lhe assegurar e à sua família a
saúde e o bem-estar, principalmente quanto à alimentação, ao vestuário, ao alojamento, à assistência médica e ainda quanto aos serviços sociais necessários, e tem direito à segurança no desemprego, na doença, na invalidez, na viuvez, na velhice ou
noutros casos de perda de meios de subsistência por circunstâncias independentes da
sua vontade». 25.2 «A maternidade e a infância têm direito a ajuda e a assistência
especiais. Todas as crianças, nascidas dentro ou fora do matrimónio, gozam da mesma
protecção social», da Declaração Universal dos Direitos do Homem (ONU-1948).
14
12
V.
www.cameradicommercio.it
dos de grande capacidade de financiamento, são capazes de disponibilizar aos seus agricultores, que depois exportam as suas mercadorias,
ou os excedentes da produção destinada ao mercadonacional, nos mercados do Sul do Mundo. Os preços associados a estas produções subvencionadas acabam rapidamente por eliminar os produtores locais, tornando os Países do Sul dependentes das importações para satisfazer as
suas necessidades alimentares. Se numa primeira fase este mecanismo
pode provocar uma redução dos preços dos alimentos, uma vez desencadeado torna estes Países escravos das flutuações internacionais dos
preços, ficando expostos ao risco de não poder garantir mais as quantidades de alimento necessárias, perante um aumento do seu preço.
O RISCO DAS POLÍTICAS DE AJUDA ALIMENTAR
«Nos anos 80 a maior parte dos nossos Países (africanos) acabaram em insolvência e fomos obrigados a apelar ao Fundo Monetário Internacional e à
Banca Mundial. Emergiram novas ideias como aquela da segurança alimentar. A Banca Mundial exigiu não só a privatização das grandes empresas que
mantinham o sector agrícola, mas também a abertura dos mercados às importações alimentares, deixando que as forças de mercado regulassem as
leias da alimentação.
Os nossos governos ao aceitarem esta política cometeram um erro “fatal”,
porque quase todas as receitas de estado eram provenientes do sector agrícola. Era necessário utilizar uma parte destas entradas para poder comprar
alimentos. Éramos produtores de alimento, mas também compradores. Começou então “a descida aos infernos” na África. Os Países endividaram-se e
desapareceram os apoios ao sector agrícola. O mercado foi invadido por produtos provenientes do estrangeiro.
Em síntese, esta segurança alimentar não trouxe qualquer vantagem, nem
aos camponeses nem aos produtores, porque é um luxo que somente os Países ricos se podem permitir, sendo um conceito estranho a cada política, pois
é uma questão apenas técnica: disponibilizar alimento. A segurança alimentar reduziu-se a comprar alimento e distribuir pelo território. Mas quando existe uma grande parte da população que precisa de trabalhar e não tem outros recursos, não se pode legitimamente optar pela segurança alimentar».
(www.saverianibrescia.com, dossiê Junho/Julho 2007 “A soberania alimentar diz respeito a todos”).
Outro mecanismo que favoreceu a instalação de políticas de dumping é
relativo à gestão das políticas de ajuda alimentar, que constituem uma
das formas de ajuda internacional. No último vinténio os fornecimentos
de alimento, na forma de ajuda alimentar aos Países em Vias de Desenvolvimento, teve um resultado muito controverso. Os defensores das ajudas alimentares argumentam com o facto que seja natural para os Paí-
13
ses do Norte fornecer o próprio surplus alimentar aos Países do Sul que
não conseguem produzir de forma suficiente, e que esse alimento é uma
forma ideal de ajuda porque chega directamente a quem dele precisa, ultrapassando as ricas elites dos Países pobres15. Se bem que muita gente no Norte associa ajuda alimentar com as intervenções de emergência,
estas nunca foram a sua principal razão. Desde o longínquo ano de 1980
apenas 10% da ajuda alimentar era usada para responder a desastres
naturais ou provocados pelo homem. O resto foi utilizado de forma contínua sem ter em conta a produção local dos alimentos nos Países que a
recebiam.
A experiência moderna da ajuda alimentar pode ser dividida em três categorias. Os programas de ajuda alimentar, ligado aos alimentos directamente fornecidos aos governos dos Países receptores para constituírem
clusters para a venda nos mercados locais, defender a moeda local e para transformar as ajudas em dinheiro. Os países doadores das ajudas
alimentares influenciam o modo como esse dinheiro é utilizado. Eles podem, por exemplo, insistir para que estes fundos sejam investidos na
agricultura ou no desenvolvimento rural. Mas na maior parte dos casos
estes são usados para cobrir despesas de transporte dos produtos, com
vantagem clara para os Países doadores. Os projectos de ajuda alimentar têm que ver, ao contrário, com os alimentos fornecidos a determinados grupos para suportar actividades específicas. Um exemplo disto são
16
através das quais as pessoas recebem alias actividades
mento em troca do seu trabalho em projectos de realização de infraestruturas públicas. Finalmente, a ajuda alimentar para a emergência,
que é endereçada, e gratuitamente distribuída, às vítimas de desastres
naturais ou provocados pelo homem. Outra modalidade para descrever
as ajudas alimentares, importante pelas suas implicações, é a subdivisão entre aqueles que são entregues em valor e aqueles que são distri15
14
www.europarl.europa.eu, «A ajuda alimentar vinha inicialmente gerida de acordo com as normas da política agrícola comum de modo a assegurar o escoamento dos
excedentes. Com o decorrer dos anos a política em matéria de ajuda alimentar foi gradualmente modificada desvinculando-se da política agrícola comum sendo mais integrada na política seguida pela União em matéria de desenvolvimento, em resposta às
preocupações da segurança alimentar».
16 «[…] ajuda alimentar que em vez de ser distribuída de forma gratuita, é utilizada como forma de pagamento pelo trabalho destinado a estimular a criação e o desenvolvimento de infra-estruturas colectivas (estradas, piscinas públicas, etc.) ou no âmbito de
políticas de prevenção de desastres naturais (construção de barreiras anti-erosão, terraplanagens ou reflorestações, etc.). […] Se o alimento é escasso, portanto mais caro,
e se as possibilidades de trabalho são limitadas – seja numericamente seja em termos
de salário – a perspectiva de food for work torna-se muito interessante. Quando os diferenciais de remuneração da mão-de-obra entre o trabalho assalariado e o food-forwork atingem um certo limite, torna-se ilusório promover um programa deste género.
Um sector no qual o food-for-work se mantém no entanto com grande actualidade é
aquele da manutenção de estruturas colectivas tradicionais. […]» www.amnesty.it,
Mainstreaming, Direitos Humanos e assistência humanitária. Promover os direitos humanos através do trabalho de assistência humanitária. Manual operativo.
buídos em espécie. «Esta segunda tipologia é utilizada quase exclusivamente pelos Estados Unidos. A maior parte dos governos doadores prefere pagar em valor, e utiliza o dinheiro para adquirir os alimentos directamente nos Países destinatários, ou na região circundante, segundo
modalidades que permitem diversos benefícios. Para o País doador é a
opção menos custosa, porque se reduzem os custos logísticos e de transporte associados à expedição dos alimentos, cultivados a uma escala
nacional. Para as nações destinatárias, o alimento chega mais rapidamente e é um maná para a produção local, porque vem comprado no
mesmo País ou por Países vizinhos. A outra metade das ajudas alimentares chega por expedição em espécie, a maior parte proveniente dos
Estados Unidos. Esta modalidade resulta problemática por diversas razões: antes de mais, o custo para o País doador, que paga mais por causa do longo transporte e da necessidade duma organização logística mais
extensa. Para além disso, os agricultores das nações receptoras ficam
em desvantagem, porque neste caso as ajudas alimentares são muitas
vezes vendidas a preços inferiores em relação aos valores em vigor, funcionando como um desincentivo à produção local criando dependência
em importações comerciais pouco naturais […] impedindo assim o desenvolvimento económico»17. Os programas de ajuda alimentar foram
historicamente dominantes, representando 75% do total da ajuda alimentar em 1960 e cerca de 60% na metade dos anos 90. Até ao início
dos anos 70, os programas de ajuda alimentar incidiram em cerca de
25% da assistência ao desenvolvimento dos EUA, e eram pensados e
utilizados sobretudo para dar resposta e esbater os excedentes das
produções agrícolas, mais do que
para apoiar o desenvolvimento dos
Países receptores18. Onde a ajuda
alimentar foi usada como um mecanismo para se desembaraçarem
das produções agrícolas por parte
dos Países do Norte, alguns estudiosos defendem que os efeitos nas
produções locais são os mesmos
que aqueles provocados pelo dumping. Muitos programas de ajuda
alimentar existem portanto para
manter ineficientes políticas agrícolas do Norte e incrementar a influência que os Países doadores
possam exercer sobre os Países receptores. Os defensores das ajudas ali17
www.ipsnotizie.it, M. Homer, As ajudas ao desenvolvimento servem apenas ao
“triângulo de ferro”, 1 Abril 2008.
18
15
16
mentares muitas vezes justificam-nas como um expediente de curto prazo. No entanto, os programas e os projectos de ajuda alimentar são frequentemente institucionalizados, conduzindo à dependência dos Países
receptores. A ajuda alimentar, para além disso, pode alterar os hábitos
alimentares locais. Por exemplo, as pessoas podem acabar por se habituar ao sabor do trigo mesmo que este não possa ser cultivado no seu
País. Se a ajuda alimentar está disponível de forma constante aos governos dos Países em Vias de Desenvolvimento, esses acabam por descurar a agricultura local. Deve acrescentar-se que os mais pobres e mal
nutridos muitas vezes não são englobados pelos programas e projectos
de ajuda alimentar. Até finais dos anos 70 e princípios dos anos 80 muitos eminentes experts não só sublinharam a importância de apenas manter as ajudas alimentares para verdadeiras emergências, como paralelamente criticaram de forma pesada a gestão de tais operações
humanitárias já que as entregas de alimento para emergência não conseguia chegar de forma célere as pessoas que tinham necessidade e pelos elevados custos administrativos, de armazenamento e transporte de
tais operações. Todavia no último decénio verificaram-se muitas alterações no modo como a ajuda alimentar foi gerida e distribuída. Em particular, a ajuda alimentar para a emergência representa hoje cerca de 50%
do total da ajuda alimentar, comparativamente aos 10% que tinha durante os anos 80. Existem razões que favorecem o aumento da incidência da prática de distribuir ajuda alimentar durante a crise, porque é de
forma geral reconhecido que a ajuda alimentar para a emergência muitas vezes teve um papel bem sucedido ao conseguir mitigar os efeitos
dos desastres, mas é fundamental que isto não se institucionalize, com
o objectivo de reduzir os excedentes de produção dos mercados do Norte, dados os evidentes efeitos de distorção que provoca. Actualmente, «o
aumento dos preços alimentares em todo o mundo convida a reconsiderar as práticas de ajuda ao desenvolvimento. […] Pelo menos dois
dos principais doadores alimentares, o Programa Alimentar Mundial
(PAM) das Nações Unidas e a Agência USA para o desenvolvimento internacional (USAid), defendem que os actuais fundos não são adequados ao aumento dos custos. A questão refere-se a dois factores», defende Sophia Murphy, consultora do instituto para as políticas agrícolas
e comerciais.» Em primeiro lugar existem menos excedentes, portanto
menos provisões em espécie para expedir» [...] dada a crescente subida da procura de arroz e trigo na Ásia e a expansão da produção de biocombustível no Ocidente. A elevada procura e as escassas reservas provocaram um aumento dos preços, que por sua vez reduziu a quantidade
de alimento que as organizações humanitárias podem adquirir. De acordo com Murphy, este segundo factor é particularmente problemático para aqueles que compram alimentos com dólares USA, dada a constante
desvalorização desta moeda. «Continua a crise do PAM, que recebe dos
USA cerca de 50 por cento dos recursos próprios, e que com o dinheiro
disponível não pode comprar alimento suficiente», explicou Murphy19.
Para além disso, os Estados Unidos hoje fornecem uma baixíssima percentual de ajuda alimentar directamente aos governos estrangeiros, preferindo pelo contrário comprar alimento às grandes produções agrícolas
nacionais a preços de mercado, para depois doar às várias ONG. Estas
organizações depois vendem os alimentos aos Países receptores, muitas
vezes abaixo do preço de mercado, transformando novamente os alimentos em moeda, depois utilizado para financiar as actividades da organização. A maior parte dos experts está de acordo em classificar esta
estratégia como limitada e ineficiente20. Em síntese, as opiniões comuns
que se afirmaram no tempo em relação às ajudas alimentares são21:
• as ajudas não incidem sobre o crescimento e o desenvolvimento económico dos Países receptores (Países em Vias de Desenvolvimento), ao
contrário podem debilitá-la;
• incidem sobre o crescimento dos Países receptores, mas com rendimentos decrescentes;
• as ajudas aceleram o crescimento económico do País receptor apenas
se este se enquadrar em determinadas características: as ajudas “funcionam”em Países que têm boas políticas e boas instituições;
• nem todas as ajudas são iguais, isto é nem todas as tipologias de ajuda incidem sobre o crescimento, por exemplo, a ajuda alimentar e a ajuda humanitária mantêm o consumo, não havendo crescimento, assim
como o fornecimento de medicamentos, tendas e livros escolares. A ajuda dirigida a apoiar a democracia ou a reforma do poder judiciário não
é principalmente desenhada a estimular o crescimento.
19
www.ipsnotizie.it, M. Homer, As ajudas ao desenvolvimento servem apenas ao
“triângulo de ferro”, 1 Abril 2008.
20
21
S. Radelet, M. Clemens, R. Bhavnani,
Center for Global Development, Working Paper 44/2004,
Finance and Development, 3/2005.
17
A CUMPLICIDADE DOS AGRO-CARBURANTES
«[…] no caso dos cereais – a base alimentar de cada população – das 2.232
milhões de toneladas produzidas no mundo em 2008 menos de metade destinou-se a alimentar directamente os seres humanos já que a quota afecta
a esse consumo foi estimada para 2008 em 1.006 milhões de toneladas. Para onde vai o resto? Excluindo as perdas e a quota destinada à produção de
sementes cerca de metade do consumo mundial de cereais é utilizado para alimentação de gado e para fins industriais (na grande maioria como carburantes vegetais). […] Em 2007/08 os Estados Unidos utilizaram pelo menos 81
milhões de toneladas de milho para produzir etanol, mais 37% do que em
2006/07» (www.fao.org, Crop prospects and food situation, Abril 2008).
«Estamos, portanto, perante uma competição feroz sobre o destino dos recursos alimentares, competição denominada em inglês food-feed-fuel, ou seja uma luta ligada aos produtos agrícolas entre o consumo directo de alimentos pelo ser humano, uso como alimentação do gado ou como carburante
para os automóveis» (www.acu.it, PANe, PANico e PANdemonio: os OGM a
cavalo da crise alimentar, Luca Colombo, Fondazione Diritti Genetici, 2009).
O boom dos agro-combustíveis é um outro factor que joga contra a soberania alimentar. Desenvolvidos em resposta à procura crescente de
energia por parte dos Países industrializados, colocando-se como alternativa ao petróleo, cada vez mais escasso, custoso e para além do mais
situado no subsolo de Países considerados “não amigos” das potências
ocidentais (Irão, Venezuela, Iraque e Países Árabes), os agro-combustíveis foram apresentados por todo o lado como uma fonte de energia limpa, renovável e com baixo impacto ambiental, alternativa às fontes fósseis. A colagem ecológica atribuída aos combustíveis produzidos a partir
de materiais vegetais ganhou a opinião pública mundial, justificando a
corrida ao desenvolvimento de culturas adaptadas à sua produção (milho e cana de açúcar em primeiro plano, mas também couve-nabiça, soja e jatropha) por parte de muitos Países, com os Estados Unidos e o Brasil à cabeça, seguidos da Indonésia e outros estados do Sudeste Asiático.
A própria União Europeia, com a EU Strategy Energy Review, mais conhecida por “Energy Package”22, publicada no início do ano de 2007, pre-
22
18
Assim define a UE: «Europe’s citizens and companies need a secure supply of energy at affordable prices in order maintaining our standards of living. At the same time,
the negative effects of energy use, particularly fossil fuels, on the environment must be
reduced. That is why EU policy focuses on creating a competitive internal energy market offering quality service at low prices, on developing renewable energy sources, on
reducing dependence on imported fuels, and on doing more with a lower consumption
of energy» www.ec.europa.eu
vê medidas para aumentar consideravelmente a quota de energia produzida a partir de fontes renováveis, colocando o objectivo de cobrir por
esta via até 2020 cerca de 20% das necessidades energéticas do Velho
Continente. As duas principais tipologias de agro-carburantes são o etanol, produzido prevalentemente a partir de cana de açúcar e do milho,
e o bio-diesel, derivado de sementes oleaginosas como a soja, a couvenabiça, a palma e a jatropha. O Brasil é maior País produtor de etanol da
cana de açúcar, utilizado para o consumo interno23, mas também para exportação, enquanto os Estados Unidos, fortes na corn belt constituída
pelos Estados do Middle West, apostaram naquele produzido a partir do
milho. Nestes Países a exploração de terrenos para o cultivo de agrocombustíveis está a aumentar de forma vertiginosa, a par com a centralização da propriedade dos terrenos nas mãos de poucas grandes empresas transnacionais e a destruição das pequenas e médias empresas
agrícolas. O cultivo de produtos vegetais para transformar em bio-combustível acontece de facto a uma escala industrial, em vastas extensões
de terreno, não compatíveis com as dimensões das pequenas empresas
de agricultores tradicionais, utilizando quantidades maciças de fertilizantes, herbicidas, pesticidas e água, subtraída desta forma a outras culturas e usos. Para mais, acelera a dependência alimentar dos Países produtores, que destinam quotas crescentes das suas superfícies cultiváveis
para a produção de energia e não para produzir alimento.
A real pegada ecológica desta nova gama de carburantes é para além disto fortemente colocada em discussão por numerosos estudos. Considerando o ciclo inteiro de um agro-combustível , isto é desde a produção ao consumo, a moderada poupança de emissões obtida substituindo
os derivados de petróleo pelos bio-combustíveis é muito prejudicada pelo impacto que a sua produção tem sobre o ambiente. Apenas para dar
um exemplo, uma tonelada de óleo de palma produzida emite para a atmosfera cerca de 33 toneladas de dióxido de carbono, 10 vezes mais
que o petróleo. Tal como o abate de bosques tropicais para obter novas
superfícies cultiváveis para a cana de açúcar para produzir etanol provoca
mais 50% de gases com efeito de estufa relativamente à produção e ao
consumo das mesmas quantidades de benzina. Isto deve-se principalmente a dois factores: por um lado ao uso generalizado de fertilizantes
e pesticidas necessários a produzir de maneira industrial os vegetais que
entram na produção de bio-combustível, por outro a anulação do efeito
de protecção que exerciam na atmosfera as reservas de bosques, produzindo-se muitos gases com efeito de estufa nocivos ao ambiente24.
23
O etanol cobre 20% dos consumos de carburantes nos transportes internos de Itália, www.wikipedia.it
24
19
Para além das questões ambientais associadas à produção de agro-combustíveis, existe uma outra que tem muito que ver com crise alimentar
global. Parece ser inequívoco que o uso de produtos comestíveis para a
produção de energia entra inevitavelmente em competição com o seu
uso para fins alimentares. Vandana Shiva, num seu recente contributo
publicado num quotidiano italiano, define assim os agro-combustíveis:
«Os bio-carburantes não são os combustíveis dos pobres, mas o alimento
dos pobres transformado em calor, electricidade e transportes»25 . As revoltas populares no México após o aumento insustentável do preço das
tortillas, e portanto do milho que é o seu ingrediente base, são o mais
trágico testemunho dos efeitos perniciosos criados pelos acordos comerciais com os Estados Unidos (Nafta): com base nestes acordos, o
México foi invadido por milho subvencionado dos Estados Unidos, que
destruiu o mercado interno, tornando-o dependente do mercado norteamericano. A rápida conversão da produção de milho os Estados Unidos, do uso alimentar para o energético, fez aumentar de forma incrível
o preço dos cereais, tornando-o inacessível aos camponeses mexicanos,
para os quais o milho é o elemento base da própria alimentação. O Egipto, um dos principais
importadores de cereais do mundo, é outro dos Países atingidos
pela subida dos preços. Aqui, o
preço dos produtos alimentares
aumentou cerca de 30% no ano
passado e o governo egípcio apelou aos Estados Unidos e à União
Europeia, convidando-os a reduzir a procura de agro-combustíveis, para travar a escalada dos
preços. A produção em grande
escala dos bio-carburantes não
constitui apenas mais uma ameaça à segurança e soberania alimentar dos povos do mundo. O
pior é que agrava a crise e afecta
a existência de um sistema agrícola local, ecológico e tradicional,
baseado na produção de produtos
para a subsistência das famílias
25
20
V. Shiva, O bluff do biofuel – alimento versus combustível: a guerra de amanhã, Il Manifesto, 18 Setembro 2008.
26 www.viacampesina.org,
de camponeses e das comunidades nas quais estão inseridas. A produção de agro-combustível, como todas as produções agrícolas de escala
industrial, retira terra aos pequenos produtores locais, constringindo-os
a abandonar os próprios cultivos, não mais rentáveis, engrossando as filas dos assalariados agrícolas das grandes plantações ou daqueles deserdados na procura de uma vida melhor nas grandes cidades. Coloca
também um grande desafio à ocupação agrícola: estima-se que nas áreas tropicais 100 hectares de terreno utilizados para agricultura familiar
empregam cerca de 35 pessoas, contra as 10 no óleo de palma e na cana do açúcar ou a meia jornada de trabalho na soja. Em contraposição,
a agricultura ecológica e biológica tem um impacto altamente positivo no
ambiente, na segurança e soberania alimentar. A utilização de métodos
de rotação das terras e de cultivos orgânicos elimina a dependência nos
agro-químicos, responsáveis pela emissão dos gases com efeitos de estufa e permite uma melhor absorção do carbono no terreno. Depois quando a agricultura serve para alimentar as populações locais reduzem-se os
custos ambientais devidos ao transporte dos alimentos ficando acessível
às comunidades um alimento fresco, são e a preços convenientes.
21
A ESPECULAÇÃO FINANCEIRA INVESTE
NO MERCADO AGRÍCOLA
«Segundo alguns autores o aumento dos preços dos cereais deveu-se ao crescimento da procura por parte dos Países emergentes mais populosos, à produção de bio-carburantes, às alterações climáticas, aos subsídios económicos
à produção garantidos nos Países ricos. […] Na realidade as coisas não são
exactamente assim. […] O preço dos bens alimentares poderá estar influenciado por fenómenos especulativos originados em investidores internacionais
que, abandonando produtos financeiros sem mais margem de lucro, concentraram o seu interesse nas commodities como o petróleo e os alimentos. […]
Quase 70% das transacções que fizeram crescer os preços dos alimentos são
financeiras, criando assim uma bolha especulativa que pode explodir como já
aconteceu no sector imobiliário» (Osservatore Romano, E. Gotti Tedeschi,
13/05/2008).
A especulação sobre bens alimentares de consumo tornou-se a nova
fronteira dos brokers de todo o mundo perante o facto de que o mercado das commodities agrícolas se tornaram tecnicamente interessantes para a finança internacional. Se «em 1998 os investimentos financeiros nas commodities agrícolas atingiam os 10 mil milhões de dólares,
(…) durante 2007 foram estimados em cerca de 142 mil milhões de dólares e já nos primeiros meses de 2008 mais 140 produtos financeiros
baseados nas commodities agrícolas deram entrada nas quotizações
bolsistas»27 .
Este súbito interesse foi acelerado em particular pelo mercado dos cereais, onde se tornou cada vez mais volátil e portanto sujeito a oscilações contínuas. Entre 2007 e 2008 o preço nos mercados mundiais de
grão e de arroz aumentaram 77% e 18%, com alguns picos nos quais
o preço cresceu até 150%. O aumento dos preços dos cereais provocou um generalizado aumento dos preços dos géneros alimentares e
dos derivados directos de tais produtos (ex.: pão, massa, farináceos,
etc.). A consequência foi uma maior dificuldade das classes mais pobres
em conseguir alimento: estes tiveram de afectar uma percentagem
mais elevada do seu rendimento para adquirir o alimento e isto causou
as revoltas populares nos Países como o Egipto, o México, as Filipinas,
Haiti, etc.28 .
27
22
www.ilsussidiario.it, Emergência alimentar, a especulação esfomeia o mundo, A.
Frascarelli, Maio 2008.
www.newsfood.com,
28
www.manitese.it,
Mas porquê especular sobre os produtos agrícolas?
A atenção da grande finança pela commodities agrícolas ganhou dimensão depois da crise dos investimentos mutualistas americanos29, quando
os grandes investidores tentaram procurar outras fontes de lucro para recuperar as perdas súbitas. Em 2006 acresce, a possibilidade de operar
nos mercados agrícolas com sistemas electrónicos disponíveis 24 sobre
24 horas constituiu um ulterior elemento de atracção para com este tipo de investimentos30. Os instrumentos chave da especulação sobre os
bens alimentares são os futures. Adquirir futures significa uma decisão
de compra de uma determinada actividade, com validade e preço pré-fixado31. Os grandes investidores adquirem
ligados às commodities quando existe uma expectativa de subida do preço dessa actividade
(que pode ser grão, arroz ou outro), enquanto os vendem em ocasião de
baixas expectativas. Criam-se assim dois mercados: aquele real, determinado por produtores agrícolas que vendem os seus bens a outros operadores que os compram por campanhas sucessivas (por exemplo um
produtor de grão que vende o próprio produto à moagem para a produção de farinha ou a empresas de
transformação alimentar para a
produção de pão, massa e derivados); e aquele “virtual” e financeiro, sobre o qual intervêm também
muitos
operadores
interessados apenas nos ganhos
especulativos que se podem obter com as oscilações dos preços32.
A quase total ausência de regras
que caracteriza os mercados financeiros faz o resto: os preços
sobem e descem sem que se tenha movimentado um só grão de
trigo ou de arroz. David Greely e
Jeffrey Curie da Goldman Sachs
29
Angelo Frascarelli. Emergência alimentar, a especulação esfomeia o mundo. www.ilsussidiario.net, 13 Maio 2008.
30
31
www.wikipedia.it
www.confagricoltura.it., Dal bisogno alimentare al fabbisogno alimentare, «[…] Nos
mercados a termo das matérias primas operam duas grandes categorias de participantes: os operadores comerciais que gerem fluxos físicos e os operadores financeiros através de fundos especulativos, de investimento e soberanos. […] O incremento da actividade destes últimos provocou um aumento das negociações fora da bolsa, ligadas ao
produtos derivados, que estão completamente desligados da actividade agrícola e são
menos transparentes e controláveis […]», Forum di Taormina, 26/03/2009.
32
23
&co. num relatório de 2008, sublinharam que «comprar e vender com
fins especulativos pode alterar os preços de bens de tal forma que os outros sujeitos presentes no mercado acabam por se convencer que os preços da especulação sejam a referência sobre a qual se formará o preço
efectivo»33. A especulação sobre o mercado imobiliário americano nos
últimos anos e que, em conjunto com outras causas, está na base da actual crise das economias financeiras e reais de todo o mundo, está há já
algum tempo a deslocar-se sobre o frágil mercado agrícola. Se os danos
do actual colapso são de tal forma graves ao ponto de abalar governos
de todo o mundo, empenhados a estudar medidas de salvamento do
sector de crédito e segurosprivados, bem mais dramáticas são as consequências da bolha especulativa sobre o mercado agrícola. Em risco,
neste caso, está a segurança alimentar de milhões de pessoas, a sua capacidade de aceder aos alimentos que necessitam e, em última análise,
de sobreviver. É necessário, portanto, potenciar os sistemas de controlo
dos preços agrícolas de modo a detectar preventivamente a aproximação de uma crise dos preços de bens alimentares bem como das informações que resultam dos sistemas de previsão de produção agrícola a
nível mundial. Para mais parece ser imprescindível um revigoramento
das políticas agrícolas, para manter e desenvolver o potencial agrícola
global e, portanto, as reservas da população mundial. Tal política de apoio ao papel insubstituível da agricultura no desenvolvimento das zonas
rurais, deve ser acompanhada de uma gestão de stocks estratégicos para enfrentar as situações de crise dos mercados.
24
33
www.ilsemesottolaneve.org, Antonio Onorati,
BIODIVERSIDADE: UM RECURSO A PROTEGER
A crise alimentar e a fome que afecta os Países em Vias de Desenvolvimento e que se aproxima cada vez mais do mundo ocidental, onde classes cada vez mais amplas da população são constritas a recorrer a subsídios estatais para complementar os parcos rendimentos que não lhes
permitem chegar até ao fim do mês, estão estreitamente ligadas ao problema da redução drástica e progressiva da biodiversidade global.
Pelo termo “biodiversidade” ou diversidade biológica entende-se a variedade completa das formas de vida presentes na terra (plantas, animais, insectos, até às formas de vida microscópica), cujo número, apesar das tentativas de catalogação levadas a cabo pelos cientistas, não é
estimável nem mesmo com aproximações. Até hoje foram identificadas
cerca de um milhão e quatrocentos mil espécies diferentes, mas os investigadores retêm que o número real oscila entre os dez e os oitenta
milhões. A biodiversidade do planeta, no curso dos últimos decénios em
particular, sofreu uma vertiginosa diminuição: calcula-se que, por exemplo, por causa do desaparecimento das florestas pluviais, cerca de 140
espécies de invertebrados se extingam por dia (Wilson 1983). Da mesma
forma, na Índia 10 variedades de arroz ocupam hoje 70% de um território onde antes eram cultivadas cerca de 30.000 espécies diversas, enquanto na Europa estima-se que existam cerca de metade das raças de
animais que existiam no início do século. O mesmo processo caracteriza
a perda de variabilidade alimentar: se os índios da América do Norte se
alimentavam de 1100 espécies vegetais diferentes, na agricultura moderna encontramos no máximo 1500 cultivos diferentes em todo o globo terrestre.
A perda de biodiversidade é em parte um factor natural. Tal como se extinguiram os dinossauros, outras espécies vivas, perante alterações das
condições climáticas e ambientais, tendem a desaparecer para serem
substituídas por outras espécies mais resistentes. Porém, no mundo moderno, este processo deve-se principalmente ao tipo de uso do território
e dos ambientes naturais por acção do homem e das alterações climáticas.
As actividades humanas que mais fazem temer a defesa da biodiversidade são as desflorestações, a urbanização excessiva e a poluição causada pelas destruição de habitats naturais. A ameaça de uma mudança
climática parece ser aquela que mais incide sobre a alteração da biodiversidade: segundo estimativas 30-40% da biodiversidade perde-se se as
temperaturas superarem o limite de um aumento de 1,5°. Actualmente
as temperaturas subiram 0,8°34.
34
Entrevista de M. Menichetti a A. Giannì, Biodiversidade. Em risco 34 mil espécies vegetais e 5.200 animais,Janeiro 2010.
25
Mas por que é assim tão importante defender a biodiversidade?
O primeiro dos riscos que se pode encontrar no processo de perda de
biodiversidade é seguramente a uniformidade e a actividade humana que
mais sofreria com este fenómeno é sem dúvida a actividade agrícola. Na
agricultura, de facto, a diversidade genética permite às espécies cultivadas a sua adaptação às mais variadas condições ambientais de crescimento: a capacidade que algumas variedades possuem para se desenvolver em condições de carência hídrica ou em terrenos anormais, de
resistir às agressões de insectos nocivos e a doenças, de produzir elevadas quantidades de óleo ou de proteínas, depende das características
fornecidas pelos próprios genes dessa variedade. Sem variabilidade genética perderemos, portanto, a possibilidade de responder às mudanças
e exigências da agricultura e às dificuldades que em geral o ambiente coloca de forma periódica entre o homem e o alimento.
Manter e proteger a biodiversidade terrestre significa, desta forma, não
só preservar espécies e ecossistemas existentes, mas também promover
a segurança alimentar dos seres
humanos, limitando os danos
causados pelo perigo de fome,
períodos de seca e epidemias que
atacam as produções agrícolas.
Na base destas considerações, as
Nações Unidas decidiram intitular
o ano 2010 “Ano Internacional da
Biodiversidade” e esse mesmo
ano acabou por ser prisioneiro da
perda de biodiversidade.
Infelizmente estamos a caminhar
na direcção oposta e o último
grande vértice de Copenhaga resultou num fiasco, no qual os
esforços foram claramente rejeitados. Também nós somos uma
parte da engrenagem da máquina da biodiversidade: «se a engrenagem da biodiversidade avaria não garantido é garantido que
podemos ter na mesma sucesso»35.
26
35
AGRICULTURA QUÍMICA: UM PERIGO PARA O AMBIENTE
A perda mais elevada de recursos genéticos nas culturas resulta da introdução das técnicas industriais de cultivação modernas. Hoje, a agricultura tradicional baseada em produções extensivas, rotações de terra e cultivo de diversos tipos de plantas no mesmo terreno para
combater o aparecimento de doenças parasitárias é uma forma extremamente reduzida de produção agrícola. O sistema, que se tornou dominante a partir dos anos 6036 com a chegada da chamada “revolução
verde”, é uma agricultura industrial que necessita de grandes capitais
para a aquisição de maquinaria e de fito-fármacos (pesticidas, fertilizantes, etc.) indispensáveis para suprir o empobrecimento dos princípios nutritivos existentes no solo e depauperados pela produção em
monocultura. As espécies de plantas cultivadas devem ser o mais uniformes possível na capacidade de crescimento e consistência do produto, de modo que as máquinas utilizadas nos trabalho de campo possam tratar um produto homogéneo. Assim, a fruta e os vegetais que
adquirimos nos supermercados e nas lojas quando vamos às compras,
mas também a forragem e a ração usada na alimentação dos animais
de criação que consumimos na forma de bifes, ovos, leite e queijo, são
cultivados cada vez mais em sistemas industriais, pouco respeitosos do
ambiente e da saúde dos consumidores. Está, por isso, estabelecido
em numerosas pesquisas científicas que o uso de pesticidas e mais em
geral de compostos químicos na agricultura produz danos fortes seja
nos ecossistemas – na forma de poluição dos lençóis aquíferos, empobrecimento dos solos, resistência dos insectos e dos agentes patogénicos das plantas que induzem a um uso cada vez mais massivo da química – seja para a saúde humana, através da acumulação de resíduos
tóxicos e cancerígenos no tecido adiposo.
A necessidade de garantir grandes quantidades em tempo recorde, que
constitui a promessa da agricultura industrial, não tem portanto em
conta os seus custos ambientais e para a saúde dos consumidores. Mas
existe mais. O uso massivo de substâncias químicas determina alterações na quantidade de organismos vivos que compõem os diversos níveis da cadeia alimentar. Muitos predadores naturais dos parasitas das
culturas são eliminados por causa dos tratamentos com pesticidas. Por
essa razão insectos parasitários de menor escala para as culturas, que
geralmente são controlados pelos seus inimigos naturais, deixaram de
assumir nos últimos anos um papel secundário na diminuição dos va36
www.mednat.org,
«A partir dos anos 50 a agricultura começou a introduzir fertilizantes químicos. A transformação foi rápida. Na Europa, já em 1970,
70% a presença de azoto no solo era de origem química […] Praticamente desde os anos
50 que estão disponíveis a custos controlados os três grandes químicos da agricultura industrial: fertilizantes, insecticidas e os herbicidas. Começa a era da agricultura química»,
Instituto Biológico Italiano.
27
lores de produção. A destruição dos inimigos naturais e o desenvolvimento das resistências provocam um aumento dos custos, seja pela
maior intensidade dos tratamentos, seja pelo uso de pesticidas mais
caros. Por esta razão o emprego de compostos químicos na agricultura, para além de incidir negativamente e de forma pesada sobre o ambiente e a saúde humana, provoca também um significativo aumento
dos custos de produção37. O uso intensivo destes compostos ainda expõe a riscos muito elevados sejam os trabalhadores das indústrias químicas onde são produzidos sejam os agricultores que os aplicam. Em
segundo lugar existem riscos para os consumidores que, através da cadeia alimentar, ingerem esses produtos químicos seja por ingestão de
alimentos vegetais ou animais. As cifras falam por si. No mundo existem mais de três milhões de pessoas intoxicadas por ano com pesticidas. Cerca de 37 mil tumores estão associados a níveis elevados de
exposição a pesticidas ou a uma longa convivência com os mesmos.
De notar que as crianças estão mais expostas porque a quantidade de
ar e alimento que ingerem em relação ao seu peso é maior do que nos
adultos. Nas crianças os tumores dependem geralmente da poluição
ambiental por contacto directo e também pela exposição da mãe durante a gravidez.
OGM: ENTRE A INSEGURANÇA ALIMENTAR E NOVAS FORMAS DE COLONIALISMO
«No decurso da última crise alimentar, os OGM foram inúmeras vezes
aclamados como solução para uma presumível fome global. Nenhuma
fome, porém, se abateu sobre o planeta (ou sobre os indigentes que o
habitam) tanto mais que 2007 e 2008 (anos onde os preços das produções agrícolas e dos alimentos nas prateleiras dos mercados explodiram)
registaram um recorde na produção de cereais, base alimentar dos povos. Mas no mundo (dos alimentos) apareceram os loucos dos agro-carburantes que, para calar a sede dos automóveis, contribuíram para o
agravamento da fome de homens e mulheres e para uma onda de especulação financeira sem precedentes na história agro-alimentar»
(www.acu.it, PANe, PANico e PANdemonio: os OGM a cavalo da crise alimentar, Luca Colombo, Fondazione Diritti Genetici, 2009).
A primeira revolução verde, que se iniciou no México nos anos 60 para
depois de espalhar por quase todos os Países em Vias de Desenvolvimento, da África à Ásia, surge da exigência de aumentar a produtivida37
28
Entrevista de M. Menichetti a A. Giannì, Biodiversidade. Em risco 34 mil espécies vegetais e 5.200 animais, Janeiro 2010.
de das colheitas de produtos alimentares para dar resposta a uma procura crescente de alimento, causada por um considerável aumento demográfico. Cientistas investigadores criaram para esse efeito diversas
variedades de sementes híbridas, sobretudo de cereais como o arroz e
o trigo, particularmente receptivas aos fertilizantes e aos pesticidas que,
em conjunto com os novos sistemas de irrigação e uma forte mecanização da produção agrícola, prometiam um espectacular aumento das colheitas. Os resultados da revolução verde não tardaram a se manifestar,
com incrementos enormes nos resultados das colheitas, que todavia raramente se traduziram numa redução do número de pessoas que passam
fome. Os grandes investimentos necessários para a compra de maquinaria contribuiu de maneira não negligenciável ao endividamento dos
produtores, cujos rendimentos eram simultaneamente diluídos pela utilização massiva de produtos agro-químicos extremamente caros, indispensáveis para obter bons resultados e boas colheitas. Para além disso, depois de alguns anos começaram a fazer-se sentir os danos
ambientais provocados pelas intervenções químicas nos solos. Hoje, uma
nova “revolução verde” é prometida e esperada por uma parte do mundo cientifico e económico. Esta intervenção não se relaciona apenas com
a hibridação das plantas, mas com a manipulação genética das sementes, de modo a introduzir genes provenientes de outras espécies, mesmo
não vegetais, que as tornem mais resistentes às doenças ou às condições
29
30
ambientais como o frio ou a seca. É a revolução dos organismos geneticamente modificados. Os efeitos na saúde dos produtos alimentares
oriundos de sementes OGM que tenham dentro de si o princípio activo
de um pesticida ou de um herbicida ainda estão por estudar e apenas
produziram resultados concretos nos próximos anos, mas são cada vez
mais as vozes daqueles que desconfiam deste tipo de manipulações, temendo uma acumulação de substâncias tóxicas no corpo humano, causada por uma alimentação baseada em produtos OGM. É tão verdade
que, enquanto os Estados Unidos liberalizaram o cultivo e a comercialização, a União Europeia introduziu na sua legislação um princípio de precaução que apenas autoriza o uso de OGM após uma avaliação do risco
a efectuar caso a caso. À parte as dúvidas sobre a segurança alimentar
dos produtos OGM, outras duas ordens de problemas podem ser trazidas para este debate. As questões ambientais e as ligadas às patentes.
Do ponto de vista ambiental, a promessa de que as sementes geneticamente modificadas reduzem o impacto ambiental permitindo reduzir o recurso a produtos agro-químicos parece já estar completamente ultrapassada. É o caso, por exemplo, do Algodão BT, comercializado pela
Monsanto para resistir a alguns parasitas, através da acção de uma toxina bacteriana introduzida por manipulação genética e, portanto, sem
recurso a pesticidas. Contudo, uma nova geração de parasitas, desenvolveu-se para contornar este obstáculo e resistir às toxinas daquele algodão, que agora terá de ser tratado com novos produtos específicos
que as multinacionais da agro-química e das sementes estão já a fornecer para o mercado. O custo destas operações recai, porém, completamente sobre as costas dos agricultores que, longe de se
libertarem dos custos associados
à compra dos anti-parasitários,
acabam por ficar encurralados
numa dupla ratoeira: aquela dos
preços dos produtos agro-químicos por um lado e das sementes
por outro. As sementes OGM, de
facto, contradizem aquilo que
Vandana Shiva, física e economista indiana, uma das maiores experts mundiais de ecologia social,
recorda ser a reza que cada camponês na Índia recita em cada
colheita: «faz que esta semente
seja inesgotável e que gere uma
nova semente no próximo ano».
As sementes OGM através da tec-
nologia “terminator” impedem simplesmente a reprodução das sementes, obrigando os agricultores a voltar cada ano ao mercado das sementes, desnaturando completamente o papel do camponês, que sempre esteve ligado de forma indissociável à protecção da terra, das
sementes e da sua fertilidade. O patenteamento das sementes vem descrito por Vandana Shiva como uma nova forma de colonização que replica nos tempos modernos o colonialismo de 500. Nessa época os “conquistadores” reivindicaram a propriedade dos territórios que descobriam
em qualquer parte do mundo e que não estavam sob o domínio de governantes brancos. As modernas patentes sobre as sementes são ainda
mais invasivas que a colonização de há cinco séculos atrás: os primeiros
impunham direitos sobre a propriedade das terras, enquanto que os documentos actualmente emitidos pelas entidades que patenteiam garantem às corporations que as registam um direito perante organismos vivos. É assim que as sementes de Basmati, o arroz aromático da Índia
cultivado tradicionalmente desde há séculos, se tornou propriedade de
uma multinacional38. A mesma sorte acabou por ter a Neem39, uma planta medicinal indiana, utilizada também para combater os animais nocivos. A biotecnologia OGM torna-se, portanto, uma das principais responsáveis pelo progressivo empobrecimento dos camponeses de todo
o mundo. Não se trata de um problema apenas produtivo, mas também
económico e, sobretudo, ético.
O DESAFIO DO BIOLÓGICO
A agricultura biológica é uma resposta responsável, que vai na direcção
do incentivo a um tipo de desenvolvimento sustentável, para o homem
e o ambiente. Trata-se de um tipo de agricultura que considera todo o
ecossistema agrícola, aproveita a fertilidade natural dos solos, favorecendo-a com intervenções limitadas, promove a biodiversidade do ambiente no qual opera e exclui a utilização de produtos de síntese e dos
organismos geneticamente modificados. A filosofia por detrás desta forma alternativa de cultivar as plantas e criar os animais não está unicamente ligada à intenção de oferecer produtos sem resíduos de fito-fármacos ou fertilizantes químicos de síntese, mas também (talvez até mais)
pela vontade determinada de não introduzir no ambiente externalidades
negativas, isto é impactos ambientais ao nível da poluição das águas,
solos e ar. Na prática biológica estão presentes sobretudo os aspectos
agronómicos: a fertilidade do solo é salvaguardada mediante o uso de
fertilizantes orgânicos; a prática das rotações de cultura mantém ou mel38
39
www.ilmanifesto.it, M. Forti,
www.universitaetica.net, L. Bullard,
, Agosto 2001.
31
hora a estrutura dos solos e a percentagem de matéria orgânica; a luta
contra as infestantes é permitida apenas com preparados vegetais, minerais ou animais que não sejam de síntese química ou através da luta
biológica. Os animais são criados com técnicas que respeitam o seu bemestar e nutridos com produtos vegetais obtidos segundo os princípios da
agricultura biológica. Evitam-se técnicas que forcem o crescimento e são
proibidos alguns métodos industriais de gestão da criação, enquanto que
para o tratamento de eventuais doenças utilizam-se remédios homeopáticos e fitoterapêuticos, limitando os medicamentos alopáticos ainda
que previstos nos regulamentos.
O mercado europeu dos produtos biológicos vale 15 mil milhões de euros. Em Portugal, dados de 2005 da AGROBIO, a Associação Portuguesa de Agricultura Biológica, mostram que existiam mais de 200 mil hectares de terreno cultivado com bio e estavam registados cerca de 1500
operadores certificados em Agricultura Biológica. Com cerca de 1 milhão
de hectares de terreno, Itália, por exemplo, é a primeira na Europa e
quinta em todo o mundo tendo em conta a superfície cultivada com bio.
Lidera também as vendas no mercado europeu sendo segunda no mercado internacional, depois do México. Mas já no consumo os italianos
não estão à altura destes números.
Apenas 2% contra os 10% de outros Estados Europeus como a Alemanha ou os Países escandinavos. De facto, 60% da produção biológica Italiana acaba nos mercados externos. Apesar de tudo Itália está entre os 5 primeiros consumidores do mundo (atrás dos Estados Unidos,
Alemanha, Reino Unido e França).
Existe, felizmente, um boom na procura de produtos biológicos, que ultimamente enchem os carrinhos de compra e são utilizados em restaurantes. De facto, dados de 2008 referentes a Itália, verificou-se um aumento de 23% nas compras de produtos biológicos, um aumento de
16% na utilização de géneros alimentares bio nas cantinas, de 18% nos
negócios de agro-turismo e de 20% nos restaurantes. Neste cenário Itália assumiu um papel líder na Europa no sector da produção biológica
com mais de 1 milhão de hectares de terrenos cultivados segundo os
critérios bio e cerca de 50.000 empresas agrícolas. Por outras palavras,
um terço de todas as empresas biológicas europeias são Italianas e com
extensões equivalentes a um quarto da área europeia destinada ao cultivo biológico40.
32
40
www.biolife.it,
Outubro 2009
FILEIRAS CURTAS E JUSTAS NO NORTE E NO SUL
COMÉRCIO JUSTO E A FILEIRA CURTA:
A POSIÇÃO OFICIAL DO CTM ALTROMERCATO
De alguns anos a esta parte que se mantém a nível internacional um aceso
debate sobre os efeitos nocivos do comércio de longa distância e sobre a necessidade de uma alteração dos estilos de consumo que favoreça o consumo de produtos locais. O debate sobre os temas da fileira curta e das chamadas “food miles” traz questões de importância crucial, sobre as quais o
movimento do Comércio Justo e Solidário não pode deixar de reflectir. O
Ctm-altromercato, enquanto principal organização italiana de Comércio Justo
e Solidário, debruçou-se sobre a questão, chegando a algumas conclusões resumidas de seguida de uma forma sintética. Desde a sua criação este Consórcio olha com atenção os fenómenos de poluição ambiental, do aumento
gases com efeito de estufa e as alterações climáticas causadas pelo uso insustentável de combustível fósseis e de recursos naturais que caracteriza o
actual modelo de desenvolvimento. Tal como outras organizações, portanto,
também o Ctm-altromercato retêm que é indispensável a adopção de todas
as medidas políticas e tecnológicas úteis à redução do impacto ecológico das
actividades de produção, transformação e comercialização de mercadorias. E
como outras organizações, também o Ctm-altromercato considera de máxima importância que os processos produtivos estejam vinculados por obrigações vinculativas em matéria de preservação das fontes de energia renovável, adopção de práticas ecologicamente sustentáveis e introdução o mais
rápida possível de modelos energéticos alternativos. Em coerência com estas
premissas, este Consórcio hoje partilha e apoia as propostas que projectam
a implementação de fileiras curtas, a valorização das produções locais e em
geral o desenvolvimento dos mercados locais. Partilha e apoia pelos resultados positivos a nível ambiental associados à sua realização, mas sobretudo
pelas relevantes vantagens que estes trazem no plano da segurança alimetar e na luta contra a má nutrição das populações mais pobres, não esquecendo a intrínseca utilidade em termos de uma melhor qualidade de vida para todos. O Ctm-altromercato pede aos próprios associados para terem em
atenção e se empenharem no estabelecimento de alianças de longo prazo
com as organizações que a nível local se esforçam por um consumo consciente de produtos locais, empenhando-se ainda a fazer o mesmo a nível nacional. Defendendo esta linha de actuação, este Consórcio sublinha o facto
de que o apoio às propostas de fileira curta e das produções locais não entra em contradição com os valores e práticas tradicionais do Comércio Justo,
já que as fileiras curtas não esgotam, nem podem esgotar o universo das
trocas comerciais nas sociedades humanas contemporâneas. Perante as
enormes disparidades e as históricas injustiças que caracterizaram a forma33
ção do sistema comercial mundial, as trocas económicas internacionais têm
um papel fundamental como potencial instrumento de criação de riqueza,
emprego, partilha cultural e aprendizagem mútua entre os povos. Paralelamente às fileiras curtas, as trocas de longa distância devem portanto ser
mantidas, sempre que sejam fruto de acordos livremente subscritos e que
não comprometam o funcionamento de habitats e mercados locais ou a subsistência de sectores mais vulneráveis da sociedade. Nos limites das duas dimensões e das suas capacidades, o Comércio Justo interpreta esta abordagem como “a dupla saída”, valorizando por um lado as produções locais de
produtores marginalizados no terceiro mundo e por outro favorecendo a entrada dos seus produtos nos mercados de exportação. A valorização dos pequenos produtores do terceiro mundo não é uma alternativa nem contradiz
a filosofia de promoção dos pequenos produtores da nossa região. As problemáticas dos pequenos produtores são comuns: seja no Norte seja no Sul
a rolha que impede o seu bem-estar é o mesmo e é constituído por filtros impostos pelos intermediários comerciais e pelas cadeias de grande distribuição,
que estabelecem os preços, o standard de acesso ao mercado, as modalidades contratuais e sobretudo retêm a maior parte dos lucros gerados nas transacções. Na assumpção mais completa do termo, fileira curta tem dois significados contemporaneamente: significa, de acordo com o senso comum,
a redução de distâncias quilométricas entre o local de produção e o local de
consumo; mas significa também a redução do número de passagens comerciais ao longo da cadeia desde o campo até à nossa mesa e das ocasiões de
especulação que se atravessam pelo caminho. A equação que defende a sustentabilidade de uma actividade económica medida unicamente com base
no número de quilómetros percorridos pelas mercadorias constitui uma simplificação discutível, seja do ponto de vista científico seja do ponto de vista
político. O parâmetro “milhas percorridas” é portanto um dos muitos parâmetros possíveis para medir a sustentabilidade e a convicção de que o consumo de produtos importados seja sempre um crime ecológico, ou uma acção por si só execrável, é uma ideia que julgamos errada e perigosa. A cifra
da sustentabilidade não é dada simplesmente pela quantidade de quilómetros percorridos, mas por um complexo de variáveis que incluem o tipo de
energia utilizada e os modos usados para a produzir, a democraticidade e
equidade das relações sociais e económicas incorporadas nas mercadorias
que percorrem esses quilómetros.
Editorial da autoria da “Orizzonti” - Outubro2009
34
No seio dos instrumentos úteis para resolver a actual crise económica e alimentar é importante referir o conceito de fileira curta e justa. Por fileira curta e justa não pretendemos afirmar o conceito de “km zero” ou “
”
– que têm como slogans próprios “
” ou “
” – mas sim a ideia de “fair miles”: a fileira curta como meio para trabalhar a sustentabilidade; para dar uma chance aos “mais pobres dos Países
mais pobres”41, como oportunidade para ter uma vida mais digna; instrumento para apoiar não só a nível económico, mas também social, sobretudo
nos Países em Vias de Desenvolvimento, tendo sempre presente a preocupação pelo respeito do ambiente e portanto pelo uso de meios de transporte de baixo impacto ambiental.
Valorizar a actividade agrícola, dando mais valor ao trabalho dos produtores,
aumentando os rendimentos de quem produz e investindo na transparência
e na traçabilidade dos produtos alimentares.
Este é o principal desafio das fileiras curtas, que cortam no número de passagens entre o produtor e o consumidor, assegurando maior frescura das
mercadorias alimentares e uma relação sempre mais directa entre a origem
e o consumo dos bens que chegam às nossas mesas.
A fileira pode ser então definida como o conjunto de factores que contribuem
para a produção de um determinado bem desde a origem até ao consumidor e, no caso dos alimentos, é formada por etapas que vão do campo até
à mesa, passando pelo trabalho agrícola (que pode ser artesanal ou industrial), o armazenamento e a distribuição nas lojas a retalho.
A viagem de um alimento diz muito sobre a sua salubridade, a sua frescura
e a composição do seu preço final, mas também, sobre o impacto ambiental
que a sua produção teve em conjunto com o transporte bem como aquele social, isto é, de que modo contribuiu para a criação de riqueza entre os diferentes actores que fazem parte da fileira.
Nas fileiras tradicionais os produtos hortofrutícolas frescos podem bem ter
seis passagens de mão entre o campo e os consumidores: as empresas agrícolas produtores de facto, muitas vezes entregam as suas colheitas às cooperativas ou às associações de produtores, que efectuam uma primeira selecção da mercadoria e se ocupam de a armazenar e revender a
intermediários e grossistas ou directamente aos centros agro-alimentares e
aos mercados grossistas. Nestes fornecem-se os retalhistas, sejam os super
ou os hipermercados, discount, lojas ou outros canais de distribuição final.
Muitas vezes o consumidor sente-se afastado destas dinâmicas da produção
e processamento dos alimentos e percebe estar a comprar um produto que
nas várias passagens da fileira perdeu o seu próprio valor cultural e ético. Por
sua vez, o pobre produtor das modernas fileiras longas é esmagado por uma
falta de poder de negociação que o impede de receber uma justa compen-
41
H. Lamb, directora executiva da Fairtrade Foundation (UK).
www.oxfam.org.uk,
Dezembro 2009.
42
,
35
sação pelo seu trabalho.
Destas observações emerge o valor das fileiras curtas, como um instrumento para conter os preços no retalho, remunerar de forma mais justa o trabalho
do produtor e garantir uma ligação directa entre quem produz e quem consome, tornando mais transparentes as passagens percorridas e a traçabilidade dos produtos, com vantagem para a genuidade dos alimentos.
As fileiras curtas valorizam, portanto, as especialidades locais, mas também
e muitas vezes as culturas tradicionais que salvaguardam a biodiversidade
dos nossos locais e de locais longínquos, dando-nos a ocasião de trazer até
à nossa mesa alimentos “esquecidos”, afastados da lógica da agricultura industrial e do comércio massificado, contribuindo para o desenvolvimento das
populações que os produzem.
Um óptimo exemplo de fileira curta é aquele representando pelo Comércio Justo e Solidário que se apresenta como intermediário entre produtores do Sul
do mundo e consumidores do Norte do mundo através de uma troca que reduz ao mínimo as “passagens de mão”, permitindo um acesso mais directo
aos produtores e contendo os preços do produto final.
Na base desta relação existe uma lógica de transparência perante o consumidor e de equidade junto do produtor ao qual não é reconhecido um preço
mínimo, mas uma compensação definida através do diálogo, que lhe permita viver com dignidade e realizar projectos de desenvolvimento social.
Também do ponto de vista ambiental escolher um produto do Comércio Justo proveniente de milhares de quilómetros de distância, mas cultivado no respeito pelos ritmos da terra, segundo os critérios ecológicos, económicos e
culturais solidários, tem um impacto muito inferior se comparado com a compra de um produto local cultivado com métodos intensivos e presente no circuito da agricultura industrial.
«Comprando produtos da época e provenientes da fileira curta ganhamos
em genuidade e reduzimos as passagens de intermediários, premiando o
rendimento de quem produz e não de quem especula. Comprando os produtos de Comércio Justo e Solidário declaramos abertamente estar do lado
de quem quer combater a fome. É possível portanto afirmar que, não obstante a distância espacial entre produtor e consumidor (muitas vezes habitantes continentes diferentes), também no Comércio Justo e Solidário podemos falar de fileira curta já que se abatem as múltiplas passagens de
intermediários que reduzem a um rendimento miserável os produtores mesmo fazendo chegar às mesas dos consumidores alimentos cada vez mais
caros»43.
36
43
Pierluigi Traversa,
geo.com/bio/food
http://www.bioeco-
PAÍSES DO MEDITERRÂNEO E DIREITO A COMER
Até este momento pudemos compreender que, quando se fala de direito a comer e de soberania alimentar, estamos a referir concretamente o
sector agrícola e as escolhas de política agrícola que são feitas pelos governos e pelas grandes empresas multinacionais activas no sector. Quando fazemos referência ao direito a comer, o pensamento leva-nos de
Imediato aos Países em Vias de Desenvolvimento, Países considerados
longínquos e estranhos, sem considerar que na realidade as políticas
mais vizinhas a nós têm repercussões em alguns destes Países, sobretudo com aqueles com quem estamos envolvidos num percurso de cooperação comercial e de mercado. Aprofundar a questão relativamente
aos Países da área do Mediterrâneo torna-se importante, pois permite
analisar e compreender que escolhas políticas tiveram um efeito de protecção ou violaram o direito a comer.
BACKGROUND HISTÓRICO
A partir dos anos 70 muitos Países europeus iniciaram a relacionar-se
com Países do Sul do Mediterrâneo através dos acordos comerciais baseados no PIB; depois, com a queda do muro de Berlim (1989) a Europa viveu um período de reorganização interna durante toda a década de
90
Em 1992, com o Tratado de Maastricht, constitui-se a União Europeia e
inicia-se a repensar o papel da UE e, portanto, dos seus Países membro
a nível internacional: a ideia que emerge é que as primeiras alterações
devem começar na periferia.
Em 1994, com o Marrakesh Agreement, é dada mais vida à World Trade
Organization, que tem como objectivo a regulamentação dos acordos
sobre o Comércio entre os Países membros da organização e a resolução de disputas entre Estados em matéria de comércio.
Muitas das prioridades e das temáticas que são tratadas pela WTO derivam de negociações precedentes, sobretudo do Uruguay Round (19861994) e do Doha Round (iniciado em 2001 para melhorar e aumentar a
participação de Países em Vias de Desenvolvimento e mais pobres, que
representam a maioria da população mundial).
No que diz respeito ao Doha Round este teve muita oposição e com resultados não efectivos por desacordo entre os grandes exportadores de
produtos agrícolas e os pequenos produtores agrícolas, que apenas produzem volumes de produto para a própria subsistência e para mercados
locais.
Os desacordos estão relacionados com a vontade de parte dos PVD, sobretudo pequenos produtores, de elaborar medidas que protejam esses
37
produtores de aumentos imprevistos dos preços das importações.
Em 1995, é lançado o Processo de Barcelona pelos Ministros dos Negócios Estrangeiros dos 15 Países membros da UE e 12 Países a Sul do Mediterrâneo (incluindo Malta e Chipre); para além disso a Líbia estava também envolvida neste Processo, com o estatuto de observador, enquanto
a Mauritânia é candidata a tornar-se membro do Processo. O Processo
de Barcelona surge como uma estrutura para gerir as relações bilaterais
e regionais entre os Países envolvidos. A Declaração de Barcelona, primeiro documento deste Processo, define as bases da parceria euro-mediterrânea e os princípios fundadores de tal parceria: propriedade comum, diálogo e cooperação, para criar uma região mediterrânea de paz,
segurança e prosperidade partilhada44.
Até hoje existem três pilares da parceria Euro-Med45:
• desenvolvimento de diálogo político, sobretudo sobre o tema da segurança, para construir uma área de paz e estabilidade caracterizada por
escolhas a favor de um desenvolvimento sustentável, estado de direito,
democracia e direitos humanos;
• desenvolvimento de uma parceria económica e financeira para favorecer as condições económicas que permitam um crescimento (investimentos, inovações, cooperação técnica a nível industrial, etc.), para implementar reformas em sectores chave (energia, ambiente, água,
desenvolvimento sustentável, agricultura, turismo, transportes, etc.), para criar uma área de comércio livre até 2010;
• desenvolvimento de uma parceria social, cultural e humana, virada para promover o diálogo intercultural, inter-religioso e toda a sociedade civil, com particular atenção para as acções que envolvam as mulheres e
os jovens.
Em 2004 a UE é protagonista de um alargamento: 10 Estados entram como membros da UE. Este evento traz consigo a necessidade de uma redefinição das “relações de vizinhança”: cria-se a ideia de um “círculo de
amigos” (Prodi) entre os Países membro da UE e aqueles do Leste Europeu, entre os Países da UE e aqueles do Mediterrâneo para construir
uma maior estabilidade. Os princípios chave da chamada Politica Europeia de Vizinhança de 200446 (European Neighbourhood Policy) são substancialmente os mesmos daqueles do Processo de Barcelona: partilhar
a estabilidade, segurança e prosperidade, de valor (estado de direito,
boa governação, respeito pelos direitos humanos, desenvolvimento sustentável, etc.); paralelamente mantendo um certo nível de diferenciação.
44
38
45
46
www.ec.europa.eu; European Commission - External Relations,
Os instrumentos utilizados para a sua implementação assentam substancialmente em planos de acção bilaterais e reentram na lógica dos
Association Agreements: depois da UE ter assinado AA com um Estado terceiro, elabora um Relatório de avaliação sobre esse País e de seguida as duas partes aderem a um plano de acção definido pela UE válido de 3 a 5 anos. Estes planos servem de guia para uma efectiva
implementação de reformas (políticas, económicas, institucionais), definem os termos da ajuda por parte da União e procuram ter em consideração, para serem de facto uma resposta, as reais necessidades de
cada País. Com a sua introdução, o Processo de Barcelona tornou-se o
fórum multilateral do diálogo e da cooperação entre a UE e os Países
do Sul do Mediterrâneo, enquanto que os acordos bilaterais entre os
Estados são geridos através do ENP (Association Agreements assinados
entre cada um dos Países membro do Processo)47 .
No entanto e apesar das intenções iniciais do Processo de Barcelona ao
propor uma nova abordagem nas relações regionais entre os Países do
Mediterrâneo, a realidade seguiu o esquema tradicional das relações
entre os Estados. A vontade de uma abordagem multidimensional foi
transformada numa série de Association Agreements, ou melhor, em
acordos bilaterais entre cada Estado; a ideia de um processo gerido
por uma multiplicidade de actores foi “substituída” pela presença activa da Comissão Europeia e dos representantes dos governos mais significativos; enfim, das três grandes áreas de acção inicialmente definidas, apenas a segunda foi desenvolvida e a acção de parceria
concentrou-se sobretudo na criação de uma área de comércio livre48 .
Desde 2004, portanto, a política mediterrânea da UE tem um carácter
de dualidade: por um lado, a PEV, com carácter bilateral, que se ocupa essencialmente das matérias compreendidas no segundo pilar/objectivo da Declaração de Barcelona (as relações económicas), matérias
prevalentemente geridas pela Comissão; por outro lado, a parceria euro-mediterrânea (PEM) lançada em Barcelona, com carácter colectivo,
que mantém competências nas matérias politicas e de segurança e as
relações socioculturais (primeiro e segundo pilar), das quais se ocupam prevalentemente os governos49 .
A tendência é a de existir um quadro desequilibrado, com uma participação UE muito mais numerosa daquela não UE e de uma coabitação
de regimes diferentes (não só o PEM e a PEV, mas também acordos de
47
J.M. Garcia Alvarez-Coque,
, Departamento de Economia y Ciencias Sociales,
Universidad Politécnica de Valencia (Spain).
48
49
R. Aliboni,
Affari Internazionali, n° 85, Janeiro 2008.
Istituto
39
natureza variada promovidos pela UE nos quais participam Países dos
Balcãs). Estas mudanças reflectem a profunda evolução estratégica da
Europa e das áreas limítrofes. Mas reflectem também uma profunda
insatisfação com os resultados, bastante modestos, obtidos no âmbito
do PEM. Na sequência desta evolução surgiu a iniciativa do presidente
Sarkozy. Em Julho de 2008, o presidente francês Sarkozy, no cargo de
Presidente do Conselho Europeu, apresentou a chamada União para o
Mediterrâneo (UpM): uma organização internacional que parte do mesmo pressuposto do Processo de Barcelona – do qual representa uma
consequência natural – de aproximar as relações entre as nações que
se encontram sobre o Mar Mediterrâneo. Os participantes desta união
são 43: os Países membro da UE (mesmo se nem todos tocam no Mediterrâneo), os Países que se encontram a Sul do Mediterrâneo e que
se encontram com ele, a Mauritânia e a Líbia na qualidade de observador. O objectivo declarado é o de recuperar a cooperação entre as
duas costas do deste mar interno; as prioridades declaradas são a resolução dos problemas ligados à imigração dos Países meridionais para os setentrionais, a luta ao terrorismo, a resolução do conflito israelo-palestiniano, a defesa do património ecológico mediterrâneo. A UpM
apresenta-se como um esquema perfeitamente intra-mediterrâneo, destinado prioritariamente aos Países que se encontram no Mediterrâneo,
para responder positivamente à situação de grave desequilíbrio na coesão comunitária e à substância politica assumida nos anos da PEM50 .
O Processo de Barcelona
40
50
Estrutura dos fluxos comerciais
Política Europeia de Vizinhança (PEV)
41
União pelo Mediterrâneo (UpM)
CARACTERISTICAS DO COMÉRCIO ENTRE OS DOIS LADOS DO MEDITERRÂNEO
•
•
•
•
Hub and spokes model, isto é modelo centro e periferia.
Acordos comerciais sobretudo entre Norte e Sul.
Dimensão Sul-Sul limitada.
Balança comercial sempre favorável à UE.
LIMITES DO PROCESSO DE BARCELONA
• A multi-dimensionalidade, que deveria ter emergido sobretudo do diálogo e dos acordos multilaterais, esteve sempre limitada por uma série de conflitos regionais ligados a problemas de segurança, divisões
sociais e políticas e um reduzido acesso aos cuidados de saúde51. Isto
causa uma predominância dos acordos bilaterais entre Estados e trava o desenvolvimento dos Países do Sul do Mediterrâneo.
• Fluxos comerciais modestos: nem todos os Países do Sul do Mediterrâneo são capazes de participar nas trocas de um modo justo e acti42
51
B. Hervieu,
, CIHEAM, 2006.
vo.
• Assimetria entre os dois lados do Mediterrâneo, com uma acentuada
dependência dos Países do Sul perante os Países membros da UE.
• Baixo nível de investimentos directos externos na região mediterrânea.
LIMITES DA POLITICA EUROPEIA DE VIZINHANÇA
• Os MPC’s registaram um crescimento lento, ou melhor, a PEV não representou nenhum valor acrescentado para estes Países.
• Continuam a ser, mais uma vez, mais importantes os interesses da UE
em relação aos interesses partilhados por todos os Países envolvidos
na PEV: assiste-se a um desequilíbrio dos interesses externos da UE
prejudicando o Mediterrâneo em detrimento do Leste Europeu52; continuam numa situação de insuficiência e desequilíbrio, por um lado a
assistência técnica aos MPC’s e a sua liberdade de movimento - ambos
elementos de política (económica) cruciais para todos os MPC’s - , por
outro lado o nível de cooperação com estes Países em matéria de segurança e a gradual implementação do acervo comunitário. Por exemplo, em 2008 Marrocos obteve um avanço no âmbito da PEV perante
a sua disponibilidade para implementar reformas e actividades de cooperação em matéria de imigração ilegal.
Este objectivo de relações euro-mediterrâneas mais fortes e substantivas
surge em condições de debilidade e desequilíbrio, fruto da fragmentação
introduzida com a PEV e do consequente afastamento que produziram no
PEM devido à própria fragmentação mas também aos crescentes contrastes relativos às questões de segurança (no que diz respeito sobretudo aos temas relacionados com a imigração e o terrorismo)53.
«Para além disso, a PEV já diluiu a atenção europeia em relação ao Mediterrâneo, colocando esta área num arco de crise maior que o próprio
Mediterrâneo e que abraça também o leste Europeu e o Cáucaso. Por outro lado, a presença dos Países Balcãs e do Adriático no PEM tende a
juntar no mesmo barco as crises e instabilidades da área dos Balcãs e
aquelas dos Países para os quais originalmente o PEM foi criado, metendo, de certa forma, uns contra os outros. Finalmente, os Países da Europa central e oriental que entraram recentemente com o alargamento
– Países que devem ainda cumprir um longo caminho para chegar a uma
“mediterraneização” análoga àquela da Alemanha ou da Finlândia – tendem a ver e a colocar as suas exigências em competição com as do mediterrâneo»54.
52
R. Aliboni,
ri Internazionali, n° 85, Janeiro 2008.
nstituto Affa-
53
54
43
A política euro-mediterrânea é um elemento importante para a coesão
comunitária europeia. Como já afirmamos, esta baseia-se num interesse comum dos Países da UE em desenvolver formas de cooperação e solidariedade com os Países da costa Sul e oriental do Mediterrâneo. Quando é menos compreendido este interesse comum, é negativamente
influenciada a própria coesão da UE.
LIMITES DA UNIÃO PELO MEDITERRÂNEO
• Representa um passo que compreensivamente tem em conta a política de integração europeia.
• A UpM parece ser uma solução mais dinâmica e de perfil mais politico,
mas arrisca colocar em questão a coesão europeia.
• A coesão europeia é um importante bem público de extremo interesse
para todos, mas estamos seguros de que uma fraca e ambígua politica mediterrânea consiga preservar tal coesão?55
O SECTOR AGRÍCOLA
A agricultura é um sector fundamental na região mediterrânea que
mantêm um equilíbrio a nível económico, social e territorial. É um sector estratégico e tudo o que respeita à construção de uma região mediterrânea coesa e equilibrada depende das decisões politicas acordadas para este sector.
O contributo deste sector no PIB dos Países do Mediterrâneo é considerável; Todavia é um valor muito baixo quando se fala dos Países do
Norte do Mediterrâneo (2 a 3% em média), e muito alto para os Países do Sul (entre 10 e 15% do PIB, representando, por exemplo, 23%
na Síria e 17% em Marrocos). Nestes últimos portanto, o crescimento
económico dependo em boa medida das dinâmicas do sector agrícola56 .
Apesar da relevância do sector agrícola, as taças de tais produtos constituem apenas 6% do comércio total entre a UE e os MPC’s.
Portanto, o sector agrícola assume valor e mais importância pelo seu
valor político e social, que pelo seu valor em termos económicos. Para
mais, o que mais conta para os Países do Sul do Mediterrâneo (MPC’s)
é a garantia de segurança alimentar dos seus cidadãos: em média, 36%
dos habitantes da região mediterrânea (cerca de 500 milhões de pessoas) vive em contextos rurais, apesar de se estar a assistir a um for-
55
44
56
B. Hervieu,
, CIHEAM, 2006.
te processo de urbanização. O número de pessoas empregadas no sector agrícola nos Países do Sul do Mediterrâneo è considerável: 34 milhões de pessoas, ainda que se verifiquem diferenças grandes entre os
Países, por exemplo os trabalhadores agrícolas são cerca de 43% do total na Turquia, enquanto na Líbia são apenas 5%57 . Também ao nível
das exportações agrícolas joga um papel estratégico em muitos Países
(Grécia, Líbano, Chipre, Jordânia, Território da Palestina; mas também
na França, Espanha, Marrocos e Egipto)58 . O papel do sector agrícola
nas relações Euro-Med aparenta ser, portanto, complexo, rico em desafios. Quais são estes desafios?
Antes de mais está a verificar-se um diferente impacto social da agricultura e dos seus produtos entre o Norte e o Sul do Mediterrâneo: a
Norte foram afirmados os conceitos de requalificação de vida, que pode ser qualitativamente melhor no campo, novas formas de turismo
(eno-gastronómico, naturalista, etc.); a Sul a agricultura continua a ser
o instrumento prioritário para a luta contra a pobreza (extrema) nas
zonas rurais onde se registam as mais altas taxas de pobreza, de discriminação feminina, onde o acesso às infra-estruturas de base (água,
electricidade, hospitais, etc.) é
ainda difícil. Em muitos Países
ainda se fala de agricultura de
subsistência, sem fins comerciais
e em contextos familiares rurais
conseguem sobreviver graças às
ajudas ligadas à expatriação ou
migração para a cidade de algum
membro da família59 . O segundo
desafio a delinear é a urbanização e o rápido desenvolvimento
das cidades costeiras dos Países
do Sul do Mediterrâneo, que
estão a desestabilizar o equilíbrio
territorial60. Em consequência um
dos desafios mais importantes é
aquele ambiental: são precisas
respostas imediatas, directrizes
políticas para travar a erosão
massiva da biodiversidade e dos
57
58
59
60
45
recursos por causa da urbanização e a falta de recursos hídricos, que
em muitos lados são necessários no sector agrícola. A falta de água representa por isso o obstáculo principal à produção de uma quantidade
suficiente de alimento, sendo ainda causa de tensões políticas e socioeconómicas61. Finalmente, o rápido crescimento das taxas de má nutrição: se por um lado se assiste a um crescimento da quantidade de
alimento produzido, por outro regista-se uma pioria da qualidade e das
possibilidades de acesso ao alimento. As mudanças no sentido de uma
dieta cada vez mais inspirada na América do Norte também por parte
dos Países como Marrocos, faz com que exista um número cada vez
maior de obesos ou pessoas com problemas de saúde ligados à alimentação. Para além disso as taxas de má nutrição aumentam de forma exponencial se, como acontece nestes últimos anos, o preço dos alimentos de base continuar a crescer vertiginosamente62 .
A SEGURANÇA ALIMENTAR
A segurança alimentar é um conceito global, que depende do crescimento económico, desde que os governos e os contextos familiares possam produzir rendimento que lhes permita comprar alimento nos mercados internacionais. O aumento das importações de produtos de base
(por exemplo, os cereais), o desenvolvimento económico e do PIB, o nível dos salários e das condições de vida, a crise económica internacional, as diferentes formas nas quais se alastra a pobreza, as instabilidades políticas, os conflitos étnicos e o avançar da degradação ambiental
são tudo razões para existir insegurança alimentar. Para além disso, o
desenvolvimento do sector agro-food e os mercados jogam um papel
central no crescimento económico e na diversificação das culturas nas zonas rurais dos Países do Sul do Mediterrâneo. Em particular, o que mais
favorece o contínuo aumento das importações, por exemplo dos cereais,
é o rápido crescimento das populações, a falta de terra e de água. Para
citar alguns dados significativos neste sentido, não é preciso ir muito longe: a Argélia aumentou a sua dependência nas importações de cereais
em cerca de 80% nos últimos trinta anos63.
Em 2005 a UE decidiu iniciar negociações com os Países parceiros do
Mediterrâneo (MPC's) no que diz respeito à liberalização do comércio
61
62
63
J.M. Garcia Alvarez-Coque,
Departamento de Economia y Ciencias Sociales, Universidad Politécnica de Valencia (Spain):
46
(p. 38).
Agrícola64. Criaram-se, ao mesmo tempo, cenários delicados e de desilusão: dum lado os produtores dos Países do Norte, membros da UE,
estão assustados com a competição com outros produtores e preferem
privilegiar as trocas com outros membros da UE; do outro lado os Países
do Sul do Mediterrâneo pedem acesso livre das suas próprias exportações para os Países da UE. A situação geral é esta: os Países do Sul do
Mediterrâneo são os maiores importadores de produtos de base produzidos pelos membros da UE (cereais, açúcar e leite); mas a sua dificuldade em aumentar a produção de alimento leva-os a não se aventurarem a competir no exterior, sentindo ainda o peso dos grandes
produtores agrícolas mundiais: Estados Unidos, Canadá, Austrália e Argentina dos quais os MPC's importam cerca de metade dos produtos agrícolas65.
A liberalização do sector agrícola projecta-se como um cenário delicado
também pela especificidade do sector agrícola nos MPC's (subsistência,
sector de “dimensão familiar”), colocando-o numa condição de vulnerabilidade em relação aos Países do Norte do Mediterrâneo. Para mais está
sujeita a outros factores a começar pela necessária reforma da Política
Agrícola Comum (PAC) da UE, pela negociações em sede do Doha Round
da WTO, pela ascensão do Brasil e da Índia na cena internacional do
mercado agrícola e pela estratégia norte americana na região mediterrânea, em particular com Marrocos e Jordânia.
64
65
B. Hervieu
, CIHEAM, 2006.
47
Em 2006 as negociações para a liberalização do sector agrícola recome” com o objectivo de reçam e é desenhado o
gular a liberalização dos produtos agrícolas e de pesca, sejam frescos
ou confeccionados. As linhas estratégicas deste
são:
• liberalização recíproca e progressiva;
• abordagem gradual da liberalização;
• liberalização a duas velocidades;
• atenção ao desenvolvimento rural seja do ponto de vista estrutural seja na qualidade dos produtos típicos do Mediterrâneo;
• encorajamento de investimentos privados no sector;
• aumentar as possibilidades de exportação.
A situação actual, perante esta vontade expressa de abertura e apoio, é
ainda a da presença de aduanas, quotas e tarifas suplementares que são
aplicadas aos produtos que entram nos Países da UE: medidas que parecem pertencer a um proteccionismo de longa data.
ESTRUTURA DAS TROCAS
Exportações UE
Exportações MPC’s
Pordutos de uso quotidiano
Fruta
Carne
Vegetais
Produtos caseiros
Azeite
O comércio euromediterrânico é fortemente assimétrico:
• o comércio da UE com os MPC’s atinge apenas 2% das importações e
das exportações de produtos agrícolas totais;
• pelo contrário, as trocas comerciais dos MPC’s acontecem sobretudo
com os Países da UE: constituem 53% das exportações dos MPC’s e 33%
das importações.
CONSEQUÊNCIAS DA LIBERALIZAÇÃO TOTAL DO SECTOR AGRÍCOLA66
A garantia de concessões tarifárias constituiu o modo através do qual foi
aplicada a liberalização comercial agrícola: estas permitem importantes
vantagens no preço das mercadorias para os Países do Sul do Mediterrâneo que as recebam, confirmando a continuidade dos tradicionais fluxos comerciais destes Países com a UE.
48
66
B. Hervieu
, CIHEAM, 2006.
O road-map de 2005 convidada a estabelecer novas e recíprocas aberturas comerciais, para aumentar os fluxos comerciais seja Norte-Sul como Sul-Norte, dando aos actores das duas partes novas oportunidades.
Estas novas aberturas comportariam riscos devidos também às consequências sociais ligadas ao ajustamento de sectores menos competitivos,
quer do Norte quer do Sul do Mediterrâneo. As repercussões de carácter socioeconómico e político são muito fortes para aqueles Países que
não estão organizados para uma abertura de mercados; essas podem
ser de vários géneros:
• a descida dos preços dos produtos poderá fazer aumentar o consumo,
mas também destabilizar pequenos produtores;
• desemprego e migração para as cidades, com o empobrecimento da
faixa de população empregue no sector agrícola;
• uma maior vulnerabilidade dos contextos familiares agrícolas por causa das flutuações dos preços dos produtos de base no mercado internacional;
• um nível de vida pior para as mulheres nas zonas rurais;
• impacto ambiental;
• a destabilização dos níveis de segurança ambiental nos Países do Sul
do Mediterrâneo.
Devemos estar preparados para responder a tais efeitos negativos, tanto mais que o aumento da população na zona do Sul do Mediterrâneo limitou a possibilidade de exportações, dado o aumento da procura interna de produtos alimentares.
VENCEDORES E DERROTADOS
Seguramente os grandes produtores agrícolas e os produtores ligados
ao agrobusiness têm a oportunidade de aumentar as suas exportações
de fruta, vegetais e pescado para a Europa. Mas um forte impacto negativo com a abertura dos mercados na zona euro-mediterrânea regista-se sobre os pequenos produtores e sobre faixas da população mais
pobre inseridas nos contextos urbanos. Pode-se afirmar que, por si só,
o acesso ao mercado agrícola da UE não é uma garantia de sucesso para o desenvolvimento dos Países a Sul do Mediterrâneo, onde a presença de pequenos produtores é a normalidade. Os benefícios de uma completa integração da agricultura no mercado livre dependem muito da
capacidade institucional dos Países do Sul do Mediterrâneo e das suas
políticas internas: das suas instituições, organizações de produtores e
dos actores individuais nos mercados de produtos mediterrâneos. Tais
benefícios dependem ainda da vontade política da UE em “jogar com as
mesmas armas”.
49
INSEGURANÇA ALIMENTAR NA REGIÃO MEDITERRÂNEA67
Os Países da área mediterrânea, sejam aqueles do Norte sejam os do
Sul, caracterizam-se - e nisto diferenciam-se por exemplo dos Países do
Sudeste Asiático ou dos Países da África subsariana - por alguns aspectos comuns:
• nenhum destes Países atinge níveis de pobreza extrema;
• a incidência de doenças infecciosas (ex. malária, HIV/SIDA) è limitada;
• as situações de emergência causadas por desastres naturais ou provocados pelo homem são limitadas e consideradas enfrentáveis.
Os desafios que se apresentam nesta questão são a procura de um equilíbrio entre a liberalização dos mercados e uma abordagem mais atenta
aos objectivos nutricionais: entre o aumento da produtividade e a sustentabilidade ambiental. A produção de bens alimentares nos últimos
vinte anos seguramente mais que duplicou melhorando as condições nutricionais de diversos Países, mas não conseguindo criar situações homogéneas neste sentido: existem comunidades ou segmentos da população que sofrem numa condição de vulnerabilidade, transitória mesmo
crónica, exactamente na questão da insegurança alimentar.
A erosão do capital humano devida à insegurança alimentar pode ser
considerável e pode comprometer o desenvolvimento de um País. Pelo
contrário os benefícios da redução da fome e da má nutrição são muitos
a começar pelo facto de que pessoas mais sãs podem contribuir de forma mais sustentável para o PIB do próprio País, crianças mais sãs podem
ser possibilidades concretas de um futuro melhor. Certamente que colocar em campo instrumentos que possam conduzir as pessoas para fora
da ratoeira da pobreza continua a ser uma das melhores estratégias para superar uma situação de insegurança alimentar.
RISCOS COM A CONDIÇÃO ACTUAL
O cenário que podemos esperar com as condições actuais das relações
Euro-Med não é muito positivo e tem repercussões que não são indiferentes no que diz respeito ao direito a comer, tema deste aprofundamento. A região mediterrânea encontra-se no centro de uma desordem
geopolítica e com fortes desigualdades. Paralelamente, esta região está
sujeita às distorções causadas pela globalização do comércio e aos insuficientes níveis de crescimento e desenvolvimento que os seus Países
atingiram.
67
50
M. Padilla, Z. S. Ahmed e H. H. Wassef,
, CIHEAM, 2005.
Nestes termos existem relações de certa forma estagnadas, já que as
áreas rurais do Sul não parecem estar a ser tidas em consideração, ficando excluídas e abandonadas a si mesmo. A população que trabalha
no sector agrícola está menos protegida com a abertura dos mercados:
O empobrecimento que daí resulta não lhes oferece outra alternativa senão migrar em direcção às cidades ou outros Países. Persistir em tais situações pode produzir uma série de riscos:
• importantes flutuações nos preços dos alimentos de base nos mercados internacionais;
• empobrecimento da condição da mulher nas áreas rurais seja do ponto de vista económico seja social;
• maior degradação ambiental causada pelo declínio do trabalho agrícola e da sobrepopulação das cidades;
• riscos associados à substituição da agricultura tradicional, ligada aos
mercados locais, a uma dimensão mais comercial do trabalho agrícola
projectada para resto do mundo, num período em que a segurança alimentar nos Países do Sul do Mediterrâneo parece atingir níveis de incerteza inesperados.
POR UM FUTURO MELHOR68
O cenário actual poderia melhorar e assim serem dados passos em
frente nas relações Euro-Med, mas existem alguns pontos a ter bem
presentes e três condições que devem ser satisfeitas. Antes de tudo
deve ser reforçada a parceria Euro-Med para garantir um resultado positivo em termos do processo de desenvolvimento dos Países do Sul.
Em segundo lugar é necessário voltar a focar sobre as prioridades
estratégicas para a região.
Para conseguir este cenário devem ser satisfeitas algumas condições:
• é necessário mobilizar todos os actores
envolvidos, dos privados às comunidades
locais, sem esquecer a sociedade civil;
• é necessário estruturar um plano estratégico para o desenvolvimento rural no Sul da
região que parta da diversificação das actividades económicas até ao reforço da coesão social, da reconstrução das relações entre as zonas rurais e as cidades até à
preservação do ambiente e dos seus recursos.
68
B. Hervieu
, CIHEAM, 2006.
51
ANEXO 1
Fontes retiradas de “Impacts of agricultural trade liberalization between
the EU and Mediterranean countries. Sinthesys report”, CIHEAM, 2007
(F. Jacquet, M. Petit, W. Tyner, F. El Hadad).
Principais categorias de produtos exportados pela UE para os Países a Sud do Mediterrâneo (dados de 2004)
Fonte DG TRADE: http://trade.ec.europa.eu/doclib/docs/2006/september/trdoc_117658.pdf
Principais categorias de produtos exportados dos Países
do Sud do Mediterrâneo para a UE (dados de 2004)
52
Fonte DG TRADE: http://trade.ec.europa.eu/doclib/docs/2006/september/tradoc_117658.pdf
MULHERES EM CONTEXTOS RURAIS, UM RECURSO A
VALORIZAR
«Uma parte importante das soluções para combater a fome no mundo é a redução das desigualdades de género» (O desafio da fome 2009. Índice Global. Foco sobre a crise financeira e a disparidade de género, Outubro 2009).
Segundo um velho provérbio chinês «as mulheres suportam metade do
céu».
Todavia, em muitas zonas do nosso planeta, as mulheres assumem este
papel sem qualquer reconhecimento em termos económicos, sociais ou
políticos. Em muitas zonas do nosso planeta persiste uma condição feminina marcada por discriminações, que têm repercussões a nível de má
nutrição (infantil) e de pobreza nos seus Países. Exemplos destas afirmações são a Ásia meridional e a África subsariana. Nesta luta contra a
fome e a pobreza das mulheres, em especial aquelas que vivem em contextos rurais, suportam seguramente a metade mais pesada69. Geralmente privadas do direito à propriedade da terra, ou a herdá-la dos parentes e familiares e privadas da possibilidade de aceder ao crédito, a
capacitação das mulheres que vivem nas zonas rurais nos Países em Vias
de Desenvolvimento representa um dos factores decisivos para combater o flagelo da fome, para que exista mais justiça social, promovendo o
desenvolvimento sustentável para todos.
A maioria das pessoas que vivem na absoluta pobreza (mil e vinte mil
milhões) é constituída por mulheres provenientes de zonas rurais que,
mesmo sendo responsáveis por um quinto das famílias de camponeses
– e em algumas regiões mais de um terço – são apenas proprietárias de
um por cento de todos os terrenos que pertencem às suas famílias, não
tendo então o direito à propriedade dos terrenos que trabalham70.
69
www.fao.org,
, «In all developing regions, female-headed rural households are among the poorest of the poor».
70 www.fao.org,
«[…] In traditional rural societies, commercial agricultural production is mainly a male responsibility. Men prepare land, irrigate crops, and
harvest and transport produce to market. They own and trade large animals such as
cattle, and are responsible for cutting, hauling and selling timber from forests. In fishing communities, capturing fish in coastal and deep-sea waters is almost always a male
domain. Rural women have primary responsibility for maintaining the household. They
raise children, grow and prepare food, manage family poultry, and collect fuel wood and
water. But women and girls also play an important, largely unpaid, role in generating
family income, by providing labour for planting, weeding, harvesting and threshing
crops, and processing produce for sale. Women may also earn a small income for themselves by selling vegetables from home gardens, or forest products. They spend that
income mainly on meeting family food needs and child education […]».
53
A vida das mulheres em contextos de marginalidade rural não é definitivamente mais leve que aquela dos homens. Muitas vezes a sua jornada de trabalho começa uma hora antes da do marido ou do pai, com a
preparação da refeição matinal; as mulheres são também as últimas a repousar de noite, devendo ocupar-se da casa e dos filhos.
As tarefas que lhe são destinadas são quase todas confinadas entre muros da casa ou nas vizinhanças mais próximas: compete à mulher a preparação das refeições, a educação e crescimento dos filhos, a preparação dos preparados médicos para curar doenças ou infecções, o
acompanhamento dos animais de corte e o cultivo de produtos de horta caseira. Ainda são depois encarregadas de apanhar, em redor da casa, as lenhas necessárias para acender o fogo sobre o qual se preparam
as refeições, de procurar água indispensável à vida doméstica, de coser
e remendar as roupas de toda a família e de se dedicarem a fazer pequenos produtos de artesanato, cuja venda muitas vezes representa um
importante contributo para o rendimento familiar.
A cultura machista e patriarcal, ainda bem presente em vastas áreas dos
Países em Vias de Desenvolvimento, desde a América Latina até ao Sudeste Asiático, não permite a valorização do papel da mulher, muitas vezes considerada apenas como um peso, quando não uma desgraça. Por
esta razão às mulheres não é permitida qualquer voz quando se trata de
tomar decisões de âmbito familiar, muito menos nas escolhas que se relacionam com a gestão das aldeias ou das suas comunidades. Portanto,
pese embora o papel crucial nas questões de segurança alimentar, as
mulheres rurais combatem a fome e a pobreza utilizando terrenos marginais com poucos recursos; para além disso, a incapacidade de valorizar o seu trabalho reduz as mulheres a uma posição de inexistência no
mundo das transacções económicas, na distribuição dos rendimentos familiares e nos processos de decisão das suas comunidades71. O direito a
uma instrução é outro dos direitos negados72: em contextos de pobreza,
o acesso à escola é um privilégio para qualquer pessoa e, perante a decisão de escolher qual filho mandar para a escola, a maior parte das famílias que vivem em âmbito rural decide pelos rapazes, que depois devem assumir o papel de chefe de família. Permitir o estudo a uma filha
é muitas vezes considerado uma perda de tempo, considerando que o
melhor investimento no seu futuro é representado pelo casamento73. Depois desta premissa podemos afirmar que é de vital importância «redu71
54
www.fao.org,
«[…] The failure to value their work reduces women to
virtual non-entities in economic transactions, the allocation of household resources,
and wider community decision-making […]».
72 www.fao.org,
, Economic and social perspectives, «[…] only 63 percent of women in least
developed countries can read and write, compared to 73 percent of men and 99 percent of women in developed regions», Agosto 2009.
73
. Índice Global. Foco sobre a crise financeira e a disparidade
de género, Outubro 2009.
zir a disparidade de género, garantindo às mulheres o acesso à educação e aos cuidados de saúde, como condições essenciais para a sua
emancipação económica e política e portanto para combater a fome. A
equação mulheres mais instruídas = melhores oportunidades de acesso
aos alimentos vale para qualquer País que tenha valores elevados de fome. Ao contrário, onde persistem graves discriminações das mulheres e
das crianças, a insegurança alimentar mina os fundamentos e oportunidades de crescimento económico, social e humano […]» (O desafio da
fome 2009. Índice Global. Foco sobre a crise financeira e a disparidade
de género, Outubro 2009). Mas como reduzir a discriminação no campo
da instrução? Por exemplo, reduzindo o custo dos serviços escolares e
aumentando as possibilidades de acesso físico a tais serviços, melhorando o processo de transmissão dos conhecimentos (quer na sua qualidade como na abordagem dos professores), investir em infra-estruturas. E como investir no campo da saúde para resolver algumas questões
de género que causam discriminações? Garantindo o acesso a uma educação tendo em vista uma melhor alimentação e assistência sanitária
com acções de combate à má nutrição infantil; educação sexual; educação para a maternidade, para o aleitamento e crescimento dos neo-natos; educação para a prevenção de doenças74. Outra temática na luta
contra a fome e das acções a favor da soberania alimentar tem que ver
com o nível de participação e de acesso às oportunidades económicas
por parte das mulheres. «[…]
[…]»
(FAO, Women and rural employment.
Fighting poverty by redefining gender
roles, Economic and social perspectives, Agosto 2009).
74
55
Dever-se-ia agir de forma a reduzir as barreiras que impedem o acesso
ao mercado por parte das mulheres e a aumentar o controlo feminino sobre os recursos produtivos. Para este fim é necessária uma reforma dos
direitos de propriedade e uma eliminação das restrições ao crédito; o
desenvolvimento de tecnologias para melhorar o rendimento do trabalho feminino; uma reforma dos sistemas legais para eliminar as discriminações de género e aumentar a participação política acompanhada de
acções concretas para preservar recursos em favor das mulheres75; para além disso seria útil desenvolver programas de trabalho estatal76. Muitos programas de desenvolvimento das condições económicas realizados nos Países do Sul do mundo colocam o tónico no empowerment das
componentes femininas das famílias, na convicção que a percepção da
consciência por parte das mulheres do próprio valor individual e social
possa constituir não apenas uma prioridade para conseguir obter maior
justiça social, mas também ser a chave para as retirar de uma condição
de marginalidade económica e pobreza generalizada. No fundo, o empreendedorismo feminino como instrumento para contribuir ao equilíbrio
familiar e permitir um aumento dos rendimentos de muitas famílias que
se encontram num estado de desastre económico.
75
76
56
www.fao.org,
, Economic and social perspectives, «[…]only 63 percent of women in least developed countries can read and write, compared to 73 percent of men and 99 percent
of women in developed regions», Agosto 2009.
E O PAPEL DAS MULHERES NESTES CENÁRIOS?
UM EXEMPLO VIRTUOSO DA ÁREA A SUL
DO MEDITERRÂNEO
P.A.R.C. (PALESTINIAN AGRICULTURE RELIEF COMMITEES): ““A JUSTIÇA É O PODER E O PODER DA JUSTIÇA”77
A vida não foi fácil em Ein El Sultan, o Campo de Refugiados palestinianos
mais pequeno. Criado em 1948, o Campo chegou a ter 20.000 refugiados, mas a grande maioria foi obrigada a fugir para a Jordânia durante a
“guerra dos seis dias ” em 1967. Situado no sopé do Monte das Tentações, nos arredores da histórica cidade de Jericó, tem actualmente uma população de cerca de 2.000 pessoas. Muitos deles acreditavam poder encontrar trabalho em Israel, mas quando a brutalidade da ocupação se
intensificou durante a segunda intifada (2002) a maioria perdeu o trabalho por causa das severas restrições de movimento impostas.
Hoje a condição de pobreza socioeconómica, as inadequadas infra-estruturas de base como as estradas e os esgotos, os cortes rasos no fornecimento de água, é causada pela ocupação israelita, que provoca grandes
privações a estes refugiados, que continuam a ser na sua maioria dependentes das rações de alimento e de outras formas de ajuda internacional.
Para qualquer um é difícil enfrentar uma situação assim, na completa miséria, que deixa sozinhos aqueles que sofrem de opressão. Mas, felizmente, a determinação em encontrar respostas para este estado de coisas constitui um surpreendente instrumento de mudança, e deu força a um
notável grupo de mulheres do Campo para definir em conjunto, poucos
anos atrás, um modo inovador para se libertarem das suas correntes. Assim começa a inspiradora história da Cooperativa de mulheres de Jericó
que trabalham o couscous Fair Trade. A ideia nasceu da necessidade de
melhorar a sua situação e se tornarem independentes. «O desemprego é
muito alto e nós não podemos depender sempre dos nossos maridos. Por
vezes eles têm trabalho, outras vezes não. Queremos ser capazes de dar
o nosso contributo » explica Zahra Abu Shrar, uma das sócias da Cooperativa. Com uma ideia brilhante mas sem recursos para a realizar, as mulheres aproximaram-se da organização não governamental P.A.R.C. (Palestinian Agriculture Relief Committees) de modo a avaliar a possibilidade de
uma contribuição para as infra-estruturas necessárias e assistência logística. A P.A.R.C. aceitou sem hesitações e iniciaram um trabalho conjunto
para realizar o projecto.
77
www.altromercato.it, G. Sanders (cidadã USA, trabalha sobre os temas da comunicação no Departamento Fair Trade da P.A.R.C), A justiça é o poder e o poder da
justiça dentro do
: A história da cooperativa de couscous
de Jericó, Fevereiro 2009.
57
«Esta é uma iniciativa nossa. Tomamos conta, e nem sequer podemos
imaginar fazer qualquer outra coisa» revela Helen Abu Al-Haija78, uma
das fundadoras da Cooperativa, com vinte e sete anos, mãe de três filhos nascidos no Campo de Refugiados. Cada uma partilha o seu empenhamento para com o projecto, assim como parte de uma história comum numa luta que, como Helen explica, une as mulheres como se
fossem «uma grande família feliz». Para além dos óbvios benefícios resultantes da recolocação da sua posição no mundo, a par da sua gente,
existem as vantagens associadas a trabalhar com o Fair Trade. Todos os
aspectos da Coop. são baseados em princípios de justiça; mesmo o trigo comprado para fazer o couscous vem de uma Coop. biológica e de Fair
Trade de Jenin. A ideia de solidariedade é muito importante para estas
mulheres, como esclarece a Helen ao confessar que «se não fossem os
camponeses “Fair Trade”, nós não teríamos este trabalho». Existe, neste
aspecto, importante terreno de solidariedade e cooperação entre a Cooperativa e as organizações internacionais, que apoiam o seu trabalho
comprando o seu couscous de alta qualidade. «Nós sentimos esta solidariedade e sabemos que o nosso trabalho é apreciado» explica Helen,
com um sorriso orgulhoso que faz eco nas palavras. Unanimemente as
mulheres concordam que desde que começaram a trabalhar na Coop.
de couscous as suas vidas melhoraram significativamente. Antes disso,
o salário do marido de Helen era a única fonte de rendimento para a sua
família de cinco pessoas a qual, tendo em conta a irregularidade do seu
trabalho e salário, apenas permita que sobrevivessem. A sua casa era
muito velha e «necessitava de tantos restauros para poder parecer uma
casa decente». Desde que a Helen assegura uma entrada mensal justa
e estável, ela e o seu marido podem juntar dinheiro suficiente para arranjar o chão, o tecto, a porta e as janelas da sua casa. Conseguiram ainda arranjar um empréstimo na banca para comprar um táxi, que permitiu ao seu marido ter, pela primeira vez depois de anos, um trabalho e
um rendimento estáveis. Cada uma tem uma história semelhante para
contar, Zahra afirma que «a sua família não é mais dependente da ajuda humanitária». Agora são mulheres independentes, levam para casa o
seu merecido salário; para mais estão finalmente em condições de criar
oportunidades antes impossíveis para os seus filhos, e evitar a sua fuga
de casa. A confiança em si mesmas cresceu de forma proporcional ao seu
estatuto social, que foi conquistado pela sua força, auto-determinação,
boa vontade. A promessa de um sucesso semelhante tem lugar na Faixa de Gaza, onde seis Cooperativas Fair Trade de mulheres partilham os
mesmos sonhos e aspirações daquelas da Coop. de Jericó. Dois anos
atrás todas as seis Coop. foram obrigadas a um silêncio por causa do
bloqueio que lhes impediu de importar o que precisavam para produzir,
58
78
Dada a sua experiência com organizações locais de base, Helen foi eleita supervisora da Coop.
e de exportar os seus produtos. O encerramento (das fronteiras entre
Gaza e Israel e Egipto) teve um impacto directo sobre mais de 400 pessoas cuja vida dependia bastante da existência das Coop. Por esta razão
o Fair Trade ocupa um papel único na Palestina; apenas precisa de um
local seguro para semear e os meios para produzir.
P.A.R.C. (PALESTINIAN AGRICULTURE RELIEF COMMITEES): A ORGANIZAÇÃO
É uma das mais importantes organizações não governamentais da Palestina, empenhada em programas desenvolvimento baseados na promoção da produção agrícola. Fundada em 1983 por um grupo de agrónomos, em resposta à degradação desta actividade no vale do rio Jordão
e na West Bank, zonas ocupadas pelo exército israelita. Oferece aos agricultores pobres e marginalizados consultoria em relação a métodos de
cultivo, ao controlo de qualidade e na organização do trabalho. Ocupase também da comercialização dos produtos, portanto da embalagem e
das práticas aduaneiras. Junto com as iniciativas produtivas de base
acompanha a constante promoção de associações femininas e de cooperativas, uma acção particularmente importante num contexto de insegurança como aquele palestiniano.
Em 1990 iniciou um programa alimentar da P.A.R.C., com actividade de
desenvolvimento e venda de produtos agrícolas locais, um projecto dirigido para as mulheres privadas de apoio económico dos homens (mortos, fugitivos ou presos) e confinadas nas suas casas. Depois de algumas
exportações teste com o Fair Trade, a P.A.R.C. entrou no circuito de Comércio Justo e Solidário de forma plena, activa sobretudo na exportação
do couscous. A produção deste alimento constitui a fonte de sobrevivência de numerosas famílias; funciona como um alimento quotidiano, à
base de trigo integral e fermento picado de boulgour (uma variedade de
trigo duro muito apreciada) trabalhado artesanalmente pelas mulheres
da organização. São exportados também outros produtos como as tâmaras, as amêndoas e o azeite de oliveira: todos produtos típicos da cultura palestiniana, produtos ligados à terra onde são cultivados (Faixa de
Gaza e área de Jericó).
As actividades económicas desenvolvidas pelas mulheres fora de casa
trazem um agravamento das suas responsabilidades que pesa nas suas
costas, já empenhadas com a gestão dos filhos, dos animais e da casa,
mas mesmo assim a existência deste espaço autónomo está, pouco a
pouco, a dar frutos: as mulheres adquirem novas competências práticas
de trabalho, mas também de gestão e comerciais, sendo envolvidas na
59
primeira pessoa também na administração e na comercialização dos produtos realizados.
A desagregação económica e social do território, a presença militar israelita, a ocupação das terras e as consequentes desordens, o isolamento
para com o resto do mundo – agravado sobretudo pelo encerramento total das fronteiras que impede as importações e exportações – sufocam
as possibilidades desta gente e, em particular, das mulheres palestinianas, sendo fundamentais as possibilidades que a P.A.R.C. oferece.
Com o encerramento das fronteiras em 2007 ficaram comprometidas
também as infra-estruturas da organização, muito difícil o aprovisionamento de água e distribuição da energia eléctrica e as contínuas incursões destruíram um quarto do cultivo.
As 100 toneladas de couscous que vinham regularmente sendo exportadas das cooperativas de mulheres não podem mais chegar às Lojas do
Mundo portuguesas, italianas e do resto da Europa. Foi no meio desta
trágica situação de emergência que nasceu o projecto Mulheres de Gaza, apoiado pela P.A.R.C., que prevê a aquisição de produções alimentares obtidas in loco e a distribuição pelas famílias com mais necessidades
de oito cooperativas, num total de 250 mulheres de cerca de 150 famílias.
A FIGURA FEMININA NA PALESTINA
As mulheres palestinianas foram sujeitas no tempo a diversas formas de
opressão: aquela patriarcal e de género no seio da sua família e da sociedade; aquela que deriva da discriminação racial e nacionalista.
Hoje as mulheres estão a trabalhar junto da sociedade palestiniana pela autodeterminação em várias frentes: a autonomia a nível nacional associando-se ao movimento de libertação nacional; a autonomia de género e de
classe. A divisão dos papéis por género e portanto do trabalho na sociedade palestiniana é muito rígida: o cuidado da casa é da responsabilidade delas, apesar de muitas trabalharem fora de casa; têm também a responsabilidade de transmitir valores, da prática religiosa e da cultura assumindo
assim a sua posição de subordinação, interiorizando a sua inferioridade e
limitando o seu potencial de acção e de escolha.
A tensão com a ocupação obrigou as mulheres a carregar nas próprias costas o peso do mundo dos homens juntamente com os seus fardos tradicionais, colocando-as num difícil conflito com o mundo dos homens do exército israelita e da sociedade tradicional79.
60
79
www.medmedia.org, N. Espagnioly,
A segunda intifada trouxe uma onda de tradicionalismo em relação à figura feminina, seja por causa das grandes ajudas internacionais, seja
por causa de um aumento da violência: a mulher teve inesperadamente
de assumir o papel de protectora da família; o seu corpo e seu papel como mulher tornam-se uma arma contra a opressão de um povo inteiro.
As mulheres, portanto, pior que sofrerem a violência da ocupação, são
oprimidas pela tradição que a sociedade lhes impõe para garantir a própria sobrevivência. As violações e a violência doméstica triplicaram, assim como o uso de psico-fármacos por parte da população feminina: símbolos de frustração e traumas que se perpetuam no tempo80. No que se
refere à sua inserção no mercado do trabalho, os dados de 2005 demonstram que apenas 14,1% das mulheres com mais de 15 anos tinha
emprego, contra 68,8% dos homens. A metade das mulheres empregadas recebia salários baixos e desenvolvia tarefas modestas. Entre as novas gerações, no entanto, são mais as raparigas a inscreverem-se nas
escolas superiores, enquanto que nas universidades estão quase a par
dos colegas masculinos81. Também no governo as mulheres estão presentes de forma reduzida: No executivo do Hamas, que tomou posse depois das eleições de 25 Maio 2006, o único ministro mulher era Miriam
Saleh; no seguinte governo de unidade nacional estiveram duas. Esta
condição marginal a nível político, económico e social reflecte-se também
na família: em muitos casos os maridos são escolhidos pelos seus pais e
no seio de círculos parentais ou de clãs familiares mais alargados82.
Graças a organizações como a
P.A.R.C. as mulheres têm a oportunidade de se redescobrirem, a partir da própria condição de dignidade e de figura social importante
não apenas no seio do núcleo familiar. Melhor, como figura importante no núcleo familiar não só como mulher, mãe e guardiã, mas
também como uma pessoa capaz
de melhorar a sorte do próprio núcleo, como uma pessoa independente e capaz de tomar decisões,
como sujeito económico de desenvolvimento.
80
www.peacelink.it,
Abril 2005.
81
www.infoaut.org, A. Lano,
Janeiro 2007.
82 Idem.
61
DA PARTICIPAÇÃO AO EMPOWERMENT
O Comércio Justo e Solidário não incide apenas sobre o preço pago ao
produtor, que deve ser justo e portanto capaz de remunerar os custos de
produção e o trabalho dos produtores. Promove directamente práticas de
inclusão e de participação, que incentivam formas de organização do trabalho democráticas e paritárias, valorizando os contributos das mulheres
seja no plano laboral como no processo de decisão. A presença feminina nos comités de gestão comunitária e nas cooperativas com quem o
Ctm-altromercato (parceiro da Equação) trabalha è encorajada. Programas específicos, pensados ad hoc para casos particulares, favorecem o
acesso das mulheres ao crédito e assim sua capacidade de organizar-se
do ponto de vista empresarial, emancipando-se do sistema patriarcal tradicional e redescobrindo o seu valor, como pessoas e como parte activa
e produtiva da sociedade. A abertura, graças também ao fair trade premium, de estruturas como infantários permitem às crianças crescerem
num contexto educativo e lúdico e durante esse tempo às mães dedicarem parte do próprio tempo a actividades extra-familiares, também de
trabalho. Muitos projectos realizados em diversas partes do mundo incidem exactamente nas mulheres de modo a permitir a sua independência. É, sobretudo, o caso dos projectos de artesanato, onde as mulheres
são protagonistas não só da parte produtiva, mas também da gestão e
organização. Escolher os produtos de Comércio Justo e Solidário adquire portanto um duplo valor: promove um comércio internacional que cria
valor económico e social para as populações do Sul do Mundo e valoriza
o papel da mulher e a sua emancipação, económica e cultural.
62
CONCLUSÕES
Agir em defesa da segurança alimentar de todos os Países da região mediterrânea e adaptar a liberalização do sector agrícola às condições rurais da maior parte dos Países do Sul do Mediterrâneo são os desafios
mais importantes e fundamentais.
Se fossem satisfeitas as três condições anteriormente explicadas, a região mediterrânea poderia no futuro ser um espaço de realização de projectos de desenvolvimento sustentável como instrumento para travar os
efeitos de distorção da globalização e contemporaneamente melhorar a
sua competitividade.
O sector agrícola constitui a base da identidade mediterrânea e determina a estrutura das sociedades na região: colaborar com este sector representa um interesse comum. Uma cooperação que pretende, por um
lado, para descobrir um novo equilíbrio que permita conciliar as novas
técnicas agrícolas, a abertura à globalização do Comércio e, por outro,
permitir o desenvolvimento de muitas comunidades ainda hoje em situação de vulnerabilidade e a existência de mercados diversificados.
63
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67
DEFINIÇÃO DO COMÉRCIO JUSTO
“O Comércio Justo é uma parceria comercial baseada no diálogo, na transparência e no respeito, que procura uma maior justiça no comércio internacional. Contribui para o desenvolvimento sustentável ao oferecer
melhores condições comerciais e ao garantir os direitos dos produtores
e dos trabalhadores marginalizados — especialmente dos países do Sul.
As organizações de Comércio Justo têm um compromisso claro com o Comércio Justo, sendo esta a sua missão principal. Elas, suportadas pelos
consumidores, estão activamente envolvidas no apoio aos produtores,
em campanhas de sensibilização e de alteração das regras e práticas do
comércio internacional convencional.
O Comércio Justo é mais do que apenas Comércio: prova que é possível
uma maior justiça no comércio mundial. Sublinha a necessidade de uma
mudança nas regras e práticas do comércio convencional e mostra como um negócio de sucesso pode também colocar as pessoas em primeiro lugar. (definição da WFTO - Organização Mundial de Comércio Justo)
PILARES FUNDAMENTAIS DO COMÉRCIO JUSTO
•
•
•
•
o pagamento de um preço justo aos produtores;
relações estáveis e de longa duração;
pré financiamento;
desenvolvimento sustentável (práticas amigas do ambiente ).
EQUAÇÃO, COOPERATIVA DE COMÉRCIO JUSTO, CRL
A Equação, Cooperativa de Comércio Justo, Crl é a primeira importadora e distribuidora portuguesa de produtos de Comércio Justo, fundada
em 2006 por diversas organizações de base, sem fins lucrativos, que promovem este movimento em Portugal.
Estão associadas ao movimento do Comércio Justo e bem presentes da
acção da Equação palavras como a solidariedade, o voluntariado, a justiça social e a informação para um consumo responsável.
VIAGEM AO CENTRO DA FOME
À DESCOBERTA DAS RESPONSABILIDADES
E DE POSSÍVEIS SOLUÇÕES DO MOVIMENTO
DO COMÉRCIO JUSTO E SOLIDÁRIO
Para obter mais informações:
Em Itália:
Ctm-altromercato
Ufficio Ristorazione Solidale
tel. (0039) 010 25 18 194
fax (0039) 010 86 81 449
e-mail: [email protected]
www.altromercato.it
Em Portugal:
Equação, Cooperativa de Comércio Justo, Crl
Rua do Salto, 143/149
4600-281 Amarante
tel. (00351) 255 449 554
e-mail: [email protected]
www.equacao.org

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