Lore Cecília Marx
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Lore Cecília Marx
entrevista Lore Cecília Marx Enfermeira pela Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP, com MBA em Gestão de Saúde pela Fundação Armando Álvares Penteado – FAAP, Pós-graduada em Administração Hospitalar pela Faculdade de Saúde Pública – USP e Gestão de Qualidade Total, pela Fundação Getúlio Vargas. Participou de vários cursos de atualização em Gerenciamento e Liderança no Brasil e exterior; tendo atuado durante muitos anos na organização e gestão do Serviço de Enfermagem em diversos hospitais de São Paulo. Atualmente presta assessoria e consultoria em Saúde no Estado de São Paulo e em outras regiões do País. Palestrante nos mais diversificados eventos da área de enfermagem, exerce atividades como docente na Universidade Nove de Julho, sendo autora dos livros “Manual de Gerenciamento de Enfermagem” e “Competências Gerenciais na Enfermagem” e de vários artigos publicados em revistas congêneres. RAS – Como a Sra. avalia o atual estágio de implantação do SUS, após 17 anos de sua inserção como política pública, na Constituição Federal de 1988? Lore Cecília Marx – Podemos constatar, no atual momento, a ocorrência de um distanciamento muito grande entre as propostas do Modelo de Gestão do SUS, elaborado em 1998, e a realidade observada no atendimento às necessidades da população. O modelo proposto, cientificamente fundamentado, previa uma participação mais efetiva do Estado; regionalização da assistência; garantia de acesso da população referenciada; termo de compromisso através da Programação Pactuada e Integrada; emissão do cartão SUS e outras medidas, visando o controle, avaliação e maior resolutividade da assistência. O cartão SUS, sobretudo, seria importante instrumento do Modelo, uma vez que facilitaria a agilizaria o atendimento do cidadão, em todo território nacional. Acredito que após todos estes anos, este programa já poderia estar consolidado e operacionalizado, conforme pa- 2 râmetros necessários para facilitar o atendimento à comunidade, mais especificamente, os usuários dos serviços de saúde públicos. De modo geral, a assistência prestada é de boa qualidade; entretanto, a acessibilidade aos serviços, acentuadamente nas grandes instituições, é comprometida, devido à grande demanda e centralização dos atendimentos. Uma alternativa, que considero bastante viável, são os Programas de Saúde da Família – PSF, que, além do caráter assistencial, abarcam também aspectos preventivos e educativos, concorrendo conseqüentemente para uma melhor qualidade de vida da população de menor poder aquisitivo. A descentralização dos atendimentos por complexidade, viabiliza que os grandes hospitais, como é o caso do Hospital das Clínicas, que agrega tecnologia avançada e profissionais especializados, possa ser destinado a atendimentos de casos de maior complexidade. RAS – Desde Florence Nightingale o olhar da enfermeira tem sido mais agudo para as questões hospitalares. O olhar médico é muito centrado na patologia, enquanto o olhar da enfermeira é mais voltado para os aspectos gerais dos “cuidados”... Nem sempre a relação entre médicos e enfermeiros foi harmônica. Como a Sra. classifica e explica atualmente essa relação entre médicos e profissionais de enfermagem, principalmente dos enfermeiros? LCM – Para melhor compreender o relacionamento entre médicos e enfermeiros atualmente, é necessário fazer uma análise retrospectiva neste sentido. Num passado não muito distante, o médico detinha o saber e o poder e o comportamento dos auxiliares e atendentes de enfermagem, nesta relação de autoritarismo, era o de condescendência, seguindo incondicionalmente as diretrizes e recomendações por ele emanadas. À medida em que o enfermeiro foi conquistando seu espaço como profissional, também detentor do conhecimento técnico-científico, esta relação passou a adquirir novas formas, em que o autoritarismo foi sendo, aos poucos, substituído por uma relação mais profissional e de parceria. RAS _ Vol. 7, No 26 – Jan-Mar, 2005 O trabalho nas organizações hospitalares ainda hoje abrange o maior contingente de enfermeiros, que são praticamente preparados para atuar em ambientes intra-institucionais; todavia, esta situação vem sendo atualmente modificada, pois devido aos altos custos com internações, que oneram particularmente as seguradoras e convênios, novas alternativas estão surgindo como propostas para prestação de assistência extrahospitalar; dentre elas, o “Home Care”. Neste novo contexto, as relações entre os profissionais médico e enfermeiro, nos ambientes intra e extra-organizacionais, devem sobretudo estar pautadas no respeito e confiança. É importante ressaltar que as relações construtivas entre estes profissionais são principalmente revertidas em benefício aos pacientes. A Enfermagem hoje é uma profissão consolidada em fundamentos científicos, tendo na S.A.E. – Sistematização da Assistência de Enfermagem, seu principal referencial para prestação de uma assistência qualificada e segura. A fundamentação científica visa fortalecer e desenvolver o enfermeiro, cuja proposta não está voltada para competir e invadir o espaço do médico, mas sim, em compartilhar trabalho e conhecimentos na busca por uma melhor qualidade assistencial. RAS – A proliferação do ensino universitário em geral e dos cursos de enfermagem, em particular, na sua opinião melhorou o padrão assistencial? Como é o novo profissional de enfermagem? LCM – O cerne desta pergunta está na Educação e quando me refiro à Educação, estou falando da Educação de base, aquela que deveria não somente instruir, como também formar e ajudar a construir o futuro de nossos cidadãos. Todos estamos conscientes das falhas de nosso Sistema Educacional. A pessoa chega ao ensino universitário com defasagens das etapas antecedentes, mas tem que necessariamente cursar RAS _ Vol. 7, No 26 – Jan-Mar, 2005 uma universidade, pois o mercado de trabalho exige a formação em curso superior. Atribuo a proliferação de cursos superiores ao descaso de nossos governantes para com a importância da educação na construção de um país menos desigual e mais desenvolvido. Particularmente, considero os estudantes de enfermagem, em sua maioria técnicos e auxiliares de enfermagem, engajados na luta por conseguir um diploma do curso superior, como verdadeiros heróis. Muitos trabalham em dupla jornada, para custear os estudos e cumprir com as despesas familiares, e só agora na maturidade estão tendo oportunidade de estudar. Não existe apenas uma variável a ser considerada quando nos reportamos ao padrão de qualidade assistencial. Não são apenas os cursos universitários considerados bons ou ruins que concorrem para a qualidade assistencial. As variáveis interferentes neste sentido são inúmeras, mas em se tratando de formação profissional, considero não só responsabilidade das universidades as defasagens encontradas; também as instituições do sistema privado, que são refratárias a conceder campo de estágio, têm sua parcela de responsabilidade, pois não estão colaborando para a formação de bons profissionais. As alegações, em sua maioria, atribuídas à resistência de pacientes particulares em ser atendidos por estagiários são infundadas, pois minha experiência profissional com estagiários e bolsistas não retrata este posicionamento. O novo profissional de enfermagem, hoje, está preocupado com seu desenvolvimento profissional e em conquistar o seu espaço nos mais diversos campos em que atua, consciente de seu papel em assegurar ao paciente uma assistência qualificada e humanizada. Ressalto que as organizações hospitalares, principalmente do sistema privado, deveriam rever sua posição quanto à abertura de campo de estágio, pratican- do e não apenas teorizando seu papel de responsabilidade social. RAS – As universidades, através de seus hospitais e centros de saúdeescola foram a principal retaguarda do antigo INAMPS e agora do SUS. Entretanto, a formação de pessoal na área da saúde nunca foi devidamente articulada às demandas do SUS. Em sua opinião, o enfermeiro e os profissionais de enfermagem estão sendo formados em sintonia com as necessidades do país? LCM – Verificamos uma concentração destes profissionais nas grandes cidades, relacionada principalmente a maior oferta de empregos, melhores salários e, conseqüentemente, melhoria do poder aquisitivo e condições de vida. Outro fator aliado a esta situação é o acesso mais fácil a cursos de especialização, que impulsionam o desenvolvimento profissional, através de melhor qualificação. A formação profissional não diverge muito de uma região para outra, por considerar-se que as grades curriculares são definidas pelo MEC, iguais em todo o País. A origem da migração dos profissionais de uma região para outra, ou de uma pequena cidade para os grandes centros, é a maior renda nestes locais; portanto, uma vez mais, conseqüência da desigualdade na distribuição de renda. Constatamos assim que não existe uma sintonia entre formação profissional em atendimento às necessidades do País, pois os segmentos populacionais mais desprovidos de recursos acabam sendo prejudicados pelos impedimentos econômico-financeiros, que dificultam o acesso a qualquer tipo de atendimento. Acredito ser necessária uma revisão nas diretrizes das universidades públicas e o despertar das autoridades governamentais, em criar condições de trabalho e outros incentivos, incluindo o financeiro, que viabilizem a permanência destes profissionais em regiões menos privilegiadas. 3 RAS – O volume de recursos proporcionais ao PIB que o Brasil destina á saúde é similar ao de outros países com melhores indicadores sanitários – Chile e Costa Rica, por exemplo. Há décadas assistimos à interminável discussão apontando ora a falta de recursos, ora a má gestão dos recursos, como responsável por esse ainda ruim quadro sanitário. Na sua opinião, o problema de saúde no Brasil é devido a falta de recursos, falta de gestão ou falta de compromisso? LCM – Em nosso País, as três variáveis encontram-se associadas; basta voltar o olhar aos recentes problemas ocorridos no Rio de Janeiro, intensamente veiculados pela mídia. Estes três fatores realmente concorrem para retratar as condições lastimáveis da saúde no Brasil. Entretanto, o mais preocupante e agravante de todos no âmbito público, a meu ver, é a falta de compromisso dos gestores e a capacidade limitada em buscar alternativas que possam atenuar esta situação. Observamos falta de sensibilidade destes gestores, pois não estão administrando uma indústria de pregos, por exemplo. Neste caso específico, a matéria-prima não tem vida, é inerte, pode-se usar e dispor como se bem entende; no caso das organizações de saúde, a vida encontra-se presente nos menores movimentos. A falta de compromisso apresenta-se de forma mais acentuada nas instituições públicas, onde a autoridade dos gestores acaba sendo diluída, pela falta de respeito dos funcionários, em sua maioria concursados e com estabilidade no emprego. Uma vez que não há compromisso, não existe também preocupação quanto à aplicação correta dos recursos disponibilizados, o que a médio ou longo prazos acaba se revertendo numa situação insustentável. O problema de gestão é muito mais sério do que parece; o gestor de uma organização deve ter pensamento estratégico e preocupação focada no êxito e 4 resultados da organização; ter iniciativa e alta produtividade, sendo capaz de tomar as decisões certas no tempo certo. Na área da saúde, deve ter qualidades especiais para lidar com uma multiplicidade de profissionais, criando um ambiente de competição saudável, onde os esforços de todos possam ser canalizados para o mesmo objetivo. Para obter êxito neste sentido, precisa dominar seu “ego” para saber trabalhar com diferentes personalidades, amenizando desta forma o ambiente de trabalho, que na maioria das Instituições é muito competitivo e estressante. Acredito que uma solução viável para reverter este quadro encontra-se na educação e conscientização dos gestores e profissionais da saúde, por considerar que só com educação, conhecimento e profissionalismo é que poderemos evoluir. RAS – A arte dos cuidados, inerente à pratica da enfermagem, muitas vezes acaba sendo invadida por outras profissões. Por outro lado, os médicos reclamam que muitas vezes a enfermagem invade suas atribuições. Comente um pouco sobre as fronteiras das profissões da área da saúde. LCM – As fronteiras servem para delimitar o espaço profissional específico e conquistado pelas diferentes profissões. Cotidianamente, ocorre que, muitas vezes, são equivocadamente consideradas como invasões ações necessárias em situações rotineiras e adversas, para complementar um serviço que não foi concluído e que era responsabilidade de um profissional específico. As funções e atribuições são bem definidas, tanto as do médico, como as dos enfermeiros, fisioterapeutas, farmacêuticos e demais profissionais da área da saúde. O impasse criado por alguns médicos, em relação aos enfermeiros, tem sua origem muitas vezes em situações criadas por eles próprios; tais como, distanciamento do paciente, prescrever por tele- fone, não identificar alterações na evolução do paciente, não atender aos chamados, não assumir sua conduta, examinando o paciente e fazendo prescrições condizentes com as ocorrências do momento. Nestas situações, o enfermeiro, necessariamente, tem que intervir, em benefício do paciente e de acordo com a ética profissional. Os enfermeiros, como os demais profissionais da área da saúde, possuem conhecimentos técnico-científicos que os habilitam a prestar os cuidados necessários aos pacientes. Atualmente, muitos possuem Especialização, Mestrado e Doutorado, aprimorando seus conhecimentos e visando melhor qualificação profissional. A invasão de fronteiras profissionais requer a avaliação de uma série de fatores intervenientes em cada situação específica; se todos cumprirem corretamente com suas obrigações, não deixarão lacunas que necessitarão de intervenções de outros profissionais. Gostaria de ressaltar que muitas vezes a invasão de fronteiras é criada por modelos mentais pré-concebidos, estando geralmente relacionados a sentimentos de insegurança, medo, prepotência, poder, entre outros. RAS – Os enfermeiros, que constituem o maior contingente de funcionários, foram pioneiros com os programas de reciclagem e treinamento em serviço, através dos programas de educação continuada dentro dos hospitais. Comente um pouco sobre isso, a origem e os resultados em relação à qualidade hospitalar. LCM – A educação continuada teve sua origem em atendimento a uma necessidade premente da Enfermagem para melhorar o desempenho da equipe, constituída na sua maioria por atendentes de enfermagem, os quais eram admitidos por contingência do mercado. Nesta ocasião, não havia enfermeiros e nem mesmo auxiliares de enfermagem suficientes para suprir as necessidades RAS _ Vol. 7, No 26 – Jan-Mar, 2005 institucionais. As mudanças tiveram início nos anos 70, com o surgimento de várias escolas para formação de enfermeiros e auxiliares de enfermagem e com a regularização do COFEN, que extinguia o cargo de atendente, abrindo espaço para os auxiliares de enfermagem. Atualmente, já existe projeto de lei que prevê a extinção do cargo de auxiliar de enfermagem, restringindo o campo de atuação somente a técnicos de enfermagem e enfermeiros. A contribuição da educação continuada para a qualidade assistencial é imensurável, pois além de capacitar, educar e reeducar os profissionais, também preocupa-se em estimular o pensamento crítico e a capacidade em solucionar problemas, conduzindo a uma maior assertividade na tomada de decisões. Programas estanques em educação continuada não atingem os resultados almejados. Seu planejamento deve contar com a opinião e manifestação do interesse dos profissionais da área, podendo ocorrer em nível intra ou extra-institucional e atingir a maioria dos profissionais atuantes, através de multiplicadores. Podemos identificar os reflexos da educação continuada na qualidade assistencial, através da avaliação dos resultados aferidos através da utilização de Indicadores de Qualidade pela Enfermagem, dentre os quais: Número de Quedas dos Leitos; Formação de Úlceras de Pressão; Incidência de Flebites por uso de CVP e outros traumas e ocorrências. Uma equipe qualificada e comprometida com resultados contribui para a diminuição das iatrogenias, tendo atenção focada nos Indicadores de Qualidade, cuja mensuração, deve preferencialmente trazer resultante “zero”. RAS – Os hospitais públicos através de seus concursos periódicos têm admitidos funcionários, inclusive pessoal de enfermagem bastante inexperiente. Após certo tempo, as pessoas treinadas e recicladas no serviço público acabam sendo contrataRAS _ Vol. 7, No 26 – Jan-Mar, 2005 dos para trabalhar nos serviços privados... Algumas vezes em dupla jornada... Comente um pouco sobre isso... LCM – O aspecto mais preocupante desta questão é, sem dúvida, a dupla jornada de trabalho, prejudicial à organização, ao paciente e ao profissional. Entretanto, é quase impossível evitar este problema, por encontrar-se associado a inúmeras causas, tais como, necessidade de segurança, melhor remuneração e maior renda, custear estudos, entre outras. Outro fator a ser avaliado é a restrição imposta por alguns hospitais da rede privada em admitir profissionais sem experiência anterior. Apesar de a remuneração oferecida pelas instituições públicas ser inferior à das instituições privadas, o acesso para o primeiro emprego acaba ocorrendo, geralmente, através dos concursos públicos. De modo geral, a continuidade dos programas para prestação de assistência é interrompida quando há mudanças governamentais, tanto no âmbito estadual como no municipal, o que acarreta na maioria das vezes um retrocesso no sistema de trabalho e atendimento à população. Não que exista uma preferência dos profissionais menos experientes pelo serviço público; a determinante para esta opção está na oportunidade de ingressar no mercado de trabalho. Podemos constatar, entretanto, que profissionais mais experientes procuram colocação na rede privada, em decorrência da oferta de melhores salários. Estas situações são realmente paradoxais; a dupla jornada é sustentada pela insegurança presente na rede privada, que prioriza pontualidade, assiduidade, comprometimento, entre outros fatores, que não são observados com tanto rigor pelo serviço público. Para surpresa de alguns, gostaria de considerar que o enfermeiro recém-formado é idealista, motivado a praticar o que aprendeu, estando apto a corresponder eficientemente às expectativas de seu empregador, superando muitas ve- zes o desempenho de profissionais mais experientes, geralmente presos a velhos hábitos e resistentes a novos aprendizados. Recentemente, uma frase colocada em uma entrevista chamou muito minha atenção. Dizia: “Não dá para fazer sempre as mesmas coisas e esperar resultados diferentes”. As organizações de saúde devem priorizar a inovação e a criatividade, através de um ambiente que possa oferecer desafios, que não ofusque o desenvolvimento dos talentos e que combata com firmeza a inércia e acomodação que impedem o crescimento. Apesar da remuneração oferecida pelas instituições públicas ser inferior à das instituições privadas, o acesso para o primeiro emprego acaba ocorrendo, geralmente, através dos concursos públicos. 5 RAS – Qual é o recurso mais difícil de ser administrado na área da saúde: material, financeiro ou humanos? LCM – Considero os três fatores de muita complexidade. O primeiro, está atrelado à disponibilidade financeira e, o segundo, encontra-se associado à ocupação, demanda de clientes e gestão eficaz dos recursos financeiros. O terceiro, segundo minha ótica, é o mais difícil, por tratar-se de pessoas, que são seres que pensam, sentem, opinam, reagem e cobram mudanças e desafios. Quanto aos dois primeiros, são fatores tangíveis; quando administrados de forma competente, geram resultados positivos, de acordo com planejamento prévio. O fator humano, entretanto, é mais difícil, pois o comportamento humano é de certa forma imprevisível. Questões que envolvem pessoas são mais difíceis, pois exigem mais do que dados concretos, requerem também intuição. Atrair, reter e desenvolver pessoas é uma tarefa muito complexa. O grande segredo, quanto a este aspecto, está na boa liderança, que deve saber respeitar a diversidade de sua equipe e harmonizar o ambiente de trabalho. É importante considerar que todas as pessoas são diferentes, tendo sonhos e expectativas também diferentes; o grande desafio do líder está em aprender a solucionar os pequenos problemas do dia-a-dia e saber lidar com estas diferenças com respeito e equilíbrio. RAS – O que a Sra. acha que se desperdiça mais no setor saúde. Tempo, dinheiro ou talentos? LCM – Infelizmente, terei que afirmar que são os três. Entretanto, irei respaldar minha afirmação dentro de duas perspectivas: a de âmbito público e a de âmbito privado. No âmbito privado, os talentos são muito desperdiçados. O tempo talvez nem tanto, pois, de modo geral, o serviço é opera- 6 cionalizado com um quadro de pessoal bastante reduzido, adequado às necessidades e, muitas vezes, até mesmo aquém do extremamente necessário. De acordo com esta situação, o tempo necessariamente é bem aproveitado e, em muitas instituições, o profissional chega ao limite de suas capacidades físicas, perdendo-se com isto, muitas vezes, bons profissionais. O dinheiro é valorizado e bem administrado e a política vigente preza pela minimização dos desperdícios. Entretanto, os talentos são pouco valorizados e aproveitados e obscurecidos em prol da vaidade de outros profissionais. Identificar e valorizar talentos é tarefa das lideranças; um profissional de talento é aquele que reconhecidamente se sobressai dos demais num campo específico de atuação. Cabe assim às lideranças promover a articulação entre os talentos e profissionais do conhecimento, pois uma organização precisa de ambos, não havendo espaço só para o profissional que planeja; ela precisa também daquele que sabe levar à frente e executar o que foi planejado. No âmbito público, temos um cenário totalmente diferente, onde constatamos que tanto o tempo, como o dinheiro e talentos são ostensivamente desperdiçados. Basta observar o quadro de pessoal superdimensionado e a prática do nepotismo, além de distribuição inadequada de cargos, com excesso de funcionários em algumas áreas em detrimento de outras de maior importância. O dinheiro também é desperdiçado pela falta de comprometimento no trabalho, não sendo observada preocupação com desperdício de materiais e conservação de equipamentos. Neste ambiente, os talentos não encontram condições propícias para aflorar suas potencialidades, acomodando- se em sua zona de conforto ou partindo para a iniciativa privada, onde possam encontrar condições mais favoráveis. RAS – E o enfermeiro do futuro. Como a Sra. vislumbra esse profissional? E a especialização dos enfermeiros? LCM – Seguindo a tendência das demais profissões, o Enfermeiro do futuro deverá preocupar-se em administrar bem sua carreira, para que possa manter-se ativo no mercado competitivo e corresponder às novas exigências que lhe serão impostas. Para obter êxito no futuro, necessitará manter sempre o foco no mercado em que atua e identificar as qualidades que precisa desenvolver no presente, para assegurar seu diferencial mais à frente. A especialização é uma necessidade, procedente dos avanços da Medicina e da tecnologia, fatores que requerem maior conhecimento técnico-científico e atualização constante, para acompanhamento adequado às inovações surgidas e para prestar um melhor atendimento ao cliente/paciente, médico e Instituição. Considero que o Enfermeiro tem boas perspectivas para um futuro melhor. Se souber utilizar bem seu potencial e as instituições lhe oferecerem condições apropriadas para praticar sua profissão, condizente com as necessidades e expectativas do cliente, sem dúvida, continuará conquistando seu espaço profissional. RAS – Deixe uma mensagem final. LCM – A mensagem que quero deixar aos profissionais de Enfermagem é que façam de sua trajetória profissional um caminho que possa lhes trazer satisfação, felicidade e realização. Que trabalhem e liderem com a alma, organizando suas vidas para concretizar seus sonhos, construindo seu futuro pautado no caráter, na integridade e ética. RAS _ Vol. 7, No 26 – Jan-Mar, 2005