Nova Iorque, 16 de outubro de 2013 A Sua Santidade, o Papa

Transcrição

Nova Iorque, 16 de outubro de 2013 A Sua Santidade, o Papa
HUMAN RIGHTS WATCH
350 Fifth Avenue, 34th Floor
New York, NY 10118-3299
Tel:
212-290-4700
Fax:
212-736-1300
Nova Iorque, 16 de outubro de 2013
Kenneth Roth, Executive Director
Deputy Executive Directors
Michele Alexander, Development and Global Initiatives
Carroll Bogert, External Relations
Iain Levine, Program
Chuck Lustig, Operations
A Sua Santidade, o Papa
Palácio Apostólico
Bruno Stagno, Advocacy
Dinah PoKempner, General Counsel
James Ross, Legal and Policy Director
Division and Program Directors
Brad Adams, Asia
Santíssimo Padre,
Daniel Bekele, Africa
Alison Parker, United States
José Miguel Vivanco, Americas
Sarah Leah Whitson, Middle East and North Africa
Hugh Williamson, Europe and Central Asia
Joseph Amon, Health and Human Rights
Shantha Rau Barriga, Disability Rights
Peter Bouckaert, Emergencies
Zama Coursen-Neff, Children’s Rights
Richard Dicker, International Justice
Bill Frelick, Refugees’ Rights
Arvind Ganesan, Business and Human Rights
Liesl Gerntholtz, Women’s Rights
Steve Goose, Arms
Graeme Reid, Lesbian, Gay, Bisexual, and Transgender Rights
Advocacy Directors
Philippe Bolopion, United Nations, New York
Maria Laura Canineu, Brazil
Kanae Doi, Japan
Jean-Marie Fardeau, France
Meenakshi Ganguly, South Asia
Tiseke Kasambala, Southern Africa
Lotte Leicht, European Union
Sarah Margon, Washington DC
David Mepham, United Kingdom
Wenzel Michalski, Germany
Elaine Pearson, Australia
Juliette de Rivero, United Nations, Geneva
Board of Directors
Hassan Elmasry, Co-Chair
Joel Motley, Co-Chair
Wendy Keys, Vice-Chair
Susan Manilow, Vice-Chair
Jean-Louis Servan-Schreiber, Vice-Chair
Sid Sheinberg, Vice-Chair
John J. Studzinski, Vice-Chair
Michael G. Fisch, Treasurer
Bruce Rabb, Secretary
Karen Ackman
Jorge Castañeda
Tony Elliott
Michael E. Gellert
Hina Jilani
Betsy Karel
Robert Kissane
Kimberly Marteau Emerson
Oki Matsumoto
Barry Meyer
Aoife O’Brien
Joan R. Platt
Amy Rao
Ao longo dos últimos meses, Vossa Santidade deixou clara sua visão
de uma Igreja dos pobres e para os pobres, e escolheu seu próprio
nome no mesmo sentido. Suas ações nos remetem às palavras da
Gaudium et Spes: "As alegrias e as esperanças, as tristezas e as
angústias dos homens de hoje, sobretudo dos pobres e daqueles
que sofrem, são também as alegrias e as esperanças, as tristezas e
as angústias dos discípulos de Cristo".1
Escrevo-lhe hoje para falar do sofrimento e angústia de um desses
grupos de pessoas que sofrem: as perseguidas minorias sexuais,
que continuam a enfrentar graves maus-tratos, mesmo em
comunidades católicas. Escrevo-lhe na condição de Diretor do
Programa de Direitos para Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transgêneros
(LGBT) da Human Rights Watch.
A Human Rights Watch se dedica à proteção dos direitos humanos
ao redor do mundo. Unimo-nos às vítimas e ativistas para prevenir a
discriminação, defender a liberdade política, proteger as pessoas de
condutas desumanas em tempos de guerra e levar os agressores à
justiça. Investigamos e denunciamos violações de direitos humanos,
responsabilizando os perpetradores. Desafiamos governos e
governantes a eliminarem as práticas abusivas e respeitarem os
tratados internacionais de direitos humanos. Buscamos engajar o
público e a comunidade internacional no apoio à causa dos direitos
humanos para todos.
Neil Rimer
Entendo que a Igreja Católica e a Human Rights Watch abordam os
direitos das minorias sexuais a partir de perspectivas diferentes, e
há vários pontos em que discordamos. No entanto, acredito que
Victoria Riskin
Graham Robeson
Shelley Rubin
Kevin P. Ryan
Ambassador Robin Sanders
Javier Solana
Siri Stolt-Nielsen
Darian W. Swig
John R. Taylor
Amy Towers
Marie Warburg
Catherine Zennström
1
Constituição Pastoral da Igreja no Mundo Moderno - Gaudium et Spes, 7 de dezembro de 1965,
http://www.vatican.va/archive/hist_councils/ii_vatican_council/documents/vat-ii_cons_19651207_gaudiumet-spes_en.html (acessado em 29 de setembro de 2011).
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também temos pontos em comum a partir dos quais podemos avançar.
No passado, a Santa Sé deixou claro que considera a homossexualidade uma
deficiência moral que orienta indivíduos em direção ao pecado.2 Além disso, a Santa
Sé tem historicamente questionado as categorias de "orientação sexual" e
"identidade de gênero", essenciais ao nosso trabalho.3
Entendemos que a Igreja tem o direito de defender suas doutrinas a respeito da
sexualidade na esfera pública, porém gostaríamos de solicitar a Vossa Santidade
que se junte a nós para garantir que ninguém utilize dessas concepções para
justificar ou endossar agressões ou abusos degradantes contra as minorias sexuais.
Acreditamos que a Igreja possa reafirmar sua crença na humanidade fundamental
de todas as pessoas ao se pronunciar firmemente contra os abusos e maus-tratos de
todas as populações vulneráveis.
A Santa Sé já se posicionou contra a violência, discriminação injusta e sanções
penais contra minorias sexuais. Em sua doutrina, assim como em várias declarações
públicas na Assembleia Geral das Nações Unidas, a Igreja expôs a necessidade de
proteger a dignidade humana de todos. De acordo com declarações e ensinamentos
anteriores da Igreja, este respeito pela dignidade humana requer ações concretas
que possam criar um ambiente em que as minorias sexuais possam viver em paz
como membros legítimos da sociedade.
Em seu próprio ministério, Vossa Santidade defendeu uma posição católica que
respeita os direitos civis das minorias sexuais, sem menosprezar os ensinamentos
morais da Igreja sobre a ética da sexualidade. Apoiamos as recentes declarações de
Vossa Santidade a respeito da necessidade de se evitar o assédio religioso e
atender às necessidades daqueles que se encontram marginalizados.4
Recentemente, Vossa Santidade apresentou uma pergunta retórica: "Digam-me:
quando Deus olha para uma pessoa homossexual, Ele ampara a existência desta
2 Catecismo da Igreja Católica, (Vatican City: Libreria Editrice Vaticana, 1993),
http://www.vatican.va/archive/ENG0015/_INDEX.HTM (acessado em 30 de setembro de 2013); Carta aos
Bispos da Igreja Católica sobre o Cuidado Pastoral das Pessoas Homossexuais, 01 de outubro de 1986,
http://www.vatican.va/roman_curia/congregations/cfaith/documents/rc_con_cfaith_doc_19861001_homose
xual-persons_en.html (acessado em 30 de setembro de 2013).
3 Nesta carta, referimo-nos às "minorias sexuais" para incluir todas as pessoas que não se encaixam nas
definições tradicionais de sexo e gênero, como aquelas que se identificam como lésbicas, gays, bissexuais e
transgêneros. Entendemos que estas categorias não se alinham diretamente com o que a Santa Sé identificou
como "pessoas homossexuais". Ver a Declaração da Delegação da Santa Sé na 63ª Sessão da Assembleia
Geral das Nações Unidas sobre a Declaração dos Direitos Humanos, Orientação Sexual e Identidade de Gênero,
18 de dezembro de 2008, http://www.vatican.va/roman_curia/secretariat_state/2008/documents/rc_segst_20081218_statement-sexual-orientation_en.html (acessado em 8 de outubro de 2013).
4 Jorge Mario Bergoglio e Abraham Skorka, On Heaven and Earth (New York: Random House, 2013), p 114; e
Rachel Donadio, “On Gay Priests, Pope Asks, ‘Who Am I to Judge?’ New York Times, 29 de julho de 2013,
http://www.nytimes.com/2013/07/30/world/europe/pope-francis-gay-priests.html (acessado em 30 de
setembro de 2013).
2
pessoa com amor ou a rejeita e a condena?". 5 Infelizmente, muitas comunidades
católicas não têm adotado esta posição.
Tememos que o entendimento da Santa Sé não é sempre transmitido
consistentemente às comunidade religiosas locais ao redor do mundo. Enquanto
alguns líderes da Igreja têm agido de acordo com uma perspectiva de paz e
tolerância, muitos outros têm falhado nesse propósito. Nos últimos anos, tanto
católicos leigos quanto religiosos têm, por meio de seus atos e palavras, promovido
políticas e práticas desumanizadoras que contribuem para um clima no qual a
violência contra os integrantes de minorias sexuais ocorre com impunidade.
Visto que compartilhamos o compromisso com o fim de toda forma de violência,
discriminação e sanções penais injustas, solicitamos respeitosamente que Vossa
Santidade garanta que a Igreja se manifeste, com uma só voz, sobre estes assuntos.
Especificamente, pedimos a Vossa Santidade que:




Trate clara e publicamente da condenação à violência contra as minorias sexuais,
tanto por parte do Estado quanto por agentes privados;
Defenda a descriminalização das relações sexuais consensuais e apoie a revogação
de outras sanções penais injustas que discriminam minorias sexuais;
Ajude a moderar o tom das declarações públicas de líderes locais da Igreja sobre a
sexualidade; e
Defenda proteções legais mais abrangentes para as minorias sexuais.
A seguir, descrevemos com mais detalhes os abusos contra minorias sexuais que
temos documentado, articulamos os ensinamentos relevantes da Igreja que
promovem a dignidade de todos, citamos casos em que líderes católicos
defenderam os direitos da população LGBT e pedimos que Vossa Santidade reitere
com firmeza uma mensagem pública de tolerância.
Tememos que, sem uma mensagem clara de Vossa Santidade e da Santa Sé sobre
estas questões, alguns membros da Igreja continuarão a usar os ensinamentos
católicos para legitimar agressões contra pessoas que se encontram vulneráveis por
conta de sua orientação sexual ou identidade de gênero. Temos certeza de que a
liderança de Vossa Santidade pode prevenir o sofrimento desnecessário e contínuo
de milhões de pessoas marginalizadas e perseguidas ao redor do mundo.
Evidências dos Abusos
Pesquisas da Human Rights Watch mostram que vários líderes de comunidades
católicas têm ignorado ou ativamente contrariado a posição oficial da Igreja em
relação às minorias sexuais.
Na República dos Camarões, por exemplo, o arcebispo Samuel Kléda e outros
líderes católicos têm apoiado sanções penais injustas contra integrantes de
Antonio Spadaro, “A Big Heart Open to God,” America, 30 de setembro de 2013,
http://www.americamagazine.org/pope-interview (acessado em 30 de setembro de 2013).
5
3
minorias sexuais, enquanto deixam de denunciar a violência a que estas populações
vulneráveis são rotineiramente submetidas.
Camarões possui o pior histórico do continente africano em relação à perseguição
de homossexuais. 6 Na República dos Camarões, pessoas são frequentemente
presas e processadas simplesmente por "serem gays" - o que é presumido pelas
autoridades a partir da maneira com a qual elas se vestem, seus trejeitos ou gostos
pessoais. Organizações que trabalham para defender os direitos da população LGBT
enfrentam ataques terríveis. Recentemente, um ativista dos direitos humanos LGBT,
Eric Lembembe, foi brutalmente torturado e assassinado. 7
Infelizmente, o arcebispo Kléda não apenas falhou em denunciar estes atos
deploráveis, mas também contribuiu ativamente para um ambiente de hostilidade
em relação às minorias sexuais. Em fevereiro, por exemplo, o arcebispo Kléda se
juntou a um grupo de católicos, integrantes do sistema judiciário, a Associação dos
Juristas Católicos Camaroneses, com o objetivo de defender, publicamente, a
criminalização da homossexualidade. Ao fazê-lo, citou, durante um painel de
discussão, uma passagem do Levítico 20:13, que defende a pena de morte no caso
de relações sexuais entre dois homens.8 Na República dos Camarões, sob o disposto
na seção 347 bis, uma pessoa que participe de "relações sexuais com outra do
mesmo sexo" já pode enfrentar uma pena de prisão de até cinco anos. O arcebispo
Kléda parece pressupor que a lei atual é leniente demais.
Acreditamos que os líderes católicos devem condenar abertamente este tipo de
declaração, uma vez que mina a posição da Santa Sé e contribui para um verdadeiro
clima de ódio, assédio, violência e morte.
Na Nigéria, políticos têm debatido, desde 2006, uma série de medidas legais
visando criminalizar o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo, impor penas
severas a casais homossexuais e até tornar crime a participação de indivíduos em
grupos que defendam os direitos das minorias sexuais.9 Um projeto de lei nesse
sentido foi recentemente aprovado na Câmara dos Deputados nigeriana,
aproximando-o ao status oficial de lei.
A Igreja tem endossado estas propostas de políticas punitivas. Em 2009, o
reverendo Patrick Alumake, falando em nome da Igreja Católica nigeriana na
Assembleia Nacional Nigeriana, disse que a Igreja apoiava o projeto de lei
Human Rights Watch, Cameroon—Guilty by Association, Human Rights Violations in the Enforcement of
Cameroon’s Anti-Homosexuality Law, março de 2013, http://www.hrw.org/reports/2013/03/21/guiltyassociation
7 Ver exemplo “Cameroon: LGBTI Rights Activists Found Dead, Tortured,” comunicado de imprensa da Human
Rights Watch, 16 de julho de 2013, http://www.hrw.org/node/117231.
8 Steve Libam, “Cameroun: Les juristes catholiques disent non à l’homosexualité, ” AllAfrica.com, 24 de
fevereiro de 2013, http://fr.allafrica.com/stories/201302250523.html (acessado em 30 de setembro de 2013).
9 “Nigerian lawmakers pass anti-gay bill,” Reuters, 31 de maio de 2013,
http://in.reuters.com/article/2013/05/30/nigeria-gay-law-idINDEE94T0EW20130530 (acessado em 30 de
setembro de 2013).
6
4
"sinceramente".10 No último mês de maio, quando a Câmara dos Deputados aprovou
o projeto de lei, a Igreja nigeriana não denunciou as disposições da legislação que
limitam seriamente os direitos civis das minorias sexuais. Pelo contrário, nos meses
que antecederam sua votação final, o cardeal John Olorunfemi fez uma homilia
condenando o casamento entre pessoas do mesmo sexo e aparentemente apoiando
a legislação. 11
Reconhecemos que a Igreja Católica nigeriana tem o direito de defender sua posição
contra ou a favor do casamento entre pessoas do mesmo sexo, assim como
qualquer outra entidade nigeriana. No entanto, o projeto de lei em questão vai muito
além de uma posição em relação ao casamento, criminalizando qualquer um que
registre, opere ou participe de clubes, sociedades e organizações para minorias
sexuais, assim como demonstrações públicas de afeto entre pessoas do mesmo
sexo.12 O projeto de lei procura negar a liberdade de expressão que a própria Igreja
exerce em seu ministério. Acreditamos firmemente que a Igreja deve declarar
publicamente a sua oposição às leis e líderes que transmitam uma mensagem de
ódio e compactuem com a perseguição de grupos minoritários vulneráveis.
Em Uganda, a Igreja Católica tem oscilado em sua posição sobre os direitos civis
fundamentais das minorias sexuais. Em dezembro de 2009, o arcebispo Cyprian
Lwanga se posicionou contra o projeto de Lei Anti-Homossexualidade Ugandense,
que propunha penas de prisão perpétua ou mesmo de morte para atos sexuais entre
pessoas do mesmo sexo. O arcebispo Lwanga disse que a lei era "contrária aos
valores cristãos" como "respeito, compaixão e sensibilidade".13 Na época, a Santa
Sé também condenou a lei como discriminação injusta.14 Em junho de 2012, no
entanto, uma coalizão das igrejas Anglicana, Católica e Ortodoxa pediu ao
parlamento ugandense que acelerasse o processo de implementação de uma versão
dessa lei.15 Ao juntar-se à coalizão, a Igreja Católica ugandense pareceu aceitar uma
“Nigeria Gay Activists Speak Out,” BBC News, 11 de março de 2009,
http://news.bbc.co.uk/2/hi/africa/7937700.stm (acessado em 30 de setembro de 2013).
11 “Same Sex Marriage is a change to God’s Order,” Citizen’s Platform, 17 de fevereiro de 2013,
http://citizensplatform.net/2013/02/same-sex-marriage-is-a-change-to-gods-order-cardinal-onaiyekan/
(acessado em 30 de setembro de 2013).
12 “Nigerian lawmakers pass anti-gay bill,” Reuters, 31 de maio de 2013,
http://in.reuters.com/article/2013/05/30/nigeria-gay-law-idINDEE94T0EW20130530 (acessado em 30 de
setembro de 2013).
13 Rodney Muhumuza, “Catholic bishops oppose gays Bill,” Daily Monitor, 12 de janeiro de 2013,
http://www.monitor.co.ug/News/National/-/688334/840276/-/wh9b6q/-/index.html (acessado em 30 de
setembro de 2013).
14 Paddy Maguire, “Vatican speaks out against Uganda anti-gay laws,” Radio Netherlands Worldwide, 17 de
dezembro de 2009, http://www.rnw.nl/english/article/vatican-speaks-out-against-uganda-anti-gay-laws
(acessado em 30 de setembro de 2013).
15 John Tugume, “Bishops wanted shelved anti-gay Bill dusted,” Daily Monitor, 10 de junho de 2012,
http://www.monitor.co.ug/News/National/Bishops+want+shelved+anti+gay+Bill+dusted/-/688334/1424158//item/0/-/erfgenz/-/index.html (acessado em 30 de setembro de 2013).
10
5
proposta de lei que não apenas elevaria as penas existentes para atos sexuais entre
pessoas do mesmo sexo à prisão perpétua ou mesmo à morte, mas também exigiria
que ugandenses informassem as autoridades se soubessem que alguém é
homossexual, sob pena de sanções penais.16
No Caribe, o arcebispo de Kingston, na Jamaica, Charles Dufour, também se recusou
a condenar tanto a violência endêmica enfrentada pelas minorias sexuais na
Jamaica quanto a criminalização, promovida pelo governo jamaicano, de atos
sexuais privados e consensuais entre adultos.17 Nos últimos anos, a Human Rights
Watch, a Organização dos Estados Americanos, o Departamento de Estado dos
Estados Unidos e outras organizações governamentais têm criticado a disseminada
violência sofrida pelas minorias sexuais na Jamaica.18 Espancamentos, violência
policial, tortura e assassinatos de integrantes dessas minorias são comuns.19
Assim como em outras partes do Caribe, grupos locais que defendem os direitos
dessas populações estão se opondo à lei anti-sodomia na Jamaica. Quando
instados por tais grupos a esclarecer a posição da Igreja Católica sobre a
criminalização de atos consensuais entre parceiros do mesmo sexo, o arcebispo
Dufour afirmou não sentir "necessidade de fazer qualquer declaração especial" em
relação a este debate na Jamaica.20 No entanto, o arcebispo Dufour, chamou a
atenção para a difamação e perseguição sofrida por grupos religiosos que se
posicionavam contra os direitos das minorias sexuais.21
Consideramos esta declaração desalentadora. O arcebispo Dufour e outros líderes
da Igreja Jamaicana perderam uma importante oportunidade de dar substância à
posição da Santa Sé e contribuíram para o clima perverso enfrentado por muitos
jamaicanos.
Na República Dominicana, o cardeal Nicolás López Rodríguez recentemente se opôs
de forma contundente à nomeação de James Brewster, um homem abertamente gay,
ao posto de embaixador dos EUA na República Dominicana. O cardeal López
Rodríguez se referiu a Brewster em rede de televisão nacional como um "maricas"
Gregory Warner, “Activists Fight Uganda’s Anti-Gay Bill,” National Public Radio, 04 de agosto de 2013,
http://www.npr.org/templates/story/story.php?storyId=208825148 (acessado em 30 de setembro de 2013).
17 Carta do Rev. Charles H. Dufour, Arcebispo de Kingston, Jamaica, a Maurice Tomlinson, 17 de junho de 2013,
http://76crimes.files.wordpress.com/2013/06/dufour-to-tomlinson-062013.pdf (acessado em 30 de
setembro de 2013).
18 Human Rights Watch, Jamaica – Hated to Death: Homophobia, Violence, and Jamaica’s HIV/AIDS Epidemic,
Volume 16, No. 6 (B), novembro de 2004, http://www.hrw.org/reports/2004/11/15/hated-death-0; and
Michael Lavers, “Jamaica LGBT advocates condemn cross-dressing teenager’s murder,” Washington Blade,
http://www.washingtonblade.com/2013/07/23/jamaican-lgbt-advocates-condemn-murder-of-cross-dressingteenager/ (acessado em 30 de setembro de 2013).
19 Human Rights Watch, Jamaica – Hated to Death.
20 Carta do Rev. Charles H. Dufour, Arcebispo de Kingston, Jamaica, a Maurice Tomlinson.
21 Id.
16
6
(maricón).22 Em seguida, a Igreja Católica da República Dominicana conclamou os
católicos dominicanos a organizarem uma "Segunda-feira Negra" em protesto contra
a nomeação.23
As palavras e ações do cardeal López Rodríguez são profundamente perturbadoras e
ofensivas, promovendo um clima de desrespeito e intolerância. Infelizmente, este
tipo de linguagem desumanizadora é utilizada com muita frequência por líderes da
Igreja em todo o mundo.
Ensinamentos da Igreja Para a Promoção da Tolerância
Ao nosso ver, a Santa Sé tem enfatizado repetidamente a necessidade de se
defender a dignidade humana das "pessoas homossexuais", tratando-as com
respeito e cuidado. O Catecismo da Igreja Católica, por exemplo, convoca os fiéis a
tratarem os homossexuais com respeito, compaixão e sensibilidade.24 A Carta sobre
o Cuidado Pastoral das Pessoas Homossexuais pede o respeito pela dignidade
intrínseca de cada pessoa nos discursos, em atos e na lei.25 Ensinamentos
posteriores da Santa Sé e conferências locais de bispos também observam a
necessidade de tratar os homossexuais com respeito26, o que requer tanto a
abstenção da violência para com essas pessoas quanto a criação de um lugar
seguro para elas na sociedade.
A Carta do Cuidado Pastoral considera “deplorável que as pessoas homossexuais
tenham sido e sejam objeto de malícia violenta por meio de palavras ou atos”.27 A
Carta solicita, ainda, que a Igreja condene este tipo de violência quando ela ocorre,
uma vez que tal violência “põe em risco os princípios mais fundamentais de uma
sociedade saudável”.28
David Martosko, “Dominican cardinal greets news of gay U.S. ambassador with anti-homosexual slur,” Daily
Mail, 01 de julho de 2013, http://www.dailymail.co.uk/news/article-2353094/Dominican-cardinal-greetsnews-gay-U-S-ambassador-anti-homosexual-slur.html (acessado em 30 de setembro de 2013).
23 Sunnivie Brydum, “Dominican Catholics Organize ‘Black Monday’ Protest of Gay U.S. Ambassador,’ Advocate,
18 de julho de 2013, http://www.advocate.com/politics/religion/2013/07/18/dominican-catholics-organizeblack-monday-protest-gay-us-ambassador (acessado em 30 de setembro de 2013).
24 Catequismo da Igreja Católica, parágrafo 2358.
25 Carta aos Bispos da Igreja Católica sobre o Atendimento Pastoral das Pessoas Homossexuais, parágrafo 10.
26 Ver, ex:. (3) Instruction Concerning the Criteria for the Discernment of Vocations with regard to Persons with
Homosexual Tendencies, seção 2,
http://www.vatican.va/roman_curia/congregations/ccatheduc/documents/rc_con_ccatheduc_doc_20051104
_istruzione_en.html (acessado em 30 de setembro de 2013); e “Always Our Children: A Pastoral Message to
Parents of Homosexual Children and Suggestions for Pastoral Ministries,” United States Conference of Catholic
Bishops” http://www.usccb.org/issues-and-action/human-life-and-dignity/homosexuality/always-ourchildren.cfm (acessado em 30 de setembro de 2013).
27 Carta aos Bispos da Igreja Católica do Cuidado Pastoral das Pessoas Homossexuais, parágrafo 10.
28 Id.
22
7
A Santa Sé tem se oposto à discriminação injusta contra os homossexuais e tem se
pronunciado repetidamente contra este abuso na Assembleia Geral das Nações
Unidas e eventos paralelos.29 Embora a Human Rights Watch e a Igreja Católica
possam ter entendimentos diferentes acerca do que constitui discriminação injusta
contra pessoas homossexuais, acreditamos que uma abordagem nãodiscriminatória requer, no mínimo, que seja permitido aos homossexuais sua
participação nas discussões públicas sobre direitos e moralidade sexual, sem que
sofram assédio ou perseguição por parte de autoridades governamentais ou
religiosas.30 Além disso, os homossexuais devem ter direito aos mesmos serviços
sociais básicos oferecidos a outras pessoas, incluindo serviços médicos, habitação
e proteção policial. Vossa Santidade já sugeriu isto em recentes textos, nos quais
salienta a necessidade de todos expressarmos nossas respectivas posições morais,
ao mesmo tempo em que respeitamos e cuidamos do bem-estar do próximo.31
A Santa Sé também tem se oposto publicamente às sanções penais injustas contra
os homossexuais. Em 2008, na Assembleia Geral das Nações Unidas, a Santa Sé
declarou publicamente que “continua a defender que qualquer indício de
discriminação injusta contra homossexuais deve ser evitado e a instar os Estados a
eliminarem sanções penais contra eles. Os governos devem eliminar as sanções
penais injustas”.32
Embora esta declaração não tenha dado exemplos do que constituiriam as sanções
penais injustas, os porta-vozes do Vaticano apontaram que estas sanções incluem
“não apenas a pena de morte, mas todas as legislações penais violentas ou
discriminatórias em relação aos homossexuais”.33 Em um evento paralelo das
Nações Unidas em Nova Iorque, em 2009, a Santa Sé reiterou sua oposição a “todas
as formas de violência e discriminação injusta contra os homossexuais, incluindo
leis penais discriminatórias que prejudicam a dignidade intrínseca da pessoa
humana”.34
Declaração da Santa Sé à 63ª Sessão da Assembleia Geral das Nações Unidas sobre a Declaração dos
Direitos Humanos, Orientação Sexual e Identidade de Gênero, 18 de dexzembro de 2008,
http://www.vatican.va/roman_curia/secretariat_state/2008/documents/rc_seg-st_20081218_statementsexual-orientation_en.html (acessado em 30 de setembro de 2013); e Declaração da Santa Sé à Assembleia
Geral das Nações Unidas, 10 de dezembro de 2009, http://arc-international.net/global-advocacy/sogistatements/holy-see-statement-at-ga-2009 (acessado em 30 de setembro de 2013).
30 Bergoglio, On Heaven and Earth, p. 114
31 Id.
32 Declaração da Santa Sé à 63ª Sessão da Assembleia Geral das Nações Unidas sobre a Declaração dos
Direitos Humanos, Orientação Sexual e Identidade de Gênero, 18 de dezembro de 2008.
33 “Vatican Opposes Discrimination Against Homosexuals,” Zenit, 02 de dezembro de 2008,
http://www.zenit.org/en/articles/vatican-opposes-discrimination-against-homosexuals (acessado em 30 de
setembro de 2013).
34 Declaração da Santa Sé à Assembleia Geral das Nações Unidas, 10 de dezembro de 2009, http://arcinternational.net/global-advocacy/sogi-statements/holy-see-statement-at-ga-2009 (acessado em 30 de
setembro de 2013).
29
8
Exemplos Positivos
Em seu próprio ministério, Vossa Santidade tem defendido que os católicos se
envolvam em um diálogo contínuo com a sociedade civil, evitando o assédio
religioso e respeitando os direitos civis. Como arcebispo de Buenos Aires, Vossa
Santidade publicamente condenou o “assédio espiritual” que ocorre quando
ministros impõem exigências “de modos que impedem a liberdade de outras
pessoas”.35 Vossa Santidade observou que, embora líderes religiosos tenham o
direito de defender posições morais específicas, isto não significa forçar outros a
adotarem essas posições. De modo semelhante, durante os debates sobre o
casamento entre pessoas do mesmo sexo na Argentina, Vossa Santidade defendeu
a posição moral da Igreja, ao mesmo tempo em que propunha uma alternativa que
reconhecesse as uniões civis.36 Mais recentemente, Vossa Santidade emitiu
declarações públicas a respeito da necessidade de nos abstermos de julgar os
homossexuais.37 É animador ouvir tais declarações e saber que, apesar de nossas
posições morais distintas, concordamos sobre a necessidade de garantir a liberdade
fundamental de todos e honrar e proteger a dignidade humana.
O Núncio Apostólico no Quênia, arcebispo Charles Daniel Balvo, recentemente
salientou que, embora a Igreja não aprove a conduta homossexual, ela reconhece e
respeita a dignidade individual de todos. Ele disse ainda que os homossexuais
“devem ser defendidos contra as violações de sua dignidade e de seus direitos
humanos, uma vez que são seres humanos como qualquer um de nós”.38
Na ilha caribenha da Dominica, o bispo de Roseau, Gabriel Malzaire, também se
opôs publicamente à criminalização dos atos sexuais consensuais entre adultos. Em
abril, o bispo Malzaire se pronunciou publicamente a respeito, citando com
aprovação a declaração de 2008 da Santa Sé na Assembleia Geral das Nações
Unidas. O bispo Malzaire declarou que “os atos sexuais livres entre dois adultos não
devem ser tratados como crimes a serem punidos pelas autoridades civis”.39 Em
seguida, disse que o papel da Igreja nesses debates é primordialmente moral.
Declarações como a do bispo Malzaire são importantes para a proteção dos direitos
Bergoglio, On Heaven and Earth, p. 114.
Simon Romero, “On Gay Unions, a Pragmatists Before He Was a Pope,” New York Times, March 19, 2013,
http://www.nytimes.com/2013/03/20/world/americas/pope-francis-old-colleagues-recall-pragmaticstreak.html (acessado em 30 de setembro de 2013).
37 Rachel Donadio, “On Gay Priests, Pope Asks, ‘Who Am I to Judge?’ New York Times, 29 de julho de 2013.
38 Reuben Githinji, “Pope’s envoy champions gays and lesbians rights,” The Star, 01 de julho de 2013,
http://www.the-star.co.ke/news/article-126259/popes-envoy-champions-gays-and-lebians-rights (acessado
em 30 de setembro de 2013).
39 Rev. Gabriel Mazaire, “Decriminalization of homosexuality – what it means for the Catholic Church in
Dominica,” Dominica News Online, 21 de maio de 2013,
http://dominicanewsonline.com/news/homepage/features/commentary/commentary-decriminalization-ofhomosexuality-what-it-means-for-the-catholic-church-in-dominica/ (acessado em 30 de setembro de 2013).
35
36
9
civis das minorias sexuais em países que, como a Dominica, criminalizam os atos
sexuais consensuais entre pessoas do mesmo sexo.
Em meio aos debates sobre as uniões entre pessoas do mesmo sexo na Colômbia
no último mês de abril, o cardeal Rubén Salazar Gómez, presidente da Conferência
Episcopal Colombiana, concedeu uma entrevista ao jornal local El Tiempo. O cardeal
Salazar explicou que, embora a Igreja não apoie o casamento entre pessoas do
mesmo sexo, ela apoia um reconhecimento legal dessas uniões.40 O cardeal Salazar
observou que as uniões legais entre pessoas do mesmo sexo “têm o direito de
existir, ninguém podem pedir a elas que não existam”.41
Aplaudimos estas ações por parte dos líderes da Igreja. Acreditamos que estes tipos
de declarações são críticos na criação de sociedades que defendam os direitos civis
das minorias sexuais e na proteção dessas populações vulneráveis contra o abuso e
o assédio. Pedimos a Vossa Santidade e às comunidades católicas locais ao redor
do mundo que ajudem a disseminar e encorajar estes exemplos.
A Necessidade da Liderança Papal
Como observamos anteriormente, acreditamos que compartilhamos um
compromisso fundamental de respeito e justiça para todos. As declarações e ações
dos líderes da Igreja que mencionamos acima possuem um impacto profundo no
clima social enfrentado pelos integrantes de minorias sexuais ao redor do mundo.
Pedimos a Vossa Santidade e à Igreja que nos ajude com o exercício efetivo de sua
influência com fins de melhorar estas condições e proteger essas minorias contra
mais abusos. Especificamente, solicitamos a Vossa Santidade que garanta que os
líderes da Igreja e comunidades locais:





Promovam a condenação pública da violência contra as minorias sexuais;
Defendam a descriminalização das relações sexuais consensuais e apoiem a
revogação de outras sanções penais injustas que discriminam minorias sexuais;
Enfatizem sua oposição à pena de morte em todas as circunstâncias;
Moderem o tom das declarações públicas da Igreja sobre a sexualidade;
Defendam proteções legais mais abrangentes para as minorias sexuais.
Acreditamos que compartilhamos com a Santa Sé a crença na necessidade
fundamental de respeito a todas as pessoas, independentemente de sua orientação
sexual ou identidade de gênero. À luz deste compromisso compartilhado,
“‘Las parejas homosexuales no pueden ser familia’: Iglesia”, El Tiempo.com, 04 de abril de 2013,
http://www.eltiempo.com/vida-de-hoy/religion/opinion-del-cardenal-ruben-salazar-sobre-matrimoniohomosexual_12726071-4 (acessado em 30 de setembro de 2013)
41 Id.
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solicitamos a Vossa Santidade que nos ajude a criar um mundo com mais
compaixão, caridade e justiça.
Atenciosamente,
Graeme Reid
Diretor
Programa de Direitos para Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transgêneros (LGBT)
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