a áfrica está em nós e nós estamos na áfrica

Transcrição

a áfrica está em nós e nós estamos na áfrica
A ÁFRICA ESTÁ EM NÓS
E NÓS ESTAMOS NA ÁFRICA
“Lutar pela igualdade sempre que as
diferenças nos
discriminem; lutar
pelas diferenças sempre
que a igualdade nos
descaracterize.”
Boaventura de Souza Santos
PRÊMIO PROFESSORES DO BRASIL – 3ª EDIÇÃO
Categoria: Séries/Anos Iniciais do Ensino Fundamental 3° Ano
Título: A África Está em Nós e Nós Estamos na África
Brasília – DF
IDENTIFICAÇÃO
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Nome: Nádia Maria Rodrigues
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Endereço: Quadra 205 lote 05 apto. 911 – Águas Claras – DF
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Telefones: 3435-8862 / 3901-8010 / 8531-0704
•
E-mail: [email protected]
•
Formação: Licenciatura Plena em Geografia
Pós Graduação em Administração Escolar
•
Escola: Centro de Ensino Fundamental 18 de Taguatinga
− Endereço: QSD 32 área especial 1/2 – Taguatinga Sul
− Telefone: 3901-8010
− E-mail: [email protected]
− Diretora: Percília Gomes Soares
SUMÁRIO
SÍNTESE DA EXPERIÊNCIA..............................................................................1
OBJETIVO GERAL..............................................................................................2
OBJETIVOS ESPECÍFICOS...............................................................................3
DESCRIÇÃO DA EXPERIÊNCIA........................................................................4
CONTEXTUALIZAÇÃO.....................................................................................20
JUSTIFICATIVA.................................................................................................21
RESULTADOS OBTIDOS.................................................................................22
AVALIAÇÃO.......................................................................................................24
ANEXOS............................................................................................................27
SÍNTESE DA EXPERIÊNCIA
Objetivando conscientizar cada criança da existência das práticas
cotidianas do racismo, para que possam ajudar a eliminar todas as formas de
preconceito, racismo e discriminação independente da cor da pele. Deram-se
início as atividades com a turma do 3o ano B no mês de fevereiro de 2008,
pautadas na lei 10.639/03 que torna obrigatório o ensino da História e da
Cultura Africana e Afro-Brasileira.
As atividades sobre o tema acontecem semanalmente a partir de
livros de literaturas infantis específicas da temática entre outras, através de
filmes, poemas, textos informativos, músicas e jogos. Levando-se em conta a
faixa etária bem como a ludicidade e a interdisciplinaridade.
Após o estudo de cada tema é construído um mural coletivo pela
turma que é afixado no corredor da entrada principal da escola para que toda a
comunidade escolar tenha acesso.
O mural tem contribuído para divulgar o trabalho, uma vez que a
Escola é um ponto de referência de professores cursistas que o apreciam com
freqüência inclusive tiram fotos. Isso tem repercutido em outras escolas, por
isso já recebi convites para socializar a experiência por mim vivenciada.
O envolvimento e interesse da turma com o assunto é visivelmente
comprovado quando as crianças trazem livros, revistas sobre a temática, ou
relatam reportagens que viram na televisão sobre o tema. Ou ainda
presenciam situações de racismo que ocorre em programa de televisão visto
por elas.
Tenho ouvido também dos pais depoimentos que a criança se
sensibilizou com a causa negra, que o filho está envolvido com o assunto, que
defende o povo negro. Sinto um orgulho muito grande em já ter conseguido
despertar nessas crianças o desejo de viver numa sociedade mais justa e
igualitária, pois não posso permitir, como educadora que sou, que as crianças
especialmente as afro-descendentes só se reconheçam negras com quase
quarenta anos como aconteceu comigo. Elas precisam se perceber negras
desde já e que tenham orgulho de si, como já disse o aluno João Pedro, para
que possam ajudar a eliminar essa doença da humanidade que é o racismo.
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OBJETIVO GERAL
Conscientizar cada criança da existência das práticas cotidianas do
racismo, para que possam no pleno exercício de sua cidadania, ajudar a
eliminar todas as formas de preconceito, racismo e discriminação
independente da cor da pele.
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OBJETIVOS ESPECÍFICOS
1) Reconhecer-se pertencente a um grupo no caso as crianças afrodescendentes.
2) Identificar as características do corpo negro.
3) Compreender a formação do povo brasileiro – miscigenação.
4) Conhecer a forma como vieram os escravos negros, de quais países
vieram, quais estados brasileiros os receberam – rotas do tráfico
transatlântico.
5) Conhecer como foram tratados, como foi sua resistência e luta diante da
escravidão.
6) Conhecer como foi a formação de quilombos na época da escravidão, os
remanescentes deles hoje em todo o país.
7) Identificar os principais líderes africanos e brasileiros que lutaram: ontem
contra a escravidão e hoje contra o racismo, o preconceito e a
discriminação.
8) Identificar as atitudes racistas contidas hoje no cotidiano brasileiro – em
conseqüência da escravidão: frases racistas, imagem/papel do negro na
televisão; falta de bonecas, anjos, reis/rainhas, personagens infantis, fadas
negras, super-heróis, etc.
9) Conhecer e valorizar a contribuição do negro na formação da história e
cultura brasileira na linguagem, na música, dança, capoeira, cores, formas,
culinária, vestimenta, religião e etc.
10)Conhecer líderes negros: na música, teatro, televisão, esportes, poetas e
na política.
11)Identificar o continente africano: posição geográfica, zona intertropical e
conseqüências disso: clima, vegetação, características físicas do povo.
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DESCRIÇÃO DA EXPERIÊNCIA
As atividades se iniciaram na segunda quinzena de fevereiro de
2008 (primeira semana), com a história de Rufina de Marques Velásquez.
Aproveitei a história: As fadas de Maria, que tinha sido usada por toda a
Escola para fazer o teste diagnóstico das dez palavras e o texto. Nessa
história aparecem sete fadinhas, nenhuma é negra. Na história de Rufina a
menina se vê ridicularizada pela turma por ter desenhado na aula de artes
uma fada negra como ela. A turma dá gargalhada. Um aluno diz: - Fada preta
só se for na África.
A professora acolhe a aluna e explica à turma que fadas não
necessariamente precisam ser loiras e de olhos azuis, e a incentiva colocar
seu trabalho no mural, pois estava se recusando.
O texto foi perfeito para abrir as discussões. Indaguei à turma: - Por
que não vemos fadas, papai noel, anjos, bonecas , super-heróis negros? Por
que existem pessoas negras?
As crianças não souberam responder, algumas falaram já ter visto
bonecas negras. Expliquei para a turma a origem das pessoas negras e das
principais características do corpo negro, inclusive o tipo de cabelo, chamando
a atenção para a personagem da história.
Pedi para que cada aluno desenhasse a parte que achou mais
interessante da história e escrevesse o que achou da Rufina (anexo).
Na seqüência perguntei quem já tinha ouvido falar da África e o que
sabiam sobre. Dos alunos que se manifestaram, registrei a fala deles (anexo).
Nessa mesma aula apresentei mapa-mundi mostrando à turma os
continentes chamando a atenção para as Américas e a África.
Foi apresentada à turma na segunda semana a história: O Amigo
do Rei de Ruth Rocha que levou as crianças a conhecerem a condição de
poder do branco sobre o negro na época da escravidão. Duas crianças, uma
branca e outra negra, sendo que, uma é dona da outra. Ioiô nascido na
fazenda filho do senhor. Matias escravo nascido na senzala. Nasceram na
mesma época, tornam-se grandes amigos e numa de suas aprontações levam
uma surra do senhor. Ioiô revoltado convida Matias para fugir, pois ficara
sentido, Matias acostumado a apanhar, nem liga e eles fogem. Depois de
muitos dias na mata eles encontram uma tribo da qual Matias era o rei
conforme ele queria quando dizia: - Eu não vou ser escravo sempre não, um
dia vou ser rei. Ioiô volta pra casa e passa a lutar pelo fim da escravidão,
afinal ele é amigo do rei.
Observei a turma curiosa pelo fim da aventura da fuga e quando
terminei alguém disse: - Conta de novo!
Expliquei para a turma como os negros foram trazidos da África para
o Brasil, o que acontecia no trajeto, e quando aqui chegavam o tratamento
que recebiam – relação senhor - escravo. Falei da formação dos quilombos e
que nem todos tiveram a mesma sorte do Matias reencontrar seu povo.
Falei também do suicídio que muitos cometiam e das mortes por
causa do banzo.
Ainda na segunda semana comentei com os alunos sobre a Lei
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Maria da Penha e de Rosa Parks, contei a história de ambas. Isso para
chamar a atenção do Dia Internacional da Mulher. Disse-lhes que as mulheres
também sofrem discriminação por serem consideradas inferiores aos homens.
Trabalham dobrado, ganham menos e no caso de ser negra e pobre sofrem
mais ainda. Expliquei um pouco sobre o racismo nos EUA a partir de Rosa
Parks. Apresentei a palavra Apartheid.
Já na terceira semana de aula aluno Luís Gustavo trouxe para a
sala três livros que abordam o tema africanidade apresentei-os para a turma e
escolhi um para ler: GOSTO DA ÁFRICA de Joel Rufino dos Santos, já
conhecido por mim. O livro traz mitos, lendas e tradições negras. Fala também
de personagens da História do Brasil e do tempo da escravidão.
Li para a turma o texto: O Filho de Luisa: A História de Luiz Gama
líder negro pioneiro da Campanha Abolicionista, guerreiro como sua mãe. Um
aluno perguntou-me se ele ainda está vivo, se a história era de verdade.
Disse-lhe que ia estudar e voltaria a falar do assunto, eu também não sabia.
Outra criança perguntou-me: - O que são malês? (palavra que
aparece no texto) Informei que eram um tipo de escravo, mas que eu ia
estudar mais sobre a Revolta dos Malês. E claro que tive que estudar. No
outro dia completei as informações lendo o resumo da biografia de Luiz Gama
e que os malês eram escravos muçulmanos que sabiam ler e escrever o
árabe e que eram escravos de ganho. Expliquei à turma que havia várias
espécies de escravos: de ganho, de agricultores, alfaiates, sapateiros, etc. O
mesmo aluno que trouxe os livros me presenteou com uma estátua de uma
negra africana. Fiquei muito feliz estava ensinando História do Brasil para uma
turma de oito anos. Ali senti que estudo seria riquíssimo, pois a turma
demonstrou interesse.
Ainda nessa semana pedi como tarefa de casa que os alunos
pesquisassem a expressão: OVELHA NEGRA. Já com a intenção de discutir
as expressões carregadas de preconceito que usamos diariamente.
Na socialização da atividade sentamos em círculo e cada um relatou
o que descobriu. Indaguei à turma ser ovelha negra é bom ou ruim? Quem
quer ser ovelha negra? Obviamente nenhuma criança quis. Um aluno (Ruan)
trouxe um texto que explica a origem da expressão. A princípio a expressão
não relata racismo na sua origem. Mas indaguei novamente: Por que não
branca, amarela, verde, azul? Disse-lhes que a expressão tem carga negativa.
Contei para a turma a história da Ovelha Negra de Bernardo Aybê. Ótimo
texto para trabalhar auto-estima e expressões preconceituosas. A Tita, única
ovelha negra no bando, vivia triste, isolada, queria ser como as outras. Mas
um belo dia ela percebe que é única no bando e sente orgulho disso e muda
completamente seu comportamento, em conseqüência disso a Lalá que nunca
balia, pois tinha vergonha de seu balido que era diferente das outras se
espelhou na Tita e passou a balir: Ma! Má! Má! Essa história é fantástica!
Apresentei à turma a música Ovelha Negra de Rita Lee que
representa muito bem essa discussão.
Em seguida li para a turma um texto da revista VIRAÇÃO que aborda
esse tema e retirei desta outras expressões utilizadas no cotidiano que
também são preconceituosas:
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Pessoa zangada está com o coração negro.
Comércio ilegal é chamado de mercado negro.
Quando as coisas estão difíceis diz-se “A coisa tá preta”.
Pessoa boa tem alma branca.
Lista negra.
Denegrir a imagem de alguém (falar mal).
Magia negra é coisa do mal.
Conversei com a turma que precisávamos deixar de usar e orientar
para que outros não usem palavras e expressões com origens racistas. Falei
também de apelidos que os negros são chamados: testa de amolar facão,
testa de aeroporto, cabelo de bombril, bolinho queimado, picolé de piche,
múmia de fita isolante e etc. E também de outros tipos de discriminação com
velhos, magros, gordos, pessoa branca, portadores de necessidades
especiais, etc.
Pedi à turma que cada um escolhesse uma frase e a ilustrasse para
fazermos o mural.
Na quarta semana apresentei para a turma a história Menina Bonita
do Laço de Fita, de Ana Maria Machado. Nesta o objetivo foi mostrar
exatamente porque tem pessoas negras. O coelho branco acha linda sua
vizinha que é uma menina pretinha e pergunta todos os dias para a menina: Menina bonita do laço de fita, qual é teu segredo pra ser tão pretinha?
A menina cada dia responde diferente: - Caí na tinta preta quando
criança. - Tomei muito café. - Comi muita jabuticaba. Até que sua mãe
interfere e diz: - Artes da avó dela.
Excelente texto para se falar de árvore genealógica, nossas origens
e descendências. Essa foi contada no avental, que é um ótimo recurso, onde
as crianças vão vendo a história acontecer com as personagens sendo presas
nele e a turma interage, o que a deixa muito envolvida.
Aproveitei esse texto também para apresentar aos alunos os sinais
de pontuação especialmente travessão e interrogação que aparecem na
narrativa e a turma ainda não os utiliza. Fizemos também uma dobradura de
coelho pois a história foi apresentada na páscoa.
Na quinta semana de trabalho apresentei dois livros que adquiri de
Reginaldo Prandi, Lendas de Orixá – Oxumaré e Xangô.
Combinei que íamos conhecê-los todo alternando a leitura. Então li a
lenda de Oxumaré, como essas lendas envolvem muito encanto e magia
observei que prendeu a atenção da criançada, inclusive um deles (Augusto)
me pediu para levar o livro para casa. Impossível estudar história dos negros
e não falar da religião e conseqüentemente de Orixás. Adorei ler essa lenda
pedi para desenharem e saíram desenhos maravilhosos (anexo). Confesso
que fiquei preocupada como seria a reação das famílias, pois as crianças têm
demonstrado interesse pelos Orixás, alguns não sabem que a questão é
cultural e poderão questionar-me.
Na sexta semana apresentei à turma o filme Kiriku e a feiticeira
Karabá. Belíssimo, cheio de encantamento e surpreendente incentivei as
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crianças apresentando Kiriku como um super-herói negro. Um garoto
pequeno, mas muito esperto e inteligente com dons especiais; que nasceu em
uma pequena aldeia sobre a maldição da cruel feiticeira Karabá que secou as
fontes de água e seqüestrou todos os homens.
Encontrando amigos e seres fantásticos pelo caminho Kiriku resolve
combater a malvada feiticeira para salvar sua aldeia. Quando viram o filme
observei uma grande concentração da turma e uma torcida pelo pequeno
Kiriku (foi ótima a discussão). Um filme completamente diferente dos que
estão acostumados a ver. No dia seguinte conversamos sobre o filme e pedi
que o representassem com massa de modelar. Li para a turma sobre o autor
do filme. E fizemos a sinopse dele coletivamente (anexo).
Com o filme além de fazermos a sinopse coletiva e a representação
com massa de modelar – pedi para que a turma escrevesse a História ou um
trecho dela em quadrinhos. Trabalhei características de um texto em
quadrinhos. (anexo).
Na sétima semana de trabalho apresentei à turma o livro: O
Curumim Que Virou Gigante, de Joel Rufino. Na ocasião a intenção seria falar
que os indígenas também são excluídos e lutam pela sobrevivência. Mostrei o
filme Tainá II e visitamos a FUNAI (anexo). Nesta semana me dei conta de
que estava sendo vítima de racismo dentro da Escola. Apareceu escrito no
meu quadro NEGRA BURRA, apaguei a inscrição e não comentei nada com
ninguém. Depois disso começou sumir material produzido pelas crianças
dentro e do lado de fora da sala (mural externo). Só fiz ligação com a escrita
quando vi que tiraram até o último cartaz. E os das outras turmas estavam lá
intactos e o meu mural todo arrancado. Comuniquei a direção da Escola e a
todos os professores na hora do recreio. Doeu muito, sofri, chorei, logo eu que
abracei a causa. Não me calei, pelo contrário, publiquei no jornal do sindicato.
Confesso que ganhei mais força para lutar contra o racismo. As crianças
ficaram chocadas e me acolheram com carinho. Ouvi frases do tipo:
- Tia não foi a gente que tirou! Como íamos estragar nosso próprio
trabalho?
- Professora, arrancaram porque estava bonito!
Meus alunos do ano passado que foram atingidos por esse trabalho
também me acolheram com escritas de bilhetinhos.
Nesta semana mostrei o filme: Vista Minha Pele. Uma adolescente
branca (Maria) estuda numa escola onde a maioria é negra. Se sente excluída
de tudo, inclusive pelos professores. Maria se vê ridicularizada por concorrer à
rainha da Festa Junina. Mas ela enfrenta o racismo e participa do concurso. O
vídeo nos leva a refletir sobre a posição dos negros em meio à maioria.
Discuti com a turma o porquê do nome do filme. Copiei algumas falas da
personagem para discutir com os alunos:
Confeccionamos um belo mural preto e branco (anexo).
No debate sobre o filme cada aluno tinha que se posicionar
- Se você fosse a Maria o que você faria?
- Pedi para escreverem no caderno com apenas um parágrafo,
porque o filme tem esse nome.
Esse vídeo doeu fortemente em mim, contei isso aos alunos, pois
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quando era criança queria muito ser uma rainha da Festa Junina, mas
era sempre a Carla quem ganhava. Branca, olhos azuis e cabelos
longos pretos. Eu negra, pobre, cabelos crespos, (de bombril como
diziam), fazia isso escondida do meu pai (vender votos), tudo para
ganhar uma faixa de papel laminado uma coroa de rainha também de
papel e uma boneca grande. A escola também reproduz a exclusão e o
racismo com atitudes como essa.
Na oitava semana de estudos levei para sala o mapa-mundi porque
explicaria para a turma paralelos e meridianos. Depois que identificamos
essas linhas imaginárias cada criança recebeu um mapa onde deveria colorir
conforme as cores indicadas por mim em seguida construiríamos a legenda.
Depois dessas informações identificamos a zona intertropical, pedi que
colorissem e depois observassem que países estavam nessa região. Chamei
a atenção da turma para o Brasil e o continente africano quase todo na zona
intertropical. Expliquei que essa região recebe raios solares de maneira mais
intensa de forma direta, ou seja, é mais quente. Mostrei isso através de um
pequeno experimento, usando lanterna e o globo terrestre. Aproveitei a
ocasião para explicar à turma as conseqüências disso para a população. Nariz
mais achatado para facilitar a passagem de ar e este chegar mais refrigerado
aos pulmões, cabelo crespo para proteger a cabeça do sol forte, pele escura
com presença de muita melanina. Expliquei que melanina é a pigmentação
que dá cor à pele, uns tem mais outros menos. Convidei alguma criança para
fazermos uma fileira usando o critério cor da pele (presença de melanina) fui a
segunda, em primeiro foi o aluno Ruan, a última foi a Larissa. Alguém disse:
Isso é legal! Um aluno (Felipe) pediu para ir chamar o amigo da outra sala que
tinha mais melanina que o Ruan. Não permiti, disse-lhes que a outra criança
não está inserida na discussão e poderia se sentir ofendida. Foi bem
interessante essa aula e vi que ficaram surpresos com as informações. Um
aluno perguntou: Professora se os primeiros habitantes do mundo eram
negros por que então tem branco? Expliquei o ocorrido, à medida que foram
se espalhando pelos outros continentes as condições climáticas eram outras e
as mudanças ocorriam de acordo com elas. Fiquei com muito orgulho, parece
aula para adultos (anexo). Pedi para que perguntassem aos pais se eles
sabem disso. Vejo que a turma se encontra bem interessada no assunto,
gostaria muito de ter mais recursos visuais, pois nessa idade é importante o
concreto, a criança precisa ver para que as informações fiquem mais
consistentes.
Na nona semana contei para a turma a história Chico Rei, de
Renato Lima nesta a intenção era mostrar um grande líder, negro, escravo
que comprou sua própria carta de alforria a do filho e mais de centenas de
escravos. O autor nos oportuniza refletir sobre nossa formação cultural,
forjada nas relações entre etnia e na convivência conflituosa entre índio,
branco, europeu e negros africanos entre fatos reais, mitos populares,
opressão e resistência, fé e sincretismo. Tudo muito presente em nossa
música, dança, literatura, esportes e festas populares. Chico Rei foi um
guerreiro, chama-se Galanga e era um rei da tribo lá no Congo. Sua família
morreu no tráfego, restando apenas um filho, Muzinga. Chegando aqui foi
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para Vila Rica trabalhar nas minas, e batizado de Francisco, daí o apelido
Chico Rei. Enquanto escravos alguns fugiam, Chico Rei escondia algumas
pepitas durante a extração de ouro, juntou até comprar sua carta de alforria,
depois a do filho dele.
Nesse texto explorei a figura do líder escravo Chico Rei, a riqueza do
Brasil em pedras preciosas daí o nome do Estado Minas Gerais. O
sincretismo e a riqueza cultural herdadas dos escravos como a capoeira e a
congada. Os escravos escolhiam santos da igreja católica para simbolizar
seus Orixás. Levei um texto informativo para a turma e uma interpretação
escrita dele. Localizamos no mapa da África o Congo e no Brasil o estado de
Minas Gerais para onde foi Chico Rei. A importância dele foi tanta que existe
uma festa lá em Minas Gerais em sua homenagem. No ano de 1964, a escola
de samba Salgueiro homenageou Chico Rei no seu samba enredo. Li esse
texto para a turma.
Falei também sobre algumas curiosidades do Congo. Foram os
escravos congoleses que trouxeram as técnicas de forja do ferro, cobre,
metais... Introduziram na nossa lavoura a enxada, e diversos tipos de
machados que serviam tanto para cortes de madeira como para uso em
guerras. Os congoleses utilizavam conchas marinhas (nzimbus) como moeda.
A turma achou interessante saber que o primata gorila do filme King Kong é
típico desse país africano.
Contei para a turma também o Rei preto de Ouro Preto de Sylvia
Ortoff, e O Congo Vem Aí de Sergio Capparelli.
A décima semana de estudos seria muito especial, pois teríamos
nela o Dia Nacional de Denúncia Conta o Racismo, o famoso 13 de Maio. Li
escrito num cartaz para a turma o poema: Lei Áurea Ato de Bondade? O
Lamento do Negro, de um autor desconhecido.
Fizemos a interpretação oral desse texto e expliquei quem foi a
Princesa Isabel, mostrei uma foto dela falei sobre a Lei Áurea. Que o dia 13
de Maio foi uma conquista dos escravos e abolicionistas da época não foi um
ato de bondade como é contado na História. Os escravos libertados ficaram
abandonados à própria sorte, sem moradias, empregos, etc. Então 13 de Maio
para o povo negro não é motivo de comemoração. O dia 20 de novembro, Dia
Nacional da Consciência Negra, tornou-se um dia de celebração e reflexão
para os afro-descendentes em homenagem a Zumbi dos Palmares, pois
nessa data em 1695 ele fora assassinado. A turma já conhecia zumbi dos
Palmares. Falei com as crianças que na semana da Consciência Negra
faríamos uma grande exposição com o trabalho do ano todo produzida pela
turma incluindo apresentações de dança e comidas típicas africanas. Na
ocasião usaremos uma camiseta com uma arte produzida por um deles sobre
o título do projeto – A África está em nós e nós estamos na África. Faremos
concurso para escolher a arte usando o critério: desenho que melhor
representa o tema. A turma está habituada com essa prática.
Fiquei muito satisfeita, nesse dia, falei de dois personagens da nossa
História e de fatos importantes (anexo). Falei mais uma vez da capoeira.
Desse poema retiramos algumas palavras para registrar no caderno
dicionário: lamento, resiste, ilusão abolição e inundava. Aproveitei a ocasião e
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falei das características de um texto poético organização estética: versos,
estrofes, rimas, etc.
Dando seqüência ao último texto trabalhado (O Lamento do Negro)
trouxe para a turma um informativo sobre a capoeira alguns golpes e
movimentos. Como sou praticante desse esporte combinamos que eu
ensinaria os golpes mencionados no texto àqueles que quisessem aprender
na aula de psicomotricidade é claro que eles ficaram felizes. Fiz isso, ensinei
a benção, cabeçada o martelo e a ginga que é a base do jogo.
Observei a habilidade e interesse de alguns alunos para realizar os
movimentos. Nesta semana tomei conhecimento do desfile cívico que
ocorreria em homenagem ao aniversário da cidade de Taguatinga que seria
dia 01/06. Comuniquei à direção que gostaria de participar porque o trabalho
estava rico e interessante. Conversei com a turma e pedi autorização das
famílias para o evento, pois seria num domingo. Vinte alunos participariam,
dez meninas representando as baianas e dez meninos a capoeira. Convidei o
meu professor para visitar a turma e conversar um pouco sobre capoeira e
ensinar os movimentos básicos e ele aceitou. Quando disse à turma que ele
viria foi uma festa.
Nelmo veio numa segunda-feira dia 26/05, conversou e ensinou
alguns golpes, músicas e princípios básicos da capoeira. Foi ótimo, os alunos
amaram observei que chamou a atenção de crianças das outras turmas, pois
começamos a treinar na sala de aula depois fomos para o pátio da Escola.
Uma professora veio com toda a sua turma assistir ao ensaio.
Capoeira realmente chama a atenção.
O berimbau chama! Nelmo voltou na sexta-feira dia 30/05 para o
ensaio final. Nesta semana providenciei as roupas com a ajuda da vicediretora, que, aliás, me deu todo apoio. No dia do desfile estávamos lá. Eu e
os dezoito alunos (faltaram dois) para representar a Escola. As baianas com
seus tabuleiros coloridos e seus balangandãs, e os “capoeiristas”. Estavam
todos lindos! E eu caracterizada de Baiana no meio deles. Adorei isso! Senti
um orgulho e uma alegria muito grande, pois ainda não tinha desfilado com
alunos. Especialmente com esse assunto que tem sido motivo de satisfação
para meus encontros com eles. A diretora da Escola também desfilou!
O professor Nelmo não conseguiu chegar a tempo. Sorte nossa que
ficamos perto de outra escola que estava representando a capoeira. Então
aproveitamos o som do berimbau.Esta foi a décima primeira semana de
trabalho.
Na semana que me organizava para o desfile, recebi um convite da
minha ex-diretora, Fátima Godói, para contar a história: O Cabelo de Quica,
de Emma Damon, ela me viu organizando o mural feito a partir dessa história.
Aceitei o convite na condição de falar do contexto dessa atividade dentro da
implementação da lei. Comuniquei a direção da Escola e pedi para que
alguém me substituísse seria no horário da minha regência.
Fiquei feliz com o convite pois seria uma grande oportunidade de
mostrar aos professores que é possível realizar esse trabalho fazendo relação
com todas as áreas do conhecimento.
Eu sei que muitos professores ainda não iniciaram esse trabalho por
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acreditar que é mais um conteúdo, é mais trabalho e também por não terem a
devida formação. Disse-lhes que eu também não tinha, que tudo começou por
causa do meu cabelo, mas que estou estudando muito, pois ninguém dá o
que não tem.
Até o ano passado usava química no meu cabelo quando decidi
assumi-lo crespo a partir de uma discussão que eu ouvi no grupo de estudo
NEAFRO da Faculdade Católica de Brasília a convite do professor Carlos
Alberto.
Li o texto Alisando Nossos Cabelos era o que eu precisava saber. Na
seqüência fui fazer um curso – NEXOS E REFLEXOS DAS VOZES DA
ÁFRICA, oferecido pela EAPE (Escola de Aperfeiçoamento de Professores).
Me encontrei, me aceitei como negra e de lá pra cá não parei mais. É claro
que isso refletiu na sala de aula, na família, no meu ambiente de trabalho me
senti a Tita (Ovelha Negra) se assumindo. O cabelo crespo uma vez assumido
desperta uma série de reações que vão do riso à reprovação. Levei um texto
para discutir com os professores. O cabelo retirado do livro: Educação
Africanidades Brasil. Descobri que estava atrasada, precisava trabalhar a lei e
ajudar as crianças negras a se assumirem, se amarem e quem não é negro
respeitá-los. Falei aos professores da minha dor sofrida quando criança. Era
chamada de cabelo de bombril, testa de amolar facão... Nossas crianças
estão sofrendo isso diariamente e não sabem que isso é racismo, não sabem
se defender e estão reproduzindo o silenciamento dos adultos..
Fiz um resumo das atividades até então trabalhadas, na seqüência
que estão acontecendo e ressaltei a importância de se começar o trabalho
pela identidade para que as crianças afro descendentes se identifiquem e
passem a ter orgulho de si, se amarem com a sua cor o seu cabelo, etc.
Comentei com os professores também do nível de envolvimento da
turma, o interesse pelo assunto e da ajuda de alguns pais. Um aluno levou um
livro que falava sobre Malês. Tive que estudar e falei da importância disso.
Como na nossa formação não estudamos sobre o Continente Africano de
forma positiva, de um povo que tem cultura e que muito contribui para a
formação do povo brasileiro, para se trabalhar a lei 10.639/03 tem que estudar
não tem jeito.
Uma professora me perguntou sobre a religião, se eu não estava
tendo problemas com isso. Disse-lhe: - Até o momento não, mas estou
preparada para explicar aos pais, a questão é cultural, quando falo de
Candomblé não estou catequizando ninguém quero que conheçam para
respeitar, fez parte da história do povo negro. Foi isso que eu disse a um pai
que me questionou na reunião. As crianças adoram as lendas, que falam dos
Orixás e de fato são muito bonitas e encantadoras. A questão que é colocada
pela sociedade que “é coisa do demônio”, começou no século XVII quando os
europeus não permitiam que os escravos praticassem sua religião como se
eles não tivessem sua história. Tinha que ser o catolicismo imposto por eles.
Falei também de uma experiência vivenciada por mim e pela turma
do ano passado quando esta já estava conscientizada da exclusão do negro.
Um funcionário da Escola (Altair) estava pintando o alfabeto na
parede da área do refeitório. Junto com cada letra um desenho de uma
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criança. Ele já estava na letra V uma aluna (Brenda) disse: - Tia não tem
nenhuma negra. Fui até ele que estava fazendo o X e perguntei: - Nesse
mundo aí não tem criança negra não? Ele me olhou desconcertado, sorriu e
disse: - Vou fazer aqui. E fez está lá na letra X uma criança negra. Disse-lhe: Não perguntei por maldade é normal fazermos isso. Não incluir a figura do
negro nos nossos trabalhos.
Queria com isso mostrar aos professores que somos excluídos
naturalmente, quando nós professores organizamos murais ou orientamos
nossos alunos a fazê-los, não pedimos para incluir negros. O Altair não tem
culpa disso, ele reproduz o que aprendeu isso é um problema social que nós
professores podemos corrigir, se quisermos.
E como fica a criança negra que nunca se vê representada,
valorizada identificada? E quando vê na televisão é de forma inferiorizada,
sempre servindo o branco: cozinheiro, motorista, segurança, bandido...
Por que os negros nunca são protagonistas nas novelas da nossa
TV?
Relatei isso aos meus alunos desse ano, e eles pediram-me para ir
ver eu disse: - No horário do recreio vocês verão.
Gosto de usar esse exemplo sempre que falo do assunto para
ilustrar a “exclusão natural” da pessoa negra.
Observei que essa fala com os professores foi proveitosa e
esclarecedora, fizeram questionamentos, elogios, tiraram fotos do mural
informativo. Alguém disse: - Olha quanta riqueza. Ela ensina: História,
Geografia, Artes, Português e Matemática. Quanta informação tivemos nesse
pouco tempo sobre o tema.
Foi uma experiência nova e bacana, mas realmente ficarei feliz se
tiver conseguido tocar o desejo de algum deles para trabalhar em temática de
forma prazerosa e significativa como tem sido para mim.
Continuei trabalhando mais a questão do cabelo apresentando à
turma o livro O cabelo de Lelê. Estávamos na décima segunda semana. Ele
retrata uma criança negra cheia de indagações porque tantos cachinhos? De
onde vem? Ela vai buscar resposta no livro.
Confeccionei a Lelê, uma boneca preta com uma vasta cabeleira
igualzinha as ilustrações do livro depois da história todos queriam pegar a
Lelê.
A ilustração do livro traz cinqüenta tipos de penteados diferentes
para cabelos crespos. Tirei cópia e ofereci um para cada aluno representá-lo
depois montaríamos o mural pedi para usarem giz de cera surgiu um lindo
mural.
Nessa semana apresentei à turma a música Cabelo de Gal Costa.
Um aluno pediu pra nós apresentarmos no momento cultural usando perucas.
Combinei que faríamos uma oficina de penteados afro na semana da
Consciência Negra inclusive já acertado com uma cabeleireira.
Na semana seguinte, décima terceira levei também a música:
Respeitem meus cabelos, brancos de Chico César. Começando pelo título dá
uma ótima interpretação. O autor brinca usando um dito popular para fazer um
apelo à sociedade. Pesquisamos sobre Chico César na Internet no laboratório
12
de informática a turma está habituada a esse tipo de pesquisa, assim foi com
Luiz Gonzaga, Zeca Baleiro, Sandra de Sá, Cássia Eller, Raul Seixas, etc...
Para enriquecer e provocar mais a discussão, na décima quarta
semana trabalhei o poema – Havia um menino de Fernando Pessoa retirado
da revista Ciência Hoje, Edição Especial sobre a África. O poema fala de um
caracol que todos pensam ser um bichinho, mas no fim trata-se do cabelo do
menino, enroladinho como ele. É claro fizemos caracóis com barbante
enroladinho, para ilustrar o poema escrito no cartaz. Falei um pouco sobre o
poeta nascido em Portugal e que morou na África do Sul por algum tempo.
Li também o poema Cabelos que Negros de Oliveira Silveira poeta
negro gaúcho.
Na seqüência fomos estudar a interferência africana na língua
portuguesa. Li o texto ABC Africano de Rogério Andrade Barbosa. Levei para
a turma um alfabeto que continha em cada letra várias palavras, expliquei o
significado daquelas que não sabiam. Pedi porque cada criança escolhesse
uma palavra de cada letra e montasse o seu alfabeto, isso ficou registrado no
caderno de atividades. Depois montamos o ABC africano da turma. Sorteada
a letra o aluno escolhia a palavra eu escrevia numa ficha e ele desenhava.
Nesta semana ainda brincando com as palavras pedi para cada um fazer um
acróstico tendo como base a palavra AFRICANIDADES. Coloquei uma regra:
só valeria escrever palavra que lembrasse África ou afro-descendentes. Esse
trabalho ficou fantástico me surpreendi com o nível do vocabulário assimilado
pela turma até o momento (anexo). Esta foi a décima quinta semana de
estudo e descobertas. Informei à turma sobre os povos que mais
influenciaram na língua portuguesa, que existem no mundo mais seis países
que falam o português e que a nossa pronúncia é diferente. O Brasil recebeu
escravos da região banto países subequatoriais e da África ocidental .Quis
mostrar com isso que os grupos que vieram falavam línguas diferentes, porém
tinham origem de uma grande família lingüística, ou seja, eram todas línguas
aparentadas.
Aproveitando a ocasião do folclore trabalhando as receitas caseiras,
levei para a turma um texto informativo sobre o povo Kalunga, como a turma
já sabe que temos remanescentes de Quilombos expliquei que os Kalungas
são uma comunidade quilombola localizada aqui no Estado de Goiás perto do
DF. O texto fala do remédios caseiros utilizados por esse povo. Passei como
tarefa de casa pesquisar com a família três remédios caseiros diferentes dos
citados no texto e sua indicação. Estávamos construindo o livro do folclore e o
registro foi feito lá. Ainda no tema folclore falei de personagens negros como
Saci Pererê famoso entre a criançada e do Negrinho do Pastoreio. Fizemos
dobradura do saci e recitamos a poesia dele. Alguém disse que o negrinho do
Pastoreio sofreu o mesmo castigo da escravinha do texto de Joel Rufino. A
Botija de Ouro já conhecido pela turma.
Nesse livro do folclore, chamei a atenção da turma para a influência
africana na nossa cultura. Na alimentação: feijoada, canjica, acarajé, cocada,
nas cantigas de roda, cantigas de ninar e nas lendas.
A partir desse livro comecei um trabalho com tipos de textos.
Indaguei à turma: Onde lemos? Para que lemos? Queria mostrar que cada
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texto lido tem uma função. Partindo do livro do folclore e dos trava-línguas, fui
apresentando à turma diferentes tipos de textos e suas principais
características. Parlendas, texto informativo, receitas, texto instrucional,
fábulas, texto humorístico, poético, etc.
Fiquei muito satisfeita em confeccionar esse livro e perceber mais
uma vez que estudar África, afro descendente e suas culturas é possível
integrando todas as áreas do conhecimento.
Estávamos na décima sexta semana de aprendizado (anexo).
No início de cada mês cada aluno recebe um calendário, nele
destacamos datas importantes para nós enquanto escola; os aniversariantes
do mês, os eventos que acontecerão na Escola: festas, passeios, feriados e
outros. Leio para a turma os acontecimentos importantes para o povo negro
do calendário afro-descendente que está afixado no mural interno da sala, em
seguida a turma copia essas datas e constrói uma legenda. No mês passado
(agosto) tive a idéia de levar digitadas, as datas dos acontecimentos do
calendário afro-descendente. Quando estávamos lendo coletivamente essas
informações do mês de setembro, mais precisamente sobre Solano Trindade.
O aluno Ananias disse: - Professora se ele estivesse vivo teria cem anos e
está fazendo trinta e quatro anos que ele morreu (fez o cálculo mentalmente).
Trata-se de um aluno com altas habilidades na área de matemática, inclusive
foi encaminhado para desenvolver isso, pois na Escola existe esse
atendimento.
Então passei no quadro três situações problemas pedi para a turma
descobrir a resposta e confirmaríamos as informações do Ananias:
Observando as datas de nascimento e morte de Solano Trindade, com
quantos anos ele morreu? Se estivesse vivo quantos anos teria? Quantos
anos fazem que ele morreu?
É claro que eu não perderia a oportunidade de trabalhar essa área
de conhecimento. Leva o calendário afro a parte tem sido ótimo, pois além de
conhecer a história, acontecimentos, leis, etc. Apresento para eles líderes
negros brasileiros e africanos, foi assim que a turma conheceu em setembro:
Agostinho Neto, Steve Biko, Solano Trindade, Machado de Assis e outros.
Combinei com a turma que conheceríamos a historia e contribuição
de cada um deles para o movimento negro através de biografia pesquisada na
Internet e confeccionaríamos um mural com o nome de todos até então
conhecidos por nós.
Essa aprendizagem aconteceu na décima sétima semana.
Como estávamos estudando tipos de textos, quando chegamos nas
receitas, combinei com as crianças que faríamos algumas comidas da
culinária africana. Expliquei que não poderia ser uma receita muito sofisticada
nem trabalhosa pois seria realmente construída na sala de aula. Uma edição
da revista Ciência Hoje Edição Especial da África que tive o prazer de ganhar,
trás uma receita de sonhos de São Tomé e Príncipe. Tirei cópia para a turma
do jeito que está lá, pois além da receita, tem algumas informações sobre
essa pequena ilha africana e uma explicação científica porque sentimo-nos
tão atraídos por doces. Lemos juntos essas informações, depois localizamos o
país no mapa da África. Em seguida dividi a turma em três grupos. Cada um
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contribuiria com os ingredientes de cada receita: o primeiro para os sonhos, o
segundo para a cocada preta e o terceiro para o acarajé. Este último está
contando com a colaboração da direção da Escola na compra dos
ingredientes e na elaboração da receita.
Esse combinado aconteceu numa segunda-feira da décima oitava
semana. Na terça estavam lá ansiosos para conhecer a iguaria. Convidei
alguns alunos para participar diretamente: um para ir lendo os ingredientes e
as quantidades, outro para ir colocando na bacia, outro para fotografar.
Organizei previamente uma mesa com os utensílios necessários.
Expliquei a turma que faríamos a receita triplicada se não alguém
poderia ficar sem. Preparamos tudo na sala, depois fomos até a cantina lá
alguém nos esperava. Como a turma é grande e não dava para ficar dentro da
cantina, mostramos apenas como são fritos os bolinhos e voltamos para a
sala. A vice-diretora da Escola (Josaildes) levou uma bacia cheia deles
prontinhos. A última etapa seria passar o bolinho no açúcar com canela cada
um fez isso no seu. Deu dois sonhos para cada aluno e os que sobraram
distribuí para quem passava perto da sala no momento. Um aluno (Lis
Gustavo) disse: - É igual nosso bolinho de chuva a diferença é que leva
banana. Teve aluno que disse que pediria a mãe para fazer em casa.
Aproveitei essa ocasião para falar de dobro, triplo e quádruplo. Disse
também que algumas receitas já trazem as quantidades, o rendimento. Como
não é o caso, tivemos que triplicá-la e que dessa forma foi uma estimativa.
Palavra já conhecida pelo grupo.
Ainda nesta semana li para a turma a biografia de Steve Biko e
passei para a turma algumas imagens do filme: Um grito de Liberdade que
conta a história desse ativista negro e sua luta contra os horrores do Apartheid
(a turma já sabe o que é Apartheid desde quando falei de Rosa Parks no dia
da mulher). Disse também que não assistiríamos todo por causa das cenas de
violência contidas nele. A idéia era mostrar imagens da África do Sul e
mensagens dos seus discursos. Os alunos queriam vê-lo todo, sugeri que
vissem em casa com seus familiares.
Esta décima nona semana de trabalho sobre africanidades foi muito
importante para nossos estudos e para a Escola como um todo.
Estávamos na Semana Nacional de Inclusão sendo que na sextafeira dia 19/09, teríamos um momento cultural com todos os alunos,
professores e comunidade escolar para a entrega das placas,à comunidade
que a Escola ganhou como prêmio do IDEB. Nesse evento, aconteceriam
apresentações dos alunos.
Na ocasião o terceiro ano B apresentou a música salvador Negro
Amor de Sérgio Guerra e Péri do CD Salvador Negro Amor. Consegui
emprestado o figurino com uma estampa e modelo africano, abadá e quelê
para os meninos, pano da costa e turbante para as meninas. Quando a turma
viu todos queriam dançar foi muito difícil para mim, pois sempre incentivo a
participação da turma toda e só havia 12 peças de roupa, 6 de cada gênero.
Devolvi o problema para a turma resolver decidindo através de critérios quem
dançaria, pois só tínhamos três dias para os ensaios. E falei que em breve
faríamos outra apresentação onde todos poderiam dançar. Foi excelente,
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estávamos chamando a atenção pela vestimenta, eu também dancei com eles
e fiquei muito feliz com o resultado. Antes da apresentação falei aos
presentes: alunos, professores e comunidade escolar, do contexto daquela
apresentação dentro do trabalho de implementação da lei 10.639/2003
(anexo). Li o poema Sou Negro de Solano Trindade.
Ainda dentro das discussões sobre a inclusão social confeccionei
com a turma três árvores: árvore do amor, do respeito e da paz, isso porque
queria que juntássemos três temas em um só trabalho: Dia da Árvore, valores
que toda a escola estava trabalhando e ainda o tema Inclusão. Esse trabalho
partiu de três histórias: Ninguém é igual a Ninguém de Regina Otero e Regina
Rennó. Tudo bem ser diferente de Toddy Parr e a Árvore Generosa do
Fernando Sabino, esta última escolhida para fazer o teste da psicogênese do
terceiro bimestre e por estarmos perto do dia da árvore (anexo). É claro que
falei com os alunos sobre a relação do povo africano com a natureza e das
árvores sagradas Iroco e Baobá, já conhecidas por eles.
Nesta vigésima semana contei para os alunos a história: Os Sete
Novelos de Ângela Shelf Mediaris. Cheia de encantamentos, belezas e
ensinamentos. Depois de conhecida pela turma pedi para que me dissessem
o que aprenderam com elas e fui escrevendo no quadro em forma de frases.
Expliquei a origem da história que é em homenagem a um evento, Kwanzaa,
feriado cultural criado nos EUA celebrado por pessoas de ascendência
africana, este fundamentado nos costumes de celebrações de colheitas. O
Kwanzaa é celebrado de 26 de dezembro a 01 de janeiro. Durante sete dias o
povo negro se une para honrar as heranças e tradições dos seus
antepassados. O princípio básico é todos empenhados em trabalhar juntos
para se tornarem pessoas melhores e para fazerem da comunidade um lugar
melhor para se viver.
Depois desses comentários explorei o colorido do livro e toda sua
beleza retratada pelo ilustrador. Pedi para que escolhessem a parte que
achou mais interessante e ilustrassem para organizarmos mais um mural. O
mesmo foi afixado no corredor principal da Escola (anexo).
Nessa semana conversei com a turma sobre a minha participação no
evento de inauguração do Espaço Afro Brasilidades na EAPE (Escola de
Aperfeiçoamento de Professores). Avisei que iríamos confeccionar as
lembrancinhas e a nossa participação seria ilustrar um poema de Solano
Trindade: Gravata Colorida (anexo). Então entreguei uma cópia para cada
aluno, lemos e debatemos as seguintes perguntas: Qual a preocupação do
poeta? Por que ele dá tanta importância ao livro? De acordo com o poema ele
gosta de gravata?
Expliquei à turma que o poeta convida-nos a observar problemas
sociais como a fome e a educação. Já havia dito aos alunos que Solano
Trindade escrevia poema de protesto.
Coincidência ou não nesta semana ganhei de presente o filme:
Solano Trindade 100 anos. De uma amiga que não sabia que eu estava
apresentando à turma esse personagem de nossa história. Esse
acontecimento foi perfeito no mesmo dia assisti ao filme e vi que dava para a
turma ver também. Assistimos numa quinta – feira. Neste vídeo, o ator Sérgio
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Mamberti declama o poema: Tem Gente Com Fome, o qual eu já havia lido
para a turma. Propus que apresentássemos no momento cultural da sextafeira. Então pedi que trouxessem uma panela e uma colher. Fizemos uma
espécie de jogral, batendo no fundo da panela e fazendo o barulho do trem.
Foi lindo. Escolhi uma aluna que lê muito bem para essa apresentação
(anexo).
Nesta mesma sexta-feira dia de aulas de artes fizemos bonequinhas,
fadas e anjos negros. A turma foi dividida em três grupos e cada criança fez
de acordo com o sorteio. Confeccionamos com a ajuda da professora Kimiko
que foi com quem aprendi a fazer as bonequinhas negras.
Levei uma história: O Palhaço e a Bonequinha que são abandonadas
pela dona que prefere brinquedos eletrônicos. Ele de madeira, ela de pano
preta. Interessante foi o comentário de um aluno: - Eles são brinquedos
folclóricos. Relembrei a história de Rufina que desenhara fada negra. Sugeri
que representássemos bonecas, fadas e anjos negros. Levei os tecidos já
cortados as crianças somente montariam. Teve um aluno que perguntou se os
homens iam fazer bonecas também. Disse-lhes que faria somente quem
quisesse e se sentisse bem, e que o fato de um menino fazer uma boneca ele
não ia deixar de ser menino. No dia seguinte todos que estavam fizerem seu
trabalho e pediram para levar para casa disse-lhes que devolveria depois da
exposição.
Já organizando os trabalhos para a Semana da Consciência Negra
disse à turma o que estudaríamos até lá: Biografia de personagens do
calendário afro-descendente dos meses de outubro e novembro, confecção
das máscaras africanas, Zumbi dos Palmares, Quilombos e Remanescentes
deles no Brasil. Na seqüência nos organizaríamos para a apresentação no
Fórum de Tutores que acontecerá dia 25 de novembro na DRET a convite de
uma funcionária. Até o final das aulas estudaríamos os ritmos musicais
brasileiros, pintura de tecidos com tinta a base de vegetais e expressões
africanas no modo de tecer e vestir e nomes de roupas africanas. Estávamos
na vigésima primeira semana, levei um mapa da África e um do Brasil para
cada criança. A intenção era que pintassem no mapa africano todos os países
que sofrerem com o Tráfico Transatlântico. Embora já tivesse falado queria
que essa informação ficasse registrada no caderno deles. À medida que eu ia
dizendo o nome do país localizava-o no mapa exposto no quadro e eles
pintavam no mapa deles. Pesquisei essa informação na revista Quilombos:
Espaço de Resistência de Homens e Mulheres Negras do MEC. Um aluno
(Ananias) concluíu que a maioria dos países estava na costa Africana. Em
seguida pedi para que pegassem o mapa do Brasil para pintarem cada
estado, que recebeu os escravos, de cores diferentes. Falei um pouco sobre
esse grupo e suas contribuições na nossa cultura. A África é multicultural e
cada povo: Banto, Yorubá, Gegê, Nagô entre outros que vieram deram sua
contribuição de forma diferenciada nos costumes, objetos, canções, rituais
encontrados na religião, na culinária, nos modos de tecer e vestir.
Nesse dia falei mais um pouco das condições que eram
transportados e alimentados, na rota do transatlântico e que os navios
também eram chamados de Tumbeiros, pois os escravos vinham deitados um
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ao lado do outro como se estivessem em tumbas. Mostrei fotos dessas
embarcações.
Trabalhei mais uma vez um acróstico agora com as palavras
TRÁFICO TRANSATLÂNTICO (anexo) a turma encontra-se com o
vocabulário mais ampliado e rico. Mostrei a turma algumas imagens do filme
Amistad: negros sendo transportados, alimentados, acorrentados, cenas de
suicídio no mar. O aluno Daniel disse já tê-lo visto com o pai.
Havia convidado os pais dos alunos para a reunião do 3o bimestre
que aconteceria dia 02 de outubro, conforme rotina escolar. Na ocasião
apresentaria a eles os gráficos da psicogênese o calendário do 4 o bimestre e
a seqüência de atividades e temas que tem sido trabalhado sobre a lei
10.639/2003. Organizei um pequeno questionário onde eles responderiam a
respeito do projeto (anexo). Queria que ficasse registrado o que tenho ouvido
deles em relação a atitudes e posturas pelas crianças adotadas a partir das
discussões. Na ocasião, li a história de Rufina para explicar como tudo
começou. A reunião foi proveitosa, esclarecedora e como sempre
participativa. Lendo os questionários, vi que todos sem exceção aprovam,
acham válido, vêem resultados e sugerem que o Projeto seja expandido para
toda a Escola e outras da rede. Tenho clareza da dimensão e do interesse
que os estudos têm causado em alguns alunos devido ao envolvimento nas
atividades propostas. Exemplificando, combinei que nossa próxima aula
prática seria a confecção das máscaras. Então ofereci um texto informativo
sobre o tema e pedi que pesquisassem na Internet mas antes disso os alunos
Ruan e Ângela trouxeram desenhos belíssimos (anexo), que foram expostos
no mural externo. O aluno Felipe pediu papel para desenhar também. Na
quinta feira desta semana quem ia terminando a tarefa pedia papel para
desenhar máscaras deixei à vontade. Nós ainda não tínhamos estudado esse
tema e eles já estavam querendo fazê-las. Pedi para que observassem os
detalhes: cores e formas das que foram trazidas da Internet e que faríamos
primeiro máscaras desenhadas, depois modeladas no balão e com atadura de
gesso. Teve três alunos que chegaram no outro dia sexta-feira com a máscara
feita no balão e outros com a atadura de gesso. Esse interesse é lindo e
espontâneo.
Então lemos o texto coletivamente dentro dele expliquei o que é
singular e plural devido à uma atividade escrita. Então todos poderiam
desenhar sua máscara inspirando-se ou não nas expostas na sala.
Na vigésima segunda semana, fizemos as máscaras modelando-as
no balão. Eu havia recebido um telefonema dia 07/10 de um jornalista do
Correio Brasiliense (por indicação da minha professora do Curso Carmem
Batista) pedindo para conversar com a turma e fotografá-la para uma Edição
Especial do jornal que estaria em circulação no dia 15 de outubro em
homenagem ao Dia do Professor e por estar trabalhando com o projeto desde
o início do ano letivo. Concordei e logo comuniquei às crianças e a direção da
Escola. A visita aconteceu exatamente no dia da confecção das máscaras
africanas. Como não deu para eu explicar significado daquela atividade no
momento, solicitei que a jornalista fizesse contato depois da aula. Ela fez,
expliquei por telefone fazendo um resumo de todo o trabalho desde o início
18
até aquela aula. Quando terminei de falar ela disse: - A Pâmela já me falou
tudo isso. Disse também que queria ter o cabelo igual ao seu, que vai ser
professora quando crescer e ensinar esse assunto. Eu disse a jornalista que a
maioria da turma sabe falar sobre essa temática, não somente os por ela
entrevistados.
Na seqüência dos estudos e atividades confeccionaremos as
máscaras de gesso e na culinária o Acarajé, iguaria considerada patrimônio
histórico e cultural, assim como a Capoeira. Antes da Semana de Consciência
Negra estudaremos a figura histórica de Zumbi dos Palmares, a formação dos
Quilombos, os principais Quilombos e remanescentes deles no Brasil.
Está previsto ainda o Concurso para escolher a arte da camiseta que
usaremos na semana do dia 20 de novembro, conforme combinado com a
turma A pintura de tecido com tinta extraída de vegetais, e ainda um estudo
sobre a música que é um importante veículo para perceber a presença
africana entre nós. Para enriquecer essa atividade está convidado um músico
e artista plástico negro Josafá Neves para que a turma possa entrevistá-lo. Na
ocasião, ele fará uma oficina de percussão.
Fiz o relato da experiência falando apenas das principais atividades.
Existiram outras que não foram mencionadas: histórias que abordam o tema
inclusão, teatro (O Tesouro dos Índios), estudo de animais africanos depois de
uma visita ao zoológico, debates sobre reportagens que viram na televisão e
situações de racismo relatadas por eles, vistas nos seguintes programas:
Todo Mundo Odeia Cris – TV Record, Eu a Patroa e as Crianças - SBT e As
Visões de Raven – SBT. Textos informativos sobre cada assunto estudado.
Procurei sempre integrar essas discussões e ou atividades com outras áreas
do conhecimento por acreditar não haver conhecimentos estanques, um
assunto está inserido no outro. Às vezes o despertar das habilidades e
competências aconteciam a partir de um assunto sobre África, em outros
momentos, de outras áreas do conhecimento para o estudo de África e
afrodescendentes.
Segue em anexo atividades e ou registros fotográficos de acordo
com a ordem cronológica em que aconteceram até o momento e por último,
uma amostra do trabalho realizado em 2007 com a Etapa II C.
Encerro minhas explanações com o seguinte dizer:
ENSINAR EXIGE RISCO,
ACEITAÇÃO DO NOVO
E REJEIÇÃO A QUALQUER
FORMA DE DISCRIMINAÇÃO
Paulo Freire
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CONTEXTUALIZAÇÃO
O CEF 18 localizado à QSD 32 área especial n° 1 e 2 foi inaugurado
em 31 de março de 1970 como Centro Educacional de Taguatinga Sul,
tornando-se depois Escola Normal de Taguatinga (ENT).
A Escola possui um excelente espaço físico com quadra de esportes,
área de refeitório, parque, laboratório de informática (desativado), sala de
vídeo, sala de leitura, sala de psicomotricidade (sala de música), biblioteca e
uma ótima área verde. A Escola tem ainda um prédio onde funcionavam as
turmas de Educação Infantil. Hoje, sendo utilizado pela Equipe de Altas
Habilidades.
A Escola tem no total 115 funcionários, 658 alunos sendo 12 turmas
no matutino e 13 no vespertino, a saber: 6 turmas de 1o ano, 4 turmas de 2o
ano, 6 turmas de 3o ano, 5 turmas de 3a série, 4 turmas de 4a série.
Considerada Escola Inclusiva, possui 5 turmas reduzidas em virtude de terem
Alunos Portadores de Necessidades Educacionais Especiais (ANEE). A
direção é composta por cinco membros em cargos comissionados: diretos,
vice-diretor, supervisor pedagógico, supervisor administrativo e secretário
escolar. Conta ainda com a equipe psicopedagógica e um orientador
educacional.
O 3o ano B fazendo parte desse universo escolar é formado por 35
alunos de 8, 9 e 10 anos (este último apenas 1) que estudam no turno
matutino. Trata-se de uma turma com um ótimo potencial de aprendizagem,
conseqüência de um bom nível sociocultural. No geral são crianças que
viajam, tem acesso a leitura fora da escola, a maioria tem acesso a
computador, freqüentam cinema, shoppings e atividades culturais. Dois alunos
recebem atendimento da equipe de apoio à aprendizagem, e à medida da
necessidade, aula de reforço em horário contrário juntamente com outros
alunos.
A turma participa de forma efetiva de todas as atividades propostas
demonstrando interesse e satisfação.
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JUSTIFICATIVA
Embora esteja atrasada no ensino-aprendizagem da temática racial,
toda essa ação justifica-se na lei 10.639/2003. Foi somente em 2007 que me
descobri negra, que passei a estudar o tema. Meu primeiro curso foi: NEXOS
E REFLEXOS DAS VOZES DA ÁFRICA em setembro/2007. Esse estudo me
abriu um leque, à medida que eu ia aprendendo proporcionava discussões na
sala de aula. Quanto mais lia mais queria. Fui percebendo a necessidade de
abordar esse assunto com as crianças, para que elas conheçam a verdadeira
história dos negros no nosso país, as conseqüências de terem sido povos
subjugados, escravizados e abandonados à própria sorte. A situação do negro
hoje com a falta de oportunidades, a discriminação racial, o preconceito
etc. No primeiro semestre letivo de 2008 fiz mais dois cursos oferecidos
pela EAPE (Escola de Aperfeiçoamento dos Profissionais de Educação):
MEMÓRIAS D’ÁFRICA e a ÁFRICA ESTÁ EM NÓS desse último
completei a frase e dei nome ao meu trabalho com as crianças. Como
me apaixonei pelo tema, descobri a necessidade de ensiná-lo e estou
me preparando para o mestrado e na seqüência doutorado. Falar de
África, afro-descendentes e sua cultura faz parte de minha vida não só
profissional, mas também social.
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RESULTADOS OBTIDOS
Depois de ter passado pela situação de racismo na Escola relatada
nesse trabalho me dei conta de que estava incomodando alguém. Confesso
que ganhei mais forças, então pedi autorização da direção para utilizar um
espaço da parede do corredor principal da entrada da Escola. A intenção foi
montar um mural informativo que a princípio teve o nome: A ÁFRICA ESTÁ
EM NÓS E NÓS ESTAMOS NA ÁFRICA, no dia 12/05, véspera do Dia
Nacional de Combate ao Racismo. No mural, coloquei informações, dados
estatísticos, cartazes, imagens positivas da África, frases de lideranças
negras, fotos e trabalhos dos alunos que seriam produzidos semanalmente.
Percebi que chamou a atenção. Alunos, auxiliares, comunidade escolar, todos
paravam para olhar. Queria com isso que a escola fosse se acostumando com
a temática e principalmente ir se apropriando de conhecimentos sobre África
que nos foi negado. Foi a partir de um trabalho para esse mural que fui
convidada para relatar essa experiência aos professores do curso:
Alfabetização e Linguagem. Neste dia recebi outro convite para outra escola
(anexo). Ainda nesse mês fui convidada pela Gerente de Formação da EAPE
para participar do II Colóquio de Tutores abordando a temática, infelizmente
não pude ir pois a atividade aconteceria no horário da minha regência e a
prioridade são meus alunos. Fui solicitada também para expor material
produzido pela turma no II Fórum Educação e Diversidade Étnico-Racial DF,
que aconteceu nos dias 24 e 25 de junho (anexo). Comecei a ouvir de pais de
alunos que eles estavam envolvidos com o assunto, faziam comentários em
casa sobre as aulas, estavam atentos à reportagens da televisão, e o melhor,
que estavam defendendo a população negra. Ouvi também que um filho
mudou muito o comportamento depois dessas discussões. Isso começou a
ocorrer de forma espontânea. Esses depoimentos partiram das mães, do
Ruan, da Pâmela, do João Pedro Felício e da mãe do Daniel. Realizei
reunião de pais do 3o bimestre dia 02/10, e conforme combinado na última,
expliquei como os estudos têm acontecido, que assuntos trabalharia e como
poderiam contribuir para melhores resultados. Pedi que respondessem um
pequeno questionário sobre o trabalho (anexo).
No segundo semestre mudei todo o mural colocando o título
Africanidades. Divulguei outras informações sempre mostrando imagens
positivas dessa região tão discriminada pelo restante do mundo (anexo).
Como convidada da professora Carmem Batista participei da inauguração do
Espaço Afro Brasilidades no dia 01/10 mais uma vez expondo material
produzido pela turma.
Queria mesmo incomodar, não dessa forma sendo agredida mas no
sentido de despertar, tocar as pessoas para esse assunto que é lei desde
2003 e ainda não está sendo cumprida. Eu também não trabalhava. Não
sabia, não estudei isso na minha formação. Vejo que em pouco tempo de
estudos e descobertas tem sido muito bom, tenho aprendido junto com a
turma e alcançado resultados positivos. Ouvi da aluna Pâmela: - Quando
22
crescer vou ser professora e vou ensinar esse assunto. Senti um orgulho
imenso em saber que despertei nessas crianças esse respeito pela população
negra. Elas nunca mais serão as mesmas.
Para o mês de novembro fui convidada a apresentar a coreografia da
música: Salvador Negro Amor dia 25 no Fórum de Rendimento do BIA e
encerramento do CEFORM Centro de Formação da UNB.
Farei também a exposição de trabalhos dos alunos no Terreiro de
Candomblé Ilê Asé Logum Cetomi, além de explanar a prática pedagógica na
implementação da lei, no I Encontro de debates sobre Culturas Negras, que
ocorrerá dias 25, 26 e 27 de novembro. Sempre que levo os trabalhos para
expor, comunico a turma e explico sobre o evento. Gostaria mesmo era de
levá-la junto para que pudesse falar das suas produções. As crianças ficam
orgulhosas.
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AVALIAÇÃO
O ano letivo encerrará dia 18 de dezembro, ainda está previsto
estudar mais alguns assuntos. Já posso afirmar que atingi meus objetivos com
essa turma. Isso é visivelmente comprovado nos textos dos alunos,
conhecimento adquirido e mudanças de posturas relatadas pelos pais.
Observei que o trabalho esse ano tem sido mais rico devido à quantidade de
alunos. A turma de 2007 era formada por apenas 18 alunos (turma reduzida) e
os estudos se iniciaram em setembro não dando tempo de ampliar as
discussões. Esse ano com a turma de 35 alunos os estudos estão mais
interessantes, pois são mais crianças interagindo, pesquisando, interrogando
e provocando seus familiares. Numa entrevista à turma para construção do
diagnóstico inicial (ainda no primeiro semestre) fiquei surpresa quando vários
alunos disseram gostar mais das aulas de artes e estudar sobre a África. Ali
percebi que o trabalho teria uma dimensão maior.
Como já mencionei anteriormente somente em 2007 enegreci, a
partir da leitura de um texto sobre o cabelo que é um motivo de grande
sofrimento para nós mulheres negras. Alisava-o para disfarçar o sofrimento
por ser considerado na nossa sociedade um cabelo que não agrega
qualidades: duro, de bombril, pixaim, impermeável... A partir disso (assumir
meu cabelo crespo) tive que explicar na minha família, no meu local de
trabalho, para amigos o que aconteceu comigo, já que estava sendo cobrada.
Obviamente aos meus alunos, ter uma professora negra assumida para as
crianças negras é ótimo, elas se vêem numa imagem positiva. Hoje vejo o
tanto que isso é importante. Como vou incentivar meu aluno a se aceitar?
Amar sua cor, seu cabelo, sua origem se eu não o faço?
Queria relatar isso para ilustrar que incomodei, esclareci, ensinei e
me fiz respeitar por todos que participam da minha vida diretamente. Quero
que todas as crianças que forem meus alunos tenham essa descoberta ainda
na infância. Amarem-se, valorizarem-se do jeito que são para que possam ser
jovens e adultos mais felizes nessa sociedade tão preconceituosa e desigual.
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... A longo prazo a contribuição especial que a África
dará ao mundo será no campo do relacionamento
humano. As grandes potências podem ter realizado
maravilhas ao conferir ao planeta um aspecto
industrial e militar, mas o grande dom ainda virá da
África – dar ao mundo uma face mais humana...
Steve Biko
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ANEXOS
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FRASES EXTRAÍDAS DOS TEXTOS PRODUZIDOS
PELOS ALUNOS EM 15/09
•
A África é um continente lindo que tem negros. Eles cuidavam de lá com
carinho. Eram pobres mas tinham como se cuidar, eram todos uma
família. (Ângela Moura)
•
Muitos negros passam por discriminação racial por ter muita melanina
como: bolinho queimado, cabelo de bucha, não brinca com ele porque é
negro. (Paola)
•
Eu não queria está no lugar do negro para ver como é sofrer, por isso eu
não discrimino o negro. (Daniel)
•
O respeito com os negros é essencial, o povo negro sofre com muita
discriminação. Poucas pessoas respeitam mas deviam porque todos são
iguais. (Vinícius Seabra)
•
As pessoas negras sofrem com a discriminação elas sofrem pela cor da
pele, por causa do cabelo e a falta de oportunidades. (Agatha)
•
O mais triste é que até hoje a escravidão existe. Os brancos chingam
os negros e isso é muito triste. (João Marcos)
•
Eu tenho muito orgulho de ser negro eu goto muito. (João Pedro
Felício)
•
A África é um continente lindo e maravilhoso e tem muitas coisas lindas.
(Izabelle)
•
Nós temos que ter respeito com os negros principalmente os que são
parentes. (Ruan)
•
A África foi o primeiro continente que teve seres humanos. (Letícia)
•
A África tem cinqüenta e três países e nove desses países são os mais
pobres do mundo. (Luana)
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•
Respeite meus cabelos e todos os cabelos. (Rafael)
•
O continente da África é um lugar lindo cheio de cultura e dança.
(Danielle)
•
Os escravos eram chicoteados eles tentaram fugir, eram presos com
correntes no pescoço, no braço, na perna. Eles se juntavam e fugiam.
(Larissa Aires)
•
A ligação da África com o Brasil é que o Brasil tem muitos e muitos
negros descendentes de lá. (Marcu Júnio)
•
O respeito ao negro é não falar mal deles tipo: negão, carvão, cabelo de
bombril e muito mais. (Juliana)
•
Espero que isso acabe discriminação, chingamento e tenha mais respeito
aos negros. (Tatiane)
•
A África é um continente que nos leva a muitas belezas. (João Pedro
Ferreira)
•
O Brasil é uma parte da África. (Marcos Vinícius)
•
Há muitos e muitos anos atrás o mundo era uma bola todos os
continentes eram pregados, até que houve terremotos que foi rachando
e o Brasil era pregado na África. Até hoje o Brasil se encaixa na África.
(Luís Gustavo)
•
O povo negro não deve ser discriminado, eles são como nós brancos.
(Nathália)
•
A África tem belezas, riqueza e bichos. (Luís Carlos)
•
Os negros sofrem discriminação. Os brancos podiam entender e não
ficar discriminando os negros. (Vinícius Cavalcante)
•
A África tem muita miséria, mas não é só isso tem muitas alegrias.
(Fernanda)
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•
Da África vieram cerca de cinco milhões de escravos para o Brasil e foi
só alguns países que mandaram escravos. (Augusto)
•
A África tem muitos bichos ferozes e o maior deserto do mundo está
na África. (Marcelo)
•
Vamos ter respeito com todo mundo. (Lucas)
•
Os negros sofrem discriminação por causa da cor da pele, do cabelo,
nariz, testa. (Luísa)
•
A África tem muitas coisas bonitas como: as savanas, animais,
comunidades e lindos países. (Nathália)
•
Augustinho Neto foi um líder negro. Ele foi preso três vezes por pedir
assinaturas das pessoas. (Ananias)
•
Eu sei que a África tem muitas belezas com animais bonitos igual nosso
país. (Nilson)
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