Existe vida depois da cartografia de posse?
Transcrição
Existe vida depois da cartografia de posse?
Existe vida depois da cartografia de posse? por PETER POOLE Introdução Os mapas de posse são elaborados no intuito de produzir evidência legalmente aceitável do uso e ocupação anteriores de terras. Tal evidência é usada nas negociações nacionais ou mundiais. Existem duas estratégias para a organização de projetos de mapas de posse. Uma delas fomenta as capacidades locais de reunirem conhecimentos tradicionais através de entrevistas e rascunhos de mapas, mas terceiriza os aspectos cartográficos computadorizados a agências cartográficas oficiais. A outra utiliza a exigência da comunidade de um mapa de posse como contexto para iniciar um processo de treinamento graduado, que visa a possuir a competência – e controle – no processo inteiro de cartografia. Equipes da comunidade aprendem a usar o GPS para produzir mapas de campo geograficamente exatos. A instalação simples de um computador e uma impressora proporcionaram a algumas associações indígenas a possibilidade de montarem as suas próprias unidades cartográficas. A reação oficial varia de negação a criminalização. Mas, o problema mais sério é a sustentabilidade. A elaboração de um mapa de posse é um trabalho de duração limitada: ela inicia o processo, mas não dá continuidade. O que é que as equipas comunitárias podem fazer em seguida e quem apoiará esse esforço? Até agora, a cartografia comunitária tem seguido o SEÇÃO DE TEMAS 5 “A reação oficial varia de negação a criminalização. Mas, o problema mais sério é a sustentabilidade. A elaboração de um mapa de posse é um trabalho de duração limitada: ela inicia o processo, mas não dá continuidade. O que é que as equipes comunitárias podem fazer em seguida e quem apoiará esse esforço?” raciocínio da parábola de desenvolvimento sobre o ensino da pesca em vez de oferecer um peixe. Mas, o que fazer se não existe peixe? Cartografia de posse O presente artigo concentra-se nos projetos comunitários de cartografia iniciados e controlados pelas comunidades indígenas e suas associações. A produção de ‘mapas de posse’ geograficamente exatos facilita o processo graduado de adequação e visa a habilitar as comunidades e suas associações a controlarem o processo cartográfico na sua totalidade e a produzir mapas que sejam rivais da cartografia oficial e aceitos pela lei. A ‘cartografia de posse’ é um gênero distinto da cartografia comunitária. Ela fundamenta-se na evidência cartográfica aprendizagem e ação participativas 54 abril de 2006 41 SEÇÃO DE TEMAS 5Peter Poole Map 1: Posse no Escudo da Guiana ESCUDO GUIANA Projetos cartográficos passados e atuais sobre posse Áreas Aproximadas Projetos terceirizados indicados em vermelho juntada pelas comunidades indígenas do norte do Canadá – inicialmente pelos povos Esquimó, Cree e Colonos – em preparação para negociar o reconhecimento formal dos seus territórios ancestrais. O gênero é definido por duas combinações referenciais de mapas e documentação comprovadora: • The Inuit Land Use and Occupancy Study [Estudo do Uso e Ocupação de Terras pelo povo Esquimó] ( Milton al de et, 1976) que abrangia o território do povo Esquimó; e, • Our Footsteps Are Everywhere [Nossos Passos Estão em Todo Lugar] (LIA, 1977) que abrangia as terras ocupadas por Esquimós e Colonos em Labrador. A cartografia de posse foi desenvolvida pelos povos Esquimó e Cree no Quebec Ártico para se opor a uma colonização de terras pelo iminente Projeto Hidrelétrico James Bay (Kemp e Brooke, 1995). Os povos indígenas de Yukon e da região ocidental subártica adotaram esse processo logo depois e, atualmente, a cartografia sobre posse é um componente obrigatório de mais de 50 negociações territoriais na Columbia Britânica. Duas estratégias de cartografia: auto-suficiência e terceirização Os atributos distintivos dos mapas de posse incluem: • a restauração dos nomes indígenas dos lugares; 42 aprendizagem e ação participativas 54 abril de 2006 • assinalação de posse; • a simbolização das 'biografias cartográficas’ de caça e colheita; • assinalação de utilização; e • os locais espirituais e antigos, como evidência da ocupação ‘desde a antiguidade imemorial’. A coleta desses dados essenciais constitui a primeira fase da cartografia de posse. A segunda fase é a compilação do mapa. Isso inclui a transferência dos dados de campo a um mapa básico em escala e a produção de um mapa de posse final – um processo que exige um computador, uma impressora e software apropriado. Os dados essenciais nesses exemplos iniciais de cartografia de posse no Ártico foram contribuídos por membros das comunidades. Mas a conversão final das resmas de rascunhos de mapas e cadernos em mapas de escala impressos foi terceirizada a um grupo de peritos, principalmente geógrafos, antropólogos, e gráficas comerciais. No início dos anos setenta, isso era inevitável. Mas, nos anos noventa, o custo e a versatilidade dos sistemas de gráficos computadorizados e de software fizeram com que a produção de mapas se tornasse viável, diretamente pelas comunidades ou por suas associações ou ONGs de apoio. Não obstante, alguns projetos de cartografia continuavam terceirizando esta fase, normalmente às agências cartográficas governamentais ou às universidades – um exemplo disso é o Existe vida depois da cartografia de posse? MAPA DE BASE TOPOGRÁFICO MAPA SEM NOME Atlas de Maya (Chapin e Threlkeld, 2001; TMCC, 1997). Durante os anos noventa, um proceder alternativo aproveitou esses avanços técnicos para explorar a possibilidade de fazer com que todo o processo cartográfico fosse localizado. Esta metodologia evoluiu de uma série de projetos cartográficos de posse nos paises do ‘Guiana Shield’ (Escudo Guiana), Venezuela, Guiana, Brasil e Suriname, apoiados pelo Programa dos Povos Florestais (Forest Peoples Programme – FPP) em colaboração com associações comunitárias (veja Mapa 1).1 Projetos cartográficos passados e atuais de posse A fim de maximizar o envolvimento comunitário, utilizar métodos manuais robustos em vez daqueles que requerem equipamentos sofisticados, ar condicionado ou um abastecimento estável de energia. Por exemplo, escolheu-se o tracejamento em vez da digitalização, e software de gráficos simples em vez de sistemas 1 Visite o site: www.forestpeoples.org SEÇÃO DE TEMAS Map 2: Produção de um mapa de posse em três etapas 5 MAPA YE’KUANA-SENEMA de informações geográficos (SIG). Visto que é possível produzir mapas de posse exatos sem o uso SIG, o uso deste não foi imperativo: alguns grupos de cartografia os utilizaram e outros não. Levando em consideração esses objetivos, desenvolveu-se uma metodologia cartográfica complementar de duas etapas. Uma metodologia localizada para cartografia de posse Esta metodologia é ilustrada no Mapa 2, onde o FPP e a Kuyujani, uma ONG de Ye'kuana-Sanema, colaboraram para mapear seus territórios adjacentes na bacia de Caura da Amazônia venezuelana. Na primeira fase, os membros do projeto definiram a grosso modo a ‘área de levantamento’ e escolheram , dentre a cartografia oficial, os mapas topográficos de base mais úteis. Esses mapas foram cortados e colados juntos. Um fator principal na escolha dos mapas de base foi o fato de que o mosaico a ser tracejado era um pouco menor que 36 polegadas (90cm). Esta largura era compatível com o formato padrão dos equipamentos aprendizagem e ação participativas 54 abril de 2006 43 Map 3: NaturalVue 2000 rectified Landsat-based image map of Saramaka Wanhati Mapping team, Saramaka informants SEÇÃO DE TEMAS 5Peter Poole 44 aprendizagem e ação participativas 54 abril de 2006 Existe vida depois da cartografia de posse? Caixa 1: Mapeamento para evitar a alienação de bens patrimoniais no Território de Saramaka O Território de Saramaka no Suriname central está sofrendo alienação de bens patrimoniais em duas frentes: os madeireiros de prática antiquada no norte; e os recém-surgidos conservacionistas do oeste. Os 20.000 moradores da região de Saramaka, divididos em 63 comunidades nas margens do Rio Suriname, descobriram recentemente que o governo havia outorgado concessões para a exploração de suas florestas à Ji-Shen, uma madeireira chinesa. A estratégia do projeto cartográfico de Saramaka destina-se a garantir que o governo respeite os tratados que já garantem a posse. Por isso, algumas semanas depois da publicação do mapa de Saramaka, Conservation International Suriname – CIS (Conservação Internacional do Suriname) anunciou uma iniciativa para ampliar a Reserva Natural do Suriname que incluirá esse território. Enquanto aguardavam uma decisão do Tribunal Interamericano de Direitos Humanos, a Wanhati, a Associação das Autoridades de Saramaka, tomou medidas contra ambas as ameaças. Uma das medidas foi um levantamento aéreo de alta-resolução dos impactos das atividades madeireiras da Ji-Shen. A outra foi um plano de manejo para o desenvolvimento e a conservação que contesta o plano produzido pelo CIS – esse plano de manejo baseava-se nas imagens aéreas de alta-resolução das aldeias e das terras circunvizinhas mostradas no Mapa 3. Para fins de avaliação do impacto ambiental e de conservação da biodiversidade, os mapas de imagens dos dois níveis de detalhes são superiores aos mapas topográficos. SEÇÃO DE TEMAS de digitalização e das impressoras grandes. O mapa de campo resultante foi impresso em duas partes que foram juntadas com fita adesiva. Por tracejar apenas os rios e contornos, os nomes oficiais e as infra-estruturas foram efetivamente apagados dos mapas de base. Isso deu resultado a um mapa ‘sem nome’, pronto para receber os dados juntados pela equipe cartográfica que coletava dados no campo (veja Mapa 2, painéis da esquerda e do meio). Na segunda fase, efetua-se o treinamento de uma equipa comunitária de cartografia (normalmente compota de 6 a 12 pessoas) para fazer entrevistas e rascunhos cartográficos com informadores, leitura de mapas e cadastramento de eventos, navegação com unidades de sistema de posicionamento global (GPS), e como desenvolver uma legenda de mapa apropriada. Depois de quatro a seis semanas de treinamento, as equipes passam vários meses juntando dados de campo e colocando-os manualmente num mapa de campo ‘sem nome’. Na fase final, os símbolos de legenda e os nomes são inseridos em camadas apropriadas em cima da camada do mapa de base no arquivo de gráficos (veja Mapa 2, painel à direita). À medida que essa metodologia melhorava durante os projetos cartográficos do Escudo Guiana, evoluía-se um arranjo complementar organizacional. Isso indicava como as tecnologias e habilidades cartográficas podiam ser localizadas. As equipes comunitárias de cartografia aprenderam a juntar e mapear conjuntos de dados de campo originais e únicos, e unidades cartográficas de associações; conseguiam produzir mapas de base de campo para as equipes, transferindo e imprimindo os mapas finais. Na Venezuela, o projeto cartográfico Ye'kuana-Sanema deu origem à unidade cartográfica de Kuyujani que, desde então, ajudou outros povos a mapear seus territórios. Na Guiana, o projeto de cartografia de posse da Akawaio-Arecuna do Alto Mazaruni levou à criação de uma unidade de cartografia dirigida pela Amerindian Peoples Association (Associação de Povos Índios) que, posteriormente, treinou equipes comunitárias para completar os outros projetos cartográficos da Guiana mostrados no Mapa 1, bem como o projeto cartográfico de Marowijne no Suriname. Embora não exista ainda nenhuma unidade cartográfica de associação no Suriname, as equipes treinadas nos projetos cartográficos de posse de Marowijne e Saramaka continuaram treinando outras equipes cartográficas comunitárias nos projetos de Cottica e Oeste de Suriname respectivamente. Mas, este método funciona melhor na paisagem onde se originou. Nas florestas úmidas tropicais com padrões densos de drenagem, as equipes de cartografia podem se localizar facilmente nos mapas de campo ‘sem nome’. Os mapas de paisagens áridas possuem poucos marcos de localização. Uma 5 nova geração de mapas de imagens de satélites oferece uma alternativa acessível que não se limita a paisagens áridas. O Mapa 5 compara um mapa de imagem NaturVue 2000 (www.earthsat.com) de uma parte do território de Saramaka (Caixa 1) com as versões de mapas finais e de campo, e compara os dados visuais obtidos por satélite com os dados juntados por câmeras aerotransportadas com uma resolução terrestre de 5cm. Auto-suficiência e terceirização: prós e contras Algumas pessoas pensam que a terceirização fará com que os oficiais governamentais favoreçam as reivindicações de território ou de acesso a recursos decorrentes de mapas de posse. Mas isso ainda não tem sido demonstrado de modo amplo. No Suriname, por exemplo, os cartógrafos governamentais colaboraram para a produção de dois mapas de posse de territórios Trio adjacentes (Mapa 1: 9 e 10) embora o governo ainda não tenha aceitado o princípio de que existe algo para negociar. Por outro lado, os dez mapas de posse produzidos por meios auto-suficientes não têm gerado nenhuma negociação formal a respeito desses territórios ancestrais. Os projetos venezuelanos (Mapa 1: 1 e 2) são os projetos que mais se aproximaram ao objetivo visto que eles são atualmente objetos de negociação. A terceirização significa que não ocorre nenhum treinamento além da coleta de dados locais através de entrevistas e esboços de mapas. Embora esse processo represente aspectos aprendizagem e ação participativas 54 abril de 2006 45 SEÇÃO DE TEMAS 5Peter Poole importantes, ele não efetua a transferência dos dados para os mapas finais e não produz impressões destes. Se as comunidades desejarem fazer um outro mapa ou revisar o seu mapa já completado, ou se outras comunidades desejarem fazer um mapa semelhante, elas precisarão novamente da ajuda das agências cartográficas oficiais e de angariar os recursos financeiros necessários. Quando as comunidades dependem de agências cartográficas externas, surgem questões relativas à propriedade dos mapas. Talvez a agência queira limitar a distribuição destes, ou as comunidades aleguem que nem todos os dados que coletaram apareçam nos mapas finais. No Suriname, alguns dos informadores dos Projetos Trio, referentes aos Projetos 9 e 10 no Mapa 1, alegam que alguns de seus locais de acampamento na Reserva Natural Do Suriname Central não apareceram nas versões finais impressas (o autor). Se esses mapas tivessem sido produzidos por uma unidade de cartografia indígena, isso poderia ter sido corrigido em poucos minutos. O mapa Apalia-Tirio-Wayana-Kaxuyana do setor brasileiro do Escudo Guiana (Mapa 1:13), coordenado pela Equipe para Conservação da Amazônia (ECA) é um excelente mapa de posse2. Mas o governo brasileiro mantém controle estrito de sua distribuição. Os mapas impressos podem ser obtidos somente com autorização oficial. Existem também custos elevados: o mapa de milhões de dólares da Apalia-Tirio-Wayana-Kaxuyana custa mais que o total dos outros 12 projetos cartográficos do Escudo da Guiana (o autor). De fato, os custos para os projetos auto-suficientes foram gradualmente reduzidos à medida que as unidades de cartografia locais assumiram maior responsabilidade. Isso indica uma vantagem comparativa para os grupos de cartografia com redes locais. Problemas da marginalização e da sustentabilidade O proceder de capacitação no processo de cartografia de posse produz mais que um simples mapa de posse. Os dois resultados mais tangíveis são: • um banco de dados de conhecimentos tradicionais do território; e • equipes comunitárias de cartografia no campo. qualificadas para ampliar e manter esse banco de dados. Junto com esses ocorrem outros resultados intangíveis importantes. Um desses resultados é a confiança gerada pela capacidade de fazer mapas tão exatos quanto os feitos pelos cartógrafos oficiais. Outro é o fato da comunidade e as equipes de cartografia serem os autores do mapa – fato que, em alguns As negociações relativas a terras ancestrais normalmente ocorrem em nível do governo nacional ou em foros internacionais. Tais negociações podem continuar indefinidamente. Além disso, elas são realizadas em cidades distantes e exigem tipos de perícias jurídicas e políticas que as comunidades raramente possuem, minimizando a possibilidade de participação ativa pela comunidade. As comunidades que eram fundamentais para o processo de cartografia de posse tornam-se marginalizadas. A auto-suficiência na cartografia comunitária não implica automaticamente sustentabilidade. A cartografia de posse pode ser inspiradora e pode aumentar as capacidades. Mas, de modo geral, é uma atividade de duração limitada. Além disso, as comunidades que desejam continuar o desenvolvimento de suas capacidades locais de manejo e conservação de recursos freqüentemente enfrentam uma falta de recursos financeiros. Os doadores voltados a direitos humanos que apóiam a cartografia de posse freqüentemente não são qualificados para este fim ou se encontram em posição difícil para apoiar os projetos de manejo dos recursos, especialmente quando são “muito técnicos”. Os doadores voltados ao meio ambiente raramente apóiam projetos indígenas, a menos que estes estejam incorporados em ‘projetos comunitários de conservação’ administrados por ONGs internacionais de conservação. Uma chave para a sustentabilidade é mudar o enfoque da produção de curto prazo de um mapa de posse de um período só para o desenvolvimento de longo prazo das capacidades de coleta de dados ambientais. Esse proceder tratará dos problemas práticos de intendência e converterá os mapas de posse em bancos de dados, combinando os conhecimentos tradicionais com a observação direta e servindo como fonte de subsídios para programas locais de trabalho que concorram com os trabalhos de agências externas. A sustentabilidade não existe da possibilidade distante de uma resolução agrária, mas da maneira pela qual, as comunidades podem aproveitar de imediato o potencial que 2 Visite o site: www.amazonteam.org 3Consulte ‘brimas’: www1.50megs.com Resultados tangíveis e intangíveis da cartografia de posse 46 países, provavelmente irrita as instituições cartográficas: os agrimensores e os funcionários governamentais. Embora freqüentemente hostis, as reações dos oficiais e do setor de agrimensura à cartografia comunitária constituem prova da eficácia desta. Por exemplo, na Malásia, o governo Sarawak criminalizou a cartografia comunitária quando a comunidade Iban de Rumah Nor utilizou o mapeamento GPS para vencer um processo jurídico contra Borneo Paper and Pulp3. aprendizagem e ação participativas 54 abril de 2006 Existe vida depois da cartografia de posse? PRIMAVERA: Período de reprodução. Nos meses de abril e maio os caribus começam sua migração lenta rumo à costa, em grupos mistos. Maio é o mês de parição. Alguns animais se deslocariam das áreas de parição (as montanhas) para fugir dos mosquitos. SEÇÃO DE TEMAS Map 4: Movimentos de caribu em nunavik 5 VERÃO: Distribuição e movimentos locais ao longo da costa e na Ilha Ivik, ao sul da boca do Rio Payne. OUTONO: Passando da costa para as áreas de agrupamento, formando grupos de machos e fêmeas no sul, sudoeste e noroeste do Rio Payne. Os machos ficam principalmente ao sul do rio. As fêmeas e crias podem ser encontradas sozinhas ou em grupos de 4 a 5. INVERNO: Nos meses de novembro e dezembro, grandes grupos de machos migram para o interior, rumo às áreas de concentração, principalmente no sul do Rio Payne. As fêmeas seguem em janeiro. Nos meses de janeiro e fevereiro, se encontram em grupos mistos (machos, fêmeas, jovens). LEGENDA: CONHECIMENTO ECOLÓGICO ESQUIMÓ ECOLOGIA CARIBU PARA A BAÍA DE UNGAVA OCIDENTAL Principais áreas de concentração Rotas de migração Distribuição principal PRINCIPAIS ESTAÇÕES: Machos Primavera Inverno Fêmeas Verão Outono aprendizagem e ação participativas 54 abril de 2006 47 SEÇÃO DE TEMAS 5Peter Poole Caixa 2: Lições dos territórios dos Esquimós e Crees A lição mais importante aprendida da experiência dos povos Nunavik é que os povos Indígenas devem, em primeiro lugar, ter controle de suas próprias informações (Kemp e Brooke, 1995). Os exemplos a seguir indicam o que pode ser realizado quando dados não-específicos são coletados e convertidos em informações aplicáveis. Em 1975, a organização de Esquimó Makivik, criada pelo Acordo da Baía James (James Bay Agreement), Quebec estabeleceu o Centro de Pesquisa Ambiental Kuujuac. Foi incumbido de prestar treinamento aos Esquimós sobre pesquisa de campo da vida selvagem e de assegurar que os conhecimentos tradicionais fossem combinados com os dados científicos de campo, sobre o manejo ambiental4. O Centro exigia que os cientistas visitantes contratassem assistentes de campo locais qualificados e consultassem os caçadores a respeito de suas intenções. O Mapa 4 mostra 20 anos das observações de caçadores dos movimentos sazonais de caribu, juntadas pelo centro. Posteriormente, nos anos noventa, o Conselho Principal do Crees em Quebec criou um arquivo de GIS para opor o Projeto Hidroelétrico James Bay II (O James Bay I resultou na resolução de 1975). A Hydro Quebec tinha insistido que a terra a ser inundada não era terra sob uso. No dia seguinte, o SIG do Programa de Apoio aos Caçadores do Cree imprimiu resmas de mapas e registros baseados nos registros de caça. Isso constituía evidência de que as florestas estavam em uso ativo durante 20 anos. aparece durante o tempo que se leva para treinar equipes comunitários de cartografia. O processo de coleta de informações também reflete uma intensa curiosidade da comunidade local, sobre meios alternativos de gerar renda pelos recursos tradicionais e sobre as motivações e programas de trabalho de estranhos com interesse evidente no seu território. Tanto os líderes da comunidade como os cartógrafos encontravam-se inspirados pelo fato de que eles adquiriram habilidades que poderiam ser aplicadas imediatamente. Recursos financeiros para a sustentabilidade – e quem os recebe A comunidade internacional de conservação tem demonstrado de modo convincente os recursos que vários doadores oferecerão, não para projetos específicos, mas para programas gerenciados. Valores significativos são entregues a organizações internacionais de conservação. Por exemplo, o World Wildlife Fund – WWF (Fundo Mundial para A Vida Selvagem) e Amazon Region Protected Areas Programme – ARPA (Programa de Áreas Protegidas da Região Amazônica), incumbida da proteção de 12% da Amazônia brasileira, receberam US$370 milhões durante 10 anos. Mas, os grupos e comunidades indígenas 4 Visite o site: www.itk.ca 48 aprendizagem e ação participativas 54 abril de 2006 recebem apenas montantes relativamente pequenos que foram alocados para os ‘fundos de pequenas concessões’, tais como o Fundo para Povos Indígenas do Banco Mundial, com o máximo de US$30,000. Por mais úteis que sejam, tais fundos não possibilitam a sustentabilidade. Mas algumas organizações de povos indígenas e ONGs de apoio concorrem para esses fundos. Nos anos recentes, algumas organizações indígenas e suas ONGs de apoio empreenderam um esforço internacional para mudar o relacionamento com a comunidade internacional de conservação através de intervenções para promover a ‘conservação baseada em direitos’, por exemplo, na Convenção COP de Biodiversidade ou nas reuniões da União de Conservação Mundial (IUCN). Entretanto, igual às negociações de posse, esta campanha é dirigida em foros distantes – além do alcance das comunidades. É evidente que as comunidades indígenas sofrem desvantagens. Apesar de constar frequentemente nas propostas de conservação, as comunidades ainda não se organizaram para gerar os tipos de propostas e programas de grande porte e longo prazo que os doadores estão dispostos a apoiar. O financiamento desse gênero poderá proporcionar às comunidades a possibilidade da verdadeira sustentabilidade de longo prazo. Porém, há várias vantagens comparativas que as comunidades podem utilizar como componentes para desenvolver suas capacidades organizacionais e institucionais. Vantagens comparativas das comunidades terrestres na prática de conservação A conservação é uma atividade que exige muitas informações. Seu objetivo final é permitir às comunidades maximizar seu controle do fluxo de informações ambientais que afeta seus territórios. Tais habilidades no controle de informações fazem com que as equipes comunitárias de cartografia sejam qualificadas para assumir uma maior gama de responsabilidades de conservação no local. A maior parte da conservação baseada na ciência concentrase em inventários de biodiversidade e a avaliação e monitoramento de longo prazo que prestam subsídios para planejamento e manejo das áreas protegidas e de espécies em extinção. Isso exige análises especializadas, feitas por universidades e jardins zoológicos e botânicos. Mas, a coleta dos dados necessários exige talentos e capacidades diferentes e mais práticos. Isso é uma vantagem comparativa para os grupos comunitários que aprenderam como coletar e mapear dados ambientais geograficamente precisos. Deve, também, permitir às comunidades capitalizar outras vantagens: sua familiaridade íntima com seu território e seus conhecimentos dos bens tradicionais. Essa capacidade local – Existe vida depois da cartografia de posse? podem demorar muito tempo; levou vinte e cinco anos para os Esquimós negociarem o Nunavut. As estratégias baseadas em bens podem ser implementadas imediatamente5. As estratégias baseadas em bens reconhecem a importância crucial da posse segura (Adamson et al, 2005). Entretanto, encaram o regime existente de controle de bens como um ponto de partida a partir do qual se ganha o controle comunitário sobre os bens. Isso promove o desenvolvimento de recursos em âmbito comunitário, a avaliação de impactos, o ativismo de acionistas, a alavancagem financeira, o exercício dos direitos de propriedade intelectual e a limitação da extração e defesa dos recursos comunitários pelo estabelecimento de áreas protegidas. As estratégias baseadas em direitos também dependem da disposição do estado de negociar. Por exemplo, na América, algumas campanhas que foram iniciadas com base em mapas de posse (Mapa 1) começaram há mais de dez anos. Mas os governos ainda não reconheceram esses povos indígenas, muito menos concordaram em negociar seus territórios. Fora da América, tal ocorrência é a exceção e não a regra. Curiosamente, na África, onde as chances de negociar títulos de terras indígenas são mínimas, o mapeamento comunitário e participativo está permitindo às comunidades responder mais efetivamente às ameaças percebidas contra suas terras, convertendo, às vezes, os instrumentos de conservação internacional para sua própria vantagem. Se existe vida depois da cartografia de posse, talvez seja encontrada em países onde as chances de negociar títulos de terras indígenas são virtualmente zero. SEÇÃO DE TEMAS adquirida durante os trabalhos de cartografia de posse – é essencial para a intendência de áreas protegidas e conservação de espécies, bem como para lidar com outros interesses em recursos externos. Alguns grupos indígenas já estão fazendo cogitações de grande escala a fim de igualar ou ganhar a primazia sobre projetos de conservação de escala de paisagem, propostos para seus territórios. Tanto os povos Wapisiana na Guiana como os Saramaka no Suriname (Mapa 1, 4 e 8) estão motivados a contemplar tais contrapropostas. Nas Filipinas, muitas comunidades litorais estabeleceram áreas marinhas protegidas, administradas localmente, tal como a Baliangao Protected Landscape and Seascape (Paisagem e Área Marítima Protegida de Baliangao) reservadas para mangues e recuperação de recifes de coral (Guzman, 2004). Reconhecendo a necessidade de coordenar suas ações com os vizinhos, as comunidades que compartilham uma costa comum estão se unindo para formar regimes para a conservação da costa (Christie et al, 2002). Uma doutrina em que se fundamenta a conservação internacional é que as pessoas e a conservação da biodiversidade são intrinsecamente incompatíveis. Os conservacionista possuem os expedientes: acesso a fundos, as perícias científicas e a reputação geralmente incontestada de salvadores do planeta. Mas, dez anos atrás, o World Watch Institute (Instituto de Vigilância Mundial) calculou que o processo atual de negociações territoriais na América resultará em 13% do continente ficando sob alguma medida de controle indígena – inclusive 33% da Amazônia (Alan Therberge, pers. comm.). Mas, o que os povos indígenas decidirem fazer com seus territórios reavidos é de grande conseqüência para a conservação da biodiversidade. Isso é o expediente deles. 5 Melhoria da segurança da posse: estratégias baseadas em direitos e bens Estas duas estratégias têm essencialmente o mesmo objetivo: a segurança da posse e o controle dos bens territoriais. As estratégias baseadas em direitos buscam, através das negociações em nível nacional, o reconhecimento legal inclusivo da titularidade comunal das terras ancestrais. As estratégias baseadas em bens são mais pragmáticas e crescentes, aumentando o controle sobre cada bem individualmente. Existem outras diferenças. As estratégias baseadas em bens são controladas localmente e convidam todos os membros da comunidade a se envolverem diretamente. Elas são dinâmicas, ao passo que as estratégias baseadas em direitos podem ser limitantes – por exemplo: por impedir o desenvolvimento até que haja uma resolução. Além do mais, as negociações sobre terras 5 Visite o site: www.nunavut.ca aprendizagem e ação participativas 54 abril de 2006 49 SEÇÃO DE TEMAS 5Peter Poole DETALHES PARA CONTATO Peter Poole, Local Earth Observation, Amsterdam, HOLANDA. Email: [email protected] REFERENCES Adamson, R. (2003) ‘Land Rich and Dirt Poor: the Story of Indian Assets.’ Native Americas, Summer 2003 Adamson R., Warner, R., and Kanegis, A. (2005) Asset Building in Indigenous Communities.) First Nations Development Institute: Fredericksburg. See: www.firstnations.org Chapin, M. (2005) ‘A Challenge to Conservationists.’ World Watch 17: 6 Chapin, M. and Threlkeld (2001) Indigenous Landscapes: A Study in Ethnocartography. Centre for the Support of Native lands Christie P, White A, Deguit E. (2002) ‘Starting point or solution? Community-based marine protected areas in the Philippines.’ Journal of Environmental Management de Guzman, AB. (2004) ‘A Fishery in Transition: Impact of a Community Marine Reserve on a Coastal Fishery in Northern Mindanao.’ Philippines EEPSEA Research Report Kemp, WB. and Brooke, LF. (1995) ‘Towards Information Self-Sufficiency.’ In Geomatics, Who Needs It? Cultural Survival Quarterly 18:4 Labrador Inuit Association (1977) Our 50 aprendizagem e ação participativas 54 abril de 2006 Footsteps are Everywhere. LIA: Labrador Milton et al (1976) Inuit Land Use and Occupancy Project, Vol. I; Land Use and Occupancy, Vol. II; Vol. III, Land Use Atlas. Milton Freeman Research Limited, Indian & Northern Affairs: Ottawa; INA publication Toledo Maya Cultural Council (1997) Maya Atlas. North Atlantic Books: Berkeley, California 5 seção temática SEÇÃO DE TEMAS ESTUDOS DE CASO BASEADOS EM QUESTÕES 51
Documentos relacionados
Cartografia para mudança – o aparecimento de uma prática nova
Caixa 2: Algumas ferramentas e métodos participativos usados na prática. Cartografia efêmera: Este método muito básico envolve o traço de mapas no chão. Os participantes utilizam matérias-primas, t...
Leia mais