12 Formas.

Transcrição

12 Formas.
março/2015
#12
CONCEITUAL
formas
D
Quem ama
ecora
Av. das Nações Unidas, 12.555 | São Paulo – SP
De segunda a sexta, das 10h às 22h. Sábados, das 10h às 20h.
Domingos e feriados, das 14h às 19h.
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Marcas e produtos que expressam o amor pela
sua casa e experiências gastronômicas para
c e l e b r a r o m e l h o r d a v i d a . Tu d o i s s o e s t á a q u i .
ADRESSE
LA LAMPE
A ESPECIALISTA
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INNOVATION BY ANTARES
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INTERBAGNO
UNIFLEX
INTERDOMUS LAFER
VARANDA
Editorial
expediente
Publishers André Poli e Roberta Queiroz
Conselho Editorial Renata Amaral
Edição e Arte Marcos Guinoza
Colaboradores Alvaro Tedesco, Amer Moussa, João Lourenço,
Marcella Aquila
Revisão Luciana Sanches
Jornalista Responsável Marcos Guinoza MTB 31683
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Comercial Rosane Gulhak | [email protected]
VELVET EDITORA LTDA
Tel.: 11 3082-4275 | www.velveteditora.com.br
FORMA E CONTEÚDO
Amigos,
Depois de superfícies e transparências, esta edição de ABD
Conceitual, a primeira de 2015, tem as formas como tema. Tudo na
vida é forma. Formas que se transformam, formas que surgem de
outras formas, formas que atraem outras formas, formas inventadas pelo impulso criativo humano.
Desde a pré-história, a nossa evolução está estreitamente
ligada à arte de dar forma às coisas. Com a pedra, desenvolvemos
técnicas de entalhe para a produção de ferramentas. Com o fogo,
aprendemos a fundir e endurecer o barro, transformando-o em
utensílios de cerâmica. Com o aperfeiçoamento da nossa mente e
o acúmulo de experiências e conhecimentos, demos forma à vida
familiar e em sociedade.
Para compor esta edição de ABD Conceitual, apresentamos, entre outros nomes, o estúdio Ovo e suas formas surpreendentes; Oki Sato e suas formas intuitivas; Matthew Shlian e suas
formas de papel; Jum Nakao e suas formas de vestir o corpo e a
casa; Boca do Lobo e suas formas clássicas reinventadas; Anthony
Baratta e suas formas exuberantes de decorar ambientes.
Criar, inventar, transformar nada mais é que dar forma às
ideias. E é isso que nós, da ABD, seguimos fazendo. Como associação dedicada ao design de interiores, procuramos dar forma aos
nossos projetos, desenvolvendo palestras, workshops e eventos
importantes como o Prêmio Novos Talentos. Tudo isso para integrar e valorizar ainda mais os profissionais da área.
Para finalizar, cito Michelangelo. Perguntado sobre como
fazia suas esculturas, o mestre italiano respondeu: “Simplesmente
retiro do bloco de mármore tudo o que não é necessário”. Para dar
uma forma mais leve à nossa vida, muitas vezes basta fazer como
Michelangelo: retirar dela o excesso.
ABD Associação Brasileira de Designers de Interiores
Tel.: (11) 3064-6990 | www.abd.org.br
Corpo Diretivo ABD
Presidência: Renata Amaral
Vice-presidência: Marcia Kalil, Ricardo Caminada, Bianka Mugnatto,
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Diretora executiva: Alessandra Decourt
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dos autores e não refletem a opinião da revista.
A Fashion Week
da Arquitetura
e Construção
The Architecture
and Construction
Fashion Week
1– 4 MAR 2016
São Paulo, Brasil
exporevestir.com.br
capa: Swire, Matthew shlian
Renata Amaral, presidente da ABD
Selo
6 abd conceitual março/2015
promoção promoted by
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apoio supported by
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eventos conjuntos
co-located events
—
sumário
abd conceitual / #12 / edição formas
oki
sato /14
jum
nakao/28
boca do
lobo /38
[+]
_posso usar?/10
Estúdio Ovo
_nano-origami/20
O engenheiro do papel Matthew Shlian
_bauhaus/24
+ De Stijl + Design Memphis
8 abd conceitual março/2015
_COR E FORMA/34
Por Márcia Okida
_seung-yong song/35
Objetos funcionais
_geométricos/36
Frank Stella, Victor Vasarely, Sol Lewitt
_cenários surreais/42
As instalações de JeeYoung Lee
_equilíbrio perfeito/48
Anthony Baratta, designer de interiores
_estilhaço/50
J. M. Morgade
yvitrine
boiling
2013, estofado composto por um número variável
de estruturas esféricas, que se conectam por meio de ímãs
huevos revueltos
2005, bolas de sinuca como penduradores ou cabides
posso usar?
Um dos mais premiados estúdios do Brasil, a Ovo rompe
fronteiras entre arte e design
texto marcos guinoza
carretel
2014, mesas laterais, de café e de jantar
10 abd conceitual março/2015
Como é o processo criativo de vocês? As criações são sempre em dupla?
Sim, todos os projetos da Ovo são criados em
dupla, a quatro mãos. Normalmente, nós fazemos
reuniões de criação nas quais definimos aquilo
que vamos fazer, e a partir daí nos dividimos no
processo de desenvolvimento dos projetos. Sempre
acompanhamos todas as etapas e vamos trocando
informações e opiniões.
É
um nome que surpreende: Ovo. Precedido
por uma vírgula, causa algum estranhamento: ,Ovo. Faz lembrar o romance Uma Aprendizagem ou O Livro dos Prazeres (1969), de
Clarice Lispector, que começa com uma vírgula e termina com dois pontos.
Gerson de Oliveira explica: “Ovo tem vários significados e associações de que gostamos: a origem da
vida, humor, criação, a forma perfeita, porém irregular,
a embalagem da natureza, o ovo de Colombo”. Ele
também explica a vírgula: “Remete à virada que demos
em nossa carreira em 2002, com a criação da marca”.
Fluminense de Volta Redonda, Gerson é um
dos donos do estúdio Ovo. A outra designer por trás
da marca é a paulistana Luciana Martins. Os dois se conheceram quando cursavam cinema na USP. Do cinema, pularam para as artes plásticas e, daí, para o design.
Na Ovo, o mobiliário e os objetos criados pela dupla
rompem fronteiras: é design, é arte; são híbridos entre
um e outro, e escapam de classificações redutoras.
Gerson e Luciana experimentam sem medo.
Com humor, brincam com as formas e as cores. Desbravam caminhos inesperados. Huevos Revueltos são
bolas de sinuca transformadas em cabides, resultando em uma invenção pop e divertida.
Ao poetizar o cotidiano, oferecendo móveis
que combinam funcionalidade e beleza, os designers
revelam o impulso artístico das criações. O que eles
fazem não é apenas para usar. É também para ver e
contemplar. Não à toa, já expuseram peças no MAM.
A dupla falou com ABD Conceitual.
Na opinião de vocês, o que delimita a fronteira entre design e arte? Ou não há fronteira?
Sim, há uma fronteira, porém muitas vezes essa
fronteira é cruzada para um lado e para outro. Um
ponto fundamental é onde a criação se insere, se
no campo do design ou no campo da arte. Um
bom exemplo da flexibilidade dessa linha é a nossa
participação no Projeto Parede, no MAM-SP, com a
instalação P.A. Colocamos no museu, neste espaço tradicionalmente ocupado por artistas visuais,
um conjunto de peças que claramente punha em
dúvida a sua própria natureza e fazia o público se
questionar: “Posso usar?”, “posso tocar?” etc., e essa
era justamente a graça.
pedras
2012, blocos de tamanhos, formas e cores
diferentes compõem várias possibilidades de sofá
Qual objeto que já existe vocês gostariam de
ter criado?
Sinceramente, não pensamos nisso.
O que inspira vocês?
Tudo pode inspirar, e o interessante da inspiração é
que ela pode vir de várias fontes. Justamente o elemento surpresa aí é algo que é parte fundamental.
Pessoalmente, somos muito tocados pelas observações do dia a dia, assim como pelos filmes que vemos, por aquilo que lemos etc.
Vocês têm um objeto de estimação?
Não, temos objetos dos quais gostamos, mas não
somos tão apegados assim a nenhum.
fotos divulgação
O tema desta edição da ABD Conceitual é formas. Qual forma mais seduz vocês?
Não há uma forma em particular que nos seduza,
gostamos da forma em relação ao contexto e dependendo do projeto.
ovo.art.br
12 abd conceitual março/2015
cavalinho
2014, conjunto de bancos/aparadores de
madeira, com assento/tampo de cobre
nós
2014, concebido em parceria com
o artista plástico Célio Braga
yperfil
oki sato
À frente do estúdio Nendo, ele cria objetos
amigáveis, lúdicos e COM senso de humor
texto marcella aquila
think black lines
2009, para exposição de Phillips de Pury & Company na Saatchi Gallery
cabbage chair
2008, desenvolvida para
uma exposição do estilista
Issey Miyake
A
pós estudar, ouvir, ler e meditar um tanto sobre o desenho de Nendo, fica claro que não há palavra ou melhor
forma para defini-lo do que um sintético e preciso caractere: “!”. É... Nendo é aquele arregalar dos olhos quando nos deparamos com algo fora do lugar-comum. É a
sensação de ser pego desprevenido por um gesto singelo, que pode ser acolhedor, engraçado, intrigante ou
isso tudo ao mesmo tempo. Nendo faz pensar não pelo
tapa na cara, pelo movimento brusco ou pela denúncia,
mas pelo uso da inteligência – que nem sempre é a via
mais fácil, mas, na maioria das vezes, é pelas soluções
mais simples. Bom, avancemos do começo, de volta
para o princípio...
Nendo é um estúdio de desenho (design-desígnio) fundado pela dupla de arquitetos Oki Sato e Akihiro Ito, em 2003.
bird-apartment
2012, ninho de passarinhos para Ando Momofuku Center
kuuki
2008, instalação para a empresa Kenzoki
Sato conta que, na primeira vez em que ele visitou, com Akihiro
e um grupo de amigos, o Salão do Móvel de Milão, logo após
completar os estudos, eles ficaram impressionados com o grau
de liberdade do design ali apresentado. O impacto positivo foi
tão grande que, ao voltar para o Japão, fundaram o Nendo, cuja
tradução literal é “argila” ou “massa de modelar”, em português.
De fato, grande parte dos objetos e espaços produzidos
por Nendo tem como traço comum a incompletude, a modularidade ou um aspecto lúdico de jogos e brincadeiras. Quando
perguntado sobre o que considera “bom design”, Sato diz que,
para ele, são aquelas ideias que, em poucas palavras ou por telefone, pode-se explicar para “a sua mãe, que não entende nada
de design, ou para uma criança”, e fazer com que elas entendam e fiquem interessadas.
Segundo John Jay, jornalista convidado do New York
Times, o design produzido por Sato tem raízes na tradição de
um desenho japonês que conquistou muitos arquitetos
do movimento moderno: de estreito contato com a natureza, uma ligação intelectual com o zen e de uma simplicidade inata. Essa simplicidade – ou a singeleza e clareza,
como Lina Bo Bardi definiria o noh japonês – está presente não apenas no design de Sato, mas também pode ser
observada em sua própria postura, respondendo sempre
com doçura e naturalidade as mesmas perguntas sobre
o Nendo, seja em vídeos de 2005 ou 2014. Em entrevista para o blog DesignMilk, em maio de 2013, quando já
era considerado um “star designer”, Sato é questionado
sobre o que seria mais importante que conhecêssemos
a respeito dele. O designer responde: “Nada! Eu não deveria existir. Eu sou como o ar ou a água. Deveriam ser os
objetos a tomar toda a palavra. Não há muito o que saber
a meu respeito”.
E se seguimos o conselho de Oki Sato e damos a
palavra aos objetos, eles certamente falarão, em formas,
cores, materiais, escalas e programas dos mais diversos,
sobre o mesmo princípio: “Revelar às pessoas um pequeno momento de ‘!’, em geral, escondido na nossa vida
cotidiana”. E esse momento “a-ha” pode ser promovido
por um conjunto de saleiros (Talking) cujas expressões
– moldadas na cerâmica – indicam a sensação que se
tem a partir de cada conteúdo: sal, pimenta ou azeite. A
surpresa pode ser experimentada via um “casal perfeito”
de maçanetas (Ondle), em que, de um lado da porta, temos o material “congelado” e, do lado oposto, o material
“incendiado”. A cadeira que parece um desenho 2D, mas
é absolutamente palpável (Thin Black Lines), uma luminária (Hanabi) que se abre em flor conforme a lâmpada
esquenta, os tênis flutuantes nas lojas da Campers ou na
concepção da loja de Issey Miyake como uma “típica loja
de conveniência japonesa”.
Indicado como designer do ano, em 2015, pela
feira Maison&Objet Paris, o Nendo, representado por
Oki Sato, já produziu, ao longo da trajetória de 12 anos,
para as maiores marcas de design do mundo como
Cartier, Cappellini, Kartell, Hermès, Baccarat, Swarovski,
Established & Sons, Logitec, Kenzo, Arketipo, Moroso...
Além de outras grandes marcas não diretamente
atuantes no segmento do design, como Starbucks, CocaCola, Häagen-Dazs, e peças e exposições em inúmeros
espaços importantes, como Victoria & Albert Museum,
Triennale Design Museum, Carpenters Workshop Gallery,
Museu de Arte Contemporânea de Tóquio e Museu de
Arte e Design de Nova York. Hoje, Nendo participa de
inúmeros projetos ao mesmo tempo, e Oki Sato garante
que acompanha cada um deles de perto: “Dou a volta ao
mundo todos os meses”.
Operando sempre da escala micro para a macro –
na direção oposta àquela exigida em tempos de faculdade
– Sato diz que gosta de pensar no design como uma espécie de vírus, que vai crescendo naturalmente até tomar
dimensões maiores. Apesar das formas simples e mínimas
dos objetos que produz, e que poderiam resultar em certa
“dureza”, Sato explica que a meta é que eles sejam “amigáveis, lúdicos e que tenham senso de humor. Meu ponto
de partida é sempre a história por trás do objeto”.
É com o uso de uma inteligência sensível à vida
cotidiana e tirando partido de “breves estranhamentos”
como inputs para provocá-la a sair da normalidade que
Nendo demonstra com quantos paus se produz um design na direção (e dimensão) do homem.
nendo.jp
18 abd conceitual março/2015
fotos maison&objet divulgação
Nendo é aquele arregalar dos olhos quando
nos deparamos com algo fora do lugar-comum. É
a sensação de ser pego desprevenido por um gesto singelo, que pode ser acolhedor, engraçado,
intrigante ou isso tudo ao mesmo tempo
diamond chair
2008, para Lexus
Cursive
2014, papel, 50 cm x 50 cm x 17 cm
yarte e ciência
NANO-ORIGAMI
Nas obras do americano Matthew Shlian, a dobradura
de papel encontra a nanotecnologia
20 abd conceitual março/2015
Contour (for Swire)
2013. papel, 91 cm x 137 cm x 15 cm
Sphex
2012, papel, 48 cm x 63 cm x 2 cm
texto joão lourenço
mattshlian.com
22 abd conceitual março/2015
Ghostly Process Series: Squares Rotated
2010, papel, 20 cm x 27 cm x 3,8 cm
fotos divulgação
Ele conta que busca inspiração em azulejos árabes,
arquitetura pós-moderna, padronagens, biomimética e música
eletrônica. “Sou uma pessoa altamente visual. Ideias surgem
após eu visualizar algo. O ponto inicial é a curiosidade. Preciso
trabalhar em cima de algo para então entender o que aquilo
significa. Se eu consigo prever o resultado antes de terminar o
projeto, então não há sentido. Preciso ser surpreendido.”
A técnica de Matthew está enraizada na mídia impressa, na arte de livros e também no design comercial. Pedaços
de papel se transformam em pequenas esculturas, embalagens
e modelagens para roupas futuristas. “Na hora da criação, não
sigo um processo rígido. Cada peça tem vida própria. Também
não gosto de compartilhar meus diagramas e padrões de corte,
pois isso não faria sentido para outra pessoa. Veja só, eu aprendi
a minha técnica fazendo as coisas do ‘jeito errado’. Conseguir
algo por intermédio do erro é mais importante do que copiar
sempre a mesma fórmula perfeita. Assim, o aprendizado é melhor e mais duradouro.”
Hoje, Matthew divide o tempo entre projetos colaborativos e ensino de design industrial. Além de ministrar aulas para
artistas iniciantes, ele também ajuda cientistas e pesquisadores.
Com uma equipe de acadêmicos das mais diversas áreas, ele
ganhou o National Science Foundation, prêmio independente
que promove ciência e engenharia. Matthew e os parceiros apresentaram um projeto de nano-origami que combina arte e engenharia. A ideia, ainda em andamento, é utilizar a dobragem do
papel para entender a natureza flexível de nanoestruturas. “Não
é a primeira coisa que você pensa quando falamos sobre corte e
dobra de papel. Mas eu me considero um explorador, um inventor não ortodoxo. Então vamos ver até onde podemos chegar.”
Process Series 2 (WAVE)
2013, papel, 20 cm x 27 cm x 3,8 cm
Anarchic Hand
2014, papel, 182 cm x 264 cm x 22 cm
E
ngenheiro do papel. Assim o artista e designer Matthew
Shlian se define. O trabalho do americano é um híbrido
entre arte e ciência, em que a dobradura encontra a nanotecnologia. Matthew é formado em cerâmica e mídia
impressa pela Universidade Alfred, uma das instituições
mais respeitadas de arte e design do estado de Nova
York. Na faculdade, flertou com diversos materiais e técnicas, como vidro, pintura clássica e performance. “Naquele período, eu não tinha ideia do que estava fazendo.
Queria que meu trabalho fosse interativo, acho que por
essa razão acabei me apaixonando pelo papel. Como
um meio de produção, o papel é imediato. Eu também
adorava geometria, então uma coisa levou a outra. Trabalhar com papel é como montar um quebra-cabeça,
você tem que ficar descobrindo o encaixe das peças.”
We are building this ship as we sail it
2014, papel, 20 cm x 10 cm x 12 cm
yreferência
manifesto da bauhaus, 1919
“O fim último de toda arte é a construção! A ornamentação da construção foi, até então,
o principal objetivo das artes visuais, consideradas partes indispensáveis do grande edifício.
Hoje, elas existem em isolamento complacente, de onde só podem ser resgatadas pelos
esforços cooperativos e propositivos de todos os artesãos. Arquitetos, pintores e escultores
devem aprender um novo modo de ver e entender o caráter compositivo do edifício, tanto
na totalidade quanto em suas partes. Seu trabalho será, então, restituído do espírito da
arquitetura, perdido nas artes de salão.”
bauhaus cradle
1922, Peter Keler
Walter Gropius
ba u h a u s
texto marcella aquila
D
e tempos em tempos, nos intervalos históricos
entre um enquadramento e outro em categorias estanques e estáticas – lugares-comuns,
controlados e, evidentemente, rentáveis – as
artes se encontram em uma unidade. E, tal qual
num processo de fusão nuclear, temos como
resultado desses encontros não apenas a liberação de uma enorme carga energética como a
formação de constelações inteiras. Fenômenos
assim, frequentes na natureza cósmica, pontuam também a breve trajetória humana sobre a
Terra. E, embora em menor escala, a magnitude
dessas interações, quando ocorrem entre nós,
são igualmente grandiosas. Os efeitos, de modo
similar ao que ocorre com as estrelas, fazem-se
sentir mesmo muito tempo depois de ocorridos
tais encontros.
Se olharmos nessa direção, veremos, no início
do século 20, um momento fértil desses encontros explosivos, e cujas reações se tornaram motores para uma
série de outros processos desencadeados ao longo de
todo o século. Foi ali, entre uma França “imãgnética”
de construtores do fim, vindos de toda a Europa e do
mundo, e uma Rússia revolucionária de altíssima voltagem, de Vkhutemas e supremato-construtivos de uma
nova vida, que a Alemanha em ebulição encontrou um
condensador bombástico para tanto vapor: a Bauhaus.
Fundada, em 1919, por Walter Gropius, em Weimar, a
“house of construction” nascia da fusão de duas escolas:
a Gran Ducal de Artes e Ofícios e a Academia de Belas
Artes de Weimar.
Não à toa, a perspectiva clara e expressa no manifesto da fundação era a de mediar a síntese das grandes artes (arquitetura, escultura e pintura), resgatando
o know-how daqueles que operam a matéria com um
propósito funcional: os artesãos. É que parte fundante
da Bauhaus tem raízes na escola de artes e ofícios inaugurada pelo Grão-duque de Saxe-Weimar-Eisenach e
que fora dirigida durante anos pelo arquiteto Henry van
de Velde, um dos grandes expoentes do movimento
Art Nouveau belga e tributário do movimento Arts and
Crafts. Por outro lado, o DNA da Bauhaus seria também
influenciado pela Deutscher Werkbund, uma associação
promovida pelo Estado para estabelecer a parceria entre
indústria e profissionais do design e, assim, aumentar a
competitividade dos produtos alemães no mercado global, sobretudo, frente à concorrência norte-americana
e inglesa. Fundada, em 1907, em Munique, a Werkbund
teve como um dos membros-fundadores o arquiteto
e designer Peter Behrens, pioneiro na integração entre arte e produção em larga escala, reconhecido pelo
trabalho que desenvolveu para a empresa AEG e com
quem Gropius trabalhou durante o período de fundação
da associação.
A ênfase na dimensão humana da produção
na era da máquina seria tão essencial na Bauhaus
quanto o entusiasmo com as possibilidades abertas
pela indústria. A chance lançada pelos novos meios era
a de, finalmente, a arte penetrar a vida, lançando mão da
massificação para difundir o desenho nas mais variadas
escalas: dos talheres às casas, às cidades, ao modo de
vida. Para realizar tal proposição, a Bauhaus teve um
time de peso. Além de Gropius, que dirigiu a escola
entre 1919 e 1928, o corpo educacional era composto
pelo pintor suíço Johannes Itten, o pintor germanoamericano Lyonel Feininger e o pintor alemão Gerhard
Marcks. Na medida em que a procura pela escola
cresceu, o corpo docente aumentou, incluindo nomes
como Oskar Schlemmer, Paul Klee, Wassily Kandinsky,
Marcel Breuer, Josef Albers, László Moholy-Nagy, Joost
Schmidt, Gunta Stölzl, Herbert Bayer e Hinnerk Scheper,
entre outros “inventores” que ali se criaram e que por ali
passaram durante os 14 anos de existência da Bauhaus.
Apesar de se intitular a “casa da construção” e
ter sido dirigida por três arquitetos emblemáticos do
movimento moderno, Walter Gropius, Hannes Meyer
e Ludwig Mies van der Rohe, a Bauhaus não teve, pelo
menos durante os primeiros anos, um departamento
de arquitetura. A proposta era imergir os estudantes em
diferentes históricos de formação e origens de classe no
universo das relações entre formas, teoria das cores e
diferentes materiais, para que, posteriormente, pudessem acessar as oficinas que estruturavam o curso: metal,
marcenaria, cerâmica, tecelagem, tipografia e pintura
mural. A experimentação era encorajada nos ateliês e
fora deles. E, em um esforço conjunto entre professores
e alunos, todos os ateliês se envolviam na produção de
inúmeras festas temáticas que promoviam não apenas a
interação dos corpos docente e discente, como também
do “corpo criativo” com a cidade. Segundo Schlemmer, o
jogo (e a festa como uma forma de jogo) constituía “uma
força que tornava a criação possível, precisamente por
meio de atividades não propositivas”.
Mas o jogo experimental proposto e implementado pela Bauhaus logo seria julgado, condenado
e perseguido pela estreiteza e estupidez humanas. Ao
assumir o governo da Thuringia, sob o qual se submetia
a cidade de Weimar, os nacionalistas cortaram a verba
da escola pela metade. Novas instalações, projetadas por
Gropius, foram estabelecidas na cidade de Dessau, onde
a Bauhaus permaneceu entre 1925 e 1932, quando foi
fechada pelo Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães. Já sob a direção de Mies van der Rohe,
a escola se muda para Berlim, onde permanece, em
instalações improvisadas, até 1933. Com a ascensão do
nazismo e a caracterização da Bauhaus como “antro de
comunistas” produtores de “arte degenerada”, não apenas a escola é fechada como muitos dos professores são
forçados a se exilar. Muito além da caracterização nazista, dos estigmas sob os quais muitas vezes o movimento
moderno é lido, ou da grosseira (e subsequente) emergência do “funcionalismo”, a experiência da Bauhaus permanece pulsante para aqueles que assumem o exercício
de linguagem como ato político de (re)desenho de novas formas de vida.
bauhaus.de
24 abd conceitual março/2015
TAHITI lamp
1981, Ettore Sottsass
Red and Blue chair
1920, Gerrit Rietveld
yreferência
d
e
s
t
i
j
m
l
Movimento buscava linguagem universal com cores e formas elementares
Na mesma (alta) frequência vibratória da Bauhaus, e
contemporânea a ela, o movimento De Stijl, ou “Estilo”,
caminharia em direção à abertura das portas da percepção munido de uma linguagem de estruturas. Influenciado pelas ideias de Mondrian, que integrou o grupo, o
movimento tinha como meta alcançar uma linguagem
universal, o que implicava operar com o mínimo múltiplo comum a composição visual, ou seja, com formas
e cores elementares. Branco, preto e cinza com as matrizes de cor fundamentais da pintura (vermelho, azul e
amarelo) configuravam a paleta, assim como os planos
retangulares e as retas ortogonais, as formas.
m
p
h
i
À medida que o século 20 avançou, os princípios de ruptura e transformação da vida foram gradualmente apropriados como estilo, e não mais como causa (segundo
Anatole Kopp bem identificou). A livre manifestação do
espírito inventivo das primeiras horas também fez questão de se exilar, restando apenas um invólucro formal
esvaziado. No início da década de 1980, cansados da
geladeira vazia dos últimos anos, um grupo articulado
pelo designer italiano Ettore Sottsass resolveu romper
o jejum formalístico e, num levante de cores vibrantes
e formas assimétricas, chutou a porta da geladeira, dos
armários e da monotonia.
Ao som de “Stuck Inside of Mobile with the Memphis
Blues Again”, de Bob Dylan – canção que deu origem ao nome do
grupo – Sottsass reuniu no Memphis nomes como Alessandro
Mendini, Martine Bedin, Aldo Cibic, Michele de Lucchi, Nathalie
du Pasquier, Michael Graves, Hans Hollein, Arata Isozaki, Shiro
Kuramata, Matteo Thun, Javier Mariscal, George Sowden, Marco
Zanini, além da jornalista Barbara Radice.
Segundo Jane Adlin, “com um approach irônico”, o gru-
po produziu peças de mobiliário, têxteis, cerâmica, iluminação e vidro que foram exibidas, desde a fundação do
movimento, em 1981, no Salão do Móvel de Milão, até
1988, ano em que o grupo se desfez.
Não propriamente imbuído das pretensões de
transformação da vida, e mais como um grito de liberação das amarras de uma moral que se instalara na produção do design, o Memphis desenvolvia peças como
uma forma de comunicação, configurando, como definiu Nathalie du Pasquier, em “um grande evento de
mass-media”. Para tanto, o procedimento da colagem
era frequentemente utilizado, com menções a movimentos como Pop Art, Art Déco e o Kitsch pós-1950.
Recentemente, sobretudo após a morte de
Sottsass, em 2007, o design do Memphis ressurgiu
como tendência. Uma série de artigos e exposições
motivou a reaparição de formas, padrões e cores típicos
do grupo em inúmeros objetos presentes no Salão do
Móvel de Milão, em 2014. A produção de Nathalie du
Pasquier pode ser vista nas últimas coleções de marcas
como American Apparel, Wrong For Hay e La Chance.
memphis-milano.it
26 abd conceitual março/2015
s
Contra a monotonia, cores vibrantes, ironia e formas assimétricas
fotos reprodução
Chegar à abstração pura significava acessar sem mediações o seu igual oposto: o homem. Cores e formas, despidas e
em interação, saltavam à tela e falavam direto ao olho. Os procedimentos de uso desse léxico visual, porém, não eram nada regulares – a assimetria, o contraste e a disposição das formas eram,
em geral, nada óbvias. Essa “brincadeira de criança” constituiu um
dos pilares do movimento moderno e atingiu inúmeros alvos décadas a fio. Para citar apenas dois exemplos, na moda temos o
vestido Mondrian, de Yves Saint Laurent, e, no cinema,
o uso do azul-vermelho-amarelo em filmes de Godard.
De Stijl foi fundado, em 1917, pelo pintor
holandês Theo van Doesburg. Entusiasta das ideias
de Kandinsky e Mondrian sobre a abstração, ele foi
responsável por articular os artistas em torno da revista
De Stijl e pela promoção dos princípios do movimento,
que teve participação dos pintores Vilmos Huszár, Bart
van der Leck e Piet Mondrian, além dos arquitetos Gerrit
Rietveld, Robert van’t Hoff e J. J. P. Oud. O movimento ficou
também associado ao “neoplasticismo”, por causa da
participação de Mondrian e da série de 12 artigos escritos
por ele sob o título “O neoplasticismo na pintura”. Em
1922, quando Van Doesburg vai a Weimar para promover
De Stijl na Bauhaus, conhece o arquiteto russo El Lissitzky
e tem contato com as ideias do construtivismo. Há quem
diga que é a partir desse momento que Doesburg e
Mondrian começam a se afastar.
Entre idas, vindas e aproximações de todos os
tipos, De Stijl permanece vinculada à figura de seu “embaixador”, Theo van Doesburg.
e
yentrevista
J
um Nakao é uma dessas pessoas que trabalham até nos fins
de semana. Sempre emendando um projeto no outro, após
48 anos de estrada, ele se define como diretor de criação,
o que engloba funções diversas: artista plástico, figurinista,
estilista e designer.
Antes de entrar no universo criativo, Jum acreditava que a
computação e a eletrônica seriam os suportes de seu trabalho. Logo, abandonou esse setor por considerar os estudos
distantes do olhar humano. Foi parar em um curso de moda
na Coordenação Industrial Têxtil (CIT). Em seguida, passou
pelo curso de artes plásticas da Faap. Formado, Jum atuou
em uma confecção infantil, guardou uma grana e viajou para
o Japão, onde conheceu a moda daquele país. De volta ao
Brasil, atuou em várias confecções, até que, em 1996, inscreveu-se no Phytoervas Fashion, atual São Paulo Fashion Week.
texto joão lourenço
j
u
m
n a k a o
diretor de criação, ele acredita no “design
dos afetos” e “na pureza dos intuitos”
foto andré batista
A coleção que apresentou no evento elevou o nome dele ao
título de jovem revelação e também rendeu um cargo na grife Zoomp.
Lá, ele permaneceu como diretor criativo por seis anos. Em 2002, em
busca de novos desafios, abriu a própria marca. Manter uma linha e
atender a demanda da indústria acabou se tornando uma tarefa dantesca. Em 2004, a fim de romper com o sistema, Jum criou aquele que
viria a ser o desfile mais comentado e celebrado da década: A Costura do Invisível. Trata-se do desfile-performance que marcou a última
apresentação do estilista na São Paulo Fashion Week.
Fora das passarelas, ele ainda flerta com a moda. Hoje, Jum
ministra aulas e workshops de modelagem, moda e criação em todo
o país. Desde o último desfile na SPFW, ele já fez parceria com a Nike,
assinou linha de móveis, desenhou figurinos para minisséries de TV e
está por trás da direção criativa de diversos comerciais. Foi ele quem
criou a cerimônia de apresentação do Brasil no encerramento da
Olimpíada de Londres, em 2012.
Por e-mail, Jum Nakao conversou com ABD Conceitual.
A Hora do Brasil
Coleção apresentada na 31ª
Casa de Criadores (2013),
resultado de parceira com o
Senac Ceará
“Muitos projetos de design Buscam somente aspectos
sensacionalistas e perdem a essência da beleza”
renda Cadeira para A Lot Of
boas-vindas! Aparador para Schuster
Em termos de consumo de arte, design e moda, quais as
maiores mudanças que você sentiu nos últimos anos?
A maior mudança percebida nos últimos anos foi a inclusão econômica e social. Arte, design e moda se tornaram acessíveis a uma
maior parcela da sociedade. Agora, o próximo passo natural, e esperado, é a qualificação.
Você trabalha com diversos materiais e parece sempre
pronto para abraçar novas tecnologias. Do que mais sente
falta antes da era da internet?
Vejo a era da internet como o Renascimento. Nunca tivemos acesso
a tanta informação. A qualidade é sempre proporcional à quantidade. Na velocidade das transformações, ocorreu uma migração em
massa para novas plataformas. Ocorreu uma unanimidade burra.
Saltamos do analógico para o digital, do real para o virtual, e perdemos o contato com o real. Onde estão as indústrias, os laboratórios
de pesquisa, os artífices, o gosto, o sabor, o cheiro? Quisemos abraçar o mundo e, ao abrir os olhos, estávamos no meio de um deserto.
Mas não creio que a era da internet seja responsável por essa falta
contemporânea. Creio que a ganância seja a culpada. Queremos
nossa alma de volta e teremos que lutar por ela.
Qual a sua última descoberta em termos de design?
A beleza. Minha última descoberta foi perceber que buscamos
sempre a beleza, no intuito de alcançar elevação espiritual. Por intermédio da beleza nos elevamos e nos sentimos simplesmente
bem. Nesse estado de se sentir bem, todo o nosso interior se transforma e, consequentemente, nossa percepção do exterior também.
Emanamos do interior para o exterior uma transformação proativa,
o mundo ao nosso redor passa a espelhar o nosso estado de espírito
e nos transformamos na mudança que queremos no mundo. Muitos projetos de design carecem desse conceito. Buscam somente
aspectos sensacionalistas e perdem a essência da beleza.
Você tem algum ritual na hora da concepção de uma ideia?
O ritual é buscar sempre o que deve ser dito, aquilo que ainda é inefável. Somente após a definição conceitual é que iniciamos a incansável busca pela forma. Articulamos palavras de todas as origens na
construção da linguagem. O compromisso é 100% com o conteúdo
e 200% com seu impacto.
Atualmente, qual a sua maior fonte de inspiração?
Salvar almas, emocionar, levar suspiro de vida para as pessoas.
Li que você se considera um criador de sonhos. Qual sonho ainda não conseguiu criar?
Muitos sonhos ainda por criar. Neste momento, um Brasil digno,
onde o certo seja certo e o errado seja errado. Somente por meio
dessa clareza haverá transparência. Com a transparência, encontraremos a pureza dos intuitos e, com os intuitos nos devidos lugares,
elevaremos o bem e baniremos o mal.
Quais são as suas regras de criação?
As nossas regras são simples: ética, generosidade, dignidade, respeito, humildade, sabedoria.
Uma escritora americana me disse que não entende muito o conceito de procrastinação. Para ela, procrastinação é
uma espécie de cansaço mental. E para você? Qual o mecanismo que utiliza para evitar a procrastinação?
Procrastinação para mim é covardia, medo de tomar uma atitude.
Difícil não é fazer, difícil é tomar a decisão de fazer. Para evitar a procrastinação, acordo cedo, assim não tenho a desculpa de que faltou
tempo. Invisto em infraestrutura sempre, assim não tenho a desculpa de não ter os recursos. Investigo e estudo muito, assim estarei
sempre apto. Busco sempre a sabedoria, assim saberei como agir.
Qual a maior diferença entre trabalhar em um projeto pessoal e trabalhar em um projeto sob demanda?
O cliente de projetos especiais nunca será colocado em segundo
plano por projetos pessoais. Os projetos pessoais costumam aguardar os projetos especiais de clientes. O mesmo não se aplica para a
vida pessoal. Nossa vida pessoal nunca deve ser colocada em segundo plano por qualquer projeto.
Hoje, quando alguém te pergunta o que você faz, como
você se define?
Diretor de criação, assim, todas as áreas de atuação são contempladas e abrangidas. O título que me acompanha é o de estilista, mas o
título exclusivo de estilista me incomoda pela banalização do entendimento do ofício.
Você também ministra aulas e workshops pelo Brasil. Para
quem está começando, qual conselho você daria?
Percebemos uma anestesia geral no mundo, uma indiferença generalizada sobre processos e essência. Cada vez mais necessidades
cavalares de efeitos especiais e culto ao ego para sensibilizar o público. Não se vive mais a própria história; terceirizamos nossa existência
para avatares personificados por outros. Os desejos do mundo moderno substituíram os sonhos individuais por modelos reproduzidos
sem limite de cópias. Não se sonha mais, consomem-se produtos
sem autenticidade e incapazes de nos reconectar com nossa humanidade. Acreditamos no design dos afetos. É imprescindível resgatar
a capacidade das pessoas de sonhar, sentirem-se dignas e merecedoras do melhor. A cura nos parece ser pela reconexão com a dignidade. O mundo precisa de nós. Façamos um mundo melhor!
jumnakao.com
32 abd conceitual março/2015
A costura do invisível
Em 17 de junho de 2004, Jum
realizou um histórico desfile
na São Paulo Fashion Week.
Elaboradas roupas feitas de papel
foram desfiladas por modelos
com perucas Playmobil. As
roupas foram confeccionadas
em papel vegetal de diversas
gramaturas e modeladas
milimetricamente sobre o
corpo das modelos. Filigranas
entalhadas manualmente
reproduziam rendas, gravações
em alto e baixo-relevo simulavam
brocados. Foram consumidas
meia tonelada de papel e mais
de 700 horas de trabalho. No
fim do desfile, todos os vestidos
meticulosamente construídos
foram destruídos em cena pelas
próprias modelos
foto Sandra Bordin
Voltando para o período da infância, você se lembra de
quando o seu lado criativo despertou?
Desde a infância eu desenho. Desenhava no sentido de sonhar e desenhava para visualizar. A curiosidade me conduzia o tempo todo.
Desconstruía o mundo ao meu redor para revelar o que os olhos
não viam, construía meus próprios brinquedos. Utilizava materiais
que estavam ao meu alcance e, assim, inventava novas funcionalidades. Se não nasci assim, evoluí assim.
yartigo
yobjetos funcionais
cor_e_forma/
alma_e_corpo
Essa busca de uma relação entre cores
e formas encanta e persegue artistas, designers
e cientistas desde o início da comunicação visual. Wassily Kandinsky (1866-1944), artista plástico
russo que introduziu o abstracionismo no campo
das artes visuais, dedicou parte da vida à pesquisa
de cores. Escreveu diversas obras que tratam do
assunto, como Ponto e Linha Sobre Plano e Do
Espiritual na Arte.
Também professor da Bauhaus – escola
de vanguarda que existiu na Alemanha entre 1919
e 1933 – Kandinsky estudou as formas e as cores
até chegar a uma relação perfeita que é utilizada
até hoje em cursos na área de arte, design e arquitetura. Para ele, as cores primárias – amarelo, azul
e vermelho – completam-se perfeitamente dentro
das formas geométricas primárias: triângulo, círculo e quadrado.
Depois de buscar referências em toda a
história da arte sobre como e onde essas cores
e formas eram utilizadas, e fazendo a associação
psicológica e sinestésica das cores, Kandinsky, em
1923, propôs a seguinte relação:
Márcia Okida é designer gráfica, coordenadora
e professora do curso de produção multimídia da
Unisanta e pesquisadora de cores.
facebook.com/marciaokida
Cadeira E, da série Object.
Ao lado, Song e a cadeira
Object-O. Abaixo, Wheeljek
seung-yong
song
O triângulo é amarelo: ambos são dinâmicos e ativos.
O amarelo tem força e é cheio de energia. O triângulo exerce esse mesmo poder nos três cantos. É a cor
mais quente preenchendo a forma mais provocativa.
O círculo é azul: ambos passivos e maleáveis. A principal relação está na sensação de interiorização que o
círculo tem e que combina perfeitamente com o frio,
calmo e fechado azul.
O quadrado é vermelho: ambos potentes e estáveis.
Uma forma firme e decidida que se completa com a
paixão e a força do vermelho.
fotos divulgação
Desde que abrimos os olhos pela primeira
vez, deixando-os expostos à luz, dois elementos visuais começam a fazer parte do
nosso processo de comunicação: as cores
e as formas. Na vida, tudo é cor e forma.
Dissociar uma coisa da outra é impossível.
por márcia okida
“Não me preocupo com espaços perfeitos. Acredito em lugares
multifuncionais, onde posso trabalhar, dormir, ler e comer”
texto joão lourenço
Essas são as formas das cores de Kandinsky. Mas e as outras formas e cores?
Pensando nisso, muito depois de Kandinsky, o designer, tipógrafo e artista
suíço pós-construtivista Karl Gerstner apresentou, em 1988, aqui no Brasil, suas pesquisas sobre o assunto. Foi durante o Simpósio Internacional de Estudos da Cor, do
qual tive o prazer de participar.
Nesse encontro, Gerstner apresentou o resultado descrito no livro dele, The
Forms of Color: The Interaction of Visual Elements, que define a forma correta para
cada variação de cor. São tons do amarelo que variam até chegar ao laranja, que
seguem se avermelhando até um vermelho puro. Geometricamente falando, é a
transição do triângulo amarelo até o quadrado vermelho. São inúmeras, milhares de
formas possíveis, uma para cada diferente tom de cor. Como Karl Gerstner diz na
obra: “A forma é o corpo da cor; a cor é a alma da forma”.
Então, qual é a cor que define a sua forma? Eis uma questão para ser respondida e aplicada no nosso dia a dia profissional e pessoal.
Metrópole obcecada por tecnologia digital, Seul, a capital
da Coreia do Sul, passa por um período de transição. Na
última década, uma nova turma de arquitetos e designers
repaginou bibliotecas, escolas, restaurantes e edifícios da
cidade. Seung-Yong Song está entre esses novos nomes.
Nascido em 1978, ele estudou artes plásticas na École
Supérieure d’Art et de Design (Esad), em Reims, na França.
Nesse período, trabalhou com os designers parisienses
Claudio Colucci e Matt Sindall. Em 2011, voltou para Seul
e abriu o escritório SY Design.
Song é conhecido por pensar na funcionalidade do objeto. Para o designer, os objetos que utilizamos devem apresentar
mais utilidade prática. Exemplo disso é a série de cadeiras Object.
Criada para otimizar a utilização de pequenos ambientes, a linha
oferece mais do que um lugar para sentar. Seguindo o princípio
de que o nome do produto não pode delimitar a imaginação, es-
sas cadeiras ora servem de luminária, ora de varal e até mesmo
de escada e prateleira. Com linhas simples, os projetos de Song
buscam repensar o espaço e já foram apresentados em cidades
como Paris, Londres, Milão e Miami.
Tendo em mente o contraste e a efervescência cultural
de Bangcoc, Song desenvolveu outra coleção interessante, a
Wheeljek – o nome é uma referência aos robôs de brinquedo
japoneses que viram para todas as direções, e a inspiração principal
partiu dos carrinhos de bebidas e comidas dos ambulantes que
percorrem as calorentas ruas da capital tailandesa. Esses carros
facilitam o intercâmbio comercial e cultural em Bangcoc.
Refletindo essa ideia de fluidez e flexibilidade, Wheeljek representa a cadeira/carrinho/faz-tudo: é feita de alumínio, madeira
e plástico, e suas funções mudam de acordo com o tamanho e a
disposição das caixas.
Seung-Yong Song é designer que acredita que o novo
pelo novo deve ser deixado de lado.
seungyongsong.com
34 abd conceitual março/2015
ypintura
FRANK STELLA / Flin Flon VIII, 1970
VICTOR VASARELY / Sikra, 1966
GEOMÉTRICOS
As formas nas obras de Frank Stella, Victor Vasarely e Sol Lewitt
texto ANDRÉ POLI
Mestres da pintura moderna, Frank Stella, Victor
Vasarely e Sol Lewitt comprovam a conexão entre
o cérebro humano com o mundo dos sentidos
por meio de formas e dimensões preestabelecidas
e relacionadas com as composições cromáticas.
36 abd conceitual março/2015
giram a partir da década de 1960, como o minimalista, a
abstração geométrica e construtivista e a Op Art.
Frank Stella Um dos artistas contemporâneos
mais importantes dos Estados Unidos. O trabalho de Stella
extrapolou a pintura e o suporte convencional, e ele também se dedicou a objetos, arte gráfica e projetos arquitetônicos. Quando renuncia ao expressionismo abstrato,
Stella se converte em um dos maiores representantes
da abstração geométrica e construtivista na década de
1960. Os quadros-objetos e as pinturas-relevo foram um
choque sem precedentes para a arte contemporânea e
ocupam um lugar fundamental no desenvolvimento da
neovanguarda, influenciando a arte até os dias de hoje.
Victor Vasarely Húngaro radicado na França e
considerado o pai da Op Art, ele começou com pinturas
com inspiração expressionista. Influenciado pelo movi-
mento Bauhaus e pelos trabalhos de Paul Klee e Wassily
Kandinsky, logo se envolveu com a arte gráfica, desenvolvendo obstinadamente padrões geométricos e estampas
em preto e branco. No momento em que o artista descobre as cores, um novo universo de percepções surge
em sua obra. Vasarely é pura geometria policromática.
Ele cria multidimensões e seu trabalho está intimamente
ligado às ciências.
fotos reprodução
As obras desses três artistas transmitem ao espectador as mais diferentes e variadas reações emocionais
– e até físicas. As pinturas são dispositivos para vivermos
experiências tão profundas como as provocadas pelas
imagens das obras realistas clássicas, que representavam
dramas e alegrias da humanidade de forma figurativa.
Mesmo diante das fortes imagens expressionistas, que
levavam os nossos dramas existenciais ao limite, ou das
sutis representações impressionistas, as pinturas de Stella,
Vasarely e Lewitt são como partituras musicais, matemática que invade o indivíduo, alterando sua percepção.
Os três são originários de movimentos que sur-
SOL LEWITT / Forms Derived from a Cubic Rectangle, 1990
Sol Lewitt Nascido em Los Angeles, nos Estados Unidos, foi um dos mais importantes mentores da
arte minimalista. Com elementos cúbicos e suas deriva-
ções, organizados sobre uma base geométrica, convidava o espectador a completar a imagem mentalmente.
As relações entre concepção e percepção, superfície e
volume sempre estiveram presentes na obra dele. Nos
anos 1970, o artista se concentra em desenhos murais,
concebidos para locais específicos e que interagem com
a arquitetura, refletindo lições extraídas dos afrescos da
renascença italiana. As cores se tornam mais presentes
nessa fase, e as figuras ganham formas tridimensionais,
que nos dão a impressão de estar achatadas. Lewitt mudou nossa compreensão das convenções pela alteração
de nossos sentidos.
yartesanal
na boca do lobo
DIAMOND
gabinete
Marca portuguesa conquista o planeta com mobiliário que combina
tradição e contemporaneidade
CROCHET
criado-mudo
texto marcos guinoza
N
ão foi por acaso que David Wasco, o diretor de arte de Cinquenta Tons de Cinza, selecionou peças da marca portuguesa Boca do Lobo para mobiliar o apartamento de
Christian Grey, o protagonista do filme-fenômeno deste ano. Criada, em 2005, pelos
designers Pedro Sousa, Amândio Pereira e Ricardo Magalhães, a Boca do Lobo combina técnicas artesanais com as mais avançadas tecnologias para desenvolver o que
eles chamam de “exclusive design”. Em outras palavras, mobiliário de primeira, com
qualidade de execução irrepreensível e que não cabe no bolso de qualquer Grey
Ao saber que seus móveis estavam nos cenários de Cinquenta Tons, o pessoal da
Boca do Lobo tirou onda: “Quem conhece bem a trilogia e o filme sabe que a nossa marca
é certamente a melhor para identificar o estilo de vida luxuoso de Christian Grey”. Se é a
melhor, difícil saber. Mas que as peças dão um ar elegante e moderno para os ambientes,
não há dúvida.
Pedro Sousa explica a ideia por trás da Boca do Lobo: “Temos que fazer coisas que
sejam a nossa visão do design, mas com as quais as pessoas se identifiquem. Não vale a pena
série EDEN
mesa de centro
brooklyn
minibar
fazer uma peça brilhante conceitualmente, mas que só serve para outros designers ou para estar em um museu. O interessante é encontrar uma pessoa do outro lado do mundo
que compreenda essas peças, goste delas e as compre”.
A grande sacada da marca é criar mobiliário com
design clássico acrescido de novos e surpreendentes elementos. São peças reconhecíveis, que mexem com a memória afetiva e histórica das pessoas, remetendo a coisas
“da época da vovó”, mas com um “algo mais” que as transformam completamente. Mais do que produzir móveis bonitos e desejados, a Boca do Lobo, segundo Pedro Sousa,
quer desenvolver “coisas que vão ficando”, passam de geração para geração. É uma espécie de reação bem-vinda
ao tempo em que vivemos, quando tudo parece se tornar
obsoleto a cada seis meses.
A Boca do Lobo está instalada em Rio Tinto, no
concelho de Gondomar. É ali, no eixo entre Paços de
Ferreira (“a capital do móvel”) e Gondomar, que se encontra
a indústria moveleira portuguesa. De acordo com Pedro
Sousa, a marca não poderia ter surgido em outra parte de
Portugal. E o motivo é simples. É nessa região que estão os
grandes marceneiros, carpinteiros e outros profissionais
que trabalham com eles, e onde a Boca do Lobo tem
acesso fácil a técnicas perpetuadas ao longo de gerações
por artesãos e pequenas oficinas especializadas. No início,
conta Sousa, a relação com os artesãos foi tensa. “Eles
torciam o nariz para as nossas ideias. Hoje, são os primeiros
a querer coisas novas. Veem o seu trabalho valorizado,
veem o que aprenderam uma vida inteira ser aproveitado.”
Formado pela Escola Superior de Artes e Design
(Esad), em Motosinhos, Pedro Sousa, 39, além de ser um
HERITAGE
aparador
NEWTON
luminária de teto
NEWTON
mesa de canto
MONOCHROME BLUE
aparador
fotos divulgação
dos donos da Boca do Lobo, comanda outra marca, a SAAL,
e atua como designer independente. Em seus projetos, utiliza grande variedade de materiais (madeira, vidro, tecido,
aço inox, mármore, bronze e cortiça) para criar peças com
“harmonia conflitante de cores e formas”.
Para ele, “sempre que houve saltos no design foi em
razão das evoluções tecnológicas”. Por esse motivo, costuma dizer que, se um dia pudesse trabalhar com a Nasa, seria
perfeito. “Afinal, a função deles é pesquisar novos materiais.”
Com o pensamento sempre ligado ao design, Pedro
Sousa só lamenta uma coisa: “Queria poder acompanhar o
ritmo de produção da minha imaginação”.
bocadolobo.com | pedrosousastudio.com
MONET
mesa de centro
EMPORIUM
cadeira
yinstalação, fotografia
The Little Match Girl 2008, 128 cm x 160 cm
Maiden Voyage 2009, 96 cm x 120 cm
DAZED: STAGE OF MIND
Os cenários surreais da artista sul-coreana
JEEY OUNG LEE
texto joão lourenço
42 abd conceitual março/2015
my chemical romance 2013, 144 cm x 190 cm
F
ormada em artes visuais pela Universidade de Hongik, em Seul, JeeYoung Lee
é considerada uma das jovens mais importantes e promissoras do novo cenário artístico da Coreia do Sul. Em 2014, após a primeira grande exposição internacional, na galeria francesa Opiom, o trabalho de Lee foi visto e comentado em todos os cantos do globo. Intitulada Dazed: Stage of Mind (Atordoado:
Estado de Espírito, em tradução livre), a série de fotos foi compartilhada mais
de 500 mil vezes no Reddit, no Facebook e em outras redes sociais.
Em um minúsculo estúdio de 3 x 6 metros, em Seul, Lee cria cenários complexos com objetos desenvolvidos por ela mesma. Utilizando diversos materiais, como
madeira compensada, copos plásticos, papel, algodão e arames reciclados, ela se desdobra como fotógrafa, cenógrafa, escultora e artista de instalação. E não para por aí: ao
contrário dos colegas de profissão, Lee não utiliza nenhum programa de manipulação
44 abd conceitual março/2015
Resurrection 2011, 144 cm x 190 cm
para alterar as imagens que inventa. Todo esse trabalho manual, da concepção da
ideia à imagem final, pode levar algumas semanas e até meses.
Lee explica sua obra: “O conjunto de fotografias conta histórias particulares
sobre minhas experiências pessoais. Não procuro me inspirar em pessoas específicas.
Em alguns casos, tento ressuscitar as fábulas tradicionais da Coreia do Sul e também
procuro explorar a herança cultural de países que nunca visitei. Definiria meu trabalho
como uma reflexão interior da minha personalidade. Ainda há tanto que não sei sobre
mim. Como artista, busco desvendar minha identidade psicológica”.
A artista sempre está nos cenários, mas nunca assume a função convencional de um autorretrato. Questionada, ela diz não pensar em inserir outras pessoas
nas imagens, pois isso eliminaria alguns estados psicológicos particulares. “Mas não
sou totalmente contra a ideia.” Entre esses conflitos interiores, Lee fala sobre medo,
ressurreição e sonhos nostálgicos da infância. “A arte de contar uma boa história é
Panic Room 2010, 144 cm x 180 cm
Black Birds 2011, 96 cm x 120 cm
um componente essencial no meu processo criativo. Tento me colocar no centro da
história, imergindo-me ao ponto de obsessão. Sinto que esse processo é natural para
mim, porque eu procuro narrativas baseadas em minha experiência. Também uso um
monte de metáforas. Não gosto de dissecar cada elemento, assim as interpretações
ficam mais interessantes. Estou focada em experiências e formatos diferentes, acho
que esse é o caminho para encontrar novas perspectivas.”
Vale lembrar que a série Dazed: Stage of Mind está em andamento desde
2007. Lee já está de olho em outros projetos e possíveis parcerias, mas também pretende atualizar a série de acordo com novas vivências e desejos. “Houve alguns solavancos ao longo do caminho, mas hoje posso dizer que a decisão de me tornar uma
artista realmente mudou minha vida. Levei anos decidindo sobre o futuro, pois sabia
que a vida como artista não seria fácil, ainda mais em um país como a Coreia do Sul.
Hoje vejo que a vida criativa pode ser um grande desafio em qualquer lugar.”
Nos próximos meses, a exposição de JeeYoung Lee percorrerá cidades como
Bogotá, Miami e Belfast.
opiomgallery.com
46 abd conceitual março/2015
ydecoração
“todo mundo está
cansado de viver como num
saguão de aeroporto”
U
m sofá vitoriano, figuras de Josef Albers, cacarecos greco-romanos e estampas de oncinha podem ter muito
em comum. Olhando através da sala de estar, a mistura
de padrões e texturas é calma. Um banquinho tambor
africano com patas de zebra se posta confortavelmente
ao lado da vizinha, a poltrona leopardo – ambos apoiados sobre a geometria de um tapete de quadrados.
Esse ambiente é só mais uma das inúmeras criações
extrovertidas de Anthony Baratta, designer de interiores
norte-americano notável pela ousadia caleidoscópica.
fotos divulgação
equilíbrio perfeito
Vivendo entre Miami e Nova York, o designer de interiores Anthony Baratta ousa
nas cores, formas e escalas para criar ambientes exuberantes e extrovertidos
texto amer moussa
Quando o exagero é consciente, a exuberância se torna
a palavra-chave do contexto. “Gosto de pensar em empurrar os
limites, levando as coisas a um novo nível em termos de escala
e de cor. Essa é a marca do nosso trabalho”, assume o designer.
“Tenho dificuldade de fazer decoração muito, muito tradicional.”
Na obra dele, o excesso de informação aparece não como um
problema, mas como solução: o princípio geral organizador é o
que norteia e tranquiliza o usuário.
Como é possível que uma lareira forrada de papel azul
xadrez, um estofado reticulado e um tapete com motivos náuticos convivam em harmonia? O especialista revela o segredo: “É
fácil misturar padrões diferentes quando você primeiro combina
a própria paleta. Nós nos debruçamos sobre a paleta de cores
antes mesmo de começar a trabalhar em um projeto”. Em uma
varanda com vista para o mar turquesa da costa da Flórida, móveis de vime com almofadas quadriculadas incorporam seu tom
praiano favorito: “Amo o uso de azul-celeste pálido em casas litorâneas. Isso realmente ajuda a compor um ambiente feliz”.
Anthony Baratta, ou apenas Tony, iniciou a carreira
de designer há 30 anos, após a graduação na Fordham
University como historiador de arte. Combinando seus talentos
com William Diamond na empresa Diamond Baratta Design,
conseguiu criar uma linguagem equilibrada entre cores, padrões
e história. O resultado são ambientes estampados em mais de
40 capas de revista, inúmeras palestras e leituras acadêmicas
realizadas, prêmios e nomeações, além de dois livros lançados.
Após a aposentadoria de Diamond, Baratta fundou e segue
com o próprio escritório, o Anthony Baratta LLC.
No livro All-American: The Exuberant Style of William
Diamond and Anthony Baratta (Pointed Leaf Press, 2009), ele
e o sócio aparecem em várias fotografias hilárias posando em
tronos-girafa, ou com olhar tímido em pijamas de seda – o
que indica que nenhum dos dois se leva muito a sério. É esse
senso de autoesculhambação que o torna respeitado não só
como decorador, mas também como intelectual. O designer
diz amar os clientes – “mas nem todos” – e leva a vida entre
Miami e Nova York.
Sobre as tendências do design contemporâneo, Baratta
defende que “todo mundo está cansado de viver como num
saguão de aeroporto”. Em uma crítica direta ao minimalismo
dos anos 1970, o designer diz que assistiu à maneira como
este se converteu no exagerado e tradicional estilo 80s – que
é muito do que vigora no mundo até hoje. Mas reconhece que,
desde então, houve um apuramento, tanto da indústria quanto
dos artesãos. Embora, segundo ele, restem poucos bons
profissionais que saibam fazer uma verdadeira cortina de chita.
O cerne de ser um maximalista é “amar tudo”. O
designer conta que guarda muito “lixo” em casa, e que, certa vez,
pôs tudo em um leilão. Em vez de libertação, o que sentiu foi
extremamente doloroso. Não só pelo apego sentimental, mas
pelo baixo preço que pediu por objetos que hoje se tornaram
valiosíssimos. “Alguém põe um nome na coisa, conta uma
história e, de repente, aquilo passa a valer mais. É o branding.”
Em meio a tudo isso, é notável que o estilo de Baratta
se mantenha distinto, e o designer parece ser muito fiel a ele.
“Quando olho para trás, vejo o trabalho que fizemos quando começamos e percebo a mesma sensação real de escala e coloração, e um gosto por certas formas. De lá para cá, o que houve
foi um refinamento.” Quanto às críticas que recebe, Baratta diz
achar triste e, por vezes, assustador, certos comentários que
emergem sobre seu trabalho nos blogs de decoração. “Eles não
entendem que estamos trabalhando para um cliente, que existem restrições. Muitas vezes somos empregados por alguém
que quer cores ousadas.”
A capacidade do designer de lidar com diferentes demandas vem da habilidade de “ler as pessoas” em poucos segundos. Uma dica é, por exemplo, reparar na maneira como o
interlocutor se veste, as cores que aplica, se são chamativas ou
discretas. A partir da primeira impressão, é possível brotar uma
paleta inteira.
A personalidade forte de Baratta como decorador já
lhe rendeu um divórcio. “A pessoa queria ser parte do design
da casa, ter seu estilo refletido de alguma forma.” Mas, para ele,
a mobília já se encerrava perfeitamente. “É difícil para mim me
ajustar ao gosto de outra pessoa.” O preço é alto: Tony admite
levar uma vida solitária. O fim de semana ideal? “Gosto de me
ausentar do mundo. Geralmente à piscina ou à praia. Sozinho.”
anthonybaratta.com
48 abd conceitual março/2015
ygaleria
FOTO LUFE GOMES
estilhaço
texto ANDRÉ POLI
Formado em arquitetura e urbanismo, J. M. Morgade atua como
fotógrafo de moda e publicidade desde 1988. Estilhaço, título da
foto acima, faz parte do primeiro projeto autoral dele.
Como foi construído o pensamento por trás dessa série
de fotos?
Sempre considerei a fotografia como uma das maiores formas de
expressão. Envolvido com publicidade e moda, senti, num dado
instante, um profundo desejo de construir algo próprio, fruto total da minha imaginação. E, numa tarde, em meu estúdio, estava
ensaiando luzes e formas e comecei a brincar com alguns materiais recicláveis. Acabei chegando a esse resultado que muito
me surpreendeu. Compreendi que um quadro necessita de um
espaço predeterminado para poder existir, mas a fotografia, com
sua fabulosa tecnologia, cabe em qualquer espaço, podendo até
envelopar um edifício.
O que você busca transmitir com essas fotos?
Procuro o impacto natural que cada obra possa causar sobre o
espectador. O impacto das cores, as fusões geométricas e aleatórias que se completam misteriosamente. Essa é a busca. A
ausência imediata de emoções em monocromias e, ao mesmo
tempo, as mesmas explodindo em cores, esse impacto sobre a
ansiedade se torna incontrolável. A ausência da compreensão
vem, assim, dar espaço ao lúdico e ao imaginário.
Qual a importância das formas e da relação entre elas e
as cores no seu trabalho?
Possuo o controle somente sobre a monocromia e as cores
explosivas, mas não tenho como desenhar o resultado final.
Isso é o que me deixa apaixonado pela obra: a ausência total de
controle de sua criação, a importância vital. Mas, como falei anteriormente, a cada clique podem se reproduzir formas e cores
totalmente diferentes do que obtive anteriormente. É uma decisão difícil e angustiante a seleção para o acabamento final das
fotografias. Mas, enfim, acho que reproduzo de certa forma a
nossa aura, captando as diversas nuances e infinitas explosões
das nossas emoções.
EU TAMBÉM SOU
designer de
INTERIORES
FERNANDA MARQUES
VEJA A ENTREVISTA NO SITE
www.abd.org.br/novo/videos
morgade.com.br
50 abd conceitual março/2015
R A D A R
D E S I G N
www.radardesign.com.br
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