fiT Tjr - WordPress.com

Transcrição

fiT Tjr - WordPress.com
fiT Tjr
-5^
RÍMAS
.(?A
'WV
Com esse título singelo Gaspara Stampa dedicou seus poemas
de amot, em algum momento na metade do século XVI, ao homem
quck inspirara a maior parte deles. Singela não era, no entanto, a
dedicatória propriamente dita, que ocupa duas páginas: Ao meu
Ilustre Senhor", diz o trecho inicial, nestas rimas "Vossa Senhoria
verá, não o pélago das paixcies, lágrimas e tormentos meus, porque
é mar sem fundo, mas apenas um pequeno riacho; e não pense
Vossa Senhoria que eu o tenha feito para dar-lhe ciência de sua
crueldade, pois não se pode falar em crueldade onde não existe
obrigação, e nem para entristecê-lo, mas sim para dar-lhe conhe
cimento de sua grandeza e alegrá-lo".
O destinatário de tanta devoção e humildade era o conde
Collaltino di C:ollalto, senhor feudal de terras banhadas pelo rio
Tiavc, mecenas e guerreiro. A jovem Gaspara se deixa levar nas
asas de sua imensa paixão, mas não encontra idêntico ímpeto no
ser amado. Seus versos vão construindo a crônica da apaixonada
adoração, do desespero da indiferença, do padecer a ausência, da
esperança de retomar o fio do relacionamento, da decepção de
sentir-se rejeitada e, finalmente, da tentativa de dirigir a outro
seus sentimentos, ainda que aferida anterior não estivesse de todo
curada.
Durante muito tempo a evidente qualidade literária de Gas
para Stampa se viu relegada a segundo plano em função dos pre
conceitos das épocas subseqüentes; os estudiosos se preocupavam
mais em estabelecer julgamentos morais sobre sua conduta do que
em analisar a essência de sua poesia, na qual a moldura rígida do
soneto cliissit o mal contém a emoção ronifintica. A freqüência do
uso de palavras como "logo", "(ogiieiia , arder , chama , as itna11
TRHS
APAlXONAnA'^
gens eloqüentes do delírio de amor que a consumia, a excessiva
humildade diante da escassa retribuição e — ao que se conhece —
dos poucos dotes de espírito do conde, tudo denota a persona
lidade vibrante e a doçura do coração da poetisa. Extinta, ou pelo
menos dominada, a paixão por Collaltino, Gaspara buscou alívio
em outra relação amorosa, dessa vez com o veneziano Bartolomeo
Zen, para quem escreveu catorze sonetos de amor. Dali em diante,
até sua morte em 1554, por volta dos trinta anos de idade, sua poe
sia foi se tomando cada vez mais resignada, filosófica e religiosa.
Escolhidos entre os quase duzentos que deixou, Oo vinte sone
tos traduzidos a seguir percorrem a trajetória da vida amorosa de
Gaspara Stampa.
S. D.
I '
SONETOS'
DE
GASPARA STAMPA
TRÍ-S MULllERUS APAIXONADAS
GASPAR A
Altri mai foco, stral, prigione o nodo
Nao lia seta ou prisão, nem chama ou kço
Aliada, austera, arder\te e emaranhado,
Si vivo e acuto, e si aspra e si stretto
Non arse, impiagò, tenne e strinse il petto,
Quanto 'I mi' ardente, acuto, acerba e sodo.
Né qual io moro e nasço, e peno e godo.
Mor' altra e nasce, e pena ed ha diletto.
Per fermo e vario e belio e crudo aspetto,
Che 'n voei e carte spesso accuso e lodo.
Né fúro ad altrui mai le gioie care.
Quanto è a me, quando mi doglio e sfacio.
Mirando a le mie luci fosche o chiare.
Mi dorrà sol, se mi trarrà d'impaccio,
Fin che potrò e viver ed amare,
Io stral e '1 foco e Ia prigione e '1 laccio.
(XXVII)
Que iira, prenda, inflaipae ou tollla opasso
Assim: aguda', ^el, viva eaper(ado.
i a! como em meu prazer sofro e renasço
Outra não há sofrido e regressado
Da morte, por um bem como o que faço
Fiu
c voz bendito e amaldiçoado,
lampouco prova alguém mais alegria
1)o que eu, quando em martírio e dor extremas
A luz daqueles olhos me alumia
Paia deixar comigo, como emblemas,
biKiuanto possa amar dia após dia,
liechas, escravidão, fogueira e algemas.
S
OBRAS
.*«-in ^
Otítulo sóbrio da coleção de escritos de Louise Labé, Cèuvres,
publicada originalmente em 1555, pouco ou nada revela da alma
e das fantasias dessa mulher do interior da França, casada com um
comerciante de cordas que não participava dos numerosos saraus
literários, moda da época, promovidos por Louise e sua corte de
admiradores em Lyon. Dela se sabe, pelo dizer de seus contem
porâneos, que era mulher de grande beleza e elevados dotes de
espírito. Do ponto de vista literário, sua obra-prima é o Debate
entre Loucura eAmor, em prosa, que retoma a fábula em que Lou
cura, responsável pela cegueira de Amor, é condenada a servir-
lhe de guia. Considerado muito superior a seus versos por nume
rosos críticos e estudiosos, o Debate é, contudo, menos conhecido
do que os sonetos, dos quais o mais comentado é o XVIII, quase
liccncioso e revelador de uma rebeldia pouco aceitável para o
meio provinciano em que nasceu e viveu Louise Labé. Curio
samente, o primeiro dos sonetos foi escrito em italiano, o que
denota a influência do Renascimento peninsular em sua obra.
Vistos como um todo, os 24 sonetos parecem evocar episódios
que leprescntam sonhos, aspirações, desejos e talvez realizações, se
guidos de desilusões e arrependimentos. As aventuras amorosas
que lhe foram atribuídas, de que terão sido protagonistas poetas
que freqüentaram seu círculo, acarretaram um processo judicial
contra ela, movido pelas autoridades calvinistas que então gover
navam Lyon. O último de seus sonetos dá a impressão de haver
sido escrito com afinalidade de simultaneamente dar satisfação às
mulberes tie seu meio e de seu tempo e delas zombar, como uma
sutil e liuii vingança por mitledicências que certamente e.spalhalam utüspelli) ilessa muIIht bonila, cuil ivada e atlinirada —peca-
TRÊS MULHERES A P A IX O N A 11A S
dos mortais para suas contemporâneas menos hem-i-iotadas nu íisiCO e no intelecto...
DE
Seja como for, esses sonetos, em que pe.seiu ik-slin s lormais
facilmente identificáveis, nos fazem reviver uin iiiiiveiso interior
cheio de romantismo, no qual sení laise.' iinpossnel distinftuir
entre o real e o ideal, ou idealizado. ( "oiiu) disse uni de mus recen
tes admiradores — pois até hoje, passados <(u,iiio seeiiios, Louise
continua a ser admiraria
niio sei.i .iliMilui.iiuenie lua iLssiirio ao
poeta relatar a histiiria de auioies \i\ idos pui.i que seja capaz de
conceber e reali.'ar uma oiasi dem.id.i do .iiiuh e da hilcza.
S. D.
\ ..I.ili I.Ir ,li\.
a.. i.li>.m.i li 111. > I
SONETOS
I',cl.n i.r- >1.1 .'IMMii.il I..I iln.ilr.i.l.i .Ir ,. ml. >l ml. tlili' i >>111 ,i iMi. i iüHi.l>
I .li>1 "IIli .11.1 l.iim.f. |.i.i|>n.i. .Ir MM I i» ..ii. I\.i|f «liSMH»
LOUISE LABÉ
TRÊS MULHER1:S A PA i X NA L) AS
Li.)UISE LA
Baise mencor, rebaise moi et baise:
Beijai-me agora, e muito, e outra vez mais.
Dai-me um de vossos beijos saborosos
Donne m'en un de tes plus savoureux
Donne m'en un de tes plus amoureux
E depois, dai-me um desses amorosos
Je t'en rendrais quatre plus chauds que braise.
Las, te plains-tu? ça que ce mal j'apaise
En te donnant dix autres doucereux.
Ainsi mêlant nos baisers tant heureux
Jouissons-nous Tun de fautre à notre aise.
Lors double vie à chacun en suivra.
Chacun en soi et son ami vivra.
E eu pagarei com brasa os que me dais.
Virei vos socorrer, se vos cansais,
Com mais dez beijos longos, langorosos,
E assim, trocando afagos tão gostosos.
Gozemos um do outro, em calma e paz.
Vida em dobro teremos, sendo assim;
Eu viva em vós e vós vivendo em mim.
Permets m'Amour penser quelque folie;
Toujours SLiis mal, vivant discrètement,
Et ne me puis donner contentement,
Si hors de moi ne fais quelque saillie.
Deixai que vague, pois, meu pensamento:
Não dá prazer viver bem-comportada;
Bem mais feliz me sinto, e contentada,
Quando cometo algum atrevimento.
(XVIIl)
7H
7')
T
L_
xw/
Baise m'encor, rebaise-moi et baise;
Donne m'en un de tes plus savouteux:
Donne m'en un de tes plus amoureux,
Je t'en rendrai quatre plus chauds que braise.
Las! te plains-tu? Ça que ce mal t'apaise,
r/.^:
(>:;
"'V\-;ra.v
r
.- • - ' ,:^ •••••:.
1
• i. > ••./"•
(ira .í
Beija-me mais, beija-me ainda e beija;
Dá-me um daqueles teus mais saborosos;
Dá-me um daqueles teus mais amorosos,
Dou-te outros quatro em brasa que flameja.
Ah! tu te queixas? Que este mal te seja
En t'en donnant dix autres douccreux.
Paz ao te dar dez outros deliciosos.
Ainsi mêlant nos baisers tant heureux
louissons-nous l'un de 1'autre à notre aisc,
Mesclando nossos beijos mais ditosos
("rozcmos um do outro, o amor sobeja.
Lors doLible vic à chacun en suivra;
E vida cm dobro cada um terá;
.(
' ^
í'?:;.:
Cdiacun en soi et son ami \ ivra.
Em si e no amante cada um vixcrá.
Permets m'amour penscr quelque lolie:
Permite, amor, pensar esta k)ucura:
Toujours suis mal, vivant discrètement,
Et ne me puis donner contentement,
Si hors de moi ne sais quelque saillie.
E não me posso dar contentamento,
Se de algo fora eu não for à procura.
:í'.ív
.•..-..•VÍV-,':'
ÍS.
}
i(i
Sempreestou mal, em discrição vivendo,
á7
XVIII
Beija-me ainda, rebeija-me e beija;
Dá-me um daqueles teus mais saborosos,
Dá-me um daqueles teus maisamorosos:
Quatro eu darei emque a brasa viceja.
Reclamas? mas o teu malsefesteja
Com mais dez beijos meus deliciosos.
E ao misturar os beijos fervorosos
Os dois gozemos o queem nós chameja.
Cada um dupla vida assim terá.
Cada um noutro e em si mesmo estará.
Permite Amorqueeu pense tal loucura:
Sempreestou mal, poisvivo em desalento,
E só consigo ter contentamento
Fora de mim, ao buscar aventura.
•f-O A~T\i K/A
XIX
Diane estant en Tespesseur d'un bois,
Apres avoir mainte beste assenee,
Prenoit le frais, de Nynfes couronnee:
J allois resvant comme fay maintefois,
Sans ypenser: quand j'ouy une vois,
Qui mapela, disant, Nynfe estonnee,
Que ne t estu vers Diane tournee?
Et me voyant sans are et sans carquois,
Qu as tu trouve, ocompagne, en ta voye,
Qui de ton are et flesches ait fait proye?
Je manimay, respons je, àun passant.
Et lui getay en vain toutes mes flesches
Et1are apres: mais lui les ramassant
Et les tirant me flt cent etcenr bresches.
SONETOS PORTUGUESES
Nascida em 1806 em família abastada, Elizabeth Barrett já era
respeitada nos meios literários da Inglaterra vitoriana quando se
apaixonou por Robert Browning, poeta ainda obscuro e oriundo
de círculos menos afortunados. Conheciam-se apenas pelas obras
publicadas de ambos, efoi Robert quem promoveu aaproximação
com uma carta que começava assim: "Cara senhorita Barrett, amo
seus versos com todo o meu coração".
O romance se desenrolou em segredo, em encontros pessoais
eepistolares, por temor ao despótico pai de Elizabeth, que exercia
severo poder e domínio sobre os filhos. Vivendo reclusa como
inválida na casa de Wimpole Street —embora pouco se conheça
da verdadeira natureza de sua doença —, Elizabeth aos 38 anos
granjeara a admiração de seus contemporâneos pela qualidade e
OIiginalidade criativa de sua poesia, publicada pela primeira vez
em coletânea na Inglaterra, em 1844.
Um ano após o inicio do romance, em 1846, sempre em se
gredo, ocasal planejou eexecutou afuga para Florença. Lá, os dois
continuaram a escrever poesia e a amar-se no lugar que tornaram
famoso, a Casa Guidi, onde, cm junho de 1861, Elizabeth morreu
nos braços de Robert.
Lembrada especialmente por suas duas coleções de poemas, os
de 1844 e os de 1850, e sobretudo pela "novela em versos" Aurora
Leigh, considerada sua obra-prima, Elizabeth Barrett Browning
f
deixou também 44 sonetos compostos à maneira clássica —diver
sa lia do soneto inglês tradicional —, dedicados aRobert epor ela
iniiiiilados Sonacls jruni ihc Portuguusc. Aorigem do títtilo é incer
ta: ai iediia SC que ilc\ idi) a sen tom intimista, até mesmo ousado
|'aiu ii époi.a, a aiitoia tn esse pn lei ido dar aentender que se trata-
TKES MULHERES APAIXONADAS
va de traduções do português, idioma cuja literatura clássica co
nhecia e admirava.
Browning apreciava especialmente um poema de Elizabeth,
"Catarina a Camões", que falava do amor do poeta luso, e a
chamara carinhosamente "minha pequena portuguesa". Os sone
tos foram publicados em 1850, a instâncias de Robert, que teria
afirmado não ousar guardar somente parasi "os mais belos sonetos
escritos em qualquer língua desde Shakespeare". Compostos com
delicadeza e rigor formal, os sonetos da coletânea têm continui
dade narrativa e traçam a história da paixão de EMzabeth pelo
único homem que amou. A seguir, catorze dos mais sugestivos
dentre os Sonetos portugueses.
S. D.
SONETOS
DE
ELIZABETH BARRETT BROWNING
TRÉS MULHERES ARAIXONAUAS
LLUABETII IlARKirn BROVVNIÍ
Teócrito cantava alegremente
I thought once how Theocritus had sung
Of the sweet years, the dear and wished for years,
Os anos bons, serenos, almejados,
Que generosos vinham, sem cuidados,
A cada qual trazendo seu presente;
Who each one in a gracious hand appears
To bear a gift for mortais, old or young:
And, as I mused it in his antique tongue,
I saw, in gradual vision through my tears,
The sweet, sad years, the melancholy years,
Eeu, lendo os versos seus de antigamente.
Revi, no véu de meus olhos molhados.
Os anos doces, tristes, carregados
De sombras, que vivi. Mas de repente
Those of my own lifc, who by turns had dung
A shadow across me. Straightway I was 'ware,
Senti, chorando ainda, uma divina
So weeping, how a mystic Shape did move
Presença a sujeitar-me com vigor
E perguntar: "Sabes quem te domina?"
Sem me voltar a ver meu opressor
Behind me, and drew me backward by the hair.
And a voice said in mastery while I strove,...
'Guess now who holds thee?' — 'Death', I said. But, there,
The silver answer rang — 'Not Death, but Love*.
(I)!'
() Os
isnnc iinii.un'-. mJii .iin o miincin
i.il il<i iholi) cMi Siitiit. is /lout í/k'
A Morte", retruquei; mas cristalina
Veio a resposta; "A Morte, não; o Amor".
TUÍiS MULHKRliS APAIXONADAS
El IZAHFTM BARRI
Como te aiiKr.' deixa que te conte:
How do I love thee? Let me count the ways.
I love thee to the depth and breath and height
Amo-te quanto em largo, alto eprofundo
My soul can reach, when feeling out ofsight
Minh alma alcança, se fugindo ao mundo
Busca aorigem do Ser, da Graça afonte.
For the ends of Being and ideal Grace.
I love thee to the levei of everydays
De dia, ou quando osol cai no horizonte.
Most quiet need, by sun and candlelight.
Amo do mesmo amor cada segundo:
I love thee freely, as men strive for Right;
I love thee ptirely, as they turn from P'-aise.
Opuro amor modesto em que me inundo,
Oamor liberto de quem ergue a fronte.
Eu te amo com a paixão que conhecera
I love thee with the passion put to use
Nas velhas dores, e com fé tão forte
In my old grlefs, and with my childhood's faith.
Como ada infância; oamor que se perdera
Com minhas crenças; te amo no transporte
Do pranto eriso, eapenas Deus quisera,
1 love thee with a love 1 seemed to lose
With my lost saints, — I love thee with the breath
Smiles, tears, of ali my life! — and, if God choose,
Mais te amarei ainda após a morte.
1 shall but love thee better after death.
(XIJU)
I

Documentos relacionados