maçonaria: democracia e meritocracia no mundo ocidental
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maçonaria: democracia e meritocracia no mundo ocidental
Recebido: 17/05/2013 Aprovado: 17/06/2013 MAÇONARIA: DEMOCRACIA E MERITOCRACIA NO MUNDO OCIDENTAL Kennyo Ismail¹ Resumo O presente trabalho tem por objetivo abordar a participação histórica da Maçonaria nos movimentos libertários, seja por vias institucionais ou por intermédio de seus membros, além de evidenciar sua vocação democrática e meritocrática, apresentando como esses dois princípios justos ocorrem na organização maçônica, em seus diferentes níveis, e que podem ter inspirado ou influenciado os primeiros sistemas democráticos e meritocráticos implementados nas repúblicas pioneiras. Palavras-chave: Maçonaria; Democracia; Meritocracia. Abstract This work aims to address the historic role of Freemasonry in the libertarian movement, either by institutional channels or through its members, in addition to demonstrating their commitment to democracy and meritocracy, showing how these two principles occur in the Masonic organization, in their different levels, and that may have inspired or influenced the first democratic and meritocratic systems implemented in the pionners republics. Keywords: Freemasonry; Democracy; Meritocracy. ¹ Kennyo Ismail é bacharel em Administração pela UnB, Especialista em Gestão de Marketing pela ESAMC, e Mestrando em Administração pela EBAPE-FGV. Mestre Instalado, membro da GLMDF e atual Grande-Mestre Adjunto da Maçonaria Críptica do Brasil, é também membro da Philalethes Society e da The Masonic Society e autor do livro “Desmistificando a Maçonaria”, São Paulo: Editora Universo dos Livros, 2012. FinP | Rio de Janeiro, Vol. 1, n.1, p. 33-39, Mai/Ago, 2013. 33 ISMAIL, K. MAÇONARIA: DEMOCRACIA E MERITOCRACIA NO MUNDO OCIDENTAL Introdução rio compreender a estrutura maçônica. A Maçonaria, anteriormente às democracias contemporâneas, já praticava uma forma de governança democrática, na qual o voto já era bem do indivíduo e não por propriedade ou localidade (JACOB, 1991; MOREL & SOUZA, 2008), o que reforça a teoria da Maçonaria como uma instituição emancipadora do indivíduo e uma das precursoras do ideal democrático. A Maçonaria está presente nos cinco continentes por meio de quase 200 Grandes Lojas internacionalmente reconhecidas, consideradas independentes, autônomas e soberanas entre si (LIST..., 2012). É importante esclarecer que a instituição não possui um poder ou liderança mundial constituída, como explicado por Christopher Hodapp (2005): Um dos vários exemplos que relacionam Maçonaria e democracia é a indiscutível participação da Fraternidade na independência dos Estados Unidos (BULLOCK, 1996), tida como a primeira e a maior nação democrática do mundo. Na Revolução Americana de 1776, conforme Morel e Souza (2008) atestam, “é inegável a militância maçônica de líderes como Benjamin Franklin, George Washington e La Fayette”. Essa militância maçônica também pode ser constatada pela declaração de independência americana na qual, conforme Gomes (2010), “dos 56 homens que assinaram a declaração de independência, cinquenta eram maçons”. Uma coisa de suma importância para entender sobre a Maçonaria é que não há um único organismo mundial que rege a fraternidade. (...) Nenhum homem fala pela Maçonaria, e nunca falará. (...) Cada Estado dos Estados Unidos, cada província do Canadá, e quase todos os países do mundo tem uma Grande Loja - muitas vezes mais de uma. Cada Grande Loja tem regras e regulamentos que regem as Lojas dentro de sua jurisdição, e cada Grande Loja tem um Grão Mestre, que é essencialmente o presidente naquela jurisdição. Mas Grão Mestres não têm nenhum poder para fazer regras ou tomar decisões fora de suas fronteiras. Não existe nenhum grupo nacional ou internacional que controla ou dirige as Grandes Lojas (Freemasons for Dummies, HODAPP, 2005, p. 15). Com base em tais passagens, torna-se plausível a proposição de que a Maçonaria, munida do mais profundo princípio de igualdade entre os homens, realmente colaborou, por intermédio da liderança libertadora de seus membros, para a implementação dos primeiros regimes Desse modo, os maçons se reúnem em Lojas, sendemocráticos. do que três ou mais Lojas de um mesmo Distrito, ProvínPorém, além da democracia, a era contemporâ- cia, Estado ou Nação formam um Grande Corpo Maçônico, nea, que a Maçonaria ajudou a inaugurar, trouxe outro comumente chamado de Grande Loja, mas que pode receimportante conceito, também presente nos ensinamentos ber outra denominação, como Grande Oriente. E como maçônicos, no qual o valor do indivíduo não é reflexo de Hodapp (2005) bem observou, uma mesma região pode seu nome, bens ou berço, mas sim de suas atitudes: a me- possuir mais de uma Grande Loja, seja por origens distinritocracia (LIPSON, 1977). Há evidências de um forte con- tas ou cisões históricas. Esse é o caso no Brasil, no qual ceito de meritocracia igualitária na Maçonaria Escocesa já pode haver até três organizações maçônicas regulares em nos primeiros anos do século XVII (SCHUCHARD, 2002). um mesmo Estado. Essa meritocracia, presente em todas as Lojas Maçônicas O organograma que se segue colabora para uma do século XVIII, contrastava com as sociedades engessadas melhor compreensão da estrutura administrativa de uma pelas tradicionais hierarquias familiares, nas quais elas Loja Maçônica e sua relação com sua Grande Loja². Trataestavam inseridas, mas com as quais não estavam satisfei- se de um modelo simplificado, que apresenta de forma tas (BILLINGTON, 1980). resumida a estrutura maçônica, desconsiderando departamentos secundários, como tribunais maçônicos, grandes Estrutura da Organização Maçônica comissões, assessorias, delegacias e outros. Importante Sendo a Maçonaria uma das precursoras das prátiregistrar que, sendo cada Grande Loja autônoma, variacas de democracia e meritocracia herdadas pela Idade ções estruturais podem existir. Porém, a estrutura da Loja Contemporânea, torna-se interessante observar a prática Maçônica em todas as organizações maçônicas é basicadesses conceitos em seu seio. Para tanto, faz-se necessámente a apresentada. ² Grande Loja, Grande Oriente ou qualquer outra denominação. Optou-se pelo termo Grande Loja por ser o mais antigo e mais utilizado no meio maçônico, conforme se pode verificar no List of Lodges. FinP | Rio de Janeiro, Vol. 1, n.1, p. 33-39, Mai/Ago, 2013. 34 Figura 1: Organograma - Lojas & Grande Loja ISMAIL, K. MAÇONARIA: DEMOCRACIA E MERITOCRACIA NO MUNDO OCIDENTAL FinP | Rio de Janeiro, Vol. 1, n.1, p. 33-39, Mai/Ago, 2013. 35 ISMAIL, K. MAÇONARIA: DEMOCRACIA E MERITOCRACIA NO MUNDO OCIDENTAL Em resumo, o organograma possibilita uma visão clara de um sistema que abrange tanto a democracia direta, para a escolha das lideranças, como a democracia representativa, para a gestão do governo da Fraternidade. Esse sistema misto, com poucas variações, já era utilizado pelas primeiras Grandes Lojas há algumas décadas antes do surgimento das primeiras Repúblicas, as quais trataram de desenhar sistemas muito similares ao maçônico, mas tendo, em alguns casos, suas democracias representativas sido influenciadas pelo sistema bicameral britânico. Democracia Maçônica Um mínimo de sete maçons compõe uma Loja Maçônica. Os membros elegem entre si seus três dirigentes: o Venerável Mestre, correspondente ao presidente da Loja; o 1º Vigilante, que corresponde a um 1º vice-presidente; e o 2º Vigilante, como um 2º vicepresidente. Outros cargos podem também ser eletivos numa Loja Maçônica, conforme legislação da Grande Loja e costumes do rito maçônico adotado, como o de Tesoureiro ou de Orador. Ao término de cada gestão, o Venerável Mestre que deixa o posto, então chamado de Ex-Venerável Mestre ou pelo termo em inglês de Past Master, passa a servir como Meritocracia Maçônica uma espécie de conselheiro do novo Venerável MesPode-se também observar no organograma tre. O Venerável Mestre então nomeia os demais apresentado que nas Lojas Maçônicas há, além dos membros para ocupar os cargos nominativos, com- cargos eletivos, cargos de livre nomeação do Venerápondo assim o corpo de Oficiais da Loja. vel Mestre. O mesmo ocorre também na estrutura Já uma Grande Loja é composta por um míni- das Grandes Lojas, com postos nomeados pelo Grãomo de três Lojas. Adotando um modelo de democraMestre. Porém, tal nomeação não costuma ocorrer cia direta, todos os membros das Lojas jurisdicionadas à Grande Loja votam na assembleia que elege sua de forma descriteriosa ou subjetiva. No caso dos carDiretoria, composta principalmente pelo Grão- gos nominativos da Grande Loja, um fluxograma do Mestre, Grão-Mestre Adjunto, Grande 1º Vigilante e processo de nomeações da GL da Nova Zelândia Grande 2º Vigilante. O Grão-Mestre Adjunto, figura (FREEMASONS..., 2012) ilustra e colabora para uma que não possui correspondente nas Lojas, representa melhor compreensão de como as nomeações podem a Grande Loja em eventos que o Grão-Mestre não possa comparecer e atua como Grão-Mestre em sua ocorrer no meio maçônico: ausência. Tal cargo pode receber atribuições secundárias, como administrar fundos de assistência e de filantropias, por exemplo. Todos aqueles que passaram pelo posto de Grão-Mestre também atuam como algo similar a conselheiros do atual Grão-Mestre. E o Grão-Mestre nomeia membros experientes das Lojas para ocuparem os cargos nominativos de Grandes Oficiais. Os Veneráveis Mestres, 1º e 2º Vigilantes e, em algumas Grandes Lojas, o Past Master mais recente representam suas Lojas nas assembleias deliberativas da Grande Loja, apresentando, opinando e votando as mudanças de legislação, propostas, prestações de contas e demais conteúdos que constem nas pautas. Nesses casos, trata-se de uma forma de democracia representativa. FinP | Rio de Janeiro, Vol. 1, n.1, p. 33-39, Mai/Ago, 2013. 36 ISMAIL, K. MAÇONARIA: DEMOCRACIA E MERITOCRACIA NO MUNDO OCIDENTAL Figura 2: Fluxograma Nomeações - Grande Loja de Nova Zelândia. e, em seguida, realizando entrevistas, quando necessário. O Grão-Mestre então realiza a nomeação daqueles membros recomendados pela comissão avaliadora, independente de suas preferências pessoais. Esse procedimento sugere a predominância de um senso de meritocracia na instituição, obviamente necessário para definir titulares de funções consideradas mais técnicas numa Ordem que prima pelo princípio de igualdade entre seus membros. Igualdade essa preservada não somente no modelo de escolha, mas principalmente na oportunidade ofertada às Lojas de apresentar suas indicações. Evidentemente que, quando do início das primeiras Grandes Lojas, a meritocracia presente na Maçonaria não era objeto de procedimentos formais como o apresentado. Até mesmo hoje muitas Grandes Lojas ainda não os têm. Porém, a prática da meritocracia no meio maçônico é atestada desde, por exemplo, os primeiros anos da primeira Grande Loja, quando John Desaguliers convida James Anderson para redigir as Constituições, considerando para isso as habilidades e experiência do mesmo (COIL & BROWN, 1961). Seria, inclusive, razoável supor que tal meritocracia é herança da Maçonaria Operativa, quando delegar uma função a um maçom não competente para tal poderia acarretar em desabamento! Conclusões O fluxograma evidencia um procedimento claro para nomeações em que as organizações-base da instituição, as Lojas Maçônicas, realizam indicações de candidatos aos cargos nominativos, devendo apresentar currículos que justifiquem tais submissões. Dessa forma, cargos relacionados a atividades jurídicas são preenchidos por maçons com formação e experiência na área, o mesmo ocorrendo em outras áreas internas, como de assistência social ou educação. A Maçonaria é, sem sombra de dúvidas, um dos assuntos mais discutidos e debatidos nas pesquisas históricas, desde sua origem até sua participação nos momentos históricos do mundo ocidental moderno e contemporâneo (WAITE, 1921; YATES, 1972; KIRBY, 2005). Porém, essa participação histórica, algumas vezes como protagonista e outras como coadjuvante, gera oposições daqueles que têm seus interesses prejudicados de alguma forma com tais ações, como, por exemplo, o nazismo, a Igreja e ditaduras (ROBERTS, 1969). Compreender tais perseguições não é tarefa Ao receber os currículos, uma comissão avalia o difícil. Ao ter na Maçonaria uma defensora do princíperfil dos candidatos, promovendo uma pré-seleção pio de igualdade entre os homens, independente de FinP | Rio de Janeiro, Vol. 1, n.1, p. 33-39, Mai/Ago, 2013. 37 ISMAIL, K. MAÇONARIA: DEMOCRACIA E MERITOCRACIA NO MUNDO OCIDENTAL raça, o confronto com as ideias nazistas fica nítido. Quando se tem na Maçonaria uma escola de sanidade, e não de santidade, colocando indivíduos de diferentes credos lado a lado, chamando uns aos outros de irmãos, se compreende algumas das motivações do Vaticano. E sendo a Maçonaria, historicamente, palco de debates de ideias libertadoras e de problemas sociais para dignos cidadãos e líderes, vê-se o cenário temido por ditaduras de esquerda. Entretanto, a democracia e a meritocracia, essas duas práticas genuinamente maçônicas, não são realidade em todas as Obediências Maçônicas espalhadas pelo mundo, nem mesmo unanimidade entre as regulares. A começar pela Grande Loja Unida da Inglaterra, considerada por muitos como o paladino da moral e da regularidade maçônica, que experimentou a democracia apenas nos seus primeiros anos de existência, jogando-a fora, ou melhor, vendendo-a na primeira oportunidade que surgiu de receber em pagamento um punhado de status junto à família real inglesa. E não se faz necessário atravessar o oceano para ver de perto outros casos de “Monarquia Maçônica”, tendo aqui mesmo no Brasil alguns absurdos como, por exemplo, um GrãoMestre há mais de 40 anos no poder, ou Obediências cujas legislações permitem cargos de livre nomeação do Grão-Mestre terem direito a voto em assembleias deliberativas, o qual deveria ser restrito aos representantes eleitos das Lojas, manipulando dessa forma a democracia representativa. Alguns estudos cumpriram com o objetivo de apresentar as colaborações da Maçonaria nas importantes mudanças mundiais ocorridas no final do século XVII e início do século XVIII, as quais influenciaram diretamente os modelos de governos e sociedades no mundo de hoje (BARATA, 2006; ELLIOT & DANIELS, 2006; HARLAND-JACOBS, 1999; YORK, 1993). Entre tais colaborações, tem-se a defesa dos princípios de liberdade e igualdade, os quais, sem dúvida alguma, estão presentes nas práticas da democracia e da meritocracia. A proposta do presente estudo foi cooperar com o tema, apresentando uma breve análise interna de como essas duas práticas estão presentes no meio maçônico. Espera-se com isso incitar os leitores à reflexão e estimular outros estudos que colaborem com o tema. Referências Bibliográficas BARATA, Alexandre Mansur. Maçonaria, Sociabilidade Ilustrada e Independência do Brasil: 1790-1822. Juiz de Fora/São Paulo: Ed. UFJF/Annablume/Fapesp, 2006. BILLINGTON, James H. Fire in the Minds of Men: Origins of the Revolutionary Faith. New York: Basic Books, 1980. BULLOCK, S. C. Revolutionary Brotherhood: Freemasonry and the Transformation of the American Social Order, 1730–1840, Chapel Hill, 1996. COIL, Henry Wilson & BROWN, William Moseley. Coil’s Masonic Encyclopedia. New York: Ed. Macoy, 1961. ELLIOTT, Paul; DANIELS, Stephen. The “school of true, useful and universal science”? Freemasonry, natural philosophy and scientific culture in eighteenth-century England. Science. 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