INOVAÇÃO ORGANIZACIONAL NA AGRICULTURA (dois

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INOVAÇÃO ORGANIZACIONAL NA AGRICULTURA (dois
INOVAÇÃO ORGANIZACIONAL NA AGRICULTURA
(dois casos de flexibilidade funcional do trabalho)
Andréa da Silva Gomes*
Vitor de Athayde Couto**
RESUMO: A crise econômica da lavoura cacaueira propiciou a inovação e reestruturação de algumas
unidades produtivas. Em decorrência, implantaram-se formas diferenciadas de organização do trabalho, como é
o caso dos sistemas arista e a nova parceira no cacau. A primeira forma é uma variante do assalariamento
celetista, enquanto a segunda baseia-se num contrato de trabalho de natureza civil. Analisados economicamente,
através do estudo comparativo de duas grandes empresas agrícolas, com base na metodologia de sistemas
agrários, os resultados permitiram avaliar a sustentabilidade econômica dessas unidades mesoeconômicas de
produção, sob a ótica do capital, além de sinalizar as perspectivas das inovações organizacionais aqui estudadas
enquanto formas de flexibilidade do trabalho.
TERMOS DE INDEXAÇÃO: inovação organizacional, trabalho, flexibilidade, crise do cacau.
INTRODUÇÃO
O objetivo desta comunicação é apresentar os resultados obtidos numa pesquisa sobre duas
formas de organização do trabalho na região cacaueira da Bahia: os sistemas arista e a nova
parceira no cacau. Trata-se de formas emergentes face à crise de caráter estrutural latente desde
a década de 80 com a progressiva perda de competitividade da cacauicultura brasileira no
comércio internacional. Essa terceira grande crise, que se conforma em ciclos de tipo
Kondratieff, tem como causa principal a emergência de países concorrentes da Ásia-Oceania,
agravada pela incidência da doença dos cacaueiros, conhecida como ”vassoura-de-bruxa“,
provocada pelo fungo Crinipellis perniciosa. Queda de preços, perda de competitividade,
inovações tecnológicas, importações de amêndoas de cacau, aumento da pressão sobre os
recursos naturais são, todos eles, elementos importantes da crise. No entanto, esta
comunicação trata apenas dos seus efeitos sobre o mercado de trabalho - estima-se que 150 mil
trabalhadores do cacau estejam desempregados. Mais particularmente ainda, ela trata das duas
formas emergentes de organização do trabalho acima referidas, do ponto de vista da
flexibilidade desse mercado.
Uma das características da flexibilidade é o aparecimento de diferentes relações de trabalho.
Segundo Boyer (1986), a noção de flexibilidade do trabalho é ambígua porquanto as relações
estão sempre mudando de forma, daí a existência de várias taxonomias ou classificações
científicas. Para precisar melhor, Brunhes (1989) propõe uma taxonomia que distingue a
flexibilidade quantitativa da flexibilidade funcional:
”A primeira designa a possibilidade de adaptar o volume de emprego e horas
trabalhadas às variações da atividade das empresas por meio de demissões e
terceirização de uma parte da produção. A segunda, de natureza mais
qualitativa, concerne à capacidade de organização da produção e do trabalho,
bem como as relações sociais no seio das empresas, para que elas se adaptem
às variações do volume e da composição da demanda.“(pg.236)
Ao adotar essa mesma taxonomia para compreender a flexibilidade do trabalho em economias
emergentes, Jetin (1998) adverte que a flexibilidade quantitativa e funcional podem satisfazer o
mesmo objetivo das empresas; todavia, esses dois tipos de flexibilidade só podem ser
compreendidos quando relacionados um com o outro:
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* Aluna regular do Curso de Mestrado da UFBA, bolsista da CAPES, Brasília.
** Professor da UFBA, bolsista da CAPES, Brasília.
”Mais precisamente, a flexibilidade quantitativa se distingue pela introdução da
disciplina do mercado de trabalho no seio da empresa. Assim, quanto maior for o
desemprego, maior será a pressão para a queda dos salários e as condições de
emprego no seio da empresa será forte.“(pg 2)
A crise estrutural e o desemprego em massa dos trabalhadores do cacau criaram as précondições para o surgimento de diversas formas emergentes de organização do trabalho. De
acordo com Jetin, ӎ a flexibilidade quantitativa que determina a que custo e segundo quais
modalidades a flexibilidade funcional poderá se desenvolver no seio das empresas“ (pg.2).
A seguir, apresentam-se as características dos sistemas arista e nova parceria, duas formas
emergentes de flexibilidade funcional do trabalho, bem como a metodologia adotada e os
resultados obtidos pela pesquisa, concluindo-se com algumas perspectivas para as empresas
que praticam esses sistemas.
O sistema arista, baseia-se num contrato de emprego comum fixado com a assinatura da
carteira do trabalhador, pelo proprietário de terra; consiste na divisão dos campos de cultura
permanente em pequenas áreas delimitadas para atuação do trabalhador-arista. A nova parceria,
por sua vez, é amparada pelo Estatuto da Terra (Lei nº 4.504 de 30.11.64); consiste num
contrato de natureza civil em que o trabalhador rural (parceiro outorgado) e o proprietário da
terra (parceiro outorgante) dividem os resultados da produção, seja este de lucro ou prejuízo,
incorrendo, desta forma, nos riscos das vicissitudes econômicas e/ou climáticas.
Os resultados desta pesquisa de campo - que faz parte de um projeto mais abrangente, apoiado
pelo CNPq - foram produzidos a partir dos estudos de caso de duas empresas visitadas, aqui
denominadas unidade A e unidade B. A primeira fazenda pertence a um grande grupo
econômico (quarto no ranking nacional em faturamento no setor alimentício e atuante nos
segmentos da agroindústria e da comunicação). A segunda integra um grupo econômico com
atuação significativa na produção de celulose, no Estado da Bahia.
Os dados, originários dos demonstrativos de resultados do exercício de 1997, para cada uma
dessas unidades de produção, referem-se à lavoura cacaueira, a qual está significativamente
presente nas duas unidades de análise. Comparam-se, sob a ótica do capital, os resultados
obtidos nas unidades A e B que adotam sistemas diferenciados de organizar o trabalho e a
produção.
A análise comparativa dos resultados econômicos só é viabilizada pelo fato de que o
subsistema de cultivo do cacau não apresenta uma diferenciação significativa quanto ao
aspecto tecnológico, ao utilizarem o mesmo pacote - o ”pacote tecnológico da CEPLAC“.
Ademais, as duas empresas vêm desenvolvendo seleção de clones próprios baseados no
germoplasma formado no Centro de Pesquisas do Cacau, tendo em geral os clones escavinas
como principal fonte de resistência.
O SISTEMA ARISTA
O sistema arista é uma forma de gestão do trabalho rural agrícola que se dá com a divisão da
parte produtiva da fazenda em pequenas áreas (daí a origem do conceito) com 5 a 7 ha, ficando,
cada uma, sob a responsabilidade de um único trabalhador multi-especializado: o arista
encarregado de controlar todas as atividades do processo de produção na sua área delimitada.
O arista é fiscalizado diariamente pelo chefe de turma que está sempre a exigir a obtenção de
um rendimento físico cada vez maior, o que possibilita a classificação dos trabalhadores de
acordo com seu desempenho. Eles são rigorosamente avaliados através da atribuição de notas
baseadas em critérios de assiduidade no trabalho, quantidade produzida, qualidade, domínio e
disciplina. Trevisan & Ferreira (1993) estudaram o desempenho do arista através do tempo em
termos de assiduidade, quantidade e qualidade no trabalho realizado. De acordo com esses
autores, o desempenho do trabalhador cai através do tempo, ”revelando uma fragilidade do
sistema em atender às expectativas do trabalhador, as quais refletiriam no desinteresse,
desânimo e finalmente queda de produtividade“(pg.249). Ainda segundo Trevisan & Ferreira,
há indicações de que o sistema arista reduz o número dos trabalhares em torno de 20% com
relação ao antigo sistema - o assalariamento tradicional.
O contrato de trabalho, ainda baseado na CLT, mantém todos os vínculos empregatícios de
um trabalhador comum, com direitos a férias e a décimo terceiro. Geralmente a remuneração
do arista não ultrapassa um salário mínimo e meio. Nesse valor já estão contabilizados os
ganhos provenientes das premiações por produtividade, que raramente ultrapassam 30% do
piso mínimo. Essa nova forma de remuneração altera a cadência do trabalho que passa a ser
multi-especializado.
Se, para o trabalhador-arista, o sistema de premiação estimula o trabalho, para o proprietáriocapitalista representa um mecanismo de diminuição de custos. Os gastos com a premiação
ficam muito aquém dos resultados obtidos com o trabalho excedente desempenhado pelo
arista que, na maioria das vezes ainda conta com a contribuição de outros membros da família
na atividade da lavoura.
A empresa aqui estudada - unidade A - possui uma área de 1.151 ha distribuídos da seguinte
forma: 360 ha de cacau, 680 ha de pastagem, 70 ha de mata nativa onde ainda se encontram
jacarandás, jequitibás e outras espécies, destinando-se os restantes 40 ha para instalações e
casas.
Na propriedade existem 45 casas residenciais para os trabalhadores-aristas, além da sede da
fazenda, escola primária, escritório administrativo e um clube com parque aquático.
Atualmente encontram-se na Fazenda 57 trabalhadores-aristas que recebem mensalmente
salário mínimo mais gratificações de 10% além da possibilidade de premiação de mais de 15%,
caso seja considerado um dos 6 aristas destaque do mês. Para receber essas gratificações, o
trabalhador tem que obter uma nota mínima 7 nas avaliações diárias. O arista ainda pode obter,
no fim do ano, uma participação de 3% a 7% sobre o lucro apresentado por sua quadra, a
depender da eficiência produtiva que esta apresente. Os estímulos dados aos aristas não se
limitam a incentivos financeiros incluindo-se, também, a distribuição de leite, além da
possibilidade de lazer e a participar de bingos nos finais de semana, quando os aristas
concorrem a relógios e botas, dentre outros objetos.
Diferentemente das demais empresas que adotam o sistema arista, a unidade A não divide a
área produtiva em hectares e sim por número de cacaueiros produtivos. A divisão fica, desta
forma, dependente da maior ou menor densidade de pés de cacau. A área produtiva apresenta
em média 837 pés de cacau por hectare (95% híbridos e 5% comuns), com pouco
sombreamento de mata nativa.
Com relação à comercialização de amêndoas de cacau, a unidade A, não direciona a produção
para nenhuma cooperativa, sendo vendida diretamente a firmas como Nestlé, Cargil e Manoel
Chaves.
A NOVA PARCERIA
A nova parceria no cacau consiste em uma gestão específica do trabalho rural, com base formal
no conceito de parceria agrícola definido pelo Estatuto da Terra. É uma forma de organizar o
trabalho e a produção, sendo estabelecidos vínculos produtivos entre o proprietário-capitalista1
(parceiro outorgante) e o trabalhador-parceiro (parceiro outorgado) através de um contrato de
trabalho de natureza civil firmado pelas duas partes. Nessa nova parceria, o proprietáriocapitalista cede a área cultivada com cacaueiros ao trabalhador-parceiro, o que lhe permite a
exploração da atividade, em todas as suas etapas, mediante partilha dos riscos e dos frutos. O
sistema de parceria no cacau pressupõe o fracionamento das propriedades em glebas que
variam de 5 a 10 hectares, conforme o caso, sob a responsabilidade de um trabalhador-parceiro
multi-especializado.
Quanto aos prazos de contrato de parceria, desde que não convencionados pelas partes, deve
ser no mínimo de três anos, assegurado ao trabalhador-parceiro direito à conclusão da colheita
pendente. No caso observado da nova parceria no cacau, os contratos firmados geralmente têm
vigência de um ano.
Ao adotar o sistema de parceria, a empresa não envolve somente o parceiro no processo
produtivo, mas, indiretamente, todo o seu grupo familiar, além dos eventuais subcontratados.
A unidade B aqui estudada adota o sistema de parceria há 18 anos. Ela encontra-se instalada
em uma grande propriedade com uma área total de 3.700 ha distribuída de seguinte forma:
1.030 ha de mata nativa, 300 ha de pastos, 400 ha de cacau, 600 ha de cacau consorciado com
seringa, 40 ha de pupunha, 20 ha de guaraná, ficando 1.310 ha restantes ocupados por
instalações, estradas, casas residenciais e alguma reserva.
Na propriedade encontram-se 200 casas de alvenaria para os trabalhadores e suas famílias,
além de escola primária. São 115 glebas, de aproximadamente 5 ha, distribuídas entre 113
parceiros. Estes são organizados em cooperativa através da qual se faz a intermediação com a
administração, além da comercialização da quota-parte da produção pertinente ao parceiro.
Embora a sede da cooperativa esteja situada na própria unidade B, a sua área de atuação
ultrapassa os limites do município, estendendo-se a outros adjacentes. A ela pode associar-se
qualquer agricultor que exerça atividade dentro do campo de ação da cooperativa.
Embora este estudo trate apenas da lavoura cacaueira, o sistema de parceria da unidade B não
se limita a essa atividade, cuja quota-parte destinada ao trabalhador parceiro é de 40,15%.
Outras atividades de cultivo têm também as suas quotas-parte, como o látex de seringueira,
cabendo ao trabalhador-parceiro 41,37% do valor da respectiva produção. As quotas-parte de
pupunha e banana correspondem a 50%. A unidade B possui 25 cabeças de gado, mas não há
comercialização significativa de bovinos, sendo o leite distribuído para os trabalhadores locais e
suas famílias.
METODOLOGIA
A metodologia utilizada na pesquisa baseia-se na análise-diagnóstico de sistemas agrários,
particularmente proposta nos textos de Groppo (1991) e Dufumier (1997). Essa análise
possibilita identificar, preliminarmente, como se organiza o trabalho e a produção. Ela permite
também a elaboração de uma tipologia da unidade de produção através da análise de seus
subsistemas, sejam estes de cultivo ou de criação. Todavia, no presente caso, a análise
restringe-se ao subsistema de cultivo do cacau, predominante nas duas unidades, conforme
anunciado anteriormente. Em decorrência, as informações coletadas referem-se à receita
agrícola obtida com a atividade cacaueira e aos gastos proporcionais à sua respectiva área
plantada, como o consumo intermediário, impostos e taxas pagos, remuneração de
trabalhadores, amortização parcial de financiamentos obtidos e inventário.
A análise-diagnóstico pode ser conduzida de acordo com dois pontos de vista: do trabalho
familiar, sejam os trabalhadores parceiros ou aristas, e da empresa capitalista, no caso, do
empresário inovador. Para efeito desta comunicação, adotou-se a segunda opção, sendo cada
empresa considerada uma unidade mesoeconômica, envolvendo o trabalho de várias famílias,
portanto, um sistema de produção.
Para o cálculo econômico e análise dos resultados obtidos pelas duas empresas, em 1997, que
se encontram resumidos no quadro anexo, foi utilizado o modelo de análise-diagnóstico de
sistemas agrários de Dufumier (1996):
VAN = PB - CI - Am
sendo
VAN = valor agregado líquido (I)
PB = produto bruto anual = valor da produção final (exclusive produção intermediária
reutilizada na exploração agrícola)
CI = valor dos bens de consumo intermediário anual
Am = amortização econômica do capital fixo = depreciação anual dos equipamentos,
e
R = VAN + Sub - Int - RF - Imp - Sal (II),
em que
R = rendimento agrícola da unidade produtiva
Sub = subvenções agrícolas recebidas pela unidade produtiva
Int = Juros dos empréstimos (custos financeiros)
RF = renda fundiária
Imp = taxas e impostos (diretos e indiretos) pagos ao Estado
Sal = salários pagos aos trabalhadores
Duas outras condições foram também consideradas imperativas para os estudos de caso.
Tratando-se de uma análise comparativa de dois modelos de flexibilidade e gestão do trabalho
e da produção, portanto, de duas inovações organizacionais, a tecnologia adotada nas duas
empresas é praticamente a mesma e não varia.
Tendo-se utilizado apenas os indicadores referentes à atividade cacaueira, esta deve ser
predominante, para que os resultados sejam significativos e representativos; nos dois casos
aqui estudados, o faturamento com a comercialização de amêndoas de cacau situa-se em torno
de 85% da receita total das empresas.
________________________
1 O proprietário-capitalista é um empresário que detém a propriedade da terra e do capital. Importa no
presente caso a fração correspondente ao capital constante que é representado, particularmente, pela lavoura
permanente de cacau (e/ou outras culturas) e as instalações concernentes visando ao beneficiamento e à
comercialização da produção.
APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS
No caso da unidade B (sistema de parceria), a venda da produção de cacau no ano de
1997 correspondeu a R$ 811.969,00, sendo que essa receita representou 84% da receita
agrícola total da empresa (as demais culturas: seringa, banana, pupunha obtiveram uma
participação, na receita agrícola, de 10,49%, 3,50%, 1,54% respectivamente; a participação da
pimenta malagueta não chegou a ser relevante). O rendimento físico do cacau vem se
apresentando estável nos últimos quatro anos, em torno de 35 arrobas/ha/ano.
Na unidade A (sistema arista), foi obtida uma receita com cacau equivalente a R$
237.162,43, em 1997. Apesar de o valor da produção de cacau representar atualmente 85,22%
da receita agrícola total da empresa, observa-se que o rendimento físico vem declinando ao
longo dos anos, tendo alcançado 29 arrobas/ha/ano em 1997. Nessa mesma unidade já havia
sido constatado, em anos anteriores, um rendimento físico de 40 arrobas/ha/ano, quando do
início da adoção do sistema arista. A segunda atividade econômica da unidade A é a pecuária
bovina, respondendo por apenas 14,78% do faturamento da empresa.
O quadro anexo apresenta, resumidamente, os resultados obtidos para as unidades A e
B, no ano de 1997, referentes às receitas, custos de produção e reembolso dos financiamentos
obtidos. O consumo intermediário refere-se a gastos com combustível e lubrificante;
ferramentas e utensílios; insumos de alta produtividade e despesas de beneficiamento com o
cacau. Foram considerados como consumo intermediário não proporcional à área do cacau
gastos com telefone, consumo de luz, material de expediente, etc. Os impostos e taxas
proporcionais referem-se a pagamentos de COFINS, PIS, Previdência Social Rural e ITR. Os
impostos não proporcionais referem-se a contribuições sindical (empregado e empregador) e
social, IRPJ, taxas e emolumentos diversos.
Foram considerados para depreciação2 do inventário não proporcional à área de cacau
as benfeitorias e edificações rurais, as instalações, máquinas/motores e equipamentos diversos.
A depreciação proporcional à área refere-se à depreciação do cacaual.
Na unidade B, os gastos com remuneração proporcionais à área do cacau, além da mão-deobra avulsa, referem-se a 40,15% da quota-parte do trabalhador-parceiro, cabendo à empresa
51,99% da produção, 3,35% de remuneração do investimento e 4,49% para cobertura de
despesas operacionais inerentes ao processo produtivo. Quanto à unidade A, 6% dos gastos
com remuneração dos aristas e outros trabalhadores referem-se a pagamentos de premiações
por produtividade. Essa unidade não obteve nenhum financiamento nos últimos anos, seja
para controle da vassoura-de-bruxa, seja para melhoria das instalações e equipamentos.
Por outro lado, a unidade B obteve em julho de 1996 e julho de 1997 crédito para o combate à
vassoura-de-bruxa totalizando R$ 463.897,72 e também em outubro de 1996 para a compra de
tratores no valor de R$ 40.599,00. Para efeito desta análise não foram considerados os gastos
referentes ao pagamento de parcelas do financiamento para o controle da vassoura-de-bruxa
por estar, no ano de 1997, em período de carência. Em janeiro deste ano, a unidade B efetuou
o primeiro reembolso parcial. Os dados revelaram, para a unidade B, que a receita obtida pela
lavoura cacaueira foi suficiente para cobrir os custos de produção proporcionais e não
proporcionais à área com cacau, gerando um retorno de R$ 248.308,53 para o empresário. A
unidade A, ao contrário, obteve no ano de 1997 uma receita insuficiente para cobrir os custos
de produção, o que acarretou em prejuízo para o empresário (ver gráfico). Segundo
informações da gerência, tanto no subsistema de cultivo do cacau quanto no sistema de
criação, a receita não foi suficiente para cobrir os custos de produção no exercício de 1997.
Sob a ótica do trabalhador, Couto et alli (1997), concluíram que os aristas possuem um nível de
renda que os mantêm numa faixa salarial abaixo de dois salários mínimos, impossibilitandolhes alcançar o progresso socioeconômico e a valorização do seu patrimônio familiar. Quanto
aos novos parceiros, esses mesmos autores revelam que algumas famílias conseguem ultrapassar o
nível de pobreza, podendo até vislumbrar alguma mobilidade social.
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2 Os critérios utilizados para a depreciação foram os seguintes:
- benfeitorias, edificações rurais e lavouras permanentes: 4% anuais sobre o imobilizado com uma vida útil de
25 anos;
- instalações, máquinas, equipamentos, motores, móveis e utensílios: 10% anuais com vida útil de 10 anos;
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O sistema arista foi adotado em algumas fazendas da região cacaueira com o objetivo de
aumentar o rendimento físico que havia sido rebaixado desde o início da última crise estrutural.
Os resultados econômicos e sociais obtidos no começo da sua implantação criaram uma
expectativa de que o sistema seria sustentável, no longo prazo, como forma de organizar o
trabalho e a produção. De fato, observou-se que os primeiros aumentos no rendimento físico
compensavam a mudança do antigo sistema (assalariamento tradicional) graças, em boa parte,
ao ritmo, à intensidade e à polivalência do trabalho - características principais dos sistemas
emergentes. Na verdade, o que se pode constatar ao longo dos anos - e os resultados desta
comunicação apenas confirmam essa tendência - é que o sistema arista não vem apresentando
sustentabilidade econômica no longo prazo. Do lado social, observou-se que os aristas que já se
encontram há algum tempo no sistema, tiveram reduzida a produtividade do seu trabalho. Os
estímulos sob a forma de premiações sobre a produtividade apenas refletem a existência de um
sobretrabalho (o arista tem que ser polivalente e exercer multi-especialidades) que acabaram se
traduzindo na diminuição de desempenho ao longo dos anos. Esse fato foi agravado ainda
mais pela impossibilidade das famílias progredirem social e economicamente. Como não
poderia deixar de ser, a queda do desempenho afetou também a receita da empresa, cuja
produção cai, ao tempo em que também se elevam os custos de produção.
Quanto à nova parceria adotada por alguns fazendeiros, técnicos extensionistas rurais noticiam
que eles estão conseguindo obter maior eficiência no processo produtivo após a adoção do
sistema, particularmente ganhos de rendimento físico por unidade de área. Diferentemente do
sistema arista, a parceria reproduz alguma expectativa de progresso e mobilidade social. Do
lado do parceiro-outorgante, em meio à crise, o sistema representa uma oportunidade de
valorização dos retornos financeiros proporcionados pelo bom rendimento físico observado
nas quadras. Apesar de o trabalhador-parceiro ser induzido a um ritmo de trabalho constante e
estressante - caracterizando precarização, tal como ocorre na maioria das relações emergentes , ele é tratado como uma espécie de sócio-parceiro e não mais como um trabalhador tradicional.
Esse fato não deixa de operar um certo efeito psicológico. Assim, podem recair sobre si
algumas conseqüências das vicissitudes econômicas e climáticas que condicionam a sua
margem de lucro, sem deixar de criar, de certa forma, uma maior expectativa de elevação de
sua renda, o que lhe possibilita acumular riquezas, valorizando o seu patrimônio familiar.
Frente aos riscos inerentes ao próprio sistema, os novos parceiros buscam cada vez mais a
diversificação da produção, através de outros subsistemas de cultivo e/ou de criação.
Finalmente, convém lembrar que o estudo dessa estratégia (de diversificação) constitui uma
outra etapa da pesquisa, ainda em andamento.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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BRUNHES, B. La flexibilité du marché de travail. Paris: OCDE, 1989.
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n.0, p.28-36, nov. 1995.
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Nordeste, Fortaleza, v.28, n. especial, jul. 1997, p.401-415.
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trabalhador rural, no cultivo do cacau. In: Congresso Brasileiro de Economia e Sociologia
Rural, 31, v.1, Anais... Ilhéus, BA, 2-5 ago. 1993.
Demonstrativo de receita e custos da unidade B e A - 1997
(Reais-R$)
unidade B
unidade A
1.Receita Total
811.969,00
237.162,43
2.Consumo
intermediário 115.203,76
31.559,00
proporcional a área do cacau
3.Consumo intermediário
25.699,08
11.521,14
não proporcional a área do
cacau
4. Impostos proporcionais a área 40.026,51
15.962,92
do cacau
5.Impostos não proporcionais a 14.302,91
6.784,78
área do cacau
6.depreciação proporcional a 45.999,19
48.000,00
área do cacau
7.depreciação não proporcional 48.411,62
20.003,00
a área do cacau
8.remuneração proporcional a 351.889,01
149.178,49
área do cacau
9.remuneração não proporcional 186.608,56
40.696,00
a área do cacau
10.
despesas
com 10.542,03
financiamentos proporcionais à
área do cacau
11.despesas
com financiamentos
não
proporcionais a área do cacau
Fonte: Pesquisa direta nas unidades B e A
LUCRO DO EMPRESÁRIO DA UNIDADE B
PREJUÍZO DO EMPRESÁRIO DA UNIDADE A

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