de santos (s. joão de deus) a médico (juliano moreira)

Transcrição

de santos (s. joão de deus) a médico (juliano moreira)
REVISTA BAIANA DE SAÚDE PÚBLICA
Órgão Oficial da Secretaria da Saúde do Estado da Bahia
EXPEDIENTE
Paulo Ganem Souto – Governador do Estado da Bahia
José Antônio Rodrigues Alves – Secretário da Saúde
Márcia Sampaio Oliveira – Superintendente da SHRS
José Carlos Barboza Filho – Diretor da Escola Estadual de Saúde Pública
ENDEREÇO •
EDITORA GERAL •
EDITORES ASSOCIADOS •
Rua Conselheiro Pedro Luiz, 171 – Rio Vermelho
Caixa Postal 631 CEP 41950-610 Salvador – Bahia Brasil
Tels: 71 3334-1888 / 3334-0428 Fax: 71 3334-2230
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Disponível no site: www.saude.ba.gov/rbsp/
Lorene Louise Silva Pinto
Álvaro Cruz – UFBA
Carmen Fontes Teixeira – UFBA
Joana Oliveira Molesini – SESAB/UCSAL
José Carlos Barboza Filho – SESAB/UCSAL
Luis Eugênio Portela Fernandes de Souza – UFBA
Marco Antônio Vasconcelos Rego – UFBA
CONSELHO EDITORIAL •
Ana Maria Fernandes Pitta –USP
Cristina Maria Meira de Melo – UFBA
Eliane Elisa de Souza Azevedo – UEFS-BA
Eliane Souza Silva – UFBA
Emanuel Sávio Cavalcanti Sarinho – UFPE
Fernando Martins Carvalho – UFBA
Heraldo Peixoto da Silva – UFBA
Jacy Amaral Freire de Andrade – UFBA
Jaime Breilh – CEAS – EQUADOR
Jiuseppe Benitivoglio Greco – EBMSP – BA
José Tavares Neto – UFBA
Luis Roberto Santos Moraes – UFBA
Maria do Carmo Soares Freitas – UFBA
Maria do Carmo Guimarães – UFBA
Maria Conceição Oliveira Costa – UEFS
Maria Isabel Pereira Viana – UFBA
Marina Peduzzi – UNICAMP-SP
Mitermayer Galvão dos Reis – FIOCRUZ-BA/ UFBA
Paulo Augusto Moreira Camargos – UFMG
Paulo Gilvane Lopes Pena – UFBA
Rafael Stelmach – HC – SP
Raimundo Paraná – UFBA
Reinaldo Martinelli – UFBA
Ricardo Carlos Cordeiro – UNESP
Ronaldo Ribeiro Jacobina – UFBA
Rosa Garcia – UFBA
Sérgio Koifman – ENSP/FIOCRUZ
Vera Lúcia Almeida Formigli – UFBA
SECRETÁRIA EXECUTIVA •
Lucitânia Rocha de Aleluia
ASSISTENTE •
BIBLIOTECÁRIA •
PROJETO GRÁFICO •
REVISÃO E NORMALIZAÇÃO
DE ORIGINAIS
Bárbara Dias
Ivone Silva Figueredo
PAMDESIGN
• Maria José Bacelar Guimarães
TRADUÇÃO/REVISÃO INGLÊS •
EDITORAÇÃO/IMPRESSÃO •
Nadja Ferreira Pinheiro
EGBA
Periodicidade – Semestral
Triagem – 1.500 exemplares
Distribuição – gratuita
ISSN: 0100-0233
Governo do Estado da Bahia
Secretaria da Saúde do Estado da Bahia
INDEXAÇÃO
Periódica: Índice de Revistas Latinoamericanas en Ciências (México)
Bibliografia Brasileira de Medicina
Informação para Saúde: Brasília
Informação para Saúde: Rio Grande do Sul
LILACS - SP - Literatura Latinoamericana en Ciências de La Salud - Salud Pública, São Paulo
Capa: detalhe do portal da antiga Secretaria da Saúde do Estado da Bahia (Solar do século XVIII).
Fotos: Paulo Carvalho e Rodrigo Andrade (detalhes do portal e azulejos).
Revista Baiana de Saúde Pública é associada à
Associação Brasileira de Editores Científicos
Revista Baiana de Saúde Pública / Secretaria da Saúde
do Estado da Bahia. v.30, n.1, jan./jun., 2006.
Salvador: Secretaria da Saúde do Estado da Bahia, 2006.
Semestral.
ISSN 0100-0233
1. Saúde Pública - Bahia - Periódico. I. Título
CDU 614 (813.8) (05)
2
S
U
EDITORIAL
ARTIGOS
M
Á
R
I
....................................................................................................................................................................................................
O
5
ORIGINAIS
A ENFERMEIRA E A EDUCAÇÃO EM SAÚDE:
ESTUDO DE UMA REALIDADE LOCAL ......................................................................................................................................................................................
Ana Paula Chancharulo de Morais Pereira
Maria Lúcia Silva Servo
DE SANTO (S. JOÃO DE DEUS) A MÉDICO (JULIANO MOREIRA):
ANÁLISE HISTÓRICA DO MANICÔMIO ESTATAL NA BAHIA (1930-1937) ...........................................................................................................
Ronaldo Ribeiro Jacobina
CARACTERÍSTICAS DO ATENDIMENTO COMO FATOR DE PROGNÓSTICO PARA AMPUTAÇÃO
DE MEMBROS INFERIORES EM HOSPITAIS PÚBLICOS DE SALVADOR, BAHIA ....................................................................................................
Annibal Muniz Silvany Neto
João Luiz Barbosa Nunes
Rachel Silvany Quadros
CARACTERÍSTICAS DOS PORTADORES DE EPILEPSIA INTERNADOS NOS SERVIÇOS PSIQUIÁTRICOS
DA REDE PÚBLICA DO ESTADO DA BAHIA ...........................................................................................................................................................................
Antonio Reinaldo Rabelo
Mina Modesto Rabelo
Bernardo Rodrigues
Eduardo Cardoso
Ailton Melo
PREVALÊNCIA
DE DOR MUSCULOESQUELÉTICA
Claudia Cerqueira Graça
Tânia Maria de Araújo
Cruiff Emerson Pinto Silva
ACIDENTES
TRABALHO COM ÓBITO
Norma Suely Souto Souza
Bartira Gomes Portinho
Márcia Falcão Barreiros
DE
EM
REGISTRADOS
19
39
50
CIRURGIÕES-DENTISTAS ..................................................................................................
59
EM
77
JORNAIS
NO
ESTADO
DA
BAHIA .................................................................
CONHECIMENTO DA AGENDA ESTADUAL DE SAÚDE PELOS DIRETORES E COORDENADORES DE
SERVIÇO DOS DISTRITOS SANITÁRIOS DE BROTAS E SUBÚRBIO FERROVIÁRIO ............................................................................................
Maria Romana Amorim da Costa
Maridete Simões de Castro Cunha
Nívia Martins Menezes
Silvana Márcia Pinheiro Santos Coelho
Maria Helena Rios
ESTRUTURAÇÃO DA ÁREA DE RECURSOS HUMANOS DA SECRETARIA DA SAÚDE NA BAHIA DE 1974 – 2004 ...............................
Lucitania Rocha de Aleluia
Olívia Kauark Couto
Telma Dantas Teixeira de Oliveira
FATORES ASSOCIADOS À INTERRUPÇÃO DO ALEITAMENTO MATERNO NAS CRIANÇAS
MENORES DE SEIS MESES DE IDADE, DA CIDADE DE RIO BRANCO (ACRE) ........................................................................................................
Maria Gerlívia de Melo Maia
José Tavares-Neto
Rita de Cássia Franco Rêgo
Pascoal Torres Muniz
EMENDA CONSTITUCIONAL – EC Nº 29/2000:
O CUMPRIMENTO PELOS MUNICÍPIOS DO ESTADO
Maria Letícia Bonfim Andrade
Renato Sena Gomes Júnior
Tânia Margarida de Novaes Rocha
Joana Angélica Oliveira Molesini
7
DA
BAHIA,
2000
A
2003 ..............................................................................................
90
105
129
141
ARTIGO DE REVISÃO
O VÍRUS DA HEPATITE C COMO CAUSA DE MIOCARDIOPATIA DILATADA IDIOPÁTICA:
UMA REVISÃO DE LITERATURA ...................................................................................................................................................................................................
Francisco Reis, Manoela Oliveira,
Leandro Eloy, Carolina Rios,
Sálvia Canguçu, Nei Dantas, Raymundo Paraná
154
RELATO DE EXPERIÊNCIA
RODA DA SAÚDE, ARTICULANDO SABERES:
UMA EXPERIÊNCIA DA UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA NO DISTRITO SANITÁRIO
DO CABULA -BEIRU, S ALVADOR, BAHIA .................................................................................................................................................................................
Josenaide Engrácia dos Santos
Marluce de Oliveira Brito Meira
161
AVALIAÇÃO
169
DE
MÉTODO PARA RASTREAMENTO E CONTROLE DE
Marco Antônio Mota Gomes, Annelise Costa Machado Gomes,
José Narciso Gonçalves de Vasconcelos, Sonia de Moura Silva,
Lucélia Batista Neves Cunha Magalhães
HIPERTENSOS .........................................................................................
HIPERTENSÃO EM UMA UNIDADE DE SAÚDE DO SUS:
ORIENTAÇÃO PARA O AUTOCUIDADO ................................................................................................................................................................................
Cátia Andrade Silva, Camila Wanderley,
Emilia Rocha, Fabricia Santos,
Izabel Martins, Lenise Bastos,
Mariana Sacramento
179
RESUMOS DE DISSERTAÇÃO
CARACTERIZAÇÃO DOS SERVIÇOS DE SAÚDE PRIVADOS DO MUNICÍPIO DE FEIRA
DE SANTANA – BAHIA ......................................................................................................................................................................................................................
189
Maria de Fátima de Almeida Cruz
ESTUDO DA UTILIZAÇÃO DE SERVIÇOS DE SAÚDE POR MÃES E CRIANÇAS NO PRIMEIRO ANO
DE VIDA – CENTRO DE SAÚDE ESCOLA DE BOTUCATU – SP ....................................................................................................................................
Alice Yamashita Prearo
191
4
Revista Baiana
de Saúde Pública
E
D
I
T
O
R
I
A
L
A presente edição da Revista Baiana de Saúde Pública ainda não é um número
temático, como desejado por alguns e sugerido por outros. Entretanto aborda temas relevantes
para a prevenção e o controle de doenças e para a saúde pública em geral como grande área
temática, com a participação cada vez mais significativa dos técnicos da área de saúde. Nos
Artigos Originais, os leitores encontrarão aspectos relacionados a:
– desempenho do profissional de enfermagem nas ações de educação em saúde,
no artigo A Enfermeira e a Educação em Saúde: Estudo de uma Realidade Local;
– primeira parte do estudo da prática psiquiátrica na Bahia, enfatizando o Hospital
Juliano Moreira (HJM), de 1930-1947, com a descrição e análise das crises e reformas do
sistema psiquiátrico na Bahia, concentradas no manicômio estatal, no artigo De Santo (S. João
de Deus) a Médico (Juliano Moreira) – Análise Histórica do Manicômio Estatal na Bahia (19301937);
– importante evento sentinela e sua relação não só com a doença que lhe
antecede, mas com as formas de cuidado e atenção pelos serviços de saúde, expostos no
artigo Características do Atendimento como Fator de Prognóstico para Amputação de Membros
Inferiores em Hospitais Públicos de Salvador-Bahia;
– condições que podem orientar abordagens e cuidados aos portadores da
doença, no artigo Características dos Portadores de Epilepsia Internados nos Serviços
Psiquiátricos da Rede Pública do Estado da Bahia;
– trabalho e ocupações estão presentes no artigo Prevalência da Dor
Musculoesquelética em Cirurgiões Dentistas;
– divulgação de acidentes de trabalho em jornais locais, catalogados por um
centro de referência, e sua importância como fonte de investigação, no artigo Acidentes de
Trabalho com Óbito Registrados em Jornais no Estado da Bahia;
– agenda de saúde pactuada entre aqueles que compõem a gestão da saúde,
colocada como de grande relevância para a organização das ações no sistema de atenção e
cuidados, no artigo Conhecimento da Agenda Estadual de Saúde pelos Diretores e
Coordenadores de Serviços dos Distritos de Brotas e Subúrbio Ferroviário;
– história da área de RH da SESAB, por meio de revisão documental e entrevistas
com técnicos que passaram pela área, no artigo Estruturação da Área de Recursos Humanos da
Secretaria da Saúde na Bahia de 1974 a 2004;
5
– importância da amamentação e fatores que interferem em sua continuidade
são analisados em uma cidade da região Norte do Brasil e apresentados no artigo Fatores
Associados à Interrupção do Aleitamento Materno nas Crianças Menores de seis Meses de
Idade na Cidade de Rio Branco-Acre;
– cumprimento da Emenda Constitucional 29 pelos municípios baianos,
importante instrumento de vinculação orçamentária para o setor saúde, se faz presente no
artigo Emenda Constitucional – EC 29/2000: o Cumprimento pelos Municípios do Estado da
Bahia, 2000-2003;
Na categoria Artigo de Revisão, temos o artigo O vírus da Hepatite C como
Causa de Miocardiopatia Dilatada Idiopática: uma Revisão de Literatura, que aborda a
participação do vírus da hepatite C como causa de outros estados mórbidos, considerando a
forma ágil como a transmissão do vírus vem acontecendo.
Os Relatos de Experiência tratam de aspectos relacionados aos saberes e práticas
no cotidiano das equipes de saúde e a participação da população no processo de produção do
cuidado: Roda da Saúde, articulando saberes: uma experiência da Universidade do Estado da
Bahia no Distrito Sanitário do Cabula-Beiru, Salvador – Bahia, Avaliação de Método para
Rastreamento e Controle de Hipertensos e Hipertensão em uma Unidade de Saúde do SUS:
Orientação para o Autocuidado.
Finalizamos nosso número com dois resumos de dissertações de mestrado:
Caracterização dos Serviços de Saúde Privados do Município de Feira de Santana-Bahia; e
Estudo da Utilização de Serviços de Saúde por Mães e Crianças no Primeiro Ano de Vida –
Centro de Saúde Escola de Botucatu-SP.
Na expectativa de que possamos ampliar cada vez mais a participação de técnicos
e docentes de outros Estados e consolidar a RBSP como um importante veículo de informação
e formação, aguardamos todos que desejem contribuir com a construção de um sistema de
saúde mais justo e humano.
SEJAM BEM VINDOS
Lorene Pinto
Editora geral
6
ARTIGO ORIGINAL
Revista Baiana
de Saúde Pública
A ENFERMEIRA E A EDUCAÇÃO EM SAÚDE:
ESTUDO DE UMA REALIDADE LOCAL a
Ana Paula Chancharulo de Morais Pereirab
Maria Lúcia Silva Servoc
Resumo
Este estudo teve como objetivo analisar a conformação da prática de educação para
a saúde, realizada pela enfermeira nas Unidades Básicas de Saúde (UBS) de Feira de Santana,
Bahia, Brasil, a partir das concepções teóricas de educação para a saúde. Tratou-se de uma
pesquisa de abordagem qualitativa, da qual participaram sete enfermeiras. Para a coleta de dados,
foram utilizadas as técnicas de entrevista semi-estruturada e observação sistemática. A análise dos
dados foi feita através da técnica de análise de conteúdo, sendo identificadas duas categorias
empíricas: a concepção sobre educação para a saúde, que se fundamenta nos conceitos
tradicionais de educação e saúde, permeada pelas formas de controle, condicionamento e poder;
e a prática de educação para a saúde sedimentada na superposição de saberes e no poder técnico.
Conclui-se que a prática educativa é fortemente influenciada pela concepção teórica tradicional de
educação sanitária e pelo modelo biologicista.
Palavras-chave: Educação em saúde. Prática de saúde pública. Política de saúde.
THE NURSE AND THE HEALTH EDUCATION:
STUDY OF THE LOCAL REALITY
Abstract
This study Unit of Health (UBS) of Feira de Santana, Bahia, Brazil, had as objective
to analyze the conformation of practical of education for the health carried through for the Basic
nurse from the theoretical conceptions of education for the health. One was about a research of
a
Texto baseado em dissertação de mestrado apresentada ao Curso de Mestrado em Saúde Coletiva da Universidade Estadual
de Feira de Santana (UEFS), como requisito para obtenção do Título de Mestre em Saúde Coletiva.
b
Mestre em Saúde Coletiva. Professora Assistente do Departamento Ciências da Vida, Universidade do Estado da Bahia
(UNEB).
Doutora em Enfermagem. Professora Adjunta do Departamento de Saúde, Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS).
c
Endereço para correspondência: UNEB – Campus I, Departamento de Ciências da Vida, Colegiado de Enfermagem.
Estrada das Barreiras, s/n, Narandiba/Cabula, Salvador, Bahia, Brasil. CEP 41195-000. E-mail: [email protected].
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qualitative boarding, in which had participated seven nurses. For collection of data the techniques
of half-structuralized interview and systematic comment had been used. The analysis of the data
was made through the technique of analyzes of content being identified two empirical categories:
the conception on education for the health that if bases on the traditional concepts of education
and health permeate for the forms of control, conditioning and power; e the practical one of
education for the health sedimented in the overlapping to know and the power technician. One
concludes that practical the educative one strong is influenced by the traditional theoretical
conception of sanitary education and by the biologic’s model.
Key words: Health education. Public health practice. Health policy.
INTRODUÇÃO
O interesse em pesquisar a prática de educação em saúde surgiu das experiências
da autora como discente e docente do curso de Enfermagem da Universidade Estadual de Feira de
Santana (UEFS). Nessas ocasiões, por diversas vezes, pôde-se vivenciar a dificuldade do profissional
de saúde para desenvolver atividades educativas junto à comunidade. Atribuiu-se este embaraço à
falta de experiência prática, à dificuldade de lidar com as diferenças culturais e sociais ou, ainda, à
capacitação profissional inadequada.
A educação em saúde é uma prática amplamente utilizada nos serviços de saúde,
principalmente os da atenção básica. Ao longo do século XX, diversas concepções teóricas e
metodológicas influenciaram a prática educativa em saúde. Smeke e Oliveira1, ao analisarem o
percurso histórico das práticas e dos conceitos de educação, afirmam que as primeiras práticas
sistemáticas de educação para a saúde desenvolveram-se no final do século XIX e início do século
XX. Tais práticas emanaram da necessidade de o Estado controlar as epidemias que prejudicavam a
economia agroexportadora. Baseava-se em uma prática disciplinadora, com forte apelo aos
aspectos higienistas e normatizadores.
Durante a década de 1940, ocorreram algumas modificações no campo teórico da
educação para a saúde. A concepção que antes culpabilizava individualmente o sujeito por seus
problemas de saúde, abre espaço para um conceito que tenta envolvê-lo no processo educativo. A
educação em saúde teve seu período áureo nas décadas de 1950 e 1960, devido a sua articulação
com as políticas oficiais de educação em saúde, o que resultou em avanços institucionais
relevantes em vários campos, como a educação em saúde nas escolas, a valorização da higiene
mental, parques infantis, dentre outros2.
Nos anos de 1960, o discurso da participação comunitária na solução dos problemas
de saúde ganhou força. Para Mohr e Schall3, esta participação visava mobilizar a coletividade para
cooperar com os profissionais de saúde e os serviços de saúde. Apesar deste novo enfoque, a
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Revista Baiana
de Saúde Pública
finalidade permanecia inalterada: conscientizar o sujeito da necessidade de adotar práticas
saudáveis. Os aspectos subjetivos, culturais, sociais e econômicos continuavam desconsiderados
como determinantes do processo saúde/doença.
Durante o regime militar, a educação em saúde foi ainda mais afetada pela franca
expansão do modelo médico-privatista e da medicina curativa. Ao mesmo tempo, um outro
processo surgia na arena social: a pedagogia de Paulo Freire. Esta proposta de educação era
assimilada pelos profissionais de saúde, que, à luz das ciências humanas, revisavam suas práticas e
buscavam construir um novo projeto em saúde.
Estes movimentos criticavam as práticas educativas autoritárias e normatizadoras.
Dentre eles, pôde-se destacar o movimento da educação popular em saúde, que dizia: “O saber
popular deve ser valorizado, e o diálogo o instrumento de escolha no processo ensinoaprendizagem.” Esses movimentos iniciaram um processo de rompimento da verticalização da
relação profissional-usuário4.
Apesar do avanço significativo no campo teórico da educação em saúde, entende-se
que este não vem se traduzindo na concretude das práticas educativas, que continuam utilizando o
enfoque tradicional de educação sanitária, fundamentada no modelo biomédico e centrada na
doença. Acredita-se que a educação para a saúde pode se constituir em uma importante
ferramenta em prol da construção de uma prática sanitária que valorize a vida, os saberes
populares e, acima de tudo, tenha como paradigma o conceito social de saúde e a concepção
positiva do processo saúde-doença.
Assim, este estudo teve como objetivo analisar a conformação da prática de
educação para a saúde realizada pela enfermeira nas UBS de Feira de Santana, Bahia, Brasil.
MATERIAL E MÉTODOS
Tratou-se de um estudo de abordagem qualitativa, que teve dois pressupostos
teóricos: as práticas de educação em saúde desenvolvidas pelas enfermeiras nas UBS de Feira de
Santana acontecem dentro do cenário das políticas públicas de saúde e de educação, e se
caracterizam como demandas pontuais, focalizadas e autoritárias; as práticas de educação em
saúde desenvolvidas pelas enfermeiras nas UBS de Feira de Santana têm suas gêneses na
concepção de educação, de saúde e no paradigma sanitário hegemônico.
O contexto da pesquisa foi a cidade de Feira de Santana, localizada na divisa do
Recôncavo com o Sertão, distante 110 km da Capital do Estado, Salvador. A cidade tem no
comércio sua maior fonte de renda, seguida da indústria. No que se refere ao sistema de saúde,
Feira de Santana encontrava-se na gestão plena da atenção básica, e contava com vinte três UBS
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distribuídas na sede administrativa do município. Os serviços públicos de saúde ofertados à
população tinham como raiz organizacional a programação em saúde, permeada pelo modelo
flexineriano.
A escolha dos sujeitos da pesquisa foi intencional. Para isso, foram definidos os
seguintes critérios: enfermeiras atuantes nas UBS situadas na sede do município, em pleno
exercício profissional, e que desenvolvessem as ações do Programa de Assistência Pré-natal.
Participaram da pesquisa sete enfermeiras.
O número de participantes decorreu da saturação de dados, ou seja, a partir do
momento em que os discursos começaram a repetir-se, a coleta de dados foi encerrada. Para a
coleta, utilizaram-se duas técnicas: a entrevista semi-estruturada (aquela que parte de certos
questionamentos básicos, apoiados em teorias e hipóteses que interessam a pesquisa, e que, em
seguida, oferecem amplo campo de interrogativas)5; e a observação sistemática – modalidade da
técnica de observação –, que possui um roteiro de aspectos estabelecidos pelo pesquisador, tendo
por finalidade auxiliar na compreensão do objeto de estudo.
Essa fase da investigação durou cerca de dois meses e foi realizada pela
pesquisadora. A entrevista possuiu duas questões norteadoras: qual a sua compreensão sobre
educação para a saúde? Descreva como você realiza essa prática em seu fazer diário. Os
conteúdos das entrevistas foram gravados em fitas cassetes e as observações anotadas em um
diário de campo. A catalogação teve como critério a ordem de execução.
Para análise dos dados empíricos, optou-se pela técnica de análise de conteúdo
proposta por Bardin, apresentada por Triviños5, dentro do enfoque dialético, e composta de três
etapas básicas: a pré-análise, a descrição e a interpretação inferencial. Na primeira etapa, todo o
material empírico foi organizado, ou seja, o conteúdo das entrevistas foi transcrito e redigido, e os
registros das observações foram digitados. Na etapa seguinte, realizou-se a leitura flutuante de todo
material, para, em seguida, proceder-se a uma leitura mais profunda, que permitisse destacar
pontos pertinentes à análise acerca da conformação da prática de educação em saúde. Ao final,
foram estabelecidos quatro núcleos de sentido, determinados pela repetição de idéias.
Para facilitar a interpretação inferencial, foram elaborados dois quadros de análise
com os núcleos de sentido. No Quadro 1, foram selecionadas as falas das entrevistas
relacionadas a cada núcleo de sentido; no Quadro 2, foram destacados os discursos extraídos dos
relatórios das observações sistemáticas.
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Revista Baiana
de Saúde Pública
Núcleo de sentido
Entrevista 1
Entrevista 2
Entrevista 3
Síntese
Concepção de
educação para a saúde
Abordagem pedagógica
Modelo de atenção
Prática de saúde
Quadro 1. Núcleos de sentido estabelecidos a partir das entrevistas
Núcleo de sentido
OBS1 sala de
espera
OBS2 consulta
de
enfermagem
OBS3 sala de
espera...
Síntese
Concepção de
educação para a saúde
Abordagem
pedagógica
Modelo de atenção
Prática de saúde
Quadro 2. Núcleos de sentido estabelecidos a partir das observações
No decorrer dessa fase, foram estabelecidas as sínteses convergentes e divergentes
das idéias contidas nos extratos dos quadros analíticos, fato que possibilitou uma análise minuciosa
de todo o material à luz do referencial teórico, sendo estabelecidas duas categorias empíricas: a
concepção sobre educação em saúde; e a prática de educação em saúde – o agir da enfermeira.
Durante a etapa final, ocorreu a reflexão sobre os achados, considerando não apenas o conteúdo
exposto como também o conteúdo latente.
RESULTADOS
Os resultados foram analisados sob dois prismas: o pensar e o agir da enfermeira.
Essa divisão foi feita considerando os aspectos didáticos. O pensar e o agir, entretanto, são duas
categorias que acontecem concomitantemente. Ou seja, ninguém pensa e depois age, ou age e
depois pensa. Pensar e agir estão imbricados.
Concepção sobre educação para a saúde
Esta categoria empírica abarca o pensar da enfermeira sobre educação em saúde. A
enfermeira, ao implementar ações de educação para a saúde, legitima uma determinada visão
sobre educação e saúde. Na prática, a educação em saúde é um componente do trabalho técnico
voltado para a saúde, ou seja, conforma-se como uma atividade meio. Os fragmentos de discursos
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apresentados a seguir evidenciam a predominância da concepção tradicional de educação sanitária.
A intenção desta prática é reforçar os padrões de saúde concebidos pelo Estado para a população6.
“[...] educação para a saúde, eu entendo como toda a informação que você repassa para o
cliente.” (E 05).
“[...] o acesso de informação, a oportunidade que você tem, junto ao cliente, de passar
tudo, todos os princípios de higiene, de alimentação.” (E 07).
A educação em saúde é entendida como uma atividade de transmissão de
informação, ou seja, caracteriza-se pelo caráter informativo. O profissional explicita ao usuário
hábitos e comportamentos saudáveis. Reforça-se a idéia de que, exclusivamente ao usuário,
informado sobre os riscos de adoecimento, cabe a responsabilidade de mudar e adotar um novo
estilo de vida4. Esta é uma prática pautada em um discurso coercitivo e normativo fortemente
influenciado pelas diretrizes da educação sanitária do início do século XX7.
“Eu acho que educar para a saúde é orientar, é ensinar para as pessoas o que elas podem
fazer para ter saúde, como ter saúde.” (E 06).
Os profissionais de enfermagem, em sua maioria, ainda se fundamentam na
pedagogia da transmissão ou, segundo Paulo Freire12, pela educação bancária. Para essa filosofia,
educar em saúde significa, muitas vezes, persuadir as pessoas a fazer o que os técnicos acham
melhor. Neste tipo de abordagem, a individualidade e a dimensão social da pessoa não são
tomadas como objeto de trabalho7, 8, 9.
A principal crítica a esta concepção de educação para a saúde tem sido a não
consideração dos determinantes sociais e culturais no processo saúde-doença e o não
envolvimento do usuário no processo educativo10.
O caráter autoritário e normatizador dessa prática é outra forte característica,
demonstrado através dos discursos que determinam o que fazer e como fazer. Outra característica
é a relação assimétrica entre o profissional e o usuário. De um lado, um detém o saber técnicocientífico; do outro, está aquele que precisa ser devidamente informado.
“Você deve ferver a água, não deve andar descalça, não deve fumar, beber, evitar comidas
gordurosas [...]” (OBS. Consulta de enfermagem).
“Faço orientações quanto à dieta, ou seja, informo o que ela pode ou não pode comer; e
falo tudo isso é para que seu filho seja sadio.” (E 02).
12
Revista Baiana
de Saúde Pública
A esse respeito, Rice e Candeias11:350 esclarecem que muitos profissionais de saúde,
erradamente, acreditam que o papel da educação para a saúde limita-se apenas à reprodução de
conhecimento técnico e julgam que apenas com este enfoque poderão “[...] mudar o
comportamento dos indivíduos e alterar suas práticas tradicionais de saúde, o que de fato já se
sabe, não ocorre.”
Para Freire12, a atividade educativa deve ser compreendida como uma forma de
intervenção no mundo, pois pode oferecer ao homem o desvelamento da realidade, através de
processos educativos que incentivem o diálogo e a criticidade do aluno.
Prática de educação para a saúde: o agir da enfermeira
Essa categoria conforma-se com a concretização do pensar, materializado através do
fazer da enfermeira. A prática educativa implementada por essa profissional integra o trabalho em
enfermagem e é corporificada na consulta de enfermagem:
“[...] eu vou fazendo a orientação durante a consulta.” (E 01).
“[...] faço o exame físico, faço as orientações.” (E 02).
“Na minha rotina de trabalho, eu abordo mais a parte de orientação, ela é parte da
consulta.” (E 03).
Nesse contexto, a prática educativa é conformada como uma atividade
complementar da consulta de enfermagem, seguindo os moldes da consulta médica. A consulta
de enfermagem é concebida como instrumento preferencial do trabalho, com uma lógica similar à
consulta médica: coletas de dados, levantamento de problemas e propostas de intervenção13.
Um aspecto importante a ser destacado é o levantamento de necessidades e as
possíveis propostas de intervenção. As observações demonstraram que o usuário pouco participa.
Desta forma, suas necessidades são determinadas pelo profissional:
“Seu exame de sangue mostrou que você está com anemia. Assim, é preciso que você
coma alimentos ricos em ferro: beterraba, quiabo, couve, folhas verdes, fígado.” (OBS.09 Consulta de Enfermagem).
O problema de saúde é compreendido dentro do modelo biologicista e médico
curativo, reforçando a permanência da prática educativa individualizada, em que o usuário é
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responsabilizado pela promoção de sua saúde, além do enfoque paternalista da prática educativa
tradicional.
A Organização Mundial da Saúde, através do relatório da Comissão Técnica de
Novos Enfoques da Educação em Saúde na Assistência Primária, já recomendava, em 1982, que o
educador em saúde passasse a ser aluno e facilitador, e os membros da comunidade, alunos e
professores, cabendo à comunidade ensinar ao profissional seus modos de experimentarem o
adoecimento, as representações sobre saúde e as formas de enfrentamento na busca da saúde11.
Durante todo o processo investigativo, constatou-se que o momento da consulta de
enfermagem foi o locus escolhido pela enfermeira para desenvolver atividades educativas. A
consulta possibilita ao profissional entender melhor a situação de saúde do usuário, bem como
estabelecer vínculos. Por que então não aproveitar esse espaço de relação com o usuário, para,
juntos, estabelecerem uma estratégia de intervenção, considerando as particularidades dos
usuários?
O processo de trabalho da enfermeira conformou-se à lógica do modelo
hegemônico. Mendes-Gonçalves14 faz uma discussão interessante, quando aponta que o
profissional de saúde, ao apreender seu objeto de trabalho, utiliza determinado conjunto de
saberes. Desta maneira, a forma como a enfermeira apreende e implementa o processo educativo
está diretamente relacionada a sua formação acadêmica e a sua visão de mundo quanto ao
processo educativo e ao processo saúde-doença.
Nesta perspectiva, a prática educativa carrega os mesmos equívocos das demais
práticas de saúde, com enfoque no indivíduo e organizada segundo a lógica das especialidades4.
“Eu trabalho com pré-natal, que é a assistência à mulher durante a gestação, que é um
serviço para prevenir a gravidez de alto risco, o parto prematuro, orientando, examinando e
vacinando.” (E 01).
“No pré-natal, eu faço a parte preventiva. Trabalho com pessoas saudáveis. Eu evito que
elas adoeçam. Então, na parte de orientação, oriento sobre higiene, alimentação, bons
hábitos [...]” (E 03).
As atividades de educação em saúde têm utilizado os conteúdos dos programas em
desenvolvimento nos serviços de saúde. Todavia, a complexidade e a magnitude dos problemas de
saúde extrapolam os conteúdos técnicos dos programas de saúde pública15.
Percebe-se que existe um grande movimento de reorientação do discurso oficial
sobre educação para a saúde, saindo da perspectiva tradicional, baseada na imposição de
14
Revista Baiana
de Saúde Pública
comportamento, para uma abordagem que busca a participação da comunidade. A concretude da
prática demonstra, no entanto, que a herança do método cartesiano ainda domina a prática de
educação em saúde10.
Neste sentido, cabe apontar a dificuldade em transpor o modelo hegemônico na
prática profissional, que preconiza a adoção de novos comportamentos, como praticar exercícios
físicos, reduzir o consumo de sal e gordura, vacinar-se, entre outros. Talvez, a supervalorização dos
conhecimentos advindos da clínica, na formação profissional, tenha contribuído para esta
dificuldade16.
A contribuição da clínica na compreensão do processo saúde-doença é importante.
Todavia faz-se necessária a superação do caráter instrumental da educação em saúde, “[...] cujos
princípios se apóiam exclusivamente no saber científico.”6:202 Deve-se combater o absolutismo do
saber científico dentro das práticas educativas. A sociedade, de um lado, delega para determinados
sujeitos um poder terapêutico que extrapola a doença; de outro lado, essa mesma sociedade,
independentemente dos conceitos de saúde e doença, cria e recria sentidos e significados para a
sua doença e para as formas de evitá-la a partir de suas experiências de vida.
Vários autores têm enfatizado a importância da valorização do saber popular, dos
aspectos culturais e das representações sociais das populações no processo educativo, como forma
de torná-la mais efetiva11,12,17. É uma forma de agregar valor à educação para a saúde, em que o
profissional reconhece que o usuário possui um saber popular socialmente construído e constrói
uma visão sobre saúde e doença diferente da sua, em que os meios escolhidos não são os
mesmos seus. Valorizam-se as trocas e, através do compartilhamento, busca-se a compreensão da
realidade. Vasconcelos18 acredita que esta nova forma de fazer educação em saúde, a qual
denomina educação popular em saúde, pode superar o fosso cultural entre os serviços de saúde e
a comunidade.
Em relação aos recursos didáticos para o desenvolvimento das práticas educativas,
verificou-se a carência ou total ausência de materiais educativos para este fim.
“A gente não tem um vídeo, uma televisão, a gente não tem nada. Nem espaço a gente tem.”
(E 05).
“Quando eu faço palestra com a comunidade eu confecciono, pego o álbum seriado do
Ministério, ou senão, eu faço um em casa e trago.” (E 02).
Para se trabalhar efetivamente a educação em saúde, é necessária a oferta de
materiais e insumos que possam estimular os profissionais. São também imprescindíveis os cursos
de capacitação e atualização, que desenvolvam a capacidade criativa dos técnicos, para a utilização
de formas diversificadas de práticas educativas, em especial aquelas que sejam planejadas e
v.30, n.1, p.7-18
jan./jun. 2006
15
executadas em conjunto com os usuários e tenham como ponto de partida situações vivenciadas
pela comunidade16.
Quanto ao planejamento das atividades, percebeu-se, com a pesquisa, que as
enfermeiras desenvolvem suas práticas educativas a partir de situações alheias à realidade vivida
pelas usuárias. Os conteúdos são estabelecidos a priori com forte valorização dos conhecimentos
técnicos acerca do ciclo gravídico-puerperal.
Sabe-se que a motivação é um aspecto valioso, quando se trata do processo de
ensino-aprendizagem. Quando o aluno se sente motivado, sua participação é mais efetiva.
Considerando isto, a escolha dos assuntos poderia ser feita a partir das necessidades ou das
curiosidades das gestantes acerca do ciclo gravídico-puerperal e do cuidado com o recém-nascido.
A falta de capacitação profissional pode ser um dos fatores para a permanência deste
tipo de abordagem. Os profissionais de saúde, durante sua formação profissional, não têm a
possibilidade de aprofundar seus estudos sobre os processos de aprendizagem por vários motivos16.
Desta forma, a implantação de um projeto de educação permanente seria uma estratégia valiosa
que, além de qualificar as atividades de educação em saúde, possibilitaria ao profissional refletir
sobre sua prática.
Verificou-se um grande interesse das enfermeiras em reorientar suas práticas
educativas, através de modelos que rompam com as práticas convencionais de educação para a
saúde. Entretanto a pouca disponibilidade de recursos, a sobrecarga de trabalho (acúmulo de
funções assistenciais e gerenciais), a cobrança pela produtividade e a pouca qualificação profissional
mostraram-se entraves importantes para sua execução.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ante o exposto, a educação para a saúde ficou caracterizada como uma prática
social concreta, que se estabelece entre a enfermeira e o usuário do serviço, permeada pelas
diretrizes das políticas de saúde e de educação, concretizada através de práticas pedagógicas
verticalizadas, autoritárias e acríticas, cuja finalidade é o condicionamento do usuário.
Além disso, a enfermeira, ao desenvolver essa prática em seu fazer diário, legitima
um determinado saber sobre saúde e educação, tendo como eixo filosófico o conceito flexineriano
de saúde e o conceito tradicional de educação. Configurou-se como uma atividade restrita e
ineficaz para a transformação do status quo sanitário da população.
Torna-se fundamental, portanto, a reorientação desta prática, tendo como princípios
norteadores o ideário constitucional do SUS e as tendências pedagógicas problematizadoras. O ato
educativo precisa ser entendido como uma forma de intervenção no mundo, com o envolvimento
de todos os sujeitos, privilegiando a construção compartilhada do conhecimento e, principalmente,
a multiplicidade de saberes e visões de mundo ante o processo saúde-doença, pois, como diz
Freire12:67: “[...] ninguém educa ninguém, todos se educam em comunhão.”
16
Revista Baiana
de Saúde Pública
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v.30, n.1, p.7-18
jan./jun. 2006
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17. Vasconcelos EM. Educação popular e saúde da família. São Paulo:
Hucitec; 1999.
18. Vasconcelos EM. Educação popular nos serviços de saúde. São Paulo:
Hucitec; 1989.
Recebido em 14.03.2006 e aprovado em 04.05.2006.
18
ARTIGO ORIGINAL
Revista Baiana
de Saúde Pública
DE SANTO (S. JOÃO DE DEUS) A MÉDICO (JULIANO MOREIRA):
ANÁLISE HISTÓRICA DO MANICÔMIO ESTATAL NA BAHIA (1930-1937) a
Ronaldo Ribeiro Jacobinab
Resumo
Esta é a primeira parte do estudo da prática psiquiátrica na Bahia, com ênfase no
Hospital Juliano Moreira (HJM), de 1930-47. Objetiva-se descrever e analisar as crises e reformas
do sistema psiquiátrico na Bahia, concentrado no manicômio estatal, de 1930-37, identificando os
sujeitos relevantes das práticas. Utilizam-se os procedimentos da pesquisa histórica na análise
documental dos testemunhos voluntários e involuntários: a organização das fontes e interpretação
discursiva tanto dos agentes intelectuais e subalternos quanto dos internados. Constata-se que o
hospital psiquiátrico não foi prioridade no orçamento do Estado interventor, naquele momento de
ruptura institucional. Apesar dessa dificuldade, houve, nessa conjuntura, o esforço de continuar a
ampliação do confinamento asilar, com a construção de pavilhões e reformas dos antigos, bem
como a expansão, através da organização do serviço externo, sob a influência do movimento da
higiene mental. O manicômio não ficou incólume aos efeitos democráticos do curto governo
constitucional (1935-37), embora essa conjuntura tenha sido predominantemente autoritária. Foi
nesse cenário que, em 27/08/1936, se deu a mudança do nome do manicômio de São João de
Deus para o médico Juliano Moreira. Outro destaque foi a atuação do rábula Cosme de Farias.
Houve a garantia do direito à justiça, cujo recurso do habeas-corpus, contra seqüestro e internação
sem base legal, beneficiou muitos internados que obtiveram alta hospitalar. Por fim, evidenciou-se,
nesse período, a transferência de dezenas de “psicopatas” de Sergipe para o HJM, vindos de trem,
prática só interrompida na gestão seguinte.
Palavras-chave: Psiquiatria/história. Psiquiatria Forense. Hospital Psiquiátrico.
a
b
Este artigo foi feito tomando como base a tese de doutorado A prática psiquiátrica na Bahia. Estudo histórico do Asilo São João
de Deus /Hospital Juliano Moreira (1874-1947). Rio de Janeiro, Escola Nacional de Saúde Pública – Fundação Oswaldo Cruz
(FIOCRUZ), 2001.
Professor Adjunto IV do Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da Bahia, Universidade Federal
da Bahia (UFBA).
Endereço para correspondência: Departamento de Medicina Preventiva, Faculdade de Medicina, UFBA. Av. Reitor
Miguel Calmon, s/n, Campus Vale do Canela CEP 40110-100, Salvador-Ba. E-mail: [email protected],
[email protected]
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19
HISTORICAL ANALYSYS OF THE SÃO JOÃO DE DEUS ASYLUM / JULIANO MOREIRA
HOSPITAL IN THE STATE OF BAHIA, BRAZIL (1930-1937)
Abstract
This study aimed to describe and to analyze crises and reforms in the psychiatric
practice in the State of Bahia, Brazil, focusing on the São João de Deus Asylum / Juliano Moreira
Hospital during 1930-1937, identifying the relevant subjects in that practice. Methodology for
historical research included procedures for documental analyses of voluntary and involuntary
testimonies: source organization (reports, official letters, surveys) and discourse interpretation of
the interns, intellectual agents and their subordinates. The asylum remained as the central element
in the psychiatric care system in the State of Bahia. However, the asylum has never reached
priority in the intervention State budget, in that moment of institutional rupture. Inspite of all
conjuncture difficulties, there was a movement towards prolonged confinement in the asylum,
expressed by the construction of new buildings and reform of the old ones. The asylum also
continued to expand, by organizing its external service, under the influence of the mental hygiene
movement. The asylum did not remain untouched by the democratic effects of the brief constitutional
govern, although that conjuncture has been predominantly authoritarian. In the scenery, the asylum
has its name changed from São João de Deus to Juliano Moreira Hospital, in 27 August 2005: the
first in homage of a saint, the last in the memory of a physician. During this period, the performance
of the popular lawyer Cosme de Farias was remarkable. He promptly used the “habeas corpus”
resource, warranting the right to Justice and favoring many interns who have been sequestrated
and interned without a legal basis. Also in this period, the practice of transferring dozens of
mentally disease people from the State of Sergipe to the Juliano Moreira Hospital has started,
brought by train. This practice was only quitted in following mandate.
Key words: Psychiatry/history. Forensic Psychiatry. Psychiatric Hospital.
INTRODUÇÃO
Este período da história manicomial na Bahia tem como marco inicial uma data da
história política do país, a Revolução de 30, quando se deu o fim da República Velha, e como
marco final o início do regime ditatorial denominado de “Estado Novo” (1937-45).
O objeto principal de análise neste estudo foi o próprio dispositivo institucional – o
hospício. O período compreendido entre 1930 e 1937 foi marcado por reformas e crises para o
manicômio. A repercussão das crises políticas mais gerais nessa instituição é coerente com sua
nova condição de hospício estatal, submetido, portanto, às definições das políticas públicas dos
governos baianos, tais como a política de assistência sanitária, a do funcionalismo, a de escolha dos
dirigentes, entre outras.
20
Revista Baiana
de Saúde Pública
Nesse período de 1930 até meados da década de quarenta, o Hospital São João de
Deus, depois denominado de Hospital Juliano Moreira, representava praticamente a psiquiatria
baiana, pois era nessa instituição manicomial que eram desenvolvidas as práticas psiquiátricas,
inclusive a forense, bem como o “ensino prático” da disciplina “Clínica Psiquiátrica” da Faculdade
de Medicina da Bahia.
O manicômio, em toda a sua “fase áurea” (1912-1938), nunca deixou de apresentar
deficiências e problemas na qualidade da assistência. Sua situação, porém, agravou-se a partir dos
anos 30, em um contexto de mudanças político-econômicas e de crise econômica internacional.
1 UM CONTEXTO PREDOMINANTEMENTE AUTORITÁRIO E O HIATO
DEMOCRÁTICO
A “Revolução de 30”, segundo importantes cientistas sociais brasileiros,
caracterizou-se principalmente por uma nova correlação de forças políticas que, redefinindo a
política econômica, direcionou a produção agrário-exportadora na sustentação do processo de
industrialização e estabeleceu um novo pacto social entre governo e trabalhadores urbanos, pacto
este chamado de “populismo”1. Esse regime político, apesar de enfrentar algumas resistências,
obteve não só o domínio, mas garantiu também a hegemonia, com concessões e atrelamento de
muitas organizações da sociedade civil, particularmente os sindicatos dos trabalhadores.
Para conduzir tais mudanças, foi criado um Estado forte interventor que, ao contrário
do Estado oligárquico-liberal da Velha República, era orgânico com a nova fase monopolista do
sistema capitalista2,3. Getúlio Vargas, a principal liderança nesse processo de redefinição, expressou
com clareza o novo papel regulador do Estado:
Examinando detidamente o fato de maior preponderância na evolução social, penso não
errar afirmando que a causa principal de falharem todos os sistemas econômicos,
experimentados para estabelecer o equilíbrio das forças produtivas, encontra-se na livre
atividade permitida à atuação das energias naturais, isto é, na falta de organização do capital
e do trabalho, elementos dinâmicos predominantes no fenômeno da produção, cuja
atividade cumpre antes de tudo, regular e disciplinar.
4:30-31, grifo nosso
A Bahia, como todo o norte-nordeste, fora do eixo Rio–Minas–São Paulo, ficou
subordinada às diretrizes do governo federal nesse processo de centralização. Antes de 30, havia
uma relativa autonomia estadual, ficando a condução política do país sob a hegemonia de São
Paulo e Minas Gerais, num processo de alternância conhecido como “política dos governadores”2.
Dentro dessa política, o governador baiano Vital Henriques Baptista Soares,
empossado em 1928, foi eleito vice-presidente na chapa encabeçada pelo paulista Júlio Prestes e
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21
renunciou ao governo estadual. Júlio Prestes e seu vice baiano não assumiram o governo, pois o
movimento revolucionário de 1930, iniciado em Porto Alegre, logo ganhou todo o país, com apoio
das Forças Armadas.
Assim como São Paulo, a Bahia fora considerada estratégica, porque tanto Júlio
Prestes como Vital Soares tinham sido, respectivamente, governadores dessas unidades federadas.
O Presidente Washington Luís esperou resistência à revolta nesses dois estados, tendo mandado o
General Santa Cruz para organizar a resistência na Bahia. Os revolucionários venceram e o
presidente foi deposto. Naquele momento, encontravam-se em solo baiano as duas lideranças das
forças insurgentes que mais se destacaram na região norte e nordeste, o Capitão Juarez Távora e o
Tenente Juracy Magalhães5.
Nessa situação de grande instabilidade, característica de um contexto
imediatamente posterior a uma ruptura institucional, agravada pelas repercussões da crise
econômica mundial de 1929, a intervenção federal na Bahia foi inicialmente muito tumultuada,
pois, no período de outubro de 1930 a setembro de 31, foram nomeados quatro interventores –
coronel Ataliba Osório, engenheiro Leopoldo Amaral, médico Arthur Neiva e general Raimundo
Barbosa – e nenhum deles conseguiu afirmar-se no poder. As interventorias dos dois militares
foram provisórias, mas as dos civis Amaral e Neiva foram tentativas para garantir a governabilidade.
O general Ataliba Jacintho Osório, comandante da 6ª Região Militar, assumiu
provisoriamente o governo (25-30 de outubro). Os revolucionários buscaram um nome da
confiança do movimento, mas que fosse bem aceito pelos baianos. A escolha recaiu sobre o
engenheiro Leopoldo Afrânio Bastos do Amaral.
Leopoldo Amaral governou por apenas três meses e meio, de 1º de novembro de
1930 a 18 de fevereiro de 1931. Ao tentar por em prática os ideais nacionalistas da revolução,
entrou em choque com os interesses locais, porém aliados dos interesses do capital estrangeiro. O
cônsul americano chegou a assegurar que a posição anti-americana de Leopoldo Amaral levou-o
anteriormente, quando era editor de um jornal local, a incitar as massas no famoso episódio do
quebra-bondes, em 4 de outubro de 1930c. Disse o cônsul Briggs que ele incitara “[...] aquela
massa de negros ignorantes e preguiçosos contra as companhias americanas.”6:44. Com pressões
c
“Uma multidão de populares enfurecida com o aumento da passagem dos bondes e da tarifa de energia elétrica, majoradas
por companhias subsidiárias da Eletric Bond and Share Company, protagonizou esse movimento de revolta urbana. Aquele
contexto de crise favoreceu a revolta, onde só no dia 4 de outubro, 84 bondes (dois terços da frota) foram queimados, bem
como garagens, oficinas, em diferentes bairros de Salvador. O povo foi dispersado pela força policial, resultando em dezenas
de feridos e quatro mortos.”6:43-44
22
Revista Baiana
de Saúde Pública
realizadas por forças internas e externas, a posição de Amaral tornou-se insustentável. Em fevereiro
de 1931, ele deixou o governo.
A interventoria de Arthur Neiva também durou pouco, em torno de cinco meses (de
18 de fevereiro a 15 de julho de 1931). Com ele, o Estado exerceu mais claramente sua função
intervencionista. Um exemplo foi a criação do Instituto do Cacau. E iniciou as reformas
administrativas, em especial a reorganização municipal, que objetivava reduzir as despesas públicas
e fortalecer a administração central, como, por exemplo, a medida que suprimia os municípios
com menos de vinte mil habitantes. Ferindo interesses das oligarquias locais, elas demonstraram o
poder de fogo que ainda tinham na Bahia, e Neiva também caiu. Foi substituído provisoriamente
pelo general Raimundo Rodrigues Barbosa, de julho a setembro daquele ano6.
O grupo seabrista (seguidores do ex-governador JJ Seabra) passou a lutar com os
tenentes pelo poder. Os fracassos dos dois governos civis anteriores, entretanto, fortaleceram a
posição dos militares. Juarez Távora queria indicar o candidato ao cargo, mas Getúlio Vargas,
visando diminuir o poder de Távora, escolheu o tenente Juracy Magalhães. Com 26 anos e
rotulado de forasteiro, uma vez que era cearense, o jovem tenente enfrentou acirrada oposição.
Pragmaticamente, engavetou as reformas – e muitos dos ideais da revolução – e estabeleceu
acordos com os coronéis e alguns políticos do segundo escalão. Governou por seis anos: como
interventor, de setembro de 1931 até 1935; e como governador eleito, baseado na Constituição
de 34, até 1937, quando Juracy Magalhães recusou-se a apoiar o golpe de Estado e renunciou ao
governo da Bahia5.
Esses processos político-sociais mais amplos foram referidos aqui porque eles
repercutem nos espaços microssociais, particularmente em instituições como o Hospital S. João de
Deus/Juliano Moreira, diretamente vinculado ao poder governamental, enquanto parte do aparelho
estatal.
Como parte do objetivo maior de valorizar a história da psiquiatria no Brasil, este
trabalho estudou o manicômio com os seguintes objetivos: a) descrever as crises e reformas do
hospício, analisando o cenário e identificando os sujeitos relevantes de cada uma das três gestões;
b) compreender como o saber psiquiátrico foi usado para caucionar práticas de violência
institucional.
As principais fontes primárias de dados foram obtidas no Arquivo Público da Bahia
(APEB), em especial a Seção Republicana (Secretaria de Saúde. Hospital Juliano Moreira – HJM)7.
Optamos por conservar, à forma mais fiel possível, o discurso dos agentes com a grafia da época e,
para destacá-lo, sua transcrição será feita entre aspas e em itálico. Vale ressaltar que, mesmo
conservando as concepções literais dos sujeitos históricos da época, elas foram reinterpretadas à
luz das discussões teóricas atuais.
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23
2 ARISTIDES NOVIS: RETORNO DO CATEDRÁTICO DE FISIOLOGIA DA
FACULDADE DE MEDICINA À DIREÇÃO DO MANICÔMIO
Após a tomada de poder pelo “movimento revolucionário de 30”, o novo governo
interventor na Bahia, através de decretos, exigiu o retorno às funções dos funcionários afastados e
considerou em comissão os cargos de Diretores e Chefes de Serviços. Através de aviso, o
interventor solicitou o pedido de demissão desses titulares em comissão, sob pena de serem
demitidos. O Dr. Aristides Novis deixou o cargo federal no Departamento de Ensino, mas não
reassumiu de imediato a direção do Hospício. O termo é reassumir mesmo, pois, apesar de sua
longa duração – outubro de 1925 até dezembro de 1930 –, a gestão de Mário Leal fora
formalmente interina8.
Com a ruptura institucional, o 1º interventor civil, Leopoldo Amaral, manteve Mário
Leal no cargod porém a nova conjuntura ficou insustentável para o Professor Catedrático de
Psiquiatra, pois sua atuação tinha sido também político-partidária, ao integrar a chapa fundadora da
Convenção Republicana da Bahia, partido que derrotou Seabra e cujo governo estava sendo
deposto naquele momento. Ele deixou a direção do hospital no final do ano, que foi assumida
pelo Dr. Francisco Tavares de Carvalho. Este, como o médico mais antigo do hospital, ficou
interinamente de janeiro até o início de abril de 1931, quando se efetivou a escolha do novo
diretor 9.
O Prof. Aristides Novis chegou a pedir sua exoneração, porém o 2º interventor civil
na Bahia, o médico Arthur Neiva, conseguiu convencê-lo a reassumir o cargo, demonstrando a
confiança que as forças no poder depositavam nele9. A partir daí, Novis ocupou a direção do
manicômio, mantendo-se durante todo o período restante da intervenção federal. Com a saída de
Arthur Neiva, ganhou a confiança do Capitão Juracy Magalhães, que o confirmou no governo eleito
de 1935 a novembro de 1937, só deixando a direção do manicômio no final daquele ano, por
uma incompatibilidade formal de acumulação de cargos, determinada por decreto do regime
ditatorial do Estado Novo, como veremos a seguir.
d
Uma carta de 29 de janeiro de 1930, encontrada nas correspondências recebidas do hospital, revela que Amaral, naquele
momento editor de O Jornal, mantinha um bom relacionamento com Mário Leal e tinha respeito profissional pelo diretor
do manicômio: “A menina que Cosme de Farias tenciona internar aí no Asilo sob a sua competente direção é filha de um
conhecido auxiliar na Estrada de Ferro” (APEB. Caixa n.3195; grifo nosso).
24
Revista Baiana
de Saúde Pública
2.1 De Hospital São João de Deus a Hospital Juliano Moreira: as mudanças
institucionais para além do nome
Ao iniciar sua segunda gestão do Hospital São João de Deus, em abril de 1931,
Aristides Novis convidou os principais representantes do governo no setor – o Secretário e o
Diretor de Saúde Pública – para uma visita ao estabelecimento, onde pessoalmente
testemunharam as flagrantes deficiências que ele apresentava, como organização hospitalar para os
insanos. O diretor, entusiasta nos anos 20, na fase que ele próprio designou de “áurea”8, retornava
ao hospício em fase crítica. Resignado, solicitava que o Estado dotasse “[...] o velho manicomio
bahiano, se não dos primôres téchnicos de organisações similares, dos indispensaveis requesitos
que o conforto e a boa hygiene liberalisam, attenuando, dest’arte, as tristissimas perspectivas que a
simples condição de alienado sóe esboçar.”9:516
Nesse documento de 1932, que não apresenta mais o entusiasmo dos relatórios de
sua gestão anterior, foram descritas minuciosamente as deficiências encontradas, pavilhão por
pavilhão. No relatório de 1934, ele voltaria a descrever as deficiências, mas elogiava a Diretoria do
Departamento de Saúde Pública, órgão ao qual o manicômio estava vinculado, referindo que ela
vinha atendendo aos pedidos “[...] dentro dos estreitos limites das verbas de que póde dispor.”
(APEB. Caixa nº 3195, of.50).
Destacaremos alguns desses pontos críticos identificados nos relatórios:
a) lamentava que o Laboratório de Pesquisa Clínica e Microbiológica, inaugurado
em sua primeira gestão e mantido com parte dos recursos pagos pelos
pensionistas, não tenha subsistido, com a perda daquela renda que foi
“canalisada para o Tesouro”9:518;
b) reivindicava a construção do pavilhão de isolamento, solicitada desde a primeira
gestão, chamando a atenção para o risco da tuberculose, muito freqüente nos
hospitais psiquiátricos;
c) ressaltava a necessidade de reforma do Pavilhão Manoel Vitorino, em condições
péssimas, “[...] num momento em que a civilisação erige por toda parte
manicomios judiciarios para enfermos desta especie (doentes criminosos).”9:519.
Em 1934, referia que somente os pavilhões Anísio Circundes (antigo Charcot) e
Alfredo Brito estavam conservados, necessitando de pequenos reparos. O
Kraepelin, o Júlio de Matos e o Victor Soares precisavam de reformas completas.
A situação de degradação física do hospital chegou a atingir os pavilhões dos
pensionistas, como era o caso do Victor Soares.
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25
Em meus relatorios anteriores, salientei a progressiva gravidade de tal situação, a cuja conta
deve conter a estagnação, senão decrescimo da renda dos pensionistas, nos annos ultimos,
forçados muita vez os responsaveis por estes a encaminha-los para o Rio e São Paulo, em
busca de mais condigna guarida para os seus entes queridos. 10:3
Em seu primeiro relatório, o governo era duramente criticado, pois em vez de
contribuir satisfatoriamente na manutenção do serviço, estava, ao contrário, retirando uma renda
própria do hospício – a dos pensionistas. Novis chegou a questionar não só a legitimidade, mas a
legalidade do procedimento: “Essa renda, que não consta no orçamento do Estado, foi toda ella
recolhida ao Thesouro.”9:524. Sugeria que essa renda fosse novamente aplicada em melhoramentos
do próprio hospital, “nosso único e desventurado manicomio”9:525.
Os recursos, mínimos que fossem, eram disputados ferrenhamente, pois, naquele
momento de crise, o hospício e outras instituições assistenciais não eram prioridade no orçamento
do Estado interventor, que enfrentava uma grave crise fiscal, agravada pela conjuntura depressiva
mundial pós-29. A recessão econômica e a inflação galopante reduziram a arrecadação do Estado.
O governo reagiu drasticamente com compressão da despesa pública. Em 1932, o governo Juracy
Magalhães estabeleceu um corte de 37% nas despesas, agravando a violenta recessão que se
abatera sobre a sociedade baiana6. Com o novo sistema de impostos, criado com a Constituição
Federal de 1934, a Bahia começou a perder fontes de receitas, o que levou o governador a exigir,
em 1936, “[...] a maior compressão possível de despesa [...]”e, controlando pessoalmente a
compra de material permanente ou construção nova. Chegou, naquele mesmo ano, a decretar a
moratória, suspendendo o pagamento da dívida externa do estado6.
Demonstrando prestígio, Novis conseguiu que as diárias do pensionato ficassem à
disposição do manicômio. Esses recursos não eram insignificantes, como se pode observar na
Tabela 1.
Apesar de enfrentar grandes dificuldades e receber modestíssimas dotações
orçamentárias, houve, nessa gestão, o esforço de continuar a expansão tanto pela organização de
um serviço externo quanto pela ampliação do confinamento asilar, com a construção de mais um
pavilhão em 1935, inaugurado no início de 1936.
Em relação ao serviço externo, em 1934, no pavimento inferior do Pavilhão Central
(Solar da Boa Vista), foi inaugurado o Serviço de Profilaxia Mental, a cargo do Assistente-médico
e
Segundo Edgar Santos, diretor do Deptº de Assistência Médico-Social, superior hierárquico imediato de Novis, em ofício
circular para todos os hospitais e demais serviços desse departamento (APEB. Caixa 3195, of. circular, 3.01.1936).
26
Revista Baiana
de Saúde Pública
José Júlio Calasans. Embora reconhecendo que a freqüência era ainda “acanhada”, o diretor
acreditava nos resultados práticos que seriam obtidos com o novo serviço, principalmente “[...] se
meios nos fórem facultados para distribuirmos medicamentos pelos necessitados que vêm á
consulta.”10:2. O serviço não se desenvolveu, demonstrando que o cenário ainda não era propício
para uma estratégia extramuros.
Tabela 1. Renda anual do pensionato e número médio de pensionistas* no Hospital S. João de
Deus / Juliano Moreira (1930-1937)
Ano
Renda
Nº.
1930
62:900$000
-
1931
59:350$000
-
1932
52:990$000
-
1933
65:300$000
19
1934
48:840$000
11
1935
47:850$000
13
1936
72:995$000
26
1937
99:245$000
34
* O número de pensionistas foi obtido pelos ofícios que estão incompletos. Assim, em 1933, é uma média
obtida de sete meses, em 1934 de cinco, mas os três últimos anos foram de todos os meses.
Fontes: Relatórios de 1935, anexo 311 e 1936, anexo 212; Ofícios mensais de prestação de contas das
diárias de 1933 a 1937 (APEB. Caixas n. 3194; 3195; 3196).
Por outro lado, a crise não impediu o crescimento pavilhonar. Para se ter uma idéia
da importância dessa construção, na primeira metade dos anos 30, com exceção do saneamento
da Capital, inadiável pela extrema precariedade das condições sanitárias, nenhuma obra pública
tinha sido realizada6. Nesse cenário tão restritivo, essa obra foi possível pelo prestígio que gozava o
diretor, ao colocá-la entre as prioridades de uma verba emergencial para a assistência médicohospitalar, criada pelo interventor Juracy Magalhães, através do Decreto nº 8.889, de 10 de abril
de 1934. Diante do impasse financeiro de sua gestão, o interventor adotou medidas focais de
emergência para problemas sociais, criando uma tributação e confiando os recursos para uma
instituição – a Federação das Obras de Proteção e Assistência Socialf que, no artigo 8º, firmava
compromisso com melhoramentos para o então Hospital São João de Deus11,12.
f
v.30, n.1, p.19-38
jan./jun. 2006
No segundo semestre de 1936, foi criado o Conselho de Assistência Social, em substituição à Federação das Obras de
Proteção e Assistência Social. Naquele ano, o novo órgão continuou a repassar doze contos de réis, em quatro parcelas de
três contos. Novis sempre teve suas prestações de contas aprovadas (APEB. Caixas n. 3196; 3197).
27
Além do inegável prestígio do Professor Catedrático, outra razão para a aprovação da
obra em contexto tão desfavorável foi seu caráter racionalizador, pois o pavilhão foi concebido
como uma fonte de receita, uma vez que suas vagas seriam oferecidas para os pensionistas
particulares do sexo masculino. As rendas com o novo pavilhão, pelo menos nos primeiros anos,
parecem confirmar o investimento feito, pois, como se observa no Quadro 1, em 1936, primeiro
ano de funcionamento, houve o crescimento do número médio de permanência dos pensionistas
– dobrou de 13 para 26 – e, no ano seguinte, esse número chegou a 34. Conseqüentemente,
houve também o crescimento da renda do pensionato, que aumentou em mais de 50 por cento
no primeiro ano e, em 1937, continuou crescendo, chegando a mais de 99 contos de réis.
Esse novo pavilhão foi inicialmente chamado “Juliano Moreira”, em homenagem ao
renomado psiquiatra baiano, que, na condição de professor da Clínica Psiquiátrica da Faculdade de
Medicina, no final do século XIX e início do XX, deu suas aulas práticas no Asilo S. João de Deus
(APEB. Caixa nº 3195, of. 50), além de ter participado da comissão que escreveu um importante
documento sobre a assistência aos alienados na Bahia13.
Novis, ao propor o nome, sabia que poderia sofrer algum tipo de oposição, uma vez
que Juliano Moreira tinha dirigido o Serviço Federal de Assistência aos Psicopatas e o Hospital
Nacional de Alienados do Distrito Federal durante quase três décadas na Primeira República, até
ser afastado do cargo pelo governo provisório da Revolução de 30. O falecimento de Juliano, em
1933, ajudou a remover as restrições e, assim, em junho de 1934, o governo revolucionário da
Bahia aprovou o nome de Juliano Moreira para o pavilhão a ser construído e, segundo o diretor do
Hospital São João de Deus, prestou uma homenagem ao baiano ilustre, naquele estabelecimento
onde ele colheu “[...] as primeiras emoções de uma carreira triunfal.”10:3.
Esse entusiasmo não foi só local, pois, após a inauguração do Pavilhão Juliano
Moreira, em 25 de janeiro de 1936, Waldomiro Pires, diretor do Hospital Psiquiátrico do Rio de
Janeiro, manifestou o mesmo sentimento, qualificando o homenageado de primus inter pares da
psiquiatria brasileira (APEB. Caixa 3197, of. 20.02.1936).
A homenagem, entretanto, foi insuficiente diante do prestígio daquele intelectual e
administrador de grande influência na psiquiatria brasileira, nas três primeiras décadas do século,
cujo nome se espraiou por todo o país, batizando hospícios, colônias ou pavilhões14. Rubim de
Pinho referiu que Juliano Moreira, que teve discípulos em quase todo o país, não os teve na
Bahia15. Se não teve discípulos, foi somente entre os psiquiatras, pois o Prof. Aristides Novis,
catedrático de Fisiologia, seguiu as diretrizes do psiquiatra baiano desde sua primeira gestão nos
anos 20, quando se criou o Laboratório de Pesquisa Clínica e Microbiológica no pavilhão Demétrio
Tourinho8.
28
v.30, n.1, p.19-38
jan./jun. 2006
13.12.1930
-
Juiz/Santarém-Ba
-
-
AEVC
JMS
WCP
ASM
-
-
09.04.1934
11.07.1936
23.04.1935
-
26.03.1936
09.12.1929
-
04.01.1936
27.11.1931
25.05.1932
02.06.1934
19.12.1933
26.06.1937
27.10.1936
16.09.1936
27.07.1936
10.06.1936
11.05.1936
17.04.1936
08.04.1936
08.04.1936
30.03.1936
30.03.1936
16.03.1936
27.08.1935
27.08.1935
27.08.1935
.08.1935
16.08.1935
12.08.1935
05.1935
24.05.1935
18.05.1935
18.05.1935
13.04.1935
13.04.1935
28.01.1935
28.01.1935
24.12.1934
9.07.1934
Data do h-c
-
-
-
16 dias
1 ano e 2 meses
-
22 dias
-
16 dias
6 anos e 3 meses
-
2 meses
3 anos e 10 meses
3 anos e 3 meses
1 ano e 2 meses
1 ano e meio
9 meses
10 meses
6 anos e meio
2 anos e meio
5 anos e 5 meses
5 anos e 5 meses
2 anos e 9 meses
1 ano e 1 mês
4 anos e 11 meses
20 anos e 5 meses
-
-
Tempo internação
Cosme de Farias
Bel. Durval Fraga
Cosme de Farias
-
José Maria Lima
Bel. ELV (paciente)
Cosme de Farias
paciente
paciente (advogado)
Cosme de Farias
Bel.Nestor Duarte
Cosme de Farias
Cosme de Farias
Cosme de Farias
Cosme de Farias
Cosme de Farias
-
Cosme de Farias
-
-
-
-
-
-
José Maria Lima
José Maria Lima
Cosme de Farias
-
Solicitante do h-c
Quadro 1. Justiça x manicômio: pedidos de habeas-corpus (h-c) para internados no HSJD / HJM –1934-37
Juiz/Jequié-Ba
NAS
Chefe de Polícia
Família
FMR
ELV
-
-
OS
-
-
JRS
PR
Família
Juiz/Monte Negro-Ba
CSC
Secretário de Segurança
Promotor/Poções -Ba
BMJ
ABT
Delegado/Stº Amaro
JAPS
23.03.1936
Juiz/Nilo Peçanha-Ba
PAC
13.12.1934
16.11.1934
17.11.1928
01.11.1932
13.12.1930
AGS
Juiz/Inhambupe -Ba
FMA
Secretário de Polícia
Juiz / Inhambupe -Ba
TJR
14.03.1934
28.06.1932
Juiz/Boa Nova -Ba
Juiz / Barra-Ba
TFG
MFM
Juiz/ Salvador
EB
22.02.1930
JLC
Juiz /Feira de Santana
PP
25.07.1914
Juiz/ S. Sebastião-Ba
Juiz / Amargosa -Ba
LEM*
-
-
Secretário de Polícia
-
JSP
MTN
-
JJB
Data internação
JGS
Solicitante da Internação
Iniciais
Sem alteração psiq
Com remissão
Com remissão
Com remissão
Com remissão
Com alteração
Com remissão
Com alteração
Com alteração
Nunca alteração psiq
Com remissão
Não examinado
Sem alteração psiq
Nunca alteração psiq
Nunca alteração psiq
Nunca alteração psiq
Nunca alteração psiq
Sem alteração psiq
Com remissão
Nunca alteração psiq
Nunca alteração psiq
Nunca alteração psiq
Com remissão
Nunca alteração psiq
Nunca alteração psiq
Nunca alteração psiq
Com alteração psiq
Sem alteração psiq
Informação(Diretor)
concedido
concedido
alta
concedido
alta/julgamento
não concedido
concedido
não concedido
não concedido
concedido
concedido
não concedido
alta/julgamento
concedido
alta/julgamento
alta/julgamento
alta
alta/julgamento
-
alta/julgamento
alta/julgamento
concedido
concedido
concedido
concedido
concedido
não concedido
concedido
Decisão Justiça
Revista Baiana
de Saúde Pública
29
É compreensível, portanto, a iniciativa do diretor Novis de nomear, inicialmente, o
moderno pavilhão, construído nessa segunda gestão, e depois a proposta aprovada em lei do
nome de Juliano Moreira para o Hospital como um todo. Era a substituição do santo pelo cientista,
da religião pela ciência, da igreja pela medicina, realizando-se também no nome a laicização da
instituição.
É necessário abrir aqui um parêntese. A análise semiológica de Barthes16 possibilita
uma interpretação da mudança do nome do manicômio. Compreende-se essa mudança como um
uso mitológico da linguagem, uma fala mítica16: o termo gasto – hospício, significante aplicado para
uma instituição que, na prática, era espaço de violência e exclusão – já tinha sido substituído pelo
termo mais moderno – hospital, que, usado na medicina em geral, remete para as finalidades
manifestas de tratamento, cura e reabilitação. Contudo, a permanência do nome São João de
Deus remetia ao passado dos tempos do hospício ou, mais ainda, do asilo da Santa Casa. Assim,
foi uma mudança considerada natural, da substituição do nome de um santo, compatível com um
local de caridade e beneficência, para o nome de um médico, um psiquiatra, apropriado para uma
instituição sanitária, um hospital psiquiátrico.
É claro também que, levando em conta o ocorrido com os termos “asilo” e
“hospício”, é lícita a hipótese segundo a qual, permanecendo as práticas de violência e exclusão
na instituição psiquiátrica em estudo, não demoraria muito para que o novo nome – Hospital
Juliano Moreira, menos estigmatizado e mais vinculado aos objetivos médicos – viesse a sofrer o
mesmo desgaste. Como se pode constatar acima, os termos têm história. Ainda é cedo, porém,
para narrar o que aconteceu com a nova e mais perene denominação para a instituição sediada no
velho Solar da Boa Vista.
Retornemos à cronologia do hospício, ou melhor, do hospital. Em 1935, deu-se
início ao curto período de regime constitucional, com governador e parlamentares escolhidos num
processo eleitoral. Foi nesse cenário que se deu a mudança do nome do manicômio, com a Lei
nº. 75, de 27 de agosto de 1936, assinada pelo Governador Juracy Magalhães e por seu Secretário
de Educação, Saúde e Assistência Pública – Antônio Luiz Barros Barreto. A Lei n. 75 foi publicada
na primeira página do Diário Oficial do Estado da Bahia, n. 236, em 29.08.1936.17 Ela determinava
que o Hospital São João de Deus passasse a ser chamado Hospital Juliano Moreira, “[...] em
homenagem á memoria do maior psychiatra baiano.”18:120.
Para uma melhor compreensão dessa etapa na gestão de Novis, analisaremos
brevemente esse breve hiato democrático (1934-37) no regime autoritário instituído em 1930, que
se iniciou com a Constituição de 34 e foi interrompido com a ditadura do Estado Novo. Os
parlamentares eleitos, tanto governistas quanto de oposição, eram na maioria ligados aos interesses
agrários, inclusive os doutores (advogados, médicos e engenheiros). Esses intelectuais tradicionais
30
Revista Baiana
de Saúde Pública
se caracterizavam por uma atuação marcada pela moderação6. Apesar desse perfil liberal
conservador, esse legislativo baiano de 1935-37 foi mais sensível aos problemas sociais que os
parlamentares da Primeira República. Os projetos relativos à saúde e educação, por exemplo,
ocupavam o 4º lugar na lista de prioridades do legislativo da República Velha, enquanto na Segunda
República passaram a 2º lugar, superado apenas pelos projetos relativos à organização do próprio
Estado6.
O Hospital Juliano Moreira (HJM) foi objeto de debate nessa curta e rica vida
parlamentar. O deputado Raphael Jambeiro, 73 anos, era médico, formado em 1895. Com base
política no município de Castro Alves, ele foi um dos dez parlamentares do Legislativo baiano de
1935-37 que fez oposição ao governo de Juracy Magalhães6. O deputado de oposição criticou o
desleixo na assistência prestada àqueles indivíduos reduzidos à “condição de irracionaes”, pois,
“[...] longe de termos um abrigo para estes infelizes que perambulam pelas ruas da cidade e pelo
interior, um hospício enfim, temos um verdadeiro matadouro.”19:809, grifo nosso.
Como exemplo, para sustentar sua denúncia, Dr. Jambeiro citou o episódio
seguinte. Ele internou no HJM “uma senhora de distincta família”, D. Auta da S.A., procedente de
seu reduto político (Município de Castro Alves) e o diretor Aristides Novis colocou-a num cômodo
apropriado. Disse que, assim que o Prof. Novis se retirou do hospício, a paciente foi transferida
para outro cômodo, onde veio a morrer “em virtude de sevícias recebida”. Ficou mais indignado
ainda, quando o Dr. José Júlio Calasans, dado como seu médico assistente, indo a Castro Alves, foi
indagado sobre D. Auta e respondeu que, se ela estava no hospital, ele ignorava. Afirmando não
querer “malferir o diretor Novis, que por certo ignorava o que estava se passando no
estabelecimento que dirigia”19:809, fez um requerimento à mesa com questionamentos a serem
encaminhados à direção do hospital. O líder da situação, Aliomar Baleeiro, votou pelo
requerimento, mas discordou das acusações feitas de modo implícito ao diretor Aristides Novis.
Novis considerou que o hospital foi alvo de graves censuras do deputado Raphael
Jambeiro e solicitou a abertura de inquérito (APEB. Caixa nº 3197, of. 99, 12.07.37). Dez dias
depois das denúncias na Câmara, em 21 de julho de 1937, o diretor já respondia às informações
solicitadas pelo Legislativo ao Secretário de Educação e Saúde. Em relação ao falecimento da
doente, Novis tomou como fonte de informação o atestado do médico de plantão, Dr. Calasans,
que referia hemorragia cerebral como a causa do óbito. Disse também que nada constava em
relação a qualquer agressão sofrida pela doente nos catorze dias que passou no manicômio (APEB.
Caixa nº 3197, of. 101, 21.07.37).
Na fala do deputado Jambeiro, temos dois outros registros sobre a situação dos
loucos da época: no primeiro, ele recebeu um louco de Alagoinhas, medicou e tentou interná-lo
v.30, n.1, p.19-38
jan./jun. 2006
31
no hospício, mas recebeu a informação de que não podia enviar nenhum louco para a Capital.
Sobre essa impossibilidade fez o seguinte comentário: “Talvez seja por isto que, no interior usa-se,
quando um louco perambula pelas ruas da cidade, mettel-o num carro e soltal-o na cidade
visinha.” 19:809, grifo nosso. Nota-se que não era uma prática incomum essa estratégia de expulsão dos
loucos de uma cidade para outra.
O outro registro é de um fato já conhecido desde a República Velha. O deputado da
“Concentração Autonomista” referia que, na Capital, os alienados encontravam a solicitude e a
caridade de Cosme de Farias, que sempre arranjava um lugar para eles no hospício.
O rábula, assim como fez no período anterior (1912-1930), continuava a interagir
com o manicômio, internando indigentes ou obtendo informações sobre o estado do paciente para
a família. Para internar ou obter informações de internados, ele se dirigia diretamente ao diretor do
manicômio ou, através do Diretor Geral do Deptº de Saúde Pública, órgão ao qual o Hospital
estava subordinado (APEB. Caixa 3195, of. 6.02.34). Essa mediação, feita na maioria das vezes de
modo informal, incomodava ao diretor Aristides Novis. Num memorando, ele chegou a se dirigir
ao Major Cosme de Farias pedindo “ao nobre amigo” que atendesse os preceitos regulamentares e
não enviasse, junto com os doentes que remetia ao manicômio, carta ou bilhete, e sim petição ou
guia assinada por autoridade policial (APEB. Caixa n.3196, Memorandum nº 9, de 11.07.1936).
Cosme de Farias continuou a enviar doentes com bilhetes, só que passaram a ser dirigidos ao Dr.
José Júlio Calasans, assistente médico do hospital20.
Novidade mesmo foi a atuação do “Major” Cosme como rábula em defesa do louco
internado, utilizando os recursos jurídicos que a legislação oferecia, em especial, a garantia do
direito à justiça, proclamada na Constituição de 1934, direito que seria restringido com a ditadura
do Estado Novo. Assim, nesse hiato democrático, houve repercussão da atuação do Judiciário na
vida do manicômio. Parentes, outros responsáveis e os próprios pacientes, com apoio de
advogados ou rábulas, que recorriam diretamente ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), passaram a
recorrer à Corte de Apelação do Estado da Bahia, com sua criação no 2º semestre de 1934,
utilizando-se do mecanismo de habeas-corpus contra a seqüestração sem base legal20. Ver o
Quadro 1, onde se destaca a presença de Cosme de Farias como solicitante do habeas-corpus
em favor de inúmeros internados.
Havia abuso de autoridade de Delegados e Juízes, principalmente do interior do
Estado. Com base na leitura dos inúmeros ofícios e memoranda, que Aristides Novis respondia aos
pedidos de informação do STJ e da Corte de Apelação (APEB. Caixas 3195-3197), concluímos que
o diretor muito contribuiu para separar o internamento necessário da segregação arbitrária no
hospital psiquiátrico, onde em geral os pacientes estavam internados por um ano ou mais.
32
Revista Baiana
de Saúde Pública
No Quadro 1, destacam-se os inúmeros casos de doentes internados por juízes do
interior que, em todo o período de internamento, nunca apresentaram qualquer alteração psíquica,
como, por exemplo, o paciente Leopoldo (L.E.M.), internado há mais de vinte anos por solicitação
do juiz do município de Amargosa. A informação de Novis à Corte de Apelação foi nos seguintes
termos: “Em todo esse longo período de observação de Leopoldo neste Estabelecimento nenhuma
perturbação mental lhe poude ser verificada.” (APEB. Caixa n. 3195, of. 18, 28.01.1935). Era uma
forma de violência institucional que, em geral não ganha a mesma visibilidade que ganha a
violência física contra os internados. No entanto, suas conseqüências sobre a saúde e a vida dos
internados foram tão ou mais graves.
2.2 De Sergipe à Bahia: o psicopata vem de trem
Uma situação contraditória e intrigante nessa gestão foi a autorização dada por Novis
ao diretor da Penitenciária de Sergipe, Francisco Leite Neto, permitindo a transferência dos
alienados daquele estado para o hospital baiano (APEB. Caixa n.3196, of.49, 27.03.1936). O
diretor Leite Neto, autorizado pelo governador Eronildes de Carvalho, queria estabelecer um
contrato, em que o Hospital Juliano Moreira receberia os alienados mediante uma contribuição do
Estado de Sergipe. Novis chamava a atenção que esse tipo de contrato só poderia ser firmado
entre os governadores dos dois estados, porém, isso não representava uma recusa. “Independente
mesmo desse contracto remunerado, não hesitei em receber varios doentes mentais”, vindos da
Penitenciária sergipana, desde setembro de 1933, quando Novis recebeu a visita do Dr. Ávila
Nabuco, diretor de Saúde Pública daquele estado vizinho. O diretor dizia que o antigo São João de
Deus passou a receber remessas de pequenos grupos, “sem outro interesse que o de sermos uteis
ao doente, dobrado o nosso prazer pela circunstância de servirmos á um Estado-irmão”
(APEB.Caixa n.3196, of.49, 27.03.1936). Antes, em 1934, ele tinha usado como argumento o
“dever de solidariedade humana, que não exclue os estrangeiros, quanto mais os filhos da mesma
Patria” (APEB. Caixa 3194, of.7, 8.01.1934).
Desde o início, em 1933, o diretor Aristides Novis estabeleceu que os doentes
transferidos não deveriam ser criminosos, por não ter mais acomodações no pavilhão específico
(Manoel Vitorino), e que fossem trazidos em remessas de pequenos grupos. Eles vieram de trem,
em grupos de quatro ou seis, acompanhados de um enfermeiro (APEB. Caixa 3194, of. 183 e of.
195). Essas remessas continuaram por toda a sua gestão (APEB. Caixa 3194, ofícios 202, 226, 229
de 1933; of. 3. 1934; Caixa 3195, 18.06.1936), de tal sorte que num levantamento dos doentes
por sua procedência, realizado em julho de 1937, último semestre de Novis no manicômio, além
dos baianos (capital e interior) e de origem ignorada, tinham trinta e três (33) sergipanos e apenas
um (1) pernambucano no HJM (Caixa 3197, of. 101, 21.07.1937).
v.30, n.1, p.19-38
jan./jun. 2006
33
Essa parcela era ainda maior, pois, além desse número prevalente, tinham os
doentes que faleciam. Obtivemos registros de oito óbitos de pacientes, a maioria deles
transferidos em 22 de maio de 1936, que tinham falecido no curto período de junho a novembro
daquele mesmo ano (APEB. Caixa 3196). Se a mortalidade hospitalar em geral era elevada, nos
transferidos não era nada desprezível, pois eles eram psicopatas indigentes que vinham de uma
penitenciária, em condições de vida e saúde muito precárias, para um local insalubre, como eram
os pavilhões da “classe de indigentes” do manicômio.
Afinal de contas, esse dever de solidariedade era prestado num contexto crítico de
crise econômica e social, agravada pela instabilidade política. Não temos uma explicação
conclusiva para o fato. Sem dúvida não deixava de ser uma estratégia política adequada para o
fortalecimento de sua permanência no cargo, contar com o apoio de lideranças que agiam em
nome de um interventor federal e depois, com a Constituição de 1934, do governador eleito de
um Estado com ligações estreitas com o da Bahia (Caixa 3197, 20.09.1933). Não podemos,
contudo, descartar, entre as motivações, a própria formação humanística do diretor Novis, bem
como seu elitismo, que o fazia ignorar as condições concretas para a realização de seu gesto
solidário. Uma das primeiras medidas racionalizadoras do diretor seguinte, Dr. Pery Guimarães, foi
suspender essa transferência.
Encontramos, ainda no período constitucional (1935-37), registros da luta do diretor
Novis pela melhoria das vias de acesso ao estabelecimento e pela integridade dos terrenos do
Hospital na Boa Vista de Brotas. Essa última era uma defesa que ele tinha iniciado desde a
primeira gestão, nos anos 20, inspirado na luta anterior de Eutychio Leal e foi continuada por seu
sucessor, Mário Leal8. A relevância desses problemas na época era compreensível, quando
constatamos que a própria Capital, na segunda metade dos anos 30, ainda era
predominantemente rural. “O distrito de Brotas [onde estava o hospital] e parte dos de Santo
Antônio e Vitória, por exemplo, compreendiam aprazíveis chácaras e grande quantidade de sítios,
que se ligavam ao núcleo urbano por estradas, praticamente intransitáveis nas estações
chuvosas.”6:32.
Sobre a dificuldade de acesso, Novis chegou a solicitar ao Prefeito de Salvador
melhoramento da Estrada do Engenho Velho, pois no inverno era difícil a passagem de veículo para
o Pavilhão-Colônia “Augusto Maia” (APEB. Caixa 3195, 27.03.1935). Em relação à questão agrária
do manicômio, durante toda essa segunda gestão de Novis (1931-37), aparecem registros de
conflitos com a vizinhança, em especial, a que se travou, em 1933, com a Chácara de São Miguel,
que envolveu polícia e o próprio procurador do Estado (APEB. Caixa 3191). Em 1936, a vizinhança
invadiu o hospital e fez uso da fonte de água existente, impedindo os doentes de tomar banho
34
Revista Baiana
de Saúde Pública
(Caixa 3196, of.193, 1936). Eram sinais de uma duradoura relação conflituosa, que culminaria
muitos anos mais tarde, com a completa urbanização do bairro de Engenho Velho de Brotas e a
transferência do manicômio para a periferia de Salvador, em Narandiba, no ano de 1982.
Mesmo num quadro geral de instabilidade social, essa experiência de regime
constitucional foi surpreendentemente positiva, com os três poderes – executivo, legislativo e
judiciário – funcionando normalmente, de tal sorte que essa normalidade institucional chegou a
repercutir até em espaços microssociais como o manicômio.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Estabelecimento do governo, o Hospital Juliano Moreira foi objeto de debate e ação
parlamentar, bem como teve que responder ao judiciário, acionado por membros da sociedade
civil na garantia dos direitos de cidadãos que estavam, em muitos casos, arbitrária e ilegalmente
internados. Por outro lado, sua direção também recorreu à justiça para garantir seu território
invadido, bem como apelou a uma outra esfera do poder executivo, ao poder municipal, para
melhorar as vias de acesso ao hospital.
Essa relativa normalidade institucional foi rompida com o golpe de Estado que
instalou no país o regime de exceção conhecido como Estado Novo. O governador Juracy
Magalhães se recusou a apoiar a ditadura e com sua renúncia ao governo da Bahia, em novembro
de 1937, iniciou-se um outro período de intervenção federal na Bahia.
Uma nova legislação produzida pelo regime ditatorial (Decreto-lei nº. 24, de 29 de
novembro de 1937) não permitia a acumulação de cargos públicos, o que resultou na opção de
Aristides Novis pela Cátedra de Fisiologia na Faculdade de Medicina da Bahia (APEB. Caixa n.
3197, 14.12.1937). Mais dois médicos do hospital tinham também vínculo com a Faculdade de
Medicina: José Júlio Calasans, Assistente contratado na Cadeira da Clínica Psiquiátrica, e Luiz
Ribeiro de Sena, Assistente efetivo na Cadeira de Clínica Cirúrgica (APEB. Caixa n. 3197,
Memorandum de 29.11.1937). Ao contrário do Professor Catedrático, os médicos optaram pela
permanência no hospital (APEB. Caixa n. 3197, of. 14.12.1937).
O Prof. Novis deixou a direção do manicômio em 31 de dezembro de 1937,
quando transferiu o cargo para o Dr. Francisco Tavares de Carvalho, médico mais antigo do
estabelecimento. Em portaria datada de 31 de dezembro, despedia-se do corpo técnico do
hospital: “Ainda fora daqui, estarei sempre ao serviço dos meus caros auxiliares, na medida em
que, reconhecido, lhes póssa ser útil.” (Caixa n.3197, of. 31.12.37).
Com o nome de Juliano Moreira para o hospital, o pavilhão “Juliano Moreira”,
construído graças ao esforço e prestígio de Aristides Novis, acabou recebendo seu nome ao deixar
v.30, n.1, p.19-38
jan./jun. 2006
35
o manicômio (APEB. Caixa n.3198, of.15.01.38). O pavilhão “Aristides Novis”, para pensionistas,
era dotado de modernas instalações, inclusive da balneoterapia, em condições, portanto, de
derivar o desconforto da doença para o conforto do doente. Numa conferência proferida no Rotary
Club da Bahia, em outubro de 1935, intitulada “Assistência a Psicopatas na Bahia”11, o diretor
descrevia o magnífico edifício, onde o pensionista desfrutaria de conforto integral e adequado
tratamento, inclusive com apartamentos de luxo, que serviria para estabelecer “um contraste
chocante” com as outras instalações. Mas Novis era um liberal republicano:
Avulta este contraste na consideração da distancia que guardarão entre si pensionistas e
indigentes, a perderem-se de vista na gradação das hospedagens que vão ter. Preciso se faz,
portanto, que se revista de nova indumentaria o restante da casa, afim de não perdurar por
mais tempo uma excepção antipathica, sem a devida compustura para apresentar-se aos
olhos niveladores do pensamento moderno, em face as prerogativas e aos direitos dos
nossos semelhantes. 11:4, grifo nosso.
O Catedrático de Fisiologia acreditou sinceramente na nivelação por cima, mas não
demorou muito para ficar demonstrado que, em relação aos doentes mentais (“psicopatas”), a
nivelação sempre se fazia para baixo.
REFERÊNCIAS
1. Ianni O. O colapso do populismo no Brasil. 5ª. ed. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira; 1994.
2. Albuquerque MM. Pequena história da formação social brasileira. Rio de
Janeiro: Graal; 1981.
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Pioneira; 1978.
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Vol. 2 (8 vols).
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UFBA; 1974.
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República, 1930-37. Salvador: Assembléia Legislativa; Assessoria de
Comunicação Social; 1992.
36
Revista Baiana
de Saúde Pública
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Correspondência expedida e recebida (Caixas n. 3191; 3194-3198).
Salvador, 1922-1924; 1929-1940.
8. Jacobina RR. O silêncio dos inocentes. estudo do Hospício São João de
Deus, 1912-1930 (I): crises e reformas. Revista Baiana de Saúde Pública
2002 jan./dez.;26(1/2):41-56.
9. Novis A. Noticiário. Hospital S. João de Deus. Relatório do Diretor.
Gazeta Médica da Bahia 1932 jul./ago.;63(1-2):513-31.
10. Novis A. Relatório do Hospital São João de Deus. Ano de 1934. In:
APEB. HJM. Caixa nº 3195. Correspondência expedida e recebida, of. 14
de março de 1935.
11. Novis A. Relatório do Hospital S. João de Deus. Ano de 1935. In: APEB.
HJM. Caixa nº 3196. Correspondência expedida e recebida, of. 14 de
março de 1936.
12. Novis A. Relatório do Hospital S. João de Deus. Ano de 1936. In: APEB.
HJM. Caixas nos 3196-3197. Correspondências expedida e recebida, of.
4 de março de 1937.
13. Vianna A, Fontes JT, Moreira J. Assistência aos alienados na Bahia.
Relatório. Gazeta Médica da Bahia 1895 jul.;1:14-40.
14. Jacobina RR. A prática psiquiátrica na Bahia. Estudo histórico do Asilo São
João de Deus /Hospital Juliano Moreira (1874-1947). [Tese]. Rio de
Janeiro: Escola Nacional de Saúde Pública, Fundação Oswaldo Cruz
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15. Pinho AR. Entrevista. Realizada pelo Prof. Marcus Vinícius, Departamento
de Psicologia, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, UFBA.
Salvador, 27 maio-15 jun.1992.
16. Barthes R. Mitologias. 10ª. ed. São Paulo: Bertrand Brasil; 1999.
17. Bahia. Lei n. 75, de 27 de agosto de 1936. Determina que o atual
“Hospital S. João de Deus” passe a chamar-se “Hospital Juliano Moreira”.
Diário Oficial do Estado da Bahia, Salvador, 1936 ago.; n. 29, p. 236.
18. Bahia. Secretaria do Interior e Justiça. Leis do Estado da Bahia do ano de
1936. Salvador: Imprensa Oficial do Estado; 1937.
19. Bahia. Diário da Assembléia. Hospital Juliano Moreira. Diário Oficial do
Estado da Bahia, Salvador, p. 809-810, 11 de julho de 1937.
20. Jacobina RR, Jacobina AT. Cosme de Farias e o Manicômio estatal na
Bahia, Brasil (1912-1947). Gazeta Médica da Bahia 2005;75:120-6.
v.30, n.1, p.19-38
jan./jun. 2006
37
FONTES DE DADOS PRIMÁRIOS
Arquivo Público do Estado da Bahia. Seção Republicana (APEB)
Fundo: Secretaria de Saúde. Grupo: Hospital Juliano Moreira – HJM.
1924
1934.
1936.
1937.
1938.
1940.
APEB. CAIXA nº 3191 - Correspondência expedida e recebida: 1922(Por equívoco tem correspondência de 1932-1933).
APEB. CAIXA nº 3194 - Correspondência expedida e recebida: 1929APEB. CAIXA nº 3195. Correspondências expedidas e recebidas, 1934APEB. CAIXA nº 3196. Correspondências expedidas e recebidas, 1936APEB. CAIXA nº 3197. Correspondências expedidas e recebidas, 1937APEB. CAIXA nº 3198. Correspondências expedidas e recebidas, 1938Recebido em 29.04.2005 e aprovado em 25.05.2006.
38
ARTIGO ORIGINAL
Revista Baiana
de Saúde Pública
CARACTERÍSTICA S DO ATENDIMENTO COMO FATOR DE PROGNÓSTICO
PARA AMPUTAÇÃO DE MEMBROS INFERIORES EM HOSPITAIS PÚBLICOS
DE SALVADOR, BAHIA
Annibal Muniz Silvany Netoa
João Luiz Barbosa Nunesb
Rachel Silvany Quadrosc
Resumo
Os pacientes com doença arterial obstrutiva periférica (DAOP) em fase avançada
apresentam alta probabilidade de amputações. O objetivo do presente estudo foi investigar a
associação entre características do atendimento recebido por pacientes com DAOP e realização de
grande amputação. Foi realizado um estudo de coorte, incluindo 184 pacientes atendidos em
cinco hospitais públicos terciários de Salvador. Cerca de 44% deles sofreram grandes amputações
no primeiro atendimento terciário. Os resultados do presente estudo sugerem que os pacientes
que não realizaram arteriografia, que apresentavam anquilose do joelho e foram atendidos em
hospitais públicos sem Residência Médica em Cirurgia Vascular Periférica, apresentaram um pior
prognóstico. É possível que o atendimento nos hospitais estudados melhore à medida que ações
sejam desenvolvidas no sentido de: provê-los com equipamentos necessários ou criar um eficiente
sistema de referência e contra-referência, para que os exames necessários sejam realizados;
agilizar os prazos para realização do atendimento ao paciente, desde o nível primário de atenção; e
criar serviços de cirurgia vascular e/ou Programa de Residência Médica específico nos hospitais
terciários, para que existam rotinas padronizadas de atendimento e tratamento, favorecendo uma
maior efetividade e agilidade.
Palavras-chave: Prognóstico. Amputação. Membro inferior. Cirurgia. Atendimento.
a
b
c
v.30, n.1, p.39-49
jan./jun. 2006
Professor do Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia.
Cirurgião Vascular do Hospital Ana Nery.
Acadêmica de medicina da Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública da Fundação para Desenvolvimento da Ciência.
Endereço para correspondência: Faculdade de Medicina, UFBA. Av. Reitor Miguel Calmon, s/n, Canela. Salvador,
Bahia, Brasil – CEP: 40110-100. Endereço eletrônico: [email protected].
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ATTENDANCE CHARACTERISTICS AS PROGNOSTIC FACTOR FOR LOWER LIMB
AMPUTATION IN PUBLIC HOSPITALS IN SALVADOR, BAHIA
Abstract
Patients with peripheral arterial disease (PAD) in advanced stage present high probability
of amputations. The present study aimed to investigate the association between characteristics of
the attendance received by these patients and occurrence of great amputation. A cohort study
was carried out including 184 patients from five tertiary public hospitals in Salvador, Bahia, Brazil.
About 44% of them had great amputations during the first admission at a tertiary health care
facility. The results of the present study suggest that the patients who were not submitted to
angiography, who presented anchylosis of the knee and were taken care of in public hospitals
without a Peripheral Vascular Surgery Medical Residence Program, had presented a worse prognosis.
It is possible that the attendance at the studied hospitals improves if the necessary equipments be
provided; an efficient referral system be created so that the necessary examinations may be
carried out; the stated periods for the patient attendance, beginning at the primary level of attention,
be shortened; and services of vascular surgery and/or specific Program of Medical Residence be
created so that standardized routines of attendance and treatment exist, favoring effectiveness
and agility.
Key words: Prognosis. Amputation. Lower limb. Surgery. Attendance.
INTRODUÇÃO
A doença arterial obstrutiva periférica (DAOP) aterosclerótica caracteriza-se pelo
acúmulo de lipídios, células inflamatórias, células musculares lisas e matriz extracelular no espaço
subendotelial, de forma progressiva, nas grandes e médias artérias1. Estima-se que esta doença
acometa 12% da população geral e pelo menos 20% daqueles com 70 anos ou mais de idade2.
Os pacientes com DAOP em fase avançada de isquemia podem apresentar dor
severa que impede suas atividades diárias e o sono, e/ou gangrena de parte ou de todo o membro
acometido, favorecendo a ocorrência de infecções secundárias e amputações. Nessas
circunstâncias, o risco esperado de perda do membro é de 100% em seis meses. O tempo ideal
máximo de abordagem desses pacientes, para obtenção de melhores resultados terapêuticos e
menor taxa de mortalidade operatória, é de duas semanas3.
Embora sejam amplamente estabelecidos os benefícios proporcionados pela cirurgia
de revascularização quando comparada à amputação primária4,5,6, um grande número de pacientes
pode não estar tendo a oportunidade de realizar a revascularização como opção terapêutica para a
DAOP, o que tem implicações sociais e econômicas negativas, comprometendo sua qualidade de
vida. Isso pode decorrer de vários fatores, tais como demora no diagnóstico, encaminhamento
inadequado e impossibilidade de realização da arteriografia pré-operatória.
40
Revista Baiana
de Saúde Pública
O objetivo do presente estudo foi investigar a associação entre características do
atendimento recebido por pacientes com doença arterial obstrutiva periférica, atendidos em
hospitais públicos terciários de Salvador, e a realização de grande amputação durante o primeiro
atendimento terciário nesses hospitais.
MATERIAL E MÉTODOS
Foi realizado um estudo de coorte prospectivo de prognóstico.
Foram incluídos no estudo, pacientes submetidos a seu primeiro internamento
devido a doença arterial obstrutiva periférica (DAOP). Esta foi definida como ausência de pulsos
distais (tibial posterior e pedioso) associada a dor de repouso e/ou lesão trófica. Foram excluídos os
pacientes com doença arterial inflamatória, oclusão arterial aguda, aneurisma, traumatismo,
dissecção da aorta e com algum internamento anterior. Estes últimos foram excluídos devido à
possibilidade de receberem um atendimento diferenciado em função dos atendimentos prévios.
O desfecho de interesse foi a realização de amputação grande de membros
inferiores, sendo que esta compreendeu amputação ao nível da perna ou coxa.
Como o estudo teve caráter exploratório, não foi especificada uma variável
independente principal.
As variáveis independentes investigadas foram: sexo (masculino ou feminino); idade
(42 a 60 anos; ou 61anos ou mais); hospital de internamento; existência de Programa de
Residência Médica em Cirurgia Vascular Periférica no hospital (sim ou não); tempo entre o início da
sintomatologia e o atendimento primário; tempo entre os atendimentos primário e terciário; área
médica responsável pelo atendimento primário (angiologia ou demais áreas); existência de lesão
trófica e/ou dor de repouso no atendimento primário (sim ou não); realização de tratamento no
atendimento primário (sim ou não); local da lesão no momento do internamento (sem lesão ou no
dedo e/ou pé; ou lesão na perna); acesso ao cirurgião vascular (sim ou não); pesquisa de pulso
documentada (sim ou não); se o paciente estava acamado no momento do internamento (sim ou
não); presença de anquilose do joelho também no momento do internamento (sim ou não);
procedência (capital ou interior); risco anestésico (classificado de acordo com o ASA7, níveis 1, 2 ou
3 comparados aos níveis 4 ou 5); tempo de espera até a realização da arteriografia (antes do
internamento ou menos de 15 dias após o internamento; 15 dias ou mais; ou arteriografia não
solicitada ou solicitada, mas não realizada); realização da arteriografia (sim, antes ou durante o
internamento; ou não); realização do Doppler (sim ou não); realização do Duplex (sim ou não).
As informações sobre essas variáveis foram obtidas através de questionário,
preenchido por cinco estudantes de medicina que, semanalmente, visitavam cinco hospitais
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públicos de Salvador, na Bahia, verificando se houve algum internamento de paciente com DAOP.
Nestes casos, foram colhidas as histórias clínica e epidemiológica e foi feito acompanhamento ao
longo de todo o seu internamento. A coleta de dados ocorreu entre 29 de março de 2000 a 14 de
agosto de 2001.
O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital
Universitário Professor Edgard Santos da Universidade Federal da Bahia.
Na etapa inicial da análise estatística, foram calculados os riscos relativos de grande
amputação para cada variável independente e seus respectivos intervalos de 95% de confiança. Na
segunda etapa, utilizou-se o procedimento de Kaplan-Meier. Para inferência estatística neste
procedimento foram utilizados os testes log-ordenamento, de Breslow e de Tarone-Ware. As
curvas de sobrevivência foram consideradas estatisticamente diferentes quando estes três testes
apresentaram resultados estatisticamente significantes ou quando pelo menos em dois destes o
valor de p foi menor do que 0,05, sendo que no outro este foi maior do que 0,05, mas muito
próximo deste valor (resultado limítrofe). Os pacientes que sofreram amputação grande foram
classificados como não-censurados. Os censurados compreenderam os pacientes que: a) sofreram
amputação pequena (do dedo ou antipé); b) receberam alta, mas permaneceram internados
devido a outra patologia; c) receberam alta e não permaneceram internados; d) foram transferidos;
ou e) foram a óbito. O tempo de sobrevida recaiu no período entre o início do internamento e a
revascularização, amputação, alta, transferência ou óbito, sendo expresso em número de dias. A
etapa final da análise estatística consistiu na análise de regressão múltipla de Cox. Nesta etapa,
foram seguidos os procedimentos recomendados por Kleinbaum8. O nível de significância na etapa
de pré-seleção de variáveis foi 0,25, e 0,17 na etapa final da regressão. O procedimento utilizado
para verificação de atendimento de pressupostos foi a avaliação de paralelismo em diagramas log
menos log. Devido ao caráter exploratório do estudo, não foram incluídos termos de interação no
modelo, porque a inexistência de uma variável independente principal obrigaria ao exame de
todos os termos de interação possíveis, o que contrariaria a recomendação de parcimônia nessa
inclusão9.
O poder do estudo para detecção das associações mantidas no modelo final foi
calculado através do programa estatístico EPIINFO.
RESULTADOS
Foram estudados 184 pacientes. Cerca de 44% deles sofreram grandes amputações
no primeiro atendimento terciário. O tempo de seguimento variou entre 0 e 237 dias, com média
e mediana de 29,44 e 24,50 dias, respectivamente.
42
Revista Baiana
de Saúde Pública
A descrição das características dos pacientes estudados e do atendimento recebido
foi publicada anteriormente10.
As variáveis que apresentaram risco relativo de grande amputação estatisticamente
significante (ou limítrofe) podem ser observadas na Tabela 1.
Tabela 1. Variáveis associadas ao risco de grande amputação
VARIÁVEL
N
RISCO
RELATIVO
INTERVALO
DE 95% DE
CONFIANÇA
Local da lesão no momento do internamento
(perna versus sem lesão ou lesão em dedo e/ou pé)
163
1,87
(1,32; 2,64)
Anquilose no momento do internamento
(sim versus não)
164
2,14
(1,60; 2,86)
Tempo de espera da arteriografia(arteriografia
feita 15 ou mais dias após o internamento, não
solicitada, ou solicitada, mas não realizada, versus
menos de quinze dias de espera ou arteriografia
realizada antes do internamento)
161
1,59
(1,03; 2,45)
Realização de arteriografia
(não versus sim)
162
1,61
(1,14; 2,29)
Idade
(42 a 60 anos versus 61 anos ou mais)
163
1,63
(0,96; 2,76)
Hospital
(H. Ernesto Simões versus HUPES)
(H. Ernesto Simões versus HGRS)
36
125
2,4
1,94
(1,26; 4,83)
(1,36; 2,76)
Existência de Residência Médica no Hospital:
(não versus sim)
164
1,65
(1,18; 2,31)
Na segunda etapa da análise estatística, foram encontrados os seguintes resultados:
a) a curva de sobrevivência dos pacientes sem lesão ou com lesão no dedo e/ou pé
no momento do internamento foi estatisticamente diferente daquela dos
pacientes com lesão na perna (tempos de sobrevida medianos iguais a 47 e 32
dias, respectivamente);
b) a curva dos pacientes com pulso documentado foi estatisticamente diferente
daquela obtida para aqueles sem esta documentação, sendo o tempo de
sobrevida maior para os primeiros. As medianas do tempo de sobrevida para
estes dois grupos foram 48 e 25 dias, respectivamente;
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43
c) as curvas foram estatisticamente diferentes se os pacientes já estavam acamados
ou não quando chegaram ao atendimento terciário. Os não-acamados
apresentaram sobrevida maior (mediana igual a 46 dias) do que os acamados
(mediana igual a 36 dias);
d) os pacientes com ou sem anquilose no momento do internamento no hospital
apresentaram curvas de sobrevivência estatisticamente diferentes. Aqueles sem
anquilose apresentaram sobrevida maior (mediana igual a 47 dias) do que os com
anquilose (mediana igual a 16 dias);
e) as curvas para as categorias da variável “realização de arteriografia” também
foram estatisticamente diferentes, com medianas do tempo de sobrevida iguais a
53 e 32 dias, respectivamente; a maior sobrevida foi, portanto, encontrada para
aqueles pacientes que realizaram arteriografia;
f) os pacientes nos quais o Doppler foi realizado apresentaram curva de
sobrevivência estatisticamente diferente daquela dos pacientes que não tiveram
este exame realizado. As medianas foram 48 e 25 dias, respectivamente. Nos
primeiros 60 dias do seguimento, a sobrevida acumulada foi maior para os que
realizaram o exame. Entre os 60 e 100 dias, as sobrevidas acumuladas foram
muito semelhantes. Após os 100 dias, esta sobrevida foi maior nos que não
foram submetidos a este exame;
g) a comparação das curvas para os que realizaram e os que não realizaram o
Duplex mostrou que estas eram estatisticamente diferentes, sendo que os
primeiros apresentaram sobrevidas acumuladas maiores que os últimos;
h) os cinco hospitais estudados apresentaram curvas estatisticamente diferentes,
com a seguinte ordem decrescente das sobrevidas acumuladas: Hospital Santo
Antônio, Hospital Geral Roberto Santos, Hospital Universitário Professor Edgard
Santos, Hospital Geral do Estado, e Hospital Ernesto Simões Filho. As medianas
obtidas foram, 237 dias, 51 dias, 36 dias, 11 dias e 1 dia, respectivamente;
i) quando os hospitais foram agrupados em duas categorias, conforme a existência
de Residência Médica ou não, encontraram-se curvas estatisticamente
diferentes, com tempo mediano de sobrevida maior para aqueles com
Residência (48 dias contra 17 dias);
44
Revista Baiana
de Saúde Pública
Para as demais variáveis independentes não foram encontradas diferenças
estatisticamente significantes entre as curvas de sobrevida. Estas variáveis foram: tempo entre o
início da sintomatologia e o atendimento primário; tempo entre os atendimentos primário e
terciário; área médica responsável pelo atendimento primário (angiologia ou demais áreas);
existência de lesão trófica e/ou dor de repouso no atendimento primário; realização de tratamento
no atendimento primário; acesso ao cirurgião vascular; procedência (capital ou interior); sexo; idade
(42 a 60 anos ou 61anos ou mais).
Os resultados da análise de regressão de Cox estão apresentados na Tabela 2.
Pacientes atendidos em hospitais públicos sem Residência Médica em Cirurgia Vascular Periférica,
que não realizaram arteriografia ou duplex, que apresentavam anquilose do joelho, com 61 anos
ou mais de idade e com lesão trófica e/ou dor de repouso no atendimento primário, apresentaram
um pior prognóstico quanto à realização de grande amputação de membros inferiores.
Tabela 2. Resultados do modelo final da análise de regressão múltipla de Cox (n=157)
COEFICIENTE
ERROPADRÃO DO
COEFICIENTE
Existência de Residência
Médica no Hospital
(não x sim)
1,088
0,323
0,001
2,97
(1,90; 4,62)
Realização de arteriografia
(não x sim)
0,990
0,288
0,001
2,69
(1,81; 3,99)
Realização de Duplex
(não x sim)
0,969
0,551
0,049
2,64
(1,24; 5,61)
Anquilose
(sim x não)
0,965
0,350
0,012
2,62
(1,62; 4,24)
Idade
(61 anos
oumais x 42 a 60 anos)
0,604
0,355
0,072
1,83
(1,12; 2,98)
Lesão trófica
(sim x não)
0,454
0,342
0,168
1,58
(0,98; 2,52)
VARIÁVEL
VALO R
DE P
INTERVALO
RAZÃO DE DE 83% DE
AZARES CONFIANÇA
A Tabela 3 mostra o poder do presente estudo para as associações mantidas no
modelo final. Para esses cálculos, o alfa utilizado foi 10,0%, porque o programa não permitia o
cálculo com alfa de 17,0%, que foi o valor utilizado na modelagem final.
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45
Tabela 3. Poder do estudo para as associações do modelo final (n=157)
VARIÁVEL
PODER (%)
Existência de Residência Médica no Hospital
(não x sim)
66,6
Realização de arteriografia
(não x sim)
78,7
Realização de Duplex
(não x sim)
35,6
Anquilose
(sim x não)
84,3
Idade
(61 anos ou mais x 42 a 60 anos)
48,8
Lesão trófica
(sim x não)
54,7
DISCUSSÃO
O pior prognóstico encontrado em pacientes internados em hospitais sem Programa
de Residência Médica poderia ser explicado pelo fato de, coincidentemente, estes hospitais serem
aqueles que não dispunham de aparelho para a realização de arteriografia. Contudo, considerandose que a realização deste exame foi controlada na análise multivariável, havia um efeito
independente da existência de Residência Médica sobre o prognóstico. Isto deve ocorrer em
função de uma melhoria dos procedimentos médicos adotados, quando se dão em um contexto
de ensino-apredizagem. Entre outras contribuições, os médicos residentes atuam de modo
importante no sentido de agilizar a realização desses procedimentos, minimizando a influência do
excesso de burocracia ou ineficiência dos serviços.
A associação encontrada entre a não realização de arteriografia e ocorrência de
grande amputação é explicada pelo fato desse exame ser considerado como o padrão-ouro para
identificação dos locais específicos de obstruções ateroscleróticas arteriais, além de definir a
viabilidade de uma cirurgia para revascularização do membro com DAOP11,12. Entretanto, verificouse que dos cinco hospitais estudados todos tinham em sua equipe médica cirurgiões vasculares10,
porém apenas dois desses hospitais possuíam aparelho para realização da arteriografia, um desses
para uso exclusivo dos pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS), e o outro para uso parcial
destes pacientes até uma cota mensal pré-estabelecida, sendo o restante destinado ao
atendimento de particulares ou conveniados. Deve ser lembrado também que estes são os dois
únicos aparelhos em hospitais públicos em todo o Estado da Bahia.
Os resultados encontrados sugerem que a realização da arteriografia deve ocorrer
com maior eficiência, para evitar esperas prolongadas. A utilização do Duplex deve restringir-se aos
46
Revista Baiana
de Saúde Pública
casos de contra-indicação da arteriografia. Esta eficiência melhoraria com a criação de maior
número de leitos para pacientes do SUS com DAOP, articulados a um sistema de referência e
contra-referência eficiente, que permitiria a realização deste exame em tempo hábil, para que a
espera não influenciasse o prognóstico. Estudos que avaliem o funcionamento dos serviços de
hemodinâmica, sua agilidade, os custos e a eficiência na manutenção desses aparelhos, devem
também ser realizados e seus resultados podem ser muito úteis para a melhoria do atendimento a
esses pacientes.
No período no qual os dados do presente estudo foram coletados, apenas o Hospital
Geral Roberto Santos realizava o exame Duplex. Este, embora não seja o padrão-ouro para
programação cirúrgica de revascularização, pode estar sendo utilizado em substituição à
arteriografia nos momentos em que esta não possa ser realizada, por quebra do aparelho e contraindicação clínica. Visa à diminuição do tempo de espera e definição mais rápida do procedimento
terapêutico adequado11,12. Isso deve explicar a importância do exame Duplex para o prognóstico do
paciente no presente estudo.
A associação estatística entre anquilose de joelho e grande amputação era esperada
devido à inviabilidade de reabilitação motora dos pacientes com esta seqüela. A presença da
anquilose no momento do primeiro atendimento terciário, entretanto, pode ser conseqüência do
tempo prolongado de isquemia do membro, gerando uma posição viciosa do paciente12. Muito do
atraso pode se dever à insuficiência de leitos para o tratamento de DAOP nos hospitais estudados.
A importância estatística da idade como fator de prognóstico pode ser explicada pela
distribuição da freqüência da doença aterosclerótica que passa a se elevar a partir dos 50 anos,
alcançando seu valor máximo ao redor dos 70 anos. Acrescenta-se a isto uma maior ocorrência de
outras patologias paralelamente à DAOP em pacientes mais idosos, como hipertensão arterial,
diabetes e dislipidemia, o que desfavorece o prognóstico pelo agravamento do quadro clínico do
paciente e progressão mais acelerada da doença11,13.
Quando o paciente apresentava lesão trófica no momento do primeiro atendimento
terciário seu prognóstico foi pior. Isto pode decorrer da inviabilidade de realização da
revascularização devido a uma maior dificuldade de preservação do membro pela extensa
destruição tecidual. Um tempo mais curto de encaminhamento desses pacientes para os hospitais
de referência e um programa educativo dirigido à população poderiam reduzir o número de lesões
tróficas já no primeiro atendimento terciário.
Alguns dos resultados discutidos acima devem ser considerados com cautela, pois o
presente estudo não apresentou poder aceitável para a investigação de algumas associações.
v.30, n.1, p.39-49
jan./jun. 2006
47
CONCLUSÕES
Os resultados do presente estudo sugerem que os pacientes que não realizaram
arteriografia, apresentavam anquilose do joelho e foram atendidos em hospitais públicos sem
Residência Médica em Cirurgia Vascular Periférica apresentaram um pior prognóstico quanto à
realização de grande amputação de membros inferiores.
É possível que o prognóstico nesses hospitais melhore, na medida em que ações
sejam desenvolvidas no sentido de: provê-los com equipamentos indispensáveis ou criar um
eficiente sistema de referência e contra-referência, para que os exames necessários sejam
realizados; agilizar os prazos para realização do atendimento ao paciente desde o nível primário de
atenção; e criar serviços de cirurgia vascular e/ou Programa de Residência Médica específico nos
hospitais terciários, para que existam rotinas padronizadas de atendimento e tratamento,
favorecendo uma maior efetividade e agilidade.
Sugere-se a realização de outros estudos epidemiológicos com maior poder de
detecção de algumas das associações observadas, para que se conheça melhor a realidade
investigada.
AGRADECIMENTOS
Aos estudantes de medicina da UFBA Celi Santos Andrade, Bruno Campos Duque,
Fernanda Pita Mendes da Costa, Elizabeth Santana dos Santos e Fábio Mesquita Paes, pela coleta
dos dados utilizados nesta pesquisa.
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Recebido em 29.04.2005 e aprovado em 16.02.2006.
v.30, n.1, p.39-49
jan./jun. 2006
49
ARTIGO ORIGINAL
CARACTERÍSTICA S DOS PORTADORES DE EPILEPSIA INTERNADOS NOS
SER VIÇOS PSIQUIÁTRICOS DA REDE PÚBLICA DO ESTADO DA BAHIA a
Antonio Reinaldo Rabelob
Mina Modesto Rabeloc
Bernardo Rodriguesc
Eduardo Cardosod
Ailton Meloe
Resumo
Com o objetivo de estudar as características sociodemográficas e de morbidade
psiquiátrica dos pacientes epilépticos nos hospitais do Sistema Único de Saúde do estado da Bahia,
foi realizada análise de todos os pacientes internados no período de dezembro de 1997 a julho de
1998. Foram encontrados 2.069 pacientes, divididos em dois grupos. No Grupo 1, foram alocados
aqueles com história prévia de pelo menos duas crises epilépticas; no Grupo 2, os não-epilépticos.
Todos os pacientes tinham algum tipo de transtorno mental. Foram encontrados pacientes que
preenchiam o critério de epilepsia. Quando comparados ambos os grupos, verificou-se, no Grupo
1, predominância de indivíduos mais jovens, do sexo masculino e menos dependentes
socialmente, por possuírem renda própria, capacidade de desenvolver as atividades da vida diária,
gerir seus pertences, inclusive dinheiro, e possuir documento de identificação civil. Os pacientes
do Grupo 1 tiveram ainda, em maior proporção, apenas um internamento na vida, menor tempo
entre o primeiro e último internamento e maior co-morbidade com alcoolismo e retardo mental.
a
b
c
d
e
Este trabalho é parte da Tese de Doutorado do Curso de Pós-graduação em Medicina e Saúde (CPgMS) da Faculdade de
Medicina da Universidade Federal da Bahia.
Mestre, Doutor, Professor Adjunto de Psiquiatria do Departamento de Neuropsiquiatria da Faculdade de Medicina da
Universidade Federal da Bahia.
Acadêmicos da Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia.
Mestrando do Curso de Pós-graduação em Medicina e Saúde da Universidade Federal da Bahia.
Livre Docente e Professor Adjunto de Neurologia do Departamento de Neuropsiquiatria da Faculdade de Medicina da
Universidade Federal da Bahia.
Projeto financiado pela Secretaria de Estado da Saúde (SESAB)/MS-Projeto Nordeste e operacionalizado pela UFBA - Projeto
FAPEX No 96342 e Contrato SESAB/UFBA/FAPEX No 303/96, Processo 960375894 de 06/12/96.
Endereço para correspondência: Antonio Reinaldo Rabelo, Av. Anitta Garibaldi, 1133, s/ 109-110, Ondina, Salvador,
Bahia, Brasil – CEP 40.210-070. E-mail: [email protected] / [email protected].
50
Revista Baiana
de Saúde Pública
Concluiu-se que os pacientes epilépticos, apesar de apresentarem co-morbidade com doenças
psiquiátricas, têm peculiaridades que necessitam ser consideradas de modo especial na
organização dos programas de assistência em saúde mental.
Palavras-chave: Epilepsia. Hospital psiquiátrico. Transtornos psiquiátricos e Epilepsia. Prevalência de
epilepsia.
EPILEPTIC IN-PATIENTS CARACTERISTICS IN ALL PSYCHIATRIC PUBLIC
NETSERVICES IN THE STATE OF BAHIA –BRAZIL
Abstract
With the aim to study psychiatric morbidity and socio-demographic characteristics
of epileptic patients into the hospitals of the Sistema Único de Saúde of the state of Bahia, Brazil,
we performed an analysis of all in-patients assisted by the Governmental Health Program from
December 1997 to July 1998. We found 2.069 patients and divided them in two groups. Group
1: patients with previous history of at least two epileptic seizures. Group 2: patients with less than
two seizures or those who did not experience any seizure. All patients had mental disorder and
ful-filled the criteria of epilepsy. In Group 1 predominated the younger 0,018), those who had
decreased social dependence as having income, and those who could develop daily living , manage
their belongs, including money and had civil identification. Patients in group 1 had also, in greater
proportion, just one hospital admission, decreased time between the first and last hospital admission,
and greater co-morbidity with alcoholism and mental retardation. In conclusion, although present
co-morbidity with psychiatric diseases, epileptic patients have peculiarities that must be specialy
considered in the organization of mental health programs.
Key words: Epilepsy. Psychiatric Hospital. Psychiatric Disease and Epilepsy. Prevalence of Epilepsy.
INTRODUÇÃO
A epilepsia é um transtorno neurológico classificado no Capítulo VI da CID-10. Há
algumas décadas, segundo relatório da OPS1, era considerada um transtorno mental por ser, como
esse, objeto de estigmatização e poder levar a incapacitação grave. Ainda hoje, em muitas
sociedades, principalmente na maioria dos países em desenvolvimento, a epilepsia, pela carência
de serviços de neurologia, é cuidada por profissionais e serviços de saúde mental1. Até mesmo nos
hospitais psiquiátricos são encontrados pacientes epilépticos internados por várias vezes seguidas e
com elevada média de permanência, do mesmo modo que os portadores de transtornos mentais2.
Se a permanência de pacientes internados por longo tempo em hospitais psiquiátricos é hoje tida
como de baixa eficácia terapêutica, danosa por violar direitos individuais e promover desabilitação
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jan./jun. 2006
51
ou dependência social3,4,5,6,7,8, acreditou-se que os epilépticos aí internados pudessem também
estar sendo vítimas dessas conseqüências iatrogênicas. O objetivo deste trabalho foi, assim,
estudar as características sociodemográficas e de morbidade dos portadores de epilepsia internados
nos serviços psiquiátricos da rede pública do Estado da Bahia e, em particular, sua relação com
transtornos mentais.
MATERIAL E MÉTODOS
Foi desenvolvido um estudo de corte transversal na população de pacientes
internados nos hospitais que compõem a rede SUS no Estado da Bahia. Estimou-se que
aproximadamente 97% dos pacientes com transtornos psiquiátricos, no Estado da Bahia, estão
internados em hospitais que compõem a rede SUS. A coleta foi realizada nos prontuários dos
pacientes que estavam internados durante o período do estudo. Os dados de algumas variáveis
(atividades da vida diária, visitas de familiares, possuir documentos de identificação civil e
capacidade de cuidar de suas coisas), quando não registrados nos prontuários, eram tomados da
equipe de enfermagem. Depois de selecionados, foram treinados acadêmicos de medicina e de
áreas afins para a coleta das informações. O instrumento de coleta, elaborado com base em um
questionário nacional9, constou de 27 questões, sendo duas de identificação e as demais de
características sociodemográficas, de morbidade e de dados clínicos. O diagnóstico de transtorno
mental foi estabelecido de acordo com a CID 10 e o de epilepsia pelos critérios da International
League Against Epilepsy (ILAE). Os dados eram revistos periodicamente e inseridos em um banco
de dados elaborado para tal fim, com auxílio do programa Access, versão 2000. A análise foi
realizada com o auxílio do Statistical Package for Social Sciences (SPSS), versão 6.1.
RESULTADOS
No período de dezembro de 1997 a julho de 1998, foram analisados os prontuários
de 2.069 pacientes internados nos serviços públicos de psiquiatria (17 unidades) do Estado da
Bahia, cujos diagnósticos psiquiátricos constam da Tabela 1. A população do estudo foi dividida
em dois grupos: Grupo-1 de pacientes epilépticos; e Grupo-2 de pacientes não-epilépticos. Os
indivíduos de ambos os grupos possuíam algum transtorno mental e os epilépticos tinham registro
de, no mínimo, quatro crises epilépticas sem etiologia estabelecida. O Grupo 1 constituiu-se de
173 indivíduos (8,4%) e o Grupo 2 de 1.896 (91,6%).
Entre os grupos (Tabela 2) não houve diferença significante quanto a estado civil
(p=0,77), número total de internamentos na vida (p = 0,28), escolaridade (p = 0,20), tempo de
doença (p = 0,25) e possuir até três internamentos na vida (p = 0,385).
52
Revista Baiana
de Saúde Pública
Tabela 1. Diagnóstico (CID 10) dos usuários internados nos leitos psiquiátricos da rede pública do Estado
da Bahia – 1998
SEXO
DIAGNÓSTICO
M
F
N
687
148
118
108
103
37
29
27
6
3
4
504
13
75
75
62
34
12
13
7
3
1
1.191
161
193
183
165
71
41
40
13
6
5
57,5
7,7
9,2
8,4
8,8
3,4
2,0
1,9
0,6
0,3
0,2
1.270
799
2.069
100,0
Esquizofrenia e Transtornos afins
Alcoolismo
Retardo Mental
Epilepsia
T. do Humor
T. Neuróticos
T. Mental Orgânico
T. Mental Org. por SPA Outras
T. do Comportamento
T. Somatiformes
T. Personalidade
Total
TOTAL
%
Tabela 2. Indicadores sociodemográficos e de morbidade dos pacientes epilépticos (Grupo 1) e nãoepilépticos (Grupo 2) internados nos leitos psiquiátricos da rede pública do Estado da Bahia –
1998
Grupo 1(N)
INDICADORES
Grupo 2(N)
(% ou média ± dp) (% ou média ± dp)
p
Estado civil
134 (77,9)
475 (76,6)
0,77 d
Pacientes com menor número de internamentos na vida
Escolaridade (III grau completo)
Pacientes com 3-20 anos de doença
20 (17,2)
2 (1,2)
106 (65,9)
442 (21,9)
9 (0,46)
1.387 (70,4)
0,28 a
0,20 c
0,25 p
Pacientes com até 3 internamentos na vida
69 (47,0)
1.108 (54,9)
0,385
0,018 a
Média de idade
163 (37,56 ± 11)
1.804 (40,04 ± 14)
Homens
Possuir renda própria 46
Desenvolver atividades da vida diária (AVD)
121 (69,9)
(27,6)
153 (89,5)
1.286 (61,3)
199 (9,6)
1431 (69,5)
0,029 a
< 0,001a
< 0,001a
Capacidade de gerir seus pertences, inclusive dinheiro
Possuir documento de identificação civil (RG)
51 (87,9)
113 (65,3)
460 (65,3)
1.165 (56,3)
< 0,001a
0,026 a
48 (64,0)
48 (48,0)
173 (1,01± 1,5)
583 (37,7)
505 (7,1)
1896 (1,3 ± 2)
< 0,001a
0,043a
0,045 d
25 (14,5)
158 (8,7)
Possuir apenas um internamento na vida
Pacientes com menor tempo entre 1º e último internamento
Menos reinternações após a última alta
Pacientes com retardo mental
a
Teste de χ2 com correção de Yates;
b
Teste de χ2 sem correção; c Teste de Fisher;
d
0,017b
Teste t Student.
No Grupo 1, predominaram os mais jovens (p < 0,018) e os homens (p = 0,029).
Indicadores de menor dependência social, como possuir renda própria (p < 0,001), capacidade de
desenvolver as atividades da vida diária (AVD) (p = 0,001), de gerir seus pertences, inclusive
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jan./jun. 2006
53
dinheiro (p = 0,001), e possuir documento de identificação civil (RG) (p = 0,026), estavam
presentes também, em maior proporção, no Grupo 1.
Quanto aos dados de morbidade, foi significante no Grupo 1 o maior percentual dos
que tiveram apenas um único internamento (p = 0,001), menor tempo entre o primeiro e último
internamento (p = 0,043), menor número de reinternações (p = 0,045), maior co-morbidade
com alcoolismo (20,3%) e retardo mental (p = 0,017) (Tabela 3).
Tabela 3. Transtornos mentais no grupo dos epilépticos internados nos leitos psiquiátricos públicos
do Estado da Bahia-1998
TRANSTORNOS MENTAIS
n
%
Esquizofrenia e T. afins
80
46,3
Alcoolismo
35
20,3
Retardo Mental
25
14,5
T. do Humor
11
6,3
T.Ment.Orgânico
7
4,0
T. Somatiformes
5
2,9
T.M.Org. por Drogas Outras
4
2,3
T. Neurótico
3
1,7
T. Personalidade
3
1,7
T. Comportamento
–
–
173
100
Totais
DISCUSSÃO
Este estudo demonstrou que a prevalência de epilepsia na população de pacientes
internados em hospitais psiquiátricos é muito maior que a encontrada na população geral (0,5 a
0,9%)10,11. Em estudos com as mesmas características deste, alguns autores encontraram
prevalências de epilepsia semelhantes (10 a 11%)8,9,10,11,12,13,14,15 e maiores (15,2%)2. Essa diferença
sugere uma associação de epilepsia e de transtorno mental maior que na população geral.
Contrariamente a alguns autores16,17,18,19,20,21,22,23, que concluíram que epilepsia não é
fator de risco de transtorno mental, Vuilleumier e Jallon15, em clínicas ambulatoriais especializadas
de epilepsia de hospitais universitários de Genebra, Suíça, encontraram uma prevalência de
esquizofrenia de 20 a 30% em epilépticos – quando a prevalência de epilepsia na população é de
1%1,10,17,18,19 – especificando ainda que a freqüência dessa associação foi maior entre os epilépticos
farmacoresistentes, que as psicoses foram mais freqüentes nas epilepsias com aura e alterações de
consciência e que havia maior associação de esquizofrenia e sintomas psicóticos, principalmente
54
Revista Baiana
de Saúde Pública
do tipo paranóide, em epilepsias do lobo temporal. Naylor e Rogvi-Hansen24 encontraram
diminuição dos sintomas psiquiátricos (principalmente agressividade) em pacientes com epilepsia
temporal tratados cirurgicamente. Estudando previdenciários do instituto estatal de seguridade
social da Groelândia, Stefansson, Olafsson e Hauser16 encontraram também maior freqüência de
transtornos psicóticos no grupo dos epilépticos que no controle. Esses autores sugerem, com esses
achados, uma relação de transtornos mentais em epilépticos. Além da esquizofrenia e psicoses
outras, também a freqüência de retardo mental em epilépticos (14,5%) encontrada neste estudo
foi maior que na população geral (1,1%)24. Autores como Reynolds e Trimble12 e Jones13
encontraram prevalência ainda maior (19-33%) que as encontradas por nós, também em hospitais
psiquiátricos.
A freqüência de todos os transtornos mentais, quando comparada entre os dois
grupos, mostrou que, enquanto alcoolismo e retardo mental foram mais freqüentes no grupo dos
epilépticos, esquizofrenia foi maior entre o grupo dos não epilépticos.
Será que a sugerida associação entre epilepsia e transtornos mentais poderia ser
explicada pela maior freqüência de traumas cranianos nos epilépticos, de doenças parasitárias,
como cisticercose nos portadores de transtornos mentais, pelo menor cuidado higiênico ou pela
maior promiscuidade entre esses, passível de maior incidência de doenças comprometedoras do
SNC, como sífilis, por exemplo? Ou que os mesmos fatores de epilepsia primária não estariam
relacionados com transtornos mentais? Os dados encontrados neste estudo a respeito dessa
associação, apesar de sugestivos, precisam ser melhor investigados.
A comparação de variáveis sociodemográficas entre ambos os grupos do estudo
indicou algumas particularidades, cuja análise sugere que os pacientes do Grupo 1 têm menor
dependência social, maior autonomia, inclusive econômico-financeira, além de serem
significantemente mais jovens. Esta análise é reforçada pelos indicadores: possuir renda própria,
desenvolver as atividades da vida diária (AVD), ser capaz de gerir seus pertences, inclusive
dinheiro, e possuir documentos de identificação civil.
Com respeito às variáveis de morbidade, além do já referido sobre a maior
freqüência de epilepsia com transtornos mentais, os epilépticos se diferenciaram do grupo dos não
epilépticos por apresentarem conseqüências menores da enfermidade mental decorrentes da
internação psiquiátrica. Isso pôde ser revelado pela significância encontrada no grupo dos
epilépticos, por indicadores de apenas um internamento na vida e de menor período de tempo
entre o primeiro e o último internamento.
Apesar dessas particularidades do Grupo 1, a análise de algumas variáveis como
estado civil, número total de internamentos na vida, escolaridade, tempo de doença e relativa
dependência social, quando relacionadas com a população geral, apontou semelhanças entre os
v.30, n.1, p.50-58
jan./jun. 2006
55
dois grupos, sugerindo que a internação de epilépticos em hospitais psiquiátricos pode determinar,
mesmo que em menor intensidade, efeitos iatrogênicos semelhantes aos apontados para os
demais pacientes mentais internados. Alguns autores3,4,5,6,7,8,14 têm chamado a atenção para esse
fenômeno. Trevisol-Bittencourt, Becker, Pazzi e Sander2, descrevendo a prevalência de epilépticos
em hospitais psiquiátricos no Sul do Brasil, não encontraram justificativas para que esses pacientes
tivessem internamentos tão prolongados. A OPS1, em relatório recente, assinalou que, na maioria
dos países, a alta taxa de epilépticos internados em hospitais psiquiátricos é devida ao caráter
estigmatizante e preconceituoso para com a epilepsia, levando, inclusive, à incapacitação grave. O
citado relatório informa ainda que a baixa disponibilidade de serviços especializados de neurologia
faz com que esses pacientes sejam atendidos em serviços de psiquiatria com significativa
demanda. Essa tradição de caráter preconceituoso, estigmatizante e segregacionista da sociedade
para com algumas enfermidades crônicas como tuberculose, hanseníase e doença mental, tem
dificultado a implementação de cuidados adequados à clientela de epilépticos, além da internação
em hospitais psiquiátricos.
Finalmente, apesar dos dados encontrados e alguns autores sugerirem uma relação
entre epilepsia e transtorno mental, este estudo não objetivou tal especificidade. Não obstante,
aponta para a necessidade de maior aprofundamento sobre a relação epilepsia e transtorno mental,
através de trabalhos científicos posteriores. De qualquer modo, pareceu claro, pelas
particularidades encontradas e relatadas, que cuidados adequados e especializados devem ser
oferecidos aos portadores de epilepsia como substitutivos da internação em hospitais e de
atendimentos outros em serviços de psiquiatria.
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de saúde mental. Brasília, 1989. Estudos e projetos 6.
Recebido em 15.05.2005 e aprovado em 22.05.2006.
AGRADECIMENTO
Aos Drs. Teresa N. Modesto (SES-BA) pela supervisão da coleta de dados e Irênio A.
Gomes (DINEP/DNPQ/FAMED/UFBA) pela elaboração do banco de dados.
58
ARTIGO ORIGINAL
Revista Baiana
de Saúde Pública
PREVALÊNCIA DE DOR MUSCULOESQUELÉTICA EM CIRURGIÕES-DENTISTA S
Claudia Cerqueira Graçaa
Tânia Maria de Araújob
Cruiff Emerson Pinto Silvac
Resumo
A odontologia tem sido considerada uma profissão estressante, sendo
freqüentemente associada a agravos à saúde. Realizou-se estudo de corte transversal com o
objetivo de estimar a prevalência de dor musculoesquelética em cirurgiões-dentistas em 21
municípios da Bahia e identificar possíveis fatores de risco à ocorrência destas desordens.
Participaram do estudo 130 profissionais, correspondentes a 80,2% da população total de
cirurgiões-dentistas atuantes nos municípios estudados. Os profissionais foram visitados em seus
consultórios e um formulário foi aplicado. Os resultados mostram prevalência de dor para parte
superior das costas, pescoço, parte inferior das costas, ombro e mão/punho, considerando-se o
lado direito; e prevalência de dor na parte superior das costas, pescoço e parte inferior das costas
do lado esquerdo. Os resultados mostram a relevância do problema e podem contribuir para o
debate desses distúrbios entre dentistas.
Palavras-chave: Cirurgião-dentista. Distúrbios musculoesqueléticos. Saúde Ocupacional.
a
b
c
Mestra em Saúde Coletiva. Professora Assistente de Odontologia Social da Universidade Estadual de Feira de Santana
(UEFS). Km 03 BR 116 Campus Universitário. Módulo VI. Departamento de Saúde. Feira de Santana- BA CEP: 44000-000.
(75) 3224-8088. E-mail: [email protected]
Doutora em Saúde Pública. Professora Titular da Universidade Estadual de Feira de Santana. Coordenadora do Núcleo de
Epidemiologia da UEFS. E-mail: [email protected]
Professor Substituto de Estatística da Universidade Estadual de Feira de Santana. Km 03 BR 116 Campus Universitário.
Módulo V. Departamento de Exatas. Feira de Santana- BA CEP: 44000-000. (75)3 224-8086. E-mail: [email protected]
Endereço para correspondência: Universidade Estadual de Feira de Santana, Km 03 BR 116 Campus Universitário.
MóduloVI. Departamento de Saúde. Feira de Santana - BA CEP: 44000-000. Tel: (75) 3224-8088.
v.30, n.1, p.59-76
jan./jun. 2006
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PREVALENCE OF MUSCULOSKELETAL PAIN AMONG DENTISTS
Abstract
Dentistry has been considered a stressful profession, and it is frequently associated
with health damages. This is a cross-sectional study about the prevalence of musculoskeletal pain
among dentists that worked in 21 Bahia’s counties, identifying risk factors that contribute to it.
One hundred thirty dentists took part in this study, and these were equivalent to 80.2% of all
dentists in these counties. They were visited at their offices and were interviewed using a
standardized questionnaire. Results show a pain prevalence to upper back, neck, lower back,
shoulder and hand/wrist – on the right side; and to upper back, neck and lower back-left side.
Results show the relevance of this problem and can contribute to the ‘work-related musculoskeletal
disorders’ discussion among dentists.
Key words: Dentists. Musculoskeletal disorders. Occupational health.
INTRODUÇÃO
Ao se considerar o trabalho como um eixo em torno do qual se organiza a vida dos
homens, como um processo histórico, definidor de suas relações com o meio natural e entre si,
reconhece-se seu papel na determinação do processo saúde-doença da população, em geral, e
dos trabalhadores, de forma particular.
Os trabalhadores compartilham este viver/adoecer/morrer com o conjunto da
população, acrescidos dos riscos específicos, gerados em processos de trabalho particulares,
decorrentes da organização do trabalho, dos movimentos repetitivos, da monotonia e da tensão,
entre outros fatores nocivos à saúde.
A afirmação de que o trabalho provoca desgaste físico e psíquico no trabalhador, em
função das exigências impostas pelas ocupações profissionais, é, atualmente, amplamente
reconhecida. Tais exigências físicas e psicológicas são ditas cargas de trabalho, que se apresentam
sob a forma de agentes biológicos, químicos, físicos, psíquicos e mecânicos1.
Ao se avaliar a prática odontológica, de acordo com as cargas de trabalho, pode-se
dizer que esta é considerada uma das mais estressantes, quando comparada a outras profissões da
área de saúde, principalmente em virtude dos diversos riscos advindos de agentes biológicos,
químicos, físicos, psíquicos e mecânicos, a que o dentista está sujeito diariamente, que podem
acarretar ou contribuir para o adoecimento desse profissional.
Dentre todas as cargas de trabalho, as de ordem mecânica constituem-se em uma
das fontes de maior risco à saúde do cirurgião-dentista (CD) e de sua equipe de trabalho, pois
englobam desde o esforço físico e visual, deslocamentos e movimentos exigidos pela tarefa, até a
posição corporal adotada para a realização do trabalho.
60
Revista Baiana
de Saúde Pública
Os distúrbios musculoesqueléticos, embora multifatoriais em natureza, estão cada
vez mais presentes entre as principais queixas do profissional de saúde bucal, tornando-se um
problema de grande relevância para aqueles que realizam esta atividade, em função do desgaste
físico no exercício da profissão2.
Distúrbios musculoesqueléticos é o nome genérico dado a um conjunto de afecções
heterogêneas que acometem músculos, tendões, sinóvias, articulações, vasos e nervos e podem
aparecer em trabalhadores submetidos a certas condições de trabalho. Esses distúrbios podem
ocorrer em qualquer local do aparelho locomotor, embora as regiões cervical, lombar e os
membros superiores sejam os mais freqüentemente envolvidos3.
Em termos de saúde ocupacional, os distúrbios musculoesqueléticos trouxeram
vários desafios, pois, na prática, seu reconhecimento representa a incorporação de uma concepção
multifatorial da doença do trabalho, na qual estão associados, além das condições ambientais, o
posto e a organização do trabalho4.
Fatores ligados à organização do trabalho (ritmo acelerado, exigência de tempo, falta
de autonomia, fragmentação das tarefas, cobrança de produtividade, entre outros), fatores
biomecânicos (mobiliário inadequado, força e repetitividade), exacerbação da competição no
mercado de trabalho, fatores relacionados ao crescimento da informação sobre a doença e melhor
aperfeiçoamento dos técnicos ligados à área de saúde do trabalhador estão entre aqueles
responsáveis pelo crescimento de casos de distúrbios musculoesqueléticos no nosso país5.
Na odontologia, os determinantes dos distúrbios musculoesqueléticos podem estar
relacionados ao local, às técnicas, à organização do trabalho e até ao desenho da ferramenta e ao
objeto de trabalho do cirurgião-dentista, representado pelo paciente. Estes fatores contribuem para
o desenvolvimento gradual dos distúrbios por estresse repetitivo, incluindo o número de
repetições, a postura, a vibração, o estresse mecânico e a aplicação de força.
Observando o trabalho do cirurgião-dentista, podemos citar a boca, o tipo de
procedimento, o mobiliário, os instrumentais e a pressão do trabalho como alguns fatores externos
que influenciam diretamente na postura de trabalho que assume o profissional, a fim de realizar
determinadas tarefas. Apesar das recomendações ergonômicas, esse profissional, muitas vezes,
acaba por adotar uma posição defeituosa ou viciosa, que poderá acarretar prejuízo para sua saúde
futura. Assim, problemas como degeneração dos discos intervertebrais da região cervical da
coluna6, bursite7, inflamação das bainhas tendinosas e artrite das mãos8 passaram a ser relacionados
como patologias comumente encontradas entre os cirurgiões-dentistas.
Os distúrbios musculoesqueléticos são relevantes entre muitos trabalhadores em
saúde bucal. Várias partes do corpo são afetadas como punho, mãos, extremidades inferiores,
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jan./jun. 2006
61
coluna lombar, pescoço, coluna cervical, ombro e braços9. Considerando-se isoladamente essas
regiões, as prevalências variam de 36% a 57% na região lombar10,11; 42% no ombro10 e 44% na
região cervical12,13.
Diversos autores encontraram maior freqüência de sintomas musculoesqueléticos
entre os cirurgiões-dentistas quando comparados à população em geral14,15 ou a outros profissionais
de saúde11,16.
As dores nas costas atormentam grande número de cirurgiões-dentistas em todo o
mundo. Alguns estudos apontam que a região lombar é uma das mais atingidas. Isto se deve ao
fato de os discos do segmento lombar serem muito solicitados em sua função, em razão do centro
de gravidade do corpo humano concentrar-se nessa região2.
Medeiros7, estudando afecções dos membros superiores, destacou a periartrite
escapuloumeral ou bursite, a hipertrofia muscular observada no membro mais utilizado e a
contratura muscular fisiológica como agravos comumente encontrados entre os cirurgiões-dentistas.
É importante perceber a necessidade de medidas preventivas que atenuem o
impacto de tais cargas e, principalmente, compreender o contexto no qual este profissional está
inserido, considerando-se o mercado de trabalho por ele enfrentado, determinantes externos que
influenciam na organização dos segmentos corporais para atender aos objetivos da produção do
trabalho, enfim, todos os fatores que contribuem direta e indiretamente para seu adoecimento.
Com o objetivo de estimar a prevalência de dor musculoesquelética em CirurgiõesDentistas nos municípios da 3ª Diretoria Regional de Saúde – Bahia, e identificar possíveis fatores
de risco para a ocorrência de dor musculoesquelética, realizou-se este estudo.
MATERIAL E MÉTODOS
Este é um estudo epidemiológico, de corte transversal, que visa avaliar as queixas de
dor musculoesquelética associadas ao trabalho dos cirurgiões-dentistas que atuam nos municípios
da 3ª Diretoria Regional de Saúde (DIRES) - Bahia, caracterizando prevalência de dor e os fatores
associados a esse sintoma.
A sede da 3ª Diretoria Regional de Saúde (DIRES) está situada no município de
Alagoinhas, no interior da Bahia, e supervisiona, além de Alagoinhas, mais 20 municípios do
interior baiano, a saber: Acajutiba, Aramari, Araçás, Aporá, Catu, Cardeal da Silva, Crisópolis,
Conde, Entre Rios, Esplanada, Inhambupe, Itanagra, Jandaíra, Mata de São João, Ouriçangas,
Pedrão, Pojuca, Rio Real, São Sebastião e Sátiro Dias.
Esta é uma investigação da morbidade referida e foi estudada a população em sua
totalidade. Portanto, foi realizado um censo dos cirurgiões-dentistas dos municípios que compõem
a 3ª Diretoria Regional de Saúde. A população total de estudo somava 162 profissionais.
62
Revista Baiana
de Saúde Pública
Utilizou-se formulário estruturado. Informações sobre os cirurgiões-dentistas na área
estudada foram obtidas na Vigilância Sanitária da 3ª DIRES e nos arquivos do Conselho Regional de
Odontologia da Bahia (CRO-Ba).
Um pré-teste foi realizado para adequação do formulário elaborado aos objetivos da
pesquisa, assegurando-se clareza e objetividade das questões.
O instrumento, aplicado por uma única pesquisadora, continha os seguintes blocos:
(1) informações sociodemográficas e profissionais; (2) hábitos de vida (fumo, consumo de álcool,
prática de atividade física e de lazer); (3) avaliação simplificada do risco de traumas cumulativos dos
membros superiores, lombalgia e membros inferiores, utilizando lista de conferência17; (4)
avaliação da localização e freqüência da dor18; e (5) aspectos psicossociais do trabalho19.
Para avaliação simplificada do risco, utilizou-se uma versão adaptada da lista de
conferência proposta por Couto17. Para classificar o nível de risco de trauma cumulativo dos
membros superiores, procedeu-se ao somatório de questões sobre aspectos de sobrecarga física,
força com as mãos, postura, adequação do posto de trabalho, repetitividade e aspectos sobre as
ferramentas de trabalho. Atribuiu-se valor um (1) para as respostas afirmativas às questões que
apontavam a situação de risco provável (freqüentemente e muito freqüentemente) e valor zero (0)
para as respostas negativas (não e raramente). A partir do somatório obtido, classificou-se o risco
em grupos de baixíssimo a altíssimo risco, com base na proporcionalidade de respostas afirmativas
previstas na lista de conferência completa de Couto17.
Procedimentos similares foram adotados para avaliação do risco de lombalgia (que
abordava aspectos relacionados ao posicionamento estático do tronco no momento do trabalho,
emprego de força com as mãos, estando o tronco curvado, trabalho com o tronco sem apoio,
entre outros) e de riscos para membros inferiores (que avaliaram aspectos relacionados ao
posicionamento e apoio de pés e pernas no momento de realização do trabalho).
Os aspectos psicossociais do trabalho foram abordados de acordo com questionário
de conteúdo do trabalho: o Job Content Questionnaire (JCQ). Utilizou-se versão em português
traduzida por Araújo19, disponível no JCQ Center (um centro que reúne informações e
pesquisadores que trabalham com o JCQ, sediado na Universidade de Massachussets, Lowell,
EUA). O JCQ é um questionário que focaliza a estrutura social e psicológica da situação do
trabalho – aspectos relevantes do controle sobre o trabalho, das demandas psicológicas e físicas do
trabalho, oportunidade de organização do trabalho pelo profissional, interação social entre os
profissionais, aspectos sobre a insegurança e estabilidade no emprego.
Para o presente estudo foram utilizados os blocos de questões referentes ao controle
sobre o trabalho, demanda psicológica e demanda física envolvida na atividade laboral. Seguindo as
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jan./jun. 2006
63
indicações do instrumento, foi realizado o somatório das questões para avaliar cada um desses
aspectos. Utilizou-se ponto de corte na mediana dos indicadores de controle sobre o próprio
trabalho e demanda psicológica para constituição dos grupos de demanda-controle19: baixa
exigência (alto controle, baixa demanda psicológica), trabalho passivo (baixo controle, alta
demanda), trabalho ativo (alto controle, alta demanda) e alta exigência (baixo controle, alta
demanda).
As variáveis do estudo foram:
Variável dependente: Dor musculoesquelética auto-referida pelos cirurgiões-dentistas
e avaliada por meio de instrumento confeccionado com base em instrumentos padronizados, com
localização e valoração da dor. Dor foi, portanto, avaliada com base em uma escala de
desconforto18.
A escala de desconforto utilizada é uma escala de 0 a 10, em que 0 corresponde à
ausência de desconforto e 10 ao máximo desconforto. Avaliaram-se individualmente os lados
direito e esquerdo do corpo, e cada localização específica (pescoço, ombro, tórax, parte superior e
inferior das costas, cotovelo, mão/punho, quadril/coxa, joelho, perna e tornozelo/pé).
A partir dessa escala, classificaram-se os dentistas segundo presença/ausência de dor
musculoesquelética. Considerou-se presença de dor, classificando-se a população como portadora
de dor musculoesquelética, quando o profissional referiu, na escala de desconforto, valor igual ou
superior a cinco. Foi classificado como ausência de dor, considerando-se a população como não
portadora de dor musculoesquelética, quando o cirurgião-dentista respondeu, na escala adotada,
um valor inferior ou igual a quatro.
Presença e ausência de dor foi avaliada nos lados direito e esquerdo do corpo, em
cada localização específica descrita acima.
Variáveis independentes: tempo de exercício da profissão, jornada de trabalho, idade
e sexo do profissional, tipo de inserção (setor público e/ou setor privado), área de atuação, hábitos
de vida e aspectos psicossociais do trabalho.
A análise de dados foi realizada por meio da medida de ocorrência de dor
musculoesquelética, calculando-se a prevalência de dor referida pelos cirurgiões-dentistas, a partir
dos dados respondidos na escala de desconforto.
Foi utilizado ainda o somatório das questões propostas na lista de conferência para
avaliação simplificada do risco de traumas cumulativos dos membros superiores, lombalgia e
membros inferiores17. Para classificar o nível de risco, procedeu-se ao somatório das questões
incluídas, como especificado acima; em seguida, foi feita a classificação (de baixíssimo a altíssimo
risco), com base na proporcionalidade de respostas afirmativas prevista na lista de checagem
completa 17.
64
Revista Baiana
de Saúde Pública
Para descrever possíveis fatores relacionados à dor musculoesquelética referida,
testou-se associação, com base em análise bivariada, de dor segundo sua localização, nos lados
direito e esquerdo, em separado, com todas as variáveis incluídas no estudo (variáveis
independentes), mencionadas anteriormente.
Para avaliação de associação entre dor musculoesquelética e as variáveis de interesse
neste estudo, foram calculadas as razões de prevalência (RP) e seus respectivos intervalos
confiança, com limite de confiança de 95%.
Os dados foram analisados através do pacote estatístico SPSS versão 9.020.
A pesquisa foi submetida ao Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual
de Feira de Santana, tendo sido aprovada. Todos os indivíduos que aceitaram participar da pesquisa
assinaram termo de consentimento, de acordo com a Resolução 196/96 sobre Ética em Pesquisa
com Seres Humanos21.
RESULTADOS
1) Caracterização da População
Neste estudo, foram entrevistados 130 cirurgiões-dentistas dos municípios da 3ª
Diretoria Regional de Saúde, do total de 162 profissionais atuantes na região. Portanto, obteve-se
um percentual de resposta de 80,2%.
Observou-se predominância do sexo feminino, que representou 66,9% dos
entrevistados. A faixa etária de maior freqüência compreendeu indivíduos dos 20-30 anos, num
percentual de 45,4%, caracterizando, pois, uma população jovem (Tabela 1).
Com relação à renda média mensal, a predominância estava entre 11–20 salários
mínimos (equivalente, na época, a valores entre R$1.980,00 e R$ 3.600,00), num percentual de
48,5% do total de cirurgiões-dentistas, estando a fonte de renda concentrada no setor privado
(72,3%) (Tabela 1).
Com relação à inserção profissional, observou-se maior proporção no setor privado
próprio, representando 40,8%, seguida da situação em que os profissionais possuíam consultórios
próprios, mas também exerciam a função de dentista no setor público, num percentual de 35,4%
(Tabela 2).
Avaliando-se tempo de exercício da profissão observou-se que a maioria (65,4%)
tinha menos de 10 anos na profissão, predominando a atuação em Clínica Geral (64,6%). Quanto
à carga horária semanal trabalhada, pode-se observar que entre 31-40 horas concentrou-se o maior
número de cirurgiões-dentistas, perfazendo um percentual de 43,8% do total. Chama a atenção o
fato de 12,3% dos CD entrevistados possuírem carga horária de trabalho acima de 50 horas
(Tabela 2).
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Tabela 1. Distribuição da população estudada por características socioeconômicas dos cirurgiõesdentistas da 3ª Diretoria Regional de Saúde, 2001
Características socioeconômicas
n
%
Feminino
Masculino
87
43
66,9
33,1
20 –30 anos
31 – 40 anos
> 40 anos
59
42
29
45,4
32,3
22,3
Renda média mensal – SM*
1- 10 SM
11 – 20 SM
21 – 30 SM
> 30 SM
55
63
9
3
42,3
48,5
6,9
2,3
Fonte de Renda
Setor privado
Setor público
94
36
72,3
27,2
Sexo
Idade
*Salário-mínimo = R$ 180,00
Tabela 2. Distribuição dos dentistas estudados (n=130) segundo características do trabalho
profissional dos cirurgiões-dentistas da 3ª Diretoria Regional de Saúde, 2001
66
Trabalho profissional
n
%
Tipo de Inserção
Setor privado próprio
Público/ Privado próprio
Setor público
Público/ Privado contratado
Setor privado contratado
53
46
16
9
6
40,8
35,4
12,3
6,9
4,6
Tempo de exercício profissional
1 – 10 anos
11 – 20 anos
> 20 anos
85
28
17
65,4
21,5
13,1
Área de atuação
Clínica geral
Especialização
84
41
64,6
31,5
Carga horária semanal
< 30 horas
31 – 40 horas
41 – 50 horas
> 50 horas
30
57
27
16
23,1
43,8
20,8
12,3
Revista Baiana
de Saúde Pública
Dos casos estudados, 83,8% não possuíam o hábito de fumar, 74,6% não bebiam,
43,8% consideravam-se um pouco acima do peso ideal, e 52,3% não praticavam atividade física.
Quanto ao lazer, 79,2% dos cirurgiões-dentistas afirmaram ter alguma atividade semanal de lazer
(Tabela 3).
Tabela 3. Caracterização da população estudada (n=130) segundo hábitos de vida dos cirurgiõesdentistas da 3ª Diretoria Regional de Saúde, 2001
Hábitos de vida
n
%
109
14
4
2
1
83,8
10,8
3,1
1,5
0,8
Sim
Não
33
97
25,4
74,6
Peso ideal
Abaixo do peso ideal
Pouco acima peso ideal
Muito acima peso ideal
48
14
57
11
36,9
10,8
43,8
8,5
Atividade física
Sim
Não
62
68
47,7
52,3
Atividade de lazer
Sim
Não
103
27
79,2
20,8
Hábito de fumar
Nunca fumou
Ex-fumante
Fuma 4 cigarros/dia
Fuma 5 a 20 cigarros/dia
Fuma> 20 cigarros
Hábito de beber
Peso
Com relação aos aspectos psicossociais do trabalho, 57,5% referiram ter baixo
controle sobre seu trabalho; 35,4% referiram alta demanda psicológica e 40,8% relataram que a
ocupação exigia demanda física elevada.
2) Avaliação das Condições de Saúde
Na avaliação da freqüência de dor musculoesquelética referida, segundo localização,
avaliada com base no corte feito para a escala de desconforto utilizada, observou-se que, para o
lado direito das áreas de desconforto, 58% dos cirurgiões-dentistas entrevistados apresentavam dor
na parte superior das costas, 50%, dor no pescoço, 48%, dor na parte inferior das costas, 43%
apresentavam dor no ombro, e 40%, dor na mão/punho (Gráfico 1).
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67
Com relação à dor para o lado esquerdo das áreas de desconforto, os resultados
foram similares àqueles observados para o lado direito, observando-se que 55% dos profissionais
apresentavam dor na parte superior das costas, 49% dor no pescoço, 47% dor na parte inferior das
costas. As demais áreas do corpo, tanto para o lado direito quanto para o esquerdo, não
apresentaram prevalências significativas (Gráfico 1).
Gráfico 1. Freqüência de dor musculoesquelética nos cirurgiões-dentistas avaliados segundo sua
localização
3) Avaliação de Fatores Associados à Dor Musculoesquelética
Na avaliação da escala de risco para os membros superiores, 58,5% dos cirurgiõesdentistas dos municípios da 3ª DIRES, apresentaram classificação de alto risco de tenossinovite e
lesões por trauma cumulativo nos membros superiores; 53,8% para classificação de altíssimo risco,
na avaliação da escala de risco, para lombalgia. Na avaliação de trauma cumulativo nos membros
inferiores predominou classificação de baixíssimo risco.
Como mencionado anteriormente, para a avaliação de associação entre dor
musculoesquelética e potenciais fatores de risco, avaliaram-se todos os fatores de interesse,
mencionados como variáveis independentes. Contudo, apenas algumas associações mais
relevantes encontram-se apresentadas na Tabela 4.
68
Revista Baiana
de Saúde Pública
Como mostra a Tabela 4, dor musculoesquelética no pescoço, lado direito, estava
associada com o sexo feminino. Com relação à dor no ombro, lado direito, nenhum fator estudado
revelou-se estatisticamente associado à prevalência de dor observada; embora a associação com
sexo esteja em uma faixa considerada borderline (IC95%: 0,99; 2,70).
A referência de dor na parte superior das costas, lado direito, estava estatisticamente
associada com o sexo feminino (RP=1,57) e com a carga horária de trabalho entre 41-50 h
(RP=1,62) (Tabela 4).
Dor na parte inferior das costas, lado direito, estava associada a níveis
estatisticamente significantes, com carga horária de trabalho igual ou superior a 50 horas semanais
(RP=1,78) e inexistência de atividades de lazer (RP=1,56) (Tabela 4).
Dor na mão/punho, do lado direito, foi mais freqüente entre os cirurgiões-dentistas
que referiram altíssimo risco de trauma cumulativo para membro superior; estes apresentaram
quase duas vezes mais dor nessa região do que aqueles com baixo risco. A diferença observada foi
estatisticamente significante (Tabela 4).
Dor na parte superior das costas, lado esquerdo, estava associada com o sexo
feminino e inexistência de atividades de lazer (Tabela 4).
A não realização de atividades semanais de lazer estava estatisticamente associada à
freqüência de dor na parte inferior das costas (Tabela 4).
Na Tabela 5 estão apresentadas as razões de prevalência e os intervalos de
confiança obtidos na avaliação de associação entre os aspectos psicossociais do trabalho e dor
musculoesquelética. Observou-se que dor no ombro, lado direito, estava estatisticamente
associada ao trabalho ativo (RP 2,00); dor na parte inferior das costas, lado direito, apresentou
associação estatisticamente significante com trabalho ativo (RP 1,67) e alta exigência no trabalho
(RP 1,85); e dor na parte inferior das costas, lado esquerdo, apresentou associação positiva para
alta exigência no trabalho (RP 1,75).
v.30, n.1, p.59-76
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69
Tabela 4. Prevalência de dor, razões de prevalência (RP) e seus respectivos intervalos de confiança
segundo variáveis estudadas, 2001
Variável
Dor no pescoço lado direito
Sexo
Feminino
Masculino*
Dor no ombro lado direito
Sexo
Feminino
Masculino*
Dor na parte superior das costas lado direito
Sexo
Feminino
Masculino*
Horas de Trabalho
1-30 horas*
31-40 horas
41-50 horas
> 50 horas
Dor na parte inferior das costas lado direito
Horas de Trabalho
1-30 horas
31-40 horas*
41-50 horas
> 50 horas
Lazer
Sim*
Não
Dor na mão/punho lado direito
Alto/Altíssimo risco trauma
cumulativo -membros superiores
Baixo/Baixíssimo risco trauma cumulativomembros superiores
Dor na parte superior das costas lado esquerdo
Sexo
Feminino
Masculino*
Lazer
Sim*
Não
Dor na parte inferior das costas lado esquerdo
Lazer
Sim*
Não
* Grupo de Referência
70
n
Prev.
%
RP
IC 95%
50
15
57,5
34,9
1,65
1,00
(1,05; 2,58)
———-
43
13
49,4
30,4
1,63
1,00
(0,99; 2,70)
———-
57
18
65,5
41,9
1,57
1,00
(1,07; 2,30)
———-
13
33
19
10
43,3
57,9
70,4
62,5
1,00
1,34
1,62
1,44
———(0,84; 2,13)
(1,01; 2,62)
(0,83; 2,52)
14
24
12
12
46,7
42,1
44,4
75,0
1,11
1,00
1,06
1,78
(0,68; 1,81)
———(0,63; 1,78)
(1,18; 2,70)
44
18
42,7
66,7
1,00
1,56
———
(1,10; 2,21)
43
46,2
1,99
(1,03; 3,50)
9
24,3
1,00
———-
54
17
62,1
39,5
1,57
1,00
(1,05; 2,35)
———-
52
19
50,5
70,4
1,00
1,39
———(1,02; 1,90)
43
18
41,7
66,7
1,00
1,60
(1,12; 2,27)
Revista Baiana
de Saúde Pública
Tabela 5. Prevalência de dor musculoesquelética, razões de prevalência (RP) e seus respectivos
intervalos de confiança segundo aspectos psicossociais do trabalho estudados
Variáveis
n
%
RP
IC 95%
Dor pescoço lado direito
Baixa Exigência*
Trabalho passivo
Trabalho ativo
Alta exigência
22
22
16
05
45,8
48,9
66,7
38,5
_____
1,07
1,45
0,84
(0,69; 1,64)
(0,96; 2,21)
(0,40; 1,78)
Dor ombro lado direito
Baixa Exigência*
Trabalho passivo
Trabalho ativo
Alta exigência
16
18
16
06
33,3
40,0
66,7
46,2
_____
1,20
2,00
1,38
(0,70; 2,05)
(1,23; 3,26)
(0,68; 2,82)
Dor parte superior das costas lado direito
Baixa Exigência*
Trabalho ativo
Alta exigência
Trabalho passivo
26
17
10
22
54,2
70,8
76,9
48,9
_____
1,31
1,42
0,90
(0,91; 1,88)
(0,96; 2,11)
(0,61; 1,34)
Dor parte inferior das costas lado direito
Baixa Exigência*
Trabalho passivo
Trabalho ativo
Alta exigência
18
20
15
09
37,5
44,4
62,5
69,2
_____
1,19
1,67
1,85
(0,73; 1,93)
(1,03; 2,69)
(1,10; 3,09)
Dor mão/punho lado direito
Baixa Exigência*
Trabalho passivo
Trabalho ativo
Alta exigência
16
17
13
06
33,3
37,8
54,2
46,2
______
1,38
1,63
1,38
(0,81; 2,34)
(0,94; 2,80)
(0,68; 2,82)
Dor pescoço lado esquerdo
Baixa Exigência*
Trabalho passivo
Trabalho ativo
Alta exigência
23
22
13
06
47,9
48,9
54,2
46,2
_____
1,02
1,13
0,96
(0,67; 1,55)
(0,71; 1,81)
(0,50; 1,86)
Dor parte superior das costas
lado esquerdo
Baixa Exigência*
Trabalho ativo
Alta exigência
Trabalho passivo
27
13
10
21
56,3
54,2
76,9
46,7
_____
0,96
1,37
0,83
(0,62; 1,50)
(0,93; 2,02)
(0,56; 1,24)
Dor parte inferior das costas
lado esquerdo
Baixa Exigência*
Trabalho passivo
Trabalho ativo
Alta exigência
19
19
14
09
39,6
42,2
58,3
69,2
_____
1,07
1,47
1,75
(0,65; 1,74)
(0,91; 2,40)
(1,06; 2,89)
*Grupo de referência
v.30, n.1, p.59-76
jan./jun. 2006
71
DISCUSSÃO
Neste estudo, investigou-se a dor musculoesquelética auto-referida por cirurgiõesdentistas, obtendo-se um percentual de resposta de 80,2% da população selecionada pelo estudo,
conferindo validade interna ao estudo. Segundo Babbie22:253, em inquéritos, uma “[...] taxa de
resposta de pelo menos 50% é geralmente considerada adequada para análise e relatório. Uma
taxa de resposta de pelo menos 60% é considerada boa, e uma taxa acima de 70% ou mais é
muito boa.”
Com relação às limitações metodológicas, é importante levar em consideração os
problemas em torno das medidas subjetivas. O relato da localização e da intensidade da dor
musculoesquelética foi auto-referido e este pode ser influenciado pela percepção de cada
profissional sobre a dor, levando em consideração fatores psicológicos individuais e psicossociais,
como insatisfação relacionada ao trabalho e estresse do indivíduo23,24. Contudo, considerando-se
que os testes clínico-laboratoriais são imprecisos, principalmente para casos discretos e iniciais, os
estudos indicam a dor auto-referida como uma medida importante e válida para inquéritos24,25.
Uma outra limitação metodológica que deve ser levada em consideração é o
pequeno número final estudado. Apesar de ter sido incluída no estudo a totalidade da população
de profissionais na área geográfica selecionada, obtendo-se resposta de 80,2%, a análise foi
dificultada pelo pequeno número nos estratos, o que, por sua vez, acabou por determinar
intervalos de confiança muito amplos, diminuindo a precisão das estimativas realizadas.
A despeito das limitações metodológicas já discutidas, a alta prevalência de dor
musculoesquelética encontrada não deixa dúvida sobre a relevância deste problema entre os
cirurgiões-dentistas. Esses sintomas têm sido estudados há várias décadas, e ainda não são claros os
fatores envolvidos em sua gênese, nem há mecanismos seguros de intervenção e prevenção. As
taxas de acometimento na categoria, porém, parecem aumentar progressivamente, mesmo
quando comparadas aos trabalhadores de outras áreas3.
Avaliando as prevalências encontradas, é possível observar que o pescoço, o ombro,
a parte superior e inferior das costas e a mão/punho foram as regiões mais susceptíveis ao
aparecimento de dor musculoesquelética.
As prevalências observadas em nosso estudo foram muito mais elevadas do que
aquelas descritas em outros estudos, embora as regiões de localização da dor tenham sido
similares. No estudo de Santos Filho26, observou-se que o membro superior (22,0%), a coluna
(21,0%), o pescoço (20,0%) e o ombro (17,0%) foram as regiões mais susceptíveis ao
aparecimento de dor musculoesquelética.
72
Revista Baiana
de Saúde Pública
A análise de associação entre as variáveis incluídas no estudo e dor
musculoesquelética revelou que o sexo feminino e a inexistência de atividade de lazer foram as
variáveis que se associaram mais fortemente à dor, seguida da carga horária de trabalho de mais de
40h semanais.
A relação entre o sexo feminino e a dor musculoesquelética não foi encontrada na
literatura, necessitando de maior aprofundamento em estudos futuros.
A ausência de lazer como um fator contribuinte para repercussões negativas na
saúde das pessoas têm sido observada em outros estudos. A manutenção de uma atividade regular
de lazer pode constituir uma possibilidade de relaxamento e de diminuição da tensão acumulada
durante a jornada de trabalho, podendo representar um fator de proteção da saúde física e mental
das pessoas. Neste sentido, a não realização de atividades dessa natureza pode reduzir as
estratégias de enfrentamento de situações estressantes18.
Esta população de cirugiões-dentistas apresentou uma alta demanda física (em torno
de 60,0%) e psicológica proveniente do trabalho. A literatura tem mostrado que fatores
psicossociais ligados ao controle da demanda psicológica e física do trabalho podem estar
relacionados às exigências do processo de trabalho do cirurgião dentista. Santos Filho26 afirma que
esses fatores são apontados como indicadores de estresse, o que reforça a idéia da odontologia
como uma profissão física e mentalmente estressante.
Analisando a associação da dor musculoesquelética aos aspectos psicossociais do
trabalho estudados é possível observar que as maiores prevalências estiveram associadas à situação
de alta exigência (baixo controle/alta demanda) e de trabalho ativo (alto controle/alta demanda).
De acordo com Josephson, Lagerström, Hagberg e Hjelm27, profissionais com alta exigência para o
trabalho apresentam níveis elevados de exaustão emocional, sofrimento psíquico, depressão,
ansiedade e insatisfação no trabalho. Nas situações de alta exigência, o trabalho é realizado sob
elevada demanda psicológica, mas não possui o controle das condições para realizá-lo, o que
dificulta o cotidiano laboral do indivíduo, podendo produzir o adoecimento. Por outro lado, na
situação de trabalho ativo, embora a pessoa possa dispor de alto controle, precisa lidar com
elevadas demandas, muitas vezes, além de suas capacidades de responder adequadamente a elas,
mesmo dispondo de autonomia. A elevada responsabilidade envolvida na situação de trabalho
pode também ser um fator importante nas repercussões negativas sobre a saúde observadas nessas
situações.
É importante, pois, ressaltar que muitos são os fatores que contribuem para o
aparecimento dos distúrbios musculoesqueléticos relacionados ao trabalho, e estes têm tido alta
prevalência entre os cirurgiões-dentistas, ratificando a importância de sua investigação.
v.30, n.1, p.59-76
jan./jun. 2006
73
CONCLUSÃO
Com base no estudo de prevalência de dor musculoesquelética em cirurgiõesdentistas, nos municípios da 3ª Diretoria Regional de Saúde – Bahia, é possível concluir que a
população estudada apresenta prevalência de dor principalmente nos membros superiores e na
coluna vertebral.
A inexistência de investigações mais aprofundadas sobre o assunto e de um
instrumento específico para a investigação destes distúrbios musculoesqueléticos em cirurgiõesdentistas dificulta um parâmetro de comparação e sugere a necessidade de estudos futuros que
aprofundem a abordagem da queixa por região, incorporando exames mais precisos ao diagnóstico
de tais distúrbios.
O inquérito epidemiológico realizado, apesar das limitações metodológicas
apresentadas, permitiu a exploração inicial dos fatores associados às queixas de dor
musculoesquelética pesquisada e evidencia a relevância do problema entre os cirurgiões-dentistas.
Este estudo poderá contribuir para enriquecer a discussão sobre os distúrbios musculoesqueléticos
relacionados ao trabalho entre estes profissionais, questão ainda incipiente no país.
Para finalizar, sugere-se que, para prevenir a ocorrência de distúrbios
musculoesqueléticos, é necessário que sejam adotadas diversas medidas preventivas pelo cirurgiãodentista, que vão desde a adoção das medidas ergonômicas do trabalho, reorganização do
processo de trabalho, até a realização de atividades físicas e de alongamento.
Adicionalmente à adequação das condições do trabalho à promoção da saúde, os
programas de atividades físicas podem ser ferramentas úteis na prevenção dos distúrbios
musculoesqueléticos. O condicionamento físico consiste em desenvolver a capacidade muscular,
tornando o músculo capaz de desempenhar sua função de forma ideal. Este condicionamento
obtém-se através de exercícios físicos direcionados e específicos, que, associados ao alongamento
corporal, tentam prevenir os distúrbios musculoesqueléticos. Cabe ao cirurgião-dentista estar
atento e realizar tais atividades para minimizar os efeitos deletérios relacionados a sua profissão.
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jan./jun. 2006
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year period. Occupational and Environmental Medicine 1997;54:308-681.
Recebido em 29.04.2005 e aprovado em 04.04.2006.
76
ARTIGO ORIGINAL
Revista Baiana
de Saúde Pública
ACIDENTES DE TRABALHO COM ÓBITO REGISTRADOS EM
JORNAIS NO ESTADO DA BAHIA
Norma Suely Souto Souzaa
Bartira Gomes Portinhob
Márcia Falcão Barreirosc
Resumo
Este artigo descreve os acidentes ocorridos na Bahia com óbitos relacionados ao
trabalho. Trata-se de um estudo descritivo e exploratório. Foram utilizados como fontes de dados
os três principais jornais da Bahia – A Tarde, Correio da Bahia e Tribuna da Bahia – em suas
publicações dos anos de 2001 e 2002. Foram noticiados 50 acidentes de trabalho em 2001 e 80
em 2002, que causaram 79 e 98 óbitos, respectivamente. Em 2001, predominaram como causas
de óbito os acidentes de trânsito. Já em 2002, destacaram-se os homicídios. No tocante à
ocupação das vítimas, destacaram-se, em 2001, trabalhadores rurais e motoristas; em 2002,
motoristas e policiais. Na via pública ocorreu a maioria dos óbitos no intervalo de tempo estudado.
Os achados deste estudo revelam a importância da utilização da imprensa como fonte
complementar de dados para avaliação de acidentes de trabalho com óbito, sobretudo para
categorias ocupacionais que não aparecem nas estatísticas oficiais.
Palavras-chave: Acidente de trabalho com óbito. Violência no trabalho. Saúde Ocupacional.
DEATHS RELATED TO OCCUPATIONAL INJURIES REGISTERED IN
NEWSPAPERS IN THE STATE OF THE BAHIA
Abstract
The goal of this study is to describe the deaths related to occupational injuries in the
State of Bahia, in the years 2001 and 2002. This is a descriptive and exploratory study. The three
main newspapers of this State were used as sources of data - A Tarde, Correio da Bahia and
a
b
c
v.30, n.1, p.77-89
jan./jun. 2006
Médica do Trabalho do Centro de Estudos da Saúde do Trabalhador, Secretaria de Saúde do Estado da Bahia.
Estagiária de Terapia Ocupacional do Centro de Estudos da Saúde do Trabalhador. Secretaria de Saúde do Estado da Bahia.
Assistente Social do Centro de Estudos da Saúde do Trabalhador, Secretaria de Saúde do Estado da Bahia.
Endereço para correspondência: Norma Suely Souto Souza. Rua Augusto Lopes Pontes, Edf. First Tower, 1211, apto.
1803. Jardim Armação, Salvador-Ba. CEP- 41.750-170. E-mail- [email protected]
77
Tribuna da Bahia. Fifty work-related injuries in 2001 and 80 in 2002 were notified, which caused
79 and 98 deaths, respectively. In 2001, the car accidents predominated as death cause (48,2%);
in 2002, the homicide (44,9%). In relation to the victims occupation, agricultural workers (30,4%)
and drivers (24%) predominated in 2001; in 2002, drivers (28,6%) and policemen (19,4%). The
majority of the deaths (77,2% and 75,5%) occurred in the streets. So, this study discloses the
importance of the press as complementary source of data for evaluation of deaths related to
occupational injuries, over all for occupational categories that do not appear in the official statisticians.
Key words: Deaths related to occupational injuries. Violence in the work. Occupational Health.
INTRODUÇÃO
Este trabalho é continuação de um estudo realizado pelo Centro de Estudos da
Saúde do Trabalhador (CESAT), da Secretaria de Saúde do Estado da Bahia, sobre acidentes de
trabalho com óbito, publicados em jornais no período de 1999-20001. Vem sendo desenvolvido
como potencializador do sistema de informação e da qualidade de vida da população trabalhadora,
por favorecer a quantificação e qualificação dos registros e possibilitar a ampliação do
conhecimento da realidade, base para a estruturação das políticas públicas nos diversos âmbitos.
A mídia, através das matérias jornalísticas, embora apresente, como observam
Njaine Souza, Minayo e Assis2, a característica de espetacularizar as informações, utilizando-as de
forma acrítica, ainda representa um recurso alternativo complementar e enriquecedor dos dados
sobre a mortalidade por causas externas relacionadas ao trabalho, sobretudo considerando um
sistema oficial de informações, cuja qualidade é questionada por muitos autores3,4,5,6,7,8.
Como tem sido revelado em estudos dos autores citados acima, a produção das
estatísticas oficiais de acidentes de trabalho é elaborada em meio a uma série de complicadores
que repercutem na má qualidade das informações, sendo a sub-notificação um fator determinante.
Njaine, Souza, Minayo e Assis2 explicam este fato, apontando a precariedade das investigações
sobre eventos violentos, o desinteresse e o descaso na geração dessas informações por parte dos
profissionais responsáveis, agravados pelas más condições de trabalho e pelo desconhecimento
sobre a importância do registro. A falta de conhecimento sobre o que realmente se define como
acidente de trabalho, juntamente com valores culturais que consideram certos riscos como
inerentes ao trabalho, também interferem na produção dos registros9. Em concordância, Warshaw4
acrescenta também o descaso das empresas, o medo dos trabalhadores em serem culpabilizados e
a ausência de procedimentos de denúncia e investigação sobre violência, bem como outras
interferências para a caracterização da realidade.
Outro ponto relevante quanto à produção de informação sobre acidente de trabalho
é que os dados oficiais da Previdência Social não abrangem trabalhadores do setor informal,
78
Revista Baiana
de Saúde Pública
autônomos, funcionários públicos estatutários, empregados domésticos e proprietários.
Considerando que o setor coberto pela Previdência representa menos da metade da população
economicamente ativa, seus registros não abarcam os eventos que ocorrem com significativa
parcela dos trabalhadores. Estes, a princípio, no que se refere a acidente de trabalho com óbito,
seriam notificados por meio do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), que deveria ter
papel fundamental na produção de informações na área de saúde do trabalhador. Não obstante,
em estudo realizado, Souza7 observou significativo sub-registro do SIM na Bahia, que registrou três
vezes menos acidente de trabalho com óbito do que a Previdência Social, apesar de sua cobertura
ser oficialmente maior do que a desta última.
Com base nessas constatações, suspeita-se que muitos eventos identificados nesta
investigação não tenham sido oficialmente notificados como acidentes de trabalho, tornando as
matérias jornalísticas fonte de dados significativa para a ampliação dos registros sobre acidente de
trabalho com óbito.
Este estudo, portanto, propõe-se a descrever os acidentes com óbito, relacionados
ao trabalho, registrados em três jornais do Estado da Bahia, nos anos de 2001 e 2002, de forma a
ampliar o conhecimento nessa área, em que a subnotificação é notória, propiciando subsídios para
o desenvolvimento de políticas públicas. Especificamente no tocante ao CESAT, este trabalho
contribuirá para a melhoria das informações em saúde do trabalhador e, conseqüentemente, para
o planejamento mais adequado das atividades de vigilância.
MATERIAL E METÓDOS
Para a realização deste estudo, foram utilizados como fontes de dados os três
principais jornais da Bahia – A Tarde, Correio da Bahia e Tribuna da Bahia – em suas publicações
dos anos de 2001 e 2002. Avaliaram-se as matérias referentes às mortes de trabalhadores em
situações de trabalho ou relacionadas a ele, ocorridas no Estado da Bahia.
Foi compreendido como acidente de trabalho com óbito o que tivesse ocorrido pelo
exercício do trabalho a serviço da empresa, além de acidente ligado ao trabalho que, embora não
tenha sido a causa única, haja contribuído diretamente para a morte do trabalhador10. Ainda com
base na legislação da Previdência Social, foi considerado acidente de trabalho aquele sofrido pelo
trabalhador no local e no horário do trabalho, em conseqüência de violência intencional ou não
intencional, praticada por terceiro ou companheiro de trabalho, ou outros casos decorrentes de
força maior; ou ainda o acidente sofrido fora do local e horário de trabalho, na execução de ordem
ou na realização de serviço de interesse ou autoridade da empresa. Considerou-se também
acidente de trabalho o que ocorreu no percurso da residência para o local de trabalho e vice-versa.
v.30, n.1, p.77-89
jan./jun. 2006
79
Todos os acidentes foram considerados como violência, a qual foi classificada em: intencional
(homicídios e latrocínios) e não intencional (todos os outros).
Quanto aos acidentes registrados em mais de um jornal, as informações foram
utilizadas complementarmente de forma a evitar a duplicidade de eventos. No banco de dados,
cada acidente divulgado em um ou mais jornais obteve um mesmo número que serviu de
referência para todas as vítimas do mesmo acidente. As análises, porém, foram traçadas tendo
como matriz o trabalhador. Assim, cada óbito foi registrado em uma ficha de coleta de dados, de
modo que um acidente poderia originar mais de uma ficha de dados, quando gerada mais de uma
vítima.
As variáveis analisadas foram: sexo, idade, tipo de violência, ramo de atividade,
ocupação, local de ocorrência, município de ocorrência e objeto causador.
Para codificação das variáveis ocupação, ramo de atividade e município de
ocorrência utilizou-se um livro de códigos simplificado com códigos respectivos da Classificação
Brasileira de Ocupações (CBO), da Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE) e do
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
O processamento e a análise dos dados foram efetivados no programa Epi Info,
versão 611.
RESULTADOS
Foram noticiados pelos jornais 50 acidentes de trabalho com óbito em 2001 e 80
em 2002, causando 79 e 98 mortes, respectivamente.
O sexo masculino representou 96,9% e 95,9% do total de trabalhadores vitimados
em cada ano. Os trabalhadores com menos de 40 anos representaram 57% e 65% da população
estudada, respectivamente, em 2001 e 2002, com média de idade de 39 (19-74) e 37 anos (1464). Foi relatado apenas um caso de morte de trabalhador menor de idade.
Em 2001, as mortes por acidente de trabalho ocorridas em Salvador, noticiadas nos
jornais, corresponderam a 25,3% do total no Estado, percentual que quase duplicou (42,9%) no
ano seguinte.
A violência não intencional (68,4% e 55,1%) prevaleceu em relação à intencional
(31,6% e 44,9%) nos respectivos anos de 2001 e 2002. Do total de mortes ocorridas em Salvador,
mais de 60% foram devidas à violência intencional, enquanto no restante do Estado esse
percentual correspondeu a menos de 30%.
Como os óbitos por acidentes relacionados ao transporte constituíram percentuais
importantes no total de casos, definiu-se pela desagregação dos óbitos por violência não
80
Revista Baiana
de Saúde Pública
intencional (relacionada ao transporte e outras), que pode ser observada no Gráfico 1. Vê-se que,
em 2001, predominou como causa de óbito a violência não intencional relacionada ao transporte
(48,2%). Já em 2002, destacaram-se tanto esta última (43,9%) quanto os acidentes com óbito
causados por violência intencional (44,9%).
Gráfico 1. Distribuição dos acidentados de trabalho com óbito por tipo de violência e ano, Bahia,
2001-2002
Fonte: Imprensa (Jornais A Tarde, Correio da Bahia e Tribuna da Bahia)
Entre as causas de óbito por violência não intencional, o acidente de transporte
(colisão, capotamento, tombamento e atropelamento) representou 70,4% e 79,6% dos casos em
2001 e 2002. As outras causas relacionadas às atividades realizadas no ambiente de trabalho
restrito à empresa apareceram com percentuais pouco significativos (Tabela 1).
No tocante à violência intencional, observou-se um aumento no percentual de
homicídios no decorrer dos anos (16% para 50%). Os latrocínios apresentaram uma diminuição na
ocorrência de 84% para 50%. O objeto causador predominante nestes tipos de violência foi a arma
de fogo (76% e 90%), respectivamente em 2001 e 2002.
Quanto ao ramo de atividade dos trabalhadores vitimados, predominaram, em 2001,
a agricultura (30,4%), o transporte (29,1%) e a construção civil (8,9%); em 2002, o transporte
(34,7%), a administração pública (22,4%) e o comércio (12,2%) foram os ramos mais freqüentes.
Chama a atenção que 82% dos acidentes com óbitos ocorridos na administração pública referiamse à segurança pública.
v.30, n.1, p.77-89
jan./jun. 2006
81
Tabela 1. Distribuição dos acidentados de trabalho com óbito devido à violência não intencional por
ano e objeto causador do acidente, Bahia, 2001-2002
Ano
2001
2002
Objeto Causador
N
%
N
%
Colisão, capotamento, tombamento,
atropelamento
Soterramento
Explosão
Choque elétrico
Outros
Total
38
5
–
2
9
54
70,4
9,3
–
3,7
16,6
100,0
43
–
5
3
3
54
79,6
–
9,2
5,6
5,6
100,0
Fonte: Imprensa (Jornais A Tarde, Correio da Bahia e Tribuna da Bahia)
Na Tabela 2, verifica-se que, relativamente a óbitos por violência não intencional,
destacaram-se os seguintes ramos de atividade: agricultura (44,4%) em 2001 e transporte (46,3%)
em 2002. Quanto à violência intencional, predominaram o transporte (28,0%) em 2001 e a
administração pública (40,9%) em 2002.
Tabela 2. Distribuição dos acidentados de trabalho com óbito por tipo de violência, ano e ramo de
atividade, Bahia, 2001-2002
Tipo de Violência
Violência Intencional
2001
Violência Não-Intencional
2002
2001
2002
N
%
Ramo de atividade
N
%
N
%
N
%
Agricultura
_
_
_
_
24
44,4
7
13,0
Transporte
7
28,0
9
20,5
16
29,6
25
46,3
Construção civil
3
12,0
_
_
4
7,4
2
3,7
Administração Pública
5
20,0
18
40,9
1
1,9
4
7,4
Comércio
5
20,0
8
18,2
_
_
4
7,4
Educação
1
4,0
3
6,8
1
1,9
_
_
Indústria de Transformação
1
4,0
_
_
2
3,7
4
7,4
Indústria Extrativa
_
_
1
2,3
1
1,9
3
5,6
Saúde
_
_
1
2,3
_
_
2
3,7
Outros
3
12,0
2
4,5
5
9,2
3
5,5
Ignorado
_
_
2
4,5
_
_
_
_
25
100,0
100,0
54
100,0
54
100,0
Total
44
Fonte: Imprensa (Jornais A Tarde, Correio da Bahia e Tribuna da Bahia)
82
Revista Baiana
de Saúde Pública
Em relação à ocupação das vítimas, predominaram, em 2001, os trabalhadores rurais
(30,4%) e os motoristas (24,1%). Em 2002, os motoristas (28,6%) e os policiais (19,4%). Nos dois
anos, vigilantes (8,9% e 6,1%) e ajudantes de caminhão (7,6% e 7,1%) apareceram também em
destaque (Quadro 1).
Ocupação
2001(N=79)
2002 (N=98)
Trabalhador rural – 24 (30,4 %)
Motorista – 28 (28,6%)
Motorista - 19 (24,1 %)
Vigilante – 7 (8,9%)
Ajudante de caminhão – 6 (7,6%)
Operador – 3 (3,8%)
Professor – 2 (2,5%)
Cobrador – 2 (2,5%)
Servente de obras – 2 (2,5%)
Outros – 14 (17,7%)
Policial – 19 (19,4%)
Trabalhador rural – 7 (7,1%)
Ajudante de caminhão – 7 (7,1%)
Comerciante – 7 (7,1%)
Vigilante – 6 (6,1%)
Operador de refinaria petróleo – 3 (3,1%)
Cobrador – 2 (2,0%)
Aux. de serviços gerais – 2 (2,0%)
Operador – 2 (2,0 %)
Outros­ – 15 (15,3 %)
Quadro 1. Acidentados de trabalho com óbito por ano e ocupação, Bahia, 2001-2002
Fonte: Imprensa (Jornais A Tarde, Correio da Bahia e Tribuna da Bahia)
A maioria dos motoristas (57,9% e 67,9%, em 2001 e 2002, respectivamente) foi
vítima de acidente de transporte. Quanto aos policiais, as causas de óbito foram quase
exclusivamente relacionadas à violência intencional (100% em 2001 e 84,2% em 2002). Os
trabalhadores rurais foram 100% vítimas de acidentes de transporte nos dois anos (Tabela 3).
Tabela 3. Distribuição dos acidentados de trabalho com óbito por tipo de violência, ano e algumas
ocupações, Bahia, 2001-2002
Tipo de Violência
Não intencional
Ocupação
Policial
Motorista
2001
2002
2001
Trabalhador Rural
2002
2001
N
%
2002
N
%
N
%
N
%
N
%
11
57,9
19
67,9
_
_
3
15,8
2
10,5
1
3,6
_
_
_
_
_
_
_
_
6
31,6
8
28,5
1 100,0 16
84,2
_
_
_
_
100,0
1 100,0 19 100,0
24 100,0
N
%
7 100,0
(transporte)
Não intencional
(outras *)
Intencional
Total
19
100,0 28
24 100,0
7 100,0
Fonte: Imprensa (Jornais A Tarde, Correio da Bahia e Tribuna da Bahia)
* Não relacionada a transporte
v.30, n.1, p.77-89
jan./jun. 2006
83
Na via pública, ocorreu a maioria dos óbitos (77,2% e 75,5%) nos anos estudados.
Quando analisadas por tipo de violência, verifica-se, na Tabela 4, que as mortes devido à
violência intencional aconteceram principalmente na via pública (56% em 2001 e 68,2% em
2002). Também são significativos os percentuais de óbitos por violência intencional dentro das
empresas (44%, em 2001 e 29,5% em 2002). No ano de 2002, a violência não intencional, não
relacionada a transporte, vitimou trabalhadores, principalmente nas dependências das empresas
(72,7%), como seria esperado.
Tabela 4. Distribuição dos acidentados de trabalho com óbito por tipo de acidente, ano e local de
ocorrência, Bahia, 2001-2002
Tipo de Violência
Local do Acidente
Violência Intencional
Violência não Intencional -
Violência não Intencional -
Outras *
2001
2002
Transporte
2001
2002
2001
2002
N
%
N
%
N
%
N
%
N
%
N
%
Via pública
14
56,0
30
68,2
6
46,2
1
9,1
41
100,0
43
100,0
Empresa
11
44,0
13
29,5
6
46,2
8
72,7
_
_
_
_
Outros
_
_
1
2,3
1
7,6
2
18,2
_
_
_
_
Total
25
100,0
44
100,0
13
100,0
11
100,0
41
100,0
43
100,0
Fonte: Imprensa (Jornais A Tarde, Correio da Bahia e Tribuna da Bahia)
* Não relacionada a transporte
DISCUSSÃO
A imprensa como fonte de informação de acidentes de trabalho com óbito não
pode ser considerada a mais completa. Comparada com os dados da Previdência Social, a
quantidade de óbitos analisada neste estudo correspondeu a apenas 61% e 63% do total registrado
naquela nos anos de 2001 e 2002 no Estado da Bahia12. Ressalta-se que a Previdência registra
acidentes apenas de trabalhadores celetistas, enquanto a imprensa não encerra essa restrição, o
que torna, portanto, os percentuais acima ainda superdimensionados. Uma dificuldade encontrada
na avaliação das informações publicadas nos jornais foi a ausência, em muitos casos, de dados
importantes como, por exemplo, vínculo empregatício e nome da empresa. A impossibilidade de
elaboração de taxas também se configura como um limite deste estudo, uma vez que não se tem
como definir um denominador adequado, considerando que os trabalhadores vitimados podem
não necessariamente residir e/ou trabalhar no Estado da Bahia, a exemplo dos trabalhadores em
trânsito.
84
Revista Baiana
de Saúde Pública
Por outro lado, a imprensa se revela uma estimável fonte alternativa para avaliação
de acidentes de trabalho com óbito, considerando a cobertura desses eventos para categorias
ocupacionais que não aparecem nas estatísticas oficiais. Este estudo desvelou, por exemplo, os
óbitos de trabalhadores rurais que, devido à ampla informalidade dos vínculos trabalhistas, são subregistrados pela Previdência Social. Quanto aos policiais, cujas mortes foram sobejamente
mostradas neste trabalho, notadamente no ano de 2002, os óbitos por acidente de trabalho não
aparecem nos registros da Previdência, devido a seu tipo de vínculo empregatício. Até 2003, esses
eventos, quando homicídios, não eram considerados pelo Ministério da Saúde como acidentes de
trabalho, para efeito de registro no SIM8. Na Itália, Baldasseroni, Chellini, Zoppi e Giovennatti13,
em um estudo de acidentes de trabalho com óbito, baseado em várias fontes de dados,
ressaltaram a importância da imprensa como fonte de informação adicional.
Comparado ao estudo realizado pelo CESAT, nos anos de 1999 e 20001, este
trabalho evidenciou algumas mudanças: aumentou o percentual de trabalhadores vitimados do
sexo masculino (no período de 1999-2000 foi de 88%, enquanto nos dois anos avaliados foi maior
que 95%) e também aquele de óbitos por acidente de transporte, dentre as violências não
intencionais (aumento de 15 e 20%, respectivamente em 2001 e 2002). Um outro achado foi a
diminuição na ocorrência de acidentes com óbito em trabalhadores menores: de três óbitos no
primeiro estudo para um neste último. Mudanças mais significativas, no que se refere à faixa
etária, ocupação e ramo de atividade dos vitimados, não foram observadas.
Não se encontrou na literatura nacional (base Scielo) nenhum estudo que utilizasse a
imprensa como fonte de dados para avaliação de acidentes de trabalho com óbito. Estudos sobre
esses eventos, mas empregando outras fontes de dados, vêm averiguando, cada um em sua
abrangência, variáveis como sexo, faixa etária, ocupação, tipo de violência e local do acidente e
apresentam achados concordantes com os desta investigação.
Assim, a população masculina, como foi constatado aqui, tem sido a mais atingida.
Estudos mostraram percentuais similares de trabalhadores do sexo masculino vitimados por
acidentes de trabalho3,7,8,15,16. Os pequenos percentuais observados para as mulheres devem-se,
possivelmente, aos tipos de ocupações exercidas por elas, que apresentam menores riscos de
acidente de trabalho fatal.
A maioria dos óbitos ocorreu com o trabalhador adulto jovem (até 40 anos),
portanto, em plena idade produtiva, dado este concordante com outros estudos3,7,8,14,15,16. Como
referido acima, foi constatada uma morte em menor de idade de quatorze anos: um trabalhador
rural vitimado por acidente de transporte. Não obstante ser considerado ilegal no país esse tipo de
trabalho, o percentual de incidência – 10,8% – ainda é significativo na Bahia17, notadamente na
área rural.
v.30, n.1, p.77-89
jan./jun. 2006
85
Estudos têm mostrado, quanto aos ramos econômicos e ocupações dos
trabalhadores vitimados, perfil semelhante aos observados nesta investigação. Avaliando o banco
de dados do SIM para o Estado da Bahia no ano de 1998, Souza7 encontrou como ocupações
principais: condutor de veículo (26,7%) e trabalhadores agropecuários (8,9%). Esse sistema de
informação, no entanto, não assinalou óbitos por acidentes de trabalho de policiais. Oliveira e
Mendes15, em estudo realizado em Porto Alegre, verificaram que as pessoas que morreram
durante as atividades relacionadas ao trabalho estavam ligadas, predominantemente, à construção
civil, ao transporte e ao serviço de segurança. No Estado de São Paulo, entre 1997 e 1999, o grupo
de ocupações vinculadas às atividades de serviço e comércio, seguido pelo do transporte e
indústria, ocupou a primeira posição, considerando-se o total de mortos por acidente de trabalho8.
O Censo Nacional de Acidentes Ocupacionais Fatais, realizado pelo Departamento do Trabalho
dos Estados Unidos, em 2002, evidenciou que os ramos econômicos que vitimaram mais
trabalhadores foram a construção civil, o transporte e a agricultura16. Importante ressaltar que esse
último estudo utilizou taxa.
Chama a atenção que todos os trabalhadores rurais registrados neste estudo foram
vítimas de acidente de trânsito. Esse achado confirma a precariedade e a não fiscalização do tipo
de transporte utilizado por esses trabalhadores, geralmente conduzidos em carrocerias de
caminhões e camionetas. Quanto aos policiais, em quase sua totalidade, os óbitos foram devido a
agressões, o que evidencia a “[...] violência do Estado que expõe seus servidores a agressões
ocupacionais típicas.” como referem Oliveira e Mendes15: 81.
Concordante com este trabalho, estudos vêm mostrando a tendência de diminuição
das mortes por acidentes de trabalho, considerados mais tradicionais, e de aumento daquelas
associadas com a violência urbana, sobretudo relacionadas ao trânsito e aos homicídios8,15. Os
óbitos relacionados ao trânsito reportam não somente à realidade dos acidentes de trabalho, mas
também refletem a casuística das mortes por causas externas em geral, já que os acidentes de
trânsito foram a maior causa de mortes violentas em 2000, em todo o mundo, segundo a
Organização Mundial da Saúde18, com 1,2 milhão de vítimas fatais. Quanto ao trânsito brasileiro,
houve, no período entre 1977 e 1994, tendência crescente de mortalidade de quase 50%19. O
mesmo pode-se inferir quanto aos homicídios que, na década de 1990, chegaram a ocupar, no
Brasil, a primeira posição entre as causas externas de morte, com uma elevação de 160% no
período de 1977 a 199420.
Dessa forma, Waldvogel8:53 chama atenção para o “[...] aumento de riscos potenciais
de acidente de trabalho, com o acréscimo dos riscos mais gerais associados ao total da população,
independentemente de sua condição de trabalho.” Esse risco de violência urbana aumentado para
86
Revista Baiana
de Saúde Pública
os trabalhadores, no entanto, nem sempre independe da condição de trabalho. Documento da
NIOSH, citado por Warshaw4, menciona que os homicídios relacionados ao trabalho, ao menos
nos Estados Unidos, apresentam características próprias: enquanto, na maioria dos casos de
homicídios ocorridos na sociedade, o homicida e sua vítima se conhecem entre si, e somente 13%
deles estariam ligados a outros delitos, essas proporções se invertem no lugar de trabalho, no qual
mais de 75% dos homicídios foram cometidos por pessoas normalmente desconhecidas para as
vítimas, no transcurso de um roubo ou outro delito. Além disso, homicídios relacionados ao
trabalho estariam condicionados a fatores de risco próprios de algumas atividades: trabalho solitário
ou em grupos reduzidos, intercâmbio de dinheiro com o público, trabalho realizado nas últimas
horas da noite ou nas primeiras da manhã, trabalho em zonas de alta criminalidade, custódia de
bens de valor e trabalho nas ruas.
Os achados referidos acima sinalizam que somente as formas tradicionais de
enfrentamento das mortes no trabalho, focadas principalmente na prevenção de riscos dentro das
empresas, não poderão dar conta da magnitude desse problema. As ações na área da saúde do
trabalhador deverão contemplar também os acidentes relacionados ao trânsito e à violência
intencional, além de alinhar-se às políticas de transporte urbano, segurança pública e também com
aquelas que promovam a diminuição da desigualdade social, de forma a enfrentar a violência
urbana, responsável, pelo que se pode notar neste estudo e em vários outros
, por uma
3,7,8,14,15
parcela significativa das mortes de trabalhadores.
O CESAT, portanto, deverá levar em consideração esses achados no planejamento
de suas atividades de vigilância, divulgando essas informações para as categorias de trabalhadores
que vêm sendo vitimadas, além de desenvolver um trabalho conjunto com a Secretaria de
Segurança Pública, Fórum de Violência, entre outras entidades que lidam com a violência urbana.
Ademais, as informações produzidas devem ser encaminhadas à Diretoria de Informação e
Comunicação em Saúde (DICS) da SESAB, para subsidiar a correção dos dados do Sistema de
Informação sobre Mortalidade (SIM), relativamente ao campo “acidente de trabalho” da
Declaração de Óbito.
É importante ressaltar que a utilização exclusiva de uma fonte de dados não é
suficiente para o conhecimento sobre a mortalidade por acidentes de trabalho. Alguns trabalhos8,13
vêm analisando diversas fontes com obtenção de resultados mais completos e fidedignos. Por
conseguinte, para a complementação desta investigação, apresenta-se como atividade futura a
elaboração de estudos que avaliem declarações de óbitos e comunicações de acidentes de
trabalho com óbito, no sentido de aperfeiçoar a vigilância sobre as reais condições que vêm
acarretando esse dramático problema, que é a morte em situação de trabalho.
v.30, n.1, p.77-89
jan./jun. 2006
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Recebido em 16.05.2005 e aprovado em 16.02.2006.
v.30, n.1, p.77-89
jan./jun. 2006
89
ARTIGO ORIGINAL
CONHECIMENTO DA AGENDA ESTADUAL DE S AÚDE PELOS DIRETORES E
COORDENADORES DE SER VIÇO DOS DISTRITOS S ANITÁRIOS DE BROTA S E
SUBÚRBIO FERROVIÁRIO
Maria Romana Amorim da Costaa
Maridete Simões de Castro Cunhab
Nívia Martins Menezesc
Silvana Márcia Pinheiro Santos Coelhod
Maria Helena Riose
Resumo
Este estudo apresenta uma avaliação acerca do conhecimento dos Diretores e
Coordenadores de Serviço das Unidades de Saúde dos Distritos Sanitários de Brotas e Subúrbio
Ferroviário do Município de Salvador sobre a Agenda Estadual de Saúde de 2004. Foi realizada uma
pesquisa qualitativa, nos Distritos Sanitários de Brotas e Subúrbio Ferroviário, Salvador, em 2005.
Os indicadores escolhidos foram a Redução da Mortalidade Infantil e a Redução da Mortalidade
Materna. A análise dos dados demonstrou que os Diretores e Coordenadores de Serviço das
unidades de saúde desconhecem a Agenda. O maior percentual de conhecimento foi apresentado
pela unidade Azul, devido a sua especificidade. Apesar do desconhecimento do instrumento de
gestão entre os entrevistados, algumas ações estratégicas estão sendo executadas por coincidirem
com a demanda da própria unidade e orientações da Diretoria.
Palavras-chave: Agenda de saúde. Distrito Sanitário. Planejamento.
a
b
c
d
e
Secretaria da Saúde do Estado da Bahia.
Secretaria da Saúde do Estado da Bahia.
Secretaria da Saúde do Estado da Bahia.
Secretaria da Saúde do Estado da Bahia.
Secretaria da Saúde do Estado da Bahia.
Endereço para correspondência: Rua Sócrates Guanaes Gomes, nº 140 apart. 302, Cidade Jardim - Salvador-BahiaBrasil – CEP 40.296.720. Endereço eletrônico: [email protected]
90
Revista Baiana
de Saúde Pública
THE LEVEL OF KNOWLEDGE OF THE STATE’S HEALTH AGENDA BY DIRECTORS AND
COORDINATORS OF THE DISTRICTS OF BROTAS AND SUBÚRBIO FERROVIÁRIO
Abstract
This article presents an analysis of the knowledge of directors and coordinators of
the SUS in the districts of Brotas and Subúrbio Ferroviário about the 2004 State’s Health Agenda.
The methodology utilized was a qualitative research and the indicators chosen for the study were
the index of childhood mortality and maternal mortality. The results showed a significant lack of
knowledge of the Health’s State Agenda by the directors and coordinators of the SUS. Despite of
the lack of knowledge of the tools for the health management among those interviewed, some of
the strategies had been implemented because they coincide with the need of that particular unit,
and/or the decision of its director.
Keywords: Health agenda. Districts. Planning.
INTRODUÇÃO
Em 1988, a criação do Sistema Único de Saúde (SUS), descrito nos artigos nº 196 e
198 da Constituição Federal, tornou iminente a necessidade de elaboração de leis e normas para
regulamentar e orientar sua ação.
No governo de Fernando Henrique Cardoso, o Ministro da Saúde, José Serra, no uso
de suas atribuições legais e considerando a necessidade de reformulação e aprimoramento dos
instrumentos de gestão do Sistema Único de Saúde aprova a Agenda Nacional de Saúde para o
ano de 2001, através da Portaria nº 393, publicada no Diário Oficial, de 29 de março de 2001. Ela
define os eixos a serem considerados como referenciais prioritários no processo de planejamento
em saúde¹.
A definição desses eixos efetuou-se após uma intensa articulação entre os
representantes das diversas esferas de gestão – Ministério da Saúde, Conselho Nacional de
Secretários de Saúde (CONASS) e Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde
(CONASEMS) – e foi concluída com a aprovação do Conselho Nacional de Saúde, em sua 19ª
Reunião Extraordinária, realizada em dezembro de 2000, em Brasília. São seis os eixos prioritários
de intervenção para o ano de 2001: redução da mortalidade infantil e materna; controle de
doenças e agravos prioritários; reorientação do modelo assistencial e descentralização; melhoria da
gestão, do acesso e da qualidade das ações e serviços de saúde; desenvolvimento de recursos
humanos do setor saúde; qualificação do controle social¹.
A Agenda Nacional de Saúde deverá ser elaborada e devidamente homologada pelo
Conselho Nacional de Saúde até o mês de março de cada ano, e será a base para elaboração
(quadrienal) e revisão (anual) do Plano Nacional de Saúde do ano subseqüente e das Agendas de
Saúde Estaduais e Municipais².
v.30, n.1, p.90-104
jan./jun. 2006
91
Visando auxiliar os gestores municipais e estaduais no processo de elaboração,
tramitação e acompanhamento dos instrumentos de gestão previstos na legislação do SUS e
considerando a necessidade de padronização das informações para comparabilidade e
compatibilidade nos três níveis de direção, o Ministro interino da Saúde, Barjas Negri, aprovou o
documento Orientações Gerais para a Elaboração e Aplicação da Agenda de Saúde, do Plano de
Saúde, dos Quadros de Metas, e do Relatório de Gestão como instrumentos de Gestão do SUS,
através da Portaria nº 548, de 12 de abril de 2001. Tais instrumentos são complementares e
articulados entre si e visam dar maior eficiência e eficácia ao processo de planejamento em saúde
nas três esferas gestoras. “A Agenda de Saúde é a primeira etapa do processo de planejamento da
Gestão em Saúde, a qual estabelece, justifica e detalha as prioridades e estratégias da Política de
Saúde em cada esfera de Governo e para cada exercício.”2:3
Ao serem consolidadas e adaptadas em cada esfera de Governo, as Agendas de Saúde
comporão um processo de responsabilização progressiva, tendo por base as referências políticas,
epidemiológicas e institucionais de cada esfera, sempre com a homologação do Conselho de Saúde
correspondente, passando, sucessivamente, pelas instâncias Federal, Estadual e Municipal. A
periodicidade de elaboração desta agenda é anual e sua construção utiliza referências técnicas,
epidemiológicas e políticas (Planos de Governo, Pleitos, Deliberações dos Conselhos etc.)¹.
A formulação e o encaminhamento da Agenda Estadual de Saúde são de
competência do Gestor Estadual, cabendo ao Conselho Estadual de Saúde apreciá-la e propor as
alterações que julgar pertinentes, de acordo com o perfil epidemiológico da população,
reencaminhando-a ao Gestor Estadual. Deve ser dada ampla divulgação da Agenda, de modo a
alcançar todos os Municípios do Estado¹.
O atual momento de consolidação do Sistema Único de Saúde Brasileiro (SUS)
apresenta uma série de oportunidades para concretização de um salto qualitativo na atenção à
saúde oferecida à população. Mas é necessário que o componente operacional do Sistema tenha
conhecimento das decisões tomadas pelo componente político.
Todo Sistema de Serviços de Saúde pode ser concebido como formado por três
componentes: o político, o técnico administrativo de nexo normativo e o nível técnico
operacional. O nível político toma decisões de ordem política, o nível técnico
administrativo, transformaria as decisões em planos, programas, normas e orientações. Já o
nível técnico-operacional, realizaria as ações, tendo em conta os planos, programas,
normas [...]4:3
A Secretaria de Saúde do Estado da Bahia (SESAB) definiu como estratégia para
divulgação da Agenda de Saúde a realização de seminários internos com técnicos que participaram
92
Revista Baiana
de Saúde Pública
da elaboração da Agenda e dirigentes da SESAB e externos, com participação de técnicos, gestores,
conselhos municipais, representantes do Conselho Estadual de Saúde, do CONASS, CONASEMS e
Ministério da Saúde, dentre outros atores sociais.
Com base no exposto, investigou-se a eficácia da divulgação da Agenda Estadual de
Saúde, pela SESAB, em promover tal conhecimento para os Diretores e Coordenadores de
Serviços de Saúde.
Este estudo avaliou o conhecimento dos Diretores e Coordenadores de Serviço das
Unidades de Saúde dos Distritos Sanitários de Brotas e Subúrbio Ferroviário do Município de
Salvador sobre a Agenda Estadual de Saúde de 2004, no que se refere aos indicadores de redução
da mortalidade materna e infantil.
Os resultados obtidos com este estudo permitirão ao Gestor Estadual da Bahia e a
outros Gestores Estaduais e/ou Municipais avaliarem a forma de divulgação da Agenda e as
implicações da divulgação na execução das ações propostas, assim como avaliar a integração entre
seu corpo técnico-administrativo e técnico-operacional, podendo ainda ser utilizados para subsidiar
propostas de capacitação do nível técnico-operacional e estratégias metodológicas da elaboração
das Agendas de Saúde.
MATERIAL E MÉTODOS
O tipo de pesquisa realizada foi a qualitativa, nos Distritos Sanitários de Brotas e
Subúrbio Ferroviário, no Município de Salvador, em 2005. O primeiro foi definido por sorteio entre
os Distritos que dispõem de maternidade, e o segundo por apresentar maior taxa de mortalidade
materna no município, de acordo com dados do Sistema de Informação de Mortalidade5.
A população do estudo foi constituída por uma amostra de conveniência composta
por 04 Gestores e 47 Coordenadores de Serviço das unidades de saúde dos referidos Distritos
Sanitários, presentes nas unidades no período da coleta de dados.
Os indicadores escolhidos para avaliação do conhecimento dos Gestores e Técnicos
foram: Redução da Mortalidade Infantil; e Redução da Mortalidade Materna.
Os dados foram coletados na primeira e segunda semanas de março de 2005, no
turno matutino, após a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido pelos Secretários
de Saúde Estadual e pelos Gestores e Coordenadores de Serviço das unidades definidas para o
estudo, em local privativo, atendendo aos requisitos da Resolução 196/96, do Conselho Nacional
de Saúde.
Foi utilizado como instrumento de coleta um questionário estruturado com nove
questões, abordando os seguintes aspectos: conhecimento que os entrevistados têm sobre a
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jan./jun. 2006
93
agenda; execução do I Compromisso – Redução da Mortalidade Materna e Infantil; utilização da
agenda no planejamento das atividades e existência de dificuldade enfrentada na implementação
da agenda pelos pesquisados. As respostas foram registradas na íntegra no referido questionário.
Buscou-se registrar os depoimentos dos sujeitos sem fazer julgamento ou correções da fala.
Agrupados em um quadro, considerando os eixos definidos pela Agenda de Saúde,
os dados foram analisados após leituras exaustivas dos depoimentos dos sujeitos.
As unidades de saúde foram identificadas por cores, para preservar sua identificação,
e possuem os seguintes perfis assistenciais:
• unidade azul – unidade hospitalar que presta assistência em obstetrícia e é referência para
gestação de alto risco;
• unidade amarela – hospital geral de pequeno porte, que atende às especialidades básicas
(pediatria, obstetrícia, clínica médica e cirúrgica, urgência e emergência clínica) funcionando 24
horas/diárias.
• unidade vermelha – hospital geral de grande porte, referência estadual no atendimento ao
trauma e às urgências e emergências de média e alta complexidade.
• unidade verde – unidade não hospitalar, de atendimento às urgências e emergências,
classificada como porte I;
• unidade branca – unidade não hospitalar, de atendimento às urgências e emergências,
classificada como porte I, que presta atendimento ambulatorial em clínica médica e pediatria.
Os entrevistados foram identificados, utilizando-se as letras do alfabeto, na
respectiva ordem de entrevista, com o objetivo de preservar suas identidades.
RESULTADOS
Considerando que a Agenda Estadual de Saúde é um processo de planejamento da
gestão em saúde, chama a atenção o percentual de entrevistados que não a conhecem.
Analisando-se o Gráfico 1, pode-se observar que a unidade Verde teve o maior percentual
(85,71%) dos que não conhecem a Agenda, seguida da unidade Vermelha (77,77%), tida como
referência para o Estado no atendimento em Urgência e Emergência. A unidade Branca
demonstrou maior percentual de conhecimento (33,33%), seguida da unidade Azul, com o
percentual de 26,66%. Dentre os entrevistados, nas diversas unidades de saúde, 65,38% (52)
referem conhecer a Agenda.
As unidades Amarela e Azul foram as que contribuíram com o maior percentual de
entrevistados: 22,20% e 26,66%, respectivamente.
94
Revista Baiana
de Saúde Pública
Gráfico 1. Distribuição percentual de entrevistados segundo unidade de saúde e conhecimento da
Agenda Estadual de Saúde. Salvador – Bahia 2005
Nas unidades Verde e Branca, dentre os Diretores e Técnicos entrevistados,
nenhum referiu a resposta: “Ouvi falar, mas não sei.”
Na unidade Azul, metade dos entrevistados referiu conhecer a agenda e a outra
metade ouviu falar, mas não sabe o que é. O mesmo aconteceu com a unidade Vermelha.
Analisando-se as respostas dadas pelos entrevistados, referente a conhecer a
Agenda, foram obtidos os seguintes depoimentos:
Unidade Branca, Entrevistado A:
“Programação usando os enfoques epidemiológicos, saúde da criança e do idoso.”
Unidade Azul, Entrevistado A:
“ Planejamento das diversas ações executadas durante o período agendado.”
Entrevistado B:
“Compêndio com metas previstas para ocorrerem no ano, com os objetivos que
devem alcançar.”
Entrevistado C:
“É um cronograma de serviços, me parece ter uma relação com a COGESTEC.”
Entrevistado D:
“As prioridades das ações da Secretaria.”
Entrevistado E:
“A saúde do povo.”
v.30, n.1, p.90-104
jan./jun. 2006
95
Unidade Verde, Entrevistado A:
“Programação de tudo que se quer fazer na área de saúde no ano, por exemplo,
campanhas diabetes e hipertensão.”
Unidade Vermelha, Entrevistado A:
“Metas a serem cumpridas, planejamento prévio. O que irá realizar e o que já foi
realizado. Planejamento estratégico.”
Unidade Amarela, Entrevistado A:
“Programa elaborado pela SESAB, que serve como metas para as unidades.”
Entrevistado B:
“É um compromisso do Estado, tipo de pesquisa de mortalidade ou alguma coisa
assim.”
Entrevistado C:
“É como um termo de metas a ser alcançado num tempo X, designando os
responsáveis. Termo de compromisso da Secretaria, designando quem e quando vai
cumprir as metas.”
Entrevistado D:
“São protocolos para cumprimento dos objetivos de ser gestão plena. O Estado está
fazendo isso na forma de projetos e programas.”
Entrevistado E:
“Programação, o que será realizado durante o ano.”
Quanto aos compromissos definidos pela Agenda, os entrevistados referem:
Unidade Branca, Entrevistado A:
“Programas específicos, saúde da criança, diabetes, hipertensão.”
Unidade Azul, Entrevistado A:
“Convênio firmado com a UFBA; implantação do banco de leite humano e
implantação de UTI Neonatal.”
Entrevistado B:
“Aumento da taxa de imunização da população; diminuição do índice de internações
hospitalares; diminuição do índice de mortalidade materna e neonatal; capacitação
de recursos humanos e aumentar número de leitos.”
Entrevistado C:
“Melhorar a qualidade dos serviços; qualificar os profissionais com cursos e treinar a
parte técnica.”
96
Revista Baiana
de Saúde Pública
Entrevistado D:
“Redução da mortalidade materna e redução da mortalidade infantil.”
Entrevistado E:
“Saber se o que está trabalhando está de acordo; ser um bom profissional na sua
área.”
Unidade Amarela, Entrevistado A:
“Assistência integral à mulher e à criança.”
Com relação ao modo de aquisição do conhecimento dos compromissos da Agenda,
75% não responderam. Dentre os que responderam (25%), as formas relatadas estão expostas na
Tabela 1. As reuniões na Secretaria foram referidas por 100% dos entrevistados da unidade
Branca e da unidade Verde; 40% da unidade Azul e 25% da Amarela referiram ter adquirido o
conhecimento através do repasse pela diretoria da unidade. A entrevista do Secretário na
imprensa, reuniões, seminários e interesse pessoal foram referidos por 20% dos entrevistados da
unidade Azul. 25% dos entrevistados da unidade Amarela referiram o interesse pessoal, a conversa
com os colegas e esta pesquisa. Na Unidade Vermelha, a maioria dos entrevistados não conhecia a
Agenda; os que ouviram falar deste instrumento não informaram o modo de conhecimento
(Tabela 1).
Tabela 1. Distribuição percentual dos modos de aquisição do conhecimento dos Diretores e
Coordenadores de Serviços, por Unidade, quanto aos compromissos da Agenda Estadual
de Saúde. Salvador – Bahia 2005
UNIDADES DE SAÚDE
MODOS DE
CONHECIMENTOS
BRANCA
Através de reuniões na Secretaria
100%
100%
–
–
Através da Diretoria da Unidade
–
40%
–
–
25%
Entrevista do Secretário na imprensa
–
20%
–
–
–
Reuniões e seminários
–
20%
–
–
–
Interesse pessoal
–
20%
–
–
25%
Conversando com os colegas
–
-
–
–
25%
Através desta pesquisa
–
-
–
–
25%
Total
–
100%
100%
–
100%
AZUL
VERDE
VERMELHA AMARELA
Do total de entrevistados, 82,69% desconheciam os compromissos vigentes da
Agenda. 17,30% demonstraram conhecer os objetivos e as ações estratégicas, embora não
citassem os compromissos na íntegra, o que pode ser observado através dos indicadores escolhidos
Redução da Mortalidade Infantil e Materna (Gráfico 1).
v.30, n.1, p.90-104
jan./jun. 2006
97
Dentre os que consideraram a Agenda importante, os motivos referidos estão
apresentados no Quadro 1, na qual destacam-se, dentre os motivos atribuídos pelos entrevistados
à importância do conhecimento da Agenda: planejar o trabalho e “não deixar furos”, referidos por
4 unidades entrevistadas; e conhecer as propostas de trabalho, referidos por 3 unidades.
M OTIVOS ATRIBUÍDOS À
IMPORTÂNCIA DO
CONHECIMENTO DA
BRANCA
AZUL
VERDE
Conhecer as propostas de trabalho
X
X
Respeitar a hierarquia
X
Crescimento técnico e científico
X
Troca de informações entre as
diversas unidades / setores
X
Facilitar a aquisição de verbas
para a execução das ações
X
Planejar o trabalho “não deixar furos”
X
VERMELHA
AMARELA
AGENDA
Conhecer as prioridades do
Governo
X
X
X
X
X
X
Desenvolver melhor o serviço
Comprometimento dos funcionários
X
Descentralização do poder
X
Padronização do atendimento
X
Quadro 1.Motivos atribuídos à importância do conhecimento da Agenda Estadual de Saúde para a
execução do trabalho em saúde pública, segundo unidades de saúde. Salvador – Bahia
2005
Foi solicitado aos entrevistados que referiram não utilizar a Agenda para o
planejamento, que informassem a forma como planejam suas atividades, sendo as mais citadas:
utilização do Diário Oficial; informação disponível no site e e-mail da SESAB; conversa com os
colegas; e orientação dos Conselhos Regional e Federal. A unidade Amarela foi a que demonstrou
maior utilização de formas de planejamento de trabalho baseadas nas determinações e
informações da SESAB, observando também os relatórios, planos e metas da unidade, assim como
planejamento anterior e orçamento disponível. 100% dos entrevistados da unidade Verde referiram
realizar seu planejamento baseado no Diário Oficial e 100% da unidade Vermelha, baseados nas
orientações dos Conselhos Profissionais (Regional e Federal). A unidade Azul referiu maior
percentual de planejamento baseado nas orientações da diretoria (Gráfico 2).
98
Revista Baiana
de Saúde Pública
1 – através do conhecimento próprio; 2 – demanda da unidade; 3 – orientações da Diretoria; 4 –
através de relatórios, planos e metas da unidade; 5 – determinação do nível central da SESAB; 6 –
Diário Oficial; 7 – orçamento disponível; 8 – planejamento anterior; 9 – informações disponíveis no
site e e-mail da SESAB; 10 – conversa com colegas; 11 – orientações dos Conselhos Regional e
Federal.
Gráfico 2. Distribuição percentual das formas de planejamento de trabalho relatadas pelos
entrevistados que não usam a Agenda como diretriz para suas atividades. Salvador –
Bahia 2005
Quanto às ações relacionadas à redução da mortalidade infantil, este estudo
evidenciou que 65,38% dos entrevistados informaram realizá-las e 34,62% não realizam.
A Quadro 2 demonstra que as ações de promoção ao aleitamento materno foram
citadas apenas pelos entrevistados das unidades Amarela e Azul. Os entrevistados das unidades
Verde, Vermelha e Branca não realizam ações voltadas para a redução da mortalidade infantil, pelo
fato de serem unidades de atendimento a urgências e emergências. De acordo com o depoimento
dos entrevistados da unidade Branca, apesar de não terem o Programa de Redução da Mortalidade
Infantil, realizam serviços de imunização, terapia de reidratação oral e consultas pediátricas, por
prestarem atendimento ambulatorial em Pediatria.
Analisando-se a Quadro 3, pode-se observar que o serviço mais executado, segundo
os entrevistados, foi o Rastreamento Neonatal (teste do pezinho), referido por 3 unidades.
Segundo informações dos entrevistados, as ações e serviços voltados para a redução
da Mortalidade Infantil foram mais executados pelas unidades Azul e Amarela. A primeira por ser
unidade hospitalar que presta assistência em obstetrícia; e a segunda por ser hospital geral de
pequeno porte, que atende as especialidades de pediatria e obstetrícia, dentre outras.
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jan./jun. 2006
99
AÇÕES
BRANCA
AZUL
Comissão de Controle de
mortalidade infantil
X
Projeto Mãe Canguru
X
Promoção do aleitamento
materno
X
Capacitação dos profissionais
X
Contratação de mão-de-obra
especializada
X
VERDE
VERMELHA
AMARELA
X
Equipe multidisciplinar
X
Agilização do atendimento
X
Aquisição de equipamentos para
melhorar a tecnologia
X
Quadro 2. Ações voltadas para a redução da mortalidade infantil, segundo unidades de saúde.
Salvador – Bahia 2005
SERVIÇOS
BRANCA
Imunização
X
Terapia de Reidratação Oral
X
Consultas pediátricas
X
AZUL
VERDE
VER MELHA
AMARELA
X
Berçário de alto risco
X
Estimulação precoce
X
Realização de exames de
bio-imagem
X
Cuidados para evitar a
transmissãovertical da AIDS
X
Pré-natal de alto risco
X
X
X
Atendimento a gestante de alto
risco
Cuidados com o RN de risco
X
Implantação de UTI’s neonatal
X
Teste do pezinho
X
X
Atendimento de emergência
ligada ao trauma infantil
X
X
Orientações à mãe
X
Realização de exames laboratoriais na mãe
X
Agência transfusional
Controle de infecção
Atendimento 24 horas
X
X
X
X
X
Quadro 3. Serviços voltados para a redução da mortalidade infantil, segundo unidades de saúde.
Salvador – Bahia 2005
100
Revista Baiana
de Saúde Pública
Analisando-se os Quadros 4 e 5, observa-se que a unidade Azul realiza a maioria
das ações e serviços para a redução da mortalidade materna, por se tratar de unidade hospitalar
que presta assistência em obstetrícia.
As ações mais citadas pelos entrevistados foram: planejamento familiar e apoio ao
aborto legalizado (Quadro 4). Os serviços mais referidos pelos entrevistados foram a realização de
exames preventivos e bioimagem (Quadro 5).
Os entrevistados das unidades Verde e Vermelha não referiram nenhuma ação ou
serviço para a redução da mortalidade materna, por se tratarem de unidades que prestam
atendimento às urgências e emergências.
AÇÕES
Planejamento familiar
BRANCA
AZUL
VERDE
VERMELHA
X
Comissão de controle da
redução da mortalidade materna
AMARELA
X
X
Controle de infecção hospitalar
X
Capacitação dos profissionais
X
Aumento da equipe de profissionais
X
Implantação de protocolos clínicos
X
Sessão clínica para discussão de
casos
X
Apoio ao aborto legalizado
X
X
Humanização do parto
X
Reuniões com as enfermeiras
X
Comitê de Ética
X
Quadro 4. Ações voltadas para a redução da mortalidade materna desenvolvidas por unidades de
saúde. Salvador – Bahia 2005
AÇÕES
BRANCA
Pré-natal
X
Consultas ginecológicas
X
Imunização
X
Exames preventivos / bio-imagem
X
AZUL
X
Internação da gestante de alto risco
X
Pré-natal de alto risco
X
Controle de infecção hospitalar
VERDE
VERMELHA
AMARELA
X
X
Quadro 5. Serviços voltados para a redução da mortalidade materna oferecidas pelas unidades de
saúde. Salvador – Bahia 2005
v.30, n.1, p.90-104
jan./jun. 2006
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Analisando-se o Gráfico 3, observa-se que os entrevistados da unidade Verde não
referiram nenhuma dificuldade para a implementação da Agenda. Vale ressaltar que esta unidade
foi a que apresentou o maior percentual de desconhecimento da Agenda.
Gráfico 3. Dificuldades referidas pelos entrevistados para a implementação da Agenda Estadual de
Saúde. Salvador – Bahia 2005
A dificuldade mais relatada pelas unidades Amarela, Azul e Branca foi a deficiência
de recursos humanos.
Na unidade Vermelha houve uma equiparação das dificuldades com recursos
humanos, estrutura física e insumos, morosidade da SESAB em realizar compras e grande demanda
das atividades. A dificuldade que mais se destacou nesta unidade foi a falta de interação entre os
setores da SESAB.
Os entrevistados das unidades Azul e Amarela não fizeram referência às dificuldades
com estrutura física/insumos, morosidade da SESAB em realizar compras, falta de interação entre
os setores da SESAB e grande demanda de atividade. A deficiência de recursos humanos foi a
maior dificuldade, apontada por mais de 70% dos entrevistados dessas unidades.
Os pesquisados da unidade Branca não referiram as dificuldades com morosidade da
SESAB em realizar compras, falta de interação entre os setores da SESAB, falta de divulgação das
portarias, normas etc. Foram referidas, com maior percentual, a deficiência de recursos humanos
seguida de deficiência da estrutura física (Gráfico 3).
102
Revista Baiana
de Saúde Pública
DISCUSSÃO
A pesquisa demonstrou um alto índice de desconhecimento da Agenda pelos
Diretores e Coordenadores de Serviço das unidades de saúde dos dois Distritos Sanitários
pesquisados. Não há diferença significativa com relação ao conhecimento da Agenda Estadual de
Saúde entre estes Distritos, nem entre as categorias funcionais, hospitais e unidades básicas.
Apesar do desconhecimento do instrumento de gestão pelos entrevistados, algumas
ações estratégicas para a redução da mortalidade materna e infantil estão sendo executadas por
coincidirem com a demanda da própria unidade e orientações da Diretoria. Desta forma,
concluímos que a falta de conhecimento da Agenda não interfere, necessariamente, na execução
destas ações. Entretanto, se os gestores e técnicos conhecessem e, efetivamente, aplicassem a
Agenda, as ações seriam efetuadas de forma mais padronizada, alcançando mais facilmente a
equanimidade preconizada pelo SUS. A padronização das ações também facilitaria a avaliação dos
serviços e, conseqüentemente, subsidiaria melhor o planejamento.
As dificuldades referidas pelos entrevistados, relacionadas à implementação da
Agenda, referentes à deficiência de sua divulgação, insuficiência de recursos humanos, estrutura
física/insumos insuficientes etc., apontam a necessidade de sua elaboração de forma mais
participativa, envolvendo os componentes políticos, técnico-administrativos e os técnicooperacionais. A partir desta ação e do acompanhamento sistemático da SESAB, a Agenda seria
divulgada e, posteriormente, avaliada quanto à observância dos compromissos.
REFERÊNCIAS
1. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 393, de 29 de março de 2001.
Dispõe sobre a necessidade de reformulação dos instrumentos de gestão
do sistema. Brasília, 2001. Extraído de [http://dtr2001.saude.gov.br/sas/
PORTARIAS/Port2001/GManexoi/GM–393htm], acesso em [18 de janeiro
de 2005].
2. Brasil. Ministério da Saúde. Instrumentos de Gestão – Manual de
Consulta Rápida. Brasília (DF); 2001.
3. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria n. 548 de 12 de abril de 2001.
Aprova o documento de Orientações Gerais para a Elaboração e
Aplicação da Agenda de Saúde, do Plano de Saúde dos Quadros de
Metas, e do Relatório de Gestão como Instrumentos de Gestão do SUS.
Brasília; 2001. Extraído de [http://www.sespa.pa.gov.br], acesso em [06
de outubro de 2004].
v.30, n.1, p.90-104
jan./jun. 2006
103
4. Paim JS. Processo político e formulação de políticas de saúde. Salvador;
1997 mar. [Coletânea de textos para a Disciplina ISC-003 (Política de
Saúde) – ISC/UFBA].
5. Brasil. Ministério da Saúde. Sistema Nacional de Informação sobre
Mortalidade. (DATASUS). Extraído de [http://w3.datasus.gov.br/datasus/
datasus.php], acesso em [12 de fevereiro de 2005].
Recebido em 28.07.2005 e aprovado em 25.05.2006.
104
ARTIGO ORIGINAL
Revista Baiana
de Saúde Pública
ESTRUTURAÇÃO DA ÁREA DE RECURSOS HUMANOS DA SECRETARIA DA
SAÚDE NA BAHIA DE 1974 - 2004
Lucitania Rocha de Aleluiaa
Olívia Kauark Coutob
Telma Dantas Teixeira de Oliveirac
Resumo
O objetivo deste estudo foi descrever as transformações estruturais e regimentais
ocorridas nas últimas três décadas – de 1974 a 2004 – na área de Recursos Humanos da Secretaria
da Saúde do Estado da Bahia (SESAB). O processo de implantação foi iniciado com a criação do
Complexo SESAB/FUSEB, através da Lei nº 3.104, de 28 de maio de 1973. O estudo delineou-se
como do tipo exploratório-descritivo, pesquisa histórica e bibliográfica, portanto, documental, com
abordagem qualitativa. Realizou-se leitura e análise de documentos; entrevistas semi-estruturadas;
e análise descritiva e histórico-cronológica. Os resultados apontam para a consolidação do processo
de organização da área de recursos humanos, através da educação permanente, viabilizada pela
Escola Estadual de Saúde Pública (EESP) e Escola de Formação Técnica em Saúde (EFTS) e mudança
de paradigmas que concretizam as propostas político-pedagógicas dessas duas escolas. Obstáculos
foram identificados, cabendo destacar: a desativação de estruturas vitais; precária articulação
intersetorial; afastamento do setor do núcleo decisório; insuficiente comunicação; e ausência de
sistema de informação adequando. O estudo sugere que é necessário maior interesse e
investimento da alta gestão da SESAB na estruturação do setor.
Palavras-chave: Recursos Humanos. Organização e Administração. SESAB.
a
b
c
Técnica da Secretária da Saúde do Estado da Bahia. Especialista em Administração Pública (UEFS).
Técnica da Secretária da Saúde do Estado da Bahia. Formação em Administração de Empresas (UFBA). Secretária da Saúde
do Estado da Bahia. Formação em Secretariado Executivo (UCSAL).
Orientadora e Autora: Mestre em Saúde Comunitária (ISC) e Professora da Universidade Católica do Salvador (UCSAL).
Endereço para correspondência: Rua Jardim Ipanema, Quadra 03, Lote 062, Pitangueiras, Lauro de Freitas, Bahia,
Brasil. CEP. 42.700-000 E-mail: [email protected]
v.30, n.1, p.105-128
jan./jun. 2006
105
THE STRUCTURING PROCESS OF THE HUMAN RESOURCES AREA IN THE HEALTH
DEPARTMENT OF THE STATE OF BAHIA 1974-2004
Abstract
This study aims at describing the structural and regimental transformations which
have taken place during the three past decades, from 1974 to 2004, in the Human Resources
area of the State of Bahia Health Department. The first step towards its implantation was the
creation of the SESAB/FUSEB Complex, through the Law 3,104 of the 28th of May 1973. This study
stands as an exploratory-descriptive type of work, historically and bibliographically research oriented,
and, as though, documental, making use of qualitative approach. Through the examination an
analysis of documents and semi-structured interviews, it attempts at pointing out advances,
drawbacks and challenges faced in order to maintain the area in face of the several public policies
which intervened during the whole process of implementation, as well as at describing how the
structural changes occurred and the contextual diagnosis of the R&H area.
Key words: Manpower. Organization & Administration. SESAB.
INTRODUÇÃO
Na lógica da administração pública burocrática, implantada a partir da segunda
metade do século XIX, ainda persistem as estruturas organizacionais duras, com pouca
flexibilidade, colocadas como um dos inúmeros desafios a serem enfrentados para a reestruturação
do sistema1.
Estudos sobre estruturas organizacionais públicas têm sido relativamente escassos.
Como exemplo, na Bahia, muitos trabalhos produzidos abordam a questão da capacitação de
Recursos Humanos (RH), da política e campos de atuação de RH, da formação e da administração
de Recursos Humanos em saúde, dentre outros2. No que concerne à representação gráfica da
esfera institucional pública3, entretanto, poucos são os estudos conhecidos.
A realização desta pesquisa justifica-se, por possibilitar o conhecimento da trajetória
da área de Recursos Humanos da Administração Central na Secretaria da Saúde do Estado da Bahia
(SESAB), seu desenho ou representação gráfica, sua abrangência de atuação e o papel que exerce
na instituição. Além disso, possibilitou verificar sua área de atuação inter e intra-institucional,
atividades existentes e programadas, avanços e retrocessos, considerando as mudanças ocorridas
no período em estudo. Ao realizá-lo, pretendeu-se refletir sobre esta questão e contribuir para a
construção de novas propostas estruturais para esta área. Para subsidiar as reflexões sobre o
trabalho, bem como as propostas regimentais, as práticas dos atores envolvidos, dirigentes do
setor, e a ilustração dos efeitos sócio-políticos que permearam a condução das diversas estruturas
institucionalizadas, algumas considerações históricas foram indispensáveis.
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Revista Baiana
de Saúde Pública
Para estabelecer as perspectivas de retroação e avanços da área de RH, na Secretaria
da Saúde do Estado da Bahia (SESAB), partiu-se do pressuposto de que o grau de estruturação da
área varia em função da capacidade dos gestores de priorizar ou não a política de desenvolvimento
e gestão de RH na saúde. Sob este enfoque, a estruturação da área de Recursos Humanos na
Administração Central da Secretaria da Saúde do Estado da Bahia, no período de 1974 a 2004, é o
objeto deste estudo, que contemplou o seguinte objetivo geral: descrever o processo de
estruturação da área de Recursos Humanos, a partir da recuperação histórica das políticas de saúde
contidas nos documentos oficiais da Administração Central da SESAB, nas três últimas décadas. O
estudo tem como objetivos específicos: a) descrever as diferentes estruturas organizacionais no
período analisado, de forma a contribuir para a caracterização e o entendimento dos processos de
mudança nesta área, na Administração da SESAB; b) identificar possíveis avanços e retrocessos da
área de Recursos Humanos na SESAB, considerando as diferentes estruturas institucionalizadas.
MATERIAL E MÉTODOS
O estudo delineou-se como do tipo exploratório-descritivo, pesquisa histórica e
bibliográfica, portanto, documental, com abordagem qualitativa4.
Os instrumentos do estudo foram os documentos e as entrevistas realizadas com exdirigentes e atuais dirigentes da área de Recursos Humanos da Administração Central da SESAB, de
1974 a 2004. A escolha da Administração Central para a realização do resgate histórico tornou-se
óbvia, uma vez que o Centro de Treinamento (CETRE) foi criado pela Secretaria Estadual de Saúde
da Bahia com o objetivo de centralizar as atividades de treinamentos dos diversos setores da
Secretaria e Fundações que originaram a Fundação de Saúde do Estado da Bahia (FUSEB) e
promover a adequação do pessoal às necessidades emanadas da estrutura da produção de
serviços5.
Para a composição do estudo, adotou-se identificação, catalogação e seleção das
informações mais importantes para a reconstrução histórica documental, especialmente
relacionadas às estruturas organizacionais do órgão de RH da SESAB.
Na primeira etapa da coleta dos dados, foram obtidos e reunidos: leis, decretos,
portarias, relatórios de atividades produzidos pela Área de Recursos Humanos e relatórios de gestão
produzidos pela SESAB. Com base nos dados relatados nesses documentos, fez-se a análise
cronológica e histórica, para fins de correlação com os depoimentos obtidos através das entrevistas.
Nessa etapa da análise, procurou-se confrontar os depoimentos com as informações extraídas dos
documentos coletados. A análise documental permitiu traçar um perfil histórico da criação da área de
RH da SESAB e resgatar as políticas públicas que permearam o processo de constituição do setor.
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As categorias operacionais estudadas, relativas às funções e estruturas,
competências, papéis, atribuições, entre outras, buscaram captar, no texto produzido após a
transcrição das entrevistas, os elementos que concretizaram o processo político de estruturação da
área de RH, principalmente os que determinaram mais claramente as decisões, no que se refere à
formulação de políticas e à organização do próprio setor, seus recursos e meios.
A produção de dados empíricos da pesquisa deu-se na segunda etapa, através da
realização de entrevistas semi-estruturadas, previamente acordadas com os dirigentes e ex- dirigentes
da área de RH da SESAB. O roteiro para as entrevistas foi composto de 22 perguntas abertas, com a
abordagem dos seguintes tópicos: proposta de estrutura da área de Recursos Humanos; finalidade
precípua quando da criação da área de Recursos Humanos; áreas de articulação inter e intrainstitucional; papel, função, atribuição e competência da área de RH da SESAB.
A partir dos dados coletados na pesquisa documental e bibliográfica e na entrevista
semi-estruturada, realizou-se um recorte temporal, através de análise cronológica no período já
referido, destacando-se, a partir dos depoimentos dos dirigentes, os elementos que deram
sustentação à criação das diversas estruturas.
Para realização das entrevistas foi elaborado previamente e utilizado o Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido, obedecendo à Resolução 196/1996, do Conselho Nacional de
Saúde. Os dados foram coletados nos documentos oficiais existentes na Superintendência de
Educação Permanente e Comunicação em Saúde (SUPECS) e nas entrevistas realizadas.
Foram detectadas algumas dificuldades operacionais para a realização da pesquisa,
no que diz respeito a localizar e marcar entrevistas com os ex-dirigentes. Todos esses profissionais,
ou seja, 10 participantes dos cargos no período estudado, fizeram parte do universo da pesquisa.
Desse total, entretanto, somente foi possível entrevistar seis profissionais, cujos cargos ocupados
naquela época foram explicitados como: 1 Diretor do CETRE; 2 Diretores e 1 Diretor Adjunto do
Centro de Desenvolvimento de Recursos Humanos CENDRHU; 1 Diretor do Departamento de
Educação Permanente em Saúde (DEPS); 1 Superintendente da SUPECS.
Outro obstáculo referiu-se ao levantamento documental e bibliográfico, com a
extinção da Biblioteca Central da SESAB. Em decorrência da reestruturação governamental de
1999, seu acervo foi praticamente destruído e, com isso, houve dificuldade em localizar leis,
decretos, regimentos, portarias da criação e regulamentação dos diversos setores da SESAB.
Também no que diz respeito à busca de estudos que fundamentassem o objeto de
estudo, constatou-se que são escassos, devido à insuficiência do referencial teórico sobre as
diversas formas de estrutura dentro da organização pública e suas dimensões. Existem vários
estudos referentes à Política, Administração e Formação/Capacitação de Recursos Humanos,
porém, quanto à estrutura organizacional de RH no setor público de saúde, são raras as pesquisas.
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Revista Baiana
de Saúde Pública
RESULTADOS
A Secretaria da Saúde do Estado da Bahia, instituição complexa, produto da história
das políticas públicas no Brasil e da trajetória de suas burocracias, ilustra uma condensação material
das forças sociais e políticas que sustentam o Estado, representadas na área de RH pelas diferentes
estruturas organizacionais6, que, desde sua criação, sempre necessitou de estudos de suas
atribuições e competências e de controle de seu quadro de recursos humanos7.
Nesta pesquisa, a abordagem das diferentes estruturas organizacionais apontam para
a necessidade de resgatar as experiências à luz das políticas contextualizadas historicamente.
Estudos realizados por Padilha7 e Teixeira8 já apontavam para a carência de pesquisas e de controle
dos recursos humanos, suas atribuições e competências relacionadas às questões estruturais e
funcionais7.
O diagnóstico traçado pelos autores citados também poderia orientar a política de
admissão na instituição, buscar adequação técnico-científica do quantitativo de pessoal às
necessidades do serviço e às possibilidades dos demais recursos existentes, prover elementos para
a programação do treinamento e, sobretudo, realizar estudos que evidenciassem carreiras
profissionais a serem galgadas pelos funcionários integrantes do sistema. Dessa necessidade e por
ocasião da reforma Administrativa de 1973, decorrente da institucionalização da Fundação de
Saúde do Estado (FUSEB), através da Lei Estadual n 3.104, de 28 de maio de 1973, foi criado o
Centro de Treinamento (CETRE), vinculado à FUSEB7.
A composição do CETRE teve o seguinte desenho: uma Administração composta de
um Diretor, uma Coordenação de Cursos, uma Secretaria e uma Biblioteca, esta última
historicamente desvinculada da estrutura da organização, instalada na área do Laboratório Central e
com atividades voltadas para a atenção às necessidades de informações sobre doenças infecciosas,
para o consumo de docentes da Universidade e para pesquisas de interesse acadêmico7.
Segundo Teixeira8:74: “O surgimento do CETRE atesta da existência do interesse em
se promover a ‘adequação’ do pessoal às necessidades emanadas da estrutura da produção de
serviços, ou seja, a necessidade de se tratar a questão dos agentes não de forma pontual porém
contínua, sistemática.” Afirma ainda a autora:
Segundo Harley Padilha, então diretor do CETRE, o Centro situado estrategicamente como
sub-função na organização institucional, teve o seu papel comprometido por, entre outros,
três fatores básicos: não foram descritos os mecanismos de sua articulação horizontal com as
demais sub-funções (Coordenações Técnicas, Departamentos Administrativos e Assessoria); a
estruturação interna do CETRE bastante acanhada e a impossibilidade de contar com a
participação de sanitaristas experimentados na implementação de suas ações. 8:34
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Em 1975, o diretor do CETRE, Harley Padilha, tentou formular um
[...] modelo de treinamento numa perspectiva de planejamento e desenvolvimento dos
recursos humanos do Complexo SESAB/FUSEB. O autor idealiza um Centro de
Desenvolvimento de Recursos Humanos não apenas como núcleo de treinamento,
portanto com essa nova concepção e estrutura imprimir-lhe uma dinâmica que lhe
garantisse um papel de destaque ao interior da instituição, dirigido ao fornecimento de
subsídios para a definição de uma “política de recursos humanos”. 9: 34
De acordo com Teixeira 8, o CETRE, em 1975, por questões de ordem
infraestruturais, ainda encontrava-se desaparelhado para cumprir as funções descritas acima,
possivelmente idealizadas para atender às demandas originárias do Ministério da Saúde e da
Organização Panamericana de Saúde, que estimulavam a implantação de propostas tanto relativas
ao planejamento de Recursos Humanos (RH) quanto de capacitação, a exemplo do Programa de
Preparação Estratégica de Pessoal de Saúde (PPREPS).
Aproveitando o apoio do Ministério da Saúde, a política de descentralização do
Curso Básico Regionalizado de Saúde Pública da Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP) e o
Programa de Preparação Estratégica de Pessoal de Saúde (PPREPS), criado em 1975, sob os
auspícios do Ministério da Saúde, foi elaborada uma proposta abrangente em relação às atividades
a serem desenvolvidas pelo CETRE. Assim, criou-se o Programa de Recursos Humanos para a
Secretaria da Saúde do Estado da Bahia, que contemplaria cinco frentes8:
1. Programa de Treinamento em Nível Superior.
2. Programa de Teinamento de Nível Intermediário.
3. Programa de Treinamento da Comunidade.
4. Treinamento para Modernização Administrativa.
5. Atividades Assessores voltadas para a elaboração dos Planos de Capacitação.
A área de Recursos Humanos da SESAB concebeu um novo perfil organizacional, a
partir da constatação do acima descrito e sob a influência da Organização Mundial de Saúde: o
Treinamento de Parteiras Curiosas. Seu objetivo seria instrumentalizar pessoas para desenvolver
tarefas de pré-natal, registros de fatos vitais e de doenças transmissíveis, em programas
denominados de “Assistência Simplificada de Saúde” e de “Penetração Rural”. Destaca-se como
atividade de capacitação também relevante deste período o Treinamento da Comunidade, cuja
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Revista Baiana
de Saúde Pública
estratégia baseava-se em orientação de grupos estratégicos (de líderes formais e informais) para a
prática de técnicas educativas.
A responsabilidade do CETRE era definir os Programas em que essas atividades se
organizavam e o papel das Unidades Periféricas (Postos, Centro de Saúde e Hospitais) nesses
programas. Cabia ainda ao CETRE desenvolver atividades relacionadas com a Comunicação de
massa, através da televisão, do rádio, do cinema e dos jornais. Essas peças publicitárias veiculavam
informações sobre a promoção, a prevenção, a proteção, a recuperação e a reabilitação da saúde7.
No ano de 1976, decorrente do processo de relocalização da maioria das instituições
e órgãos públicos para a área geográfica do Centro Administrativo da Bahia (CAB), a SESAB se
retirou das instalações do bairro da Vitória, transferindo-se para o CAB, local em que estava sediada
a Administração Central da SESAB/FUSEB.
Segundo informação da então Diretora do CETRE, Maria Terezinha Moreira,
entrevistada nesta pesquisa, o Secretário da Saúde “encomendou” ao Centro a “[...] capacitação
de pessoal em vários níveis, principalmente do pessoal de nível elementar em todo o interior do
estado.” A Diretora informou ainda que a escassez de recursos financeiros para realizar a
capacitação tornava necessária a elaboração de projetos de captação de recursos junto ao governo
federal. Foi elaborado, então, o Plano Trienal de Capacitação de Recursos Humanos na Área da
Saúde (PTCRHAS). Estava chegando também à Bahia o Programa de Interiorização das Ações em
Saúde e Saneamento (PIASS). Com isso, surgiu a necessidade de ampliação da estrutura do CETRE.
Informalmente, o Centro passou a incorporar em sua estrutura o Núcleo de Documentação e
Informação, bem como a Biblioteca. Com esta nova estrutura, teve início o projeto de
treinamento em “Larga Escala”9 .
Com o crescimento das demandas de capacitação de pessoal, em todos os níveis,
ocasionado pela implantação dos programas de Assistência Sanitária Simplificada e a construção de
muitas Unidades de Saúde estaduais, o Centro de Treinamento da FUSEB iniciou um processo de
descentralização dessas atividades, não só como uma opção administrativa, mas por considerar que
os profissionais que atuavam no nível regional estavam mais capacitados a executar essas
atividades, pela própria prática do trabalho10.
Nesse contexto, as iniciativas pela formação do sanitarista foram implementadas a
partir do modelo dos Centros de Referências de Saúde Pública, em parceria com a ENSP/
FIOCRUZ, de forma a capacitar profissionais das DIRES, já que as experiências das primeiras
turmas apontavam para resultados concretos e positivos em toda a dinâmica de atividade da
SESAB/FUSEB, passando também a exigir um maior volume de trabalho dos profissionais que
compunham o órgão10.
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Dessa forma, em 1978, o CETRE foi novamente ampliado informalmente,
compondo a seguinte estrutura: Assessoria de Planejamento, Administração, Coordenação de
Capacitação, Núcleo de Documentação e Informação e Biblioteca. Em junho desse mesmo ano,
foi aprovado o projeto Introdução de Inovações Metodológicas na Capacitação do Auxiliar de
Saúde (IIMCAS), que previu, no convênio Banco do Brasil/FIPEC/FUSEB, o reforço quantitativo da
equipe técnica do Centro. Nessa época, passaram a funcionar os Grupos de Capacitação de
Recursos Humanos (GCA/RH) e foram implantados os Núcleos Regionais de RH nas DIRES, cuja
proposta era funcionar como representantes do CETRE, ou seja, responsáveis pelos treinamentos
nas unidades do interior, sob a supervisão do nível central 11.
Nota-se, no período de 1973 a 1979, que houve uma adequação da estrutura
interna do CETRE, para atingir os objetivos traçados, como também o reforço quantitativo de
pessoal qualificado, para desenvolver as ações pretendidas. Para desempenhar suas novas
atividades, o próprio CETRE, paulatinamente, ampliou seus quadros técnicos, diversificando sua
estrutura interna num processo que culminou com a reestruturação, em 19808, quando a FUSEB
foi reestruturada e o CETRE passou a denominar-se Centro de Desenvolvimento de Recursos
Humanos (CENDRHU). Sua reestruturação oficial foi publicada em março de 198012 (Figura 1).
Figura 1. Organograma do Centro de Desenvolvimento de Recursos Humanos – 1980
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Revista Baiana
de Saúde Pública
A partir dessa reestruturação do CENDRHU, criaram-se setores, e uma nova
dimensão possibilitou a execução de um trabalho mais abrangente, no que se refere ao
Desenvolvimento de Recursos Humanos na Instituição. Foi incorporado à Coordenação de
Capacitação o setor de Recrutamento e Seleção e à Coordenação de Planejamento e Pesquisa, o
setor de Cargos e Salários. Foi também instituído o Programa de Integração Docente Assistencial
(IDA), visando ao desenvolvimento de ações articuladas e integradas, principalmente em relação
aos Estágios e Residência Médica, realizadas pelas SESAB/FUSEB/INAMPS/UFBA.
Em novembro de 1980, foi concluído o Projeto IIMCAS, que recomendava a
utilização de metodologias apropriadas ao ensino em serviço, priorizando a pedagogia da
problematização12.
Com uma nova reestruturação político-organizacional, foi extinta a FUSEB e criado o
Instituto de Saúde do Estado da Bahia (ISEB), pela Lei Delegada nº. 12, de 30 de dezembro de
1980, entidade autárquica descentralizada, com personalidade jurídica de direito público, dotada
de autonomia financeira, patrimônio próprio, vinculada à Secretaria da Saúde. Com essa nova
modelagem, o Centro de Desenvolvimento de Recursos Humanos, vinculado ao ISEB, continuou
com a mesma estrutura organizacional, porém observa-se maior definição das áreas de atuação:
treinamento; recrutamento e seleção; cargos e salários; documentação e informação.
Atreladas a essas redefinições, houve ainda iniciativas de organização do trabalho,
tais como:
a) criação de um Grupo de Trabalho (GT) de Material de Apoio e Educação
Continuada, em decorrência das avaliações realizadas nas atividades de
supervisão aos treinamentos realizados nas DIRES e Hospitais12;
b) crescimento de atividades e status da Biblioteca, que incorporou à série de
publicações do CENDRHU, o Boletim Informações para a Saúde - Bahia,
contendo resumos de artigos recebidos do Centro de Documentação do
Ministério da Saúde, e as publicações recebidas de outras Instituições;
c) reestruturação do setor de Recrutamento e Seleção, contando com um grupo de
trabalho na Administração Central da SESAB, nas antigas dependências da
Secretaria, no bairro da Vitória12;
d) realização de intensa Supervisão, pelos técnicos do CENDRHU, às DIRES e
Hospitais. Juntamente com a equipe das DIRES, os técnicos estabeleciam as
estratégias necessárias para viabilizar os treinamentos previstos;
e) crescimento dos cursos da área de Especialização, principalmente a Residência
Médica;
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f) reestruturação dos estágios remunerados, cabendo ao CENDRHU a coordenação
da seleção, a divulgação dos resultados e a contratação dos estagiários. As
unidades passaram a executar a orientação, acompanhamento e avaliação dos
estagiários12.
A análise conjuntural do período de 1974 a 1980 revelou a implementação de uma
política de modernização das práticas de RH, a criação, a diversificação interna e a busca de
articulação inter e intra-institucionais dessa área, principalmente com as instituições de ensino.
Enfim, são fases de um movimento procedente da necessidade de reaparelhamento do Estado.
Conforme entrevista realizada com Dra. Tânia Celeste de Matos Nunes, então
Diretora do CENDRHU, durante todo este período, a palavra DESCENTRALIZAÇÃO foi sempre a
categoria forte.
“Trabalhamos o tempo inteiro para fortalecer nosso perfil descentralizador, não só
em relação ao Governo Federal, mas também às DIRES. Tudo o que estruturamos
foi para dar autonomia às DIRES. Dessa forma, quando veio o processo de
municipalização nacional, a partir da VIII Conferência Nacional de Saúde, a Bahia
tinha essa base amadurecida.”
Em 1987, o país estava vivendo a conjuntura denominada “Nova República” (19851988). Nesse momento, a Saúde foi colocada como prioritária na agenda do Governo Federal,
com a finalidade de resgatar a “dívida social” acumulada no período do “autoritarismo”. Os
movimentos sociais da época, que defendiam a democratização da saúde, difundiram a proposta
da reforma sanitária, debate da VIII Conferência Nacional de Saúde 13. O processo de
municipalização se deu a partir dessa Conferência.
Em 1987, assumiu o governo da Bahia o Dr. Francisco Waldir Pires de Souza. O
Estado passou por uma reestruturação muito profunda em decorrência da entrada de novos
partidos políticos no poder. Segundo Paim14:79, grifo do autor:
A política estadual de saúde definida pelo governo estadual em 1987, tinha como primeira
diretriz assumir as Ações Integradas de Saúde como estratégia de base para uma reforma
sanitária no estado. Desta forma, o governo passa a responsabilizar-se não só com a gestão
dos serviços públicos estaduais, como também com a proposta da Reforma Sanitária e com
as Ações Integradas de Saúde com vistas à organização do Sistema Único de Saúde.
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Revista Baiana
de Saúde Pública
Foi nomeado para o cargo de Secretário da Saúde, Dr. Luiz Umberto Ferraz Pinheiro,
que deu início ao processo de reestruturação da SESAB, através da Lei Estadual nº. 4.697, de 15 de
julho de 1987. Toda a estrutura administrativa organizacional foi modificada e o CENDRHU passou
a denominar-se Núcleo de Desenvolvimento de Recursos Humanos (NDRHU). (Figura 2).
Figura 2. Organograma do Núcleo de Desenvolvimento de Recursos Humanos - 1987
O NDRHU foi ampliado, visando ao atendimento das novas políticas acima descritas
de unificação dos serviços de saúde. Essa mudança decorreu do perfil inovador assumido pelos
novos dirigentes do Estado, devido à mobilização política por que passava o país, com a
expectativa da Nova República, iniciada em 1985. Esse movimento representou um marco
importante para a saúde pública do Brasil, em que a saúde foi colocada como prioritária na agenda
do Governo Federal, com a finalidade de resgatar a dívida social decorrente da ausência de
políticas públicas que modificassem o cenário até então vigente.
Na Bahia, o novo governo adotou e absorveu as idéias procedentes do âmbito
federal e iniciou o processo de reestruturação e modernização dos órgãos do estado.
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No ano de 1988, em seu estudo Planejamento em Saúde na Construção do Sistema
Unificado e Descentralizado de Saúde SUDS – BA, Teixeira15 observou que as atividades
desenvolvidas pelo NDRHU recortavam as áreas e linhas de ação no desenvolvimento do SUDS.
Ao analisar a gestão da SESAB no SUDS, Paim14 detectou, no setor de saúde do
Estado, a priorização de três linhas básicas de ação, a saber: desenvolvimento da infra-estrutura de
recursos, inclusive a remuneração do pessoal da SESAB e do INAMPS; desenvolvimento político
gerencial; e reorganização do modelo assistencial. Assim, o programa de capacitação gerencial,
para fortalecer a gestão, pôde ser localizado no desenvolvimento da infra-estrutura de recurso. Já o
programa editorial, vinculava-se mais ao desenvolvimento científico (considerando-se a Revista) e à
democratização da gestão, dinamizada a partir do fortalecimento do Boletim e do Jornal, pela
busca do aprimoramento de cunho científico e da transparência informativa.
Ainda com o NDRHU ficava a responsabilidade pela promoção de eventos, como os
Seminários de Reforma Sanitária na Assistência, que estavam mais ligados ao desenvolvimento da
organização da produção de serviços, ou seja, basicamente, por uma política institucional de
desenvolvimento do novo “Modelo Assistencial”12.
Após a renúncia do Governador Valdir Pires, em 1989, e a posse do vice-governador,
o estado da Bahia viveu tempos difíceis, com greves, passeatas e vários conflitos de ordem
político-social e manifestações de movimentos sociais que não eram simpatizantes das idéias desse
governo.
Com a nova mudança político organizacional, assumiu o governo do Estado o Dr.
Antônio Carlos Magalhães. O cargo de Secretário da SESAB, nesse momento, foi assumido por Dr.
Otto Roberto de Mendonça Alencar. Um novo regimento institucional foi aprovado, através do
Decreto nº 684, de 18 de novembro de 1991. Esse regimento da SESAB foi modificado para
atender às disposições constantes da Lei Federal nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, que
instituiu o Sistema Único de Saúde (SUS). Dentre suas competências, destaca-se: “Promover a
descentralização das atividades e dos serviços de saúde para os municípios prestando-lhes apoio
técnico e financeiro.”16:266
O NDRHU mudou de nomenclatura para Coordenação de Desenvolvimento de
Recursos Humanos (CENDRHU). Sua estrutura funcional, por conseguinte, foi alterada, sendo
definidos novos papéis, atividades e atribuições. Uma de suas principais funções foi executar e
supervisionar as atividades de capacitação, formação e desenvolvimento de RH (Figura 3).
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Revista Baiana
de Saúde Pública
Figura 3. Organograma da Coordenação de Desenvolvimento de Recursos Humanos – 1991
Ao adquirir essa nova estrutura, as Gerências e Sub-Gerências, passaram a
denominar-se Divisões, Unidades e Seções. As atribuições, basicamente, continuaram as mesmas,
porém, com essa nova reestruturação, foi adicionada à CENDRHU a Divisão de Apoio e
Instrumentalização de RH (DIAPIN) e a Unidade de Formação Técnica em Saúde (UFORTEC),
setor que gestou e deu origem à construção da Escola de Formação Técnica em Saúde Professor
Jorge Novis17. A subgerência de Lotação e Movimentação, entretanto, deixou de ser subordinada à
CENDRHU, sendo assumida pelo Serviço de Administração Geral (SAG)16. Esse fato trouxe
conseqüências negativas, por que a CENDRHU deixou de coordenar os recursos humanos. Com
isto, tornou-se difícil executar um levantamento quantitativo de pessoal por órgãos e unidades
onde estavam lotados e, consequentemente, implantar ações de educação permanente. O setor
responsável por disponibilizar esses dados não os possuía de forma adequada, para que a
Coordenação de Recursos Humanos pudesse investir na capacitação de pessoal, devido às
dificuldades de interlocução entre os diversos atores (unidade de saúde, hospitais etc.). Quando a
CENDRHU tinha essa competência, podia identificar onde havia necessidade de pessoal e qual a
qualificação necessária. De acordo com as entrevistas realizadas com os dirigentes e assessores
diretos, esse fato representou um retrocesso para a CENDRHU, comprometendo suas propostas
de trabalho na área de desenvolvimento de pessoal.
A UFORTEC foi criada para atender ao desenvolvimento de Recursos Humanos,
com vistas à formação de trabalhadores dos níveis médio e elementar das diversas instituições que
faziam parte do Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde (SUDS). Destaca-se o Projeto de
Interiorização do Curso de Auxiliar de Enfermagem, que utilizava a modalidade do ensino supletivo
como modelo, para viabilizar profissionalização dos denominados atendentes de enfermagem e
demais atendentes do setor saúde17.
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Para atender às determinações do Decreto n º 94.406, de 1987, que regulamentava
a Lei Federal nº 7.498, de 25 de junho de 1986 (dispõe sobre o exercício de enfermagem no
país), a UFORTEC se instrumentalizou para formar e qualificar todo o pessoal de enfermagem,
constituído de atendentes de enfermagem, categoria extinta pela lei do exercício profissional já
referida, que passaram a ser qualificados de auxiliares de enfermagem18. Em decorrência do
processo de consolidação e ampliação de suas funções e atividades, a UFORTEC, em 1994, foi
transformada na Escola de Formação Técnica em Saúde Professor Jorge Novis (EFTS), pela Lei nº
6.680, de 14 de novembro de 1994. Observa-se que as mudanças de estruturas organizacionais da
área de Recursos Humanos da SESAB aconteceram não só em decorrência das mudanças de
Governo, mas também para atender à exigência da demanda de serviços daquele momento
(Figura 4).
Figura 4. Organograma da Superintendência de Educação e Comunicação em Saúde – 1999
No decorrer dos anos de 1990, apesar da política contrária à implantação do SUS,
destaca-se a elaboração das constituições estaduais e das leis orgânicas dos municípios, das
conferências estaduais e municipais de saúde, da participação da sociedade civil organizada,
através das entidades de classes e dos conselhos de saúde. Na Bahia, em consonância com as
propostas do SUS, observa-se a implantação dos Programas e Projetos realizados pela CENDRHU,
particularizando o Projeto de qualificação dos trabalhadores de nível médio; capacitação de
instrutores supervisores; projeto de capacitação de gestores; programas de cursos de
especialização, incluindo a expansão da residência médica; e o projeto de capacitação dos
conselheiros municipais de saúde denominados “Participação Popular e Controle Social no SUS”,
implantados com o apoio do Ministério da Saúde e financiados com recursos do Projeto Nordeste.
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Revista Baiana
de Saúde Pública
No ano de 1995, assumiu a Secretaria da Saúde Dr. José Maria de Magalhães Netto.
A SESAB, nesse momento, não sofreu mudança de ordem estrutural. O Governo Federal elegeu o
ano de 1997 como O ano de Saúde no Brasil, comprometendo-se com a mudança do modelo de
atenção, através do Programa de Saúde da Família13. A SESAB adotou também este modelo,
comprometendo-se com sua implantação em todo o Estado.
No final dos anos de 1990, um novo modelo de gestão de recursos humanos
ganhava espaço nas organizações, exigindo do trabalhador uma postura voltada para o
autodesenvolvimento e a aprendizagem contínua. A exigência de um trabalhador mais flexível
criou a necessidade de uma formação mais complexa1.
Observa-se que a SESAB teve um crescimento progressivo, a partir da década de
1980 até o início do processo de descentralização dos anos de 1990. A CENDRHU buscou
adequar suas linhas de ação aos princípios do SUS, através de suas atribuições e das atividades
desenvolvidas na área de educação em saúde, da expansão dos núcleos de RH e maior ênfase na
área da gestão, com o fortalecimento da Escola de Formação Técnica em Saúde.
Em 1999, no Governo de César Borges, o estado passou por outra reforma
administrativa e a SESAB mudou seu regimento, através do Decreto nº 7.546, de 24 de março de
1999. Foram extintos a CENDRHU, o Centro de Informação em Saúde (CIS), e criada a
Superintendência de Educação Permanente e Comunicação em Saúde (SUPECS)19. (Figura 5).
Figura 5. Organograma da Superintendência de Educação e Comunicação em Saúde – 2002
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Com esta nova estrutura foram desativadas a DIAPIN e a Seção de Eventos. A
UFORTEC passou a integrar o regimento como Escola de Formação Técnica em Saúde Professor
Jorge Novis (EFTS), subordinada à Diretoria de Educação Permanente (DEPS), e o CIS passou a ser
a Diretoria de Informação e Comunicação em Saúde (DICS). Ocorreu também a extinção da
Divisão de Comunicação e Documentação e da Biblioteca.
Nesse momento, ficou evidenciada a retração sofrida pela Superintendência e uma
perda significativa para os usuários do SUS e estudantes universitários, que se beneficiavam com o
acervo da biblioteca. Nas entrevistas realizadas com os dirigentes, todos foram unânimes em
considerar a desativação da biblioteca um retrocesso para a área de recursos humanos.
Regimentalmente, a SUPECS ampliou sua finalidade, pois, além de executar e
supervisionar as atividades de capacitação, passou a planejar, elaborar estudos e projetos, propor
políticas de formação de RH e executar a parte de informação e comunicação em saúde. Foi
criada também a Assessoria Técnica, que passou a executar uma parte das atividades da extinta
DIAPIN.
Constatou-se também, em termos de estrutura da Secretaria da Saúde, que a
SUPECS não acrescentou muito, porque as atividades que deixaram de ser desenvolvidas com a
extinção de algumas diretorias e setores comprometeram o trabalho da área, que apresentava
carência de profissionais, tanto em relação a número, quanto à formação. Também em termos de
articulação intersetorial, pouco existia; até mesmo as diretorias da própria superintendência
funcionavam isoladamente. O que representou beneficio visível foi a Escola de Formação Técnica
ter adquirido status de diretoria do ponto de vista formal, possibilitando a implementação de outros
cursos e a obtenção da certificação junto à Secretaria de Educação.
No período de 2000 a 2003, era proposta do Governo do Estado: “Saúde – Uma
Receita de Sucesso”. A Bahia praticaria uma política de saúde inovadora, voltada para a
universalização de acesso aos serviços de saúde, a partir de uma reforma organizacional do setor e
de uma associação efetiva entre o estado e os municípios, de modo a conferir eficiência, maior
racionalização dos recursos e capacidade de investimentos. A proposta para a área de Recursos
Humanos era capacitar profissionais de saúde e elevar o padrão de qualidade e eficiência do
atendimento prestado à população no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS)20.
No ano de 2000, foi realizada a XI Conferência Nacional de Saúde. Através da
SUPECS, foram coordenadas as Conferências Municipais e realizada a Conferência Estadual de
Saúde. Destaca-se também o credenciamento da Escola de Formação Técnica em Saúde (EFTS),
pelo Ministério da Saúde (MS), para participar como executora do Projeto de Profissionalização dos
Trabalhadores da Área de Enfermagem (PROFAE).
120
Revista Baiana
de Saúde Pública
No ano de 2001, em consonância com a política de RH do MS, a Secretaria, através
da SUPECS, compôs um grupo de trabalho para elaboração de uma proposta do Plano de Cargos,
Carreira e Vencimentos do Grupo Ocupacional Serviços Públicos de Saúde. A experiência
vivenciada pela DEPS, da SUPECS, ao longo desse período, fez com que fossem identificadas
novas necessidades, em particular na área da gestão e da atenção à saúde, voltadas ao novo
modelo de atenção à saúde. Ao final deste ano foi criada a Escola Estadual da Saúde Pública
Professor Francisco Peixoto de Magalhães Netto (EESP), com a finalidade precípua de executar a
Política Estadual de Recursos Humanos para o SUS, no que se refere à Política Educacional. Esta
escola, portanto, foi concebida para preparar profissionais de nível superior para atuar como
formadores, nos vários níveis do Sistema Único de Saúde, em parceria com as instituições de
ensino e pesquisa presentes no Estado, viabilizando, tal como previsto na legislação federal, “[...] a
transformação de toda rede de gestão e de serviços em ambientes-escola.”21:7.
Em dezembro de 2002, ainda no governo César Borges, por decisão política interna
da Secretaria, foi novamente modificado o Regimento da SESAB. A estrutura da SUPECS sofreu,
então, as seguintes alterações: formalização da Escola Estadual de Saúde Pública (que absorveu
todas as atribuições da antiga DEPS) e passagem da EFTS para o nível de Diretoria22 (Figura 6).
Figura 6. Organograma da Superintendência de Educação e Comunicação em Saúde – 2003
v.30, n.1, p.105-128
jan./jun. 2006
121
Essa proposta trouxe novas possibilidades em termos de condições estruturais e
políticas de proporcionar formação para os trabalhadores do SUS, pois uma Escola é traduzida por
sua autonomia e especificidade. Uma escola voltada para os profissionais estaduais e municipais
propôs-se a fazer mudanças dentro do SUS, alterando os campos de prática e de trabalho.
Segundo o Diretor da Escola Estadual de Saúde Pública:
“A EESP nasce de uma necessidade de formar o trabalhador de saúde também em áreas
especializadas, a formação de recursos humanos voltada para o SUS, formando, no mesmo
espaço de trabalho, em parceria com as universidades, que passaram a ser as grandes
colaboradoras no processo de formação do SUS.”
Na visão de alguns dirigentes e assessores da área de RH da SESAB entrevistados, a
EESP ainda não atingiu seu objetivo, porque, até início de 2004, continuava a desenvolver as
atividades da antiga DEPS (apenas havia trocado de nome). Segundo relato de Maria Auxiliadora L.
M. Machado, em entrevista, antes de a CENDRHU ter se tornado SUPECS, havia uma concepção
de se “[...] criar uma Fundação Escola de Saúde Pública à semelhança da que existe na Secretaria
de Saúde do estado do Ceará.”
O movimento interno da DEPS, para criar uma escola de nível superior para os
profissionais do SUS, ainda não foi conformado pelos integrantes da própria superintendência e
também isso se reflete no âmbito externo das outras Superintendências e organismos da própria
SESAB, já que o processo de interlocução no âmbito da Secretaria não era percebido e continuava
com a mesma dimensão de quando era uma Diretoria. Esse processo, entretanto, pôde ser
percebido diferentemente nas instituições fora da SESAB. Confirma esta análise a não efetivação
da estrutura organizacional da Escola, assim como os sucessivos adiamentos da publicação e
oficialização de seu regimento.
Ainda nesse ano de 2004, a EFTS recebeu o prêmio UNESCO/MS de Inovação
Educacional, ao qual concorreram 300 escolas similares em todo o país. A SUPECS alavancou,
junto com a Secretaria de Administração do Estado (SAEB), o novo Plano de Carreira e
Vencimentos do Grupo Ocupacional Serviços Públicos de Saúde23.
Em fevereiro de 2003, a DICS desligou-se da SUPECS, através da Portaria da
Secretaria da Saúde nº 214 / 2003. A DICS passou a desenvolver suas atividades através das duas
Escolas, a EFTS e a Escola Estadual de Saúde Pública (EESP)24. (Quadro 1).
122
Revista Baiana
de Saúde Pública
Area de Recursos Humanos
SESAB
Composição
01 Diretoria e 04 subcoordenações
CETRE – Centro Treinamento
Estruturas
Formais
1973
Atender demanda de capacitação
em larga escala.
CETRE – Centro de Treinamento
1976
Incorporação da Biblioteca
e criação Núcleo de Documentação
e Formação
Aumento do volume de trabalho
dos profissionais e ínicio de
desenvolvimento do Projeto
IMCAS
CETRE – Centro de Treinamento
Estruturas
Internas
Informais
1978
Incorporação de 01
Assessoria de Planejamento
Incorporação de 02 setores na
Coordenação de Ccapacitação –
(Recrutamento e Seleção)-; e na
Coordenação de Planejamento
e Pesquisa – (Cargos e Salários).
CENDRHU – Centro de
Desenvolvimento de R. Humanos
1980
Ampliado conforme mudança
regimental da estrutura da
SESAB.
Incorporar a Gerência de
Capacitação: 03 sub- gerencias;
10 seções e 03 setores; 01 subgerência de lotação e
Movimentação com 02 seções
e 04 setores e 01 Coordenação de
Educação e Saúde.
NDRHU – Núcleo de
Desenvolvimento de Recursos
Humanos
1987
Ampliado de acordo a mudança
político organizacional do Estado.
CENDRHU – Coordenação de
Desenvolvimento de Recursos
Humanos
Incorpora 03 Divisões;
04 Unidades e 07 seções,
visando atender a política
do Governo Federal.
CENDRHU – Coordenação de
Desenvolvimento de Recursos
Humanos
1991
Incorporação da Escola Estadual
Formação Técnica (EFTS).
Formato da nova estrutura :
03 Divisões com 03 unidades
e 05 seções; A EFTS com
02 coordenações e 02 seções
SUPECS – Superintendência de
Educação e Comunicação em Saúde
Mudança decorrente da reforma
administrativa do Estado. Com a
seguinte composição: 02 Assessorias;
02 Diretorias e 09 Coordenações
SUPECS – Superintendência de
Educação e Comunicação em Saúde
01 Diretoria ; 02 Escolas:
EFTS e EESP
1994
1999
2002
Quadro 1. Demostrativo das Estruturas Regimentais e Informais que desenharam a área de RH da
SESAB (1974 – 2004)
v.30, n.1, p.105-128
jan./jun. 2006
123
SUPECS – Superintendência de Educação e Comunicação em Saúde
Atualmente, a SUPECS conta com 102 (cento e dois servidores), sendo 56
(cinqüenta e seis) de nível superior, 34 (trinta e quatro) de nível médio e elementar e 12 (doze)
ocupam cargo temporário, sem vínculo com o Estado.
Em termos de estrutura regimental, a SUPECS perdeu a Diretoria de Informação e
de Comunicação em Saúde, que desenvolvia atividades de Informação e Educação em Saúde e
consolidava dados estatísticos de saúde e descentralização dos Sistemas de Informação. Foi
implementanda, no âmbito estadual, a Rede Nacional de Informações em Saúde (RNIS), através
da assessoria sistemática, treinamentos e supervisões nos municípios e nas DIRES.
O levantamento documental, os depoimentos dos entrevistados e o desenho do
organograma do setor evidenciam que essa mudança estrutural conduziu a SUPECS a um processo
de retração, em que é cada vez menos solicitada no âmbito central da própria Secretaria de Saúde.
Propostas e projetos não são elaborados, e essa superintendência apenas desenvolve atividades de
capacitação pontuais e localizadas, perdendo seu caráter de Superintendência de Educação
Permanente.
Destaca-se que a DEPS tinha uma proposta de articulação com as universidades.
Dessa relação, ela passou a coordenar o Pólo de Saúde da Família (PSF), projeto do Ministério,
envolvendo as universidades e as Secretarias Municipais de Saúde. Com isso, a articulação e a
relação ocorriam com mais freqüência fora da Secretaria do que em seu interior.
No final de 2003, já nas instalações da EESP, o Pólo de Saúde da Família adquiriu
uma nova concepção política, definida pelo Ministério da Saúde, que instituiu os Pólos de
Educação Permanente em Saúde para os profissionais do SUS. Esses Pólos serão articulados em
rede estadual, formalizada por resolução do Conselho Estadual de Saúde, mediante a constituição
de instâncias colegiadas estaduais com funções e composições definidas e uma Secretaria
Executiva coordenada pelo gestor estadual, através da EESP e da EFTS.
Em 2004, a SESAB contratou uma consultoria externa para, junto com os dirigentes
da Administração Central, elaborar uma “remodelagem” em toda a estrutura da Secretaria. A
proposta para a área de RH deverá ser favorável, pois resgata a gestão de RH, ou seja, a SUPECS.
Além de continuar com as duas Escolas, deverá agregar duas novas diretorias: Administração de RH
e Desenvolvimento de RH. Sendo aprovada esta nova proposta, o órgão de RH deverá funcionar
de maneira mais abrangente, não só promovendo a educação permanente, mas também gerindo a
área de administração de pessoal.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O estudo traçou a trajetória da criação da área de recursos humanos da SESAB e
descreveu as mudanças nas diversas estruturas institucionais, ocorridas ao longo das três décadas
delimitadas na pesquisa. No primeiro momento de sua concepção, a visão e a dimensão desta
124
Revista Baiana
de Saúde Pública
área era bastante reduzida. Todos os seus investimentos estavam voltados para a capacitação de
seus RHs, com priorização para o nível médio e elementar – Projeto Larga Escala; o
desenvolvimento de projetos e programas oriundos do Ministério da Saúde (MS); bem como para
os projetos de capacitação pontuais e verticais no final dos anos de 1970 e toda a década de 1980,
difundidos para todo o estado da Bahia, com vistas a atender às exigências dos Projetos e
Programas do Governo Federal e também ao processo de descentralização das ações do órgão de
capacitação.
Convém ressaltar que nos anos de 1980, a área de RH teve papel relevante dentro
e fora da instituição. Buscou a articulação com órgãos e instituições de ensino e outras entidades
públicas, principalmente pelo papel de acompanhamento e supervisão que desempenhava junto
às DIRES. Em consonância com as políticas públicas, iniciou o processo de descentralização das
ações para os municípios.
Na década de 1990, em decorrência das mudanças regimentais, destaca-se o
retrocesso sofrido pela Coordenação de RH com a perda da Sub-Gerência de Lotação e
Movimentação de Pessoal, que passou a ser gerida pelo SAG, e a extinção da Biblioteca.
Salientam-se como avanços a criação de Unidade de Formação Técnica em Saúde (UFORTEC),
que, posteriormente, foi transformada na Escola de Formação Técnica em Saúde (EFTS), e a
inserção na SUPECS do antigo CIS, que passou a denominar-se DICS.
No período de 2000 a 2004, ressalta-se a criação da Escola Estadual de Saúde
Pública (EESP). Dentre suas atribuições destaca-se a coordenação da Secretaria Executiva dos Pólos
de Educação Permanente em Saúde.
Nos últimos cinco anos, o panorama do órgão de RH revela a existência de novos
rumos e um melhor redirecionamento e organização de suas ações. Essa possibilidade de mudança
de trabalho, ou seja, fazer a educação permanente através das duas escolas, é também uma
política de governo, que se propõe a melhorar a atuação do SUS, através da mudança de
paradigmas, que concretizem a educação permanente no serviço de saúde, principalmente no que
tange às propostas político-pedagógicas que as duas escolas desenvolvem.
Para a continuidade do processo de estruturação dessa área, merece destaque a
importância de buscar articulação com outros órgãos da própria SESAB e com instituições de ensino
superior e Escolas Técnicas, órgãos colegiados do Sistema Único de Saúde (SUS) – Bipartite,
Tripartite e Conselhos de Saúde – e organizações não governamentais. Com isso, as atividades de
RH devem ser desenvolvidas com o envolvimento de outros setores parceiros, de modo a
assegurar a co-responsabilidade na formação e valorização de RHs para o SUS.
Verificou-se que os maiores obstáculos para a estruturação da área de RH da SESAB
envolveram, no início, a visão restrita em se idealizar sua competência, seu papel, os
condicionantes políticos, administrativos e organizativos revelados pelas fragilidades das estruturas,
v.30, n.1, p.105-128
jan./jun. 2006
125
especialmente aquelas relativas à década de 1970. A insuficiente priorização da área de RH é
demonstrada pelos cortes e desativação de estruturas vitais para esta área, a exemplo da extinção
da biblioteca e a histórica divisão entre os setores responsáveis pela capacitação e lotação/
movimentação de recursos humanos. Ainda como obstáculo, o estudo revela a dificuldade de
concretizar estruturas de desenvolvimento de recursos humanos em instâncias descentralizadas,
especialmente nos níveis locais e municipais.
As transformações necessárias para que a estrutura organizacional da SESAB,
especificamente a área de RH, atendesse as prioridades e ações determinadas pelas políticas e
diretrizes traçadas para viabilizar planos, programas e atividades, deveriam ser definidas em razão
direta da necessidade de implementar ações estratégicas. Deste modo, a fim de melhor cumprir
sua missão institucional, as estruturas deveriam ser flexíveis e dinâmicas, para se adequarem aos
constantes desafios colocados pelas diversas conjunturas.
Convém ressaltar que são evidenciados ainda pelo estudo os grandes desafios a
serem enfrentados por esta área, no que diz respeito à carência de recursos financeiros, de pessoal
e a falta de articulação da área com os demais setores da Secretaria. Quanto às estruturas
organizacionais, revelam precariedades tanto em termos de posicionamento hierárquico dentro da
estrutura da Secretaria, que gera afastamento do setor do núcleo decisório, como em termos de
instrumentos, comunicação insuficiente e, principalmente, ausência de um sistema de informação
adequado. O estudo mostra que é necessário maior interesse e investimento em todos os níveis
da gestão da SESAB na estruturação do órgão de Recursos Humanos.
AGRADECIMENTOS
Aos dirigentes da SESAB, que possibilitaram a realização do curso de especialização
em Gestão de Sistemas e Serviços de Saúde; aos dirigentes e ex-dirigentes que responderam
prontamente à solicitação de participarem do estudo como entrevistados; a Profa. Lorene Louise
Silva Pinto, pela imprescindível colaboração na condução do trabalho; a Ivone Brito, que ajudou na
busca dos documentos oficiais, para fundamentação do estudo; e à orientadora e autora Telma
Dantas, por seu entusiasmo com o tema e por acreditar nesse desafio.
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de recursos humanos nas Secretaria de Saúde dos Estados e do Distrito
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v.30, n.1, p.105-128
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Regimento da SESAB Leg. Est.BA. Salvador 2002 jul./dez.;29(4):19962034.
23. Bahia. Secretaria da Saúde do Estado da Bahia. Superintendência de
Educação Permanente e Comunicação em Saúde. Relatório Anual de
Atividades - 2002. Salvador: SESAB/SUPECS; 2002.
24. Bahia. Secretaria da Saúde do Estado da Bahia. Portaria nº 214, de 06 de
fevereiro de 2003. Diário Oficial do Estado da Bahia, Salvador, 07 de
fevereiro de 2003.
Recebido em 28.07.2005 e aprovado em 17.04.2006.
128
ARTIGO ORIGINAL
Revista Baiana
de Saúde Pública
FATORES A SSOCIADOS À INTERRUPÇÃO DO ALEITAMENTO MATERNO NA S
CRIANÇAS MENORES DE SEIS MESES DE IDADE, DA CIDADE DE RIO
BRANCO (ACRE)
Maria Gerlívia de Melo Maiaa
José Tavares-Netob
Rita de Cássia Franco Rêgoc
Pascoal Torres Munizd
Resumo
A amamentação é fundamental para a saúde das crianças, resultando em benefícios
nutricionais, imunológicos, emocionais e econômico-sociais, com reflexo em seu desenvolvimento
infantil, além de apresentar vantagens para a saúde materna. O objetivo deste estudo é identificar
os fatores associados à interrupção do Aleitamento Materno Exclusivo (AME) em crianças menores
de seis meses de idade, de Rio Branco, Estado do Acre. Trata-se de um estudo exploratório de
corte transversal, tendo como população-alvo 445 crianças na faixa etária de cinco e seis meses de
idade, nascidas e residentes em Rio Branco. As mães apresentaram uma idade média de 24,7
anos; a prevalência de AME, foi de 70,6% na faixa etária de 0-15 dias, e de 12,9% na faixa etária
de 151 a 180 dias; a duração mediana de AME correspondeu a 60 dias. As variáveis associadas ao
desmame foram: uso de mamadeira e chupeta, mãe trabalhar fora de casa, não possuir carteira
assinada, ser adolescente, ser primípara, não receber orientação no Pré-natal, tipo de parto e
apresentar problemas na mama. As principais variáveis associadas ao desmame precoce foram: uso
de chupeta e uso de mamadeira. Concluiu-se que o desmame envolve questões culturais,
educacionais e de responsabilidade dos serviços de saúde. Desenvolver ações em favor da
amamentação desde a pré-escola é importante para resgatar a prática do aleitamento materno e
alterar positivamente os indicadores de saúde infantil.
Palavras-chave: Amamentação. Amazônia. Desmame. Leite materno. Rio Branco.
a
Mestranda do Curso de Pós-graduação em Medicina e Saúde da Faculdade de Medicina da Bahia, da Universidade Federal
da Bahia.
b
Professor adjunto-doutor e livre docente de Doenças Infecciosas e Parasitárias da Faculdade de Medicina da Bahia,
Universidade Federal da Bahia.
Professora adjunto-doutora da Faculdade de Medicina da Bahia, Universidade Federal da Bahia.
c
d
v.30, n.1, p.129-140
jan./jun. 2006
Professor adjunto-doutor do Departamento de Ciências da Saúde da Universidade Federal do Acre.
Endereço para correspondência: Maria Gerlívia de Melo Maia. Rua Bartolomeu Dias, 191- Bosque. Rio BrancoAcre - CEP: 69 909-450. E-mail: [email protected]
129
FACTORS ASSOCIATED TO THE INTERRUPCION OF BREAST-FEEDING IN MINOR
INFANTS OF SIX MONTHS OLD, IN RIO BRANCO URBAN CITY (ACRE)
Abstract
Breast-feeding is essential to children’s health with a direct reflection on their
development, resulting in nutritional, immunological, emotional and socio-economical benefits
for them and also presenting some advantages to the maternal health. Identify the factors associated
with the interruption of exclusive breast feeding (EBF) in six-months-old, in Rio Branco city (Acre).
A sectional study of 445 children in age group from five to six months, born at maternity hospitals
or at home in Rio Branco. The average of the mother’s age was about 24.7 years, the prevalence
of EBF was 70.6% in the age group of 0-15 days, and 12.9 in the age group of 151 to 180 days.
The EBF average of EBF was 60 days. The variables associated with weaning were: working out,
not having a job card, getting pregnancy early, being a first time mother not having pre-natal care,
kind of deliverance presenting breast problems, and the use of bottle and dummy were: use of
dummy and use of bottle. The findings show that weaning involves cultural and educational
factors besides health care responsibility. It is clear that developing actions to improve breast
feeding practice since pre-school can be decisive so that in a near future it will be is resumed can
lead to a great change in the infant’s health indicators.
Key words: Breast milk. Breast feeding. Weaning. Rio Branco. Amazon.
INTRODUÇÃO
A Organização Mundial de Saúde (OMS) recomenda que o aleitamento materno
exclusivo seja mantido até os seis meses de idade da criança, quando torna-se necessária a
introdução de alimentos complementares, em conjunto com a amamentação até dois anos ou
mais1.
O leite materno, por suas características bioquímicas e por suas vantagens
econômicas e psicossociais, representa o alimento ideal para lactentes, sendo fator preponderante
no combate à desnutrição e à mortalidade infantil. Desta maneira, o estudo das causas do
desmame precoce e de seus fatores de risco são de grande interesse para a saúde pública2.
No Brasil é possível observar um aumento significativo na duração mediana de
aleitamento materno. Observa-se que este valor passa de 2,5 meses, em 1975, segundo o Estudo
Nacional de Despesa Familiar (ENDEF), para 5,5 meses, em 1989, de acordo com a Pesquisa
Nacional sobre Saúde e Nutrição (PNSN); 7 meses, em 1996, e 9,9 meses, em 1999, na Pesquisa
de Prevalência do Aleitamento Materno nas Capitais e no Distrito Federal, realizada pelo Ministério
da Saúde (MS)3.
130
Revista Baiana
de Saúde Pública
Estes avanços foram conquistados com a implementação de uma política nacional
em favor do aleitamento materno, retomada na década de 1970. Por exemplo: a modificação na
constituição Brasileira de 1988, com relação ao tempo de licença à gestante, ampliada de 90 dias
para 120 dias; a implantação da Iniciativa “Hospital Amigo da Criança”, criada para promover a
implementação da segunda meta operacional da Declaração de Innocenti, que assegura aos
estabelecimentos que ofereçam serviços de maternidade e a prática integral de todos os Dez
Passos para o sucesso do aleitamento materno, introduzido no Brasil em 1992; o Prêmio Galba de
Araújo, que reconhece e premia as unidades de Saúde que desenvolvem e se destacam na
humanização do atendimento obstétrico e neonatal e ao incentivo ao parto normal, instituído em
1999, pelo MS; a implantação da Rede Nacional de Bancos de Leite Humano, que possibilita a
promoção da amamentação; a publicação, em 2000, da portaria da Norma de Atenção
Humanizada ao Recém-Nascido de Baixo Peso (Método Canguru), que permite o contato pele a
pele entre a mãe (ou pai) e o bebê prematuro. Além disso, alguns eventos contribuem para a
divulgação, como a comemoração da Semana Mundial de Aleitamento Materno, desde 1992. O
Brasil, entretanto, ainda está longe de alcançar o recomendado pela Organização Mundial de
Saúde (OMS), em relação à implementação efetiva de uma política nacional, pois os índices
apresentados pelo país, tempo mediano de 23,4 dias de aleitamento exclusivo, são ainda
insatisfatórios3.
Em função das taxas do aleitamento materno no Brasil, do grau de desenvolvimento
do país e das evidências epidemiológicas da importância da amamentação, a promoção do
aleitamento deve ser vista como uma ação prioritária para a melhoria da saúde e da qualidade de
vida das crianças e de suas famílias. No Estado do Acre, o conhecimento da importância do
aleitamento materno teve origem com as experiências inovadoras na Maternidade Bárbara
Heliodora, a partir de 1993, com a criação do ambulatório de acompanhamento das crianças para
a promoção, defesa e apoio da amamentação.
Em vista das diferenças regionais para a implementação das políticas de incentivo a
amamentação, buscou-se estudar a dinâmica do processo de aleitamento materno na realidade de
Rio Branco, cuja especificidade, certamente, contribuirá para uma melhor compreensão desta
dinâmica e para o desenvolvimento da política de incentivo ao aleitamento materno na Região
Amazônica.
MATERIAL E MÉTODOS
A área de estudo escolhida limitou-se ao espaço urbano do município de Rio
Branco, capital do Estado Acre, que possui uma superfície de 8.580 Km², representando 6,5% da
área do Estado.
v.30, n.1, p.129-140
jan./jun. 2006
131
A cidade de Rio Branco possuía, no ano 2000, população de 253.059 pessoas,
sendo 226.298 (89,42%) na área urbana e 26.761 (10,58%) na área rural. Cerca de 40.693
pessoas são menores de cinco anos4. A Taxa de Mortalidade Infantil no ano de 2003 era de 21,9 e
a taxa de mortalidade neonatal era de 15,2 por mil nascidos vivos, conforme dados do SINASC de
2004e.
A pesquisa consiste em um estudo exploratório de corte transversal. Para a
realização de estudos transversais sobre aleitamento materno, com o grupo materno infantil, tem
sido utilizada como estratégia a Campanha de Vacinação. Esta estratégia apresenta como
vantagens: a concentração da população-alvo em locais pré-determinados no dia da campanha, a
facilidade, a rapidez e o baixo custo na obtenção de informações3,5.
A população-alvo foi constituída por todas as crianças com idades entre cinco e seis
meses e vinte e nove dias completados até o dia da coleta, nascidas nas maternidades de Rio
Branco e residentes na área urbana do município. Nesse dia, 05 de maio de 2004, foi realizado o
levantamento de caráter universal, envolvendo todos os acompanhantes das crianças que
compareceram aos postos de vacinaçãoe.
No período de realização desta pesquisa, os dados fornecidos pelo SINASC
informam que a média de nascidos-vivos/mês nas maternidades do município de Rio Branco foi de
604 crianças, tendo taxa de mortalidade neonatal de 14,6. Em junho de 2004, a população menor
de um ano em Rio Branco era de 7.710 crianças e a meta mínima da campanha de vacinação era
de 95%6. A meta alcançada nessa etapa de campanha foi de 124,8%. Neste estudo, foram
identificadas 445 crianças na faixa etária entre cinco e seis meses de idade. Como a cobertura
vacinal foi ultrapassada, pressupõe-se que todas as crianças da faixa etária incluída nesta pesquisa
compareceram no dia da vacinação.
A aplicação dos questionários aconteceu, em sua grande maioria, no dia 05 de junho
de 2004, data da primeira etapa da Campanha de Vacinação, nos 136 locais de vacinação
definidos pela Secretaria Municipal de Saúde de Rio Branco. Realizou-se também, posteriormente,
a busca de endereços de crianças, cujas mães, por algum motivo, não compareceram ao local de
vacinação. Os entrevistadores participaram de um treinamento, no qual foram abordadas as
questões de metodologia da pesquisa, a aplicação do instrumento de coleta de dados, composto
de um questionário pré-codificado, testado e validado7. Este instrumento foi adaptado para
e
Dados extraídos do Sistema de Informação de Nascidos Vivos (SINASC) gerado pelo DATASUS. Consulta realizada na
Vigilância Epidemiológica Estadual da Secretaria de Estado de Saúde do Acre.
132
Revista Baiana
de Saúde Pública
utilização com outras formas de perguntas e informes gerais sobre a Campanha Nacional de
Vacinação. O instrumento de coleta de dados foi composto de 58 perguntas em sua grande
maioria fechadas, seguindo as recomendações da Organização Mundial de Saúde para
levantamento sobre amamentação, usados na Pesquisa de Prevalência do Aleitamento Materno nas
Capitais e no Distrito Federal3, que incluiu: dados de identificação da mãe e da criança; questões
relacionadas à mãe (número de partos, estado civil, escolaridade, ocupação etc.); situação sócioeconômica da família, história da gravidez e do nascimento da criança; história alimentar, hábitos e
práticas alimentares da criança; além de dados sobre a alimentação da criança nas 24 horas
precedentes.
Utilizaram-se as seguintes definições das variáveis dependentes para a análise:
Aleitamento Materno Exclusivo (AME): crianças menores de seis meses do Município de Rio
Branco alimentadas exclusivamente com leite materno nas últimas vinte e quatro horas;
Aleitamento Materno Predominante (AMP): crianças menores de seis meses do Município de Rio
Branco alimentadas com leite materno, mas que ingeriram água, chá, ou suco nas últimas vinte e
quatro horas e/ou em qualquer momento de sua vida, antes de completados os seis meses;
Aleitamento Materno Total (AMT): crianças menores de seis meses que receberam leite materno,
independente de outro alimento, nas últimas vinte quatro horas e/ou em qualquer momento de
sua vida, antes de completados os seis meses. As informantes de escolha eram as mães das
crianças, selecionadas no estudo de forma voluntária, sendo informadas dos objetivos da pesquisa,
bem como de sua relevância social e científica. Após essas informações, era lido o Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido, aprovado previamente pelo Comitê de Ética em Pesquisa da
Fundação Hospitalar do Estado do Acre (FUNDHACRE).
RESULTADOS
Quanto às características maternas, 22,5% das mães (n=100) estavam na faixa etária
entre 14 e 19 anos e a média de idade foi de 24,7 (±6,06) anos, 77,5% (n=345) das mães
tinham acima de 19 anos. A maioria das mães (68,1%; n= 303) era do grupo racial pardo, sendo
que as demais apresentavam a seguinte distribuição: 22,0% (n=98) branco; 6,3% (n=28) negro;
2,2% (n=10) amarelo e 1,3% (n=6) indígena. Em relação ao número de filhos, mais da metade
das mães 58,7% (n=261) havia parido mais de um filho e 41,3% (n=184) eram primíparas.
Relativamente às mães, um total de 141 (31,7%) trabalhava fora e 13,9% (n=62)
tinham carteira de trabalho assinada. Quanto à escolaridade, 3,6% (n=16) não haviam freqüentado
escola e 54,6% tinham até 8 anos de estudos. No tocante ao estado civil, 25,8% (n= 115) eram
solteiras; 71,0% (n= 316) casadas ou com companheiro fixo e 3,2% (n=14) viúvas ou separadas.
v.30, n.1, p.129-140
jan./jun. 2006
133
Em relação à renda familiar-mensal, observou-se que 47,2% (n=211) das famílias
recebiam até um salário-mínimo, o que representava R$ 260,00 à época.
Quanto ao local de nascimento, 21,4% (n=93) das crianças nasceram em hospital
amigo da criança. Do total de crianças, a maioria 62,9% (n=280) nasceu de parto realizado por
médicos; 17,1% (n=76) assistidas por enfermeiros(as) e 17,8% (n=79) por parteiras, sendo a
proporção de cesáreas de 39,6% (n=176). Em relação ao sexo das crianças, a proporção foi de 1,2
meninos (n=243) para uma menina (n=200) ou, respectivamente, 54,8% e 45,2%.
Em relação ao peso das crianças ao nascer, observou-se que 9,8% (n=43) nasceram
com peso inferior a 2.500 gramas, 19,2% (n=84) nasceram com peso entre 2.500 a 2.999 gramas
e 71% (n=310) nasceram com peso superior a 3.000 gramas.
No que concerne aos fatores ligados à gravidez, observa-se, quanto ao pré-natal,
que 3,4% (n=15) das mulheres não realizaram nenhuma consulta e 61,2% (n=273) tiveram 6 ou
mais consultas. Entre aquelas com consultas durante o pré-natal (n=430), a maioria (69,7%;
n=310) recebeu alguma orientação sobre aleitamento materno e 65,2% (n=300) também
informaram ter recebido orientação no local do parto. O percentual de mães sem nenhuma
orientação durante o pré-natal foi de 30,1% (n=134).
O pré-natal na rede SUS foi realizado por 80,9% (n=360) das mulheres e 15,7%
(n=70) em serviço particular.
A proporção de crianças que não receberam qualquer tipo de acompanhamento em
puericultura foi de 14,4% (n=64). Dentre as crianças acompanhadas, 73,7% (n=328) eram
atendidas na rede SUS e 11,9% (n=53), em serviço particular.
Conforme Tabela 1, observa-se que, considerando-se como variável-resposta a
amamentação exclusiva, as crianças que usaram chupeta apresentaram 14% mais desmame
precoce do que as que não usaram [RP=1,14 com IC 95% (1,06 – 1,21)]; crianças que usaram
mamadeira apresentaram 40% mais desmame precoce [RP=1,40 com IC95% (1,27 1,56)];
crianças que haviam nascido pela via não vaginal apresentaram 10% maior probabilidade de serem
amamentadas exclusivamente [RP=0,90 e IC95% (0,83 - 0,97)]. Os outros fatores investigados
não foram estatisticamente significantes em relação à amamentação exclusiva.
A Tabela 1 também mostra que, ao predominar a amamentação na variávelresposta, as crianças que usaram mamadeira apresentaram 2 vezes mais desmame precoce do que
as crianças que não utilizaram [RP=2,16 com IC 95% (1,74 – 2,68)]; e as crianças que usaram
chupeta apresentaram 60% mais desmame precoce do que as que não usaram [RP= 1,60 com IC
95% (1,41 – 1,80)]. Entre as crianças cujas mães possuíam carteira de trabalho assinada, a chance
de não serem desmamadas precocemente foi 21% menor [RP=0,79 com IC 95% (0,68 – 0,91)];
134
Revista Baiana
de Saúde Pública
os filhos de mães que trabalhavam fora apresentaram 27% maior probabilidade de desmame
precoce [RP=1,27 com IC 95% (1,20 – 1,44)] quando comparadas às crianças cujas mães não
trabalhavam; a criança cuja mãe era adolescente (idade inferior a 19 anos) apresentou 25% maior
probabilidade de desmame precoce [RP = 1,25 com IC 95% (1,09 – 1,42)]; as crianças filhas de
mães primíparas apresentaram 16% maior probabilidade de desmame precoce [RP=1,16 com IC
95% (1,01 – 1,32)]; as crianças cujas mães não foram orientadas no pré-natal tiveram 17% maior
probabilidade de serem desmamadas precocemente [RP= 1,17 com IC 95% (1,02 – 1,33)]; os
filhos de mães que referiram algum problema na mama (fissura ou dor ao amamentar)
apresentaram 15% maior probabilidade de desmame precoce [RP= 1,15 com IC 95% (1,00 –
1,32)].
Quando a variável resposta foi aleitamento materno, independente de
complemento, observou-se (Tabela 1) que filhos de mães adolescentes apresentaram 2,13 vezes
(113%) maior probabilidade de desmame precoce [RP=2,13 com IC 95% (1,58 – 2,86)]; filhos de
primíparas apresentaram 63% maior probabilidade de desmame precoce [RP=1,63 com IC 95%
(1,19–2,21]; crianças cujas mães trabalhavam fora apresentaram 38% maior probabilidade de
desmame precoce, resultado estatisticamente significante [RP=1,38 com IC 95% (1,01 – 1,88)];
se a criança fez uso de chupeta apresentava uma probabilidade 2,39 vezes maior de desmame
precoce [RP=3,9 com IC 95%(2,79 – 5,44)]; quando a criança usava mamadeira, a probabilidade
de desmame precoce era 5,49 (449%) vezes maior [RP= 5,49 com IC 95% (2,96–10,18)]. As
variáveis estado civil e escolaridade materna não atingiram o nível de significância estatística.
v.30, n.1, p.129-140
jan./jun. 2006
135
136
383
62
100
345
CARTEIRA ASSINADA
Não
Sim
MAE ADOLESCENTE
Sim
Não
135
310
176
269
267
178
295
150
158
289
ORIENTAÇÃO PRE
NATAL
Não
Sim
TIPO DE PARTO
Cesárea
Normal
PROBLEMAS NA MAMA
Sim
Não
USA MAMADEIRA
Sim
Não
USA CHUPETA
Sim
Não
184
261
141
304
TRABALHA FORA DE
CASA
Sim
Não
PRIMIPARA
Não
Sim
129
316
ESTADO CIVIL
Não ter companheiro
Ter companheiro
29
71
%
35,5
64,9
66,3
33,7
60
40
39,6
60,4
30,3
69,7
41,3
58,7
22,5
77,5
86,1
13,9
31,7
68,3
Total
N
VARIÁVEL
NÃO
147
284
103
232
155
143
244
116
271
162
225
91
296
331
56
128
259
109
278
n
94,2
96,3
68,7
86,9
87,1
81,3
90,7
85,9
87,4
88
86,2
91
85,8
86,4
90,3
90,8
85,2
84,5
88
%
9
11
47
35
23
33
25
19
39
22
36
9
49
52
6
13
45
20
38
n
SIM
5,8
3,7
31,3
13,1
12,9
18,8
9,3
14,1
12,6
12
13,8
9
14,2
13,6
9,7
9,2
14,8
15,5
12
%
1,14
1,4
1
0,9
0,98
1,02
1,06
0,96
1,07
0,96
RP
IC95%
(1,06-1,21)
(1,26-1,57)
(0,93-1,07)
(0,83-0,97)
(0,91-1,07)
(0,95-1,10)
(0,98-1,14)
(0,87-1,05)
(0,99-1,14)
(0,88-1,24)
Amamentação exclusiva
130
158
238
56
186
108
109
185
99
195
132
162
78
216
244
50
109
185
%
87,2
54,7
80,7
37,3
69,7
60,7
61,9
68,8
73,3
62,9
71,7
62,1
78
62,6
63,7
80,6
77,3
60,9
69,8
71
NÃO
90
316
n
20
131
57
94
81
60
67
84
36
115
52
99
22
129
139
12
32
119
39
38
n
%
12,8
45,3
19,3
62,7
30,3
39,3
38,1
31,2
26,7
37,1
28,3
37,9
22
37,4
36,3
19,4
22,7
39,1
30,2
12
SIM
1,6
2,16
1,15
0,9
1,17
1,16
1,25
0,79
1,27
1,08
RP
(1,41-1,80)
(1,74-2,68)
(1,00-1,32)
(0,78-1,04)
(1,02-1,33)
(1,01-1,32)
(1,09-1,42)
(0,78-0,91)
(1,12-1,44)
(0,94-1,24)
IC95%
Amamentação predominante
80
38
%
51,3
13,1
36,6
6,7
29,6
21,9
25
27,5
25,9
26,8
34,2
21,1
45
21,2
25,3
33,9
32,6
23,7
31,8
24,4
NÃO
108
10
79
39
44
74
35
83
63
55
45
73
97
21
46
72
41
77
n
76
251
187
140
188
139
132
195
100
227
121
206
55
272
286
41
95
232
88
239
n
%
48,7
86,9
63,4
93,3
70,4
78,1
75
72,5
74,1
73,2
65,8
78,9
55
78,8
74,7
66,1
67,4
76,3
68,2
75,6
SIM
(0,97-1,89)
(0,66-1,25)
(0,69-1,36)
(1,19-2,21)
(1,58-2,86)
(0,51-1,10)
(1,01-1,88)
(0,95-1,79)
IC95%
3,9
(2,79-5,44)
5,49 (2,96-10,18)
1,35
0,91
0,97
1,63
2,13
0,75
1,38
1,3
RP
Amamentação total
Tabela 1. Fatores de risco associadas ao abandono da amamentação exclusiva (AME), Predominante (AMP) e Total (AMT) em crianças de cinco e seis
meses de idade, RP bruta e IC95%, em Rio Branco, 2004
Revista Baiana
de Saúde Pública
DISCUSSÃO
Pode-se observar neste estudo grande aumento do número de crianças
amamentadas em Rio Branco no período de 1994 a 2004, principalmente de forma exclusiva. Em
1994, apenas 39,2% das crianças recebiam leite materno aos seis meses de idade8. Em 2004, isso
foi observado em 67,9% das crianças da mesma faixa etária. Também aumentou o aleitamento
exclusivo aos três meses: em 1994 era em apenas 2,0%8 das crianças, passando a ser 35,5% em
2004.
Os resultados deste estudo mostram que 99,8% das crianças são amamentadas no
primeiro dia de vida, no entanto, à medida que a criança vai crescendo, começa o processo de
desmame. No décimo quinto dia de vida, essa taxa é 96,4%, passando para 90,1% no primeiro
mês de vida. Essas taxas, porém, apresentam-se superiores aos resultados da pesquisa nacional
realizada em 1999 3.
Vários autores confirmaram associação entre o uso de chupeta, o atraso no
desenvolvimento em crianças menores de um ano9 e a menor duração do aleitamento
materno5,10,11,12, também evidenciado neste estudo, no qual foi encontrada uma prevalência de uso
de chupeta de 35,1% nas crianças estudadas. A proporção de crianças em uso de mamadeira foi
de 66,3%. Este fato acontece devido a este hábito ser bastante difundido e culturalmente arraigado
em outros países e no Brasil 13 e ao total descumprimento da Norma Brasileira de Comercialização
de Alimentos para Lactentes e Crianças de Primeira Infância, Bicos, Chupetas e Mamadeiras
(NBCAL).
Em alguns estudos, a baixa escolaridade materna apresentou fator de risco ao
desmame14,15, fato que não foi observado neste estudo. Porém, é importante ressalvar que
mulheres com maior escolaridade podem pertencer a classes mais favorecidas e deterem mais
conhecimentos14.
Observou-se, neste estudo, a significante associação do trabalho fora de casa da
mãe com o desmame precoce, o que também havia sido assinalado em investigação realizada em
Feira de Santana (Bahia)12. Outros autores constataram que as mulheres não só precisam de
benefícios trabalhistas para amamentar exclusivamente16, como também de estarem bem
informadas da importância dessa prática e de como utilizarem melhor esses benefícios.
Neste estudo, as mães sem carteira de trabalho assinada ou sem emprego formal
têm marcante fator de risco para suas crianças deixarem de ter o aleitamento materno
predominante. Este fato pode ser atribuído à falta de estabilidade no emprego e ao não usufruto
dos direitos da mulher que amamenta. Embora esses direitos sejam previstos na legislação
brasileira, não são cumpridos.
v.30, n.1, p.129-140
jan./jun. 2006
137
Como observado em alguns estudos, a idade materna (<19 anos) e a primiparidade
associaram-se de forma estatisticamente significante ao desmame (AM), o que pode estar
relacionado à falta de experiência anterior e isto justifica a necessidade de inserir ações educativas
nesses grupos, a exemplo de grupos de gestantes12,17.
Apesar de não haver associação estatística entre a quantidade de consultas no
período pré-natal e o aleitamento materno, aproximadamente um terço (30,3%) das mulheres que
havia realizado pelo menos uma consulta não recebera nenhuma orientação sobre aleitamento
materno. Estes dados nos permitem questionar sobre a qualidade do atendimento prestado às
mulheres naquele período.
A amamentação exclusiva foi maior em crianças que nasceram de parto via cesárea,
fato também referido anteriormente por outros autores5,17. Este achado pode ter associação com
algum fator não estudado ou até decorrer da mãe, nesse caso, avaliar que a criança nascida de
parto não natural seja mais vulnerável e, em conseqüência, ofereça mais cuidados, inclusive, o
aleitamento exclusivo. Não obstante, essa associação necessita de mais investigação em outras
regiões do país, usando como estratégia estudos do tipo caso-controle.
Mais de um terço (37,8%) das mães estudadas referiu ter apresentado algum
problema na mama, do tipo ingurgitamento, fissura do mamilo e/ou dor ao amamentar e isso foi
fator de risco associado à menor freqüência da amamentação predominante. Essa associação, por
sua vez, pode ser decorrência da falta de informação dos profissionais assistentes à nutriz, quanto à
avaliação da mamada e ao manejo clínico mais adequado à amamentação.
A cobertura vacinal e a possibilidade de acesso dos pesquisadores a todos os serviços
utilizados durante a campanha de vacinação vêm garantir a representatividade da amostra e dos
resultados da pesquisa referente à situação da amamentação na cidade de Rio Branco, Acre.
Percebe-se, com os resultados deste estudo, que o Município de Rio Branco tem
realizado esforços no sentido de promover, defender e apoiar o aleitamento materno. Porém,
principalmente o aleitamento materno exclusivo, ainda precisa de outras estratégias para que possa
aumentar este indicador de prevalência da amamentação. Uma das estratégias essenciais deve ser
direcionada ao esclarecimento dos riscos do uso de mamadeira e chupeta.
138
Revista Baiana
de Saúde Pública
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15. Tomasi E, Victora CG, Olint MTA. Padrões e determinantes do uso de
chupeta em crianças. Jornal de Pediatria 1994; 70(3): 167-71.
16. Rea MF, Venâcio SI, Batista LE, Santos RG, Greiner T. Possibilidades e
limitações da amamentação entre mulheres trabalhadoras formais.
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1996;126:2765-73.
Recebido em 31.08.2005 e aprovado em 16.02.2006.
140
ARTIGO ORIGINAL
Revista Baiana
de Saúde Pública
EMENDA CONSTITUCIONAL – EC Nº 29/2000:
O CUMPRIMENTO PELOS MUNICÍPIOS DO ESTADO DA BAHIA ,
2000 A 2003
Tânia Margarida de Novaes Rochaa
Renato Sena Gomes Júniorb
Maria Letícia Bonfim Andradec
Joana Angélica Oliveira Molesinid
Resumo
A EC nº 29, promulgada em 13 de setembro de 2000, visa assegurar os recursos
mínimos para financiamento das ações e serviços públicos de saúde. Este artigo tem como objeto a
análise do cumprimento dos percentuais vinculatórios progressivos dos gastos próprios em saúde,
previsto na Emenda Constitucional nº 29/2000, pelos municípios da Bahia, no período de 2000 a
2003, distribuindo por macrorregião, de acordo com o desenho territorial do Plano Diretor de
Regionalização da Bahia. Trata-se de um estudo descritivo, do tipo exploratório quantitativo. Foram
utilizados os dados gerados pelo Sistema de Informações sobre Orçamentos Públicos em Saúde,
coletados no período de dezembro de 2004 a março de 2005, instrumento essencial para aferição
dos gastos em saúde, contribuindo para o planejamento, avaliação, gestão e controle social. O
universo do estudo foram os 346 municípios dos 417 existentes no Estado, sendo calculada a
progressão vinculatória do período de 2000 a 2003. Em 2003, 304 municípios aplicaram o mínimo
em saúde. Destes, incluem-se os 128 que cumpriram a progressão vinculatória. Os resultados
encontrados mostraram que os municípios com menor renda per capita e menor faixa populacional
foram os que mais aplicaram em saúde.
Palavras-chave: Controle social. Financiamento. Serviços de saúde.
a
b
c
d
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jan./jun. 2006
Assistente Social – SESAB.
Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental – SESAB.
Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental – SESAB.
Orientadora: Mestre em Saúde Coletiva – SESAB.
Endereço para correspondência: Rua Professor Pinto de Aguiar nº 28 F, Boca do Rio; Salvador, Bahia –
CEP: 41.710-000. E-mail: [email protected]
141
CONSTITUTIONAL EMENDATION - EC Nº 29/2000:
THE FULFILMENT FOR THE CITIES OF THE STATE OF BAHIA,
2000 TO 2003
Abstract
The Constitutional Amendment EC no. 29/2000, passed on September 13, 2000,
aims to guarantee the minimum resources for financing actions and services in public health. This
article presents an analysis of the fulfillment of the progressive compulsory percentages of standing
on health determined by EC no. 29/2000, in Bahian municipalities, from 2000 to 2003. The
analysis is based on macro regions established in the “Plano Diretor de Regionalização da Bahia”
(Bahia Regionalization Plan). It is a descriptive study of exploratory quantitative type, that uses
data from the “Sistema de Informação Sobre Orçamentos Públicos em Saúde” (Information System
on Public Health Budget) collected from December 2004 to March 2005. This information system
consists of an essential instrument for checking expenses on health and contributes for the planning
evaluation management and social control. The analysis includes 346 municipalities (82.97%) out
of the 417 Bahian municipalities and calculates the progression of compulsory standing from 2000
to 2003. In 2003, 304 municipalities spent the minimum legal figure on health, corresponding to
83.51%; A 128 of them met the expected progression (42.11%). The results show that municipalities
with low percapta income and small populations were among those which spent more on health.
Key words: Social control. Financing. Services health.
INTRODUÇÃO
A Constituição Federal de 19881 criou o Sistema Único de Saúde (SUS), sistema
público descentralizado, integrado pelas três esferas de governo, regulamentado pelas Leis
Orgânicas da Saúde n.º 8.080/902 e 8.142/903. Também define que o financiamento do setor
saúde é de responsabilidade das três esferas de governo (federal, estadual e municipal) e
determina que os recursos federais para a saúde sejam originados das fontes que compõem o
orçamento da seguridade social, porém não estabelece os percentuais que deveriam ser alocados
no setor saúde.
A Lei nº 8.142/903 define, em seu artigo 4º, como requisito para os Estados e
Municípios receberem recursos federais, a contrapartida de recursos em seus respectivos
orçamentos. A não determinação de percentuais, entretanto, deixava a cargo da proposta política
de cada governo o percentual de investimentos em saúde4.
Com a publicação das Normas Operacionais Básicas (NOB) 01/915, o repasse de
recursos financeiros do Fundo Nacional de Saúde – Ministério da Saúde (MS) – para os Fundos
142
Revista Baiana
de Saúde Pública
Estaduais e Municipais (Secretarias Estaduais e Municipais) passaram a ser efetuadas tendo como
base o faturamento da produção de serviços, mediante celebração de convênios entre Ministério
da Saúde e Secretarias Estaduais de Saúde e entre Ministério da Saúde e Secretarias Municipais de
Saúde para o desenvolvimento de “programas especiais”. Posteriormente, com a edição da NOB
01/936, através da Portaria nº 545, de 20 de maio de 1993, estabeleceu-se uma nova relação entre
as três esferas de governo, atribuindo responsabilidades e prerrogativas à gestão do sistema, dentre
as quais: criação das formas de gestão municipal (incipiente, parcial e semiplena); constituição das
Comissões Intergestores Bipartite e Tripartite (de âmbito estadual e nacional, respectivamente),
como importantes espaços de negociações, pactuações, articulações e integrações dos gestores;
criação da transferência regular e automática fundo a fundo (transferência de recursos do Fundo
Nacional de Saúde para os Fundos Estaduais e Municipais), estabelecendo o começo para o novo
mecanismo de repasse dos recursos financeiros federais que propiciaria o fortalecimento da
autonomia administrativa e financeira dos entes federados.
Em novembro de 1996, com a publicação da Norma Operacional Básica (NOB) 01/
96, a descentralização ganhou impulso, trazendo inovações no processo de transferências fundo a
fundo dos recursos financeiros federais para os âmbitos estaduais e municipais, tais como:
estabelecimento do Piso Assistencial Básico (PAB), adotando-se o critério populacional para o
repasse, definido pela multiplicação de um valor per capita nacional pela população de cada
município, constituindo a parte fixa do PAB; a incorporação, pelos municípios, de um conjunto de
responsabilidades com ações de saúde pública e “programas especiais” que compõem a parte
variável do PAB, além da Programação Pactuada e Integrada (PPI), entre gestores, constituindo-se
em um instrumento essencial de reorganização do modelo de atenção e gestão do SUS7.
As Normas Operacionais Básicas desencadearam um movimento de pactuação entre
os três níveis de gestão, na tentativa de superar as dificuldades e impasses, visando o
aprimoramento do SUS. Este movimento toma ainda mais forma com a publicação da Norma
Operacional de Assistência a Saúde (NOAS) 01/02, que coloca a regionalização como proposta de
reorganização e implementação do SUS. Esta norma estabelece o Plano Diretor de Regionalização
(PDR) como instrumento ordenador, define fluxos de referência e contra referência, pontua a
organização de redes hierarquizadas de serviços, busca contribuir para redução das desigualdades
regionais e avaliar as medidas que serão suficientes para atenuar as necessidades de recursos para
atender às demandas da população8.
Com objetivo de garantir as condições necessárias para que se alcance o equilíbrio
entre as demandas da população por serviços de saúde e os recursos necessários para seu
financiamento, foi editada a Emenda Constitucional (EC) nº 29/2000, em 13 de setembro de
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2000, que alterou a Constituição Federal de 1988, quanto à vinculação dos recursos pelos diversos
níveis de governo – União, Estados e Municípios – estabelecendo a base de cálculo e percentuais
mínimos de recursos orçamentários a serem aplicados em ações e serviços de saúde. Esta emenda
foi fruto de negociações, entendimentos e de um grande processo de luta e mobilização social9.
A EC nº 29/00 traz em seu bojo definições dos limites mínimos de aplicação em
saúde e regras de adequação para o período de 2000 a 2004, para que os percentuais de recursos
a serem destinados para o financiamento do setor pelos governos sejam atingidos. Define um
patamar mínimo inicial, para o ano 2000, de 7% das receitas municipais e estaduais a serem
aplicadas em saúde e um acréscimo de 5% sobre o montante empenhado pela União no exercício
financeiro de 1999. Nos anos seguintes, até 2004, os percentuais previstos para estados e
municípios deveriam elevar-se até atingir 12% das receitas estaduais e 15% das receitas municipais,
enquanto a participação da União seria corrigida pela variação nominal do Produto Interno Bruto
(PIB)9.
A partir da aplicabilidade da EC nº 29/00, foi utilizado, como referência para o
acompanhamento de aferição dos recursos vinculados em ações e serviços públicos, o Sistema de
Informações sobre Orçamentos Públicos em Saúde (SIOPS) idealizado pelo Conselho Nacional de
Saúde (CNS) e implementado pelo Ministério da Saúde em parceria com o Ministério Público
Federal10.
Na perspectiva do acompanhamento financeiro, foi publicada a Portaria Conjunta nº
1.163, de 11/10/2000, que regulamenta o SIOPS no âmbito do Ministério da Saúde, reforçando o
processo de institucionalização como um sistema de informação sobre financiamento e gestão em
saúde nos três níveis de governo. Este sistema disponibiliza informações dos estados e municípios,
on-line, no site do DATASUS, permitindo comparações e análises, fornecendo indicadores, tais
como: gastos com saúde per capita; relação entre recursos transferidos e recursos próprios
aplicados em saúde; receita própria aplicada em saúde e composição dos gastos em saúde10.
As discussões da 12ª Conferência Nacional de Saúde concluíram que, embora o
modelo proposto não reflita os anseios da população brasileira, a EC nº 29/00 representa um
avanço na consolidação do SUS, ao vincular recursos específicos para saúde. O financiamento do
SUS não pode ser pensado isoladamente da política social e econômica do país11. Portanto, além
de lutar pelo montante mínimo garantido pela EC nº 29/00, deve haver compromisso dos
governantes e da sociedade pela inversão do modelo econômico do país, que permita elevação e
agilidade no uso dos recursos, com a efetiva participação da população, garantindo a aplicação dos
recursos com base na realidade locall1,12.
144
Revista Baiana
de Saúde Pública
Considerando que o SUS é co-financiado pelos três entes federados, constituindo-se
em um dos meios para garantir os princípios expressos na Constituição Federal de 1988, e
desconhecendo o quanto a esfera municipal participou no financiamento do referido sistema,
quanto aos gastos em saúde previstos na emenda em questão, surgiu o interesse pelo tema, em
virtude de inexistir um estudo no estado da Bahia. Além disso, os autores compõem o Núcleo
Estadual de Apoio ao SIOPS, podendo contribuir de forma significativa para a interlocução com os
gestores municipais de saúde, na perspectiva de cooperação técnica, visando a uma melhor
aplicabilidade do referido sistema por parte desses administradores.
Este estudo teve como objetivo descrever o cumprimento da EC nº29/00 pelos
municípios do estado da Bahia, no período de 2000 a 2003, identificando o número e percentual
dos municípios que alimentaram o SIOPS; os que aplicaram o mínimo em saúde no ano de 2003;
os que cumpriram os percentuais progressivos vinculatórios, distribuindo-os por macrorregião,
correlacionando-os com faixas populacionais e com o Produto Interno Bruto do ano de 2003.
MATERIAL E MÉTODOS
Trata-se de um estudo descritivo, do tipo exploratório quantitativo. O campo de
estudo foi o estado da Bahia, com seus 415 (quatrocentos e quinze) municípios, uma vez que foi
adotado como critério de exclusão para cálculo dos percentuais progressivos vinculatórios os 02
(dois) municípios não emancipados politicamente no ano de 2000.
O desenho territorial utilizado foi o formulado através do Plano Diretor de
Regionalização (PDR) para a área da saúde, que delimitou o território da Bahia em 08 (oito)
macrorregiões, 32 (trinta e duas) microrregiões e 125 (cento e vinte e cinco) módulos
assistenciais13.
Para a coleta de dados, foram utilizados os relatórios gerados pelo Departamento de
Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS), disponíveis no Sistema de Informações Sobre
Orçamentos Públicos em Saúde (SIOPS), pela Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais
da Bahia (SEI) e pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Os dados referentes à alimentação do SIOPS, pelos municípios, no período 2000 a
2003, bem como a distribuição dos municípios que cumpriram a progressão por macrorregião e
microrregião de saúde foram analisados através de freqüência simples. Os percentuais relativos a
esses dados estão apresentados no Gráfico 1 e nas Figuras 1 e 2.
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Gráfico 1. Número de municípios segundo a alimentação do SIOPS na Bahia 2000 a 2003
Fonte: Datasus/SIOPS
Legenda:
* CP – Cumpriram progressão da EC Nº 29/00
Figura 1. Percentual de municípios que cumpriram a progressão vinculatória da EC nº 29/00 por
macrorregiões de saúde, Bahia - 2000 a 2003
Fonte: SIOPS / DATASUS
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Os percentuais mínimos a serem aplicados nos exercícios de 2001, 2002 e 2003
foram calculados levando-se em consideração os dados transmitidos ao SIOPS pelos municípios,
referentes ao ano base de 2000, e os parâmetros da Resolução nº 322/200313, do Conselho
Nacional de Saúde, e diretrizes da aplicação da EC nº 29/009.
Para o cálculo dos percentuais progressivos vinculatórios da EC nº 29/00, considerase o percentual efetivamente aplicado em 2000, abatendo-se a diferença entre o valor aplicado e
o percentual final estipulado no texto constitucional, abatida na razão mínima de 1/5 ao ano, até
2003, sendo que em 2004 deverá ser no mínimo 15%14. Assim, os municípios cujo percentual
aplicado em 2000 tiver sido inferior a 7% devem aumentá-lo de modo a atingir o mínimo previsto
para os anos subseqüentes, que é de 8,6%, em 2001, 10,2%, em 2002, 11,8%, em 2003, e 15%,
em 2004. Os municípios que em 2000 já aplicavam percentuais superiores a 7% não poderiam
reduzi-lo14.
Para comparação do cumprimento da EC nº 29/00, pelos municípios,
correlacionando com as faixas populacionais, foram utilizadas aquelas definidas pela Resolução nº
040, de 18/05/04e, da Comissão Intergestores Bipartite (CIB/BA)15 .
Para a correlação dos municípios do estado da Bahia que cumpriram os percentuais
preconizados pela EC nº 29/00, no período de 2000 a 2003, com o Produto Interno Bruto do ano
de 2003, estratificaram-se os municípios, agrupando-os em 03 (três) faixas iguais, utilizando-se o
tipo de separatriz Tercis, resultantes da divisão do PIB pela população, ordenados de forma
crescente. Os municípios agrupados no primeiro tercil (com PIB per capita abaixo de R$ 1.705,57)
foram classificados como menor; no segundo (PIB per capita entre R$ 1.705,58 e R$ 2.393,60) e
no terceiro (PIB per capita acima de R$ 2.393,60), médio e maior, respectivamente.
RESULTADOS
A análise da alimentação do Sistema de Informações sobre Orçamentos Públicos em
Saúde (SIOPS) pelos municípios do estado da Bahia, no período de 2000 a 2003, com dados
coletados até 23/03/05, tem revelado uma evolução da transmissão dos dados ao sistema.
Observa-se que, no ano de 2000, 377 (trezentos e setenta e sete) municípios alimentaram o
SIOPS; nos anos de 2001 e 2002, 406 (quatrocentos e seis) e 407 (quatrocentos e sete)
municípios alimentaram, respectivamente, o SIOPS, correspondendo a um incremento de 7,95%
e
As faixas populacionais utilizadas no estudo referem-se à população estimada pelo IBGE, ano-base 2003, estabelecidas pela
Resolução da Comissão Intergestores Bipartite (CIB/BA), nº 040, de 18/05/2004, a saber: <20.000 hab; 20.001 a 50.000
hab; 50.001 a 100.000 hab; 100.001 a 250.000 hab; 250.001 a 500.000 hab; 500.001 a 1.000.000 hab e > 1.000.001 hab.
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na transmissão dos dados quando comparado ao ano de 2000. Já em 2003, 362 (trezentos e
sessenta e dois) municípios alimentaram o sistema, representando uma redução de 3,98% em
relação a 2000.
Para efeito do cálculo do percentual mínimo progressivo de aplicação das ações e
serviços de saúde da EC-29/00, não foram considerados 15 (quinze) municípios, por não
apresentarem balanço no ano de 2000, acrescidos de 02 (dois) municípios em fase de
emancipação política (só institucionalizados como municípios em janeiro de 2001), que, ao serem
somados aos 23 (vinte três) que não transmitiram no ano de 2000, representam um total de 40
(quarenta) municípios excluídos deste estudo. Ressalta-se que 31 (trinta e um) municípios, embora
tenham alimentado o SIOPS ano base 2000, não foram incluídos entre aqueles que, efetivamente,
cumpriram o mandamento constitucional dos percentuais mínimos progressivos, pois deixaram de
transmitir os dados do SIOPS de quaisquer dos anos subseqüentes (Gráfico 1).
Sendo assim, 346 (trezentos e quarenta e seis) municípios do Estado da Bahia
compuseram o universo do estudo para análise. Os resultados apontam que 128 (cento e vinte e
oito) cumpriram os percentuais progressivos vinculatórios estabelecidos pela EC nº 29/00, no
período de 2000 a 2003, representando 36,99 % do total dos municípios analisados. De acordo
com o Plano Diretor de Regionalização (PDR/BA), os 128 (cento e vinte e oito) municípios que
cumpriram a EC nº29/00 estão assim distribuídos:
Na Macrorregião Nordeste, a mais populosa do estado, onde está localizada a capital
e a Região Metropolitana, 22,22% dos municípios aplicaram recursos próprios em saúde,
aparecendo como uma das três macrorregiões que menos cumpriram a EC nº 29/00 (Nordeste,
Norte e Oeste). Destaca-se a capital do Estado, Salvador, e os municípios de São Francisco do
Conde e Camaçari que, embora possuam os maiores PIB per capita do Estado, não cumpriram a
progressão vinculatória dos percentuais em saúde.
Na Macrorregião Extremo Sul, a menor do Estado em extensão territorial, em
população, em número de microrregiões e de municípios, caracterizada por concentrar cidades de
intenso fluxo turístico, 28,57% dos municípios obedeceram ao disposto na EC nº 29/00.
Analisando a Macrorregião Centro, onde está localizada a Chapada Diamantina,
verificamos que, 33,33% dos municípios existentes aplicaram os percentuais mínimos.
Na Macrorregião Sudoeste, a quarta maior em número de habitantes e municípios,
44,62% dos municípios cumpriram a progressão.
Na macrorregião Centro-Leste, que está entre as quatro mais populosas do Estado
(1.957.911 habitantes), 31,34% dos municípios cumpriram a EC nº 29/00.
A Macrorregião Sul, composta por 78 municípios, em que se destacam grandes
pólos econômicos, sendo a segunda com o maior número de microrregiões, apresenta 34,62% de
cobertura de aplicação de recursos próprios.
148
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de Saúde Pública
Na Macrorregião Oeste, a maior em área territorial, 16,67% dos municípios
cumpriram os percentuais em saúde.
Já a Macrorregião Norte, composta por 27 municípios, 25,93% cumpriram a
progressão.
Após análise por macrorregião, verifica-se que as quatro maiores macrorregiões em
número de municípios (Nordeste, Sul, Sudoeste e Centro-Leste) foram as que tiveram a maior
quantidade de municípios com participação na aplicação dos recursos próprios em saúde,
compondo a maior concentração populacional do Estado (Figura 1).
Considerando o ano base de 2003, dos 346 (trezentos e quarenta e seis)
municípios, 304 (trezentos e quatro) aplicaram o mínimo em saúde, conforme estabelecido pela
EC nº 29/00, correspondendo a 87,86% dos municípios. Entre estes 304 (trezentos e quatro)
municípios incluem-se os 128 (cento e vinte e oito) que cumpriram a progressão vinculatória no
período de 2000 a 2003, o que equivale a 42,11%. Ressalte-se que a aplicação do percentual
mínimo pelo ente federado, em um ano, isoladamente, não assegura o cumprimento da
progressão vinculatória estabelecida pela EC nº 29/00.
Quando se analisam os dados sobre os 128 (cento e vinte e oito) municípios que
cumpriram a progressão vinculatória, conforme EC nº 29/00, identifica-se que os maiores percentuais
de municípios encontram-se em faixas populacionais menores. Os resultados revelam que 121
(cento e vinte e um) municípios (60,00%) têm população até 50.000 habitantes, demonstrando que
aqueles que mais aplicaram em saúde no Estado estão situados entre os menores municípios; 05
(cinco) municípios (20,00%) estão na faixa populacional de 50.001 a 100.000 habitantes e 02 (dois)
municípios (20,00%) entre 100.001 a 250.000 habitantes (Tabela 1).
Tabela 1. Número e percentual de municípios que cumpriram a progressão vinculatória da EC nº
29/00 por faixa populacional, Bahia - 2000 a 2003
FAIXAS
POPULACIONAIS
Nº DE MUNICIPIOS
DO ESTADO
Nº de
MUNICÍPIOS CP
%
258
121
25
10
1
1
1
417
91
30
5
2
0
0
0
128
35,23
24,77
20,00
20,00
0,00
0,00
0,00
100,00
< 20.000
20.001 a 50.000
50.001 a 100.000
100.001 a 250.000
250.001 a 500.000
500.001 a 1.000.000
> 1.000.001
TOTA L
Fonte: SESAB/CIB-BA
Legenda:
* CP Cumpriu a Progressão EC nº 29/00
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Correlacionando o cumprimento dos percentuais vinculatórios progressivos da EC nº
29/00, período 2000 a 2003, com o PIB municipal per capita, pode-se verificar que a maior
concentração dos municípios que cumpriram a progressão estão inseridos nos 1º e 2º tercis (menor
e médio PIB per capita, respectivamente), assim distribuídos: 56 (cinqüenta e seis) municípios
(43,75%) no 1º tercil do total dos 128 (cento e vinte e oito) municípios que cumpriram a
progressão; 37 (trinta e sete) municípios (28,91%) no 2º tercil, e 35 (trinta e cinco) municípios
(27,34%) no 3º tercil.
Com a distribuição espacial dos municípios por macrorregiões de saúde, ficou
evidenciado que o maior número de municípios que cumpriram a progressão vinculatória está
entre aqueles com menores populações e menores PIB per capita, localizados nos eixos de menor
desenvolvimento econômico, situados na região do semi-árido do estado16, apontando fortes
evidências de desigualdades sociais entre as diferentes regiões da Bahia (Figura 2).
Hierarquia do PIB per capita / nº de municípios que cumpriram a EC 29/00
Menor – 1º Tercil – 56
Médio - 2º Tercil – 37
Maior – 3º Tercil – 35
Macrorregiões de saúde do Estado da Bahia – PDR Bahia
Região Metropolitana de Salvador
Figura 2. Distribuição espacial dos municípios que cumpriram a progressão vinculatória da EC nº 29/00,
correlacionando com o PIB de 2003 – Bahia, 2000 a 2003
150
Revista Baiana
de Saúde Pública
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A Emenda Constitucional nº 29/2000, embora ainda não regulamentada, trouxe
avanços significativos e produziu efeitos importantes sobre os gastos com saúde nas três esferas de
governo.
O Sistema de Informações sobre Orçamentos Públicos em Saúde (SIOPS), ao
consolidar os dados sobre receitas dos três entes federados e também sobre os respectivos gastos
com ações e serviços públicos em saúde, tem produzido informações relevantes, permitindo uma
articulação entre os gestores de saúde e as áreas de planejamento e orçamento dos estados e
municípios, permitindo uma melhor compreensão do papel e da responsabilidade social do setor
saúde no conjunto das ações realizadas pelos governos subnacionais. Embora considere-se o SIOPS
como fonte oficial e confiável, imputa-se total responsabilidade fiscal, social e civil aos municípios
declarantes, não se deixando de questionar a fidedignidade das informações por eles prestadas.
Na Bahia, a alimentação do SIOPS pelos municípios tem revelado uma evolução,
atingindo, nos anos de 2001 e 2002, percentuais de cobertura de 97,36% (406) e 97,60% (407),
respectivamente. Esta elevação na cobertura dos dados informados ao sistema é resultado do
fortalecimento das estratégias implementadas pela Câmara Técnica do Núcleo Estadual de Apoio
ao SIOPS-BA, com a colaboração do Ministério da Saúde, Ministério Público e COSEMS.
Com base nos dados analisados, dos 346 (trezentos e quarenta e seis) municípios
que constituíram este estudo, verifica-se que os 128 (cento e vinte e oito) municípios que
atingiram os percentuais progressivos da EC nº 29/00 são os que possuem menor PIB per capita e
menor população, localizados nos eixos de menor desenvolvimento econômico e situados na
região do semi-árido do Estado.
Neste sentido, percebe-se que um grande universo dos municípios com maior
capacidade econômica de co-financiar o SUS, a exemplo de municípios situados nas macrorregiões
Oeste, Norte e Nordeste, não alocaram quantidade de recursos financeiros necessários a atender
e garantir os direitos universalizantes e gratuitos propostos pelo SUS.
Estudo semelhante realizado pelo Ministério da Saúde sobre o acompanhamento da EC
nº 29/00 no ano de 2002, no Brasil, demonstra que as disparidades que ocorreram com os municípios
do Estado da Bahia não diferem da situação dos demais Estados da Federação quanto à aplicação dos
percentuais em saúde. Na região Norte do Brasil, região notoriamente carente de recursos, houve maior
número de Estados que aplicaram percentuais acima de 12%. O mesmo estudo situou a Bahia entre os
11 Estados da Federação que aplicaram percentual em saúde na faixa entre 9,01% e 12%f.
f
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Dados apresentados por técnico do Ministério da Saúde em conferência, em junho de 2004, no lançamento da Agenda
Estadual de Saúde – Bahia.
151
Comparando a Bahia com os demais Estados da Região Nordeste, este ocupa o 3º
lugar (9,41%), aquém do Rio Grande do Norte e da Paraíba, em participação no financiamento da
saúde. Já no exercício financeiro de 2003, a Bahia encontra-se entre os 11 Estados da Federação
que aplicaram percentual superior ao mínimo previsto pela EC nº 29/00 (10,61%), ocupando a 2ª
colocação no Nordeste, o que constituiu um avanço nos investimentos em relação ao ano de
200217.
Ressalta-se que as desigualdades sociais e econômicas entre as macrorregiões de
saúde do Estado da Bahia e entre os Estados da Federação remetem à discussão acerca da
necessidade da implementação de políticas de investimentos diferenciadas, na tentativa de reduzir
as iniqüidades existentes em saúde, eliminando as diferenças advindas de fatores evitáveis, para
que ocorra uma melhor distribuição dos recursos.
O cumprimento da EC nº 29/00, por apenas 128 municípios do Estado, aponta a
urgente necessidade da regulamentação da EC nº 29/00, através de Lei Complementar, de forma a
garantir a efetiva participação da União, Estados, Distrito Federal e Municípios no financiamento
das ações e serviços de saúde, assegurando o bom uso dos recursos disponíveis para saúde e
mecanismo de controle social para cumprimento da lei.
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Revista Baiana
de Saúde Pública
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Básica do SUS (NOB/SUS – 01/96). Diário Oficial da República
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Diário Oficial Estado da Bahia. Salvador, 18 maio 2004.
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institucional. Extraído de [http://www.sei.ba.gov.br], acesso em [01 de
junho de 2005].
17. Brasil. Ministério da Saúde. Departamento de Economia da Saúde. Nota
Técnica n. 009/05, de 18 de março de 2005. Brasília; 2005. Anexo 2.
Recebido em 14.09.2004 e aprovado em 12.04.2006.
v.30, n.1, p.141-153
jan./jun. 2006
153
ARTIGO DE REVISÃO
O VÍRUS DA HEPATITE C COMO CAUS A DE MIOCARDIOPATIA DILATADA
IDIOPÁTICA: UMA REVISÃO DE LITERATURA
Francisco Reisa, Manoela Oliveirab
Leandro Eloyc, Carolina Riosd
Sálvia Canguçue, Nei Dantasf
Raymundo Paranág
Resumo
O vírus da hepatite C (VHC) é hepatotrópico de transmissão parenteral. Apesar do
hepatotropismo, o VHC também é capaz de infectar outros tecidos e está implicado em diversas
doenças, principalmente de natureza auto-imune. Recentes estudos sugerem uma alta prevalência
da infecção pelo vírus C em pacientes portadores de cardiomiopatia dilatada idiopática. Sabe-se
que a miocardite é comumente causada por diversas viroses e que a progressão para
cardiomiopatia dilatada e conseqüente disfunção sistólica, em pacientes previamente hígidos, que
tiveram um quadro de miocardite, é uma complicação esperada. Neste trabalho, focalizaremos
uma ampla revisão de literatura sobre as inter-relações entre a infecção pelo VHC e a
cardiomiopatia dilatada.
Palavras-chave: Cardiomiopatia Dilatada Idiopática. Miocardite. Vírus da Hepatite C.
HEPATITIS C VIRUS AS CAUSE OF IDIOPATHIC DILATED CARDIOMYOPATHY:
A LITERATURE REVIEW
Abstract
The hepatitis C virus (HCV) is a hepatotropic virus usually transmitted by parenteral
route. There are evidences implicating this virus in the pathogenesis of many non-hepatic diseases,
a
b
c
d
e
f
g
Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública, Hospital Universitário Professor Edgar Santos (HUPES) da Universidade Federal
da Bahia (UFBA), Salvador, BA.
Faculdade de Medicina da Bahia da Universidade Federal da Bahia (FAMEB-UFBA), Salvador, BA.
Santa Casa de Misericórdia, São Paulo.
Faculdade de Medicina da Bahia da Universidade Federal da Bahia (FAMEB-UFBA), Salvador , BA.
Hospital Universitário Professor Edgar Santos (HUPES) da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Salvador, BA.
Hospital Universitário Professor Edgar Santos (HUPES) da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Salvador, BA.
Faculdade de Medicina da Bahia da Universidade Federal da Bahia (FAMEB-UFBA), Salvador, BA.
Endereço para correspondência: Dr. Francisco Reis, Rua Quintino de Carvalho, nº 113, Aptº 301, Jardim Apipema,
Salvador, Bahia, Brasil. CEP - 40155-280. E-mail: [email protected]
154
Revista Baiana
de Saúde Pública
mainly of auto-immune nature. Recent studies had demonstrated a high prevalence of the HCV
infection in patients with idiopathic dilated cardiomyopathy. It is known that the myocarditis
usually is caused by several virus and the progression for dilated cardiomyopathy and consequent
systolic dysfunction, in patients previously healthy who had an acute myocarditis, is a complication
expected in these patients. This paper focuses the interplay between HCV infection and dilated
cardiomyopathy.
Key words: Idiopathic Dilated Cardiomyopathy. Myocarditis. Hepatitis C Virus.
O VÍRUS DA HEPATITE C
O Vírus da Hepatite tipo C (VHC) é da família Flaviviridae, a mesma de vírus como
o da dengue e do recém-descoberto vírus da hepatite G. Possui genoma constituído por RNA de
hélice única, que é traduzido em uma poliproteína, sendo posteriormente clivada em diferentes
proteínas virais, estruturais e não-estruturais. Existem, até então, seis genótipos conhecidos de
VHC, com mais de 50 subtipos1.
EPIDEMIOLOGIA
O vírus da hepatite C (VHC) é a principal causa de hepatite crônica no ocidente e,
atualmente, o maior responsável por insuficiência hepática e indicação de transplante hepático em
países desenvolvidos. Mais de 80% dos pacientes infectados evoluem para doença crônica e,
destes, 20% evoluem para cirrose hepática2. Estima-se que aproximadamente 2 milhões de
indivíduos no Brasil e mais de 170 milhões em todo o mundo estejam infectados pelo VHC. Na
Bahia, estima-se que 1,5% da população está infectada pelo VHC3.
A contaminação se dá basicamente por via parenteral, sendo os usuários de drogas
injetáveis, receptores de sangue e hemoderivados, principalmente aqueles que foram
transfundidos antes da década de 1990, renais crônicos em hemodiálise, trabalhadores da área de
saúde e usuários de pearcings e tatuagens, os indivíduos de maior risco para adquirir a infecção4.
MANIFESTAÇÕES EXTRA-HEPÁTICAS
O principal sítio de infecção e replicação viral é o hepatócito. Em 1990, foi descrita a
primeira associação entre infecção pelo VHC e doença extra-hepática. A crioglobulinemia mista,
doença policlonal dos linfócitos B, caracterizada pela produção exacerbada de IgM e IgG, que se
precipitam sob a forma de imunocomplexos nos tecidos, principalmente o renal, está
definitivamente associada à infecção pelo VHC. Outras manifestações renais, hematológicas,
dermatológicas e endócrinas começaram a surgir na literatura como possivelmente associadas à
infecção pelo VHC.
v.30, n.1, p.154-160
jan./jun. 2006
155
Aproximadamente 70% dos pacientes com VHC têm, no mínimo, uma
manifestação extra-hepática, envolvendo, primariamente, articulações, pele e músculos.
Anormalidades imunológicas foram freqüentemente observadas, incluindo crioglobulinas, anticorpo
anti-núcleo e anti-músculo liso. Os fatores de risco mais associados com manifestações extrahepáticas foram: sexo feminino, idade avançada e fibrose hepática extensa5.
A infecção de células precursoras hematológicas, CD34+, da medula óssea de
pacientes com infecção crônica pelo VHC e a replicação viral, demonstrada pela presença de
cadeias negativas de RNA viral nessas próprias células, sugerem que há outros sítios de infecção e
produção viral que não o hepatócito. Este tropismo por células hematológicas justifica, em tese, a
relativa freqüência de doenças hematológicas associadas ao VHC.
MATERIAL E MÉTODOS
Consultas eletrônicas foram feitas em bases de dados como a PUBMED, MEDLINE e
LILACS, utilizando as palavras-chave: Hepatitis C virus, VHC e Cardiomyopathy. Cerca de 19
artigos foram selecionados, de acordo com: relacionamento com o tema, revista publicada, ano de
publicação e que estivessem em língua portuguesa, inglesa ou espanhola.
RESULTADOS
Dos artigos selecionados, nove investigaram diretamente a presença do VHC em
pacientes com miocardiopatia dilatada idiopática (MDI)6,7,8,9,10,11,12,13,14. A investigação do VHC
nesses pacientes foi realizada na maioria dos estudos pela técnica de polymerase chain reaction
(PCR)6,7,8,9,10,11,14.
A relação entre VHC e MDI foi estatisticamente significante em apenas três estudos:
Matsumori et al com estudos conduzidos no Japão em 1995 (p=0,039)10 e 2000 (p=0,0047)11 e
Aquira et al em 1995 (p<0,05)6. Entretanto, Dalescos et al12, Grumbach et al13 e Fujioca et al14 não
encontraram associação entre MCD e VHC.
DISCUSSÃO
Como descrito anteriormente, o miocárdio é susceptível a infecção para diversos
microorganismos, inclusive uma ampla variedade de vírus. A hipótese de que outros sítios teciduais
seriam alvo da infecção e replicação ativa pelo VHC, ocasionando outras doenças associadas e
também se comportando como santuários imunológicos para o vírus, gerou a busca ativa de
material viral em diversos órgãos e sistemas. O primeiro trabalho que analisou a presença do RNA
viral no miocárdio de pacientes com cardiomiopatia dilatada foi publicado em 1995, por um grupo
japonês. Ao buscar uma correlação entre infecção viral e o eventual desenvolvimento de
156
Revista Baiana
de Saúde Pública
cardiomiopatia, esses pesquisadores observaram que 6/36 (16,7%) pacientes com cardiomiopatia
dilatada estavam infectados pelo VHC, enquanto este vírus encontrava-se presente no soro de
apenas 1 dos 40 pacientes (2,5%, p<0,05) pertencentes ao grupo controle, constituído por
pacientes com cardiomiopatia isquêmica6.
Outro grupo de pesquisadores avaliou a prevalência de VHC na miocardite, na
cardiomiopatia hipertrófica e na MDI, utilizando-se de tecido miocárdio proveniente de material de
autópsia coletado retrospectivamente7. De 61 corações analisados, foi detectado o RNA viral em
21,3%, com cadeias positivas em 18% e cadeias negativas em 6,6%7. Utilizou-se como controle
pacientes que haviam falecido por infarto do miocárdio e doenças não-cardíacas. Em ambos os
grupos não foi encontrado material viral. A freqüência de positividade pelo VHC foi maior nos
pacientes com miocardite do que nos pacientes com MDI, com 33,3% e 11,5% de positividade,
respectivamente7.
Um outro grupo japonês, ao analisar material de necrópsia de três pacientes cuja
causa mortis fora insuficiência cardíaca aguda, devido à miocardite crônica ativa, detectou, através
de técnicas de PCR, a presença do genoma viral em todos os casos, sendo evidenciada cadeia
negativa de RNA viral no miocárdio de dois pacientes8.
A presença de cadeias negativas, evidenciada nesses dois estudos, sugere que o
VHC possa estar se replicando ativamente em tecido miocárdico8, 9.
Apesar dos estudos favoráveis à participação do VHC na gênese de cardiomiopatias
e miocardite, há dados na literatura contrários a essa hipótese.
Pesquisadores defendem a necessidade de uma avaliação cuidadosa dos dados
apresentados, pela possibilidade de falsos positivos na técnica de PCR nestes estudos, e também
pela detecção do RNA do VHC poder dever-se a linfócitos infectados ativamente, infiltrando o
miocárdio no processo de miocardite e não à infecção direta dos miócitos, pois já foi documentada
a infecção de linfócitos em pacientes com hepatite C crônica15.
Além disso, existe a possibilidade de falsos negativos, quando se utiliza tecido
parafinizado, por conta da degradação dos ácidos nucléicos pela parafina16,17. Todavia, Matsumori et
al, através da técnica de ampliação do gene da â-actina, nos 61 pacientes estudados, mostraram
ser esta uma técnica factível18.
Em 1998, um estudo de corte transversal analisou, em dois grupos de pacientes
distintos, a associação entre VHC e MDI. Foi investigado em 102 pacientes consecutivos com
infecção crônica por VHC, virgens de tratamento com Interferon-α (INF-α), a presença de achados
clínicos ou subclínicos, por exames complementares, de cardiomiopatia dilatada e em 55 pacientes
com cardiomiopatia dilatada idiopática, a presença de marcadores de infecção pelo VHC. Este
v.30, n.1, p.154-160
jan./jun. 2006
157
estudo não demonstrou uma freqüência maior de positividade pelo VHC no grupo de MDI, nem
de disfunção miocárdica nos pacientes infectados pelo VHC12.
Recentemente, na Alemanha, um grupo pesquisou a prevalência de VCH em
pacientes com miocardite e MCD, comparando com grupo controle de pacientes com doenças
cardíacas não inflamatórias. O anti-VHC estava presente em 1,6% dos pacientes com MCD, em
nenhum dos com miocardite e em 6,1% do grupo controle, e o RNA-VHC em 1,6% do grupo de
MCD, em nenhum dos com miocardite e no grupo controle em 4,0%, sugerindo a ausência de
um papel importante do VHC como agente causal para miocardite e MCD13.
Em 2000, Fujioka et al14 publicaram estudo com o objetivo de avaliar a etiologia viral
da cardiomiopatia dilatada idiopática. Foram estudadas amostras do miocárdio de 26 pacientes
consecutivos com cardiomiopatia dilatada idiopática, obtidas através da ventriculectomia esquerda
parcial, os quais foram submetidos a avaliação invasiva e não invasiva, incluindo ecocardiografia e
cateterismo cardíaco com angiografia coronariana. Utilizou-se como grupo controle amostras do
ventrículo esquerdo de 21 pacientes normais, que foram a óbito por causas não cardíacas.
Realizou-se detecção cadeia-específica de RNA do enterovírus para diferenciar entre replicação
ativa e persistência latente, e análise seqüencial por PCR para caracterizar os genomas dos
mesmos. Foi também estudada a detecção de outros vírus potencialmente cardiotrópicos. Os
resultados dos genomas virais foram comparados com os desfechos clínicos dentro de 01 ano da
cirurgia, para se determinar a relação dos achados com o prognóstico precoce dos pacientes com
MDI após ventriculectomia esquerda parcial. RNA de enterovírus foi detectado em 9 (35%) dos 26
pacientes, uma incidência relativamente alta quando comparada com amostras de biópsia
endocárdica em outros estudos. Os autores consideraram que os aspectos demográficos, estágio
da doença e métodos de detecção podem influenciar na freqüência do RNA de enterovírus,
porém esta incidência pode estar relacionada ao tamanho das amostras de miocárdio
examinadas14. Já foi relatada uma alta freqüência de detecção em múltiplas amostras de biópsia,
quando comparada à amostra única9. Uma alta freqüência de detecção de RNA viral enfatiza a
importância dos enterovírus como agentes etiológicos desta doença. Foi demonstrado nesse
trabalho que os vírus detectados no coração com MCD foram coxsackie B, como coxsackievírus B3
e B414. Os vírus influenza, adenovírus, CMV, VHC, Herpes Simplex, Varicella-Zoster e Epstein-Barr
não foram detectados. Nenhum genoma viral foi demonstrado nas amostras controle. Estudandose a cadeia negativa do RNA como indicador de replicação ativa de RNA viral, foram obtidos
resultados que indicam que os enterovírus replicam ativamente no miocárdio em proporção
significante (78%) de casos de MCD idiopática em fase terminal. Os pacientes com positividade
para o RNA viral, principalmente os que tiveram indicação de replicação ativa, tiveram aumento na
158
Revista Baiana
de Saúde Pública
mortalidade, comparados com os negativos para RNA enteroviral, podendo esse achado ser um
marcador de pior prognóstico após ventriculectomia esquerda parcial14.
Um estudo recente mostrou forte associação do parvovírus B19 com MDI e uma
alta prevalência de infecção múltipla, sugerindo que essa associação de vírus pode ter um papel na
MDI muito maior do que suspeitado até o momento19.
CONCLUSÃO
Os dados da literatura evidenciam uma forte associação entre infecção viral,
desenvolvimento de miocardite clínica e subclínica e progressão para cardiomiopatia dilatada.
Contudo o papel etiológico do VHC na cardiomiopatia dilatada idiopática permanece controverso,
havendo necessidade de estudos que respondam a esta questão e investiguem a possibilidade de
fatores regionais estarem influenciando essa associação.
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Recebido em 25.08.2005 e aprovado em 21.02.2006.
160
RELATO DE EXPERIÊNCIA
Revista Baiana
de Saúde Pública
RODA DA SAÚDE, ARTICULANDO SABERES: UMA EXPERIÊNCIA DA
UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA NO DISTRITO S ANITÁRIO DO
CABUL A -BEIRU, S ALVADOR, BAHIA a
Josenaide Engrácia dos Santosb
Marluce de Oliveira Brito Meirac
Resumo
A roda, possivelmente, é o mais universal dentre os símbolos sacros de todos os
povos. Foi utilizada como representação do evento de saúde promovido pela Universidade do
Estado da Bahia, para expressar a horizontalidade das ações que envolveram ensino, serviço e
comunidade. Objetivou-se estreitar os vínculos entre a comunidade residente no Distrito Sanitário
Cabula-Beiru e os profissionais de Saúde do Distrito Sanitário e da Universidade, órgão formador da
área de saúde. O encontro foi realizado em novembro de 2003, na Universidade do Estado da
Bahia, com a participação de lideranças comunitárias, profissionais de saúde e a Universidade,
representada por docentes e discentes da área de saúde. Contou com a participação de 200
pessoas. Para operacionalizar o evento, utilizou-se a estratégia de oficinas temáticas com
conteúdos emanados do próprio encontro. O evento possibilitou a elaboração do relatório de
prioridades, no qual a comunidade, o serviço e a universidade estabeleceram três eixos necessários
para a capacitação do público alvo, quais sejam: formação de lideranças locais para o
fortalecimento do controle social do Sistema Único de Saúde (SUS); sensibilização/
aperfeiçoamento dos profissionais de saúde; e interação da Universidade com a rede de saúde
pública e a comunidade residente no Distrito Sanitário Cabula-Beiru.
Palavras-chave: Roda. Comunidade. Universidade.
a
b
c
Relato de experiência do Encontro Roda da Saúde da Universidade do Estado da Bahia (UNEB).
Mestre em Saúde Coletiva. Professora do Departamento de Ciências da Vida, UNEB.
Professora Adjunta do Departamento de Ciências da Vida, UNEB.
Endereço para correspondência: Universidade do Estado da Bahia – Departamento de Ciências da Vida, Rua Silveira
Martins s/n, Salvador, Bahia, Brasil. CEP: 41195-001. E-mail: [email protected]
v.30, n.1, p.161-168
jan./jun. 2006
161
WHEEL OF HEALTH, ARTICULATING KNOWLEDGE:
EXPERIENCE FROM THE STATE UNIVERSITY OF BAHIA IN THE SANITATION
DISTRICT OF CABULA-BEIRÚ, SALVADOR, BAHIA, BRAZIL
Abstract
The wheel is possibly the most universal of all the sacred symbols used by any
people and was chosen to symbolize the health-related event organized by the State University of
Bahia to discuss the lack of verticality that exists with respect to teaching, health services and the
community. The objective of the event was to strengthen the links between the resident community
of the sanitation district of Cabula-Beirú, the health professionals working in this district, and the
university as an established provider of health education in that area. The meeting was held in
November 2003 at the State University of Bahia, with the participation of community leaders,
health professionals and the university, represented by faculty and students from health-related
areas. There were 200 participants at the event, which was organized in thematic workshops
with contents originating from the meeting itself. The meeting made it possible to prepare a list
of priorities in which the community, together with the health services and the university, established
three axes that are vital for the preparation of the target public. These are: training of local leaders
to strengthen social control of the national health program, sensitization and improving the skills of
health professionals, and interaction between the university and the public health network and
resident community in Cabula-Beirú.
Key words: Wheel. Community. University.
INTRODUÇÃO
O encontro Roda da Saúde, ocorrido na Universidade do Estado da Bahia, propôs-se
a construir um espaço coletivo de escuta, discussão e pactuação, objetivando estimular os sujeitos
sociais a novos sentidos e significados, para um agir concreto, tanto da comunidade residente no
Distrito Sanitário do Cabula-Beiru como do serviço. Com este evento, os profissionais de saúde e a
Universidade, como órgão formador, contribuíram com a promoção do controle social e o
fortalecimento do SUS. Deste modo, o encontro foi um espaço de discussão, momento em que
os participantes atuaram na produção e articulação de saber entre a comunidade do Distrito, o
serviço e a Universidade.
O Distrito Sanitário do Cabula-Beiru está localizado na cidade de Salvador, Bahia.
Possui uma extensão territorial de 25.340km1 e uma população estimada em 359.071 habitantes.
Conta com 14 unidades públicas de saúde, 2 hospitais públicos, 1 laboratório público, 10
laboratórios privados, 19 clínicas particulares e conveniadas.
162
Revista Baiana
de Saúde Pública
Os serviços oferecidos por esta rede de saúde são: atenção ao hipertenso, ao
diabético, à mulher, ao adolescente, à criança, serviço social, odontologia, enfermagem,
imunização, programa de hanseníase, vigilância à saúde, psicologia, imunização, educação em
saúde, programa de tuberculose e serviço de urgência e emergência.
O objetivo da Roda da Saúde foi refletir sobre a formação integral do ser humano e
dar eco à fala da comunidade, para pensar em cuidar da saúde, da educação e das relações sociais,
respeitando as diferenças entre as pessoas e os grupos. A Roda da Saúde iniciou o processo de
construção de um projeto de escuta às necessidades da coletividade e de construção das relações
entre os vários atores que cumprem tanto funções pedagógicas quanto de reconstrução da
subjetividade das pessoas, criando vínculos que envolvessem o saber acadêmico e o saber popular.
A partir dessas ações, seria possível reconstruir o modo de pensar e trabalhar em
saúde; reformular a clínica, tomando como foco não apenas a doença, mas também o sujeito; e
ampliar as práticas de promoção à saúde. No contexto político atual, essas medidas tornam-se
urgentes, na perspectiva do cuidar das pessoas, pensando-as inseridas em redes sociais, visando
ampliar as redes de apoio e de solidariedade entre a comunidade, o serviço e a própria
Universidade, além de democratizar o saber.
METODOLOGIA
O primeiro passo na construção desse evento foi o convite às instituições de ensino,
serviços de saúde e comunidade. Durante o mês de outubro de 2003, foi discutida e planejada a
ação que um conjunto de professores da UNEB denominou de Roda da Saúde. O evento foi
representado por uma ciranda, que remete ao lúdico, à horizontalidade das relações, às mãos
dadas da cidadania, ainda que combinados em distintos e variados atores sociais, para promover
reflexão, análise, definição de ações e concretização de um objetivo1.
O processo de organização e de desenvolvimento da Roda da Saúde teve início com
a participação do Distrito Cabula-Beiru, representado por associações, ONGs, Conselhos
Comunitários de Saúde, Secretaria Municipal de Saúde, universidades pública e privada,
profissionais de saúde, docentes e alunos das universidades.
A Roda da Saúde aconteceu no dia 21 de novembro de 2003, no Campus I da
UNEB. Contou com a participação de 200 representantes dos três segmentos (instituições de
ensino, serviços e comunidade), com o objetivo de identificar problemas prioritários e lançar
propostas de intervenção na área da promoção e educação em saúde.
No período da manhã, aconteceu a abertura, com a presença da Escola de Saúde
Pública, do Ministério da Saúde, da coordenação do Distrito Sanitário do Cabula-Beiru,
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163
representando a Secretaria Municipal de Saúde, do Pró-Reitor de Extensão da Universidade do
Estado da Bahia, da Fundação para o Desenvolvimento das Ciências da Saúde, do Movimento
Popular em Saúde, representantes do Colegiado de Enfermagem, Nutrição e Fonoaudiologia, do
DCE da UNEB e ONGs do Distrito Sanitário Cabula-Beiru.
No período da tarde, ocorreu o segundo momento da Roda da Saúde, com a
realização das oficinas temáticas, envolvendo os participantes do evento. Os trabalhos tiveram
início com uma dinâmica de apresentação, para que os integrantes das oficinas pudessem
conhecer a realidade de vida de seus “vizinhos”. Após a dinâmica de apresentação, os
participantes discutiram os problemas de saúde que vivenciavam no Distrito, bem como as
iniciativas já desenvolvidas pela comunidade, os serviços e a Universidade na área de educação em
saúde e capacitação de recursos humanos.
No terceiro momento, foi organizada uma plenária, para socializar os resultados dos
trabalhos produzidos nas oficinas. Os facilitadores apresentaram os principais problemas
identificados pelos grupos, sistematizados a seguir:
§ um novo olhar sobre a necessidade de adesão ao tratamento de diabetes e hipertensão arterial;
§ saúde mental na adolescência / abuso de drogas entre jovens;
§ atenção à saúde dos idosos;
§ falta de informação sobre práticas de saúde por parte da população;
§ inexistência de Conselhos locais de saúde em algumas áreas e não oficialização dos Conselhos
existentes;
§ ausência de acolhimento dos profissionais de saúde na recepção do serviço, porta de entrada;
§ investimento de capacitação dos profissionais para desenvolver práticas educativas com a
comunidade.
DISCUSSÃO
A participação da comunidade tem sido colocada como dispositivo de promoção da
saúde. Esse dispositivo é constituído por um conjunto heterogêneo, que engloba discurso,
instituições, organizações, decisões regulamentares, leis, proposições filosóficas, morais e
filantrópicas. Em suma, o dito e o não-dito são os elementos do dispositivo. Consoante Foucault2,
dispositivo é a rede que se pode estabelecer entre estes elementos. Benevides de Barros3:187
sinaliza: “[...] no dicionário, dispositivo é aquilo que contém disposição. Assim, destaca-se como
parte de qualquer dispositivo quatro tipos de linhas: as de visibilidade, de enunciação, de força e
de subjetivação.”
164
Revista Baiana
de Saúde Pública
Problematizar a atividade do grupo Roda da Saúde exige que se coloque em questão
a alternância entre estes diferentes momentos, que incluem reuniões, individualidade,
coletividade, poder, conhecimento, trocas e aprendizagens, pensados no contexto da promoção da
saúde, para constituir espaços de cidadania e participação. Este foi o exercício que a Roda se
propôs a discutir, ouvir, escutar e dar voz.
Conforme Benevides de Barros3, a experiência com a Roda da Saúde permitiu ouvir
outros modos de existência, outros contextos de produção de subjetividades, abrindo canais de
contato com o coletivo.
A Roda da Saúde é a possibilidade de reorganização e a circulação de fluxos de
poder e saber nos espaços coletivos, que viabiliza a integração dos desejos e interesse dos
diferentes atores envolvidos no processo democrático da comunidade do Distrito Sanitário CabulaBeiru. Assim, esta Roda coloca-se como momento de experiências, possibilitando ação pró-ativa
no cuidado à saúde, para que possam ser estabelecidos e reafirmados os princípios constitucionais
do Sistema Único de Saúde.
Segundo Campos1, a Roda da Saúde é um espaço para a construção de novas
subjetividades, nas quais, por meio da invenção de novas lógicas e estruturas organizacionais, os
grupos podem adquirir maior capacidade de análise da realidade e de si mesmos, bem como
maior capacidade de intervenção nessa realidade. Um dos principais desafios da Roda é, portanto,
pensar o coletivo não apenas como espaço democrático, mas também como espaço pedagógico,
terapêutico e de produção de subjetividade, destinado à escuta e à circulação de informações,
bem como à elaboração e à tomada de decisões. Segundo o autor citado, é possível, nesse
espaço: “[...] analisar fatos, participar do governo, educar-se e reconstruir-se como Sujeito.”1:35
Deste modo, a experiência com a Roda da Saúde constituiu-se em espaço coletivo
baseado no método da Roda de Campos1, confirmando que os espaços coletivos produzem
efeitos no plano político, subjetivo, pedagógico e gerencial. Estes espaços, consoante Campos1,
constituem-se em bases de diálogo com as demandas de um coletivo, recolhidas junto a seus
membros, devendo ser discutidas, analisadas e interpretadas na “roda” coletiva, gerando, no ato,
decisões a serem traduzidas em tarefas, ou seja, formas de intervir no mundo e reconstruir valores.
Ao final do encontro, foi constituída uma Comissão composta por representantes da
comunidade, da Universidade e do serviço, para dar encaminhamento às prioridades definidas
pelo conjunto dos participantes. Em 4 de dezembro de 2003, essa Comissão reuniu-se para
aprovar o relatório e definir as prioridades para a elaboração de projetos educacionais em saúde.
As propostas emanadas do relatório final contemplam, prioritariamente, três eixos de
atuação:
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165
§ sensibilização/aperfeiçoamento dos profissionais de saúde da rede básica;
§ interação Universidade-rede de saúde pública, através da formação de profissionais de saúde
voltados para a atuação no SUS;
§ capacitação de conselheiros de saúde, com a formação de lideranças locais para o
fortalecimento do controle social do SUS.
É através dessas vivências práticas que se aprende e se constrói um sujeito capaz de
dar consistência a seus projetos e desejos. Neste sentido, ao pensar sua relação com o fazer
prático, onde se situam os espaços coletivos, a Roda propiciou a reflexão em torno de questões
que diziam respeito às inquietações verbalizadas pela comunidade durante o evento.
Apesar de apresentar esses aspectos considerados positivos, alguns questionamentos
devem ser formulados, tais como: até que ponto tais espaços são de fato produtores de
subjetividade? Até que ponto funcionam como “fachada” para a manutenção de uma relação
autoritária de poder? Será que, em algum momento, nos perguntamos ou nos incomodamos com
o uso que fazemos desses espaços grupais?
As possibilidades de análise que se colocam ante essas indagações são inúmeras. A
experiência com a Roda, porém, não se dispôs a respondê-las, mas a demarcar a importância de
formulá-las. Talvez seja mais fácil criticar do que apontar soluções, mas o compromisso foi
contribuir para o fortalecimento de negociações possíveis.
Assim, a Roda possibilitou a constituição de espaços coletivos e rompeu com o
modelo tradicional, o que já foi um grande desafio. Pensá-los como espaços realmente
democráticos e de troca, de acolhida, de convívio social, de aprendizagem, de disputas, de
decisão e de formação de vínculos, é propor que todos sejam chamados a participar e a assumir
seu lugar e sua cidadania. Pensar a coletividade reunida, discutindo, disputando e decidindo sobre
seu rumo, requer certa dose de coragem. Coragem de reconhecer o outro e colocar-se receptivo
tanto naquilo que ele tem a reforçar, quanto naquilo em que ele possa inquietar.
A Roda da Saúde foi um espaço coletivo que possibilitou à comunidade, ao serviço e
ao órgão formador a experiência única de falar do lugar em que vive, falar de sua prática, de sua
intimidade, de seus meandros e, desse modo, deu vez e voz à coletividade, sem a narrativa
acadêmica. No universo da Roda, dois momentos podem ser definidos, com o apoio de Amorim4,
como experiência próxima e experiência distante. A experiência próxima, segundo o autor citado,
diz respeito ao conceito daquilo que seus semelhantes vêem, sentem, pensam e imaginam; e
experiência distante é um conceito utilizado para concretizar objetivos científicos, reverenciando a
tradição oral. Na Roda da Saúde, as duas experiências fizeram-se presentes todo o tempo,
produzindo discussões e propostas no campo da saúde.
166
Revista Baiana
de Saúde Pública
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao relatar as experiências da Roda da Saúde, deparamo-nos com uma lógica que
procura valorizar a desconstrução de um modelo tradicional verticalizado, optando pela
horizontalidade das relações, cujo caráter participativo procura garantir uma teia, um tecido de
valorização dos laços, dos nós que nos unem e nos separam. Como diz Melo Neto5:56: “Um galo
sozinho não tece uma manhã, ele precisará de outros galos.”
Acreditamos que a Roda esteja na base da experiência utilizada como
obrigatoriedade por todos que optem por um modelo de valorização do saber popular e se
constitua em principal instrumento para a transformação de uma lógica que represente a
articulação de saberes, a construção e a multiplicação de vários saberes. A partir da intertroca de
conhecimentos é dado um passo em direção à reinvenção da saúde que queremos.
Ao caminhar nesta experiência, percebemos que o processo possibilitou refletir a
respeito das implicações, dificuldades e potencialidades relativas a um fazer em saúde coletiva,
ocorridas no espaço coletivo, e que a consolidação do Sistema Único de Saúde é um processo
que, longe de estar concluído, requer investimentos por parte de todos – serviço, instituições
formadoras e comunidade – para que a saúde possa ser reinventada.
Neste sentido, entendemos que os versos do poeta Ferreira Gullar, musicados por
Raimundo Fagner, são a melhor maneira de expressar o evento Roda da Saúde da Universidade do
Estado da Bahia:
TRADUZIR-SE
Uma parte de mim é todo mundo,
outra parte é ninguém, fundo sem fundo.
Uma parte de mim é multidão,
outra parte estranheza e solidão.
Uma parte de mim pesa e pondera,
outra parte delira.
Uma parte de mim almoça e janta,
outra parte se espanta.
Uma parte de mim é permanente,
outra parte se sabe de repente.
Uma parte de mim é só vertigem,
outra parte linguagem.
Traduzir uma parte na outra parte
que é questão de vida e morte.
Será arte? Será arte?
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167
REFERÊNCIAS
1. Campos GW de S. Um método para análise e co-gestão de coletivos: a
constituição do sujeito, a produção de valor de uso e a democracia em
instituições: o método da roda. São Paulo: Hucitec; 2000.
2. Foucault M. Microfísica do poder. 10ª. ed. Rio de Janeiro: Graal; 1992.
3. Benevides de Barros RD. Dispositivos em ação: o grupo. São Paulo:
Hucitec; 1997. (Saúde Loucura n.6).
4. Amorim AC. O espetáculo da loucura: alienismo oitocentista psiquiatria
do II milênio a construção social das linguagens do déficit e a progressiva
enfermidade da cultura Dissertação de Mestrado. Rio de Janeiro, Instituto
de Psicologia, UERJ; 2000.
5. Melo Neto JC de. A educação pela pedra. Rio de Janeiro: Editora do
Autor; 1966.
Recebido em 28.02.2005 e aprovado em 16.02.2006.
168
RELATO DE EXPERIÊNCIA
Revista Baiana
de Saúde Pública
AVALIAÇÃO DE MÉTODO PARA RA STREAMENTO E CONTROLE DE
HIPERTENSOS
Marco Antônio Mota Gomesa
Annelise Costa Machado Gomesb
José Narciso Gonçalves de Vasconcelosc
Sonia de Moura Silvad
Lucélia Batista Neves Cunha Magalhãese
Resumo
O objetivo deste estudo é avaliar uma nova técnica desenvolvida no Pólo Saúde da
Família em Alagoas, para rastrear indivíduos suspeitos de serem hipertensos e, nos já
diagnosticados e tratados, avaliar se estão controlados. Foram estudados, primeiramente, 100
indivíduos com idade >18 anos, de uma amostra aleatória, no ambulatório, para avaliar a precisão
diagnóstica da nova técnica. Em seguida, foram avaliados 100 indivíduos hipertensos, com
diferentes tratamentos anti-hipertensivos, para testar a precisão da técnica na avaliação do controle
(PA >140/90 mmHg). A pressão arterial (PA) foi medida com equipamento digital OMRON 705CP. Esta nova técnica consiste em uma adaptação do esfigmomanômetro convencional (colocação
de um adesivo no relógio) e, após insuflação convencional, a visualização da movimentação da
agulha. O primeiro grupo de 100 indivíduos, constituído de 37 homens e 63 mulheres, com idade
média de 52,5 ± 15,2 anos, teve uma sensibilidade(S) de 96,7%, especificidade(E) de 80,2%,
valor preditivo positivo(VPP) de 84% e valor preditivo negativo(VNP) 96,5%. No segundo grupo de
100 indivíduos, que estavam em tratamento anti-hipertensivo, composto por 53 mulheres, idade
média de 54,4 ± 15,8 anos, foram encontrados os seguintes resultados: S= 98,7%, E= 94,7%,
a
b
c
d
e
Pólo de Capacitação do Programa Saúde da Família em Maceió (AL). Training Unit of the Maceió (AL) Family Healt Program.
Pólo de Capacitação do Programa Saúde da Família em Maceió (AL). Training Unit of the Maceió (AL). Family Healt Program.
Pólo de Capacitação do Programa Saúde da Família em Maceió (AL). Training Unit of the Maceió (AL). Family Healt Program.
Pólo de Capacitação do Programa Saúde da Família em Maceió (AL). Training Unit of the Maceió (AL). Family Healt Program.
Coordenação do Programa de Hipertensão Arterial da Secretaria de Saúde do Estado da Bahia (CEDEBA). Coordinator of
arterial hypertension program of State of Bahia.
Endereço para correspondência: R.José Pedreira, 219, apto 102, Candeal, SSA.Ba - CEP 40-283-280. Endereço
eletrônico: luceliamagalhã[email protected]
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169
VPP=96,2% e VPM= 94,7%. Este método de rastrear hipertensos, pela observação da
movimentação da agulha do rastreômetro, mostrou boa sensibilidade e especificidade, tanto para
detecção quanto para controle em hipertensos.
Palavras-chave: Rastrear hipertensão. Controle de hipertensão. Equipamento para hipertensos.
A METHOD FOR SCREENING HYPERTENSION
Abstract
To assess a new technique developed at the Family Health Unit of Alagoas for
Health Community Agents to screen suspected hypertensives and controlling hypertension in
patients diagnosed with high blood pressure. In the first group 100 individuals aged >18 chosen
randomly at outpatient department were selected to assess the diagnostic accuracy of a new
technique. In a second group, 100 diagnosed hypertensives using diferentes anti-hypertensive
drugs for to test the accuracy of the technique for control purposes (BP >140/90 mmHg). In both
groups, arterial blood pressure (BP) was measured with the OMRON 705-CP digital equipment.
This new tecnic consist in a adaptation on the display of the convencional esfingnomanometer
(put one adhesive stinking) and after insuflation to see a movimentation of the needle. The first
group included 63 women and the men age was 52,5 ± 15,2 years; test sensitivity(S)=96.7% and
specificity(E)=80.2%, with an 84% positive predictive value (PPV) and 96.5%, negative predictive
value (NPV). The second group included 53 women and the mean age was 54,4 ±15,8 years, all
under treatment for hipertension. Results for this group S= 98.7%, E=94.7%, PPV=96.2% and
theNPP=94.7%. The screening method for hypertensives by observing needle movements on
the screenometer (rastreômetro) demonstrated good sensitivity and specificity in the studied
groups both for the detection and control of hypertension.
Key words: Hypertension screening. Hypertension control. Equipment for hypertensives.
INTRODUÇÃO
O Ministério da Saúde (MS) do Brasil, no ano 2000, definiu como prioridade de sua
agenda nacional a organização de toda a rede básica, visando à detecção e ao controle da
hipertensão arterial e do diabetes mellitus. Essa decisão foi sustentada pela alta mortalidade
cardiovascular1, pelo alto custo provocado ao sistema na abordagem das complicações provocadas
por esses dois agravos e pelo baixo impacto da assistência convencional2, com vistas a uma política
de saúde que possa revelar dados mais positivos em termos de melhores indicadores de saúde
cardiovascular e o fortalecimento do Sistema Único de Saúde (SUS). Esta estratégia foi denominada
de Plano de Reorganização da Atenção Básica para a Detecção e Controle da Hipertensão Arterial
170
Revista Baiana
de Saúde Pública
(HA) e Diabetes Mellitus (DM)3. A maior novidade dessa estratégia foi, de forma democrática e
participativa, a criação de comitês nacionais e estaduais, com o envolvimento de diversos
organismos, tais como: Sociedades Científicas – Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC),
Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD), Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN) e Sociedade
Brasileira de Hipertensão (SBH) –, Conselho Nacional de Secretários de Saúde (CONASS),
Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde (CONASEMS), Federação de Portadores de
HA e DM e grupo técnico do MS. O Plano possuiu quatro etapas que envolveram a capacitação
dos profissionais da rede básica, campanhas de detecção, vinculação à rede dos indivíduos
diagnosticados como diabéticos e hipertensos para tratamento e monitoramento dos resultados.
Toda atenção básica no país pretendia se organizar em torno de dois programas
denominados de Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS) e Programa de Saúde da
Família (PSF), tidos ainda hoje como uma estratégia capaz de renovar e dar impacto
epidemiológico ao SUS. Em ambos, utilizam-se os chamados Agentes Comunitários de Saúde
(ACS) como verdadeiros agentes de cidadania. Para eles, são delegadas certas tarefas que
envolvem desde o cadastramento inicial, promoção de hábitos saudáveis de vida e até mesmo o
envolvimento na adesão ao tratamento dos principais problemas de uma comunidade. Uma
equipe do Programa de Saúde da Família consta de: um médico, um enfermeiro, um odontólogo,
dois auxiliares de enfermagem e quatro a seis ACS2.
O desafio maior na abordagem da HA está afeto à dificuldade da detecção e do
controle4. Os países que estão desenvolvendo, há mais tempo, programas que visam melhorar o
conhecimento, o tratamento e o controle (Ex. Estados Unidos e Cuba)4,5, obtiveram resultados pela
diminuição de complicações, especialmente, internações por insuficiência cardíaca, acidente
vascular cerebral e insuficiência renal. Ainda assim, o percentual de indivíduos diagnosticados, em
tratamento e controlados (ainda) é muito baixo, segundo dados do VI Joint National Committee
(JNC)4. No Brasil, a dimensão desse problema é sentida, mas ainda não pode ser quantificada,
porque faltam dados concretos que avaliem esses parâmetros.
A decisão inicial do MS foi a de envolver esses ACS, que hoje são cerca de 180.000
distribuídos e espalhados em todas as regiões do país. A utilização desses ACS na abordagem da
hipertensão arterial poderia ser feita pela medida da PA no domicílio, facilitando a busca ativa de
hipertensos e a monitorização do controle de níveis pressóricos. Embora essa estratégia pareça ser
de grande impacto, considerando-se as altas taxas de prevalência encontradas nos estudos
nacionais realizados em alguns Estados6, dois problemas têm advindo nesse percurso. O primeiro
refere-se aos Conselhos Regionais de Enfermagem, que resistem à idéia de que os ACS possam
ser mobilizados para fazer medida de PA, por questões legais. A segunda diz respeito ao
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171
treinamento padronizado pela Organização Mundial de Saúde (OMS), que demanda em muitas
horas (14hs) de capacitação e, ao fim do treinamento, a média dos aprovados pelos testes não
ultrapassa 75% na Inglaterra, desprezando de 12 a 15% dos treinandos7,8. Em nosso meio,
considerando o número naquela época de 180.000 ACS, o tempo para capacitação e o custo do
treinamento, o resultado esperado poderia se constituir em um grande entrave. Além disso,
haveria o risco dos ACS informarem aos pacientes o nível da pressão arterial, o que poderia
assustá-los e mesmo provocar auto-ajuste nas medicações, o que não seria recomendável.
Com a constatação desses óbices e também movido pela necessidade de reduzir
esse quadro epidemiológico desfavorável, foi desenvolvido este método de suspeição de
hipertensos, que se revelou ser de custo barato e simples, podendo ser usado em grande escala,
pela verificação da oscilação da agulha de um esfigmomanômetro aneróide, modificado pela
aposição de um selo autocolante, com uma faixa de alerta em vermelho.
MÉTODOS
Para testar a eficiência da técnica de rastreamento, foram desenvolvidas duas
estratégias diferentes. Num primeiro momento, para avaliar suspeitos de hipertensão, foram
aleatoriamente avaliados 100 indivíduos com idade igual ou acima de 18 anos, média de 52,5 +
15,2 anos, de ambos os sexos (37 masculino e 63 feminino). Depois de um repouso de cinco
minutos na posição sentada, segundo recomendação da OMS9, cada indivíduo foi submetido a
uma verificação com o rastreômetro (observação sobre a movimentação da agulha no visor) e, em
seguida (5 minutos), teve sua pressão arterial medida uma vez com um aparelho digital,
automático e oscilométrico, devidamente testado, da marca OMRON 705-CP10,11. O braço
utilizado foi o esquerdo, devido a um melhor ajuste dos manguitos empregados por esse tipo de
equipamento e de acordo com as recomendações internacionais9.
Em seguida, foram recrutados, por ordem de chegada em ambulatórios privados,
100 pacientes, conhecidamente hipertensos e em uso de medicações anti-hipertensivas,
pertencentes a diversas classes terapêuticas. Também foram selecionados indivíduos com idade
igual ou maior de 18 anos, média de 54,4 ± 15,5 anos, ambos os sexos (47 masculino e 53
feminino). Semelhante ao primeiro grupo, os indivíduos foram inicialmente submetidos a uma
análise pelo rastreômetro (observação visual da movimentação da agulha) e, em seguida (5
minutos), tiveram a pressão medida uma vez pelo mesmo equipamento digital utilizado no
primeiro grupo.
Foi considerada hipertensão valores de pressão arterial maiores ou igual a 140 mm
Hg de pressão arterial sistólica, e de valores iguais ou maiores que 90 mm Hg de pressão arterial
diastólica.
172
Revista Baiana
de Saúde Pública
A técnica de uso do rastreômetro é descrita a seguir:
a) paciente sentado e com o braço à altura do coração;
b) coloca-se o manguito no braço esquerdo;
c) insufla-se o manguito até que a agulha alcance a marca preta;
d) abre-se lentamente a válvula, permitindo o retorno da agulha à posição inicial;
e) observa-se a passagem da agulha dentro da faixa vermelha, que pode se
apresentar: com oscilação ou sem oscilação;
f) caso a agulha oscile dentro da faixa vermelha, encaminhar para uma consulta de
enfermagem.
Análise estatística
Foi usado o método padrão de validade de um teste diagnóstico, utilizando as
propriedades da tabela 2x212. Sensibilidade (SE) foi definida como: números de verdadeiramente
positivos divididos pelo total de casos multiplicado por 100; especificidade (ES) foi definida como:
números de verdadeiramente negativos divididos pelo total de casos e multiplicado por 100; valor
preditivo positivo (VP+) foi definido como: números de verdadeiramente positivos em relação ao
total de positivos no teste, multiplicado por 100; valor preditivo negativo (VP-) foi definido como:
números de verdadeiramente negativos divididos pelo total de negativos em relação ao total de
negativos no teste multiplicado por 10012. As demais análises foram proporções simples, com
análise de tendência central (média) e dispersão (desvio padrão) no histograma da curva normal.13
RESULTADOS
No teste de detecção de suspeitos foram rastreados 100 indivíduos, dos quais o
observador (médico criador da técnica) não tinha conhecimento do valor de suas pressões. No
grupo testado, houve 58% de oscilações da agulha dentro da marca de alerta e comprovação do
diagnóstico de pressão alterada (acima ou igual a 140 x 90mmHg) em 51% deles. A agulha do
rastreômetro ultrapassou a faixa vermelha de alerta sem oscilar em 42% dos indivíduos e no grupo
havia 49% de pacientes com pressão considerada normal (abaixo de 140 x 90mmHg). Os casos
chamados falso-positivos podem ser explicados pela atenuação do efeito do avental branco e os
falso-negativos pela presença de hipertensão diastólica. A sensibilidade medida para detectar casos
suspeitos pelo uso da técnica do rastreômetro foi de 96,7% e a especificidade encontrada para
essa mesma finalidade foi de 80,2%. O valor preditivo positivo foi de 84% e o valor preditivo
negativo encontrado foi de 96,5% (Gráfico 1).
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TOTAL = 100 PACIENTES
MASCULINO = 39
FEMININO = 61
IDADE MÉDIA = 52,5 + 15,2 ANOS
SENSIBILIDADE = 96,7%
ESPECIFICIDADE = 80,2%
VALOR PREDITIVO POSITIVO = 84%
VALOR PREDITIVO NEGATIVO = 96,5%
Gráfico 1. Detecção de hipertensos
No teste de avaliação de controle foram rastreados 100 indivíduos,
comprovadamente hipertensos e em uso de diversas drogas, das várias classes terapêuticas. No
grupo testado houve 81% de oscilações da agulha dentro da marca de alerta, e comprovação de
falta de controle da pressão arterial (PA igual ou acima de 140 x 90mmHg) em 79% deles. A
agulha do rastreômetro ultrapassou a faixa vermelha de alerta sem oscilar em 19% dos indivíduos e
no grupo havia 21% de pacientes com pressão considerada normal (abaixo de 140 x 90mmHg). A
sensibilidade medida para avaliar o controle da hipertensão arterial pelo uso da técnica do
rastreômetro foi de 98,7% e a especificidade encontrada para essa mesma finalidade foi de 94,7%.
O valor preditivo positivo foi de 96,2% e o valor preditivo negativo encontrado foi de 94,7%
(Gráfico 2).
CONTROLE DE HIPERTENSOS
90
80
70
60
50
40
30
20
10
0
81%
79%
TOTAL = 100 PACIENTES
MASCULINO = 47
FEMININO = 53
21%
19%
IDADE MÉDIA = 54,4 + 15,8 ANOS
ER
IP
N
TE
S
SO
VALOR PREDITIVO POSITIVO = 96,2%
VALOR PREDITIVO NEGATIVO = 94,7%
C
C
R
NT
ÃO
O
N
ÀO
ÃO
S
SO
AÇ
IL
SC
AÇ
IL
N
TE
O
SC
O
ER
IP
H
H
M
O
M
SE
C
SENSIBILIDADE = 98,7%
ESPECIFICIDADE = 94,7%
O
N
O
D
LA
TR
S
O
D
LA
O
O
S
Gráfico 2. Controle de Hipertensos
174
Revista Baiana
de Saúde Pública
DISCUSSÃO
Não foi possível comparar os resultados encontrados com os da literatura, visto que
não existem relatos ou experiências semelhantes, pois se trata de técnica nova.
A grande limitação deste inicial estudo sobre este novo instrumento foi o fato do
observador ter sido o próprio criador do método, levando a um possível viés de observação.
Contudo, para uma primeira validade, este viés é aceitável.
Pelas análises estatísticas, estes resultados são considerados muito satisfatórios, pelo
baixo custo da adaptação, pela exeqüibilidade do treinamento e do alcance social em questão, fato
comprovado pela teoria da Medicina Baseada em Evidências14.
Segundo Hennekens e Buring13, a hipertensão arterial é um agravo que se presta de
forma interessante para o desenvolvimento de programas de triagens, pelos seguintes motivos: 1)
por sua alta morbidade e mortalidade; 2) pelo fato do tratamento poder ser iniciado antes do
aparecimento de sintomas e de danos irreversíveis; 3) pela alta prevalência em nosso meio,
necessitando respeitar os fatores étnicos.
Segundo os mesmos autores, não basta somente a doença ou o agravo ser factível
para programas de triagens; o método empregado deve conter as seguintes características: ser
barato, fácil de administrar, não impor desconforto aos usuários, além de ser provado como válido,
reprodutível e factível dentro de uma comunidade. Todas essas exigências são contempladas nesse
novo método.
O emprego de uma técnica simples (Figura 1), que apenas modifica um
equipamento de baixo custo já existente na rede pública (Figura 2), pode facilitar a detecção e o
controle da hipertensão arterial, considerada como a enfermidade responsável pela maior
morbidade e mortalidade cardiovascular em todo o mundo. Além disso, a hipertensão arterial é
também responsável pelo maior índice de absenteísmo ao trabalho e aposentadorias precoces2, o
que provoca um enorme custo social, especialmente, no Brasil, que estima-se possuir mais de
vinte milhões de hipertensos.
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175
Figura 1. Aneróide do Rastreômetro
Figura 2. Rastreômetro
A posição de prudência adotada pelos Conselhos de Enfermagem de todo o Brasil
tem sentido e deve ser respeitada, até porque o uso do rastreômetro parece oferecer uma solução
interessante para esse desejo de mobilização dos milhares de ACS distribuídos pelo Brasil.
O emprego da técnica de rastrear hipertensos pela utilização da observação da
agulha do rastreômetro tem grande aplicabilidade em saúde pública. A produção de selos
autocolantes, para modificar os aneróides já existentes, significa um custo de apenas R$ 14,00
(quatorze reais), suficientes para modificar 200 (duzentos) aparelhos. O custo total para equipar
um aneróide para cada um dos (180.000) ACS seria de R$ 12.600,00 (doze mil e seiscentos reais).
Insignificante, quando considerada a dimensão do problema.
O treinamento para o uso do rastreômetro é muito simples. Como não faz
diagnóstico, apenas promove rastreamento de suspeitos, não há riscos na utilização de aparelhos
sem muita precisão.
176
Revista Baiana
de Saúde Pública
Pode-se afirmar que a técnica de rastrear hipertensos, no domicílio, utilizando os
ACS, pode melhorar o panorama da hipertensão arterial no Brasil, através da realização de busca
ativa. A melhora do percentual de indivíduos diagnosticados e também do percentual de indivíduos
controlados pode acontecer com o uso dessa estratégia. Como essa técnica não é usada em
nenhuma parte do mundo, o Brasil poderia se antecipar aos países considerados de primeiro
mundo, porque, utilizando uma força tarefa extraordinária, poderia ter como resposta melhor
detecção e melhor controle da hipertensão arterial. Conseqüentemente, teria como resultado a
modificação do quadro epidemiológico desfavorável nacional em um curto tempo.
Necessitar-se-á testar este novo método com outros profissionais de saúde,
incluindo os agentes comunitários, para os quais este equipamento foi idealizado.
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Recebido em 28.02.2005 e aprovado em 16.02.2006.
178
RELATO DE EXPERIÊNCIA
Revista Baiana
de Saúde Pública
HIPERTENSÃO EM UMA UNIDADE DE SAÚDE DO SUS:
ORIENTAÇÃO PARA O AUTOCUIDADO
Cátia Andrade Silvaa, Camila Wanderleyb
Emilia Rochac, Fabricia Santosd
Izabel Martinse, Lenise Bastosf
Mariana Sacramentog
Resumo
A hipertensão arterial sistêmica (HAS) é uma doença crônica e o sucesso do
tratamento depende da adesão do paciente e da participação dos profissionais de saúde, através da
implementação de atividades voltadas para educação e orientação ao autocuidado. O profissional
de enfermagem destaca-se como principal ator social responsável pelo Programa de Controle da
HAS. Este estudo objetiva educar, para o autocuidado, pacientes hipertensos que não participam
do grupo de hipertensão de um Centro de Saúde Municipal, situado na cidade do Salvador/Ba.
Trata-se de uma pesquisa-ação, pois visa contribuir, chamando atenção para o déficit no
autocuidado de pacientes hipertensos. Utilizou-se como instrumento de coleta formulários semiestruturados aplicados a 50 pacientes hipertensos, no período de setembro-outubro/2004. Os
dados foram analisados qualitativamente, revelando que os pacientes eram, na maioria, idosos,
negros, com baixo poder aquisitivo e baixa escolaridade. Com base no perfil da amostra, foi
elaborado um plano de cuidados e, a partir dele, foram confeccionados, como recursos didáticos,
a
b
c
d
e
f
g
Mestre em Enfermagem na área de concentração O Cuidar em Enfermagem da Escola de Enfermagem da Universidade
Federal da Bahia (UFBA); Docente da Faculdade de Tecnologias e Ciências – SSA/Ba; Especialista em Enfermagem em
Unidade de Terapia Intensiva pela Faculdade de Enfermagem Luíza de Marillac; Especialista em Educação Profissional na
Área de Saúde: Enfermagem, pela Escola Nacional de Saúde Pública.
Discente do Curso de Enfermagem da Faculdade de Tecnologia e Ciências SSA/Ba.
Discente do Curso de Enfermagem da Faculdade de Tecnologia e Ciências SSA/Ba.
Discente do Curso de Enfermagem da Faculdade de Tecnologia e Ciências SSA/Ba.
Discente do Curso de Enfermagem da Faculdade de Tecnologia e Ciências SSA/Ba.
Discente do Curso de Enfermagem da Faculdade de Tecnologia e Ciências SSA/Ba.
Discente do Curso de Enfermagem da Faculdade de Tecnologia e Ciências SSA/Ba.
Endereço para correspondência: enviar para Cátia Andrade Silva; Rua Marechal Floriano, n.º 396, Ap. 105, Ed.
Jardins do Canela, Canela, Salvador- BA. CEP: 40110-010. e-mail: [email protected] / [email protected]
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álbum ilustrado e cartilhas informativas que fundamentaram as palestras educativas. Concluiu-se
que existe a necessidade de reformulação das práticas educativas em saúde no Programa de
Controle da HAS, além da capacitação dos profissionais de saúde envolvidos neste processo.
Palavras-chave: Hipertensão. Educação à saúde. Autocuidado. Enfermagem.
HYPERTENSION IN NA UNIT OF HEALTH OF SUS:
ORIENTATION TO TAKE CARE OF HIMSELF
Abstract
The hypertension arterial sistemic (HAS) it is a chronic disease and the success of
the treatment depends on the patient’s adhesion and of the professionals’ of health participation
through the execution of activities gone back to education and orientation to take care of himself.
The nursing professional stands out as the principal responsible social actor for the Program of
Control of the HAS. In face to the considerations, this study has as objective educates to take care
of himself the patients bearers of the HAS, that they don’t participate in the group of hypertension
of a Center of Municipal Health, located in the city of Salvador/Ba. it is Treated of a researchaction, because it seeks to contribute and to call attention for the deficit in take care of himself of
patient with hypertension. It was used as instrument of collection of data forms semi-structured
applied to 50 patient bearers of HAS, in the period of September-October/2004. The data were
analyzed in a qualitative way, where he identified that the patients were in your majority seniors,
black, with low purchasing power and it lowers education. With base in the profile of the sample
a plan of cares was elaborated, and starting from him they were made as didactic resources a
cultured album and informative spelling books that based the educational lectures. It was concluded
with this study the need of reconstruction of the educational practices in health in the Program of
Control of the HAS, besides the professionals’ of health training involved in this process.
Key words: Hypertension. Education to the health. Take care of himself. Nursing.
INTRODUÇÃO
De acordo com Brasil 1 , a hipertensão arterial sistêmica (HAS) afeta,
aproximadamente, entre 11 a 20% da população adulta com idade superior a 20 anos. Cerca de
85% dos pacientes vítimas de acidente vascular encefálico e 40% dos infartados apresentam a
hipertensão associada.
Sabe-se que a hipertensão é uma doença crônica, ou seja, não tem cura, mas pode
ser controlada com a educação à saúde dos pacientes portadores de tal agravo. É caracterizada
pelo aumento patológico dos níveis pressóricos, a ponto de causar males ao organismo do
180
Revista Baiana
de Saúde Pública
indivíduo. Suas conseqüências podem ser prevenidas com tratamento profilático adequado
prescrito pelo médico e, na maioria das vezes, acompanhadas pelo enfermeiro na rede básica. O
acompanhamento realizado pelo enfermeiro é feito nos grupos de hipertensão com consultas
periódicas, objetivando a educação à saúde voltada para o autocuidado.
Segundo Rabelo e Padilha2, a educação à saúde é indicada como uma das estratégias
mais eficazes para estimular a adesão do paciente ao tratamento da doença hipertensiva.
Entretanto, para que se obtenha sucesso no processo educativo, faz-se imprescindível o
conhecimento a cerca das atitudes do indivíduo a respeito da doença da qual é portador3.
A relevância deste estudo consiste em alertar os profissionais de saúde,
principalmente os que atuam em rede básica, para o grande número de pacientes que procuraram
a sala de aferição da pressão arterial e não pertenciam a grupos de controle, ou seja, grupos de
hipertensão. Esses pacientes, em sua grande maioria, possuem níveis pressóricos elevados e não
exercem nenhuma medida voltada para o autocuidado, necessitando de educação à saúde.
Em face dessas considerações, o objetivo do presente estudo consiste em educar
para o autocuidado os pacientes portadores de HAS, que não participam do grupo de hipertensão
de um Centro de Saúde Municipal, situado na cidade do Salvador (BA).
REVISÃO DE LITERATURA
A hipertensão é entendida pelo aumento da pressão sanguínea nas paredes das
artérias, levando à pressão arterial sistêmica cronicamente aumentada. Os critérios da Organização
Mundial de Saúde (OMS) para a hipertensão arterial sistêmica estabelecem a pressão sanguínea
sistólica de 140mmHg e a diastólica de 95mmHg4.
Graw4 ressalta que cerca de um quarto da população adulta da Europa e da América
do norte terá uma leitura de pressão sanguínea acima desse limite, mas a maioria terá uma pressão
menor em uma segunda leitura. Assim, faz-se importante não basear as decisões clínicas em uma
única leitura de pressão sanguínea elevada, pois o diagnóstico de hipertensão somente deve ser
feito depois de medidas repetidas da pressão arterial ao longo de várias semanas.
Lima, Bucher e Lima5 afirmam que, no Brasil, alguns estudos de base populacional
estimaram a prevalência da HAS entre 20,0% a 30,0%. Guyton6 alerta que a pressão arterial
elevada ocorre, aproximadamente, em uma de cada cinco pessoas antes do término de suas vidas,
em geral, na meia-idade ou na velhice.
A pressão arterial elevada pode levar a conseqüências para o organismo, tais como:
ruptura dos vasos sanguíneos cerebrais, dos vasos renais, causando insuficiência renal ou dos vasos
de outros órgãos vitais; também pode causar cegueira, surdez, ataques cardíacos, dentre outros6.
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A fisiologia da hipertensão arterial sistêmica é um fenômeno multigênico, de origem
múltipla, que causa lesão dos órgãos alvos: coração, cérebro, rins e retina7.
Ceppari7 afirma ainda que os fatores multigênicos determinantes da pressão,
associados ao débito cardíaco e à resistência periférica, interferem na manutenção dos níveis
pressóricos dentro dos padrões de normalidade.
Outro aspecto importante a ser discutido é o papel do sódio no controle da pressão
arterial. O cloreto de sódio há muito tempo tem sido considerado importante fator de
desenvolvimento e na intensidade da HAS. A correlação entre o aumento da prevalência de
hipertensão e a ingestão de sal é bastante citada na literatura.
O excesso de sódio, de início, eleva a pressão arterial por aumento do volemia e
conseqüentemente aumento do débito cardíaco. Além de seu efeito isolado, a alta ingestão de sal
ativa diversos mecanismos pressóricos com aumento da vasoconstricção renal e da reatividade
vascular aos agentes vasoconstrictores e elevação dos inibidores de Na+/K+ ATPase8.
Existem evidências de que a simples redução de sódio na dieta induz à queda
significativa da pressão arterial sistólica de indivíduos hipertensos, além de diminuir o risco de
eventos cardiovasculares9.
De acordo com Contran, Kumar e Collins10, os fatores ambientais contribuem para a
expressão dos determinantes genéticos, que elevam os níveis pressóricos. E cita como exemplos:
tabagismo, inatividade física, consumo excessivo de sal, obesidade e estresse.
Segundo Cuppari7, a hipertensão arterial é assintomática. Geralmente apresenta os
seguintes sintomas: cefaléia, pois causa a vasoconstricção; sangramento pelo nariz, pois a rede de
capilares nasal é muito sensível ao aumento do fluxo sangüíneo; tontura; falta de ar; dentre outros.
As complicações da hipertensão arterial incluem: derrame, cardiomegalia, doença
coronária e insuficiência renal. A hipertensão maligna ou hipertensão grave conduz a lesão arterial
caracterizada por retinopatia, papiloedema e insuficiência renal progressiva11.
Se uma das causas da hipertensão secundária for diagnosticada, o tratamento
direcionado para a doença pode, freqüentemente, levar à resolução da hipertensão. O tratamento
da hipertensão essencial pode envolver modificações do estilo de vida e o uso de drogas antihipertensivas4.
Existem casos de hipertensão que podem ser controlados através de medidas não
medicamentosas. Essas medidas são conseguidas exercendo hábitos saudáveis, como evitar o
tabagismo, alimentar-se adequadamente, praticar atividades esportivas, evitar consumo excessivo
de sal e álcool e evitar o estresse.
182
Revista Baiana
de Saúde Pública
Os hipertensos devem evitar o tabagismo devido aos efeitos nocivos do fumo, que
provocam o endurecimento das paredes das artérias, acarretando o aumento da pressão sanguínea.
Além do aumento da pressão arterial, o tabagismo provoca doenças pulmonares, câncer e o
desenvolvimento de diabetes. Os hipertensos que fumam devem ter consciência e parar
progressivamente ou procurar orientações quanto ao uso de adesivos e chicletes, atenuando ou até
cessando o desejo do fumo1.
Uma alimentação adequada (hipocalórica), com mais ingestão de verduras, legumes,
frutas, carnes magras, proporciona um eficaz controle da pressão arterial nos pacientes com HAS12.
Segundo Lessa13, 50% dos pacientes portadores de HAS não fazem nenhum tipo de
tratamento e, dentre os que fazem, poucos têm a pressão arterial controlada; 30 a 50% dos
hipertensos interrompem o tratamento no primeiro ano e 75% depois de cinco anos.
Diante dessa realidade, percebe-se o papel importante do Programa de Controle da
Hipertensão Arterial desenvolvido na rede básica de saúde, que possui como um dos objetivos a
redução do índice de abandono do tratamento, através da educação à saúde.
Maciel e Araújo14 ressaltam que, nos Programas de Hipertensão, os enfermeiros têm
revelado uma atuação significante, abordando holisticamente os aspectos relacionados às
enfermidades e ao paciente.
Nesse contexto, seria de inteira responsabilidade dos profissionais da saúde a defesa
de propostas de educação em saúde fundamentadas na capacitação dos indivíduos e da sociedade,
levando-se em conta: o indivíduo e a influência dos fatores ambientais em seu processo saúdedoença, bem como a concepção da realidade em que está inserido5.
MATERIAL E MÉTODOS
A abordagem qualitativa adotada neste estudo é respaldada por Richardson15.
Segundo esse autor, esta é a abordagem mais adequada para a compreensão da essência de um
fenômeno social. A pesquisa qualitativa possibilita a identificação de questões relevantes e a
formulação de questionamentos, para que se descubram problemas a serem analisados.
A pesquisa caracteriza-se como uma pesquisa-ação porque, inicialmente, buscou-se
conhecer a realidade do fenômeno a ser pesquisado para, posteriormente, serem propostas ações
para modificação da realidade.
De acordo com Trentini e Paim16, a pesquisa-ação pode ser subdividida em quatro
subgrupos. Neste trabalho, optou-se por trabalhar com um deles: pesquisa-ação de diagnóstico,
utilizada com a finalidade de traçar o diagnóstico de determinadas situações sociais e elaborar e
implementar planos de ação para resolver os problemas identificados.
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183
A pesquisa foi realizada no período compreendido entre 02 a 24 de setembro de
2004, em um Centro Municipal de Saúde, situado na cidade de Salvador (BA). Esse Centro
disponibiliza para a população serviços como: imunização, puericultura, ginecologia, pré-natal,
planejamento familiar, clínica médica, tisiologia, hanseníase, programas de hipertensão e diabetes,
odontologia, pediatria; e ainda serviços de apoio, tais como: laboratório de análise clínica,
realização de curativos, nebulização, farmácia, verificação de pressão arterial e administração de
medicamentos.
Existe uma quantidade significativa de hipertensos que procuram assistência à saúde.
Todavia o programa de hipertensão arterial não funciona no período da manhã, fazendo com que
os pacientes que buscam o serviço nesse turno apenas tenham suas pressões sanguíneas
verificadas, ficando sem orientação para o autocuidado.
A amostra do estudo foi composta por 50 pacientes que buscaram
espontaneamente a sala de aferição de pressão arterial.
Os dados foram coletados através de um formulário – roteiro de questionamentos –,
lido e preenchido pelo pesquisador, a fim de apreender as respostas dos sujeitos do estudo17.
A aplicação do formulário objetivou caracterizar o perfil sócio-econômico da
população a ser estudada, bem como conhecer se implementam medidas para o autocuidado.
Este instrumento também orientou a escolha dos acessos metodológicos para a realização do ciclo
de palestras produzidas pelo grupo de pesquisadores.
Embasados nos resultados da aplicação do formulário elaborou-se um plano de
cuidados direcionado para o autocuidado dos pacientes portadores de HAS. Esse plano foi
transmitido à população do estudo, através de quatro palestras ministradas pelas discentes, autoras
do trabalho, e supervisionadas pela orientadora.
Tomando por base o plano de cuidados, foi desenvolvida uma cartilha educativa,
entregue durante o ciclo de palestras, com o objetivo de informar e orientar a população de forma
clara, objetiva e ilustrativa. Também foi elaborado um álbum seriado – relação ou lista
metodológica ilustrativa –, visando facilitar a transmissão e a interação entre o educador e o
educando.
Por fim, os dados foram analisados com base no referencial teórico relacionado com
a temática.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
A aplicação do formulário viabilizou a caracterização da amostra do estudo e revelou,
entre os pacientes hipertensos atendidos no centro de saúde, durante a aplicação do formulário,
que 70% eram mulheres.
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Revista Baiana
de Saúde Pública
Em relação à idade, dentre as mulheres hipertensas, encontrou-se 50% com faixa
etária entre 60 e 69 anos. No sexo masculino, encontrou-se 60% entre 70 e 79 anos.
Com relação à cor da pele, 70% da amostra foi composta por indivíduos brancos.
Também constatou-se que 80% desse grupo possui baixo nível de escolaridade.
A análise dos resultados revelou ainda que a maioria dos indivíduos do estudo não
realiza o autocuidado, ou seja: não têm uma alimentação equilibrada (limitar consumo de sal,
bebidas alcoólicas e uso de cigarros); não fazem uso dos medicamentos prescritos pelo médico
adequadamente (só utilizam os medicamentos quando sentem algum sintoma); não praticam
atividades físicas; e preocupam-se excessivamente em verificar os valores pressóricos,
freqüentemente, na sala de aferição de pressão arterial do referido centro de saúde.
Tomando como base os dados fornecidos pela aplicação do formulário, direcionou-se
a metodologia para a implementação de ações educativas em saúde voltadas para o autocuidado.
Elaborou-se, inicialmente, um plano de cuidados voltado para o autocuidado do
paciente hipertenso. Este é considerado por Timby18 como uma das etapas do processo de
enfermagem e consiste em um conjunto de medidas para a execução de cuidados. No plano de
cuidado, devem-se priorizar os problemas, buscando-se intervir adequadamente para manter o
controle ou eliminá-los.
O plano de cuidados abordou: esclarecimento quanto ao que vem a ser a
hipertensão arterial sistêmica; definição das causas e conseqüências; abordagem dos sinais e
sintomas; tratamento medicamentoso e não medicamentoso; importância da redução do consumo
de álcool e tabagismo; controle do peso; estímulo à prática de uma atividade física; mudança de
hábitos alimentares irregulares; consultas periódicas com o médico; participação de um grupo de
controle de hipertensão; e uso correto de medicação prescrita.
Com base no plano de cuidados, foram confeccionadas cartilhas educativas e um
álbum seriado, ambos utilizados pelo grupo de pesquisadores num ciclo de seis palestras, cada
uma com duração de 30 minutos, acrescida de 10 minutos para discussão e respostas das dúvidas
que, conseqüentemente, surgissem. Sendo dirigidas a todos os usuários do centro de saúde
municipal, as palestras foram realizadas na sala de marcação de consulta e intercaladas com
intervalos de 40 minutos.
Os pacientes que se dispuseram a participar das palestras mostraram-se
participativos, interessados e contribuíram com o relato de suas experiências. Também ficou
evidente, após o ciclo de palestras, que a enfermagem possui um papel imprescindível nas ações
de promoção à saúde, contribuindo para reduzir a falta de informações básicas necessárias à
compreensão do processo saúde-doença. Neste sentido, Daniel19 salienta que o papel da
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enfermagem é contribuir para a preservação e restauração da saúde, respeitando a vida na
promoção de ações necessárias a sua manutenção.
Percebe-se, então, que o controle da HAS tem se constituído em um desafio para os
profissionais de saúde, pois seu tratamento envolve a participação ativa dos hipertensos no intuito
de modificar alguns comportamentos prejudiciais a sua própria saúde e assimilar outros que
beneficiem sua condição clínica20.
É indispensável ressaltar que a educação em saúde atua como fator benéfico para o
paciente. Entre suas metas, destacam-se: ensinar as pessoas a viverem a vida da forma mais
saudável, isto é, esforçando-se na aquisição do potencial máximo de saúde; diminuir os custos
desnecessários; e promover o autocuidado.
Entende-se a educação para o autocuidado como um processo dinâmico que
depende da vontade do cliente e de sua percepção sobre sua condição clínica21. Nela, os
pacientes julgam se a ação de autocuidado é benéfica para si. Esse julgamento ocorre de acordo
com as orientações internas e/ou externas que, por sua vez, são moldadas pela cultura em que os
indivíduos vivem22.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao final deste estudo, percebe-se que, para um melhor controle dessa patologia, é
necessária a adesão do paciente ao tratamento, já que a HAS é uma doença crônica.
Para um direcionamento eficiente e eficaz do autocuidado, é preciso que se tenha
um programa para hipertensos mais intenso e motivador, pois o autocuidado adequado requer
interesse e comprometimento dos pacientes hipertensos e colaboração dos profissionais de saúde,
principalmente, dos enfermeiros.
Acredita-se que um dos maiores desafios para a enfermagem é entender as
necessidades de educação à saúde como componentes especiais e essenciais do cuidado de
enfermagem, estando relacionadas à promoção, manutenção e restauração da saúde.
Percebe-se, ao final do estudo, que os pacientes não possuíam conhecimento acerca
do autocuidado para prevenção dos agravos ocasionados pela hipertensão arterial sistêmica. Esse
desconhecimento era agravado pela ausência do Programa de Controle da HAS em um dos turnos,
somado ao despreparo dos profissionais em adotar e por em prática medidas educativas.
Compreende-se que as ações implementadas no campo em estudo acresceram
conhecimento à vida dos hipertensos e motivou-os a adotarem medidas para o desenvolvimento
do autocuidado, bem como despertou nos profissionais do campo o interesse pelo tema.
Por fim, acredita-se no mesmo princípio do educador Freire23, para o qual o processo
de aprendizagem é bidirecional e ambos, educador e educandos, são agentes do processo,
compartilhando experiências e crescendo juntos.
186
Revista Baiana
de Saúde Pública
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Recebido em 08.09.2005 e aprovado em 10.04.2006.
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RESUMO DE DISSERTAÇÃO
Revista Baiana
de Saúde Pública
CARACTERIZAÇÃO DOS SERVIÇOS DE SAÚDE PRIVADOS DO
MUNICÍPIO DE FEIRA DE S ANTANA – BAHIA a
Maria de Fátima de Almeida Cruz
Resumo
O papel do setor privado no financiamento e na produção dos serviços de saúde,
bem como sua articulação com o setor público, constitui-se, hoje, em tema altamente relevante,
visto que, desde os anos 80, com o estrangulamento financeiro do setor público e a conseqüente
deterioração dos serviços oferecidos, o setor privado ampliou sua estrutura e seu volume de
assistência médica prestada à população, causando uma explosão na venda de planos e de seguros
privados, o que proporcionou um crescimento vertiginoso em número de segurados e de
faturamento. O presente estudo, descritivo e de série temporal, tem por objetivo caracterizar a
evolução dos serviços de saúde privados do município de Feira de Santana, Bahia, no período
compreendido entre 1992 e 2004, considerando a natureza jurídica, a capacidade instalada
ambulatorial e hospitalar, fluxo de atendimento, especialidades médicas oferecidas e
financiamento. O estudo visa contribuir para o conhecimento da magnitude, do grau de
dependência em relação ao financiamento público e das modalidades que dominam o setor
privado nesta cidade. Foram utilizados dados secundários de pesquisas e de Sistemas de
Informação oficiais de caráter público (AMS / IBGE, DATASUS). Os dados primários foram obtidos
através de um inquérito realizado entre outubro de 2004 e janeiro de 2005, nos estabelecimentos
privados do município em questão. Através dos programas de computador Excel, TABNET e
TABWIN, os dados foram tabulados e classificados, para os diferentes anos, nas categorias teóricas
pré-definidas. A avaliação temporal das categorias foi traçada a partir da comparação das diferenças
entre o valor do indicador ano a ano, das diferenças entre o final e o início do período, expressa
em percentagem (%), pela razão público x privado em cada ano da série histórica e pelo padrão
gráfico apresentado. Os resultados encontrados demonstram a hegemonia do setor privado
lucrativo na produção dos serviços de saúde no município, cabendo-lhe o maior número de
a
v.30, n.1, p.189-190
jan./jun. 2006
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva da Universidade Estadual de Feira de Santana.
Orientador Prof. Dr. Luis Eugênio Portela Fernandes de Souza. Defendida e aprovada em 17 de março de 2005.
189
estabelecimentos e de procedimentos realizados no período estudado. As diferentes modalidades
da assistência médica supletiva são as principais responsáveis pelo financiamento da assistência
ambulatorial e hospitalar dos estabelecimentos de saúde privados estudados, sendo a maioria deles
completamente independentes dos recursos públicos.
Palavras-chave: Público. Privado. Serviços de Saúde. Feira de Santana - Bahia.
CHARACTERIZATION OF PRIVATE HEALTH SERVICES IN THE CITY OF
FEIRA DE SANTANA, BAHIA
Abstract
The role of private sectors in financing and producing health services, as well as its
articulation with public sectors, is nowadays a highly relevant theme. Since, in the 80’s, the public
sector’s financing strangulation and consequent deterioration of offered services took place, the
private sector extended its structure and its volume of medical assistance provided to the population,
causing a boom in health plans and private insurance sales that promoted an enormous increase of
insured members and profits. The present study, descriptive and of temporal series, has as its
objective to characterize the evolution of private health services in Feira de Santana – Bahia, from
1992 to 2004, considering juridical nature, ambulatory and hospital installed capacity, flux of
service, offered medical specialties, and financing. The study aims to help to know the magnitude
of the level of dependence related to public financing, and modalities that dominate the private
sector in this city. Secondary data from research and official information systems of public character
(AMS / IBGE, DATASUS), and primary data obtained through an inquiry held between October
2004 and January 2005 at private establishments in the mentioned city were used. Through
computer programs such as Excel, TABNET and TABWIN, the data were tabulated and classified,
for the different years, in pre-defined theoretical categories. Temporal evaluation of categories
was drawn from comparisons of differences between: yearly indicator indices; the period’s end
and beginning, expressed in percentage; public versus private yearly historic series; and presented
graphic patterns. The found results have shown the profitable private sector’s hegemony in
producing health services in this city, having the largest number of establishments and realized
procedures in the studied period. Different supplementary medical assistance modalities are the
principal responsible for financing ambulatory and hospital assistance at studied private health
establishments, being the majority completely independent of public resources.
Key-words: Public. Private. Health services. Feira de Santana – Bahia.
Recebido em 14.11.2005 e aprovado em 21.02.2006
190
RESUMO DE DISSERTAÇÃO
Revista Baiana
de Saúde Pública
ESTUDO DA UTILIZAÇÃO DE SERVIÇOS DE SAÚDE POR MÃES E CRIANÇAS
NO PRIMEIRO ANO DE VIDA –
CENTRO DE SAÚDE ESCOLA DE BOTUCATU – SP a
Alice Yamashita Prearo
Resumo
O presente trabalho foi desenvolvido para atender a uma demanda da área de
Saúde da Criança do Centro de Saúde Escola (CSE), de Botucatu, interior de São Paulo, em:
conhecer algumas características sócio-econômicas das crianças e suas famílias; conhecer as
condições perinatais das mães e das crianças; estudar a utilização de serviços de saúde, pela mãe,
durante a gestação, e pela criança nos primeiros meses de vida. Para obter os dados, não apenas
do usuário que demanda o serviço, mas da população da área de abrangência do CSE, foi utilizado
o inquérito domiciliar. A partir de um questionário especificamente elaborado, foram levantadas
características sócio-econômicas e demográficas das famílias, das mães e crianças. Foram estudadas
181 crianças nascidas entre o segundo semestre de 1995 e o primeiro semestre de 1996 e suas
famílias. Com a análise dos dados, concluiu-se que 51,6% dos indivíduos tinham renda per capita
até 2 salários mínimos dos quais 30% com renda até 1 salário; as mães e as crianças tiveram
facilidade de acesso aos serviços de saúde, pelo elevado percentual de matrículas de mães nos
serviços de pré-natal (95,6%) e dos lactentes; observa-se que 50,9% das crianças são matriculadas
no Centro de Saúde Escola e 27,1% são clientes de convênios. As porcentagens elevadas de
consultas no primeiro mês de vida (94,5%), no segundo trimestre de vida (95%) e a cobertura
vacinal, nos anos subseqüentes (90%), confirmam a satisfatória utilização de serviços de saúde das
crianças nascidas na área de estudo, independentemente da renda per capita. Dados obtidos pelo
inquérito representam uma boa base diagnóstica para um possível aproveitamento no
planejamento, avaliação de ações e programas de saúde materno-infantil e conhecimento sobre o
serviço, subsídios importantes para assistência e ensino de profissionais da saúde.
Palavras-chave: Saúde materno-infantil. Serviços de saúde. Atenção primária.
a
Dissertação apresentada ao Curso de Pós-Graduação em Pediatria – Área de concentração “Pediatria” – da Faculdade de
Medicina de Botucatu da UNESP. Orientador Profa. Dra. Águeda Beatriz Pires Rizzato. Co-Orientador Profa. Dra. Luana
Carandina. Defendida e aprovada em 20 de outubro de 2000. Médica do Depto. de Pediatria da Faculdade de Medicina
de Botucatu (UNESP).
Biblioteca depositária: Biblioteca do Campus de Botucatu (UNESP).
v.30, n.1, p.191-192
jan./jun. 2006
191
STUDY OF THE USE OF SERVICES OF HEALTH FOR MOTHERS AND CHILDREN IN THE
FIRST YEAR OF LIFE - CENTRO DE SAÚDE ESCOLA OF BOTUCATU - SP
Abstract
The present work was developed to take care od a demand of the group of child
health of CSE (Centro de Saúde Escola), of Botucatu, São Paulo in knowing some partner-economic
conditions of the children and its families; to know the perinatal conditions an of the mothers and
child; to study the use of health jobs, for the mother, while pregnant, and for the child in the first
months of life. To not only get the data not just of the user who demad to the healh center, but
of the population of the area of inclusion of CSE, was used the inquiry to domicilair, where from
a questionnaire specifically elaborated, they had been got characteristics partner-economic and
demographic of the families. Been born between the second semester of 1995 and first semester
of 181 children and its families had been studied. The analysis of the results made possible the
following conclusions : that 51,6% of the individuals had per capita income to 2 minimum wages
of the which 30% with income until 1; the mothers and the children had access easiness to the
services of health, for the high percentile of mothers’ registrations in the services of prenatal
(95,6%) and of the infants it observes us her that 50,9% of the children are enrolled in Saúde
School’s Center and 27,1% are customers of agreements. The high percentages of consultations
in the first month of life (94,5%), in the second quarter of life (95%) and the covering vacinal, in
the subsequent years (90%), they confirm the satisfactory use of services of the born children’s
health in the study area, independently of the per capita income. Data obtained by the inquiry
represent a good base for a possible use in the planning, evaluation of actions and programs of
maternal-infantile health and knowledge on the service, important subsidies for attendance and
professionals’ of the health teaching.
Key words: Maternal and child health. Health services. Primary health care.
Recebido em 19.12.2005 e aprovado em 22.02.2006.
192
ERRATA:
Revista Baiana
de Saúde Pública
EM RELAÇÃO AO NÚMERO ANTERIOR VOL. 29, N.2, JUL./DEZ. 2005
Na página 175, Artigo original “IMPLANTAÇÃO DO PROGRAMA SAÚDE DA FAMÍLIA (PSF) EM
FEIRA DE SANTANA-BA NO ANO 2000 COMO EXPERIÊNCIA PILOTO: vontade política ou
‘interesses políticos’”?
Na 6ª linha do 7º parágrafo da Introdução (p. 177), a sigla USF deve ser substituída por Equipe de
Saúde da Família (ESF).
No 9º parágrafo da Introdução (p. 177)
Onde se lê: Ao contextualizar a implantação do PSF pelo Ministério da Saúde em Feira de
Santana, vemos que, este Programa foi iniciado no referido município, em novembro de 2000,
com a implantação de duas USF (correspondendo, à época, a menos de 2% de cobertura da
população feirense), como Projeto Piloto, no bairro do Novo Horizonte. Salientamos que este
período correspondeu ao final da gestão municipal 1997-2000.
Leia-se: Ao contextualizar a implantação do PSF em Feira de Santana, vemos que passados seis
anos do lançamento do PSF pelo Ministério da Saúde, esse Programa foi iniciado no referido
município, em novembro de 2000, com a implantação de duas ESF (correspondendo à época, a
menos de 2% de cobertura da população feirense), como Projeto Piloto, no bairro do Novo
Horizonte. Salientamos que esse período correspondeu ao final da gestão municipal 1997-2000.
No 10º parágrafo da Introdução (p. 177)
Onde se lê: a sigla USF
Leia-se: a sigla ESF: “... para a instalação das ESF nas Unidades de Saúde da
Família”.
No 1º parágrafo dos Resultados, p. 178
Onde se lê: “do século passado” desnecessário o complemento quando se refere à década de
70, uma vez que o estudo não se aproximou da década de 70 deste século.
v.30, n.1, p.193-194
jan./jun. 2006
193
Onde se lê: “um concurso pública”
Leia-se: “uma seleção pública”.
De acordo com o Artigo Original, a apresentação de retificação de alguns pontos entre a última
palavra das falas dos entrevistados e sua identificação entre parênteses: p. 182 – “continuasse
(ent. 3).”; p.183 – “PSF (ent. 2).”; p. 184 – “gestão’ (ent. 1).” e “políticas (ent. 1).”; p. 185 –
“facilidade (ent. 1).” e “orientações (ent. 4).”; p. 186 – “destino (ent. 5).”; bem como inserido um
espaço entre a última fala e o início do último parágrafo da p. 184.
Na página 319, Artigo Original, “Rede de Relações dos Protagonistas da Prática de Saúde Bucal no
Programa Saúde da Família (PSF) Alagoinhas – Bahia.”
5º parágrafo - há repetição de palavras, erro ortográfico.
Onde se lê: (“... dificultando a adessa que eu achei que dificultou pra gente foi a questo”...).
Leia-se: (“... dificultando a adesão dos trabalhadores à concepção de mudança do modelo de
atenção à saúde” ).
194
Revista Baiana
de Saúde Pública
NORMAS PARA PUBLICAÇÃO
A Revista Baiana de Saúde Pública (RBSP), publicação oficial da Secretaria da Saúde
do Estado da Bahia (SESAB), de periodicidade semestral, dedica-se a publicar contribuições sobre
aspectos relacionados aos problemas de saúde da população e à organização dos serviços e
sistemas de saúde e áreas correlatas. Serão aceitas para publicação as contribuições escritas
preferencialmente em português, de acordo com as normas da RBSP publicadas, obedecendo a
ordem de aprovação pelos editores.
CATEGORIAS ACEITAS:
1. Artigos originais
1.1 Pesquisa: artigos apresentando resultados finais de pesquisas científicas (10 a
15 laudas).
1.2 Ensaios: artigos com análise crítica sobre um tema específico (5 a 8 laudas).
1.3 Revisão: artigos com revisão crítica de literatura sobre tema específico,
solicitados pelos editores (8 a 10 laudas).
2. Comunicações: informes de pesquisas em andamento, programas e relatórios
técnicos (5 a 8 laudas).
3. Teses e dissertações: resumos de dissertações de mestrado e de teses de
doutorado/livre docência defendidas e aprovadas em universidades brasileiras
(máximo 2 laudas). Os resumos devem ser encaminhados com o título oficial da
tese, dia e local da defesa, nome do orientador e local disponível para consulta.
4. Resenha de livros: resenhas de livros publicados sobre temas de interesse,
solicitados pelos editores (1 a 4 laudas).
5. Relato de experiências: apresentando experiências inovadoras (8 a 10 laudas).
6. Carta ao editor: carta contendo comentários sobre material publicado (2 laudas).
7. Editorial: de responsabilidade do editor, podendo ser redigido por convidado por
solicitação deste.
8. Documentos: de órgãos oficiais sobre temas relevantes (8 a 10 laudas).
ORIENTAÇÕES AOS AUTORES
INSTRUÇÕES GERAIS PARA ENVIO
Os trabalhos a serem apreciados pelos editores e revisores seguirão a ordem de
recebimento e deverão obedecer aos seguintes critérios de apresentação.
195
Devem ser encaminhadas à secretaria executiva da revista três cópias impressas. As
páginas devem ser formatas em espaço duplo com margem de 3cm à esquerda,
fonte Times New Roman, tamanho 12, página padrão A4, numeradas no canto
superior direito (não numerar as páginas contendo tabela, gráfico,
desenho ou figura).
Podem também ser enviados para o e-mail da revista, desde que não contenham
desenhos ou fotografias digitalizadas.
Uma cópia em disquete deverá ser entregue com a versão final aceita
para publicação.
ARTIGOS
Folha de rosto: deve constar, o título (com versão em inglês), nome(s) do(s)
autor(es), principal vinculação institucional de cada autor, orgão(s) financiador(es) e
endereço postal e eletrônico de um dos autores para correspondência.
Segunda folha: iniciar com o título do trabalho sem referência à autoria e acrescentar
um resumo de no máximo 200 palavras, com versão em inglês (abstract).
Trabalhos em espanhol ou inglês devem também ter acrescido o resumo em
português. Palavras-chave (3 a 8) extraídas do vocabulário DECS (Descritores em
Ciências da Saúde/ www.decs.bvs.br) para os resumos em português e do MESH
(Medical Subject Headings / www.nlm.nih.gov/mesh) para os resumos em inglês.
Terceira folha: Título do trabalho sem referência à autoria e início do texto com
parágrafos alinhados nas margens direita e esquerda (justificados), observando a
seqüência: introdução, incluindo justificativas, citando os objetivos no último
parágrafo; material e métodos; resultados; discussão; e referências. Digitar
em página independente os agradecimentos, quando necessário.
TABELAS, GRÁFICOS E FIGURAS
Obrigatoriamente, os arquivos das tabelas, gráficos e figuras devem ser digitados em
arquivos independentes e impressos em folhas separadas. Estes arquivos devem ser
compatíveis com processador de texto “Word for Windows” (formatos: PICT, TIFF,
196
Revista Baiana
de Saúde Pública
GIF, BMP). O número de tabelas, gráficos e, especialmente, ilustrações deve ser o
menor possível. As ilustrações, figuras e gráficos coloridos somente serão publicados
se a fonte de financiamento for especificada pelo autor. No texto do item
resultados, as tabelas, gráficos e figuras devem ser numeradas por ordem de
aparecimento no texto, com algarismos arábicos e citadas em negrito (e.g. “... na
Tabela 2 as medidas ..) Tabela (não utilizar linhas verticais), Quadro (fechar com
linhas verticais as laterais). O título deve ser objetivo e situar o leitor sobre o
conteúdo, digitado após o número da Tabela, Gráfico, etc., e.g.: Gráfico 2.
Número de casos de AIDS no Brasil de 1986 a 1997, distribuído
conforme a região geográfica.
Figuras reproduzidas de outras fontes já publicadas devem indicar esta condição na
legenda.
ÉTICA EM PESQUISA
Trabalho que tenha implicado em pesquisa envolvendo seres humanos ou outros
animais deve vir acompanhado de cópia de documento que atesta sua aprovação
prévia por um Comitê de Ética em Pesquisa (CEP), além da referência em material e
métodos.
REFERÊNCIAS
Preferencialmente, qualquer tipo de trabalho encaminhado (exceto artigo de
revisão), deverá ter até 30 referências.
As referências no corpo do texto deverão ser numeradas em sobrescrito,
consecutivamente, na ordem em que forem mencionadas a primeira vez no texto.
As notas explicativas e/ou de rodapé são permitidas e devem ser ordenadas por
letras minúsculas em sobrescrito.
As referências devem aparecer no final do trabalho, listadas pela ordem de citação,
seguindo as regras propostas pelo Comitê Internacional de Editores de Revistas
Médicas, disponíveis em: http://www.icmje.org ou www.abec-editores.com.br
(Requisitos uniformes para manuscritos apresentados a periódicos biomédicos/
Vancouver).
197
Exemplos:
a) LIVRO
Acha PN, Szyfres B. Zoonosis y enfermedades transmisibles comunes al hombre y a
los animales. 2ª. ed. Washington: Organizacion Panamericana de la Salud; 1989.
b) CAPÍTULO DE LIVRO
Almeida JP, Rodriguez TM, Arellano JLP. Exantemas infecciosos infantiles. In: Arellano
JLP, Blasco AC, Sánchez MC, García JEL, Rodríguez FM, Álvarez AM, editores. Guía
de autoformación en enfermedades infecciosas. Madrid: Panamericana; 1996. p.
1155-68.
c) ARTIGO
Azevêdo ES, Fortuna CMM, Silva KMC, Sousa MGF, Machado MA, Lima AMVMD, et
al. Spread and diversity of human populations in Bahia, Brazil. Human Biology
1982;54:329-41.
d) TESE E DISSERTAÇÃO
Britto APCR. Infecção pelo HTLV-I/II no Estado da Bahia [Dissertação]. Salvador
(BA): Univ. Federal da Bahia; 1997.
e) RESUMO PUBLICADO EM ANAIS DE CONGRESSO
Santos-Neto L, Muniz-Junqueira I, Tosta CE. Infecção por Plasmodium vivax não
apresenta disfunção endotelial e aumento de fator de necrose tumoral-a (FNT-a) e
interleucina-1b (IL-1b). In: Anais do 30o. Congresso da Sociedade Brasileira de
Medicina Tropical. Salvador, Bahia; 1994. p.272.
f) DOCUMENTO EXTRAÍDO DE ENDEREÇO DA INTERNET
[autores ou sigla e/ou nome da instituição principal]. [Título do documento ou artigo]
Extraído de [endereço eletrônico], acesso em [data].
Exemplo:
COREME, Comissão de Residência Médica do Hospital Universitário Professor
Edgard Santos (HUPES) da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Regimento
198
Revista Baiana
de Saúde Pública
Interno da COREME. Extraído de [http://www.hupes.ufba.br/coreme], acesso em
[20 de setembro de 2001].
Não incluir nas “Referências” material não-publicado ou informação pessoal. Nestes
casos, assinalar no texto: (i) FF Antunes Filho, Costa SD: dados não-publicados; ou
(ii) JA Silva: comunicação pessoal, 1997. Todavia, se o trabalho citado foi aceito
para publicação, incluí-lo entre as referências, citando os registros de identificação
necessários (autores, título do trabalho ou livro e periódico ou editora), seguido da
expressão latina In press e o ano.
Quando o trabalho encaminhado para publicação tiver a forma de relato de
investigação epidemiológica, relato de fato histórico, comunicação, resumo de
trabalho final de curso de pós-graduação, relatórios técnicos, resenha bibliográfica e
carta ao editor, o(s) autor(es) deve(m) utilizar linguagem objetiva e concisa, com
informações introdutórias curtas e precisas, delimitando o problema ou a questão
objeto da investigação. Seguir as orientações para referências, gráficos, tabelas e
figuras.
As contribuições encaminhadas só serão aceitas para apreciação pelos
editores e revisores se atenderem às normas da revista.
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199
200
Revista Baiana
de Saúde Pública
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