Pensamento Economico 27 07 2009
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Pensamento Economico 27 07 2009
Pensamento do Dia Economistas analisam a Economia, o Brasil e o mundo, mundo, na mídia diária 27 07 2009 ---------------------------------------------------------------------------------------------Folha de S.Paulo 27 07 2009 ENTREVISTA DA 2ª - LUC FERRY "Crise mostra impotência pública atual de políticos" Para pensador francês, globalização gerou "desapropriação democrática" A CRISE ECONÔMICA mostra que os dirigentes políticos sofreram nos últimos anos uma "desapropriação democrática" gerada pela globalização, e por isso estão hoje relegados à condição de "impotência pública". A opinião é de um dos maiores pensadores europeus, o filósofo e intelectual francês Luc Ferry, que fala com a autoridade de quem atuou tanto na esfera acadêmica como no setor privado e no governo. Antes de chefiar um grupo de reflexão socioeconômica no governo do presidente Nicolas Sarkozy, deu aulas na prestigiosa École Normale Supérieure, foi consultor de multinacional e ministro da Educação entre 2002 e 2004, no governo Jacques Chirac. SAMY ADGHIRNI DA REPORTAGEM LOCAL Em entrevista à Folha por e-mail, Luc Ferry previu um fortalecimento das instâncias de governo e traçou semelhanças entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, seu colega francês, Nicolas Sarkozy, e o primeiro-ministro italiano, Silvio Berlusconi. O filósofo também rebateu críticas de que teria se alienado ao vestir a camisa de um governo. FOLHA - O sr. crê que a globalização mudou a maneira de governar e de fazer política? LUC FERRY - Sim. No universo globalizado em que estamos mergulhados, as ferramentas tradicionais das políticas nacionais se tornam cada dia menos relevantes. O maior fenômeno desta virada de século é a impotência pública, o fato de nossos políticos terem perdido praticamente todo o poder diante de um desenvolvimento globalizado que lhes escapa por toda parte. É o grande problema da política moderna: a questão hoje não é mais somente o que fazer, mas principalmente como recuperar o controle, como recuperar um pouco de poder e de margem de manobra. É o que eu chamo de desapropriação democrática. Há 50 anos essas interrogações não existiam, e as políticas funcionavam num plano essencialmente nacional. FOLHA - O sr. acredita que as instâncias de governo sairão fortalecidas da atual crise econômica global? FERRY - Sim, claro. Isso será necessário para resolver o problema duplo levantado pela crise. Primeiro: como reatar com um crescimento acarretado pela riqueza verdadeira, e não pelo endividamento. Segundo: como recuperar o controle sobre um mundo globalizado que nos escapa por todos os lados, tanto no plano econômico como no ecológico. É esse o grande desafio do G20 [grupo das 20 maiores economias do mundo], e é por isso que o grupo tem um longo caminho pela frente. FOLHA - A crise revelou alguma falha estrutural no funcionamento das sociedades modernas? FERRY - Antes de mais nada, é preciso refletir sobre a natureza da crise, pois há muita besteira sendo contada por aí. Ao contrário do que se diz, não se trata de uma crise financeira, mas de uma crise econômica no sentido tradicional. A visão ingênua pela qual existem uma "boa economia", a economia "real" e uma economia "ruim", a economia especulativa, não resiste à análise. Os países ocidentais mais industrializados, os Estados Unidos particularmente, conheceram nos anos 90 uma forte bipolarização do mundo do trabalho. Nessa época, criou-se um cenário onde havia, de um lado, trabalhadores altamente qualificados e bem-remunerados e, do outro, uma massa de trabalhadores mal paga por ser menos qualificada. Ou seja, a globalização fez as classes médias minguarem. O problema é que eram elas que geravam o crescimento e que mais consumiam. Foi nesse cenário que surgiu nos EUA o recurso ao endividamento maciço dos lares mais populosos e menos ricos, os famosos "subprimes". A partir daí não foram mais os salários das classes médias que geraram crescimento, mas o endividamento dos pobres. Em outras palavras, a riqueza passou a ser aumentada não mais a partir da riqueza em si, mas a partir de dívidas! E assim multiplicaram-se nos EUA, nos últimos 15 anos, sistemas de empréstimo de alto risco. Foi no contexto dessa nova lógica econômica que a crise financeira veio se inserir. Demorou até os créditos de risco serem transformados em títulos que acabaram espalhados por bancos do mundo todo e viraram, com o apoio das agências de classificação de risco, produtos financeiros de difícil leitura. É evidente que esse processo só aconteceu graças à cumplicidade de banqueiros, incluindo o banco central americano, que sabia muito bem o que estava acontecendo. Mas o importante é que o mundo financeiro, por mais culpado seja, não está na raiz da crise, que é antes de mais nada uma crise da economia real. O que é evidentemente bem mais grave... FOLHA - Como o sr. explica o fato de Lula, mesmo após dois mandatos repletos de denúncias contra seu partido e seus aliados, ainda ter popularidade tão alta? FERRY - Pode se dizer a mesma coisa de [Silvio] Berlusconi na Itália ou de [Nicolas] Sarkozy na França. Boa parte da imprensa os vive criticando, e mesmo assim ganham eleições. De onde vem essa defasagem entre a população e a imprensa? A mídia, na sua essência, precisa ser crítica. Como se diz na França, não se pode escrever uma boa matéria para falar dos trens que chegam na hora. Esse é, de fato, o papel da mídia, mas isso pode acabar a distanciando do povo. A população não tem a obrigação de sempre criticar e, paradoxalmente, às vezes entende melhor que os observadores profissionais a dificuldade de ser político. FOLHA - O que o sr. acha dos presidentes Sarkozy e Barack Obama, que divulgam abertamente sua vida privada? FERRY - É antes de mais nada um bom tema de reflexão para os jornalistas. Afinal de contas, são eles que correm atrás dos furos relacionados à vida privada dos políticos. O público adora e dá audiência, só isso. FOLHA - Como o sr. avalia a onda de esperança global gerada pela chegada ao poder de Obama? FERRY - Há 50 anos, Obama nem sequer teria sido aceito em uma universidade em seu país. E hoje ele é presidente. É normal que essa mudança absoluta exerça um fascínio, não? A esperança é formidável, éramos milhões a contar os dias para a saída de [George W.] Bush. Afinal, Obama vem de uma família de muçulmanos, o que significa que ele pode melhor do que ninguém ajudar a evitar o famoso conflito de civilizações, principal ameaça que pesa sobre o século 21. FOLHA - O debate sobre a burca [véu muçulmano que cobre inteiramente o corpo da mulher] na França traz à tona a questão do relativismo cultural: impor um modo de pensar como sendo melhor que outro não contribui para acirrar o choque de civilizações previsto por Samuel Huntington? FERRY - Muita gente atribui um monte de besteiras a Samuel Huntington sem ter lido seu livro ("O Choque das Civilizações e a Recomposição da Nova Ordem Mundial"), que na verdade é ótimo. Em primeiro lugar, ele nunca estimulou o choque de civilizações, muito pelo contrário. Ele sempre recomendou que o governo americano praticasse o diálogo e a moderação diante do islã. Huntington inclusive se opôs à Guerra do Iraque. Mas é fato que existe, sim, um verdadeiro choque com o islã radical, e a burca, ao contrário de uma opinião comum totalmente errada, não tem nada de símbolo religioso. Ela não consta em lugar nenhum na lista das obrigações determinadas pela religião muçulmana às mulheres. A burca é um sinal de vínculo ao fundamentalismo. Ela significa que as mulheres não devem ter lugar na esfera pública e que elas devem ficar em casa. Se saírem, elas têm de se dissimular. Devemos aceitar essa concepção do lugar da mulher? Respondo tranquilamente não, cem vezes não. E eu não digo isso porque defendo uma tradição cultural ocidental, mas porque penso que as mulheres simplesmente fazem parte da humanidade. Nesse tema, o relativismo é sempre cúmplice dos totalitarismos. FOLHA - Um filósofo que, como o senhor, se associa a um governo não acaba perdendo sua liberdade de pensar e falar? FERRY - Enquanto se é membro de um governo, é preciso ater-se ao princípio de solidariedade, o que obviamente ofusca a liberdade de expressão. Mas ninguém é obrigado a entrar num governo, nem a ficar nele. Nada impede de ir embora, mas quando se decide permanecer, é preciso ser coerente com seu compromisso. Muitos pensadores franceses, inclusive alguns dos maiores, como [Alexis de] Tocqueville, [André] Malraux e Victor Hugo encararam esse desafio inerente à vida política. Por quê? Simplesmente porque aquele que não se compromete pode se gabar de ter mãos puras, mas na verdade ele não tem mãos. Tenho paixão por filosofia, é sem sombra de dúvida a vocação da minha vida. Mas eu não poderia ter passado a vida inteira como professor de universidade sem ter a curiosidade de observar de perto a realidade histórica e sem participar, ainda que modestamente, da construção da história. É apaixonante, e aprende-se muito sobre a realidade, da qual o filósofo jamais deve se afastar. --------------------------------------------------Folha de S.Paulo 27 07 2009 LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA Imigração e nacionalismo Aos imigrantes não resta alternativa senão lutar para que o país respeite seu direito ao multiculturalismo A EMIGRAÇÃO dos povos pobres para os países ricos é hoje fenômeno social global que mostra o caráter inescapável do nacionalismo. O mundo seria mais belo se fosse uma grande comunidade e não existissem nações, mas isso só acontecerá quando as desigualdades diminuírem a ponto de se estabelecer um Estado mundial. Enquanto isso não ocorrer, o nacionalismo estará entre nós e tanto poderá significar a legitimação do poder dos povos mais poderosos sobre os demais (imperialismo) quanto a ideologia necessária para que os povos mais fracos se defendam. Tanto poderá ser um nacionalismo étnico e agressivo quanto um patriotismo defensivo. O nacionalismo é a ideologia de formação do Estado-Nação. Alguém é nacionalista se preenche duas condições: primeiro, se entende que é obrigação do governo de seu país defender os interesses dos seus habitantes e, segundo, se considera que, ao tomar decisões, esse governo deve pensar por conta própria em vez de se submeter aos conselhos e pressões dos países mais ricos. Assim definido, o nacionalismo é econômico e pode ser apenas defensivo. Já o nacionalismo econômico agressivo caracteriza os países ricos que exploram os mais fracos, mas seus cidadãos acreditam que os estão ajudando ou bem orientando. Quanto ao nacionalismo étnico, é o nacionalismo perverso das pessoas e povos que discriminam de acordo com o critério da raça, da religião ou da origem nacional. É o nacionalismo que afirma que cada conjunto étnico homogêneo deve ter seu próprio Estado-Nação; é o nacionalismo que, ao rejeitar a imigração, se confunde com o nacionalismo econômico. O nacionalismo econômico é inevitável porque o mundo e cada indivíduo estão organizados em famílias, organizações e países que competem e colaboram entre si. Dificilmente será reeleito um governo de um país rico se não tomar decisões de acordo com os interesses nacionais. Nesses países, o nacionalismo hoje é econômico e étnico. Poucos são os cidadãos que têm dúvida de qual seja o papel de seu governo, poucos são os que reconhecem a exploração dos países mais fracos, e muitos são aqueles que discriminam e rejeitam os imigrantes. Todos defendem seus salários que sofrem concorrência do trabalho barato dos imigrantes, e felizmente um número muito menor defende sua "pureza étnica". Na Europa e no Japão, existe um verdadeiro cerco contra os imigrantes. Nos EUA, o quadro é apenas um pouco melhor. Na Itália, uma nova lei acaba de classificar a situação de imigrante clandestino como crime. Os imigrantes ficam sujeitos não apenas a serem extraditados mas, adicionalmente, a cumprir pena por terem imigrado. Existem naturalmente aqueles que não estão de acordo com essa discriminação, como mostra um belo filme francês em exibição em São Paulo, "Bem-Vindo". Na Europa, os partidos de esquerda resistem a essa discriminação, mas essa é talvez a principal razão por que têm tido maus resultados eleitorais. Em certos casos, a única defesa contra o nacionalismo dos outros é o nosso nacionalismo, é nos organizarmos como Estado-Nação. Mas essa alternativa não existe para os imigrantes. Não lhes resta alternativa senão, de um lado, se integrarem nas sociedades para onde emigram e, de outro, lutar para que o país respeite seu direito ao multiculturalismo. Ambos são processos sociais e políticos difíceis, plenos de contradições. Enquanto não se completarem, haverá muito sofrimento dos imigrantes e muita tensão social nos países ricos. LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA, 75, professor emérito da Fundação Getulio Vargas, exministro da Fazenda (governo Sarney), da Administração e Reforma do Estado (primeiro governo FHC) e da Ciência e Tecnologia (segundo governo FHC), é autor de "Macroeconomia da Estagnação: Crítica da Ortodoxia Convencional no Brasil pós-1994". ----------------------------------------Valor Econômico 27 06 2009 O BNDES e as escolhas futuras Fabio Giambiagi O papel do BNDES para o desenvolvimento é um tema envolto em controvérsia. Curiosamente, porém, ele é pouco discutido em profundidade. Contam-se nos dedos as teses acadêmicas sobre o assunto e nas polêmicas jornalísticas as posições são muitas vezes contaminadas pelo viés ideológico dos participantes do debate. Esclareço que, como sou do BNDES, não sou neutro no assunto (mesmo deixando registrado que as opiniões aqui expressas são pessoais e não institucionais). Há bons argumentos que justificam a existência de uma instituição como o BNDES. Entre eles, sua atuação contracíclica nas crises, a assunção de riscos que instituições financeiras privadas possivelmente não assumiriam e a geração de externalidades positivas sobre a economia, não computadas no cálculo do retorno privado dos financiamentos. Creio, ainda, que o ocorrido na crise recente pela qual o mundo está passando reforça o papel das instituições financeiras estatais. Mais de 30% da expansão do crédito entre setembro de 2008 e maio de 2009 correspondeu à variação das operações de crédito do BNDES, que em setembro respondiam por apenas 16% do estoque de crédito, sendo que, além disso, para o crédito direcionado habitacional, com destaque para a Caixa Econômica, tais percentuais foram de 12% e 5%, respectivamente. Tal fato indica que a atuação contracíclica do Estado está jogando um papel importante no sentido de evitar que se repita aqui uma contração creditícia como a observada em outros países. Em circunstâncias como as que o país enfrentou em 2009, há um papel emergencial relevante a ser assumido por uma instituição de desenvolvimento fato que pode ser constatado no mundo inteiro. Porém, isso é muito diferente de supor que a amplitude das atividades do Banco deva ser mantida no longo prazo, uma vez superada a crise atual. O BNDES é um banco que, em termos nominais, desembolsou R$ 47 bilhões em 2005 e vai a caminho de desembolsar em torno de R$ 105 bilhões em 2009, o que significa passar de 2,2% do PIB naquele ano para algo em torno de 3,5% do PIB no ano em curso (ver gráfico). As questões que dizem respeito ao financiamento do desenvolvimento devem ser debatidas pela sociedade e ocupar papel central no desenho das políticas. Com esse propósito, em conjunto com Manoel Amorim e Fernando Rieche, publicamos em junho/2009 na Revista do BNDES o artigo "As finanças do BNDES: evolução recente e tendências", da qual foi extraída a tabela. Os recursos totais do FAT respondiam em 2001 por 49% do passivo e em 2006 chegaram a representar 60% dele, proporção essa que em 2008 caiu para 46% do total. Já a parcela que cabe ao Tesouro passou a aumentar em épocas mais recentes, prevendo-se que mantenha tal dinâmica em 2009/2010. O país precisa discutir melhor o que fazer com as políticas do BNDES e o volume das suas operações. Incidem sobre a instituição demandas contraditórias: exige-se do BNDES que ele diminua o spread, aumente o prazo e o valor dos desembolsos, gere um bom lucro e pague dividendos expressivos ao Tesouro - que, na média de 2006/08, foram 40% maiores que os da Petrobras. Até 2007, o Banco conseguiu cumprir com todos esses objetivos graças ao êxito das suas operações de renda variável, mas os fatos de 2008 mostraram que há limites para essa estratégia. Já nos últimos tempos, a forma de equacionar tais compromissos foi assumir um endividamento maior junto à União. No longo prazo, porém, não é claro que isso seja possível, pois implicaria supor empréstimos maciços a serem feitos pelo Tesouro ao BNDES todos os anos. Cedo ou tarde, será preciso fazer escolhas difíceis. É preciso definir na próxima década quais devem ser o papel, o tamanho e o raio de atuação do BNDES. Existem áreas nas quais o apoio do Banco será fundamental, mas em outras ele deve ceder espaço ao mercado. Há questões que são cruciais. O país quer um BNDES que empreste a cada ano 3,5% ou 4% do PIB por ano ou que, passada a crise, volte a operar em um patamar inferior de desembolsos? Em um Brasil de juros baixos, a atuação do Banco deve ser complementar à dos bancos privados ou haverá concorrência entre o BNDES e o mercado? Ou ainda, qual é o custo fiscal aceitável associado à atuação de um banco de desenvolvimento, comparativamente ao custo da dívida mobiliária? Precisamos debater estas e outras indagações, de modo a estabelecer uma política de Estado para a atuação do BNDES. Isso implica responder à maior pergunta de todas: "O que o Brasil quer que o BNDES faça?", o que, creio, é uma questão em aberto. Os números do texto citado acima são uma modesta tentativa de contribuir para esse debate necessário. Fabio Giambiagi, economista, co-organizador do livro "Brasil Globalizado" (Editora Campus), escreve mensalmente às segundasfeiras. [email protected] ----------------------------------------------Valor Econômico 27 07 2009 A ideia de que os Estados Unidos poderão livrar-se de seu endividamento parece irrealista. Todos os caminhos levam à China Por Barry Eichengreen Somente mediante colaboração entre China e EUA é que esses países poderão tirar a economia mundial de sua atual depressão Agora que definharam os "brotos verdes" da recuperação, o debate sobre o estímulo fiscal voltou com força redobrada. Nos EUA, quem defende outro pacote de estímulo observa ter sido um anseio irrealista acreditar que um pacote de US$ 787 bilhões poderia compensar uma queda de US$ 3 trilhões em gastos privados. Mas o desemprego cresceu ainda mais e mais rapidamente do que esperado. Isso, associado à queda continuada nos preço das moradias, torna compreensível que os gastos dos consumidores continuem deprimidos. Os bancos, tendo sido recapitalizados apenas na medida necessária para mantê-los à tona, continuam com balanços patrimoniais frágeis. Sua resultante relutância em conceder empréstimos limita os investimentos. Por outro lado, os governos estaduais americanos, vendo quedas em suas receitas decorrentes de rendas tributáveis mais baixas no ano passado, estão cortando gastos como loucos. Se havia justificativas para um estímulo adicional em fevereiro passado, os argumentos agora são ainda mais fortes. Mas os argumentos contra um estímulo adicional são também ponderáveis. O déficit federal americano é de alarmantes 12% do Produto Interno Bruto (PIB) e as projeções já indicam que a dívida pública, como fração da renda nacional, deverá dobrar, para 80% do PIB. A ideia de que os Estados Unidos poderão livrar-se, gradual e autonomamente, de sua carga de endividamento, como fizeram a Finlândia e a Suécia após suas crises financeiras na década de 90, parece irrealista. Em vista disso tudo, mais gastos deficitários apenas alimentarão temores de maiores impostos e inflação futuras. Isso incentivará o ressurgimento de desequilíbrios em nível mundial e não tranquilizará consumidores ou investidores. É possível discutir o quadro econômico dos dois pontos de vista, mas do ângulo político tudo aponta numa direção. O Congresso americano não demonstra apetite por outro pacote de estímulo. Os congressistas já sofreram intensas críticas por não colocarem ordem na casa fiscal do país. A lentidão com que o primeiro estímulo foi implementado e o fato de que levará ainda mais tempo para que seus plenos efeitos venham a ser sentidos são mais combustível para o discurso de analistas e especialistas. O desapontamento diante dos efeitos do Programa de Socorro a Ativos Problemáticos (Tarp, na sigla em inglês) já liquidou o apoio popular - e do Congresso - a mais dinheiro público para recapitalizar os bancos. Assim, mesmo aqueles que julguem convincente a lógica econômica de argumentos em favor de ativismo fiscal devem reconhecer que as condições políticas não são favoráveis. Um segundo estímulo é simplesmente carta fora do baralho. Para que haja maior demanda agregada, ela poderá vir de um único lugar. Esse lugar não é a Europa ou o Japão, onde o endividamento é ainda mais elevado do que nos EUA - e as precondições demográficas para reduzi-lo são ainda menos favoráveis. Ao contrário, a solução está em mercados emergentes como a China. O problema é que a China já fez muita coisa para estimular a demanda interna, tanto mediante gastos governamentais como instruindo seus bancos a conceder empréstimos. Em consequência, seu mercado acionário está em efervescência e os chineses vivem um alarmante boom no mercado imobiliário. Em maio, os preços dos imóveis subiram 18% em relação a doze meses antes. Compreensivelmente, as autoridades chinesas estão preocupadas com problemas característicos de bolhas. A maneira óbvia de equacionar a quadratura desse círculo seria gastar mais em importações. A China pode comprar mais maquinário industrial, equipamentos de transportes e material para a produção de aço, que estão entre suas principais importações provenientes dos EUA. Orientar os gastos no sentido da importação de bens de capital evitaria superaquecer os próprios mercados chineses, incrementaria a capacidade produtiva da economia (e, portanto, sua possibilidade futura de crescer) e fortaleceria a demanda por produtos americanos, europeus e japoneses exatamente no momento em que esse estímulo é mais necessário. Essa estratégia não é imune a riscos. Permitir que o yuan valorize, como uma maneira de estimular importações, poderá também desestimular as exportações, tradicional motor do crescimento chinês. E baixar as barreiras aduaneiras a importações poderá redirecionar mais gastos para a aquisição de produtos estrangeiros do que pretendam as autoridades. Mas vale a pena assumir esses riscos, se a China deseja realmente um papel de liderança mundial. A pergunta é: o que a China obterá em contrapartida. E a resposta nos leva de volta exatamente ao ponto de onde partimos, ou seja, à política fiscal americana. A China está preocupada com uma eventual desvalorização de seu US$ 1 trilhão investido em títulos do Tesouro dos EUA. Os chineses querem ter certeza de que os EUA honrarão seu endividamento. Por isso, a China quer ver um programa convincente de equilíbrio orçamentário americano após o fim da recessão. E, apesar do que diz, o governo Obama ainda não ofereceu um roteiro convincente de consolidação fiscal. Se o fizesse, tranquilizaria os contribuintes americanos preocupados com os atuais déficits. Igualmente importante, também tranquilizaria as autoridades governamentais chinesas. Vivemos em um mundo multipolar onde tanto os EUA como a China não são suficientemente grandes para exercer individualmente uma liderança econômica mundial. Para a China, liderança significa assumir riscos adicionais. Mas para que isso seja tolerável, os EUA precisam eliminar os riscos existentes que preocupam a China. Somente mediante colaboração os dois países poderão tirar a economia mundial de sua atual depressão. Barry Eichengreen é professor de economia na Universidade da Califórnia, Berkeley. © Project Syndicate/Europe´s World, 2009. www.project-syndicate.org -----------------------------------------------------O Estado de S.Paulo 27 06 2009 G de quantos? Marcelo de Paiva Abreu* Grupo dos 7+1, G-14 ou G-20? Em meio à proliferação de Gs paira a indefinição quanto aos papéis que terão no futuro os foros de chefes de Estado das maiores economias mundiais. Existem ideias contrastantes em relação às configurações desejáveis. Enquanto a economia mundial estava em expansão, a participação de um grupo de economias desenvolvidas de maior porte em tais cúpulas funcionou a contento. Com o sistema financeiro internacional em crise, houve espaço para a ampliação do número de países envolvidos. Isso decorreu do reconhecimento da natureza global da crise e também da importância das economias emergentes - especialmente da China - tanto como parceiros comerciais quanto como detentoras de ativos em moedas de economias centrais com credibilidade abalada. O lançamento do G-6, em 1975 -, que logo se transformaria em G-7 com a inclusão do Canadá e, bem depois, em G-7+1, com a inclusão capenga da Rússia, em 1997 - resultou de diagnóstico crítico sobre a eficácia de organizações com representação universal, especialmente das Nações Unidas. Enquanto o grupo incluía apenas economias desenvolvidas, a questão de representatividade não assumiu grande importância, embora houvesse claramente um supergrupo composto por Estados Unidos, Alemanha e Japão, um subgrupo inercial, incluindo o Reino Unido, a França e a Itália, além da curiosa inclusão do Canadá, na categoria de supervizinho. A pergunta crucial a responder atualmente é quais países deveriam estar representados nas cúpulas futuras, tendo em conta critérios que assegurem eficácia e, ao mesmo tempo, representação adequada dos interesses do numeroso grupo de economias em desenvolvimento - G-90, sucessor do G-66 por um grupo reduzido de economias emergentes. A ampliação da representação de países nas cúpulas de chefes de Estado assumiu dois formatos na crise. Um deles foi a adição, ao G-7+1, do G-5, grupo das cinco maiores economias em desenvolvimento, com alguma acomodação regional: Brasil, China e Índia, completando o Bric; África do Sul, para assegurar a representação africana; e o México, na categoria de subvizinho dos Estados Unidos. A atuação desses países tem sido restrita a tópicos específicos, definidos discricionariamente pelos membros permanentes do grupo. Com base na história parcimoniosa de expansão do escopo do G7+1, tem ganhado força a ideia de constituir um G-14, que resultaria da soma do G-7+1, do G-5 e do Egito. O outro formato de ampliação da representatividade das cúpulas foi o G-20, que usou como plataforma um foro preexistente de cooperação e consulta quanto a assuntos relacionados ao sistema financeiro internacional, já constituído desde o final da década de 1990, que reunia ministros de Finanças e presidentes de bancos centrais. O grupo inclui, além de todas as economias do G-14, à exceção do Egito, a Argentina, a Arábia Saudita, a Austrália, a Coreia do Sul, a Indonésia e a Turquia. O Brasil tem enfatizado a sua preferência pelo G-20 - que melhor atenderia à defesa dos interesses nacionais - e reiterado a crença no óbito do G-7+1. A estridente declaração de morte do G-7+1 deve ser lançada à conta das bravatas que têm marcado declarações presidenciais e ministeriais recentes sobre política externa, ao arrepio da tradição cautelosa do Itamaraty. Quem, em sã consciência, duvida de que o que pode acontecer de relevante em cúpulas globais de chefes de Estado decorre da agenda dos grandes protagonistas - talvez três; talvez, agora, quatro, com a China; ou talvez mesmo apenas Estados Unidos e China? O cadáver do G-7+1 parece bastante vivo, quaisquer que sejam as comemorações em Brasília. É claro que cabe ao Brasil tentar explorar da melhor forma possível o aumento do modesto espaço de manobra disponível para fazer vingar propostas que melhor representem os interesse nacionais. Mas braggadocio não contribui para aumentar o espaço de manobra, e talvez o diminua. Há muito espaço para posições intermediárias entre ser vira-lata ou simplesmente basbaque. A prevalecer o formato G-20, há ainda a computar os custos colaterais associados à reformatação do G-20 da Organização Mundial do Comércio (OMC), que, por refletir coalizão entre economias emergentes, terá de ser rebatizado em nome da diferenciação em relação ao seu homônimo mais nutrido. Críticas ao G-14, talvez indevidamente centradas no histórico de negociações no âmbito estritamente financeiro e, portanto, sem levar em conta a transformação do grupo em foro de chefes de Estado, ressaltam que África do Sul, Egito e México têm demonstrado "pouca capacidade de atuar de forma independente". Mas não é claro se esse juízo se sustentaria se a agenda fosse mais geral do que a reforma do Fundo Monetário Internacional (FMI), especialmente em relação à África do Sul. O que justificaria o entusiasmo de Brasília pelo G-20? Tem sido alegado que a Argentina é a "aliada mais próxima" do Brasil. De novo, parece haver confusão entre a negociação estritamente financeira e o papel de uma cúpula permanente de chefes de Estado. Nas negociações financeiras no FMI, o Brasil foi aliado da Argentina, em geral de forma onerosa, em vista do contraste entre a situação macroeconômica dos dois países em meio à crise. Se o G-20 se consolidar como foro global permanente, provavelmente emergirão as dificuldades usuais quando se trata de a Argentina aceitar o Brasil como representante inconteste da América do Sul nos foros internacionais. Talvez o G-20 seja, afinal, o formato preferível. Mas não deve haver ilusões, é um caminho cheio de dificuldades. *Marcelo de Paiva Abreu, Ph.D. em Economia pela Universidade de Cambridge, é professor titular do Departamento de Economia da PUCRio -----------------------------------O Estado de S.Paulo 27 07 2009 O Brasil precisa de mais Carlos Alberto Sardenberg* Com crise ou sem crise, o maior problema das empresas brasileiras - pequenas, médias e grandes - está na carga tributária e na pesada e custosa burocracia necessária para manter impostos em dia. E, entretanto, o que mais se discute no País, inclusive entre as próprias lideranças empresariais, é a dobradinha juros-dólar. Não que não seja importante. Na pesquisa da Confederação Nacional da Indústria (CNI), para o segundo trimestre deste ano, juros altos aparecem como a 4ª maior preocupação das empresas pequenas e médias e a 5ª das grandes. Com o dólar, a relação muda: é o 4º problema das grandes (mais exportadoras), mas cai lá embaixo na escala das pequenas e médias. Por que, então, o debate juros-câmbio ocupa muito mais espaço? Porque parece mais fácil de resolver. Ou, ainda, porque é simples identificar os "suspeitos habituais". O Banco Central (BC), por exemplo, é um óbvio culpado. E de crime duplo, porque, ao manter os juros elevados - tal é o discurso -, encoraja a entrada de dólar especulativo, o que valoriza demais o real. A taxa básica de juros, agora em 8,75% ao ano (a.a.), está no mais baixo patamar desde que o País alcançou a moderna estabilidade, na era do real. Os juros reais, descontada a expectativa de inflação, estão na casa dos 4%, um resultado que ninguém imaginava poucos meses atrás. Há três anos, o então ministro da Fazenda Antonio Palocci fez uma festa danada quando essa taxa real caiu abaixo dos 10%. Tudo bem, diz o pessoal, mas os juros "no resto do mundo" estão perto de zero. Primeiro que não é no resto do mundo nem interessa fazer essa comparação. Os juros na Argentina, por exemplo, são menores, mas não parece que estejamos querendo imitar o modelo dos Kirchners. Mas é verdade que os juros estão perto de zero em muitos países importantes, mais ou menos parecidos com o Brasil. Essa comparação leva à conclusão de que o BC brasileiro está errado. Assim, direto? Não seria o caso de perguntar, antes, se não haveria diferenças entre o Brasil e outros países que explicassem ao menos em parte essa diferença nos juros? Há pontos importantes. Entre os principais emergentes, o Brasil foi o último a abater a inflação e conquistar a estabilidade macroeconômica, e o último a obter o grau de investimento. Não é de estranhar que, ainda hoje, carregue uma memória inflacionária mais pesada, inclusive consagrada em lei. Há muitos preços e contratos indexados à inflação passada, o que impede uma queda mais forte dos índices. Nessa crise, por exemplo, a inflação foi a zero ou passou para o perigoso terreno da deflação em muitos países. No Brasil, só agora está chegando aos 4,5% a.a., justamente por causa daquelas tais correções automáticas de preços, tarifas e contratos. E mais: do salário mínimo, do piso da Previdência, dos salários do funcionalismo, etc. Em vez de enfrentar isso, inclusive a poupança indexada, o que faz o governo? Fixa uma meta de inflação mais elevada, desenvolvendo a tese de que inflação mais alta permite juros mais baixos. Pode até ser, no curto prazo, mas, vejam, é derrubar juros por um mau caminho: o da inflação. Isso é economia de segunda. Se é para comparar com os países de primeira, reparem: no médio e no longo prazos, quem tem metas de inflação mais baixas que a nossa também tem juros mais baixos. Mas é mais fácil atacar a miopia do BC do que se engajar num complexo processo de desindexação da economia. Isso vale para todos: governo e setor privado. Também é mais fácil culpar de novo o BC por deixar o real valorizado e assim tornar as exportações mais caras. Mais fácil isso do que se engajar num complexo processo para desonerar e destravar investimentos em infraestrutura (portos, estradas, ferrovias e aeroportos, por exemplo), que tornariam os produtos brasileiros mais competitivos. Reforma tributária não sai do palavrório. Refazer a legislação e os procedimentos ambientais, nem pensar. Cortar gastos para reduzir impostos, só palavrório. Há anos, por exemplo, o ministro Guido Mantega fala em reduzir os absurdos impostos sobre a folha de pagamento. Tudo considerado, chegamos a um ponto importante: o modelo implantado ao longo dos últimos 15 anos de instalação e aperfeiçoamento do real já deu o que tinha de dar. E foi muita coisa. Mas é preciso uma nova onda de mudanças estruturais para ir adiante. É muito provável que o BC tenha chegado ao seu limite com essa taxa básica de juros de 8,75% ao ano. Pode até cair mais alguma coisinha, mas nada de substancial sem meta de inflação progressivamente mais baixa, até chegar a algo entre 2% e 3%. Para isso, será necessário um amplo programa de desindexação. É muito provável, também, que a capacidade de crescimento do País não passe da casa dos 5% ao ano, o que é bastante se comparado com a situação de alguns anos atrás. Mas o Brasil continuará abaixo da média dos emergentes, como sempre, se não completar reformas que reduzam a carga tributária (e sua burocracia), abram espaço e condições amigáveis para os investimentos privados e ampliem a capacidade de investimento do governo. E, sobretudo, se não fizer a revolução da educação. Tudo mais complicado do que culpar jurosdólar. Ora, dirão, por que então o Brasil é tão bem-visto no cenário internacional? Porque o que se fez até aqui é simplesmente notável. O Brasil saiu de "junk" para "investiment grade", pela boa cartilha. E não é um país qualquer, mas tem um PIB de US$ 1,5 trilhão, um mercado que parte de 3 milhões de automóveis/ano, 180 milhões de celulares, um agronegócio de Primeiro Mundo, enormes possibilidades no petróleo e por aí vai. Uma coisa dessas crescendo 5% a.a. é um bom negócio. Mas para brasileiros que querem prosperar na vida mais depressa seria preciso mais de 5%. *Carlos Alberto Sardenberg é jornalista ECONOMIA & OUTRAS NOTÍCIAS O Estado de S.Paulo 27 07 2009 Anistia para servidores demitidos infla gastos do governo federal Ex-funcionários de empresas já extintas ou privatizadas, como a Vale, serão incorporados em outras funções Lu Aiko Otta, BRASÍLIA Pouco mais de mil pessoas demitidas da mineradora Vale do Rio Doce nos anos 1990, quando a empresa era estatal, poderão ganhar em breve o direito de serem recontratadas como funcionários públicos. No início de agosto, a Comissão Especial Interministerial (CEI), formada para analisar casos de ex-funcionários públicos que alegam ter sido demitidos por perseguição política ou de forma irregular durante o governo Fernando Collor de Mello (1990-1992), vai julgar os processos dos antigos empregados da Vale. Como a mineradora é hoje uma empresa privada, os ex-funcionários anistiados deverão ser absorvidos pelo governo federal, engordando ainda mais a já pesada folha de pessoal do Executivo. O caso da Vale não é único. Também aguardam julgamento na comissão pedidos de reintegração de cerca de 800 funcionários da Telebrás, antiga holding que controlava as companhias telefônicas estaduais antes da privatização. Há também milhares de pedidos de ex-funcionários dos ministérios e de órgãos extintos. Fora da CEI, há outras pressões por empregos no Estado. No Congresso Nacional, tramita um projeto de lei que, se aprovado, obrigará o Banco do Brasil a recontratar funcionários demitidos entre 1995 e 2002, durante o processo de incorporação, pela instituição, de bancos estaduais quebrados. Há propostas ainda mais ousadas . O governo, porém, vem resistindo às pressões. O futuro dos demitidos da Vale, por exemplo, ainda não está claro. Embora a Advocacia-Geral da União (AGU) entenda que há base legal para as recontratações, a área econômica do governo tem dúvidas. Técnicos estranham o fato de a AGU não haver emitido um parecer formal sobre o tema. INTERPRETAÇÃO FORÇADA Integrantes da AGU apenas disseram, nas reuniões da CEI, que é possível recontratar os demitidos porque as funções desempenhadas pela antiga Vale continuam presentes no governo federal, em órgãos como o Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM). Há quem ache essa interpretação um tanto forçada. Quem defende a reintegração alega que os demitidos sofreram perseguição política e a readmissão seria uma forma de compensá-los. O presidente do Sindicato dos Ferroviários do Espírito Santo e Minas Gerais (Sindfer), João Batista Cavaglieri, diz que a motivação foi ideológica. "Eles já estavam preparando as privatizações", disse. Na interpretação da entidade sindical, há controvérsia se os demitidos deveriam ser recontratados pelo governo federal ou pela própria Vale. "A lei é de 1994 e a privatização só ocorreu em 1997", observou Cavaglieri. Ele contou que a recontratação consta todo ano da pauta de reivindicações entregue à mineradora, na época do dissídio salarial.De acordo com o sindicalista, o total de demitidos nos anos 1990 é superior a 10 mil. A maioria conseguiu recolocação no mercado. AUDIÊNCIA CONCORRIDA Há duas semanas, a Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados fez uma audiência pública para discutir a volta dos demitidos da Vale. "Foi a audiência mais concorrida que já tivemos", contou o presidente da comissão, o deputado Luiz Couto (PT-PB). Os participantes tiveram de mudar-se para uma sala maior, que abrigasse a todos. "Foi uma reunião boa porque os membros da Comissão Especial colocaram que há possibilidade de muitos dos demitidos serem anistiados", comentou o parlamentar. ATAQUES À VIÚVA Demitidos e não concursados querem emprego público Vale do Rio Doce Cerca de 1.000 demitidos durante o governo Fernando Collor, quando a Vale era uma estatal, brigam para ser recontratados pelo governo federal. A Comissão Especial Interministerial (CEI) analisará os casos Telebrás Além dos demitidos da Vale, há processos de ex-funcionários da Telebrás também para serem analisados pela CEI Banco do Brasil O projeto de lei 512, que tramita na Câmara dos Deputados, prevê a contratação, pelo Banco do Brasil, de funcionários demitidos entre 1995 e 2002. São cerca de 36 mil trabalhadores, a maior parte deles de bancos estaduais incorporados pelo BB Furnas Funcionários terceirizados querem ser integrados ao quadro da empresa sem prestar concurso público Serviço de Inspeção Federal (SIF) Pessoas contratadas para vistoriar produtos agrícolas para o Serviço de Inspeção Federal (SIF) por meio de convênios do Ministério da Agricultura com governos estaduais e prefeituras pressionam para serem efetivadas como servidoras públicas, com estabilidade na carreira. Para isso, é necessário mudar a Constituição Cedidos Funcionários públicos concursados e cedidos a outros órgãos poderão ter o direito de escolher onde preferem ser efetivados. É o que prevê a PEC 02, de 2003. Em tese, ela está pronta para ser votada Mais de 7 mil já foram reintegrados no governo Lula Lu Aiko Otta, BRASÍLIA Nos sete anos do governo Luiz Inácio Lula da Silva, 7.617 funcionários públicos demitidos na administração de Fernando Collor (1990-1992) conseguiram reaver os empregos. A Comissão Especial Interministerial (CEI), que analisa caso a caso, já examinou 10.567 processos. Ainda há 3.823 pedidos de reintegração na fila, entre eles os da Vale e da Telebrás. A volta desses funcionários tem base na Lei da Anistia, de 1994. Ela garante retorno a servidores demitidos por razões políticas ou por realização de greve. Também podem voltar os afastados por processos que violam a Constituição, leis, regulamentos, acordos, convenções ou sentenças normativas. No caso de órgãos extintos, a lei permite a volta dos que exerciam funções que continuam existindo na administração pública. "As demissões feitas durante o governo Collor foram o maior atentado à democracia da história da República", disse o presidente da CEI, Idel Profeta, frisando o caráter político das demissões. "Não sabendo lidar com a oposição, que tinha base muito organizada pela CUT (Central Única dos Trabalhadores) nos sindicatos, ele começou a desmontar a máquina pública." Segundo Profeta, muitos funcionários conseguiram reaver empregos no governo Itamar Franco (1992-1994), quando a Lei da Anistia foi sancionada. Os dados, porém, foram perdidos, segundo informou o Ministério do Planejamento. Durante o governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), as reintegrações pararam. Foram retomadas no governo Lula, após pressões. A Advocacia-Geral da União (AGU) elaborou parecer favorável à recontratação. A Justiça também proferiu sentenças determinando a reintegração de exfuncionários. Segundo Profeta, a CEI costuma negar os pedidos de reintegração de funcionários que tenham pedido demissão ou ingressado em programas de demissão voluntária (PDV). "Nesse caso, eles demonstram a vontade de deixar o serviço público", explicou. A comissão admite, porém, que há casos em que o funcionário pode ter sido pressionado a pedir demissão. Collor extinguiu órgãos e demitiu funcionários celetistas, que não contavam com estabilidade constitucional. A medida fez parte de estratégia de enxugar os gastos públicos e enfrentar a hiperinflação da época. ------------------------------------------------------Folha de S.Paulo 07 07 2009 Petrobras paga R$ 203 mi a empresa devedora da União Grupo Protemp já utilizou laranjas e teve incremento de 920% nos ganhos com a estatal Empresa diz que questiona débitos na Justiça; contratos com a Petrobras foram por dispensa de licitação e pelo sistema de convite FERNANDO BARROS DE MELLO DA REPORTAGEM LOCAL A Petrobras pagou, de 2003 a junho deste ano, R$ 203,1 milhões a um grupo de empresas de terceirização de mão de obra de Santo André (Grande ABC) que já utilizou laranjas e tem uma dívida milionária cobrada pela União, entre débitos tributários e previdenciários. As empresas possuem o mesmo nome -Protemp-, têm fundadores ou sócios em comum, apresentam o mesmo endereço e estão abrigadas no mesmo site da internet. A própria Petrobras enviou à Folha, em um primeiro momento, os valores como se fossem repassados a uma só empresa. Só depois confirmou que eram três diferentes CNPJs. Dos 27 contratos com a Petrobras desde 2005, 11 foram por dispensa de licitação e 16 pelo sistema de convite, em que a estatal escolhe as empresas que apresentam propostas. Segundo a Petrobras, a Protemp é responsável por funcionários que fazem de análise de dados meteorológicos ou fiscalização de topografia até serviços de limpeza e comunicação. A empresa diz não ter contratos com outros órgãos públicos. Dois CNPJs que receberam verbas da Petrobras estão na Lista de Dívida Ativa da União desde fevereiro de 2009 e não podem obter Certidão Negativa de Débitos, o que impede a contratação. Quem está na lista, diz a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional, "não está parcelando, não tem uma decisão judicial favorável (mesmo que liminarmente) e nem efetuou um depósito como forma de garantia, antes de discutir a validade ou não do tributo". A reportagem apurou que o primeiro débito previdenciário surgiu em 1999. Hoje, a União cobra dívida de R$ 16,99 milhões. A Protemp diz que os contratos foram feitos porque a empresa questiona débitos na Justiça e está parcelando a dívida. A Petrobras afirma que até o último contrato, de outubro de 2008, toda a documentação estava em ordem. O grupo Protemp já prestava serviços à Petrobras antes de 2003, mas em volume menor: R$ 19,9 milhões entre 1995 e 2002, no governo Fernando Henrique Cardoso -crescimento de 920,3% em relação ao período da gestão Lula. Laranjas As empresas com o nome Protemp pertencem, já pertenceram ou foram fundadas pela empresária Sueli do Espírito Santo, sócia majoritária na Protemp SG Prestação de Serviços, aberta em 1998 em nome de Walter Fabri. À Folha Fabri, que trabalha na empresa até hoje, disse que nunca foi sócio. "Sempre fui funcionário." O endereço da sede foi alterado de uma sala em Santana do Parnaíba para o centro de Santo André em 2004. Em 2006, foi aberta a filial do Rio, a cem metros da sede Petrobras. Na internet, a Protemp diz ter sido fundada em 1987. Na verdade, essa era a Protemp Serviços Empresariais, outra da lista de devedores e que recebeu verbas da Petrobras. Criada por Sueli do Espírito Santo e Agostinho João Pinheiro (já morto), ela esteve em nome de duas moradoras da periferia de Santo André. Uma delas, Deolinda Malentachi (que também foi sócia de outra Protemp), morreu em novembro de 2007. Ela tinha uma participação majoritária na empresa, de R$ 296 mil. Mas não deixou bens. A documentação mostra que Deolinda deixou o negócio três dias antes de sua morte. Já a Protemp Consultoria em RH está hoje em nome de ao menos uma laranja. Essa empresa, no entanto, não recebeu da Petrobras. A Folha localizou, na periferia de Santo André, a aposentada Maria Aparecida da Costa, que aparece como sócia da Protemp Consultoria, mas diz ter sido colocada em uma confusão depois que ela perdeu seus documentos. "Pediram para eu assinar uns papéis", afirmou. Maria Aparecida afirmou que, agora, segue orientações de um advogado, que, segundo ela, a procurou há alguns meses. O advogado é Saulo de Lima, de Blumenau (SC). Ex-juiz, foi secretário na gestão do petista Dario Lima e defende o ex-prefeito em outro caso. -------------------------------------Folha de S.Paulo 27 07 2009 TENDÊNCIAS/DEBATES O Círculo das Quartas-Feiras CÁSSIO SCHUBSKY Muito da história brasileira pode ser contado a partir dos círculos de debates, grupos de discussão, entidades muitas vezes sem estatuto MONTANHAS de escândalos. Crise política atrás de crise política. Congresso em frangalhos. Afinal, os partidos políticos são fadados aos joguetes inescrupulosos do poder? A política é mesmo suja, todo mundo é corrupto e estamos definitivamente perdidos? Há salvação no reino (podre) da Dinamarca? Antes que o leitor largue mão da leitura deste texto, esclareço que não defenderei o óbvio: a necessidade de uma reforma política ampla para minimizar os efeitos funestos das nossas seculares práticas políticas. O Brasil tem salvação: depois de muito dilúvio, haverá a bonança -só que, desta feita, para o povo, para a democracia, para os valores autênticos da cidadania ultrajada. E mais não digo, para não transformar este quadrado de papel em palanque. Gostaria de abordar uma outra faceta do ato de fazer política. Falar dos círculos de debates, dos cenáculos, dos grupos informais de encontros que tanto bem podem fazer às comunidades, às cidades e até ao país, quiçá ao mundo inteiro. Muito da história brasileira pode ser contado a partir dessas entidades muitas vezes sem estatuto, sem burocracia, que vivem da vontade de mudar o mundo. Exemplos: o grupo dos inconfidentes em Minas, que fez a conjuração e não iria, obviamente, formalizar seus pleitos em documentos oficiais escritos e ao alcance das autoridades. O movimento abolicionista, que reunia, por exemplo, jovens estudantes como Castro Alves, Rui Barbosa e Joaquim Nabuco em círculos como o Ateneu Paulistano. Ou, então, os inúmeros agrupamentos republicanos, aglutinando de estudantes a fazendeiros, de militares a rebelados de toda ordem. Às vezes as rodas informais de debate e ação política se escondem nas sombras, menos por ardil e mais por anonimato imposto pela história. Eu mesmo tive o enorme privilégio de participar de um desses centros de convivência com importante atuação política. Trata-se do Círculo das QuartasFeiras. Fundado em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal, o círculo, como ficou carinhosamente conhecido, reunia, semanalmente, um seleto grupo de estudantes em torno do saudoso professor Goffredo da Silva Telles Júnior. Na Faculdade de Direito da USP, em cafés da manhã em hotéis ou no escritório do querido mestre, nosso Círculo das Quartas-Feiras reuniu-se por anos a fio, engrandecendo seus membros pela rica convivência. Além disso, teve destacado papel político na recente história brasileira. Fato pouco sabido. E quase nada divulgado. Foi por iniciativa do círculo que se impetrou, ainda em outubro de 1988, o primeiro mandado de segurança coletivo da história brasileira, em defesa de milhares de servidores estaduais paulistas em greve, que queriam ter garantido o sagrado direito de reunião pacífica em frente ao Palácio dos Bandeirantes, época em que a polícia do governo Quércia reprimia os manifestantes com truculência. Tudo começou com uma conjectura sobre mudanças havidas na nova Constituição. E terminou em uma ação judicial de grande repercussão no meio jurídico e na opinião pública. Também partiu do Círculo das Quartas-Feiras o primeiro grito pelo impeachment do então presidente Collor, assim que seu governo decretou medidas flagrantemente inconstitucionais, como o confisco da poupança. O que era só uma revolta de um grupo de estudantes em torno de um professor ilustre transformou-se em ação de esclarecimento de inúmeros círculos políticos e jurídicos. Quando os escândalos de corrupção se avolumaram no noticiário, a cidadania brasileira foi às ruas pelo afastamento constitucional do presidente, e o impeachment se transformou em conversa de todos os grupos de pessoas reunidas informalmente em fábricas, escolas ou botecos. Nem se imagine que as grandes mudanças começam como movimento de massa. Há sempre grupos que conspiram, positivamente, em busca de mudanças mais ou menos profundas do status quo. Às vezes por ação de indivíduos, as campanhas cívicas vão ganhando adeptos, e suas ideias chegam a tornar-se hegemônicas. Jesus Cristo, por exemplo, de perseguido por seu ideal de justiça e fraternidade, passou a messias. Tiradentes, esquartejado, sagrou-se herói. Castro Alves e Luiz Gama, entre tantos outros, viraram líderes da abolição. É assim mesmo: o rastilho de pólvora uma hora se acende, aquece os corações e detona as mais inusitadas reações populares. É sempre hora de arregaçar as mangas, buscar parceiros de convicções, começar uma conversa aqui e outra acolá. E ir à luta! CASSIO SCHUBSKY, formado em direito pela USP e em história pela PUC-SP, editor e historiador, é organizador do livro "Estado de Direito Já! - Os Trinta Anos da Carta aos Brasileiros". ---------------------------Folha de S.Paulo 27 07 2009 Nos EUA, crise migra para o setor comercial FERNANDO CANZIAN DE NOVA YORK Duas entre cada dez lojas na famosa 5ª Avenida em Manhattan, entre as ruas 42 e 49, estão fechadas. Várias delas, desde o início do ano. Em locais menos nobres nos bairros de Queens e Brooklyn, há ruas com entre 25% e 40% dos imóveis comerciais para alugar ou à venda. A crise do mercado de imóveis residenciais nos EUA vem migrando rapidamente para a área comercial. Suas primeiras vítimas são quatro entre os maiores bancos proporcionalmente mais expostos a esse mercado, Wells Fargo, US Bancorp, SunTrust e KeyCorp. Todos apresentaram pesadas perdas nos balanços do segundo trimestre do ano por conta de calotes no pagamento de financiamentos a clientes. Segundo a Moody's Investors Service, existem hoje nos EUA o equivalente a US$ 108 bilhões em imóveis comerciais com atrasos nos pagamentos. Na média nacional, o não pagamento dobrou nos últimos 12 meses, para 4,3% do total, segundo a Foresight Analytics. A razão é a mesma que levou quase 1,5 milhão de mutuários residenciais a enfrentar ações de despejo no primeiro semestre do ano. Enquanto muitos mutuários perderam seus empregos ou parte da renda nesta recessão, donos de lojas e outros negócios perdem clientes e receitas para continuar pagando aluguéis ou financiamentos imobiliários. Como resultado, os preços dos imóveis comerciais nos EUA caíram 7,6% em maio sobre igual mês do ano passado. A queda desde o pico da "bolha imobiliária" nos EUA, em 2008, equivale a 35%. Bancos mais expostos a esse mercado já vêm assumindo perdas entre 30% e 40% nos financiamentos de risco dados a clientes "subprime", a quem concederam créditos mais caros diante de históricos de crédito mais frágeis como aconteceu no mercado de residências. Nos balanços dos bancos do segundo trimestre deste ano, os calotes do setor imobiliário comercial foram o principal ponto negativo. Em vários casos, o banco teve os lucros de outras áreas suplantados pelos prejuízos no setor. Em depoimento no Congresso nesta semana, o presidente do Fed (o BC dos EUA), Ben Bernanke, disse estar "preocupado com o crescente nível de desocupação, queda nos aluguéis e aumento da inadimplência" no setor de imóveis comerciais. Bernanke sugeriu que o governo poderá criar em breve uma nova linha de crédito, a exemplo do que foi feito no mercado residencial, para ajudar pequenos e médios empresários a renegociar seus pagamentos com os bancos. Na mesma audiência, o democrata Christopher Dodd, presidente do Comitê de Bancos do Senado, disse que "muitos têm sugerido que o problema neste setor poderá ser bem maior do que o ocorrido com as residências". A atividade de compra, venda, financiamento e locação de imóveis comerciais nos EUA contribui por ano com cerca de 13% do PIB. -----------------------------------O Estado de S.Paulo 27 07 2009 Invasão já ameaça setor eletroeletrônico Importados da China respondem por 20% do consumo nacional e muitos produtos deixaram de ser fabricados Raquel Landim e Cleide Silva Os eletroeletrônicos são os mais prejudicados pela concorrência da China. A fatia do gigante asiático no consumo chega a 20%, enquanto nos demais setores da economia não supera 5%. Especialistas em comércio exterior avaliam que, neste caso, o avanço chinês pode ser considerado uma "invasão". No ano passado, a China respondeu por 22,6% das máquinas para escritório e informática, 19,7% do material eletrônico e de comunicações e 18,7% dos equipamentos médico-hospitalares e de automação industrial consumidos pelo Brasil. "São três setores em que apenas um país representa 20% do total do consumo brasileiro. É muita coisa", diz Fernando Ribeiro, economista da Fundação Centro de Estudos do Comércio Exterior (Funcex). "Os componentes eletrônicos brasileiros praticamente desapareceram do mercado. É natural uma maior presença da China, porque houve uma transferência maciça de fábricas americanas e europeias para a Ásia", explica Humberto Barbato, presidente da Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee). Para Ribeiro, os dados evidenciam que, no setor eletroeletrônico, o impacto da China foi mais significativo para os fornecedores de outras origens do que para os nacionais. Entre 2003 e 2008, a presença da China no consumo de máquinas para escritório e informática saiu de 6,3% para 22,6%, ou seja, uma alta de 259%. No entanto, a participação total das importações no consumo desses produtos oscilou de 40,8% para 41,8% no período. Em material eletrônico e de comunicações, a situação é parecida. Enquanto a presença da China no consumo nacional subiu 234% entre 2003 e 2008, o avanço da fatia total dos importados foi de 19,9%. Empresários do setor contam que, por muitos anos, a participação da China se restringia à compra de componentes para complementar a linha de produção. Mas, a partir de 2005, as empresas passaram a trazer produtos acabados, promovendo um deslocamento de produção e o fim da montagem local de itens como rádios e gravadores portáteis. "Não há mais nenhum rádio feito no Brasil", confirma Barbato, da Abinee. Ele admite que, num primeiro momento, as empresas trazem peças para montagem local, mas, com o desequilíbrio cambial, podem partir para a importação de produtos acabados. Mario Sergio Amarante Filho, gerente de vendas e marketing da multinacional austríaca Kraus & Naimer, fabricante de chaves comutadoras elétricas em Cotia (SP), diz que o produto chinês chega ao País entre 40% a 50% mais barato que o nacional. Além dos custos mais em conta, as fabricantes nacionais dizem que enfrentam também a pirataria. "Não é só questão de câmbio", diz Amarante . "Representantes de empresas chinesas pesquisam e fotografam nossos produtos e depois os copiam, sem gastar nada em desenvolvimento", conta. As chaves comutadoras elétricas são usadas em equipamentos de distribuição de energia. --------------------------------------O Estado de S.Paulo 27 07 2009 Mensagens instantâneas ganham espaço no marketing Cada vez mais, empresas usam os torpedos para divulgar ações Marili Ribeiro Com praticamente 160 milhões de usuários de celular no País, segundo os últimos dados oficiais, já não há mais dúvidas de que os anunciantes devem redobrar a atenção com o potencial desse canal de mídia. Companhias que prestam serviços para o consumidor final podem até mesmo reduzir seus custos com a manutenção de call centers, apelando, por exemplo, ao sistema de envio de mensagens instantâneas, o SMS, em substituição aos telefonemas de avisos, como os de atrasos de pagamento, por exemplo. É verdade que todas as ações de marketing embarcadas em celulares dependem da conivência do usuário da linha. Trata-se de um acordo informal entre as operadoras de telefonia e as agências de propaganda, já que não existe uma política de publicidade ou relacionamento definida para a utilização de recursos, como o básico presente em todos os aparelhos, o SMS - o popular torpedo. Ao comprar uma linha, as pessoas podem recusar, na assinatura do contrato, o recebimento desse tipo de mensagem. A maioria, porém, não o faz. Por enquanto, a maior liberalização no uso do SMS pelas empresas se dá para o envio de mensagens classificadas como de "prestação de serviços". Ou seja, o tráfego de informações como a confirmação do horário de um exame médico, do check in de um voo, ou ainda sobre a movimentação de conta bancária, ou dados sobre pagamentos de contas de luz, gás e água. Tanto é assim que cresce o número de empresas que usam a ferramenta, entre hospitais, laboratórios, farmácias, bancos, operadoras de TV paga, companhias aéreas, empresas de energia e seguradoras. Normalmente, são empresas responsáveis por tráfego de volumes significativos de informações dirigido a um público vasto. A Spring Wireless, empresa especializada em negócios para tecnologia móvel e que, no ano passado, administrou mais de 1 bilhão de mensagens via SMS para seus clientes -, avalia que o SMS, disponível em qualquer aparelho celular, tem mais de 100% de penetração com o público. "Temos soluções para operar o cruzamento de informações nesse tráfego entre empresas e seus clientes que, dependendo da complexidade dos dados, são implantados entre três e 15 dias", explica Angelo Tonin, vice-presidente de vendas e desenvolvimento de negócios da Spring. As próprias operadoras estimam que trafeguem em torno de 600 milhões de SMS por mês hoje em dia. A maioria das mensagens é de pessoa para pessoa, um movimento que é controlado pelas próprias operadoras de telefonia. A Spring projeta deter mais de um terço desse mercado voltado para o sistema de envio, recebimento e processamento de informações para terceiros. Um mercado onde se inclui também o chamado "mobile marketing", que são as promoções via SMS e os downloads de games, wallpapers e ringtones. "A Spring está se expandindo para todos os países onde já tem escritórios (15 fora do Brasil), incluindo México, EUA, China e Europa", conta Tonin, que também reconhece que o avanço de redes sociais de contato via internet, como o Twitter, pode vir a roubar público de recursos mais simples, como o torpedo, na função de canal de comunicação entre empresas e pessoas. Hoje, a barreira para isso em países como o Brasil é o preço dos celulares de última geração, que são os que comportam o programa de acesso ao Twitter. Lá fora, há profissionais dando dicas para as marcas criarem relacionamento amigável no Twitter com potenciais clientes. A rede de lojas de eletroeletrônicos Best Buy, por exemplo, pôs 500 funcionários no Twitter para tirar dúvidas sobre os produtos que vende. EVOLUÇÃO "No Japão e na Coreia, países que estão pelo menos cinco anos à frente dos outros em uso de celular para múltiplas ações além de voz, o SMS já evoluiu para a troca de vídeos por celular", diz Maurício Tortosa, sócio da Hello Interactive, agência de marketing digital do grupo ABC. "Fora isso, até mesmo o SMS no Brasil é caro, quando comparado ao de outros países. Nós pulamos da fase do e-mail marketing, que infestou os computadores com mensagens indesejadas, para era do SMS, que corre o risco de repetir o erro pelo excesso." Para Thiago Lopes, gerente de planejamento estratégico da agência Talent, o uso do SMS como plataforma de relacionamento é bem sucedido comercialmente quando consegue levar contrapartida para o consumidor. No Brasil, ele reconhece, a utilização é ainda muito concentrada em promoções para o cliente confirmar sua participação em alguma competição ou sorteio. Para ações de marketing mais elaboradas, ainda há resistência porque, como o mercado reconhece, no Brasil, as pessoas têm uma relação muito pessoal com o celular e um anúncio não autorizado é considerado invasivo. "Mas já há ações via SMS bem aceitas, como as que foram feitas pelas marcas do achocolatado Toddy, do desodorante Rexona, das lojas C&A e da vodca Absolut", diz Lopes. "Até mesmo o governo de São Paulo usou torpedo para avisar sobre vagas de emprego a candidatos inscritos em um programa de busca por trabalho." Presente na mão de quase todos, os telefones móveis são cada vez mais um objeto de desejo no mundo das marcas na eterna ambição de criar vínculos com os consumidores . FRASES Maurício Tortosa Sócio da Hello Interactive "No Japão e na Coreia, países que estão pelo menos cinco anos à frente dos outros em uso de celular para múltiplas ações além de voz, o SMS já evoluiu para a troca de vídeos por celular" Thiago Lopes Gerente de planejamento estratégico da Talent "Já há ações via SMS bem aceitas, como as que foram feitas pelas marcas do achocolatado Toddy, do desodorante Rexona, das lojas C&A e da vodca Absolut. Até mesmo o governo de São Paulo usou torpedo para avisar sobre vagas de emprego" -------------------------------------O Estado de S.Paulo 27 07 2009 Reino Unido perde 52 pubs por semana por causa da crise No total, 2,3 mil estabelecimentos já fecharam as portas desde julho do ano passado Jamil Chade, LONDRES Com o desemprego em alta, queda no crédito e a pior recessão em décadas, o Reino Unido vive um novo fenômeno: a quebra sem precedentes de pubs, os tradicionais bares espalhados por todo o país desde a Idade Média e reconhecidos em todo o mundo. Em média, 52 pubs estão fechando suas portas a cada semana. Nos últimos doze meses, 24 mil pessoas já foram demitidas. Nas proximidades do estádio do time de futebol West Ham United, o pub Boleyn Tavern sobrevive apenas graças aos dias de jogos. As vendas não são como antes. O consumo caiu muito. "Se não fosse pelo estádio de futebol, provavelmente já teríamos fechado as portas e também decretado falência", disse a proprietária Lisa O?Brian. Na noite da última sexta-feira, poucos eram os clientes no pub. "Não era assim antes", admitiu um cliente, John Mann. No total, 2,3 mil pubs deixaram de funcionar desde julho de 2008, segundo os dados oficiais publicados na semana passada pela British Beer & Pub Association (BBPA). No total, existem ainda 53,4 mil pubs em todo o Reino Unido. Em 2009, a taxa de quebra dos bares aumentou. Nos últimos seis meses de 2008, o índice de fechamento era de cerca de 39 pubs por semana. QUEDA NA RENDA "A recessão está provando ser muito dura para os pubs", afirmou o presidente da associação, David Long. Os mais atingidos são os pubs de pequenas comunidades ou de regiões nas proximidades de fábricas que foram obrigadas a demitir. "O fechamento de pubs não é bom para a comunidade", disse Long. Rich Lewis, dono do pub The Charles Lamb, tem mais sorte. Seu estabelecimento está localizado em um local mais nobre da cidade, atraindo consumidores com maior poder aquisitivo. "Nós não somos a regra. Muitos donos de pubs estão entregando seus negócios aos bancos", disse. No Reino Unido, em décadas. No desemprego é o nos últimos três a previsão é de uma queda do PIB em 2009 de 4,5%, a maior último trimestre, a economia britânica encolheu em 0,8%. O maior em 12 anos e a queda no número de postos de trabalho meses é a maior verificada desde 1971. Quem ainda sobrevive são as grandes redes de pubs, como a Wetherspoon, que controla 720 pubs em todo o Reino Unido e é a maior em seu setor. Mas ainda assim os executivos da rede admitem que tiveram de promover uma redução nos preços para garantir que os clientes continuem a consumir. "Os preços foram essenciais para manter o ritmo de consumo", afirmou Eddie Gershon, um dos representantes da Wetherspoon. Para os menores, essa concorrência está ajudando a liquidar seus negócios. Mas David Long alertou que o governo também não tem ajudado. "A crise ficou ainda mais intensa diante do aumento de impostos sobre a cerveja." Para ele, "enquanto todos os setores recebem ajuda nesse momento de crise, o governo está surdo diante de nossas queixas". A entidade alerta que o governo já deixou de coletar impostos no valor de US$ 350 milhões com as quebras. A associação ainda alerta que a conta do governo para pagar o seguro desemprego também ultrapassa a marca de US$ 2 milhões. Por semana, 15 milhões de pessoas frequentam os tradicionais pubs em todo o Reino Unido e, em alguns casos, são centros de referência para comunidades no interior do país. No total, o setor emprega 600 mil pessoas. O nome pub vem de "public houses" (casas públicas), derivadas dos locais abertos no Reino Unido durante a ocupação pelo Império Romano. Mas foi apenas na Idade Média que o nome se fixou. ----------------------------------O Estado de S.Paulo 27 07 2009 O dever da liberdade Carlos Alberto Di Franco Acabo de ler o instigante livro de um colega no fascinante ofício de análise da mídia: A Imprensa e o Dever da Liberdade, de Eugênio Bucci (Editora Contexto, São Paulo, 2009). Recomendo-o vivamente a todos os que se preocupam com a ética informativa, o papel da imprensa, a liberdade e as relações entre o jornalismo e o poder. Bucci afirma, com razão, que "os jornalistas e os órgãos de imprensa não têm o direito de não ser livres, não têm o direito de não demarcar a sua independência a cada pergunta que fazem, a cada passo que dão, a cada palavra que escrevem. (...) Os jornalistas devem recusar qualquer vínculo, direto ou indireto, com instituições, causas ou interesses comerciais que possa acarretar - ou dar a impressão de que venha a acarretar - a captura do modo como veem, relatam e se relacionam com os fatos e as ideias que estão encarregados de cobrir." A independência é, de fato, regra de ouro. Mas não se confunde com o mito da neutralidade jornalística. A separação radical entre fatos e interpretações simplesmente não existe. É uma bobagem. Jornalismo não é ciência exata e jornalistas não são autômatos. Além disso, não se faz bom jornalismo sem emoção. A frieza é anti-humana e, portanto, antijornalística. A neutralidade é uma mentira, mas a isenção é uma meta a ser perseguida. Todos os dias. A imprensa honesta e desengajada tem um compromisso com a verdade. E é isso que conta. Daí decorre o dever da liberdade. Mas a busca da isenção enfrenta a sabotagem da manipulação deliberada, a falta de rigor e o excesso de declarações entre aspas. O jornalista engajado é sempre um mau repórter. Militância e jornalismo não combinam. Trata-se de uma mescla talvez compreensível e legítima nos anos sombrios da ditadura, mas que, agora, tem a marca do atraso e o vestígio do fundamentalismo sectário. O militante não sabe que o importante é saber escutar. Esquece, ofuscado pela arrogância ideológica ou pela névoa do partidarismo, que as respostas são sempre mais importantes que as perguntas. A grande surpresa no jornalismo é descobrir que quase nunca uma história corresponde àquilo que imaginávamos. O bom repórter é um curioso essencial, um profissional que é pago para se surpreender. Pode haver algo mais fascinante? O jornalista ético esquadrinha a realidade, o profissional preconceituoso constrói a história. Todos os manuais de redação consagram a necessidade de ouvir os dois lados de um mesmo assunto. Trata-se de um esforço de isenção mínimo e incontornável. Mas alguns desvios transformam um princípio irretocável num jogo de cena. A apuração de faz de conta representa uma das maiores agressões à ética informativa. Matérias previamente decididas em bolsões engajados buscam a cumplicidade da imparcialidade aparente. A decisão de ouvir o outro lado não é sincera, não se apoia na busca da verdade. É um artifício. O assalto à verdade culmina com uma estratégia exemplar: a repercussão seletiva. O pluralismo de fachada convoca, então, pretensos especialistas para declararem o que o repórter quer ouvir. Personalidades entrevistadas avalizam a "seriedade" da reportagem. Mata-se o jornalismo. Cria-se a ideologia. É necessário cobrir os fatos com uma perspectiva mais profunda. Convém fugir das armadilhas do politicamente correto e do contrabando opinativo semeado pelos arautos das ideologias. Bucci, com a precisão de um cirurgião do texto, lanceta inúmeros tumores e vai ao cerne da correta relação entre imprensa e poder. "Para melhor cumprir seu papel de levar informações ao cidadão, a imprensa precisa fiscalizar o poder - e o verbo fiscalizar carrega, aqui, o sentido de vigiar, de limitar poder. Sem ela, não há como se pensar em limites para o exercício do poder na democracia. Portanto, não é saudável nem útil a imprensa que se contente com o papel de apoiar os que governam. Não é saudável, não é útil, nem mesmo imprensa ela é." Um país não se pode apresentar como democrático e livre se pedir à imprensa que não reverbere os seus problemas. O governo Lula, no entanto, manifesta crescente insatisfação com o trabalho da imprensa. Para o presidente da República - um político que deve muito à liberdade de imprensa e de expressão -, jornalismo bom é o que fala bem. Jornalismo que apura e opina com isenção incomoda, irrita e "provoca azia". Está, na visão de Lula, a serviço da "elite brasileira". Reconheço, no entanto, que Lula não é um crítico solitário da mídia. Políticos, habitualmente, não morrem de amores pelo trabalho dos jornalistas. A simples leitura dos jornais oferece um quadro assustador do cinismo que se instalou na entranha do poder. Os criminosos, confiados nos precedentes da impunidade, já não se preocupam em apagar as suas impressões digitais. Tudo é feito às escâncaras. Quando pilhados, tratam de desqualificar a importância dos fatos. Atacam a imprensa e lançam cruzadas contra suposto prejulgamento. Mente-se com o mesmo cinismo do futebolista que nega a clamorosa evidência de um pênalti redondo. O que fazer quando o presidente da República chama senadores de pizzaiolos, faz graça com a corrupção e incinera a ética no forno do pragmatismo e da suposta governabilidade? O que fazer quando políticos se lixam para a opinião pública? Só há um caminho: informação livre e independente. Não se constrói um grande país com mentira, casuísmos e esperteza. Edifica-se uma grande nação, sim, com o respeito à lei e à ética. A transparência informativa, de que os políticos não gostam, representa o elemento essencial de renovação do Brasil. Governos passam, mesmo quando navegam em mares de votos, mas as instituições democráticas ficam. Carlos Alberto Di Franco, doutor em Comunicação pela Universidade de Navarra, professor de Ética, é diretor do Master em Jornalismo (www.masteremjornalismo.org.br) e da Di Franco - Consultoria em Estratégia de Mídia (www.consultoradifranco.com) E-mail: [email protected]