Pensamento Economico 27 07 2009

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Pensamento Economico 27 07 2009
Pensamento do Dia
Economistas analisam a Economia, o Brasil
e o mundo,
mundo, na mídia diária 27 07 2009
---------------------------------------------------------------------------------------------Folha de S.Paulo 27 07 2009
ENTREVISTA DA 2ª - LUC FERRY
"Crise mostra impotência pública
atual de políticos"
Para pensador francês, globalização gerou "desapropriação
democrática"
A CRISE ECONÔMICA mostra que os dirigentes políticos sofreram nos últimos
anos uma "desapropriação democrática" gerada pela globalização, e por isso
estão hoje relegados à condição de "impotência pública".
A opinião é de um dos maiores pensadores europeus, o filósofo e intelectual
francês Luc Ferry, que fala com a autoridade de quem atuou tanto na esfera
acadêmica como no setor privado e no governo.
Antes de chefiar um grupo de reflexão socioeconômica no governo do
presidente Nicolas Sarkozy, deu aulas na prestigiosa École Normale Supérieure,
foi consultor de multinacional e ministro da Educação entre 2002 e 2004, no
governo Jacques Chirac.
SAMY ADGHIRNI DA REPORTAGEM LOCAL
Em entrevista à Folha por e-mail, Luc Ferry previu um fortalecimento das
instâncias de governo e traçou semelhanças entre o presidente Luiz Inácio Lula
da Silva, seu colega francês, Nicolas Sarkozy, e o primeiro-ministro italiano,
Silvio Berlusconi. O filósofo também rebateu críticas de que teria se alienado ao
vestir a camisa de um governo.
FOLHA - O sr. crê que a globalização mudou a maneira de governar e de
fazer política?
LUC FERRY - Sim. No universo globalizado em que estamos mergulhados, as
ferramentas tradicionais das políticas nacionais se tornam cada dia menos
relevantes. O maior fenômeno desta virada de século é a impotência pública, o
fato de nossos políticos terem perdido praticamente todo o poder diante de um
desenvolvimento globalizado que lhes escapa por toda parte. É o grande
problema da política moderna: a questão hoje não é mais somente o que fazer,
mas principalmente como recuperar o controle, como recuperar um pouco de
poder e de margem de manobra. É o que eu chamo de desapropriação
democrática. Há 50 anos essas interrogações não existiam, e as políticas
funcionavam num plano essencialmente nacional.
FOLHA - O sr. acredita que as instâncias de governo sairão fortalecidas
da atual crise econômica global?
FERRY - Sim, claro. Isso será necessário para resolver o problema duplo
levantado pela crise. Primeiro: como reatar com um crescimento acarretado
pela riqueza verdadeira, e não pelo endividamento. Segundo: como recuperar o
controle sobre um mundo globalizado que nos escapa por todos os lados, tanto
no plano econômico como no ecológico. É esse o grande desafio do G20 [grupo
das 20 maiores economias do mundo], e é por isso que o grupo tem um longo
caminho pela frente.
FOLHA - A crise revelou alguma falha estrutural no funcionamento das
sociedades modernas?
FERRY - Antes de mais nada, é preciso refletir sobre a natureza da crise, pois
há muita besteira sendo contada por aí. Ao contrário do que se diz, não se trata
de uma crise financeira, mas de uma crise econômica no sentido tradicional. A
visão ingênua pela qual existem uma "boa economia", a economia "real" e uma
economia "ruim", a economia especulativa, não resiste à análise. Os países
ocidentais mais industrializados, os Estados Unidos particularmente,
conheceram nos anos 90 uma forte bipolarização do mundo do trabalho. Nessa
época, criou-se um cenário onde havia, de um lado, trabalhadores altamente
qualificados e bem-remunerados e, do outro, uma massa de trabalhadores mal
paga por ser menos qualificada. Ou seja, a globalização fez as classes médias
minguarem. O problema é que eram elas que geravam o crescimento e que
mais consumiam. Foi nesse cenário que surgiu nos EUA o recurso ao
endividamento maciço dos lares mais populosos e menos ricos, os famosos
"subprimes". A partir daí não foram mais os salários das classes médias que
geraram crescimento, mas o endividamento dos pobres. Em outras palavras, a
riqueza passou a ser aumentada não mais a partir da riqueza em si, mas a
partir de dívidas! E assim multiplicaram-se nos EUA, nos últimos 15 anos,
sistemas de empréstimo de alto risco. Foi no contexto dessa nova lógica
econômica que a crise financeira veio se inserir. Demorou até os créditos de
risco serem transformados em títulos que acabaram espalhados por bancos do
mundo todo e viraram, com o apoio das agências de classificação de risco,
produtos financeiros de difícil leitura. É evidente que esse processo só
aconteceu graças à cumplicidade de banqueiros, incluindo o banco central
americano, que sabia muito bem o que estava acontecendo. Mas o importante
é que o mundo financeiro, por mais culpado seja, não está na raiz da crise, que
é antes de mais nada uma crise da economia real. O que é evidentemente bem
mais grave...
FOLHA - Como o sr. explica o fato de Lula, mesmo após dois mandatos
repletos de denúncias contra seu partido e seus aliados, ainda ter
popularidade tão alta?
FERRY - Pode se dizer a mesma coisa de [Silvio] Berlusconi na Itália ou de
[Nicolas] Sarkozy na França. Boa parte da imprensa os vive criticando, e
mesmo assim ganham eleições. De onde vem essa defasagem entre a
população e a imprensa? A mídia, na sua essência, precisa ser crítica. Como se
diz na França, não se pode escrever uma boa matéria para falar dos trens que
chegam na hora. Esse é, de fato, o papel da mídia, mas isso pode acabar a
distanciando do povo. A população não tem a obrigação de sempre criticar e,
paradoxalmente, às vezes entende melhor que os observadores profissionais a
dificuldade de ser político.
FOLHA - O que o sr. acha dos presidentes Sarkozy e Barack Obama, que
divulgam abertamente sua vida privada?
FERRY - É antes de mais nada um bom tema de reflexão para os jornalistas.
Afinal de contas, são eles que correm atrás dos furos relacionados à vida
privada dos políticos. O público adora e dá audiência, só isso.
FOLHA - Como o sr. avalia a onda de esperança global gerada pela
chegada ao poder de Obama?
FERRY - Há 50 anos, Obama nem sequer teria sido aceito em uma
universidade em seu país. E hoje ele é presidente. É normal que essa mudança
absoluta exerça um fascínio, não? A esperança é formidável, éramos milhões a
contar os dias para a saída de [George W.] Bush. Afinal, Obama vem de uma
família de muçulmanos, o que significa que ele pode melhor do que ninguém
ajudar a evitar o famoso conflito de civilizações, principal ameaça que pesa
sobre o século 21.
FOLHA - O debate sobre a burca [véu muçulmano que cobre
inteiramente o corpo da mulher] na França traz à tona a questão do
relativismo cultural: impor um modo de pensar como sendo melhor que
outro não contribui para acirrar o choque de civilizações previsto por
Samuel Huntington?
FERRY - Muita gente atribui um monte de besteiras a Samuel Huntington sem
ter lido seu livro ("O Choque das Civilizações e a Recomposição da Nova Ordem
Mundial"), que na verdade é ótimo. Em primeiro lugar, ele nunca estimulou o
choque de civilizações, muito pelo contrário. Ele sempre recomendou que o
governo americano praticasse o diálogo e a moderação diante do islã.
Huntington inclusive se opôs à Guerra do Iraque. Mas é fato que existe, sim,
um verdadeiro choque com o islã radical, e a burca, ao contrário de uma
opinião comum totalmente errada, não tem nada de símbolo religioso. Ela não
consta em lugar nenhum na lista das obrigações determinadas pela religião
muçulmana às mulheres. A burca é um sinal de vínculo ao fundamentalismo.
Ela significa que as mulheres não devem ter lugar na esfera pública e que elas
devem ficar em casa. Se saírem, elas têm de se dissimular. Devemos aceitar
essa concepção do lugar da mulher? Respondo tranquilamente não, cem vezes
não. E eu não digo isso porque defendo uma tradição cultural ocidental, mas
porque penso que as mulheres simplesmente fazem parte da humanidade.
Nesse tema, o relativismo é sempre cúmplice dos totalitarismos.
FOLHA - Um filósofo que, como o senhor, se associa a um governo não
acaba perdendo sua liberdade de pensar e falar?
FERRY - Enquanto se é membro de um governo, é preciso ater-se ao princípio
de solidariedade, o que obviamente ofusca a liberdade de expressão. Mas
ninguém é obrigado a entrar num governo, nem a ficar nele. Nada impede de ir
embora, mas quando se decide permanecer, é preciso ser coerente com seu
compromisso.
Muitos pensadores franceses, inclusive alguns dos maiores, como [Alexis de]
Tocqueville, [André] Malraux e Victor Hugo encararam esse desafio inerente à
vida política. Por quê? Simplesmente porque aquele que não se compromete
pode se gabar de ter mãos puras, mas na verdade ele não tem mãos. Tenho
paixão por filosofia, é sem sombra de dúvida a vocação da minha vida.
Mas eu não poderia ter passado a vida inteira como professor de universidade
sem ter a curiosidade de observar de perto a realidade histórica e sem
participar, ainda que modestamente, da construção da história. É apaixonante,
e aprende-se muito sobre a realidade, da qual o filósofo jamais deve se afastar.
--------------------------------------------------Folha de S.Paulo 27 07 2009
LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA
Imigração e nacionalismo
Aos imigrantes não resta
alternativa senão lutar para que
o país respeite seu direito ao
multiculturalismo
A EMIGRAÇÃO dos povos pobres para os países ricos é hoje fenômeno social
global que mostra o caráter inescapável do nacionalismo. O mundo seria mais
belo se fosse uma grande comunidade e não existissem nações, mas isso só
acontecerá quando as desigualdades diminuírem a ponto de se estabelecer um
Estado mundial.
Enquanto isso não ocorrer, o nacionalismo estará entre nós e tanto poderá
significar a legitimação do poder dos povos mais poderosos sobre os demais
(imperialismo) quanto a ideologia necessária para que os povos mais fracos se
defendam. Tanto poderá ser um nacionalismo étnico e agressivo quanto um
patriotismo defensivo.
O nacionalismo é a ideologia de formação do Estado-Nação. Alguém é
nacionalista se preenche duas condições: primeiro, se entende que é obrigação
do governo de seu país defender os interesses dos seus habitantes e, segundo,
se considera que, ao tomar decisões, esse governo deve pensar por conta
própria em vez de se submeter aos conselhos e pressões dos países mais ricos.
Assim definido, o nacionalismo é econômico e pode ser apenas defensivo. Já o
nacionalismo econômico agressivo caracteriza os países ricos que exploram os
mais fracos, mas seus cidadãos acreditam que os estão ajudando ou bem
orientando.
Quanto ao nacionalismo étnico, é o nacionalismo perverso das pessoas e povos
que discriminam de acordo com o critério da raça, da religião ou da origem
nacional. É o nacionalismo que afirma que cada conjunto étnico homogêneo
deve ter seu próprio Estado-Nação; é o nacionalismo que, ao rejeitar a
imigração, se confunde com o nacionalismo econômico.
O nacionalismo econômico é inevitável porque o mundo e cada indivíduo estão
organizados em famílias, organizações e países que competem e colaboram
entre si. Dificilmente será reeleito um governo de um país rico se não tomar
decisões de acordo com os interesses nacionais. Nesses países, o nacionalismo
hoje é econômico e étnico. Poucos são os cidadãos que têm dúvida de qual seja
o papel de seu governo, poucos são os que reconhecem a exploração dos
países mais fracos, e muitos são aqueles que discriminam e rejeitam os
imigrantes.
Todos defendem seus salários que sofrem concorrência do trabalho barato dos
imigrantes, e felizmente um número muito menor defende sua "pureza étnica".
Na Europa e no Japão, existe um verdadeiro cerco contra os imigrantes. Nos
EUA, o quadro é apenas um pouco melhor. Na Itália, uma nova lei acaba de
classificar a situação de imigrante clandestino como crime.
Os imigrantes ficam sujeitos não apenas a serem extraditados mas,
adicionalmente, a cumprir pena por terem imigrado.
Existem naturalmente aqueles que não estão de acordo com essa
discriminação, como mostra um belo filme francês em exibição em São Paulo,
"Bem-Vindo". Na Europa, os partidos de esquerda resistem a essa
discriminação, mas essa é talvez a principal razão por que têm tido maus
resultados eleitorais.
Em certos casos, a única defesa contra o nacionalismo dos outros é o nosso
nacionalismo, é nos organizarmos como Estado-Nação. Mas essa alternativa
não existe para os imigrantes. Não lhes resta alternativa senão, de um lado, se
integrarem nas sociedades para onde emigram e, de outro, lutar para que o
país respeite seu direito ao multiculturalismo. Ambos são processos sociais e
políticos difíceis, plenos de contradições. Enquanto não se completarem, haverá
muito sofrimento dos imigrantes e muita tensão social nos países ricos.
LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA, 75, professor emérito da Fundação Getulio Vargas, exministro da Fazenda (governo Sarney), da Administração e Reforma do Estado (primeiro governo
FHC) e da Ciência e Tecnologia (segundo governo FHC), é autor de "Macroeconomia da
Estagnação: Crítica da Ortodoxia Convencional no Brasil pós-1994".
----------------------------------------Valor Econômico 27 06 2009
O BNDES e as escolhas futuras
Fabio Giambiagi
O papel do BNDES para o desenvolvimento é um tema envolto em controvérsia.
Curiosamente, porém, ele é pouco discutido em profundidade. Contam-se nos
dedos as teses acadêmicas sobre o assunto e nas polêmicas jornalísticas as
posições são muitas vezes contaminadas pelo viés ideológico dos participantes
do debate.
Esclareço que, como sou do BNDES, não sou neutro no assunto (mesmo
deixando registrado que as opiniões aqui expressas são pessoais e não
institucionais). Há bons argumentos que justificam a existência de uma
instituição como o BNDES. Entre eles, sua atuação contracíclica nas crises, a
assunção de riscos que instituições financeiras privadas possivelmente não
assumiriam e a geração de externalidades positivas sobre a economia, não
computadas no cálculo do retorno privado dos financiamentos. Creio, ainda,
que o ocorrido na crise recente pela qual o mundo está passando reforça o
papel das instituições financeiras estatais. Mais de 30% da expansão do crédito
entre setembro de 2008 e maio de 2009 correspondeu à variação das
operações de crédito do BNDES, que em setembro respondiam por apenas 16%
do estoque de crédito, sendo que, além disso, para o crédito direcionado
habitacional, com destaque para a Caixa Econômica, tais percentuais foram de
12% e 5%, respectivamente. Tal fato indica que a atuação contracíclica do
Estado está jogando um papel importante no sentido de evitar que se repita
aqui uma contração creditícia como a observada em outros países.
Em circunstâncias como as que o país enfrentou em 2009, há um papel
emergencial relevante a ser assumido por uma instituição de desenvolvimento fato que pode ser constatado no mundo inteiro. Porém, isso é muito diferente
de supor que a amplitude das atividades do Banco deva ser mantida no longo
prazo, uma vez superada a crise atual. O BNDES é um banco que, em termos
nominais, desembolsou R$ 47 bilhões em 2005 e vai a caminho de desembolsar
em torno de R$ 105 bilhões em 2009, o que significa passar de 2,2% do PIB
naquele ano para algo em torno de 3,5% do PIB no ano em curso (ver gráfico).
As questões que dizem respeito ao financiamento do desenvolvimento devem
ser debatidas pela sociedade e ocupar papel central no desenho das políticas.
Com esse propósito, em conjunto com Manoel Amorim e Fernando Rieche,
publicamos em junho/2009 na Revista do BNDES o artigo "As finanças do
BNDES: evolução recente e tendências", da qual foi extraída a tabela. Os
recursos totais do FAT respondiam em 2001 por 49% do passivo e em 2006
chegaram a representar 60% dele, proporção essa que em 2008 caiu para 46%
do total. Já a parcela que cabe ao Tesouro passou a aumentar em épocas mais
recentes, prevendo-se que mantenha tal dinâmica em 2009/2010.
O país precisa discutir melhor o que fazer com as políticas do BNDES e o
volume das suas operações. Incidem sobre a instituição demandas
contraditórias: exige-se do BNDES que ele diminua o spread, aumente o prazo
e o valor dos desembolsos, gere um bom lucro e pague dividendos expressivos
ao Tesouro - que, na média de 2006/08, foram 40% maiores que os da
Petrobras. Até 2007, o Banco conseguiu cumprir com todos esses objetivos
graças ao êxito das suas operações de renda variável, mas os fatos de 2008
mostraram que há limites para essa estratégia. Já nos últimos tempos, a forma
de equacionar tais compromissos foi assumir um endividamento maior junto à
União. No longo prazo, porém, não é claro que isso seja possível, pois
implicaria supor empréstimos maciços a serem feitos pelo Tesouro ao BNDES
todos os anos. Cedo ou tarde, será preciso fazer escolhas difíceis.
É preciso definir na próxima década quais devem ser o papel, o tamanho e o
raio de atuação do BNDES. Existem áreas nas quais o apoio do Banco será
fundamental, mas em outras ele deve ceder espaço ao mercado. Há questões
que são cruciais. O país quer um BNDES que empreste a cada ano 3,5% ou 4%
do PIB por ano ou que, passada a crise, volte a operar em um patamar inferior
de desembolsos? Em um Brasil de juros baixos, a atuação do Banco deve ser
complementar à dos bancos privados ou haverá concorrência entre o BNDES e
o mercado? Ou ainda, qual é o custo fiscal aceitável associado à atuação de um
banco de desenvolvimento, comparativamente ao custo da dívida mobiliária?
Precisamos debater estas e outras indagações, de modo a estabelecer uma
política de Estado para a atuação do BNDES. Isso implica responder à maior
pergunta de todas: "O que o Brasil quer que o BNDES faça?", o que, creio, é
uma questão em aberto. Os números do texto citado acima são uma modesta
tentativa de contribuir para esse debate necessário.
Fabio Giambiagi, economista, co-organizador do livro "Brasil
Globalizado" (Editora Campus), escreve mensalmente às segundasfeiras. [email protected]
----------------------------------------------Valor Econômico 27 07 2009
A ideia de que os Estados Unidos poderão livrar-se de seu endividamento
parece irrealista.
Todos os caminhos levam à China
Por Barry Eichengreen
Somente mediante colaboração entre China e EUA é que esses países poderão
tirar a economia mundial de sua atual depressão
Agora que definharam os "brotos verdes" da recuperação, o debate sobre o
estímulo fiscal voltou com força redobrada. Nos EUA, quem defende outro
pacote de estímulo observa ter sido um anseio irrealista acreditar que um
pacote de US$ 787 bilhões poderia compensar uma queda de US$ 3 trilhões em
gastos privados. Mas o desemprego cresceu ainda mais e mais rapidamente do
que esperado. Isso, associado à queda continuada nos preço das moradias,
torna compreensível que os gastos dos consumidores continuem deprimidos.
Os bancos, tendo sido recapitalizados apenas na medida necessária para
mantê-los à tona, continuam com balanços patrimoniais frágeis. Sua resultante
relutância em conceder empréstimos limita os investimentos. Por outro lado, os
governos estaduais americanos, vendo quedas em suas receitas decorrentes de
rendas tributáveis mais baixas no ano passado, estão cortando gastos como
loucos. Se havia justificativas para um estímulo adicional em fevereiro passado,
os argumentos agora são ainda mais fortes.
Mas os argumentos contra um estímulo adicional são também ponderáveis. O
déficit federal americano é de alarmantes 12% do Produto Interno Bruto (PIB)
e as projeções já indicam que a dívida pública, como fração da renda nacional,
deverá dobrar, para 80% do PIB. A ideia de que os Estados Unidos poderão
livrar-se, gradual e autonomamente, de sua carga de endividamento, como
fizeram a Finlândia e a Suécia após suas crises financeiras na década de 90,
parece irrealista.
Em vista disso tudo, mais gastos deficitários apenas alimentarão temores de
maiores impostos e inflação futuras. Isso incentivará o ressurgimento de
desequilíbrios em nível mundial e não tranquilizará consumidores ou
investidores.
É possível discutir o quadro econômico dos dois pontos de vista, mas do ângulo
político tudo aponta numa direção. O Congresso americano não demonstra
apetite por outro pacote de estímulo. Os congressistas já sofreram intensas
críticas por não colocarem ordem na casa fiscal do país. A lentidão com que o
primeiro estímulo foi implementado e o fato de que levará ainda mais tempo
para que seus plenos efeitos venham a ser sentidos são mais combustível para
o discurso de analistas e especialistas.
O desapontamento diante dos efeitos do Programa de Socorro a Ativos
Problemáticos (Tarp, na sigla em inglês) já liquidou o apoio popular - e do
Congresso - a mais dinheiro público para recapitalizar os bancos. Assim,
mesmo aqueles que julguem convincente a lógica econômica de argumentos
em favor de ativismo fiscal devem reconhecer que as condições políticas não
são favoráveis. Um segundo estímulo é simplesmente carta fora do baralho.
Para que haja maior demanda agregada, ela poderá vir de um único lugar. Esse
lugar não é a Europa ou o Japão, onde o endividamento é ainda mais elevado
do que nos EUA - e as precondições demográficas para reduzi-lo são ainda
menos favoráveis. Ao contrário, a solução está em mercados emergentes como
a China.
O problema é que a China já fez muita coisa para estimular a demanda interna,
tanto mediante gastos governamentais como instruindo seus bancos a conceder
empréstimos. Em consequência, seu mercado acionário está em efervescência e
os chineses vivem um alarmante boom no mercado imobiliário. Em maio, os
preços dos imóveis subiram 18% em relação a doze meses antes.
Compreensivelmente, as autoridades chinesas estão preocupadas com
problemas característicos de bolhas.
A maneira óbvia de equacionar a quadratura desse círculo seria gastar mais em
importações. A China pode comprar mais maquinário industrial, equipamentos
de transportes e material para a produção de aço, que estão entre suas
principais importações provenientes dos EUA. Orientar os gastos no sentido da
importação de bens de capital evitaria superaquecer os próprios mercados
chineses, incrementaria a capacidade produtiva da economia (e, portanto, sua
possibilidade futura de crescer) e fortaleceria a demanda por produtos
americanos, europeus e japoneses exatamente no momento em que esse
estímulo é mais necessário.
Essa estratégia não é imune a riscos. Permitir que o yuan valorize, como uma
maneira de estimular importações, poderá também desestimular as
exportações, tradicional motor do crescimento chinês. E baixar as barreiras
aduaneiras a importações poderá redirecionar mais gastos para a aquisição de
produtos estrangeiros do que pretendam as autoridades. Mas vale a pena
assumir esses riscos, se a China deseja realmente um papel de liderança
mundial.
A pergunta é: o que a China obterá em contrapartida. E a resposta nos leva de
volta exatamente ao ponto de onde partimos, ou seja, à política fiscal
americana. A China está preocupada com uma eventual desvalorização de seu
US$ 1 trilhão investido em títulos do Tesouro dos EUA. Os chineses querem ter
certeza de que os EUA honrarão seu endividamento. Por isso, a China quer ver
um programa convincente de equilíbrio orçamentário americano após o fim da
recessão.
E, apesar do que diz, o governo Obama ainda não ofereceu um roteiro
convincente de consolidação fiscal. Se o fizesse, tranquilizaria os contribuintes
americanos preocupados com os atuais déficits. Igualmente importante,
também tranquilizaria as autoridades governamentais chinesas.
Vivemos em um mundo multipolar onde tanto os EUA como a China não são
suficientemente grandes para exercer individualmente uma liderança
econômica mundial. Para a China, liderança significa assumir riscos adicionais.
Mas para que isso seja tolerável, os EUA precisam eliminar os riscos existentes
que preocupam a China. Somente mediante colaboração os dois países poderão
tirar a economia mundial de sua atual depressão.
Barry Eichengreen é professor de economia na Universidade da
Califórnia, Berkeley. © Project Syndicate/Europe´s World, 2009.
www.project-syndicate.org
-----------------------------------------------------O Estado de S.Paulo 27 06 2009
G de quantos?
Marcelo de Paiva Abreu*
Grupo dos 7+1, G-14 ou G-20? Em meio à proliferação de Gs paira a
indefinição quanto aos papéis que terão no futuro os foros de chefes de Estado
das maiores economias mundiais. Existem ideias contrastantes em relação às
configurações desejáveis. Enquanto a economia mundial estava em expansão, a
participação de um grupo de economias desenvolvidas de maior porte em tais
cúpulas funcionou a contento. Com o sistema financeiro internacional em crise,
houve espaço para a ampliação do número de países envolvidos. Isso decorreu
do reconhecimento da natureza global da crise e também da importância das
economias emergentes - especialmente da China - tanto como parceiros
comerciais quanto como detentoras de ativos em moedas de economias
centrais com credibilidade abalada.
O lançamento do G-6, em 1975 -, que logo se transformaria em G-7 com a
inclusão do Canadá e, bem depois, em G-7+1, com a inclusão capenga da
Rússia, em 1997 - resultou de diagnóstico crítico sobre a eficácia de
organizações com representação universal, especialmente das Nações Unidas.
Enquanto o grupo incluía apenas economias desenvolvidas, a questão de
representatividade não assumiu grande importância, embora houvesse
claramente um supergrupo composto por Estados Unidos, Alemanha e Japão,
um subgrupo inercial, incluindo o Reino Unido, a França e a Itália, além da
curiosa inclusão do Canadá, na categoria de supervizinho.
A pergunta crucial a responder atualmente é quais países deveriam estar
representados nas cúpulas futuras, tendo em conta critérios que assegurem
eficácia e, ao mesmo tempo, representação adequada dos interesses do
numeroso grupo de economias em desenvolvimento - G-90, sucessor do G-66 por um grupo reduzido de economias emergentes.
A ampliação da representação de países nas cúpulas de chefes de Estado
assumiu dois formatos na crise. Um deles foi a adição, ao G-7+1, do G-5,
grupo das cinco maiores economias em desenvolvimento, com alguma
acomodação regional: Brasil, China e Índia, completando o Bric; África do Sul,
para assegurar a representação africana; e o México, na categoria de
subvizinho dos Estados Unidos. A atuação desses países tem sido restrita a
tópicos específicos, definidos discricionariamente pelos membros permanentes
do grupo. Com base na história parcimoniosa de expansão do escopo do G7+1, tem ganhado força a ideia de constituir um G-14, que resultaria da soma
do G-7+1, do G-5 e do Egito.
O outro formato de ampliação da representatividade das cúpulas foi o G-20,
que usou como plataforma um foro preexistente de cooperação e consulta
quanto a assuntos relacionados ao sistema financeiro internacional, já
constituído desde o final da década de 1990, que reunia ministros de Finanças e
presidentes de bancos centrais. O grupo inclui, além de todas as economias do
G-14, à exceção do Egito, a Argentina, a Arábia Saudita, a Austrália, a Coreia
do Sul, a Indonésia e a Turquia.
O Brasil tem enfatizado a sua preferência pelo G-20 - que melhor atenderia à
defesa dos interesses nacionais - e reiterado a crença no óbito do G-7+1.
A estridente declaração de morte do G-7+1 deve ser lançada à conta das
bravatas que têm marcado declarações presidenciais e ministeriais recentes
sobre política externa, ao arrepio da tradição cautelosa do Itamaraty. Quem,
em sã consciência, duvida de que o que pode acontecer de relevante em
cúpulas globais de chefes de Estado decorre da agenda dos grandes
protagonistas - talvez três; talvez, agora, quatro, com a China; ou talvez
mesmo apenas Estados Unidos e China? O cadáver do G-7+1 parece bastante
vivo, quaisquer que sejam as comemorações em Brasília. É claro que cabe ao
Brasil tentar explorar da melhor forma possível o aumento do modesto espaço
de manobra disponível para fazer vingar propostas que melhor representem os
interesse nacionais. Mas braggadocio não contribui para aumentar o espaço de
manobra, e talvez o diminua. Há muito espaço para posições intermediárias
entre ser vira-lata ou simplesmente basbaque. A prevalecer o formato G-20, há
ainda a computar os custos colaterais associados à reformatação do G-20 da
Organização Mundial do Comércio (OMC), que, por refletir coalizão entre
economias emergentes, terá de ser rebatizado em nome da diferenciação em
relação ao seu homônimo mais nutrido.
Críticas ao G-14, talvez indevidamente centradas no histórico de negociações
no âmbito estritamente financeiro e, portanto, sem levar em conta a
transformação do grupo em foro de chefes de Estado, ressaltam que África do
Sul, Egito e México têm demonstrado "pouca capacidade de atuar de forma
independente". Mas não é claro se esse juízo se sustentaria se a agenda fosse
mais geral do que a reforma do Fundo Monetário Internacional (FMI),
especialmente em relação à África do Sul.
O que justificaria o entusiasmo de Brasília pelo G-20? Tem sido alegado que a
Argentina é a "aliada mais próxima" do Brasil. De novo, parece haver confusão
entre a negociação estritamente financeira e o papel de uma cúpula
permanente de chefes de Estado. Nas negociações financeiras no FMI, o Brasil
foi aliado da Argentina, em geral de forma onerosa, em vista do contraste entre
a situação macroeconômica dos dois países em meio à crise. Se o G-20 se
consolidar como foro global permanente, provavelmente emergirão as
dificuldades usuais quando se trata de a Argentina aceitar o Brasil como
representante inconteste da América do Sul nos foros internacionais. Talvez o
G-20 seja, afinal, o formato preferível. Mas não deve haver ilusões, é um
caminho cheio de dificuldades.
*Marcelo de Paiva Abreu, Ph.D. em Economia pela Universidade de
Cambridge, é professor titular do Departamento de Economia da PUCRio
-----------------------------------O Estado de S.Paulo 27 07 2009
O Brasil precisa de mais
Carlos Alberto Sardenberg*
Com crise ou sem crise, o maior problema das empresas brasileiras - pequenas,
médias e grandes - está na carga tributária e na pesada e custosa burocracia
necessária para manter impostos em dia. E, entretanto, o que mais se discute
no País, inclusive entre as próprias lideranças empresariais, é a dobradinha
juros-dólar.
Não que não seja importante. Na pesquisa da Confederação Nacional da
Indústria (CNI), para o segundo trimestre deste ano, juros altos aparecem
como a 4ª maior preocupação das empresas pequenas e médias e a 5ª das
grandes. Com o dólar, a relação muda: é o 4º problema das grandes (mais
exportadoras), mas cai lá embaixo na escala das pequenas e médias. Por que,
então, o debate juros-câmbio ocupa muito mais espaço?
Porque parece mais fácil de resolver. Ou, ainda, porque é simples identificar os
"suspeitos habituais". O Banco Central (BC), por exemplo, é um óbvio culpado.
E de crime duplo, porque, ao manter os juros elevados - tal é o discurso -,
encoraja a entrada de dólar especulativo, o que valoriza demais o real.
A taxa básica de juros, agora em 8,75% ao ano (a.a.), está no mais baixo
patamar desde que o País alcançou a moderna estabilidade, na era do real. Os
juros reais, descontada a expectativa de inflação, estão na casa dos 4%, um
resultado que ninguém imaginava poucos meses atrás. Há três anos, o então
ministro da Fazenda Antonio Palocci fez uma festa danada quando essa taxa
real caiu abaixo dos 10%.
Tudo bem, diz o pessoal, mas os juros "no resto do mundo" estão perto de
zero. Primeiro que não é no resto do mundo nem interessa fazer essa
comparação. Os juros na Argentina, por exemplo, são menores, mas não
parece que estejamos querendo imitar o modelo dos Kirchners. Mas é verdade
que os juros estão perto de zero em muitos países importantes, mais ou menos
parecidos com o Brasil.
Essa comparação leva à conclusão de que o BC brasileiro está errado. Assim,
direto? Não seria o caso de perguntar, antes, se não haveria diferenças entre o
Brasil e outros países que explicassem ao menos em parte essa diferença nos
juros?
Há pontos importantes. Entre os principais emergentes, o Brasil foi o último a
abater a inflação e conquistar a estabilidade macroeconômica, e o último a
obter o grau de investimento. Não é de estranhar que, ainda hoje, carregue
uma memória inflacionária mais pesada, inclusive consagrada em lei. Há muitos
preços e contratos indexados à inflação passada, o que impede uma queda
mais forte dos índices. Nessa crise, por exemplo, a inflação foi a zero ou passou
para o perigoso terreno da deflação em muitos países. No Brasil, só agora está
chegando aos 4,5% a.a., justamente por causa daquelas tais correções
automáticas de preços, tarifas e contratos. E mais: do salário mínimo, do piso
da Previdência, dos salários do funcionalismo, etc.
Em vez de enfrentar isso, inclusive a poupança indexada, o que faz o governo?
Fixa uma meta de inflação mais elevada, desenvolvendo a tese de que inflação
mais alta permite juros mais baixos. Pode até ser, no curto prazo, mas, vejam,
é derrubar juros por um mau caminho: o da inflação. Isso é economia de
segunda.
Se é para comparar com os países de primeira, reparem: no médio e no longo
prazos, quem tem metas de inflação mais baixas que a nossa também tem
juros mais baixos.
Mas é mais fácil atacar a miopia do BC do que se engajar num complexo
processo de desindexação da economia. Isso vale para todos: governo e setor
privado. Também é mais fácil culpar de novo o BC por deixar o real valorizado e
assim tornar as exportações mais caras. Mais fácil isso do que se engajar num
complexo processo para desonerar e destravar investimentos em infraestrutura
(portos, estradas, ferrovias e aeroportos, por exemplo), que tornariam os
produtos brasileiros mais competitivos.
Reforma tributária não sai do palavrório. Refazer a legislação e os
procedimentos ambientais, nem pensar. Cortar gastos para reduzir impostos,
só palavrório. Há anos, por exemplo, o ministro Guido Mantega fala em reduzir
os absurdos impostos sobre a folha de pagamento.
Tudo considerado, chegamos a um ponto importante: o modelo implantado ao
longo dos últimos 15 anos de instalação e aperfeiçoamento do real já deu o que
tinha de dar. E foi muita coisa. Mas é preciso uma nova onda de mudanças
estruturais para ir adiante.
É muito provável que o BC tenha chegado ao seu limite com essa taxa básica
de juros de 8,75% ao ano. Pode até cair mais alguma coisinha, mas nada de
substancial sem meta de inflação progressivamente mais baixa, até chegar a
algo entre 2% e 3%. Para isso, será necessário um amplo programa de
desindexação.
É muito provável, também, que a capacidade de crescimento do País não passe
da casa dos 5% ao ano, o que é bastante se comparado com a situação de
alguns anos atrás. Mas o Brasil continuará abaixo da média dos emergentes,
como sempre, se não completar reformas que reduzam a carga tributária (e
sua burocracia), abram espaço e condições amigáveis para os investimentos
privados e ampliem a capacidade de investimento do governo. E, sobretudo, se
não fizer a revolução da educação. Tudo mais complicado do que culpar jurosdólar.
Ora, dirão, por que então o Brasil é tão bem-visto no cenário internacional?
Porque o que se fez até aqui é simplesmente notável. O Brasil saiu de "junk"
para "investiment grade", pela boa cartilha. E não é um país qualquer, mas tem
um PIB de US$ 1,5 trilhão, um mercado que parte de 3 milhões de
automóveis/ano, 180 milhões de celulares, um agronegócio de Primeiro Mundo,
enormes possibilidades no petróleo e por aí vai.
Uma coisa dessas crescendo 5% a.a. é um bom negócio. Mas para brasileiros
que querem prosperar na vida mais depressa seria preciso mais de 5%.
*Carlos Alberto Sardenberg é jornalista
ECONOMIA & OUTRAS NOTÍCIAS
O Estado de S.Paulo 27 07 2009
Anistia para servidores demitidos
infla gastos do governo federal
Ex-funcionários de empresas já extintas ou privatizadas, como a Vale, serão
incorporados em outras funções
Lu Aiko Otta, BRASÍLIA
Pouco mais de mil pessoas demitidas da mineradora Vale do Rio Doce nos anos
1990, quando a empresa era estatal, poderão ganhar em breve o direito de
serem recontratadas como funcionários públicos.
No início de agosto, a Comissão Especial Interministerial (CEI), formada para
analisar casos de ex-funcionários públicos que alegam ter sido demitidos por
perseguição política ou de forma irregular durante o governo Fernando Collor
de Mello (1990-1992), vai julgar os processos dos antigos empregados da Vale.
Como a mineradora é hoje uma empresa privada, os ex-funcionários anistiados
deverão ser absorvidos pelo governo federal, engordando ainda mais a já
pesada folha de pessoal do Executivo.
O caso da Vale não é único. Também aguardam julgamento na comissão
pedidos de reintegração de cerca de 800 funcionários da Telebrás, antiga
holding que controlava as companhias telefônicas estaduais antes da
privatização. Há também milhares de pedidos de ex-funcionários dos
ministérios e de órgãos extintos.
Fora da CEI, há outras pressões por empregos no Estado. No Congresso
Nacional, tramita um projeto de lei que, se aprovado, obrigará o Banco do
Brasil a recontratar funcionários demitidos entre 1995 e 2002, durante o
processo de incorporação, pela instituição, de bancos estaduais quebrados.
Há propostas ainda mais ousadas . O governo, porém, vem resistindo às
pressões.
O futuro dos demitidos da Vale, por exemplo, ainda não está claro. Embora a
Advocacia-Geral da União (AGU) entenda que há base legal para as
recontratações, a área econômica do governo tem dúvidas. Técnicos estranham
o fato de a AGU não haver emitido um parecer formal sobre o tema.
INTERPRETAÇÃO FORÇADA
Integrantes da AGU apenas disseram, nas reuniões da CEI, que é possível
recontratar os demitidos porque as funções desempenhadas pela antiga Vale
continuam presentes no governo federal, em órgãos como o Departamento
Nacional de Produção Mineral (DNPM).
Há quem ache essa interpretação um tanto forçada. Quem defende a
reintegração alega que os demitidos sofreram perseguição política e a
readmissão seria uma forma de compensá-los. O presidente do Sindicato dos
Ferroviários do Espírito Santo e Minas Gerais (Sindfer), João Batista Cavaglieri,
diz que a motivação foi ideológica. "Eles já estavam preparando as
privatizações", disse.
Na interpretação da entidade sindical, há controvérsia se os demitidos deveriam
ser recontratados pelo governo federal ou pela própria Vale.
"A lei é de 1994 e a privatização só ocorreu em 1997", observou Cavaglieri. Ele
contou que a recontratação consta todo ano da pauta de reivindicações
entregue à mineradora, na época do dissídio salarial.De acordo com o
sindicalista, o total de demitidos nos anos 1990 é superior a 10 mil. A maioria
conseguiu recolocação no mercado.
AUDIÊNCIA CONCORRIDA
Há duas semanas, a Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos
Deputados fez uma audiência pública para discutir a volta dos demitidos da
Vale. "Foi a audiência mais concorrida que já tivemos", contou o presidente da
comissão, o deputado Luiz Couto (PT-PB).
Os participantes tiveram de mudar-se para uma sala maior, que abrigasse a
todos. "Foi uma reunião boa porque os membros da Comissão Especial
colocaram que há possibilidade de muitos dos demitidos serem anistiados",
comentou o parlamentar.
ATAQUES À VIÚVA
Demitidos e não concursados querem emprego público
Vale do Rio Doce
Cerca de 1.000 demitidos durante o governo Fernando Collor, quando a Vale
era uma estatal, brigam para ser recontratados pelo governo federal. A
Comissão Especial Interministerial (CEI) analisará os casos
Telebrás
Além dos demitidos da Vale, há processos de ex-funcionários da
Telebrás também para serem analisados pela CEI
Banco do Brasil
O projeto de lei 512, que tramita na Câmara dos Deputados, prevê a
contratação, pelo Banco do Brasil, de funcionários demitidos entre 1995 e
2002. São cerca de 36 mil trabalhadores, a maior parte deles de bancos
estaduais incorporados pelo BB
Furnas
Funcionários terceirizados querem ser integrados ao quadro da empresa sem
prestar concurso público
Serviço de Inspeção Federal (SIF)
Pessoas contratadas para vistoriar produtos agrícolas para o Serviço de
Inspeção Federal (SIF) por meio de convênios do Ministério da Agricultura com
governos estaduais e prefeituras pressionam para serem efetivadas como
servidoras públicas, com estabilidade na carreira. Para isso, é necessário mudar
a Constituição
Cedidos
Funcionários públicos concursados e cedidos a outros órgãos poderão ter o
direito de escolher onde preferem ser efetivados. É o que prevê a PEC 02, de
2003. Em tese, ela está pronta para ser votada
Mais de 7 mil já foram reintegrados no governo
Lula
Lu Aiko Otta, BRASÍLIA
Nos sete anos do governo Luiz Inácio Lula da Silva, 7.617 funcionários públicos
demitidos na administração de Fernando Collor (1990-1992) conseguiram
reaver os empregos. A Comissão Especial Interministerial (CEI), que analisa
caso a caso, já examinou 10.567 processos. Ainda há 3.823 pedidos de
reintegração na fila, entre eles os da Vale e da Telebrás.
A volta desses funcionários tem base na Lei da Anistia, de 1994. Ela garante
retorno a servidores demitidos por razões políticas ou por realização de greve.
Também podem voltar os afastados por processos que violam a Constituição,
leis, regulamentos, acordos, convenções ou sentenças normativas. No caso de
órgãos extintos, a lei permite a volta dos que exerciam funções que continuam
existindo na administração pública.
"As demissões feitas durante o governo Collor foram o maior atentado à
democracia da história da República", disse o presidente da CEI, Idel Profeta,
frisando o caráter político das demissões. "Não sabendo lidar com a oposição,
que tinha base muito organizada pela CUT (Central Única dos Trabalhadores)
nos sindicatos, ele começou a desmontar a máquina pública." Segundo Profeta,
muitos funcionários conseguiram reaver empregos no governo Itamar Franco
(1992-1994), quando a Lei da Anistia foi sancionada.
Os dados, porém, foram perdidos, segundo informou o Ministério do
Planejamento. Durante o governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), as
reintegrações pararam. Foram retomadas no governo Lula, após pressões. A
Advocacia-Geral da União (AGU) elaborou parecer favorável à recontratação. A
Justiça também proferiu sentenças determinando a reintegração de exfuncionários.
Segundo Profeta, a CEI costuma negar os pedidos de reintegração de
funcionários que tenham pedido demissão ou ingressado em programas de
demissão voluntária (PDV). "Nesse caso, eles demonstram a vontade de deixar
o serviço público", explicou.
A comissão admite, porém, que há casos em que o funcionário pode ter sido
pressionado a pedir demissão. Collor extinguiu órgãos e demitiu funcionários
celetistas, que não contavam com estabilidade constitucional. A medida fez
parte de estratégia de enxugar os gastos públicos e enfrentar a hiperinflação da
época.
------------------------------------------------------Folha de S.Paulo 07 07 2009
Petrobras paga R$ 203 mi a
empresa devedora da União
Grupo Protemp já utilizou laranjas e teve incremento de 920% nos
ganhos com a estatal
Empresa diz que questiona débitos na Justiça; contratos com a
Petrobras foram por dispensa de licitação e pelo sistema de convite
FERNANDO BARROS DE MELLO
DA REPORTAGEM LOCAL
A Petrobras pagou, de 2003 a junho deste ano, R$ 203,1 milhões a um grupo
de empresas de terceirização de mão de obra de Santo André (Grande ABC)
que já utilizou laranjas e tem uma dívida milionária cobrada pela União, entre
débitos tributários e previdenciários.
As empresas possuem o mesmo nome -Protemp-, têm fundadores ou sócios em
comum, apresentam o mesmo endereço e estão abrigadas no mesmo site da
internet.
A própria Petrobras enviou à Folha, em um primeiro momento, os valores como
se fossem repassados a uma só empresa. Só depois confirmou que eram três
diferentes CNPJs.
Dos 27 contratos com a Petrobras desde 2005, 11 foram por dispensa de
licitação e 16 pelo sistema de convite, em que a estatal escolhe as empresas
que apresentam propostas.
Segundo a Petrobras, a Protemp é responsável por funcionários que fazem de
análise de dados meteorológicos ou fiscalização de topografia até serviços de
limpeza e comunicação. A empresa diz não ter contratos com outros órgãos
públicos.
Dois CNPJs que receberam verbas da Petrobras estão na Lista de Dívida Ativa
da União desde fevereiro de 2009 e não podem obter Certidão Negativa de
Débitos, o que impede a contratação. Quem está na lista, diz a Procuradoria
Geral da Fazenda Nacional, "não está parcelando, não tem uma decisão judicial
favorável (mesmo que liminarmente) e nem efetuou um depósito como forma
de garantia, antes de discutir a validade ou não do tributo".
A reportagem apurou que o primeiro débito previdenciário surgiu em 1999.
Hoje, a União cobra dívida de R$ 16,99 milhões. A Protemp diz que os
contratos foram feitos porque a empresa questiona débitos na Justiça e está
parcelando a dívida. A Petrobras afirma que até o último contrato, de outubro
de 2008, toda a documentação estava em ordem.
O grupo Protemp já prestava serviços à Petrobras antes de 2003, mas em
volume menor: R$ 19,9 milhões entre 1995 e 2002, no governo Fernando
Henrique Cardoso -crescimento de 920,3% em relação ao período da gestão
Lula.
Laranjas
As empresas com o nome Protemp pertencem, já pertenceram ou foram
fundadas pela empresária Sueli do Espírito Santo, sócia majoritária na Protemp
SG Prestação de Serviços, aberta em 1998 em nome de Walter Fabri. À Folha
Fabri, que trabalha na empresa até hoje, disse que nunca foi sócio. "Sempre fui
funcionário."
O endereço da sede foi alterado de uma sala em Santana do Parnaíba para o
centro de Santo André em 2004. Em 2006, foi aberta a filial do Rio, a cem
metros da sede Petrobras.
Na internet, a Protemp diz ter sido fundada em 1987. Na verdade, essa era a
Protemp Serviços Empresariais, outra da lista de devedores e que recebeu
verbas da Petrobras.
Criada por Sueli do Espírito Santo e Agostinho João Pinheiro (já morto), ela
esteve em nome de duas moradoras da periferia de Santo André. Uma delas,
Deolinda Malentachi (que também foi sócia de outra Protemp), morreu em
novembro de 2007. Ela tinha uma participação majoritária na empresa, de R$
296 mil. Mas não deixou bens. A documentação mostra que Deolinda deixou o
negócio três dias antes de sua morte.
Já a Protemp Consultoria em RH está hoje em nome de ao menos uma laranja.
Essa empresa, no entanto, não recebeu da Petrobras.
A Folha localizou, na periferia de Santo André, a aposentada Maria Aparecida da
Costa, que aparece como sócia da Protemp Consultoria, mas diz ter sido
colocada em uma confusão depois que ela perdeu seus documentos. "Pediram
para eu assinar uns papéis", afirmou.
Maria Aparecida afirmou que, agora, segue orientações de um advogado, que,
segundo ela, a procurou há alguns meses. O advogado é Saulo de Lima, de
Blumenau (SC). Ex-juiz, foi secretário na gestão do petista Dario Lima e
defende o ex-prefeito em outro caso.
-------------------------------------Folha de S.Paulo 27 07 2009
TENDÊNCIAS/DEBATES
O Círculo das Quartas-Feiras
CÁSSIO SCHUBSKY
Muito da história brasileira pode ser contado a partir dos círculos de
debates, grupos de discussão, entidades muitas vezes sem estatuto
MONTANHAS de escândalos. Crise política atrás de crise política. Congresso em
frangalhos. Afinal, os partidos políticos são fadados aos joguetes inescrupulosos
do poder? A política é mesmo suja, todo mundo é corrupto e estamos
definitivamente perdidos? Há salvação no reino (podre) da Dinamarca?
Antes que o leitor largue mão da leitura deste texto, esclareço que não
defenderei o óbvio: a necessidade de uma reforma política ampla para
minimizar os efeitos funestos das nossas seculares práticas políticas. O Brasil
tem salvação: depois de muito dilúvio, haverá a bonança -só que, desta feita,
para o povo, para a democracia, para os valores autênticos da cidadania
ultrajada. E mais não digo, para não transformar este quadrado de papel em
palanque.
Gostaria de abordar uma outra faceta do ato de fazer política. Falar dos círculos
de debates, dos cenáculos, dos grupos informais de encontros que tanto bem
podem fazer às comunidades, às cidades e até ao país, quiçá ao mundo inteiro.
Muito da história brasileira pode ser contado a partir dessas entidades muitas
vezes sem estatuto, sem burocracia, que vivem da vontade de mudar o mundo.
Exemplos: o grupo dos inconfidentes em Minas, que fez a conjuração e não iria,
obviamente, formalizar seus pleitos em documentos oficiais escritos e ao
alcance das autoridades.
O movimento abolicionista, que reunia, por exemplo, jovens estudantes como
Castro Alves, Rui Barbosa e Joaquim Nabuco em círculos como o Ateneu
Paulistano. Ou, então, os inúmeros agrupamentos republicanos, aglutinando de
estudantes a fazendeiros, de militares a rebelados de toda ordem.
Às vezes as rodas informais de debate e ação política se escondem nas
sombras, menos por ardil e mais por anonimato imposto pela história. Eu
mesmo tive o enorme privilégio de participar de um desses centros de
convivência com importante atuação política. Trata-se do Círculo das QuartasFeiras.
Fundado em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição
Federal, o círculo, como ficou carinhosamente conhecido, reunia,
semanalmente, um seleto grupo de estudantes em torno do saudoso professor
Goffredo da Silva Telles Júnior. Na Faculdade de Direito da USP, em cafés da
manhã em hotéis ou no escritório do querido mestre, nosso Círculo das
Quartas-Feiras reuniu-se por anos a fio, engrandecendo seus membros pela
rica convivência.
Além disso, teve destacado papel político na recente história brasileira. Fato
pouco sabido. E quase nada divulgado. Foi por iniciativa do círculo que se
impetrou, ainda em outubro de 1988, o primeiro mandado de segurança
coletivo da história brasileira, em defesa de milhares de servidores estaduais
paulistas em greve, que queriam ter garantido o sagrado direito de reunião
pacífica em frente ao Palácio dos Bandeirantes, época em que a polícia do
governo Quércia reprimia os manifestantes com truculência.
Tudo começou com uma conjectura sobre mudanças havidas na nova
Constituição. E terminou em uma ação judicial de grande repercussão no meio
jurídico e na opinião pública. Também partiu do Círculo das Quartas-Feiras o
primeiro grito pelo impeachment do então presidente Collor, assim que seu
governo decretou medidas flagrantemente inconstitucionais, como o confisco da
poupança.
O que era só uma revolta de um grupo de estudantes em torno de um
professor ilustre transformou-se em ação de esclarecimento de inúmeros
círculos políticos e jurídicos. Quando os escândalos de corrupção se
avolumaram no noticiário, a cidadania brasileira foi às ruas pelo afastamento
constitucional do presidente, e o impeachment se transformou em conversa de
todos os grupos de pessoas reunidas informalmente em fábricas, escolas ou
botecos.
Nem se imagine que as grandes mudanças começam como movimento de
massa. Há sempre grupos que conspiram, positivamente, em busca de
mudanças mais ou menos profundas do status quo. Às vezes por ação de
indivíduos, as campanhas cívicas vão ganhando adeptos, e suas ideias chegam
a tornar-se hegemônicas.
Jesus Cristo, por exemplo, de perseguido por seu ideal de justiça e
fraternidade, passou a messias. Tiradentes, esquartejado, sagrou-se herói.
Castro Alves e Luiz Gama, entre tantos outros, viraram líderes da abolição. É
assim mesmo: o rastilho de pólvora uma hora se acende, aquece os corações e
detona as mais inusitadas reações populares.
É sempre hora de arregaçar as mangas, buscar parceiros de convicções,
começar uma conversa aqui e outra acolá. E ir à luta!
CASSIO SCHUBSKY, formado em direito pela USP e em história pela
PUC-SP, editor e historiador, é organizador do livro "Estado de Direito
Já! - Os Trinta Anos da Carta aos Brasileiros".
---------------------------Folha de S.Paulo 27 07 2009
Nos EUA, crise migra para o setor
comercial
FERNANDO CANZIAN
DE NOVA YORK
Duas entre cada dez lojas na famosa 5ª Avenida em Manhattan, entre as ruas
42 e 49, estão fechadas. Várias delas, desde o início do ano. Em locais menos
nobres nos bairros de Queens e Brooklyn, há ruas com entre 25% e 40% dos
imóveis comerciais para alugar ou à venda.
A crise do mercado de imóveis residenciais nos EUA vem migrando rapidamente
para a área comercial. Suas primeiras vítimas são quatro entre os maiores
bancos proporcionalmente mais expostos a esse mercado, Wells Fargo, US
Bancorp, SunTrust e KeyCorp.
Todos apresentaram pesadas perdas nos balanços do segundo trimestre do ano
por conta de calotes no pagamento de financiamentos a clientes.
Segundo a Moody's Investors Service, existem hoje nos EUA o equivalente a
US$ 108 bilhões em imóveis comerciais com atrasos nos pagamentos. Na
média nacional, o não pagamento dobrou nos últimos 12 meses, para 4,3% do
total, segundo a Foresight Analytics.
A razão é a mesma que levou quase 1,5 milhão de mutuários residenciais a
enfrentar ações de despejo no primeiro semestre do ano. Enquanto muitos
mutuários perderam seus empregos ou parte da renda nesta recessão, donos
de lojas e outros negócios perdem clientes e receitas para continuar pagando
aluguéis ou financiamentos imobiliários.
Como resultado, os preços dos imóveis comerciais nos EUA caíram 7,6% em
maio sobre igual mês do ano passado. A queda desde o pico da "bolha
imobiliária" nos EUA, em 2008, equivale a 35%.
Bancos mais expostos a esse mercado já vêm assumindo perdas entre 30% e
40% nos financiamentos de risco dados a clientes "subprime", a quem
concederam créditos mais caros diante de históricos de crédito mais frágeis como aconteceu no mercado de residências.
Nos balanços dos bancos do segundo trimestre deste ano, os calotes do setor
imobiliário comercial foram o principal ponto negativo. Em vários casos, o
banco teve os lucros de outras áreas suplantados pelos prejuízos no setor.
Em depoimento no Congresso nesta semana, o presidente do Fed (o BC dos
EUA), Ben Bernanke, disse estar "preocupado com o crescente nível de
desocupação, queda nos aluguéis e aumento da inadimplência" no setor de
imóveis comerciais.
Bernanke sugeriu que o governo poderá criar em breve uma nova linha de
crédito, a exemplo do que foi feito no mercado residencial, para ajudar
pequenos e médios empresários a renegociar seus pagamentos com os bancos.
Na mesma audiência, o democrata Christopher Dodd, presidente do Comitê de
Bancos do Senado, disse que "muitos têm sugerido que o problema neste setor
poderá ser bem maior do que o ocorrido com as residências". A atividade de
compra, venda, financiamento e locação de imóveis comerciais nos EUA
contribui por ano com cerca de 13% do PIB.
-----------------------------------O Estado de S.Paulo 27 07 2009
Invasão já ameaça setor
eletroeletrônico
Importados da China respondem por 20% do consumo nacional e
muitos produtos deixaram de ser fabricados
Raquel Landim e Cleide Silva
Os eletroeletrônicos são os mais prejudicados pela concorrência da China. A
fatia do gigante asiático no consumo chega a 20%, enquanto nos demais
setores da economia não supera 5%. Especialistas em comércio exterior
avaliam que, neste caso, o avanço chinês pode ser considerado uma "invasão".
No ano passado, a China respondeu por 22,6% das máquinas para escritório e
informática, 19,7% do material eletrônico e de comunicações e 18,7% dos
equipamentos médico-hospitalares e de automação industrial consumidos pelo
Brasil.
"São três setores em que apenas um país representa 20% do total do consumo
brasileiro. É muita coisa", diz Fernando Ribeiro, economista da Fundação Centro
de Estudos do Comércio Exterior (Funcex).
"Os componentes eletrônicos brasileiros praticamente desapareceram do
mercado. É natural uma maior presença da China, porque houve uma
transferência maciça de fábricas americanas e europeias para a Ásia", explica
Humberto Barbato, presidente da Associação Brasileira da Indústria Elétrica e
Eletrônica (Abinee).
Para Ribeiro, os dados evidenciam que, no setor eletroeletrônico, o impacto da
China foi mais significativo para os fornecedores de outras origens do que para
os nacionais.
Entre 2003 e 2008, a presença da China no consumo de máquinas para
escritório e informática saiu de 6,3% para 22,6%, ou seja, uma alta de 259%.
No entanto, a participação total das importações no consumo desses produtos
oscilou de 40,8% para 41,8% no período.
Em material eletrônico e de comunicações, a situação é parecida. Enquanto a
presença da China no consumo nacional subiu 234% entre 2003 e 2008, o
avanço da fatia total dos importados foi de 19,9%.
Empresários do setor contam que, por muitos anos, a participação da China se
restringia à compra de componentes para complementar a linha de produção.
Mas, a partir de 2005, as empresas passaram a trazer produtos acabados,
promovendo um deslocamento de produção e o fim da montagem local de itens
como rádios e gravadores portáteis.
"Não há mais nenhum rádio feito no Brasil", confirma Barbato, da Abinee. Ele
admite que, num primeiro momento, as empresas trazem peças para
montagem local, mas, com o desequilíbrio cambial, podem partir para a
importação de produtos acabados.
Mario Sergio Amarante Filho, gerente de vendas e marketing da multinacional
austríaca Kraus & Naimer, fabricante de chaves comutadoras elétricas em Cotia
(SP), diz que o produto chinês chega ao País entre 40% a 50% mais barato que
o nacional. Além dos custos mais em conta, as fabricantes nacionais dizem que
enfrentam também a pirataria.
"Não é só questão de câmbio", diz Amarante . "Representantes de empresas
chinesas pesquisam e fotografam nossos produtos e depois os copiam, sem
gastar nada em desenvolvimento", conta. As chaves comutadoras elétricas são
usadas em equipamentos de distribuição de energia.
--------------------------------------O Estado de S.Paulo 27 07 2009
Mensagens instantâneas ganham
espaço no marketing
Cada vez mais, empresas usam os torpedos para divulgar ações
Marili Ribeiro
Com praticamente 160 milhões de usuários de celular no País, segundo os
últimos dados oficiais, já não há mais dúvidas de que os anunciantes devem
redobrar a atenção com o potencial desse canal de mídia. Companhias que
prestam serviços para o consumidor final podem até mesmo reduzir seus
custos com a manutenção de call centers, apelando, por exemplo, ao sistema
de envio de mensagens instantâneas, o SMS, em substituição aos telefonemas
de avisos, como os de atrasos de pagamento, por exemplo.
É verdade que todas as ações de marketing embarcadas em celulares
dependem da conivência do usuário da linha. Trata-se de um acordo informal
entre as operadoras de telefonia e as agências de propaganda, já que não
existe uma política de publicidade ou relacionamento definida para a utilização
de recursos, como o básico presente em todos os aparelhos, o SMS - o popular
torpedo. Ao comprar uma linha, as pessoas podem recusar, na assinatura do
contrato, o recebimento desse tipo de mensagem. A maioria, porém, não o faz.
Por enquanto, a maior liberalização no uso do SMS pelas empresas se dá para o
envio de mensagens classificadas como de "prestação de serviços". Ou seja, o
tráfego de informações como a confirmação do horário de um exame médico,
do check in de um voo, ou ainda sobre a movimentação de conta bancária, ou
dados sobre pagamentos de contas de luz, gás e água. Tanto é assim que
cresce o número de empresas que usam a ferramenta, entre hospitais,
laboratórios, farmácias, bancos, operadoras de TV paga, companhias aéreas,
empresas de energia e seguradoras. Normalmente, são empresas responsáveis
por tráfego de volumes significativos de informações dirigido a um público
vasto.
A Spring Wireless, empresa especializada em negócios para tecnologia móvel e que, no ano passado, administrou mais de 1 bilhão de mensagens via SMS
para seus clientes -, avalia que o SMS, disponível em qualquer aparelho celular,
tem mais de 100% de penetração com o público. "Temos soluções para operar
o cruzamento de informações nesse tráfego entre empresas e seus clientes
que, dependendo da complexidade dos dados, são implantados entre três e 15
dias", explica Angelo Tonin, vice-presidente de vendas e desenvolvimento de
negócios da Spring.
As próprias operadoras estimam que trafeguem em torno de 600 milhões de
SMS por mês hoje em dia. A maioria das mensagens é de pessoa para pessoa,
um movimento que é controlado pelas próprias operadoras de telefonia. A
Spring projeta deter mais de um terço desse mercado voltado para o sistema
de envio, recebimento e processamento de informações para terceiros. Um
mercado onde se inclui também o chamado "mobile marketing", que são as
promoções via SMS e os downloads de games, wallpapers e ringtones.
"A Spring está se expandindo para todos os países onde já tem escritórios (15
fora do Brasil), incluindo México, EUA, China e Europa", conta Tonin, que
também reconhece que o avanço de redes sociais de contato via internet, como
o Twitter, pode vir a roubar público de recursos mais simples, como o torpedo,
na função de canal de comunicação entre empresas e pessoas. Hoje, a barreira
para isso em países como o Brasil é o preço dos celulares de última geração,
que são os que comportam o programa de acesso ao Twitter. Lá fora, há
profissionais dando dicas para as marcas criarem relacionamento amigável no
Twitter com potenciais clientes. A rede de lojas de eletroeletrônicos Best Buy,
por exemplo, pôs 500 funcionários no Twitter para tirar dúvidas sobre os
produtos que vende.
EVOLUÇÃO
"No Japão e na Coreia, países que estão pelo menos cinco anos à frente dos
outros em uso de celular para múltiplas ações além de voz, o SMS já evoluiu
para a troca de vídeos por celular", diz Maurício Tortosa, sócio da Hello
Interactive, agência de marketing digital do grupo ABC. "Fora isso, até mesmo
o SMS no Brasil é caro, quando comparado ao de outros países. Nós pulamos
da fase do e-mail marketing, que infestou os computadores com mensagens
indesejadas, para era do SMS, que corre o risco de repetir o erro pelo excesso."
Para Thiago Lopes, gerente de planejamento estratégico da agência Talent, o
uso do SMS como plataforma de relacionamento é bem sucedido
comercialmente quando consegue levar contrapartida para o consumidor. No
Brasil, ele reconhece, a utilização é ainda muito concentrada em promoções
para o cliente confirmar sua participação em alguma competição ou sorteio.
Para ações de marketing mais elaboradas, ainda há resistência porque, como o
mercado reconhece, no Brasil, as pessoas têm uma relação muito pessoal com
o celular e um anúncio não autorizado é considerado invasivo.
"Mas já há ações via SMS bem aceitas, como as que foram feitas pelas marcas
do achocolatado Toddy, do desodorante Rexona, das lojas C&A e da vodca
Absolut", diz Lopes. "Até mesmo o governo de São Paulo usou torpedo para
avisar sobre vagas de emprego a candidatos inscritos em um programa de
busca por trabalho."
Presente na mão de quase todos, os telefones móveis são cada vez mais um
objeto de desejo no mundo das marcas na eterna ambição de criar vínculos
com os consumidores .
FRASES
Maurício Tortosa
Sócio da Hello Interactive
"No Japão e na Coreia, países que estão pelo menos cinco anos à frente dos
outros em uso de celular para múltiplas ações além de voz, o SMS já evoluiu
para a troca de vídeos por celular"
Thiago Lopes
Gerente de planejamento estratégico da Talent
"Já há ações via SMS bem aceitas, como as que foram feitas pelas marcas do
achocolatado Toddy, do desodorante Rexona, das lojas C&A e da vodca Absolut.
Até mesmo o governo de São Paulo usou torpedo para avisar sobre vagas de
emprego"
-------------------------------------O Estado de S.Paulo 27 07 2009
Reino Unido perde 52 pubs por
semana por causa da crise
No total, 2,3 mil estabelecimentos já fecharam as portas desde julho do
ano passado
Jamil Chade, LONDRES
Com o desemprego em alta, queda no crédito e a pior recessão em décadas, o
Reino Unido vive um novo fenômeno: a quebra sem precedentes de pubs, os
tradicionais bares espalhados por todo o país desde a Idade Média e
reconhecidos em todo o mundo. Em média, 52 pubs estão fechando suas portas
a cada semana. Nos últimos doze meses, 24 mil pessoas já foram demitidas.
Nas proximidades do estádio do time de futebol West Ham United, o pub Boleyn
Tavern sobrevive apenas graças aos dias de jogos. As vendas não são como
antes. O consumo caiu muito. "Se não fosse pelo estádio de futebol,
provavelmente já teríamos fechado as portas e também decretado falência",
disse a proprietária Lisa O?Brian.
Na noite da última sexta-feira, poucos eram os clientes no pub. "Não era assim
antes", admitiu um cliente, John Mann. No total, 2,3 mil pubs deixaram de
funcionar desde julho de 2008, segundo os dados oficiais publicados na semana
passada pela British Beer & Pub Association (BBPA). No total, existem ainda
53,4 mil pubs em todo o Reino Unido. Em 2009, a taxa de quebra dos bares
aumentou. Nos últimos seis meses de 2008, o índice de fechamento era de
cerca de 39 pubs por semana.
QUEDA NA RENDA
"A recessão está provando ser muito dura para os pubs", afirmou o presidente
da associação, David Long. Os mais atingidos são os pubs de pequenas
comunidades ou de regiões nas proximidades de fábricas que foram obrigadas
a demitir. "O fechamento de pubs não é bom para a comunidade", disse Long.
Rich Lewis, dono do pub The Charles Lamb, tem mais sorte. Seu
estabelecimento está localizado em um local mais nobre da cidade, atraindo
consumidores com maior poder aquisitivo. "Nós não somos a regra. Muitos
donos de pubs estão entregando seus negócios aos bancos", disse.
No Reino Unido,
em décadas. No
desemprego é o
nos últimos três
a previsão é de uma queda do PIB em 2009 de 4,5%, a maior
último trimestre, a economia britânica encolheu em 0,8%. O
maior em 12 anos e a queda no número de postos de trabalho
meses é a maior verificada desde 1971.
Quem ainda sobrevive são as grandes redes de pubs, como a Wetherspoon,
que controla 720 pubs em todo o Reino Unido e é a maior em seu setor. Mas
ainda assim os executivos da rede admitem que tiveram de promover uma
redução nos preços para garantir que os clientes continuem a consumir. "Os
preços foram essenciais para manter o ritmo de consumo", afirmou Eddie
Gershon, um dos representantes da Wetherspoon.
Para os menores, essa concorrência está ajudando a liquidar seus negócios.
Mas David Long alertou que o governo também não tem ajudado. "A crise ficou
ainda mais intensa diante do aumento de impostos sobre a cerveja."
Para ele, "enquanto todos os setores recebem ajuda nesse momento de crise, o
governo está surdo diante de nossas queixas". A entidade alerta que o governo
já deixou de coletar impostos no valor de US$ 350 milhões com as quebras. A
associação ainda alerta que a conta do governo para pagar o seguro
desemprego também ultrapassa a marca de US$ 2 milhões.
Por semana, 15 milhões de pessoas frequentam os tradicionais pubs em todo o
Reino Unido e, em alguns casos, são centros de referência para comunidades
no interior do país. No total, o setor emprega 600 mil pessoas.
O nome pub vem de "public houses" (casas públicas), derivadas dos locais
abertos no Reino Unido durante a ocupação pelo Império Romano. Mas foi
apenas na Idade Média que o nome se fixou.
----------------------------------O Estado de S.Paulo 27 07 2009
O dever da liberdade
Carlos Alberto Di Franco
Acabo de ler o instigante livro de um colega no fascinante ofício de análise da
mídia: A Imprensa e o Dever da Liberdade, de Eugênio Bucci (Editora Contexto,
São Paulo, 2009). Recomendo-o vivamente a todos os que se preocupam com a
ética informativa, o papel da imprensa, a liberdade e as relações entre o
jornalismo e o poder.
Bucci afirma, com razão, que "os jornalistas e os órgãos de imprensa não têm o
direito de não ser livres, não têm o direito de não demarcar a sua
independência a cada pergunta que fazem, a cada passo que dão, a cada
palavra que escrevem. (...) Os jornalistas devem recusar qualquer vínculo,
direto ou indireto, com instituições, causas ou interesses comerciais que possa
acarretar - ou dar a impressão de que venha a acarretar - a captura do modo
como veem, relatam e se relacionam com os fatos e as ideias que estão
encarregados de cobrir."
A independência é, de fato, regra de ouro. Mas não se confunde com o mito da
neutralidade jornalística. A separação radical entre fatos e interpretações
simplesmente não existe. É uma bobagem. Jornalismo não é ciência exata e
jornalistas não são autômatos. Além disso, não se faz bom jornalismo sem
emoção. A frieza é anti-humana e, portanto, antijornalística. A neutralidade é
uma mentira, mas a isenção é uma meta a ser perseguida. Todos os dias. A
imprensa honesta e desengajada tem um compromisso com a verdade. E é isso
que conta. Daí decorre o dever da liberdade.
Mas a busca da isenção enfrenta a sabotagem da manipulação deliberada, a
falta de rigor e o excesso de declarações entre aspas.
O jornalista engajado é sempre um mau repórter. Militância e jornalismo não
combinam. Trata-se de uma mescla talvez compreensível e legítima nos anos
sombrios da ditadura, mas que, agora, tem a marca do atraso e o vestígio do
fundamentalismo sectário.
O militante não sabe que o importante é saber escutar. Esquece, ofuscado pela
arrogância ideológica ou pela névoa do partidarismo, que as respostas são
sempre mais importantes que as perguntas. A grande surpresa no jornalismo é
descobrir que quase nunca uma história corresponde àquilo que imaginávamos.
O bom repórter é um curioso essencial, um profissional que é pago para se
surpreender. Pode haver algo mais fascinante? O jornalista ético esquadrinha a
realidade, o profissional preconceituoso constrói a história.
Todos os manuais de redação consagram a necessidade de ouvir os dois lados
de um mesmo assunto. Trata-se de um esforço de isenção mínimo e
incontornável. Mas alguns desvios transformam um princípio irretocável num
jogo de cena. A apuração de faz de conta representa uma das maiores
agressões à ética informativa.
Matérias previamente decididas em bolsões engajados buscam a cumplicidade
da imparcialidade aparente. A decisão de ouvir o outro lado não é sincera, não
se apoia na busca da verdade. É um artifício. O assalto à verdade culmina com
uma estratégia exemplar: a repercussão seletiva. O pluralismo de fachada
convoca, então, pretensos especialistas para declararem o que o repórter quer
ouvir. Personalidades entrevistadas avalizam a "seriedade" da reportagem.
Mata-se o jornalismo. Cria-se a ideologia.
É necessário cobrir os fatos com uma perspectiva mais profunda. Convém fugir
das armadilhas do politicamente correto e do contrabando opinativo semeado
pelos arautos das ideologias.
Bucci, com a precisão de um cirurgião do texto, lanceta inúmeros tumores e vai
ao cerne da correta relação entre imprensa e poder. "Para melhor cumprir seu
papel de levar informações ao cidadão, a imprensa precisa fiscalizar o poder - e
o verbo fiscalizar carrega, aqui, o sentido de vigiar, de limitar poder. Sem ela,
não há como se pensar em limites para o exercício do poder na democracia.
Portanto, não é saudável nem útil a imprensa que se contente com o papel de
apoiar os que governam. Não é saudável, não é útil, nem mesmo imprensa ela
é."
Um país não se pode apresentar como democrático e livre se pedir à imprensa
que não reverbere os seus problemas. O governo Lula, no entanto, manifesta
crescente insatisfação com o trabalho da imprensa. Para o presidente da
República - um político que deve muito à liberdade de imprensa e de expressão
-, jornalismo bom é o que fala bem. Jornalismo que apura e opina com isenção
incomoda, irrita e "provoca azia". Está, na visão de Lula, a serviço da "elite
brasileira". Reconheço, no entanto, que Lula não é um crítico solitário da mídia.
Políticos, habitualmente, não morrem de amores pelo trabalho dos jornalistas.
A simples leitura dos jornais oferece um quadro assustador do cinismo que se
instalou na entranha do poder. Os criminosos, confiados nos precedentes da
impunidade, já não se preocupam em apagar as suas impressões digitais. Tudo
é feito às escâncaras. Quando pilhados, tratam de desqualificar a importância
dos fatos. Atacam a imprensa e lançam cruzadas contra suposto
prejulgamento. Mente-se com o mesmo cinismo do futebolista que nega a
clamorosa evidência de um pênalti redondo.
O que fazer quando o presidente da República chama senadores de pizzaiolos,
faz graça com a corrupção e incinera a ética no forno do pragmatismo e da
suposta governabilidade? O que fazer quando políticos se lixam para a opinião
pública? Só há um caminho: informação livre e independente. Não se constrói
um grande país com mentira, casuísmos e esperteza. Edifica-se uma grande
nação, sim, com o respeito à lei e à ética. A transparência informativa, de que
os políticos não gostam, representa o elemento essencial de renovação do
Brasil.
Governos passam, mesmo quando navegam em mares de votos, mas as
instituições democráticas ficam.
Carlos Alberto Di Franco, doutor em Comunicação pela Universidade de
Navarra, professor de Ética, é diretor do Master em Jornalismo
(www.masteremjornalismo.org.br) e da Di Franco - Consultoria em Estratégia
de Mídia (www.consultoradifranco.com) E-mail: [email protected]