Jung, Carl Gustav - O Simbolismo da Mandala

Transcrição

Jung, Carl Gustav - O Simbolismo da Mandala
XII
O SIMBOLISMO DA MANDALA
[Publicado pcla primcira vcz cm: Gestaltungen des Unbewussten (Psychologischc
Abhandlungcn VII) Raschcr, Zuriquc, 1950. As imagcns foram rcunidas originariamcntc por
C.G. JUNG para urn Seminário rcalizado cm Bcrlim, cm 1930. Novc delas (imagcns 1,6, 9,25,
26, 28, 36, 37 c 38) foram rcproduzidas como "excmplos dc mandalas europcias" cm:
RICHARD WILHELM c C. G. JUNG, Osegredo daflorde ouro. Urn livro de vida chines. Dorn
Vcrlag, Muniquc, 1929.]
Tentarei a seguir representar uma categoria especial de simbolismo, 627
a da mandala, através de grande numero de imagens. Já me manifestei
várias vezes acerca desse tema e finalmente descrevi e comentei minuciosamente essa espécie de simbolo que ocorreu no decorrer de um trata-mento
individual, no meu livro Psicologia e alquimia, 1944. Repeti a tentativa na
contribuição precedente deste volume; neste caso as manda-las não provêm
de sonhos, mas da imaginação ativa. Na presente exposi-ção publico
mandalas da mais variadaproveniência, a fim de fornecer ao leitor, por um
lado, uma impressão da espantosa riqueza de formas da fantasia individual
e, por outro, possibilitá-lo a fazer uma idéia da ocor-rência recorrente dos
elementos básicos.
Em relação à interpretação devo remeter o leitor à literatura respecti- 628
va. Neste trabalho contentar-me-ei com alusões, pois uma explicação
mais aprofundada, como mostra o exemplo da mandala descrita em Psicologia e religião ou as descrições das investigates preliminares deste
volume, levariam muito longe.
"Mandala", em sânscrito, significa circulo. Este termo indiano de- 629
signa desenhos circulares rituais. No grande templo de Madura (sul da
índia) observei sendo feita uma imagem desse tipo. Uma mulher a desenhava no chão do mandapam (átrio) com giz colorido. A mandala media três
metros de diâmetro. Um pandit que me acompanhava explicou-me que nada
podia informar a respeito. Somente as mulheres que traçavam tais imagens o
sabiam. A própria desenhista recusou-se a comentar o que fazia. Obviamente
não queria ser perturbada em seu trabalho. Mandalas elaboradas, executadas
com argila vermelha, encontram-se também nas paredes externas caiadas de
muitas cabanas. As mandalas melhores e mais signifícativas são
encontradas no âmbito do budismo tibetano . Como exemplo, pode servir a
seguinte mandala tibetana , cujo conheci-mento devo a RICHARD
WILHELM.
1. V. Psicologia e alquimia [parágr. 122s.]
2. Do China-Institut cm Frankfurt.
Imagem 1
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Uma mandala deste tipo é urn assim ch.ama.do yantra, de uso ritual,
instrumento de contemplaçâo. Ela ajuda a concentração, diminuindo o
campo psiquico circular da visão, restringindo-o até o centra. Habitualmente a mandala tern três círculos, pintados de preto ou de azul escuro,
os quais devem excluir o exterior e manter coeso o interior. Quase que regularmente a beirada externa é de fogo, isto é, do fogo da concupiscentia,
do desejo, do qual provêm os tormentos do inferno. Quase sempre são representados na beirada mais externa os horrores do sepultamento. Em direção ao interior há uma coroa de folhas de lotus, que caracteriza o todo
como um padma, flor de lótus. Dentro há urn tipo de pátio de mosteiro
com quatro porticos. Este significa o sagrado isolamento e concentração.
No interior deste pátio encontram-se em geral as quatro cores básicas
vermelho, verde, branco e amarelo, representado os quatro pontos cardeais e ao mesmo tempo as funções psíquicas, conforme mostra o Bardo
Tòdof tibetano. Segue-se o centro, usualmente, mais uma vez separado
por um círculo mágico, como objeto essencial ou meta da contemplação.
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Este centro é tratado de diversas maneiras, de acordo com as exigências rituais ou o grau de iniciaçao do contemplativo ou da orientação da
seita. Em geral representa-se Shiva em suas emanações criadoras do
mundo. Segundo a doutrina tântrica é o uno existente, o atemporal em
seu estado perfeito. A criação começa pois com Shiva não expandido,
sob a forma de ponto - designado por Shiva-bindu - aparece no externo
amplexo de seu lado feminino, isto é, do feminino em geral, da Shakti.
Então ele sai do estado do ser-em-si para atingir o estado do ser-para-si,
utilizando a linguagem HEGELiana.
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No simbolismo da ioga kundalini, Shakti é representada como serpente que se enrosca três vezes em torno do linga, isto é, Shiva sob a for
ma do falo. Esta é a representação da. possibilidade das manifestações do
espaço. De Shakti procede Maya, o material de construção de todas as
coisas individuals desdobradas; assim sendo, ela é a geradora do mundo
concreto. Este é considerado uma ilusão, um ser não-ser. Ela é e no entanto permanece guardada em Shiva. A criação começa pois com um ato de
cisão dos opostos que são unidos na deidade. Da tensão entre eles surge
como uma gigantesca explosão de energia, a multiplicidade do mundo.
3. [Cf. JUNG, Psychologischer Kommentar zum Bardo Todol in: Dan tibetanischer Totenbuch, parágr. 850.]
A meta da contemplação dos processos representados na mandala é 633
que o iogue perceba (interiormente) o deus, isto é, pela contemplaçao ele se
reconhece a si mesmo como deus, retornando assim da ilusão da exis-tência
individual à totalidade universal do estado divino.
Como já foi dito, mandala significa circulo. Há muitas variações do 634
tema aqui representado, mas todas se baseiam na quadratura do circulo. Seu
tema básico é o pressentimento de um centro da personalidade, por assim
dizer um lugar central no interior da alma, com o qual tudo se rela-ciona e que
ordena todas as coisas, representando ao mesmo tempo uma fonte de energia.
A energia do ponto central manifesta-se na compulsão e impeto irresistiveis
de tornar-se o que se é, tal como todo organismo é compelido a assumir
aproximadamente a forma que lhe é essencialmente própria. Este centro não é
pensado como sendo o eu, mas se assim se pode dizer, como o si-mesmo.
Embora o centro represente, por um lado, um ponto mais interior, a ele
pertence também, por outro lado, uma peri-feria ou area circundante, que
content tudo quanto pertence ao si-mesmo, isto é, os pares de opostos que
constituem o todo da personalidade. A isso, em primeiro lugar, pertence a
consciência, depois o assim chamado inconsciente pessoal, e finalmente um
segmento de tamanho indefinido do consciente coletivo, cujos arquétipos são
comuns a toda humanidade. Alguns deles estão incluídos permanente ou
temporariamente no âmbito da personalidade e adquirem, através desse
contato, uma marca individual, como por exemplo - para mencionar
algumas das figuras conheci-das - a sombra, o animus e a anima. O simesmo, apesar de ser simples, por um lado, é, por outro, uma montagem
extremamente complexa, uma conglomerate soul, para usar a expressão
indiana.
A literatura lamaica dá prescrições muito pormenorizadas sobre 635
como deve ser pintado um circulo desse tipo e como utilizá-lo. Forma e
cores sao estabelecidas pela tradição, motivo pelo qual as variações se
movem dentro de limites relativamente estreitos. Na verdade, o uso ritual
da mandala não é budista; em todo caso ele é desconhecido no budis-mo
original do hinayana, aparecendo somente no budismo mahayana.
A mandala apresentada aqui (imagem 1) descreve o estado de uma 636
pessoa transportada, a partir da contemplação, a um estado absolute É por
isso que nesta mandala faltam as representações do inferno e dos hor-rores do
lugar do sepultamento. O belemnite (pedra sagitiforme) dia-mantino, o dorje
no centro, manifesta o estado perfeito da união do mas-culino e do feminino.
O mundo das ilusões desapareceu defmitivamente. Todas as energias
concentraram-se novamente no estado inicial.
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Os quatro belemnites nos porticos do pátio interno parecem sugerir
que a energia vital flui para dentro; desprendeu-se dos objetos e volta ao
centra. Quando é atingida a perfeita união de todas as energias nos quatro
aspectos da totalidade, cria-se urn estado estático, que não está mais sujeito a qualquer mudança. Na alquimia chinesa, este estado é denominado
"corpo de diamante"; ele corresponde ao corpus incorruptibile da alqui
mia medieval que é idêntico ao corpus glorificationis na acepção cristã,
isto é, ao corpo incorruptivel da rçssjarreição. Esta mandala mostra assim
a união de todos os opostos, colocadâ entre yang e yin, entre céu e terra, o
estado do eterno equilíbrio e, conseqüentemente, da duraçao imutável.
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Para os nossos propósitos psicológicos mais modestos, temos que
abandonar, porém, essa linguagem metafísica e colorida do Oriente. O
que a ioga busca com esse exercicio é sem dúvida uma transformação
psiquica do adepto. O eu é expressão da existência individual. Neste
exercicio ritual, o iogue troca seu eu por Shiva ou Buda; produz, portanto, uma transposição muito significativa do centro psicológico do eu pessoal para o nao-eu impessoal, que agora é experimentado como o verdadeiro "fundo do ser" da personal idade.
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Nesse contexto, quero mencionar uma concepção chinesa similar,
isto é, o sistema no qual se baseia o / Ching.
Imagem 2
640 No centro está o ch'ien, o céu do qual procedem as quatro emanações, como forças celestes que se expandem no espaço.
641
642
ch'ien: energia autogeradora criativa, correspondente a Shiva
heng: força que permeia tudo
yuen: força geradora
li: força benéfica
ching: força inalterável determinante
Em torno deste centro masculino de força estende-se a terra com
seus elementos configurados. É a mesma idéia da união Shiva-Shakti na
ioga kundalini, mas que é representada como espaço da terra, recebendo
em si a forca criativa do céu. Da união de ch'ien (céu) com kun, o feminino, surge a tetraktys que está à base de todo ser (como em PITÁGORAS).
O "mapa do rio" é um dos fundamentos legendários do / Ching, o Livro das Mutações, o qual em sua presente forma data em parte do sec. XII
aC. Segundo a lenda, um dragão trouxe do fundo de um rio os sinais má-
gicos do "mapa do rio". Nestes, os sábios descobriram o desenho e dentro dele as leis da ordem do mundo. A representação aqui mostrada se caracteriza, de acordo com a sua longa idade, por cordões com nós, significando números. Tais números têm o caráter primitivo usual de qualidades, principalmente masculinas e femininas. Todos os nomes impares
sao masculinos; ao passo que os numeros pares são femininos.
Infelizmente desconheço se esta concepção primitiva da filosofia 643
chinesa influenciou ou não a formação das mandalas tântricas, muito mais
recentes. Os paralelos porém saltam à vista, de modo que o investi-gador
europeu deve interrogar-se que concepção influenciou a outra: a chinesa
proveio da indiana, ou esta proveio da chinesa? Um indiano a quem
interroguei respondeu-me: "Naturalmente a chinesa surgiu da indiana". Mas
não sabia determinar a antiguidade das concepções chine-sas. As raizes do /
Ching remontam ao terceiro milênio antes de Cristo. Meu falecido amigo
RICHARD WILHELM, eminente conhecedor da filosofia clássica chinesa,
era da opiniao de que não haviaprovavelmente qualquer conexão direta entre
ambas. Apesar da similaridade fundamental das idéias simbólicas, não é
necessário haver uma influência direta, uma vez que as idéias, como a
experiência mostra e como acredito ter de-monstrado, sempre surgem
independentes umas das outras, de modo au-tóctone, a partir de uma matriz
anímica geral.
Imagem 3
Em contrapartida à mandala lamaica, reproduzo a "roda do mundo" 644
tibetana que deve ser estritamente diferenciada da anterior. A roda é uma
representação do mundo. No centro, encontram-se os três princípios: galo,
serpente e porco, simbolizando a luxuria, a inveja e a inconsciência. Ela tern
perto do centro seis raios e mais externamente doze raios. Baseia-se no sistema
triádico. A roda é sustentada pelo deus da morte, Yama. (Mais tarde
encontraremos outros "sustentadores de escudo": imagens 34 e 47.) É
compreensivel que o mundo padecente da velhice, da doença e da morte se
encontre nas garras do demônio da morte. O estado incompleto do ser é
significativamente expresso por um sistema triádico, ao passo que o estado
completo (espiritual), o é por um sistema tetrádico. A rela-ção do ser
incompleto com o completo corresponde portanto a uma pro-portio
sesquitertia, isto é, 3:4. Esta relação é conhecida natradição alquí-
mica ocidental como Axioma de Maria. No simbolismo onirico também
desempenha um papel considerável .
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Passemos agora às mandalas individuals, tais como são produzidas
espontaneamente por pacientes e analisandos no decorrer da conscientização do inconsciente. Ao contrário das que acabamos de comentar, elas
não se baseiam em qualquer tradição e modelo, na medida em que parecem representar criações livres da fantasia que no entanto são determinadas por certos pressupostos arquetipicos, desconhecidos por parte de seus
autores. Por isso os temas importantes em principio repetem-se tan-tas
vezes que semelhanças evidentes aparecem em desenhos dos mais di-versos
autores. Os quadros são feitos em geral por pessoas cultas, que não
tinham conhecimento dos paralelos étnicos em questão. Conforme o
estágio do processo terapêutico, os quadros apresentam grandes varia-v
ções. No entanto, certos motivos correspondem a determinadas etapas
importantes do processo. Sem entrar em pormenores da terapia, quero
apenas dizer que se trata de uma nova ordenação da personalidade, de
certo modo de uma nova centralização. Por este motivo as mandalas aparecem de preferência depois de estados de desorientação, pânico ou caos
psiquico. Sua meta, pois, é a de transformar a confusão numa ordem, sem
que tal intenção seja sempre consciente. Em todo caso, as mandalas expressam ordem, equilíbrio e totalidade. Freqüentemente os pacientes
ressaltam o efeito benéfico ou tranqüilizador de uma tal imagem. Em geral,
representações e pensamentos religiosos, isto é, numinosos ou entao idéias
filosóficas se exprimem através das mandalas. Elas possuem qua-se
sempre um caráter intuitivo irracional e atuam de novo retroativamen-te
sobre o inconsciente através de seu conteúdo simbólico. Tern, por conseguinte, em sentido figurado, um significado e efeito "mágicos", tal
como os ícones eclesiásticos, cuja eficáciajamais é totalmente percebida
pelos pacientes. Estes descobrem depois, mediante o efeito de seus próprios quadros, o que os icones podem significar. Os quadros não têm efícácia porque provêm de sua própria imaginação, mas porque os pacientes
ficam impressionados com os motivos e simbolos inesperados os quais
são produzidos por sua fantasia subjetiva, de acordo com certas leis,
exprimindo uma idéia e situação, as quais sua consciência só apre-ende
com muita dificuldade. Em muitas pessoas surge de uma mandala pela
primeira vez a realidade do inconsciente coletivo como uma grande-za
autônoma. Mas não quero estender-me muito sobre este assunto. Em
4. Cf. acima [parágr. 252 dcstc volume].
certos quadros podemos fazer finalmente a leitura da intensidade da impressão ou da emoção.
Anteciparei algumas observações acerca dos elementos formais dos 646
simbolos da mandala antes de prosseguir. Trata-se principalmente de:
1. Forma circular, esférica ou oval.
2. A figura circular é elaborada como flor (rosa, lotus, padma em
sânscrito) ou como roda.
3. Um centra é figurado pelo Sol, estrela, cruz, em geral de quatro,
oito ou doze raios.
4. Os círculos, esferas e figuras cruciformes são freqüentemente representadas em rotação (suástica).
5.0 círculo é representado por uma serpente enrolada circularmente
(uróboro) ou espiralada (ovo órfico) em torno do centro.
6. A quadratura do circulo, como circulo dentro de um quadrado ou
vice-versa.
7. Castelo, cidade, pátio (temenos) quadrado ou circular.
8. Olho (pupila e iris).
9. Ao lado das figuras tetrádicas (ou em multiplos de quatro) aparecem também, mas muito mais raramente, formas triádicas ou pentagonais. Estas ultimas devem ser consideradas como imagens da totalidade
"perturbada", como veremos adiante.
Imagem 4
A mandala foi feita por uma paciente de meia-idade, que tinha visto 647
este desenho (imagem 4) pela primeira vez em um sonho. A diferenca en-tre
esta mandala e as orientals salta imediatamente à vista. Ela é essencial-mente
mais pobre no tocante à forma e à idéia, mas exprime a atitude individual da
autora de forma incomparavelmente mais clara do que as imagens orientals,
as quais se configuraram segundo uma tradição coletiva. O sonho em questão é
o seguinte: "Eu estava tentando decifrar uma amostra de um bordado dificil.
Minha irmã sabe comofazê-lo. Pergunto se ela de-bruara um lenço. Ela
responde: 'Não, mas eu sei como sefaz'. Depots vejo o lenço com o desenho
pespontado, mas o trabalho ainda não estáfeito. Devemos andarmuitas vezes
em torno (a partir da periferia), até aproxi-mar-nos do quadrado central,
ondepassamos a caminhar em circulos ".
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A espiral com as cores tipicas: vermelho, verde, amarelo e azul. Pelas indicações da paciente, o quadrado central representa uma pedra que
tem as quatro cores básicas em suas facetas. A espiral no segmento inte
rior é a representaçâo da serpente, a qual, como a kundalini, se enrosca
três vezes e meia em torno do centra.
649
A própria sonhadora não tinha a menor idéia do que estava ocorrendo em seu íntimo, isto é, o começo de uma nova orientação; ela nem poderia compreendê-lo conscientemente. Além disto, os paralelos com o
simbolismo oriental lhe eram totalmente estranhos, de modo que esta influência devia ser totalmente descartada. A representação simbólica nela
surgiu espontaneamente, no instante em que chegou a determinado ponto de seu desenvolvimento.
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Infelizmente não é possível dizer de modo exato, neste contexto, em
que circunstâncias psíquicas os quadros foram criados. Isto nos levaria
muito longe. A intenção deste ensaio é apenas a de dar um apanhado geral acerca dos paralelos formais das mandalas individuais ou coletivas.
Assim não podemos interpretar pormenorizadamente e de modo profundo cada imagem particular. Seria necessário para isso uma explanação
vasta da situação analítica momentânea do paciente. Sempre que é possível iluminar o surgimento de um quadro através de uma alusão simples,
como no caso presente, isso será feito.
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No que diz respeito à interpretação do quadro deve ser ressaltado
que a serpente primeiro disposta em ângulos e depois circularmente em
torno do centra significa a circumambulação em torno do meio e o caminho para ele. A serpente, enquanto ser ctônico e ao mesmo tempo espiritual, representa o inconsciente. ("Um bom homem em seu impulso obscuro está por certo consciente do caminho correto" 6 .) A pedra no centra,
presumivelmente um cubo, corresponde à forma quaternária da lapis
philosophorum. As quatro cores pertencem também a este âmbito7.
Vê-se por aí que a pedra representa neste caso o novo centro da personalidade, isto é, o si-mesmo. Não raro, este também é representado pelo
vaso (alquimico).
5. O tcma 3 14 (o númcro apocalíptico dos tempos de calamidade, por ex. Apocalipse 11,9
e l l ) refcre-sc aodilcma alquimico: 3 ou 4? oumclhor, kpropovtiosesquitertia (3:4). Sesquitcrt i u s é 3 + 1/3.
6. [Fausto, Ia partc, Prólogo no céu.]
7. Há um paralclo indiano muito intcrcssantc a cssa mandala: uma serpente branca, que sc
enroscou cm torno dc um centro dividido cm cruz e dc quatro cores. NEWCOM AND
REICHARD, Sandpaintings of the Navajo Shooting Chant, quadro XIII, p. 13 c 8 7. A obra contern um grandc número dc mandalas intcressantcs executadas cm cores.
Imagem 5
A autora é uma mulher de meia-idade com predisposição para a es- 652
quizofrenia. Muitas vezes pintou mandalas espontaneamente, pois estas
sempre tinham um efeito ordenador sobre os seus estados psíquicos caó-ticos.
A imagem representa uma rosa que equivale no Ocidente à flor de lotus. Na
índia a flor de lotus (padtna) é o colo feminino segundo a inter-pretação
tântrica. Conhecemos este símbolo pelas inúmeras representa-ções de Buda
(e de outros deuses indianos) na flor de lotus . Esta repre-sentação
corresponde à "flor de ouro" dos chineses, à rosa dos rosacruzes e à rosa
mistica no Paradiso de DANTE. A rosa e a flor de lótus são em geral
dispostas em quatro raios, o que indica a quadratura do circulo, isto é, a união
dos opostos. 0 significado da rosa ou da flor como seio mater-no também não
foi estranho aos misticos ocidentais; uma prece inspirada na Ladainha
Lauretana diz:
"Ó coroa de rosas, teu florescer derrama nos homens o pranto da alegria.
Ó Sol de rosas, despertas o amor no humano coração.
Ó filho do Sol,
Ó filho da Rosa,
Ó Sol radioso.
Flor da cruz, acima de todo florescer e ardor,
desabrochas na pureza do seio da Rosa consagrada,
Maria"9.
Ao mesmo tempo, o tema do vaso (alquímico) é um modo de expres- 653
sar o conteúdo, à semelhança de Shakti que representa a realização de Shiva.
Como revela a alquimia, o si-mesmo é um andrógino, constituído de um
principio masculino e um feminino. CONRADO DE WÜRZBURG fala de
Maria, a flor no mar, que Cristo encerra em si. Em um antigo hino da Igreja
lemos:
Sob todos os céus ergue-se uma rosa
sempre em plena íloração, sua luz
brilha na Trindade. e Deus com el a
se reveste .
8. 0 filho dc Hórus cgípcio tambcm c reprcscntado scntado sobrc a flor dc lotus.
9. [Não pudc localizar csta fontc]
10. [Não pudc localizar csta fonte.]
Imagem 6
654 A rosa no centro é representada como um rubi, cuja circunferência
foi concebida como uma roda ou um muro circundante com porticos (a
fim de que o que está dentro não saia e nada de fora possa entrar). A mandala é um produto espontaneo da análise de um homem. Baseia-se num
sonho: O sonhador encontra-se em Liverpool com três companheiros de
viagem mais jovens . E noite e chove. O ar está enfumaçado e cheio de
fuligem. Eles sobem do porto para a "cidade alta".O sonhador diz:
"Está terrivelmente escuro e desagradável, mal sepode suportar. Falamos sobre isso, e um dos metis companheiros conta que um de sens amigos, por estranho quepareça, resolveu estabelecer-se aqui, o que nos espanta. Conversando, chegamos a um tipo de jardimpúblico 'quefica no
centro da cidade. Oparque é quadrado e em seu centro há um lago, ou
melhor, uma grande lagoa; acabamos de chegar a ela, Algumas lanternas de rua mal iluminam a escuridão de breu. Vejo, porém, na lagoa uma
ilhota. Há uma única árvore no lugar, uma magnolia deflores avermeIhadas, que miraculosamentese encontra sob uma eterna luz solar, Verifico que meus companheiros não vêem esse milagre; começo então a
compreender o homem que se estabeleceu neste lugar".
655 O sonhador diz: "Tentei pintar este sonho, mas, como de costume,
saiu algo bem diferente. A magnolia tornou-se um tipo de rosa de vidro e
sua cor era de um rubi claro. Ela brilha como uma estrela de quatro raios.
O quadrado representa o muro que cerca o parque e ao mesmo tempo
uma rua que circunda o parque quadrado. Neste começam quatro ruas
principais e de cada uma saem oito ruas secundárias, as quais se encontram num ponto central de brilho avermelhado, à semelhança da Étoile
de Paris. O conhecido mencionado no sonho mora em uma casa de esquina, numa dessas Étoiles". A mandala reune, pois, os temas clássicos: flor,
estrela, círculo, praça cercada (temenos), planta de bairro de uma cidade
com uma cidadela. "O todo me parece uma janela que se abre para a eternidade", escreve o sonhador.
11. Obscrvc-sc a insinuação dcstc nomc: Liverpool = Lcbcr-Tcich (lagoa do figado). Figado c a sede da vida.
Imagem 7
Tema floral com uma cruz no centro. O quadrado também está dis- 656
posto a modo de uma flor. Os quatro rostos nos cantos representam os
quatro pontos cardeais, os quais historicamente são muitas vezes representados como quatro deuses. Aqui eles têm um caráter demoniaco. Isto pode
ligar-se ao fato de a paciente ter nascido nas índias Holandesas, onde
mamou com o leite da ama nativa a demonologia da região. Seus inumeros
desenhos tinham um caráter nitidamente oriental e assim a aju-daram a
assimilar influências que a principio nao se conciliavam com a mentalidade
ocidental.
Na imagem seguinte, da mesma autora, rostos semelhantes apare- 657
cem nas oito direções. O caráter floral do conjunto oculta ao observador
superficial o demoniaco que deve ser conjurado pela mandala. A paciente
sentia que o efeito demoniaco provinha da influência européia, com seu
moralismo e racionalismo. Criada na índia até os seis anos, conviveu mais
tarde com europeus convencionais, o que teve um efeito devastador sobre a
deiicadeza de flor de seu espirito oriental, causando-lhe um trauma psiquico
persistente. No tratamento, seu mundo originário emergiu novamente com
esses desenhos e isso determinou sua cura animica.
Imagem 8
O tema floral vai se desdobrando e se impõe ao tomar o espaço das caretas. 658
Imagem 9
Esta ilustração exprime um estado mais tardio. O cuidado minucioso 659
do desenho compete com a riqueza de cor e forma. Reconhece-se através deles
não só a extraordinária concentração da desenhista como também a vitória do
"ornamento floral" do Oriente sobre o intelectualismo, racionalismo e
moralismo demoniacos do Ocidente. Ao mesmo tempo tor-na-se visível o
novo centramento da personalidade.
Imagem 10
Neste desenho de outra paciente jovem vemos nos quatro pontos 660
cardeais cabeças bizarras, representando um pássaro, um carneiro, uma
serpente e uma cabeça antropomórfica de leão. Juntamente com as quatro cores com que são pintadas as quatro regiões, são corporificados quatro principios. O interior é vazio. Ele abriga o nada, expresso através de
uma quatemidade. Isto concorda com a multiplicidade preponderante
das mandalas individuais: em regra geral encontra-se no centro o tema do
"rotundum", do redondo, que conhecemos na alquimia, ou a emanação
quádrupla, ou a quadratura do circulo ou, mais raramente, a própria forma humana em seu sentido geral, isto é, como Anthropos. Encontramos
esse tema também na alquimia ~. Os quatro animais lembram os querubins da visão de Ezequiel, bem como os simbolos dos quatro evangelistas e os quatro filhos de Hórus, os quais também podem ser representados
de forma semelhante, isto é, três com cabeças de animais e urn com cabeça humana. Os animais significam em geral as forças instintivas do inconsciente que se concentram numa unidade na mandala. Essa integração dos instintos constitui uma condição prévia da individuação.
Imagem 11
661
Nesta mandala de uma paciente mais idosa vê-se a flor não embaixo,
mas no alto. A forma circular foi preservada dentro do quadrado através
das linhas diretrizes do desenho, de modo que este deve ser visto como
mandala apesar de sua singularidade. A planta representa o crescimento,
isto é, o desenvolvimento, à semelhança do broto verde no chacra do diafragma do sistema kundalini tântrico, o qual significa Shiva. Ele representa o centro e o masculino, ao passo que o cálice da flor representa o feminino, local da germinação e do nascimento . Assim Buda é representado como o deus em germinação, porquanto está sentado na flor de lotus. Ele é o deus nascente, o mesmo simbolo de Rá como falcão, a fênix
que se eleva do ninho, Mitra na copa da árvore, ou o filho de Hórus dentro
da flor de lótus. Todos eles são representações do status nascendi no lugar germinativo do solo materno. Nos hinos medievais, Maria também é
louvada como cálice de flor, sobre o qual desce Cristo como pássaro, nele
repousando em aconchego. Psicologicamente, Cristo significa a unidade, a qual se revela através do corpo da Mãe de Deus, ou do corpo mistico
da Igreja, como que envolto em pétalas de flor, manifestando-se assim na
12. Cf. minhas cxplanaçõcs in: Psicologia e religião.
13. Cf. WILHELM c JUNG, O segredo da flor de ouro.
realidade. Cristo, como idéia, é um símbolo do si-mesmo14. Tal como a
planta representa o crescimento, a flor manifesta o desabrochar a partir
de um centro.
Imagem 12
Aqui os quatro raios que emanam do centro atravessam o quadro intei- 662
ro. Isto confere ao centro um caráter dinâmico. A estrutura de flor é um
multiplo de quatro. O quadro é característico da personalidade marcante da
autora que possui um certo talento artistico. (A imagem 5 foi criada pela mesma
pessoa.) Além disso, ela é especialmente dotada de um sentido místico
cristão que representa um grande papel em sua vida. Para ela era muito
importante vivenciar o cenário arquetípico dos símbolos cristãos.
Imagem 13
Fotografia de um tapete feito por uma mulher de meia idade, em um 663
periodo de grande aflição interna e externa, à maneira do tecido de Penelope.
Trata-se de uma médica que, num trabalho diligente, diário, que du-rou meses,
teceu este círculo mágico como contrapeso às dificuldades de sua vida. Não
era paciente minha, sendo portanto impossivel ter sofrido a minha influência.
O tapete contém uma flor de oito pétalas. Sua peculia-ridade é ter
verdadeiramente um "em cima" e um "embaixo". Em cima há luz, embaixo
um relativo escuro. Dentro deste encontra-se uma espé-cie de escaravelho,
representando um conteúdo inconsciente, compará-vel à situação do Sol
nascente como Khepri. Nao raro, o "em cima" e o "embaixo" encontram-se
fora do círculo protetor e não dentro dele. Em casos semelhantes a mandala
oferece proteçao contra os opostos extre-mos, isto é, toda a agudeza do
conflito aindanão é reconhecida ou sentida como insuportável. O circulo
protetor guarda contra um possivel rompi-mento através da tensão entre os
opostos.
Imagem 14
O desenho seguinte é uma representação indiana do ponto-Shiva 664
(Shiva-bindu). Ele mostra a forca divina antes da criação, nos opostos
14. Cf. Aion, cap. 5.
ainda unidos. Deus repousa no ponto. A serpente em tomo significa a expansão, a mãe do vir-a-ser, a configuraçâo do mundo das formas. Na
índia, este ponto também é designado por Hiranyagarbha, o germe de
ouro ou ovo dourado. Lemos no Sanatsugâtiya: "A grande luz pura que é
radiante; a magniflcência que os deuses verdadeiramente veneram, que
faz o Sol brilhar mais intensamente - este ser eterno e divino é percebido
pelo fiel. Ela é vista por um homem que fez votos supremos" .
Imagem 15
665
Este quadro, feito por uma mulher de meia-idade, representa a quadratura do circulo. As plantas indicam novamente o que germina e cresce. No centro há um sol. Como mostra a serpente e o tema da árvore, trata-se de uma representação do paraiso. Um paraleío deste é a idéia do
Éden com os quatro rios do paraiso na gnose naassena. Para entender o
significado funcional da serpente em relação à mandala, veja os comentários anteriores neste volume .
Imagem 16
666
A autora deste quadro é uma mulher neurótica relativamente jovem.
A representação da serpente é algo incomum, na medida em que se encontra no próprio centro, e sua cabeça com ele coincide. Normalmente
ela se encontra fora do circulo interior, ou pelo menos enrolada em torno
do ponto central. Há uma suspeita fundada de que no interior escuro não
se esconda a unidade buscada, o si-mesmo, mas a natureza (velada) ctônica feminina da paciente. Em um quadro posterior da mesma paciente, a
mandala explode e a serpente vem para fora.
Imagem 17
667
O quadro foi feito por uma jovem. Esta mandala é "legítima" na medida em que a serpente está enrolada em torno do ponto central de quatro
raios. Ela move-se para fora: trata-se do despertar da kundalini, isto é, a
15. Sacred Books of the East VIII, p. 186.
16. [Comcntário às imagens 3, 4 e 5.]
natureza ctônica toraa-se ativa, o que também é indicado pelas flechas
que apontam para fora. Praticamente, isto significa uma conscientização
da natureza instintiva. A serpente personifica há muito tempo os gânglios da coluna e da medula. Pontas dirigidas para fora podem significar
o contrário em outros casos, isto é, a defesa externa do interior em perigo.
Imagem 18
O quadro é de uma paciente mais idosa. Contrariamente ao anterior, 668
este é "introvertido". A serpente enrola-se em torno do centro de quatro raios
com a cabeça colocada no ponto central branco (= Shiva-bindu), de modo a
parecer um halo. É como se se tratasse de uma incubação do ponto central,
isto é, do tema da serpente guardtã do tesouro. O centro é fre-qüentemeníe
caracterizado como o "tesouro difícil de alcançar" .
Imagem 19
Mulher de meia idade. Os círculos concêntricos exprimem "concen- 669
tração". Isto ainda é sublinhado pelos peixes que circumambuíam em re-lação
ao centro. O número quatro tern o significado de concentração "total". A
direção para a esquerda mostra presumivelmente o movimento em direção
ao inconsciente, portanto a "imersão" no mesmo.
Imagem 20
É um paralelo à imagem 19, constituindo uma representação do 670
tema do peixe que pude ver no teto da luxuosa tenda do Marajá, em Benares
(um esboço).
Imagem 21
O peixe ocupa aqui o lugar da serpente (peixe e serpente são ao mes- 671
mo tempo atributos simbólicos de Cristo e do demônio!). No mar do in-
17. Cf. Simbolos da transformação. Scgunda Parte, cap. 7.
consciente ele gera um redemoinho em cujo centra deve surgir a pérola.
O movimento é também sinistrogiro. Um hino do Rigveda diz:
Coberto de trevas estava o mundo,
Um oceano sem luz - perdido na noite;
Então o que na casca se ocultava
Nasceu: o Uno mediante força e tormento de paixão.
Dele surgiu no início o Amor:
Germe - semente do saber...
672
A serpente personífíca em geral o inconsciente, ao passo que o peixe
representa um conteúdo do mesmo. Tais diferenças, embora sutis, devem
ser levadas em conta na interpretação de uma mandala, pois os dois simbolos correspondem provavelmente a duas etapas diversas do desenvolvimento: a serpente representaria um estado mais primitivo e instintivo
do que o peixe, ao qual corresponde também historicamente uma autoridade superior à da serpente (símbolo ictílico!)
Imagem 22
673
Neste quadro de uma jovem, o peixe produziu um centro diferenciado, no qual aparecem mãe e filho diante de uma árvore estilizada da vida
e do nascimento (paraiso). O peixe aqui se assemelha a um dragão; é pois
um monstro da espécie de um Leviatã, o qual originariamente era uma
serpente como indicam os textos de Ras Shamra. O movimento aqui é
também sinistrogiro.
Imagem 23
674
A bola de ouro corresponde ao germe de ouro (hiranyagarbha). Ela
está em rotação e a kundalini que enrosca em torno duplica-se. Isto indica
a conscientização na medida em que um conteudo, ao emergir do inconsciente, em dado momento se decompõe em duas metades idênticas, uma
das quais é consciente e a outra, inconsciente. A duplicação não é operada pela consciência, mas surge espontaneamente nos produtos do inconsciente. Outro indicio da conscientização é o movimento dextrogiro
da rotação, expresso através de asas (tema da suástica). As estrelas caracterizam o ponto central da estrutura cósmica. A mandala que tern quatro
18. DEUSSEN, Die Ceheimleltre des Veda, p. 3.
raios comporta-se como um corpo celeste. O Shathapatha - Brâhmana
diz: "Ele olha para cima, em direção ao Sol, pois esta é a meta final, o refugio seguro. Assim pois ele vai rumo à meta final, a esse refugio: por
este motivo ele olha para cima, em direção ao Sol. (16.) Ele olha para
cima, com as palavras: 'Tu és auto-existente, o melhor raio de luz!' O sol
é realmente o melhor raio de luz, e por isso diz: 'Tu és auto-existente, o
melhor raio de luz. És doador de luz: dá-me luz!', assim falo eu, disse
Yagnavalkya, 'pois é para essa meta que o brâmane deve tender, para ser
iluminado por Brahma'. (17.) Então ele se volta da esquerda para a direita com as palavras 'Eu me movo, seguindo o percurso do Sol', tendo alcançado essa meta final, esse refúgio seguro, ele se move agora, seguindo o percurso daqueie (Sol)" .
Deste sol são mencionados sete raios. Um comentarista observa que 675
quatro apontam para os quatro pontos cardeais; um para cima, outro para
baixo; e o sétimo, "o melhor" deles aponta para dentro. É ao mesmo tempo o
disco do sol, chamado hiranyagarbha . Hiranyagarbha é, segundo o
comentário de RAMANUJA aos Vedanta Sütras (II, 4,17), o Eu Supremo, o
"agregado coletivo de todas as almas individuais". Ele é o corpo do Brahma
supremo e representa a alma coletiva. Em relação à idéia do si-mesmo
como um composto de muitos, compare-se "Cada um de nós não é um, mas
muitos", e "Todos os justos são um, aquele que obteve a palma" em
ORÍGENES21.
A autora é uma mulher de setenta anos, com dons artísticos. O pro- 676
cesso de individuação desencadeado pelo tratamento, que esteve bloque-ado
por muito tempo, mobilizou sua atividade criativa (o quadro 21 é da mesma
fonte), dando oportunidade ao surgimento de uma série de qua-dros bemsucedidos e de cores alegres, os quais exprimem eloqüente-mente a
intensidade da vivência.
19. [1,9,3,15s {Sacred Books of the East XII, p. 271 s): "He then looks up to the sun, for that
is the final goal, that the safe resort. To that final goal, to that resort he thereby goes: for this reason
he looks up to the sun (16). He looks up, with the text... 'Self-existent art thou, the best ray of
light'! The sun is indeed the best ray of light, and therefore he says, 'Self-existent art thou, the best
ray of light7. 'Light-bestowing art thou: give me light (varkas)'! 'so say 1', said Yagnavalkya, 'for
at this indeed the Brahmana should strive, that he be brahmavarkasin' (iluminado por Brahma)...(17). He then turns (from left to right), with the text... 'I move along the course of the sun',
having reached that final goal, that safe resort, he now moves along the course of that (sun)".
20. Op. cit.
21. ["Unusquisquc nostrum non est unus, sed cst multi", c "Omncs justi unus est qui accipit palmam" {In libros regnonim homiliae, I, 47).]
Imagem 24
677
Trata-se da mesma autora. A contemplação, isto é, a concentração
rumo ao centra, é praticada por ela mesma. Ela tomou o lugar do peixe e
da serpente. Uma imagem ideal dela mesma dispôs-se em torno do ovo
precioso. As pernas sao flexiveis (sereia!). A psicologia de uma imagem
como esta não é estranha à tradição da Igreja. O que no Oriente é Shiva e
Shakti, no Ocidente corresponde a vir afemina circumdatus, isto é, ao
Cristo e sua noiva Igreja; compare-se também o Maítrâyana — Brâhmana - Upanixade: "Ele (o si-mesmo) também é o que aquece, o Sol, oculto
pelo ovo dourado dos mil olhos, como um fogo por outro. Devemos meditar nele, procurá-lo. Depois de despedir-se de todos os seres vivos, depois de ir para a floresta, renunciando a todos os objetos sensuais, o homem poderá perceber o si-mesmo em seu próprio corpo" .
678
Aqui também é sugerida uma radiação provinda do meio, que ultrapassa o circulo protetor e atinge o distante. Isto expressa a idéia de um
efeito à distância do estado introvertido da consciência. Poder-se-ia entendê-lo também como uma conexão inconsciente com o mundo.
Imagem 25
679
De outra paciente de meia-idade é esta imagem. Ela representa várias fases do principio de individuaçâo. Embaixo, encontra-se enroscada
num emaranhado ctônico de raizes (= mulãdhãra na ioga kundalini). No
centra, ela estuda um livro, cultiva sua inteligência multiplicando saber e
consciência. Em cima, ela recebe como "renata" a iluminaçao sob a forma de uma esfera celeste, que amplia e liberta a personalidade e cuja forma redonda representa de novo a mandala, em seu aspecto "Reino de
Deus"; a mandala de baixo, em forma de roda, é de natureza ctônica. Trata-se de um confronto da totalidade natural e espiritual. A mandala é incomum devido à sua estrutura de seis raios (seis picos de montanhas, seis
pássaros, três figuras humanas). Além disso, ela se encontra nitidamente
entre um alto e um baixo, que se repetem na própria mandala. A esfera
superior é clara e desce para uma estrutura senária (de seis unidades), ou
22. [Homcm ccrcado pcla mulher. - He (the Self) is also he who warms, the Sun, hidden
by the thousand-eyed golden egg, as one fire by another. He is to be thought after, he is to be
sought after. Having said farewell to all living beings, having gone to the forest, and having renounced all sensuous objects, let man perceive the Self from his own body.
seja, ternária, sendo que já transpôs o cimo da roda. Segundo uma antiga
tradição, o numero seis significa criação e devir, uma vez que representa
uma coniunctio de dois e três (2 X 3), (par e impar = feminino e masculino). FILO JUDEU chama o senarius (6) de "numems generationi aptissimus" (o número mais apropriado para a geração23). Segundo uma concepção antiga o número três representa a superficie, o quarto, a altura, isto é,
a profundidade. O "quaternarius solidi naturam ostendit" (mostra a natureza do sólido), ao passo que os três primeiros caracterizam ou produzem a
intelligibilia incorpórea. O número quatro aparece como pirâmide de três
lados. O senário (hexa) mostra que a mandala é constituída de duas triades,
sendo que a superior se completa na quaternidade, no estado da aequabilitas e iustitia, como diz FILO. Embaixo nuvens escuras, ainda não integradas, ameaçam. Este quadro demonstra o fato freqiiente de que a personalidade é carente de ampliação, tanto para cima como para baixo.
Imagens 26 e 27
Estas mandalas são em parte atipicas. Ambas foram feitas pela mes- 680
ma pessoa, uma mulher ainda jovem. No centra, encontra-se, como no caso
anterior, uma figura feminina, igualmente encerrada em uma esfera de vidro
ou numa bolha transparente. Parece que um homunculus está em vias de surgir.
(Compare-se com o homunculus na retorta, de Fausto, Se-gunda parte.) Em
ambas as mandalas, além do número quatro ou oito, há um centro de cinco
raios. Existe portanto um dilema entre o quatro e o cinco. Cinco é o número
do homem natural, na medida em que ele con-siste de um tronco e cinco
adendos. Por outro lado, o quatro significa uma totalidade refletida que
descreve o homem ideal ("espirituar) e o formula como uma totalidade em
oposição ao pentagonal que descreve o homem corpóreo. E significativo que
a suástica simboliza o homem "pensante"" , ao passo que a estrela de cinco
pontas simboliza o homem material corpóreo . O dilema de quatro e cinco
corresponde ao dilema
23. De opificio mundi, p. 2.
24. Op. cit., p. 79.
25. Ncstc caso c prcciso lcvar cm conta que a suástica é dcstrogira ou sinistrogira. A sinistrogira rcprcscntaria no Tibet, Bõn, a rcligião da magia ncgra, cm oposição ao budismo.
26. O simboio da cstrcla é prefcrido tanto pela Russia, como pcla America. A primeira c
vcrmclha, a outra, branca. Sobrc o significado destas cores cf. Psicologia e alquimia [indice v.
vcrbctc "cores"].
681
do homem cultural e natural. Era este o problema da paciente. 0 quadro
26 aponta para o dilemanos quatro grupos de estrelas: dois deles contêm
quatro estrelas e dois, cinco. Na orla mais externa das duas mandalas é
representado "o fogo do desejo". Na imagem 26 a orla externa é constituída por algo que parece um tecido (pegando fogo). Em contraste caracteristico com a mandala "radiante", estas duas (em especial a imagem 27)
"ardem". Trata-se do desejo flamejante, comparável à saudade do homunculo encerrado na retorta, em Fausto, Segunda parte, cuja cápsula de
vidro se despedaça no trono de Galatéia. Trata-se realmente de um desejo
erótico, mas ao mesmo tempo de um amorfati, que arde a partir do mais
intimo do si-mesmo, que quer dar forma ao destino e assim ajudar o
si-mesmo a realizar-se. Tal como o homunculus em Fausto, a figura encerrada no interior quer "vir a ser".
A própria paciente sentiu o conflito, pois contou-me que não conseguia tranqüilizar-se depois de pintar o quadro. Tinha chegado à metade de
sua vida, isto é, aos trinta e cinco anos, e estava em dúvida se devia ter mais
um filho. Decidiu tê-lo. 0 destino porém não o permitiu, porque o desenvolvimento de sua personalidade tendia para outro fim, isto é, para uma
meta não biológica, mas cultural. O conflito resolveu-se nesse sentido.
Imagem 28
682
Trata-se do quadro de um homem de meia idade. No centro há uma
estrela. O céu é azul com nuvens douradas. Nos quatro pontos cardeais
vemos figuras humanas: em cima, um velho em atitude contemplativa e
embaixo Loki ou Hefesto, com cabelo ruivo chamejante, segurando um
templo na mão. À direita e à esquerda há duas figuras femininas, uma escura e outra clara. São indicados desse modo quatro aspectos da personalidade, isto é, quatro figuras arquetipicas que pertencem por assim dizer à
periferia do si-mesmo. As duas figuras femininas podem ser logo reconhecidas como os dois aspectos da anima. O velho corresponde ao arquétipo do sentido, ou seja, do espírito, e a figura ctônica escura no piano inferior, ao oposto do sábio, isto é, ao elemento luciferino, mágico (e às vezes destrutivo). Na alquimia trata-se de Hermes Trismegisto versus Mercúrio como o "trickster" evasivo" . O primeiro circulo que cerca o céu
contém estruturas vivas semelhantes a protozoários. As dezesseis esfe27. V. capitulos 8 c 9 dcste volume, bcm como O espirito de Mercúno.]
ras de quatro cores no círculo contíguo provêm de um tema originário de
olhos e representam portanto a consciência observadora e diferenciadora. Assim também os ornamentos que se abrem para dentro do circulo seguinte significam aparentemente receptáculos, cujo conteúdo é despejado em direção ao centro . Os ornamentos no circulo mais externo abremse inversamente para fora, a fim de receber algo do exterior. No processo
de individuação as projeções originárias refluem para dentro, isto é, são
novamente integradas na personalidade. Em contraste com a imagem 25,
o "em cima" e o "embaixo", bem como o "masculino" e o "feminino"
aqui estão integrados, como no hermaphroditus alquimico.
Imagem 29
Aqui o centro também é simbolizado por uma estrela. Esta represen- 683
tação muito freqüente corresponde às fíguras precedentes nas quais, o sol está
no centro. O sol também é uma estrela, um germe radioso no oceano do céu.
O quadro mostra o aparecimento do si-mesmo como estrela, a partir do caos.
A estrutura de quatro raios é ressaltada pelas quatro cores. O significativo
desta imagem é que a estrutura do si-mesmo é colocada
29
como uma ordem frente ao caos . O autor é o mesmo do quadro 28 (reprodução em preto e branco).
Imagem 30
Esta mandala de uma paciente mais idosa está novamente cindida 684
em um "em cima" e um "embaixo"; em cima o céu, embaixo o mar, como é
indicado pelas linhas ondulantes douradas sobre um fiindo azul. Quatro asas
circundam o centro para a esquerda, que é apenas marcado por uma cor
vermelho-aiaranjada. Os opostos também são integrados neste caso e são
talvez a causa da rotação do centro.
28. Uma idéia semclhante encontra-sc na alquimia, isto é, na assim chamada RipleyScrowle c suas variantcs (cf. Psicologia e alquimia, p. 524 fig. 257). Ncla os deuscs pianctários
misturam suas qualidades ao banho do renascimento.
29. Sobre a psicologia da meditação oriental [parágr. 942].
Imagem 31
685
Uma mandala atipica baseada no número dois (díade). Uma lua dourada e outra prateada orlam a mandala em cima e embaixo. O interior é na
parte superior urn céu azul e na inferior, algo parecido com um muro negro com ameias. Sobre ele, do lado direito e externo, pousa um pavão
com a cauda em leque e do lado esquerdo há um ovo, talvez de pavão. Em
vista do papel significativo desempenhado pelo pavão e seu ovo, tanto na
alquimia quanto no gnosticismo, podemos esperar o milagre da cauda
pavonis, isto é, o aparecimento de "todas as cores", o desdobramento e
conscientização do todo, no momento em que tiver ruido o muro divisório e sombrio. (Compare-se com a imagem 32.) A paciente presumia que
o ovo poderia romper-se, dele saindo algo de novo, talvez uma serpente.
Na alquimia, o pavão é sinônimo da fênix. Uma variante da lenda da Fênix diz que o pássaro Semenda queima-se a si mesmo, um verme se forma de suas cinzas e dele surge de novo o pássaro.
Imagem 32
686
Esta imagem é uma reproduçâo do Codex Alchemicus Rhenovacensis da Biblioteca Central de Zurique. O pavão substitui aqui o pássaro Fênix, o renascido das cinzas. Uma representação semelhante pode ser encontrada num manuscrito do Museu Britânico, mas neste o pavão está
encerrado num alambique de vidro, no vas hermeticum, como o homunculus. O pavão é um antigo simbolo do renascimento e da ressurreição,
que encontramos com freqüência também nos sarcófagos cristãos. No
vaso proximo ao do pavão aparecem as cores da cauda pavonis como sinal de que o processo de transformação se aproxima da meta. No processo alquimico a serpens mercurialis, o dragão, transformar-se-á na águia,
no pavão, no ganso de Hermes ou na Fênix .
Imagem 33
687
Esta imagem foi desenhada por um menino de sete anos cujos
pais eram problemáticos. Ele havia feito uma série de desenhos de
circulos cercando comeles suacama. Ele os chamava seus "amados"
30. V. dcpois Psicologia e alquimia [parágr. 334 c 407].
e não dormia sem eles em torno. Isto indica que as imagens "mágicas" tinham para ele ainda o significado originário e funcionavam como circulos encantados protetores.
Imagem 34
Uma menina de onze anos, cujos pais estavam se divorciando, so- 688
freu, por algum tempo, grandes dificuldades e reviravoltas e desenhou
muitas imagens que revelam claramente a estrutura da mandala. Aqui
também trata-se de círculos mágicos cuja função seria a de deter as dificuldades e adversidades do mundo exterior, impedindo-as de penetrar em
seu espaço psíquico. Eles representarn uma espécie de autoproteção.
Talvez de um modo semelhante ao kilkhor, a roda do mundo tibetana 689
(fig. 3), encontram-se de ambos os lados desta imagem algo parecido com
chifres que, como sabemos, pertencem ao diabo ou a um de seus símbolos
teriomórficos. A ele também pertencem os dois traços oblíquos dos olhos,
nariz e boca. Isto significa que atrás desta mandala o diabo está escondido.
Quer sejam os "demônios" uma imagem da força mágica escondida e portanto
eliminada - o que parece ser o propósito da mandala - quer no caso de tratarse da roda tibetana do mundo, este ultimo está aprisionado nas garras do
demônio da morte. Nesta imagem os demôni-os apenas espreitam pelas
margens. O significado disto só se revelou a mim em um outro caso: uma
paciente com dotes artisticos realizou uma tipica mandala tetrádica, que
colou num pedaço de papel grosso. Nas costas do papel desenhou um
circulo cheio de desenhos de perversões sexuais. Este aspecto de sombra da
mandala representava as tendências desordenadas e em desagregação, o
"caos" que se esconde atrás do si-mesmo e pode manifestar-se de modo
perigoso, quando o processo de individuação se detém, ou quando o simesmo não se realiza, perma-necendo inconsciente. Este aspecto da
psicologia foi representado pelos alquimistas através do seu mercurius
duplex, o qual por um lado é o Hermes mistagogo e psicopompo, e por outro
lado o dragão venenoso, o es-pirito do mal e o "trickster" (trapaceiro).
Imagem 35
Desenho da mesma menina. Em torno do sol há um circulo com o 690
tema dos olhos e o uróboro. O motivo da polioftalmia ocorre muitas ve-
zes em mandalas individuals. (Ver por exemplo os quadros 17 e 5 no capitulo XI deste volume.) No Maitrâyana-Brâhmana-Upanixade o ovo
{hiranyagarbha = germe de ouro) é descrito como se possuísse "milhares de olhos". Os olhos na mandala significam, por um lado, indubitavelmente, a consciência observadora e, por outro, podem ser atribuidos, em
texto e imagens, à figura mitica de um anthropos do qual procede o ver.
Isto me parece indicar o fascinio que através de um olhar mágico chama a
atenção da consciência (cf. fig. 38 e 39).
Imagem 36
691
Representação de uma cidade medieval, com muralhas e fossos de
água, ornamentos e igrejas numa disposição de quatro raios. A cidade interna também é cercada de muros e fossos, semelhante à cidade imperial
em Pequim. Toda a construção abre-se aqui em direção ao centra, representado por um castelo com teto de ouro. Este é cercado também por um
fosso de água. O chão em torno do castelo é coberto de ladrilhos pretos e
brancos. Eles representam os opostos que assim se reúnem. Esta mandala foi feita por um homem de idade madura (cf. imagens 28 e 29). Tal
imagem não é estranha na simbologia cristã. A Jerusalem celeste doApocalipse de São Joao é conhecida por todos. No mundo das idéias indianas
encontramos a cidade de Brahma no monte Meru, montanha do mundo.
Podemos ler na Flor de ouro : "O livro do Castelo amarelo diz: 'No
campo de uma polegada quadrada da casa de um pé quadrado podemos
ordenar a vida'. A casa de um pé quadrado é a face. Na face o campo da
polegada quadrada o que poderia ser senao o coração celeste? No meio
da polegada quadrada mora a gloria. Na sala purpura da cidade de jade
mora o deus do vazio supremo e da vida". Os taoistas chamam este centra
de "terra dos antepassados ou Castelo amarelo".
Imagem 37
692
A imagem é da mesma desenhista das imagens 11 e 30. Aqui o lugar
do germe é representado como um recém-nascido envolvido numa esfera em rotação. As quatro "asas" tern as quatro cores básicas. A criança
31. [SacredBooks, XV, VI, 8, p. 311.]
32. Scgunda edição, p. 102.
corresponde ao hiranyagarbha e ao homunculus dos alquimistas. O mitologema desta "criança divina" baseia-se em idéias deste tipo33.
Imagem 38
Mandala em rotação, cuja autora é a mesma paciente das imagens 21 693
e 23. É notável a estmtura quaternária das asas de ouro em confronto com a
tríade dos cães, correndo em torno do centro. Eles voltam a parte trasei-ra para
este, indicando com isso que o centro para eles se encontra no in-consciente.
A mandala contém - de modo incomum - um motivo triádi-co sinistrogiro,
enquanto as asas se movem para a direita. Isto não é de modo algum
ocasional. Os cães representam a consciência perseguindo o inconsciente
mediante o faro e a intuição; as asas mostram o movimen-to do inconsciente
em direção à consciência, de acordo com a situação da paciente naquele
tempo. Era como se os cães estivessem fascinados pelo centro que não
podiam ver. Eles parecem representar a fascinaçao da mente consciente. A
imagem incorpora a proporção sesquitertia (3:4).
Imagem 39
O mesmo motivo anterior, mas representado por lebres. Trata-se de 694
uma janela gótica na catedral de Paderborn. Não há um centro reconheci-vel,
se bem que a rotaçao pressupõe sua existência.
Imagem 40
Quadro de uma paciente mais jovem. Ele representa igualmente a 695
proporção sesquitertia, e por isso aquele dilema com o qual começa o 77-meu
de PLATÃO e o qual, como eu já disse, desempenha um papel consi-derável
na alquimia: o axioma de Maria. Remeto o leitor a respeito disto à
"Simbologia do Espirito " e especialmente ao meu comentário, quando falo do
"Timeu", em Tentativa de uma interpretaçãopsicológica do dogma da
Trindade (cf. também com o texto da imagem 3).
33. Capitulo VI deste volume.
34. [parágr. 184.]
Imagem 41
696
Esta imagem é de uma paciente jovem com predisposição esquizóide. O momento patológico manifesta-se quando as "linhas quebradas"
aparentemente cindem o centre As formas agudas, pontudas destas linhas quebradas significam impuisos maus, agressivos e destrutivos que
poderiam impedir a desej ada sintese da personalidade. Parece porém que
a estrutura regular que cerca a mandala estaria apta a restringir a aparente
tendênciaperigosaparaadissociação interna. Este foi o caso, no decurso
do tratamento e no desenvolvimento posterior da paciente.
Imagem 42
697
Mandala neuroticamente perturbada. Foi desenhada por uma jovem
paciente solteira num periodo de extrema perturbação: achava-se num
dilema entre dois homens. A margem mais exteraa mostra quatro cores
diferentes. O centra é duplicado de um modo estranho; o sol aparece à direita cercado de veias sangüíneas móveis, enquanto ao fundo num campo
escuro, irrompe fogo atrás de uma estrela azul. Esta tern cinco raios e
lembra o pentagrama simbolizando o homem: braços, pernas e cabeça
com o mesmo valor. A estrela de cinco pontas significa, como já vimos, o
homem natural, terreno e inconsciente (cf. imagens 26 e 27). A cor da estrela é azul e portanto fria. O sol que irrompe é amarelo e vermelho, portanto cores quentes. O próprio sol (que aqui se assemelha a uma gema de
ovo podre) significa em geral consciência ou iluminação e compreensão.
A respeito da mandala poderiamos dizer que pouco a pouco uma luz está
despontando na paciente; ela estaria despertando de um estado até então
inconsciente que correspondia a uma existência meramente biológica e
racional. (O racionalismo não garante de forma alguma uma consciência
superior, mas tão-só unilateral!) O novo estado se caracteriza pelo vermelho do sentimento e pelo amarelo (ouro) da intuição. Trata-se por conseguinte de um deslocamento do centro da personalidade para a região
mais quente do coração e do sentimento, e pela incíusão da intuição surge
a modo de um pressentimento uma apreensão irracional da totalidade.
Imagem 43
698
Este quadro é de uma mulher de meia-idade, a qual, sem ser neurótica, trabalhava no sentido de seu desenvolvimento espiritual, utilizando a
"imaginação ativa" para este fim. Destas tentativas surgiu a representaçao do nascimento de uma nova visão, ou consciência (olho) das profundezas do inconsciente (mar). O olho tem aqui o significado do si-mesmo.
Imagem 44
Esta é uma representação que se encontra num mosaico de piso ro- 699
mano, em Mokhnin (Tunisia), onde a fotografei. Trata-se de um expedi-ente
apotropaico contra o mau olhado.
Imagem 45
Mandala dos índios navajo. Eles confeccionam tais mandalas com 700
areia colorida, num trabalho demorado e difícil, para fms curativos. Trata-se
de uma parte do ritual do chamado Canto da Montanha (Mountain Chant), o
qual é entoado para o doente. Em torno do centro estende-se num amplo
arco o corpo da deusa do arco-iris. A cabeça quadrada carac-teriza a
divindade feminina, e a redonda, a masculina. A disposição dos quatro pares
de deuses nos braços da cruz sugere uma suástica dextrogi-ra. A este
movimento correspondem também as quatro divindades mas-culinas que
fecham a suástica.
Imagem 46
Esta imagem representa outra pintura em areia dos navajos. Ela per- 701
tence à cerimônia do Male Shooting Chant . Os quatro pontos cardeais são
representados por quatro cabeças com chifres, nas quatro cores correspondentes aos pontos cardeais.
Imagem 47
Ofereço aqui, a titulo de comparação, uma representação da mãe do 702
céu dos egipcios, que, tal como a deusa do arco-iris, se inclina sobre a
35. [Canto de caça dos homens.] Agradeço os dois desenhos a Mrs. MARGARET
SCHEVILL. A imagem 45 c uma variante da pintura em areia publicada in: Psicologia e alquimia [Tig. 110, p. 234].
"terra" com o horizonte circular. Por trás da mandala encontra-se (presumivelmente) o deus do ar, parecido com o demônio (imagens 3 e 34).
Embaixo, os braços em adoração do Ka com o tema do olho, seguram a
mandala que poderia significar a totalidade da "terra" .
Imagem 48
703
Esta imagem provém de urn manuscrito de HILDEGARD VON
BINGEN. Representa a terra cercada pelo oceano, pelo reino do ar e pelo
céu estrelado. No centro, a esfera terrestre propriamente dita é dividida
em quatro paries 37 .
704
JACOB BÒHME apresentou uma mandala em seu livro Viertzig
Fragen von der Seele (quadro 3 no capitulo precedente deste volume). O
círculo contém um semicirculo claro e outro escuro que se dão as costas.
Representam opostos não unificados. Por este motivo o coração que se
encontra entre ambos deve unificá-los. Esta representação é incomum,
mas expressa adequadamente o conflito moral insolúvel na visão cristã.
"A alma é um olho / no abismo eterno: uma metáfora da eternidade: uma
figura perfeita e retrato do primeiro Principio, e como Deus Pai de acordo
com sua pessoa (se assemelha) à eterna Natureza. Sua essência e substância (onde está puro em si mesmo) é em primeiro lugar a roda da natu
reza - com as quatro primeiras formas". Em outro texto do mesmo tratado, BÕHME diz: "A natureza das almas com sua imagem / está na terra /
em uma bela flor". Ou: a alma é "um olho de fogo", "que provém do eter
no centro da natureza", uma "metáfora do primeiro Principio". Como
olho ela "recebe a luz / do mesmo modo que a Lua a (recebe) do brilho do
Sol,... pois a vida da alma origina-se no fogo". Em outra passagem: "A
alma assemelha-se a uma esfera de fogo / ou a um olho de fogo" .
Imagem 49 e 50
705
A imagem 49 é particularmente interessante, na medida em que nela
se reconhece com nitidez em que relação se encontra com seu autor. A
36.0 desenho veio às minhas mãos do British Museum, Londres. O rclcvo do mesmo parccc encontrar-sc cm Nova Iorquc.
37. Lucca, Biblioteca governativa. Cod. 1942, fol. 37.
38. [(Das umbgewandte Augc), O olho voltado para trás, p. 161s.]
desenhista (a mesma da imagem 42) tern um problema com a sombra. A
figura feminina no quadro representa sua sombra, seu lado escuro ctônico. Encontra-se diante de uma roda de quatro raios, formando com a
mesma uma mandala de oito raios. De sua cabeça saem quatro serpentes , as quais expressam a natureza tetrádica da consciência; fazem-no
porém - concordando com o caráter demoníaco do quadro - num sentido
mau e nefasto, na medida em que representam pensamentos maus e destrutivos. A figura inteira está envolta em chamas, que emitem uma luz
ofuscante. Ela é uma espécie de demônio do fogo, la salamandre, a idéia
medieval de um elfo do fogo. O fogo expressa um intenso processo de
transformação. Por isso a matéria-prima a ser transformada na alquimia é
representada por uma salamandra no fogo, tal como mostra a imagem
50 . A ponta da espada ou da flecha exprime "direção" em sentido figurado. Ela aponta para cima, a partir do meio da cabeça. Tudo o que o fogo
consome ascende ao trono dos deuses. O dragão arde no fogo, é volatilizado. Do tonnento do fogo gera-se a üuminação. O quadro deixa entrever algo do desenrolar no pano de fundo do processo de transformação.
Descreve obviamente um estado de tonnento, o qual lembra por um lado
a Crucifixão e, por outro, Ixion preso na roda. Vê-se então com clareza
que a individuação, isto é, a realizaçao da totalidade não é nem 'summum
bonum', nem 'summum desideratum', mas o processo doloroso daunificação dos opostos. Este é o significado da cruz no circulo. Por este motivo, a cruz tem um efeito apotropaico, pois quando apresentada ao maléfíco, mostra-lhe que já está incluída e por isso perdeu seu efeito destrutivo.
Imagem 51
A partir de uma problemática semelhante uma paciente de dezesseis 706
anos fez este quadro: um demônio de fogo subiu através da noite até uma
estrela, onde atado a uma situação caótica passou para um estado firme e
ordenado. A estrela sugere a totalidade transcendente. O demônio corresponde ao animus o qual, como a anima, estabelece uma relaçao entre o
consciente e o inconsciente. A imagem evoca um simbolismo antigo, por
exemplo o de PLUTARCO : para este a alma está só parcialmente no cor39. Cf. as quatro scrpcntes na mctadc ctônica (sombria) da mandala na imagem 9 no artigo
que preccdeu cstc volume.
40. Fig. Xextraida das figures dcLAMBSPRINCKde \611noMusaeumhermeticum [p. 361].
41. De genio Socratis, cap. XXII {Überden Damon des Sob-ates, p. 195].
po, por outra parte, paira sobre o humano como uma estrela, que simboliza seu genius. Encontramos a mesma concepção entre os alquimistas.
lmagem 52
707
Esta imagem é da mesma paciente que fez a imagem 51. Ela representa chamas através das quais uma alma sobe, flutuando. O mesmo motivo - e com o mesmo significado - se encontra no Codex Alchemicus
Rhenovacensis (século XV) na Biblioteca Central de Zurique (imagem
54). As almas da matéria-prima calcinada no fogo escapam (como vapores) sob a forma de criancas (homunculi). No fogo encontra-se o dragâo
ao transformar-se, sob a forma ctônica da anima mundi.
Imagens 53 e 54
708
Devo observar neste ponto que nem a paciente tinha qualquer conhecimento da alquimia, e nem eu mesmo conhecia nessa época o material
imagistico alquimico. A semelhança entre estas duas imagens, por notáveis que sejam, nada tern de extraordinário, uma vez que o grande problema no que concerne à alquimia fílosófica é o mesmo que subjaz à
psicologia do inconsciente, isto é, o da individuação, a integração do
si-mesmo. Causas semelhantes tern efeitos semelhantes, e as situacões
psicológicas semelhantes servem-se do mesmo simbolismo, o qual por
sua vez está a seu lado nos fundamentos arquetipicos, como já indiquei
no caso da alquimia.
Conclusão
709
Espero ter conseguido dar ao leitor alguma idéia do simbolismo da
mandala, através destas imagens. Naturalmente não pretendia dar com
essas explicaçÕes mais do que uma orientação acerca do material empirico, que está abase destas investigações. Apresentei alguns paralelos que
podem indicar o caminho para outras comparações histórico-étnicas,
mas renunciei a uma exposição mais completa e pormenorizada neste
contexto, porque isso me levaria longe demais.
O significado funcional das mandalas dispensa muitas palavras. Já 710
tratei várias vezes desse tema. Além disso é possível intuir com urn pou-co de
sensibilidade o sentido mais profundo que o autor tenta expressar através
dessas imagens, muitas vezes pintadas com o maior amor, embo-ra com mãos
desajeitadas. Trata-se deyantras no sentido indiano, isto é, de instruments de
meditação para mergulhar em si mesmo, de concen-tração e realização da
experiência interior, tal como expus no Comentá-rio à Flor de Ouro. Ao
mesmo tempo, as yantras servem ao estabeleci-mento da ordem interior,
encontrando-se por isso freqiientemente em series de imagens; aparecem
logo depois de estados caóticos, desordena-dos, conflitivos ligados ao
medo. Expressam por conseguinte a idéia do refugio seguro, da
reconciliação interior e da totalidade.
Poderia mostrar um numero muito maior de imagens, das mais di- 711
versas regiões do mundo e o que surpreenderia seria ver como esses simbolos partem do mesmo fundamento básico já observado nas mandalas
individuais. Em vista do fato de que em todos os casos aqui demonstra-dos
há novos fenômenos independentes de qualquer influência, somos
obrigados a constatar que, além da consciência, deve existir uma disposi-ção
inconsciente universalmente disseminada, uma disposiçâo capaz de produzir
em todos os tempos e lugares os mesmos simbolos, ou pelo me-nos, muito
semelhantes entre si. Uma vez que essa disposição é em geral inconsciente
para o individuo, eu a designei inconsciente coletivo, postu-lando como o
fundamento dos produtos simbólicos do mesmo a existên-cia de imagens
originárias: os arquétipos. Não é necessário acrescentar que a identidade
dos conteúdos inconscientes individuais se expressa através dos conteúdos
dos paralelos étnicos, não só na configuração ima-gística, como também no
sentido.
O conhecimento da origem comum do simbolismo inconsciente- 712
mente pré-formado se havia perdido por completo para nós. Para trazê-lo de
volta à luz do dia devemos ler antigos textos e investigar culturas arcai-cas, a
fím de poder compreender aquilo que os nossos pacientes nos tra-zem hoje
para o esclarecimento de sua evolução psíquica. Penetrando mais
profundamente nas camadas interiores da alma, deparamos com es-tratos
históricos que não constituent letra morta, mas continuam vivos e atuantes
em todo ser humano; ultrapassam nossa possibilidade de apre-ensão, no
estado atual de nossos conhecimentos.
IMAGEM 1
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Texto publicado em português na obra de Carl Gustav Jung Os
Arquétipos e o Inconsciente Coletivo. - Petrópolis: Vozes,
2000. Páginas 347-381

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