Relatório - PDBFF - Projeto Dinâmica Biológica de Fragmentos
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Relatório - PDBFF - Projeto Dinâmica Biológica de Fragmentos
Convergência funcional em plântulas e divergência funcional em juvenis: filtros ambientais e competição agem em etapas diferentes do desenvolvimento de plantas lenhosas Pedro Rates Vieira de atributos em indivíduos coexistindo Introdução Uma abordagem cada vez mais localmente (Keddy 1992). Por outro frequente para explicar a coexistência lado, em comunidades tem se focado em interações entre organismos determinam como das mais intensamente a coexistência de espécies estão relacionados com a sua espécies em um determinado local e aptidão exercem os atributos ao funcionais longo de ambientais (McGill Atributos funcionais característica gradientes et medida al. são a 2006). qualquer nível do tem sido proposto importante estruturação que papel das as na comunidades (Diamond 1975). Assim, o padrão de variação nos atributos funcionais pode indivíduo que tem efeito direto no seu ser desempenho espécies, uma vez que determinados em um determinado resultado das interações entre ambiente (Violle et al. 2007). Espécies atributos que co-ocorrem em um dado habitat habilidade competitiva aos organismos devem compartilhar atributos que lhes (Stubbs & Wilson 2004). Espera-se, permitam então, sobreviver às condições ambientais locais. podem que indivíduos a conferir maior competição leve à entre limitação de As limitações impostas pelo similaridade e gere divergência de ambiente, como distúrbios e condições atributos funcionais, fazendo com que estressantes, não haja sobreposição de nicho entre atuam ambientais e indivíduos que como filtros podem eliminar os diferentes não possuem os Levins 1967). atributos necessários para tolerá-las. Em espécies florestas, (MacArthur os & indivíduos Isto explica, em parte, a composição de arbóreos passam por uma série de espécies de uma comunidade (Grime distúrbios (inundações, seca, abertura de 1998). clareiras) Dessa forma, a filtragem ambiental levaria a uma convergência ao desenvolvimento. longo do Considerando seu que 1 indivíduos de espécies lenhosas podem em estágios de vida iniciais, como permanecer como plântulas e juvenis plântulas, a competição por recursos por algumas décadas (Richards 1996), a deve intensidade e a sequência de tipos de estruturação das comunidades, e à distúrbios (Fukami 2001) pelos quais medida que envelhecem, a ação de eles passam devem ser fundamentais filtros para moldar a composição de espécies importante. Espero que plântulas de nesses dois estágios. Espera-se que espécies lenhosas apresentem maior indivíduos mais jovens tenham passado variância por uma quantidade menor de distúrbios funcionais do que os indivíduos juvenis. ao longo de seu desenvolvimento Além disso, espero que as plântulas de quando comparados a indivíduos mais espécies lenhosas apresentem maior velhos. da variância nos atributos do que a convergência de atributos deve ser mais esperada ao acaso, enquanto que em fraco juvenis a variância nos atributos deve Portanto, para o plântulas intensificando em efeito e vai faixas se etárias ser mais ambientais importante se quanto aos torna na mais atributos ser menor. subsequentes. Por outro lado, plântulas têm maiores restrições para a obtenção de recursos como água e luz, uma vez que não possuem Métodos Realizei este estudo na Área de enraizamento Relevante Interesse Ecológico (ARIE) profundo e nem acesso à luminosidade do Km 41 (02°24’ S – 59°44’ O), a da copa das florestas. Isso deve fazer cerca de 80 Km ao norte de Manaus, com que a competição seja muito mais Brasil. . A ARIE de 10.000 ha pertence intensa ao Projeto Dinâmica Biológica de nos estágios desenvolvimento lenhosos, levando dos à iniciais do indivíduos limitação Fragmentos Florestais (PDBFF – de INPA/STRI) e está inserida em uma similaridade de atributos funcionais formação florestal contínua de terra entre indivíduos jovens. firme, com uma variação topográfica de Neste estudo busco responder cerca de 80 m. O clima é quente e quais mecanismos ecológicos são mais úmido, caracterizado por uma estação importantes para a estruturação de uma seca e uma chuvosa. comunidade de plantas lenhosas em Selecionei 15 pontos de diferentes etapas do desenvolvimento. amostragem na área da floresta com Minha hipótese é que para indivíduos terreno elevado e plano sem clareiras 2 próximas para que esta variação mesmo ponto de amostragem. ambiental não influenciasse a variação Adicionalmente, comparei as médias nos atributos funcionais dos indivíduos. dos atributos, também com testes-t Os pontos estavam pelo menos 70 m pareados. distantes entre si. Em cada um dos 15 transformação logarítmica da variância pontos fiz uma busca por plântulas e da AF. Para avaliar se a variação dos juvenis lenhosas, atributos funcionais em cada um dos amostrando todos até chegar a um total estágios ontogenéticos diferia do que se de 30 plântulas e 30 juvenis. Considerei espera ao acaso, realizei testes de como plântulas os indivíduos entre 10 e aleatorização baseados em modelos 50 cm de altura e como juvenis os nulos (Gotelli & Graves 1996). Para tal, indivíduos entre 1 e 2,5 m de altura. calculei a variância de RCL e AF em Selecionei a maior folha de cada cada unidade amostral e utilizei a média indivíduo, evitando a coleta de folhas dessas variâncias para cada um dos em crescimento, para medir a razão atributos. Em cada aleatorização os entre o comprimento e a largura (RCL) indivíduos da folha e a área foliar (AF). A área aleatoriamente foliar foi calculada conforme a área de amostrais e a média das variâncias foi uma recalculada. Foram realizadas 1000 de elipse. espécies Esses atributos importantes têm consequência Para aleatorizações. estas foram análises fiz redistribuídos entre as Valores unidades médios da ecofisiológicas, uma vez que folhas variância menores do que o esperado ao mais acaso (α=0,05) indicam convergência compridas transpiram do largas a de atributos, enquanto que valores assimilação de carbono, e folhas com maiores indicam divergência entre os maior área podem captar mais luz mesmos. Todas as análises foram feitas (Larcher 1986). Em cada ponto calculei no programa R 2.10.1 (R Development a variância dos dois atributos funcionais Core Team 2010). para cada mais, que um dos aumentando dois estágios amostrados, plântulas e juvenis. Resultados Comparei a variância de cada A variância e a média da razão atributo dentro das unidades amostrais entre entre plântulas e juvenis por testes-t plântulas não diferiram daquela de pareados, aonde o par era composto juvenis (variância: F(1,14)=0,81; p=0,36; pelas plântulas e os juvenis de um Figura 1A; média: F(1,14)=1,36; p=0,96). comprimento e largura de 3 Para área foliar, a variância e a média cm2 foram maiores em juvenis do que em 166,58+34,65 cm2 em plântulas e de plântulas (variância: 310,16+61,28 cm2 em juvenis. Plântulas p<0,001; Figura F(1,14)=11,93; p<0,001). F(1,14)=3,94; 1B; média: e em juvenis. A média foi de juvenis não convergiram nem RCL variou divergiram quanto a RCL (p=0,058 para entre 1,05 e 12,38 em plântulas e entre plântulas e p=0,62 para juvenis). O 0,99 e 16,08 em juvenis. A média foi de padrão observado para AF diferiu 3,23+0,32 (média + desvio padrão) em daquele da RCL. Plântulas convergiram plântulas e 3,23+0,15 em juvenis. AF em AF (p<0,001), enquanto que juvenis variou entre 4,9 cm2 e 962,98 cm2 em divergiram (p=0,02). 2 plântulas e entre 0,57 cm e 1429,53 Figura 1. Variância dos atributos funcionais de plântulas e juvenis de plantas lenhosas na ARIE do Km 41, Amazônia, Brasil. As linhas ligam o par de unidades amostrais. (A) Razão entre comprimento e largura foliar (RCL); (B) área foliar. 4 as plantas vão se estabelecendo e sendo Discussão Ao contrário do que eu esperava, recrutadas para o estágio de juvenil a os resultados mostram que durante o competição vai se intensificando, o que estágio de plântula, filtros ambientais leva a limitação de similaridade entre as atuam na estruturação da comunidade plantas. de plantas lenhosas. Isto fica Os resultados deste estudo evidenciado pela baixa diversificação da diferem daqueles encontrados na mesma área foliar durante esta etapa do área de estudo. Vaz (2009) encontrou desenvolvimento. O padrão observado evidências para divergência de atributos acima se inverte nos juvenis. Neste no interior da floresta em relação à caso, a competição deve ser a principal capoeira, porém não encontrou qualquer força estruturando a comunidade, uma evidência vez que a área foliar é bastante diversa comunidade dentro de cada um desses neste estágio. O fato de a variação na ambientes. Essa evidência sugere que área foliar ter sido maior em juvenis do grupos funcionais diferem na escolha de que em plântulas reforça essa ideia. nichos funcionais (nesse caso floresta Tem sido demonstrado que a para estruturação da primária e capoeira), mas dentro dos competição e os filtros ambientais agem nichos as comunidades como na estruturadas (Kraft et al. 2008). No estruturação de comunidades (Cornwell entanto, neste estudo eu encontrei et al. 2006, Stubbs & Wilson 2004). No evidências para competição e filtros entanto, o ambientais dentro de um mesmo nicho primeiro estudo demonstrando que em funcional (floresta primária). Essas uma evidências vão contra a teoria de nichos importantes fatores aparentemente, este é mesma comunidade ambos os mecanismos diferentemente ontogenéticos podem em distintos. não são atuar funcionais (Kraft et al 2008), uma vez estágios que há estruturação dentro desses uma nichos, e contra a teoria neutra (Hubbell maneira geral, a interpretação mais 2001). Em uma comunidade onde há parcimoniosa é que filtros ambientais convergência e divergência em atributos podem atuar na germinação e na fase de funcionais, estabelecimento afirmar das De plântulas, que é pouco parcimonioso processos estocásticos permitindo que apenas as plantas com a direcionam área foliar em uma determinada faixa de comunidades. variação se estabeleçam. A medida que mecanismos explicitados abaixo devem a estrutura Ao invés das disso, 5 gerar pressões para que apenas menos em defesa. A tolerância à sombra indivíduos com determinados valores de é tradicionalmente tida como uma atributo coexistam na comunidade. característica A ausência de estruturação para que desenvolvimento não da varia planta no porém, a razão entre comprimento e largura recentemente, foi demonstrado que foliar sugere que a forma da folha não juvenis de diferentes espécies podem influi na competição por luz no sub- variar bosque da floresta e que não existe característica a medida que envelhecem nenhum filtro ambiental selecionando (Lusk et al. 2008). Isso deve levar a esse atributo. Por outro lado, a área uma intensa competição por luz no sub- foliar mostrou diferença no valor e na bosque. Aquelas espécies que mantém a amplitude do atributo. Uma possível tolerância ao sombreamento estável no condição que pode estar limitando a seu desenvolvimento, podem manter a variação da área foliar em plântulas é a mesma alta desenvolvimento, mas aquelas que se frequência de herbivoria que consideravelmente área foliar nessa durante o plantas tem que enfrentar em florestas tornam tropicais (Massey et al. 2005). Em condição devem aumentar a área de indivíduos muito pequenos todo o captação de luz para persistir. Assim, a tecido ser coexistência de espécies no sub-bosque fundamental para a sobrevivência e deve ser mantida pelo mecanismo de obtenção de energia. Assim, plântulas limitação de similaridade (MacArthur & devem alocar grande parte do carbono Levins 1967). fotossintetizante deve menos tolerantes a essa assimilado na produção de metabólitos Neste estudo demonstrei que secundários para a defesa contra a diferentes mecanismos que influenciam herbivoria. o a estruturação das comunidades podem investimento em crescimento foliar atuar com intensidades diferenciadas deve ficar prejudicado, reduzindo o nas etapas iniciais da ontogenia de valor e a variação desse atributo. A plantas lenhosas. Sugiro que estudos medida sendo futuros avaliem se o mesmo padrão recrutadas para o estágio juvenil e vão ocorre em estágios mais tardios do ganhando novas folhas, a importância desenvolvimento. Se a atuação dos de cada folha individualmente perde mecanismos valor proporcional e as plantas podem coexistência de espécies ao longo do investir mais no crescimento foliar e desenvolvimento que Consequentemente, plântulas vão que permitem tiver a importantes 6 consequências na composição funcional Diamond, J.M. 1975. Assembly of final de uma comunidade, isso deve ter species communities. In: Ecology grandes implicações para diferentes and evolution of communities ( M.L. processos Cody ecossistêmicos (Díaz & & J.M. Cabido 2001). Assim, a sequência com Cambridge: que a competição e os filtros ambientais Press. atuam ao longo do desenvolvimento das plantas pode ter Diamond, Harvard eds). University Díaz, S. & M. Cabido. 2001. Vive la importantes difference: plant functional diversity consequências em escalas que vão além matters to ecosystem processes. do nível de comunidades e merecem Trends in Ecology and Evolution, mais atenção dos ecólogos. 16:646-655. Fukami, T. 2001. Sequence effects of disturbance on community structure. Agradecimentos Agradeço aos colegas Ricardo, Fernanda e Bruno e ao professor Marcus Cianciaruso pelas discussões sobre este trabalho. A Claudinha e a Dani pelas excelentes Júnior pelo revisões. Ao acompanhamento Oikos, 92:215-224. Gotelli, N. & G.R. Graves.1996. Null models in ecology. Washington: Smithsonian Institution Press. Grime, J.P. 1998. Benefits of plant em diversity to ecosystems: immediate, campo. A Sara pela ajuda na montagem filter and founder effects. Journal of dos gráficos. O professor Marcelo Ecology, 86:902-910. Tabarelli fez sugestões metodológicas e criou o “Amazon Forest Woody Hubbell, S.P. 2001. The unified neutral theory of biodiversity Seedlings Functional Diversity Drivers biogeography. Project”. Por fim, a todos os colegas de Princeton University Press. curso que tornaram esse mês um momento inesquecível. Jersey: Keddy, P.A. 1992. Assembly and response rules predictive Journal Referências New and - 2 goals community of for ecology. Vegetation Science, 3:157–164. Cornwell, W.K., D.W. Schwilk, & D.D. Kraft, N.J.B., R. Valencia & D.D. Ackerly. 2006. Trait-based test for Ackerly. 2008. Functional traits and habitat niche-based filtering: Convex hull tree community volume. Ecology, 87:1465–1471. 7 assembly in an Amazonian forest. Science, 322:580–582. Larcher, W. 1986. R Development Core Team. 2010. R: A language Ecofisiologia vegetal. São Paulo: EPU. and environment for statistical computing. R foundation for statistical computing, Vienna, Lusk, C.H., D.S. Falster, C.K. JaraVergara, M. Jimenez-Castillo & A. Saldaña-Mendonza. Austria. Disponível em: http://www.R-project.org. 2008. Stubbs, W.J. & J.B. Wilson. 2004. light Evidence for limiting similarity in a requirements of juvenile rainforest sand dune community. Journal of evergreens. Ecology, 92:557-567. Ontogenetic variation Functional in Ecology, 22:454-459. Vaz, M. 2009. Evidência de um filtro MacArthur, R. & R. Levins. 1967. The ecológico: atributos funcionais limiting similarity, convergence, and convergem na divergence of coexisting species. capoeira e divergem na floresta American Naturalist, 101:377–385. primária. In: Livro do curso de Massey, F.P., M.C. Press & S.E. campo “Ecologia Hartley. 2005. Have the impacts of Amazônica” insect herbivores on the growth of Pinto, tropical Cardoso, tree seedlings been underestimated? pp. 347-365. In: G. (J.L. da Camargo, Machado eds). Floresta & F. P.E.C. Manaus: PDBFF/INPA. Biotic interactions in the tropics. (D. Violle, C., M.L. Navas, D. Vile, E. Burslem, M. Pinnard & S.E. Hartley, Kazakou, C. Fortunel, I. Hummel & eds.). E. Garnier. 2007. Let the concept of Cambridge: Cambridge University Press. trait be functional! Oikos, 116:882- McGill, B.J., B.J. Enquist, E. Weiher & M. Westoby. 2006. 892. Rebuilding community ecology from functional traits. Trends in Ecology and Evolution, 21:178-185. 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