Julho – Setembro/2014
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Julho – Setembro/2014
EDITORIAL Sobre a desconstrução da mais nobre das profissões Um dia vieram e levaram meu vizinho que era judeu. Como não sou judeu, não me incomodei. No dia seguinte vieram e levaram meu outro vizinho que era comunista. Como não sou comunista, não me incomodei. No terceiro dia vieram e levaram meu vizinho católico. Como não sou católico, não me incomodei. No quarto dia, vieram e me levaram; já não havia mais ninguém para reclamar. Martin Niemöller, vítima do nazismo No mês que passou, celebramos o dia do médico e, ao mesmo tempo, cumprimos o dever cívico de tentar mudar o rumo da gestão do Estado brasileiro. Esses fatos nos trazem à reflexão sobre o que é ser médico e, principalmente, nos dias atuais, o que é ser médico no Brasil. Ser médico não é tarefa fácil. A missão é difícil e complexa, exige senso humanístico e consciência coletiva. É fundamental gostar de gente e enxergar em cada paciente uma extensão de sua própria humanidade. De nenhuma outra profissão se exige tanta responsabilidade. Nenhuma profissão tem um currículo tão longo, e somente os estudantes de Medicina trocam noites de festas para passar essas noites em plantões convivendo com a dor e com a doença alheias. Depois, na atividade profissional, o trabalho incansável de aliviar dor e sofrimento e consolar quando nada é mais possível fazer. Na teoria, o curso de Medicina tem a duração de seis anos, mas um médico, para entrar no mercado de trabalho, necessita, no mínimo, de mais dois anos de estudo. Neste longo período, o médico aprende e aprimora seus conhecimentos para o diagnóstico e tratamento das doenças. Recentemente, os “iluminados” que nos governam entenderam que não é preciso estudar Medicina ou ser médico para diagnosticar e tratar doenças, permitindo que outros profissionais de saúde cumpram este papel, sem a formação adequada para tal. Ser médico não é tarefa fácil; ser médico no Brasil, nos dias de hoje, é muito mais difícil. Ser médico no Brasil é ser responsabilizado pelo caos na saúde pública, com o objetivo de encobrir a incompetência dos gestores. A prática da medicina está ameaçada em nosso país. Nos jornais, estão estampadas as notícias sobre a abertura indiscriminada de escolas médicas, as “adequações” da residência médica, as tentativas de revalidar automaticamente diplomas de médicos formados no exterior sem exigir comprovação de capacidade e, mais recentemente, retirar do diploma o grau de médico substituindo o mesmo por Revista da AMRIGS, Porto Alegre, 58 (3): 181, jul.-set. 2014 bacharel em Medicina, assim como se esforçam em nos tirar o título tão arduamente conquistado nos rotulando de “trabalhadores da saúde”. O SUS, em sua concepção, é um bom sistema, porém é mal gerenciado, principalmente em seu nível primário, no qual é impossível cumprir os preceitos constitucionais de integralidade, equidade e universalidade. E nenhuma das medidas gestadas pela atual administração brasileira irá ajudar nosso sistema de saúde, pois se faltam profissionais, falta muito mais estrutura adequada para o desempenho da atividade médica. Se a formação médica deixa a desejar e se a situação da assistência médica é precária, o futuro desenhado pelas políticas de saúde que nos regem nos últimos 12 anos só nos permite vislumbrar um cenário cada vez mais sombrio no nosso horizonte. Na Medicina, assim como em todas as profissões, existem maus médicos, mas não é justo lançar todos os profissionais na vala comum dos malfeitores. Este destino deve ser reservado apenas aos incompetentes, imprudentes e negligentes. A mídia generaliza e dá publicidade aos maus feitos e nunca noticia o trabalho da maioria dos médicos, cuja prática é regida por parâmetros éticos e por compromisso social com os pacientes, médicos estes que exercem sua missão anônima e abnegadamente e que correm o risco de se transformar em notícia, como incompetentes, desumanos ou corruptos denunciados por pessoas sofridas, tão vítimas deste sistema perverso, em geral, induzidas pelas notícias negativas a que são submetidas. Meus cumprimentos a todos os médicos dedicados, que, mesmo trabalhando em condições difíceis, por vezes mal remunerados e incompreendidos e, apesar das tentativas de aniquilamento da profissão médica, ainda resistem praticando este ato de amor, misto de ciência e arte, que é a Medicina. RENATO B. FAGUNDES, MD PhD Editor Executivo 181 ARTIGO ORIGINAL Comparação do APACHE II e PCR como preditores de mortalidade em pacientes hospitalizados em UTI Comparison of APACHE II and CRP as predictors of mortality in patients hospitalized in ICUs Kelser de Souza Kock1, Felipe Guadagnin2, Marcos de Oliveira Machado3, Rosemeri Maurici4 RESUMO Introdução: O objetivo deste estudo foi analisar a associação entre mortalidade e valores do APACHE II e proteína C reativa (PCR) no 1o e 5o dia de internação em pacientes da UTI do Hospital Nossa Senhora da Conceição, Tubarão/SC. Métodos: Foi conduzido um estudo de coorte no período de março a agosto de 2013. Incluídos pacientes que necessitaram de ventilação mecânica (VM) por mais de 24 horas. Na coleta de dados foram verificados: diagnóstico de internação, gênero e idade do paciente, APACHE II e PCR nos dias 1(D1) e 5(D5). Os pacientes foram acompanhados até alta ou óbito, contabilizando tempo de VM e tempo de internação em UTI. Resultados: Analisados 166 pacientes, 100 (60,2%) do sexo masculino, com média de idade de 60,0 ± 18,6 anos e diagnósticos de internação principalmente por doenças do aparelho circulatório (34,9%) e respiratório (16,9%). Os valores médios encontrados foram APACHE II = 27,8 ± 6,7 pontos, PCR (D1) = 87,7 ± 89,5 mg/l, PCR (D5) = 133,7 ± 83,7 mg/l, tempo de VM e UTI de 12,7 ± 10,9 e 14,8 ± 11,2 dias, respectivamente. Comparando o desfecho óbito (53,6%) e alta (46,6%), houve diferença estatística entre idade (p<0,001) e PCR(D5). Dicotomizando pela média, foi observada associação estatística no APACHE II acima da média (p = 0,02) e idade acima da média (p = 0,005). Conclusão: Os resultados sugerem que a PCR (D5) aliada ao APACHE II são preditores da mortalidade e fornecem informações adicionais sobre o curso clínico de pacientes ventilados mecanicamente em UTI. UNITERMOS: Terapia Intensiva, Mortalidade, Indicadores de Morbimortalidade, APACHE. ABSTRACT Introduction: To assess the association between mortality and APACHE II and C-reactive protein (CRP) values in ICU patients on the first and fifth day of hospitalization at Hospital Nossa Senhora da Conceição, Tubarão, SC. Methods: A cohort study was conducted from Mar to Aug 2013 including patients who required mechanical ventilation (MV) for more than 24 hours. In data collection we reviewed admission diagnosis, gender and age of the patient, APACHE II, and CRP on days 1 (D1) and 5 (D5). Patients were followed until discharge or death, computing duration of MV and length of ICU stay. Results: The study included 166 patients, 100 (60.2%) males, mean age 60.0 ± 18.6 years and admission diagnoses mainly due to cardiovascular (34.9%) and respiratory (16 , 9%) disorders. The mean values were APACHE II = 27.8 ± 6.7 points, CRP (D1) = 87.7 ± 89.5 mg/l, CRP (D5) = 133.7 ± 83.7 mg/l, and length of MV and ICU 12.7 ± 10.9 and 14.8 ± 11.2 days, respectively. Comparing the outcomes death (53.6%) and discharge (46.6%), there was no statistical difference for age (p <0.001) and CRP (D5). After dichotomizing by mean, statistical association was found for APACHE II above mean (p = 0.02) and age above mean (p = 0.005). Conclusion: The results suggest that CRP (D5) combined with APACHE II are predictors of mortality and provide additional information about the clinical course of mechanically ventilated patients in the ICU. KEYWORDS: Intensive care, Mortality, morbidity and mortality Indicators, APACHE. 1 2 3 4 Mestre em Ciências da Saúde. Professor da Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL). Graduando do Curso de Medicina da UNISUL. Doutor em Farmácia Análises Clínicas. Professor e Coordenador do Laboratório de Pesquisa em Exercício e Saúde (LAPES) da UNISUL. Doutora em Ciências Pneumológicas. Professora do Departamento de Clínica Médica da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). 182 Revista da AMRIGS, Porto Alegre, 58 (3): 182-186, jul.-set. 2014 COMPARAÇÃO DO APACHE II E PCR COMO PREDITORES DE MORTALIDADE EM PACIENTES HOSPITALIZADOS EM UTI Kock et al. INTRODUÇÃO A unidade de terapia intensiva (UTI) é uma área hospitalar que centraliza recursos materiais de alta tecnologia e recursos humanos especializados e treinados, atendendo pacientes graves que necessitam de observação constante, cuidados específicos e de alta complexidade (1). Dentro deste contexto, grande parte dos pacientes necessita de respiração artificial, sendo a ventilação mecânica (VM) responsável por manter as trocas gasosas, corrigir a hipoxemia e a acidose respiratória associada à hipercapnia, aliviar o trabalho da musculatura respiratória, diminuindo o consumo de oxigênio, reduzindo, dessa forma, o desconforto respiratório e permitindo a aplicação de terapêuticas específicas (2). Com o intuito de avaliar o desempenho das UTIs, a gravidade dos pacientes e a eficiência do tratamento realizado, os índices prognósticos foram criados para traduzir alterações clínicas e laboratoriais em um valor numérico (3). Entre esses índices, pode-se citar o Acute Physiology And Chronic Health Evaluation (APACHE, APACHE II, APACHE III, APACHE IV) (4,5) o Simplified Acute Physiology Score (SAPS e SAPS II) (6,7) o Logistic Organ Dysfunction System (LODS) (8) e o UNICAMP II (9). O APACHE foi desenvolvido em 1981 por Knaus e colaboradores, como uma tentativa de ocupar uma lacuna entre as tentativas de definir a severidade da doença com sistemas que utilizavam poucos dados e aqueles que requeriam complexas e extensas equações matemáticas, a fim de possuir aplicabilidade para a grande maioria dos pacientes (10). Ele consistia de duas partes: uma pontuação APS (Acute Physiology Escore), baseada em 34 variáveis clínicas e laboratoriais que tinham por objetivo avaliar as alterações agudas, e uma pontuação baseada em dados de doença crônica para caracterizar o estado de saúde pregresso (10). O APACHE II, no mesmo sentido, também é um sistema de classificação da gravidade aguda da doença. Sua pontuação foi refinada, na qual 12 medidas fisiológicas, idade e estado prévio de saúde, variam de 0 a 71 pontos, sendo relacionado diretamente com risco prognóstico em pacientes hospitalizados em terapia intensiva (4). Esse é o índice prognóstico preconizado pelo Ministério da Saúde na avaliação dos centros de terapia intensiva (11). A proteína C-reativa (PCR) é uma proteína de fase aguda, sintetizada pelos hepatócitos e liberada rapidamente após o início de um processo inflamatório ou lesão tecidual (12,13,14). O que determina sua concentração sérica é a taxa de síntese, a qual depende, por sua vez, da intensidade do estímulo inflamatório, este mediado especialmente pela interleucina-1 (IL-1), IL-6 e fator de necrose tumoral-alfa (TNF-alfa), atingindo seus valores de pico a cerca de 48 horas após o início do insulto (12,14). Inúmeros estudos descreveram uma boa sensibilidade e especificidade da PCR para o diagnóstico de sepse (12). Mais importante: a resposta da PCR, nos primeiRevista da AMRIGS, Porto Alegre, 58 (3): 182-186, jul.-set. 2014 ros dias de antibioticoterapia, pode sugerir a adequação da resposta ao tratamento da infecção e ao prognóstico (15). Estudos demonstram a utilidade do uso de medidas seriadas de PCR como instrumento no diagnóstico e no monitoramento da resposta ao tratamento em diversas condições, como pneumonia adquirida na comunidade, pneumonia nosocomial, infecções de corrente sanguínea e sepse (12). Desta forma, os objetivos deste trabalho foram medir os valores da proteína C reativa no 1o e 5o dia e o índice do APACHE II de pacientes internados na UTI sob VM e verificar se esses dois indicadores apresentam relação com a mortalidade. MÉTODOS O presente estudo foi realizado na UTI do Hospital Nossa Senhora da Conceição (HNSC), Tubarão/SC. A unidade possui 30 leitos para adultos, atendendo a todas as especialidades. Com caráter prospectivo, descritivo e de abordagem quantitativa, foram analisados os pacientes internados na unidade no período de março a agosto de 2013 que necessitaram de VM por mais de 24 horas, sendo excluídos os indivíduos que foram hospitalizados na UTI por cirurgia cardíaca e aqueles que foram transferidos para outra UTI. A coleta de dados foi da seguinte forma: • Dia 1 (D1) – primeiras 24 horas de VM invasiva. Realização do APACHE II (4) e coleta dos valores de PCR. Código Internacional das Doenças (CID) da internação, sexo e idade do paciente. • Dia 5 (D5) – coleta dos valores de PCR. O método de medida da PCR foi o CRP-Latex por turbilhonamento, fabricante do Beckamn Coulter, cuja sensibilidade para detecção dessa proteína é de 3,5 e a unidade expressa em miligramas por litro (mg/L). Os pacientes foram acompanhados até os seguintes desfechos: alta ou óbito. Os dados foram armazenados em um banco de dados criado com o auxílio do software Excell®, o qual foi exportado para o software SPSS 20.0®. Os dados foram demonstrados por meio de números absolutos e percentuais, medidas de tendência central e dispersão. O ponto de corte para análise dicotômica foi definido como a média dos resultados obtidos. A análise dos dados numéricos foi realizada primariamente pelo teste de normalidade Kolmogorov-Smirnov. Os resultados com distribuição normal foram comparados pelo teste t de student e os assimétricos pelo teste de Mann-Whitney. Para os dados categóricos, utilizou-se o teste de qui-quadrado. Foi estabelecido nível de significância estatística de 5%. Para comparar a acurácia do APACHE II e PCR para a ocorrência do óbito, foi realizada a curva ROC. Com relação aos aspectos éticos, este trabalho foi submetido ao Comitê de Ética e Pesquisa em Seres Humanos da Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL), e aprovado sob o número 12.460.4.08.III. 183 COMPARAÇÃO DO APACHE II E PCR COMO PREDITORES DE MORTALIDADE EM PACIENTES HOSPITALIZADOS EM UTI Kock et al. RESULTADOS Entre 3 de março e 25 de agosto de 2013 foram acompanhados consecutivamente 184 indivíduos que foram hospitalizados na UTI do Hospital Nossa Senhora da Conceição em Tubarão/SC. Foram excluídos 18 indivíduos que não preencherem os critérios para participação da pesquisa. Destes, 3 foram transferidos para outra UTI e 15 não completaram 24 horas de ventilação mecânica. Dos 166 indivíduos estudados, 100 (60,2%) eram do sexo masculino. A média de idade dos participantes foi de 60,0 ± 18,6 anos, com mínimo de 15 anos e máximo de 94 anos. Os diagnósticos de internação, estratificados por sistemas pelo CID, foram principalmente doenças do aparelho circulatório e respiratório (Tabela 1). Em relação à normalidade das variáveis numéricas, apenas o APACHE II apresentou distribuição Gaussiana. As demais variáveis apresentaram distribuição assimétrica. O resultado global das variáveis numéricas e a comparação com o desfecho estão sintetizados na Tabela 2. Ao analisar as variáveis numéricas dicotimizadas pela média, observou-se associação estatística com o óbito apenas no APACHE II acima da média (p = 0,022) e idade acima da média (p = 0,005). A PCR - dia 5 acima da média apontou uma tendência na associação (p = 0,057). A acurácia da PCR - dia 5 acima da média e APACHE II acima da média para a predição de mortalidade avaliada pela curva ROC evidenciou uma área de 0,589 (IC 95% de 0,502 - 0,676) com p = 0,048 e área de 0,582 (IC 95% de 0,493 - 0,670) com p = 0,070, respectivamente (Gráfico 1). DISCUSSÃO De forma geral, a média de idade encontrada no presente estudo foi semelhante a outras encontradas no Brasil (16,17,18,19,20). Lisboa et al (21), analisando 55 prontu- 1,0 Tabela 1 – Distribuição dos participantes segundo diagnóstico de internação. CID (%) 58 (34,9) Doenças do aparelho respiratório 28 (16,9) Lesões, envenenamentos e outras consequências de causas externas 14 (8,4) Sinais e sintomas não classificados Doenças do aparelho digestivo 13 12 (7,8) (7,2) Doenças do aparelho geniturinário 8 (4,8) Neoplasias 6 (3,6) Doenças do sistema nervoso 6 (3,6) Doenças endócrinas, nutricionais e metabólicas Doenças infecciosas e parasitárias Transtornos mentais e comportamentais 4 3 3 (2,4) (1,8) (1,8) Outros 11 (6,8) 166 (100) Total Sensibilidade N Doenças do aparelho circulatório 0,8 0,6 0,4 0,2 PCR dia 5 APACHE II Linha de referência 0,0 0,0 0,2 0,4 0,6 0,8 1-especificidade Gráfico 1 – Curva ROC – APACHEII e PCR – dia 5. Fonte: Elaboração do autor, 2013. Tabela 2 – Resultados das variáveis numéricas e desfecho. Variável Amostra n = 166 (100%) Desfecho Alta n = 77 (46,6%) Óbito N = 89 (53,6%) p APACHE II 27,8 ± 6,7 26,9 ± 7,4 28,6 ± 6,0 0,104 Idade (anos) 60,0 ± 18,6 53,6 ± 20,0 65,5 ± 14,4 <0,001 PCR - dia 1 (mg/l) 87,7 ± 89,5 79,7 ± 86,3 94,6 ± 92,1 0,150 PCR - dia 5 (mg/l) 133,7 ± 83,7 118,6 ± 71,7 146,7 ± 90,6 0,048 Tempo de VM (dias) 12,7 ± 10,9 14,0 ± 12,9 11,5 ± 8,7 0,379 Tempo de UTI (dias) 14,8 ± 11,2 17,8 ± 12,9 12,1 ± 8,8 <0,001 Fonte: Elaboração do autor, 2013. 184 Revista da AMRIGS, Porto Alegre, 58 (3): 182-186, jul.-set. 2014 1,0 COMPARAÇÃO DO APACHE II E PCR COMO PREDITORES DE MORTALIDADE EM PACIENTES HOSPITALIZADOS EM UTI Kock et al. ários de pacientes internados em UTI de um hospital de Passo Fundo/RS submetidos a VM, verificaram uma média de idade de 61,6 ± 21,2 anos. A demanda de idosos pelo atendimento em unidades críticas tende a acontecer porque o envelhecimento populacional, especialmente nos países em desenvolvimento, tem sido alvo de discussões das áreas de planejamento e políticas de saúde, tendo em vista as projeções estatísticas brasileiras indicando que a população idosa passará de 7,5%, em 1991, para 15%, em 2025 (22). A idade contribuiu de modo significativo para uma maior mortalidade neste estudo. A mesma relação encontrada no projeto IMPACT, com 124.885 pacientes de 135 UTIs. Esses dados, no entanto, divergem de uma meta-análise realizada na base de dados Medline com artigos publicados na língua inglesa entre 1966 e 2005, relacionados a pacientes idosos em UTIs, em que não se encontrou significância entre óbito e idade avançada (23). Alguns autores afirmam que o prognóstico é, muitas vezes, mais dependente da gravidade da doença e do estado funcional antes da admissão do que na idade avançada em si (24,25). A prevalência do sexo masculino encontrada nesta pesquisa foi semelhante à de outros estudos (16,18,20,26,27). Em uma coorte com 59 indivíduos, realizada na mesma UTI do presente estudo entre novembro de 2009 e abril de 2010, observou-se prevalência de 72,9% (43) do sexo masculino e 27,1% (16) do feminino (28). Já um outro estudo com 55 pacientes em VM constatou predominância do gênero feminino com 54,55% contra 45,5% do sexo masculino (21). Esse predomínio pode estar relacionado ao fato de os homens estarem mais envolvidos com mortes não naturais e violentas do que as mulheres, predispondo-os ao uso de VM como suporte de tratamento. Em relação à utilização da ventilação mecânica e ao tempo médio, os dados encontrados foram semelhantes a um estudo com 401 pacientes internados na UTI adulta do HC-UNICAMP; onde destes, 210 permaneceram em VM por mais de 24 horas – assim, a média encontrada foi de 9,3 ± 14,3 dias, com variação entre 1 e 98 dias (18). De acordo com os sistemas orgânicos, registrou-se um maior acometimento do sistema circulatório como causa de internação, semelhante ao resultado encontrado por outros estudos (17,29). Conforme o DATASUS, no mesmo período do estudo, no município de Tubarão houve 5513 internações. Dessas, a gravidez, parto e puerpério representam a primeira causa de internação, com 18,01% (993); já as doenças do aparelho circulatório constituíram a segunda, com 12,58% (694). No presente estudo, não houve nenhum paciente do grupo em situação de gravidez, parto e puerpério que se enquadrou nos critérios de inclusão (30). Não ocorreu diferença significativa entre as médias do APACHE II e desfecho, porém na comparação dicotômica essa diferença tornou-se relevante, tal como o encontrado em outros locais (17,27). No presente estudo, somente nos valores aumentados para a PCR – dia 5 encontrou-se associação estatística sigRevista da AMRIGS, Porto Alegre, 58 (3): 182-186, jul.-set. 2014 nificativa em relação ao desfecho de óbito. Póvoa et al (31) que acompanharam os valores de PCR de 891 pacientes, com média de idade 60 ± 17 anos, durante os primeiros 5 dias de internação em UTI, também apontaram que a taxa de declínio da PCR durante os primeiros cinco dias na UTI foi consideravelmente associada com um melhor prognóstico, principalmente após o terceiro dia (31). Esses dados permitem inferir que um doente com uma diminuição média diária de 10% da concentração da PCR tem um risco 32% menor de morte após ajuste para a gravidade clínica (31). Em um estudo observacional com 71 pacientes, realizado em Porto Alegre, os valores de PCR foram menores nos sobreviventes do que nos não sobreviventes; a PCR, entretanto, não discriminou entre os dois grupos de maneira significativa (20). Em um estudo similar ao presente trabalho, foi comparada a progressão da PCR durante a primeira semana de antibioticoterapia de 191 pacientes internados em UTI. Entre os sobreviventes, observou-se uma diminuição contínua significativa dos valores de PCR, e entre aqueles que foram a óbito, a razão dos valores da PCR entre o primeiro e o quinto dia permaneceu elevada, sendo ainda que quando esta razão era superior a 0,5 no quinto dia, associou-se a um aumento de cinco vezes no risco de morte na UTI (32). A persistência do valor da PCR>60% do valor inicial ao 4º dia de terapêutica constitui um indicador de mau prognóstico (32) . CONCLUSÃO Os resultados do presente estudo permitem concluir que APACHE II e a PCR, no quinto dia, são bons preditores de mortalidade. Essas observações sugerem que a PCR do quinto dia aliada ao APACHE II forneçam informações adicionais sobre o curso clínico individual. 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O objetivo do estudo foi analisar a prevalência de VDRL reagente no período gestacional ou na ocasião do parto em dois períodos distintos e realizar avaliação do perfil sócio-demográfico e epidemiológico das puérperas portadoras de sífilis. Métodos: Estudo de natureza descritiva, abordagem quantitativa exploratória, retrospectiva e comparativa, realizado através da revisão de prontuários de internação de um hospital no interior do estado do Rio Grande do Sul. Resultados: No período de dois anos de estudo, foi avaliado um total de 3508 prontuários de puérperas, dos quais 56 (1,6%) eram casos de VDRL reagente no parto ou durante a assistência pré-natal. Entre os casos de VDRL reagente, foram confirmados como SC 6 (25%) em 2012 e 25 casos (73,5%) em 2013. Com relação aos dados de feto morto, identificaram-se 6 (2,5%) em 2012 e 5 (1,4%) em 2013. Conclusões: O estudo indicou uma baixa prevalência de pacientes VDRL reagentes em relação aos dados estaduais e nacionais encontrados; no entanto, ainda há falhas de controle da sífilis congênita. A sífilis gestacional esteve associada à baixa escolaridade, ausência de parceiro e atividade do lar. Há necessidade de melhoria das informações registradas nos prontuários e nos cartões de gestantes. UNITERMOS: Sífilis Congênita, Assistência Pré-Natal, Prevalência, Tratamento. ABSTRACT Introduction: Gestational syphilis is highly prevalent and is a leading cause of death in newborns. The aim of this study was to analyze the prevalence of positive VDRL during pregnancy or at birth in two distinct periods and perform an assessment of the socio-demographic and epidemiological profile of puerperal syphilis. Methods: A descriptive study with an exploratory, retrospective and comparative quantitative approach, performed by reviewing medical records of inpatients in a hospital in the countryside of Rio Grande do Sul. Results: Within two years of study, a total of 3508 records of postpartum women were evaluated, of whom 56 (1.6%) were cases of positive VDRL in childbirth or during prenatal care. Among the cases of positive VDRL, 6 (25%) were confirmed as CS in 2012 and 25 cases (73,5%) in 2013. Regarding the data of dead fetus, we identified 6 (2.5%) in 2012 and 5 (1.4%) in 2013. Conclusions: The study showed a low prevalence of VDRL-positive patients as compared to state and national data; however, there still are failures in the control of congenital syphilis. Gestational syphilis was associated with low education, lack of partner and household activity. There is need to improve the information recorded in the medical records and cards of pregnant women. KEYWORDS: Congenital Syphilis, Prenatal Care, Prevalence, Treatment. 1 2 3 4 5 Acadêmica em Medicina. Enfermeira Assistencial na Maternidade do Hospital Santa Cruz, preceptora do PRO-Saúde/ PET-Saúde: Redes de Atenção, Subprojeto Rede Cegonha. Acadêmica em Farmácia. Enfermeira. Professora do Curso de Enfermagem da Universidade de Santa Cruz do Sul (UNISC), tutora do PRO-Saúde/ PET-Saúde: Redes de Atenção, Subprojeto Rede Cegonha. Ciências Biológicas. Professora adjunta da UNISC, docente do Programa de Pós-Graduação em Promoção da Saúde, coordenadora do PROSaúde/ PET-Saúde: Redes de Atenção. Revista da AMRIGS, Porto Alegre, 58 (3): 187-192, jul.-set. 2014 187 SÍFILIS CONGÊNITA: ANÁLISE DE UM HOSPITAL DO INTERIOR DO ESTADO DO RS Chaves et al. INTRODUÇÃO A OMS estima que em todo o mundo cerca de 2 milhões de mulheres grávidas são infectadas com sífilis a cada ano e quase um milhão de bebês nascem com sífilis congênita (SC) (1). A sífilis gestacional, apesar de apresentar diagnóstico simples e tratamento eficaz, ainda possui prevalência alarmante, especialmente nos países em desenvolvimento, caracterizando-se como uma das principais causas de morte em recém-nascidos (RNs) (1,2). A ação mais consistente para controle da SC está na garantia de uma assistência pré-natal ampla e de qualidade, efetuando-se o diagnóstico precoce, por meio da triagem sorológica, e o tratamento em tempo hábil, a um baixo custo (2,3). A maioria dos RNs com SC é infectado no útero após o quarto mês de gestação, mas a infecção pode ocorrer já em nove semanas de gestação (4,5). As consequências da SC não diagnosticada e/ou tratada inadequadamente durante o período pré-natal incluem aborto, morte fetal, parto prematuro, recém-nascidos com sinais clínicos da doença, e, mais frequentemente, crianças infectadas assintomáticas ao nascimento, com cerca de 2/3 destas desenvolvendo sintomas por volta da 3a a 8a semana de vida (4,6). O diagnóstico presuntivo da sífilis é feito indiretamente, por meio de testes sorológicos não treponêmicos, tais como Venereal Disease Research Laboratory (VDRL) e Rapid Plasma Reagin (RPR) e testes treponêmicos, como o teste fluorescente por absorção de anticorpos (FTA-ABS) e o teste treponêmico por aglutinação de partículas (TPHA) (3,6). Testes não treponêmicos são utilizados para a triagem e podem produzir resultados falso-positivos. Assim, os testes treponêmicos são realizados para confirmar os testes de rastreio, quando a doença é suspeita (3,7). Para o acompanhamento do tratamento, recomenda-se a utilização da mesma metodologia não treponêmica inicial e, preferencialmente, a realização do teste no mesmo laboratório (8). A terapêutica da gestante com penicilina benzatina no primeiro trimestre costuma evitar a infecção fetal. Após esta fase, trata o concepto também. O Centers for Disease Control (CDC) indica 1 dose de 2,4 milhões de penicilina benzatina para a sífilis primária, secundária e sífilis latente precoce, e o Ministério da Saúde recomenda o uso de uma segunda dose de penicilina benzatina, apesar de não ter sido comprovada, até o momento, a superioridade deste esquema (9). As indicações para o tratamento do recém-nascido compreendem todos aqueles casos diagnosticados como sífilis confirmada ou provável. Atualmente, os exames preconizados pelo CDC e pelo MS incluem teste sorológico não treponêmico (VDRL/RPR) no sangue periférico do recém-nascido; hemograma completo; Raio X de ossos longos; exame de líquor; pesquisa de outras infecções congênitas de transmissão sexual (4,7,9). A notificação compulsória da sífilis gestacional é obrigatória no Brasil desde 1986 (6). O número de casos confirmados de SC nas várias regiões do país é extremamente alto, apesar da subnotificação se constituir em sério proble188 ma (9). No ano de 2011, foram diagnosticados 9.374 casos de sífilis congênita, com taxa de incidência de 3,3 casos para cada 1.000 nascidos vivos. A região que apresenta a maior taxa de incidência de sífilis congênita é a Nordeste, com 3,8 casos a cada 1 mil nascidos vivos, seguida da Sudeste, cujo índice é de 3,6. O Centro-Oeste é o que tem o menor número proporcional de recém-nascidos com a doença: 1,8 (10). A SC é evitável, sendo que medidas de controle adotado no Brasil visam reduzir o número de casos para 1 em cada 1.000 recém-nascidos (7). Atualmente, apenas 30% de mulheres com sífilis são rastreadas e tratadas (1). Dentre os problemas relacionados ao controle dessa doença infecciosa, destacam-se: anamnese inadequada; sorologia para sífilis não realizada nos períodos preconizados (1º e 3º trimestres); interpretação inadequada da sorologia para sífilis; falha no reconhecimento dos sinais de sífilis maternos; falta de tratamento do parceiro sexual e falha na comunicação entre a equipe obstétrica e pediátrica, entre outros (9,11). Outra recomendação do MS, muitas vezes não cumprida, é a realização da triagem para sífilis na admissão para parto ou aborto (5). A falta de acesso a laboratórios e clínicas também é um importante impedimento para a triagem da SC (2). Caso a sorologia para sífilis não tenha sido realizada durante a gravidez, os recém-nascidos não devem ter alta hospitalar até que seja feita a sorologia materna e haja acompanhamento do resultado (12). Neste sentido, foi realizada uma análise de prevalência de VDRL reagente no período gestacional ou na ocasião do parto em dois períodos distintos e realizada avaliação do perfil sociodemográfico, obstétrico e epidemiológico das puérperas portadoras de SC internadas em um hospital do interior do estado do Rio Grande do Sul (RS), Brasil. MÉTODOS O estudo em questão apresenta natureza descritiva de abordagem quantitativa exploratória, retrospectiva e comparativa, sendo realizado através da revisão de prontuários de internação do Serviço de Arquivamento Médico e Estatístico (SAME) de um hospital no interior do estado do Rio Grande do Sul (RS), Brasil. O Hospital Santa Cruz (HSC) é uma entidade filantrópica, sem fins lucrativos, que atende pacientes SUS e conveniado do Vale do Rio Pardo. Em relação ao número de leitos disponíveis, na maternidade são 35 leitos destinados ao atendimento ginecológico e obstétrico, na UCI 6 leitos especializados no atendimento de recém-nascidos que, por impedimento patológico, não podem ficar junto à mãe, e na UTI Neonatal, são 8 leitos próprios para o atendimento de bebês. Em virtude dos serviços disponibilizados, o HSC tornou-se referência para o Vale do Rio Pardo, em atendimento a gestantes e crianças de risco (13). O estudo iniciou-se com a obtenção dos dados de todas as pacientes VDRL reagentes, no período de janeiro de Revista da AMRIGS, Porto Alegre, 58 (3): 187-192, jul.-set. 2014 SÍFILIS CONGÊNITA: ANÁLISE DE UM HOSPITAL DO INTERIOR DO ESTADO DO RS Chaves et al. 2012 a dezembro de 2013. O tamanho total da amostra do ano de 2012 foi de 1665 prontuários de puérperas, sendo revisados 24, com teste VDRL reagente. Já em 2013, foram 34 prontuários analisados de um total de 1843. SC foi considerada, segundo o MS, ao se comparar títulos da sorologia não treponêmica na criança com a da mãe, preferencialmente, de um mesmo teste realizado em um mesmo laboratório. Títulos da criança maiores do que os da mãe indicariam suspeita de sífilis congênita. As informações dos prontuários foram as seguintes: epidemiológico (prevalência), obstétrico (idade gestacional – IG – em semanas, paridade, tipo de parto, presença de abortos espontâneos, ocorrência de feto morto, início do pré-natal, número de consultas e VDRL no período gestacional) e sociodemográfico (faixa etária, escolaridade, estado civil, ocupação, convênio e uso de drogas), além do tratamento materno, do parceiro e do RN. A análise e o processamento dos dados foram realizados com o programa Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) versão 22.0. As variáveis contínuas foram expressas como média e desvio-padrão (DP), enquanto as categóricas foram expressas como frequência absoluta e relativa. O nível de significância adotado foi de 5% (p≤0,05). O presente estudo foi aprovado pelo comitê de ética em pesquisa da Universidade de Santa Cruz do Sul, sob número CAAE: 14624913.0.0000.5343 e a parecer 236523. No período de dois anos de estudo, foi avaliado um total de 3508 prontuários de puérperas, dos quais 56 (1,6%) eram casos de VDRL reagente no parto ou durante a assistência pré-natal. A prevalência de puérperas VDRL reagentes encontradas em 2012 foi de 1,4% (24), e em 2013 de 1,8% (34). Entre os casos de VDRL reagente, foram confirmados como SC 6 (25,0%) em 2012 e 25 casos (73,5%) em 2013 (Figura 1). A média da idade materna foi de 24 anos, variando de 15 a 38 anos (± 6,3) (Tabela 1). Com relação à escolaridade, houve predomínio do ensino fundamental (completo/incompleto) em ambos os períodos analisados. Uso de drogas foi identificado em 11 puérperas, 2 (8,3%) em 2012, e 9 (24,6%) em 2013 (Tabela 1). A abordagem do histórico materno referente às condições obstétricas está descrita na Tabela 2. A média de idade gestacional (IG) no primeiro ano foi de 37,2 semanas, variando de 19 a 41 semanas. Com relação ao ano posterior, a média da IG apresentou-se como 36,9 semanas, variando de 24 a 42. A paridade de maior prevalência ocorreu para multíparas, 14 (58,3%) no primeiro ano, e 20 (58,8%) no ano subsequente. A frequência de parto vaginal foi similar nos dois períodos analisados. As puérperas que tiveram aborto totalizaram 10 (41,6%) em 2012, e 11 (32,35%) em 2013. Com relação aos dados de feto morto, visualizam-se 6 (2,5%) em 2012 e 5 (1,4%) no outro ano. Ao analisar o início do pré-natal, houve predominância do primeiro trimestre, 13 (54,1%) no primeiro ano e 17 (50,0%) no ano posterior. Quanto ao número de consultas realizadas no pré-natal, 16 (66,6%) gestantes totalizaram ≥ 6 consultas em 2012, e 17 (50,0%) em 2013. As informações do controle da SC, através do tratamento materno, do parceiro e do RN, encontram-se na Tabela 3. Para o tratamento do parceiro, houve três (12,50%) tratados em 2012 e 7 (20,58%) em 2013. Já para o tratamento materno, em 2012, observou-se prevalência deste no hospital, não havendo a informação do pré-natal nestes casos, com 7 casos (29,16%). Da mesma forma em 2013, 17 (50,00%) casos com tratamento apenas no hospital. O estudo utilizou a opção ‘não se aplica’ para casos de feto morto. 2012 2013 1.665 prontuários de puérperas 1.843 prontuários de puérperas RESULTADOS 1.642 VDRL não reagente 24 VDRL reagente 34 VDRL reagente RNs RNs 9 VDRL não reagente 3 VDRL não consta 6 VDRL não se aplica* 6 VDRL reagente 25 VDRL reagente 1.810 VDRL não reagente 3 VDRL não reagente 1 VDRL não consta 5 VDRL não se aplica* * 'Não se aplica' corresponde a casos de feto morto. Figura 1 – Fluxograma da sífilis congênita. Revista da AMRIGS, Porto Alegre, 58 (3): 187-192, jul.-set. 2014 189 SÍFILIS CONGÊNITA: ANÁLISE DE UM HOSPITAL DO INTERIOR DO ESTADO DO RS Chaves et al. Tabela 1 – Características sociodemográficas de puérperas VDRL reagentes. Variáveis sociodemográficas 2012 N 2013 % N % Idade Variáveis Clínicas 2012 N 2013 % N % Início do pré-natal 13 a 18 6 25,0 5 14,7 1° trimestre 13 54,1 17 50,0 19 a 24 8 33,3 17 50,0 2° trimestre 8 33,3 6 17,6 25 a 30 3 12,5 5 14,7 3° trimestre - - 3 8,8 31 a 37 7 29,1 7 20,5 Não consta 3 12,5 4 11,7 Não realizou - - 7 Ensino fundamental 10 41,6 17 50,0 Ensino médio 8 33,3 12 35,2 ≥6 16 66,6 17 50,0 Ensino superior 1 4,1 - - ≤6 6 25,0 9 26,4 Não consta 5 20,8 5 14,7 Não consta 2 8,3 2 5,8 Não realizou - - 6 17,6 Escolaridade Estado civil 20,5 Número de consultas Sem parceiro 19 79,1 33 97,0 Com parceiro 4 16 1 2,9 VDRL no período gestacional Não consta 1 4,1 - - 1° trimestre 2 8,3 - - 2° trimestre - - 1 2,9 50,0 3° trimestre - - 10 29,4 38,2 1° e 3° trimestre - - 1 2,9 11,7 2° e 3° trimestre - - 2 5,8 Ocupação Do lar Outro Não consta 8 10 6 33,3 41,6 25,0 17 13 4 1°, 2° e 3° trimestre Convênio SUS Privado 22 2 91,6 8,3 34 - 100,0 - Usuária de drogas Sim 2 8,3 9 26,4 Não consta 22 91,6 25 73,5 DISCUSSÃO A transmissão vertical da sífilis permanece um grande problema de saúde pública no Brasil, apesar de existirem medidas de prevenção eficazes, como preservativos e educação em saúde para população, com opções de tratamento de baixo custo (14,15). Das várias doenças que podem ser transmitidas durante o ciclo gravídico-puerperal, a sífilis é a que apresenta as maiores taxas de transmissão. A SC tornou-se uma doença de notificação compulsória para fins de vigilância epidemiológica por meio da Portaria 542, de dezembro de 1996 (7). Neste estudo, a soroprevalência de sífilis observada em puérperas VDRL reagentes foi de 1,4% e 1,8%, respectivamente em 2012 e 2013. Com relação à prevalência da SC, em 2012 houve 9 (37,5%) e, em 2013, 26 casos (76,5%). Ao comparar a taxa de gestantes com sífilis por 1000 nascidos vivos, encontra-se no Brasil um total de 7043 (12,2%) casos em 2012. Na Região Sul, houve um número de 738 (12,1%) casos no mesmo período, e no RS, 334 (11,5%). Quanto aos casos notificados de SC em menores de um ano de idade por 1000 nascidos vivos, o total encontrado no Brasil corresponde a 4432 (5,5%) em 2012, havendo 490 (7,9%) 190 Tabela 2 – Distribuição das gestantes com VDRL reagente na gestação e/ou no momento do parto, de acordo com variáveis clínicas. Hospital Não consta - - 19 55,8 22 91,6 1 2,9 - - - - Idade gestacional no parto (em semanas) < 37 4 16,6 9 26,4 37-41 19 79,1 23 67,6 >41 - - 1 2,9 Não consta 1 4,1 1 2,9 Primípara 22 91,6 34 100,0 Multípara 2 8,3 - - Paridade Abortos Espontâneos Sim 2 8,3 9 26,4 Não 22 91,6 25 73,5 Sim 6 25,0 5 14,7 Não 18 75,0 29 85,3 Feto Morto casos na Região Sul, e 306 (7,7%) no RS (16). Os dados referentes a 2013 não foram encontrados na literatura. A taxa de transmissão vertical nas gestantes com sífilis não tratada corresponde a 70 a 100%, corroborando os dados encontrados em 2013, sendo menores em 2012 (14). O perfil sociodemográfico das puérperas do estudo em questão indica que a sífilis está ocorrendo em jovens, com baixo grau de escolaridade, que não possuem parceiro, com grande parcela de ocupação sendo do lar, a maioria com convênio SUS e não usuárias de drogas. De acordo com essas características, na literatura também se Revista da AMRIGS, Porto Alegre, 58 (3): 187-192, jul.-set. 2014 SÍFILIS CONGÊNITA: ANÁLISE DE UM HOSPITAL DO INTERIOR DO ESTADO DO RS Chaves et al. Tabela 3 – Informações do controle da Sífilis Congênita através do tratamento materno e do recém-nascido. 2012 N 2013 % N % Parceiros tratados Sim 13 54,1 17 50,0 Não consta 8 33,3 6 17,6 Tratamento materno Pré-natal 5 20,8 11 32,3 Hospital 7 29,1 17 50,0 Pré-natal e hospital 5 20,8 5 14,7 Não consta 7 29,1 1 2,9 3 12,5 27 74,4 Tratamento recémnascido Sim Não consta 5 20,8 - - Não se aplica 16 66,6 7 20,6 observa predomínio de jovens com sífilis, baixa escolaridade e baixo nível socioeconômico (2,17,18). Embora a SC não seja uma doença restrita às camadas menos favorecidas, o dado referente à ocupação observado no estudo (maior frequência sendo do lar) pode ser um marcador importante de pouco acesso aos serviços de saúde (18). Em relação aos fatores associados com VDRL reagente, foi encontrada uma associação positiva com o uso ilegal de drogas no ano de 2013 (19). As variáveis clínicas observadas indicam maior frequência de pré-natal precoce no período analisado, o que vai de encontro à literatura pesquisada, já que a sífilis, geralmente, está associada a um pré-natal de início tardio (2,20). De acordo com o número de consultas no pré-natal, segundo o estudo houve o predomínio de seis ou mais consultas, seguindo o protocolo do MS para uma assistência de pré-natal adequada; no entanto, não foi alcançado 100% da cobertura das gestantes em relação à quantidade e qualidade do pré-natal (7,11,15). Um fator preocupante é o grande número de mulheres que são diagnosticadas durante o pré-natal, com questionamento acerca das medidas tomadas após o diagnóstico de sífilis (15). Os dados do teste VDRL visualizados no estudo foram feitos predominantemente no hospital, não constando a informação da realização no pré-natal em virtude principalmente da ausência da cópia da carteira de gestante anexada ao prontuário. O VDRL é utilizado como rotina devido à dificuldade de acesso aos testes confirmatórios. No Brasil, recomenda-se o uso de três testes não treponêmicos em mulheres grávidas: dois durante o pré-natal (1o e 3o trimestres) e um no momento do parto (3,7,9,19). A sífilis em gestantes, quando inadequadamente tratada e com riscos obstétricos, pode levar a desfechos adversos ao concepto. Os riscos de transmissão vertical e doenças Revista da AMRIGS, Porto Alegre, 58 (3): 187-192, jul.-set. 2014 fetais estão diretamente relacionados com o estágio de sífilis materna durante a gravidez. Estima-se que mulheres com sífilis latente terão metade das gestações afetadas, o que pode determinar prematuridade, morte fetal, incluindo abortos e morte perinatal (2,20,18). As taxas de prematuridade, aborto e feto morto encontradas no estudo são elevadas e condizem com a literatura citada anteriormente, quando se considera tratamento materno inadequado. O principal fator de falha no tratamento da gestante foi a falta e/ou a inadequação do tratamento do parceiro, fato que se assemelha aos achados em outros estudos. A inclusão do parceiro no pré-natal tem sido uma importante estratégia para abordagem do problema e é determinante para cura eficaz da mãe e, consequentemente, para o fim do agravo (18). Com relação ao tratamento materno, houve o predomínio deste no hospital, não constando informações do tratamento no pré-natal. Já a informação de que o tratamento não constava foi observada mais em 2012, havendo melhora significativa do preenchimento do prontuário no ano seguinte. O tratamento materno inadequado pode acarretar sérias implicações para o feto, como já citado anteriormente, e revela-se de baixo custo e pouco complexo (2,3,11). Constatou-se que para cinco RNs não havia a informação do tratamento no ano de 2012. Já em 2013, todos estavam devidamente preenchidos. Vale destacar a presença constante de dados ignorados ou em branco, o que permite inferir sobre a maneira como os profissionais de saúde comportam-se frente ao preenchimento de instrumentos de notificação e prontuários (15). Ressaltam-se as limitações relativas ao n da amostra do estudo, com dificuldades para a correlação significativa das variáveis. CONCLUSÕES O estudo indicou uma baixa prevalência de pacientes VDRL reagentes em relação aos dados estaduais e nacionais encontrados; no entanto, ainda há falhas de controle da SC, uma vez que esta se revela de fácil prevenção e tratamento. Uma mostra disso está na falta de qualidade do pré-natal recebido pela gestante, já que houve grande acometimento de pacientes especialmente jovens, e aumento da prevalência da doença no ano posterior do período em análise. Também se destacou a associação da sífilis gestacional à baixa escolaridade, ausência de parceiro e trabalhadoras do lar. Destaca-se a importância dos registros referentes ao acompanhamento das gestantes, com necessidade de melhoria das informações registradas nos prontuários e nos cartões de gestantes. REFERÊNCIAS 1. Testing for syphilis during pregnancy [editorial]. The Lancet Infect Dis. 2012; 12:255. 2. Campos ALA, Araújo MAL, Melo SP, Gonçalves MLC. Epidemiologia da Sífilis Gestacional em Fortaleza, Ceará, Brasil: um agravo sem controle. Cad Saúde Pública. 2010; 26 (9):1747-1755. 3. Amaral E. Sífilis na gravidez e óbito fetal: de volta para o futuro. 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Independência, 2293 96.815-900 – Santa Cruz do Sul, RS – Brasil (51) 9612-9168 [email protected] Recebido: 9/7/2014 – Aprovado: 3/8/2014 Revista da AMRIGS, Porto Alegre, 58 (3): 187-192, jul.-set. 2014 ARTIGO ORIGINAL A doença da membrana hialina em prematuros de baixo peso Hyaline membrane disease in low birth weight preterm infants Luíza Ruschel1, Paulo de Jesus Hartmam Nader2 RESUMO Introdução: O objetivo do estudo foi determinar a prevalência da Doença da Membrana Hialina (DMH) em prematuros de baixo peso e suas principais complicações. Métodos: Foi realizado um estudo descritivo do tipo série de casos. A população em estudo foram 34 prematuros com peso inferior a 1500 gramas e/ou idade gestacional inferior a 32 semanas nascidos no período de julho de 2010 a julho de 2011 no Hospital Universitário de Canoas/RS. Resultados: Pré-eclâmpsia e trabalho de parto prematuro foram as causas mais frequentes de parto pré-termo. DMH ocorreu em todos os recém-nascidos com peso inferior a 1000 gramas. Em prematuros com peso ao nascer entre 1001 e 1250 gramas e 1251 e 1499 gramas, a prevalência da DMH foi de 71,4% e 44,4%, respectivamente. A complicação da DMH mais frequente foi a persistência do canal arterial. Conclusões: A prevalência da DMH encontrada foi de 100% nos prematuros com peso até 1000 gramas e de 71,4% nos RNs com peso entre 1001g e 1250g. Nos prematuros com peso de 1251g a 1499g, a prevalência foi de 44,4%. UNITERMOS: Doença da Membrana Hialina, Prematuros, Baixo Peso, Síndrome da Angústia Respiratória do Recém-Nascido. ABSTRACT Introduction: The aim of the study was to determine the prevalence of hyaline membrane disease (HMD) in preterm, low birth weight infants and its major complications. Methods: A descriptive study of the case series was conducted. The study population were 34 preterm infants weighing less than 1500 grams and/or gestational age less than 32 weeks born from July 2010 to July 2011 at the University Hospital of Canoas, RS. Results: Pre-eclampsia and preterm labor were the most frequent causes of preterm birth. HMD occurred in all newborns weighing less than 1000 grams. In premature infants with birth weights between 1001 and 1250 grams and 1251 grams and 1499, the prevalence of DMH was 71.4% and 44.4%, respectively. The most frequent complication of DMH was the persistent ductus arteriosus. Conclusions: The prevalence of DMH was 100% in preterm infants weighing up to 1000 grams and 71.4% in newborns weighing between 1001g to 1250g. In premature infants weighing 1251g to 1499g, the prevalence was 44.4%. KEYWORDS: Hyaline Membrane Disease, Premature, Low Weight, Respiratory Distress Syndrome of the Newborn. INTRODUÇÃO A DMH, também conhecida como Síndrome da angústia respiratória do recém-nascido, é a doença respiratória mais frequente no período neonatal, sendo a maior causa de morbidade e mortalidade nessa faixa etária. A DMH acomete cerca de 1% de todos nascidos vivos, em especial, os prematuros com idade gestacional inferior a 28 semanas 1 2 e peso ao nascer inferior a 1500 gramas. Os meninos, filhos de mães diabéticas e vítimas de algum grau de asfixia perinatal compõem a população de maior risco (1). A principal causa da DMH é a deficiência de surfactante alveolar, sintetizado a partir da 20ª semana de gestação, que atinge seu ápice somente por volta da 35ª semana. A deficiência de surfactante pulmonar causa um aumento da tensão superficial alveolar e da força de retração elás- Médica Residente de Pediatria da Fundação Hospitalar Getúlio Vargas. Pediatra Neonatologista. Professor adjunto da Universidade Luterana do Brasil (ULBRA), Coordenador da Comissão de Residência Médica da ULBRA, membro efetivo da Sociedade Brasileira de Pediatria, Presidente do Departamento de Neonatologia da Sociedade Brasileira de Pediatria, membro da comissão de Parto Normal do Conselho Federal de Medicina e Vice-presidente da Comissão Estadual de Residência Médica. Revista da AMRIGS, Porto Alegre, 58 (3): 193-197, jul.-set. 2014 193 A DOENÇA DA MEMBRANA HIALINA EM PREMATUROS DE BAIXO PESO Ruschel e Nader tica, ocasionando instabilidade alveolar com atelectasias progressivas, as quais causam perda da complacência pulmonar (1). Citocinas pró-inflamatórias, como IL-1, IL-6, IL-11, VEGF, TGF-α e TGF-β, podem provocar sérios danos ao endotélio capilar e ao epitélio alveolar, resultando em formação da membrana hialina e vazamento de fluido de edema rico em proteínas para dentro dos alvéolos (2). Quanto mais prematuro for o recém-nascido, maiores a gravidade e as probabilidades de desenvolver a DMH. Sinais de esforço respiratório estão presentes nas primeiras 24 horas de vida e se acentuam até 48 horas após o parto (3). A prevalência das complicações da DMH é inversamente proporcional à idade gestacional. As complicações mais comuns da DMH são hemorragia do sistema nervoso central (SNC), displasia broncopulmonar (DBP), persistência do canal arterial (PCA) e retinopatia da prematuridade (4). A DCP é a complicação clínica mais severa e está relacionada à insuficiência placentária, ao tabagismo, a infecções, à oxigenioterapia e à ventilação mecânica (5). A PCA permanece aberta por mais tempo nos prematuros. O afluxo da PCA é proporcional à prematuridade. Quanto mais prematuro for o RN, mais chances ele tem de desenvolver PCA (6). A administração de surfactante após o nascimento diminui a ocorrência de pneumotórax, enfisema pulmonar, DBP e óbito (7). A droga permite um rápido e intenso aumento da oxigenação, com aumento da capacidade residual funcional (CRF) (8). O corticoide antenatal é excelente conduta para evitar a DMH, tendo em vista um trabalho de parto prematuro (TPP). A aplicação intramuscular de dexametasona ou betametasona antes ou durante o TPP acelera a maturação pulmonar do feto, diminuindo a incidência de DMH, hemorragia intraventricular cerebral e morte neonatal (9). A melhor forma de prevenção da DMH e suas complicações é a assistência pré-natal adequada, a fim de evitar o TPP. Consultas regulares ao médico obstetra ou médico da família, encorajamento ao abandono do tabagismo, drogas e álcool são formas de se prevenir o TPP. A realização periódica de exames de baixa complexibilidade, como exame qualitativo de urina e urocultura, glicemia de jejum e sorologias podem indicar causas evitáveis de TPP. Na eminência do TPP, a mãe deve ser preparada e informada. A equipe de saúde deve ter profissionais treinados para ressuscitação neonatal, e a unidade de terapia intensiva é mandatória. Caso ocorra fora desses padrões, o encaminhamento ao centro de referência deve ser feito o mais breve possível (10). Em 2001, a Sociedade de Pediatria do Rio Grande do Sul, juntamente com o Centro Latino-Americano de Perinatologia (CLAP), criou a Rede Gaúcha de Neonatologia (RGN). Após a criação da RGN, foi possível avaliar e quantificar a mortalidade por faixa de peso na população de recém-nascidos de muito baixo peso (RNMBP), além de identificar as complicações mais comuns nessa faixa etária e as intervenções mais realizadas. 194 O tema é de suma importância, devido à sua prevalência e gravidade. O objetivo do artigo é estudar a prevalência da DMH nos RNs com idade gestacional inferior a 32 semanas e/ou peso inferior a 1500 gramas e suas complicações. MÉTODOS Foi realizado um estudo descritivo do tipo série de casos, no qual a população em estudo foi composta por 34 recém-nascidos prematuros, com idade gestacional inferior a 32 semanas e/ou peso inferior a 1500 gramas, que, no período de julho de 2010 a julho de 2011, nasceram no Hospital Universitário da ULBRA de Canoas. Os critérios de exclusão foram recém-nascidos com peso igual ou acima de 1500 gramas e/ou idade gestacional igual ou acima de 32 semanas. Os dados foram coletados a partir do questionário formulado pela Rede Gaúcha de Neonatologia. As variáveis analisadas foram: idade materna, intercorrências antenatais (TPP, HELLP, ITU, RCIU, PE), sexo, gemelaridade, tipo de parto (cesária, vaginal), apgar no 1º e 5º minuto, corticoide antenatal, reanimação em sala de parto, CPAP, ventilação mecânica, peso ao nascimento, número de consultas pré-natal, surfactante, óbito, DMH, complicações da DMH (persistência do canal arterial, DBP, enterocolite necrosante, pneumotórax). Foi realizada análise descritiva através de frequência simples (n) e relativa (%), para variáveis categóricas e média e desvio-padrão, para variáveis quantitativas. Foi usado o teste exato de Fisher para avaliar associação entre faixa de peso e ocorrência de óbito. Em todas as análises, considerou-se o nível de significância de 5%. As análises foram realizadas no programa SPSS versão 18.0. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética do Hospital Universitário de Canoas. (PROTOCOLO 2008-546H) RESULTADOS Todos RNs com peso inferior a 1000 gramas tiveram DMH. Nos prematuros com peso ao nascer maior que 1000 gramas, a prevalência foi mais baixa. O Gráfico 1 demonstra esses achados. A Tabela 1 traz a média de consultas de pré-natal, idade materna, apgar. Também mostra a média de peso ao nascimento e da idade gestacional. A mortalidade foi detalhadamente relacionada com as seguintes faixas de peso: 500-750 gramas, 751-1000 gramas, 1001-1250 gramas e 1251-1499 gramas. Vide Tabela 2. A Tabela 3 mostra a relação entre os pesos dos RNs ao nascer, com a frequência de DMH, a necessidade de suporte respiratório e o uso de surfactante pulmonar exógeno. As complicações da DMH pesquisadas foram PCA, DMH e pneumotórax. Tabela 4. Revista da AMRIGS, Porto Alegre, 58 (3): 193-197, jul.-set. 2014 A DOENÇA DA MEMBRANA HIALINA EM PREMATUROS DE BAIXO PESO Ruschel e Nader Tabela 4 – Complicações da DMH. Prevalência da DMH por faixa de peso Complicações da DMH 100 90 Entre respostas n % Entre RNs (n=34) 32,4% 80 PCA 11 30,6% 70 DBP 3 8,3% 8,8% 60 Sem complicações 22 61,1% 64,7% 50 Total 36 100,0% 105,9% 40 Obs: Entre os 34 RNs, não houve ocorrência de pneumotórax. PCA: persistência do canal arterial DBP: displasia broncopulmonar 30 20 10 0 500 - 750g 751 - 1000g 1001 - 1250g 1251 - 1499g Tabela 5 – Uso de corticoide por faixa de peso relacionado à frequência da Enterocolite Necrosante. Gráfico 1 – Prevalência da Doença da Membrana Hialina por faixa de peso. Tabela 1 – Tabela de Variáveis: Apgar, Idade Materna, Número de Consultas no pré-natal, peso ao nascer e Idade gestacional. Variável Média DP Apgar 1º 5,3 2,62 0,0 Apgar 5º 7,6 1,89 1,0 9,0 Idade Materna 24,9 7,03 13,0 42,0 Nº de consultas pré-natal Peso ao Nascimento Idade Gestacional Mínimo Máximo Peso ao nascer DMH Corticoide Antenatal Enterocolite necrosante 37,5% 500-750g (n=8) 100% 50% 751-1000g (n=10) 100% 50% 20% 1001-1250g (n=7) 71,4% 42,9% 14,3% 1251-1499g (n=9) 44,4% 33,3% zero 8,0 2,9 2,32 0,0 9,0 1018,8 292,94 545,0 1495,0 29,1 3,13 23,0 36,4 Tabela 2 – Tabela de óbitos relacionados à DMH por faixa de peso. Peso ao nascer Número óbitos % de óbitos DMH 500-750g 6 75 100% 751-1000g 2 20 100% 1001-1250g 2 28,6 71,4% 1251-1499g 0 Zero 44,4% Tabela 3 – Tabela DMH X Surfactante X Suporte Respiratório. Peso ao nascer DMH VM CPAP Surfactante 500-750g (n=8) 100% 100% zero 100% 751-1000g (n=10) 100% 70% 30% 90% 1001-1250g (n=7) 71,4% 14,3% 85% 42,9% 1251-1499g (n=9) 44,4% zero 100% 44,4% A Tabela 5 relaciona a prevalência da enterocolite necrosante com o uso do corticoide antenatal por faixa de peso. A Tabela 6 contempla as anormalidades que antecederam o nascimento pré-termo. A gemelaridade, o sexo, o tipo de parto se relacionam por faixa de peso na Tabela 7. Revista da AMRIGS, Porto Alegre, 58 (3): 193-197, jul.-set. 2014 Tabela 6 – Causa dos nascimentos pré-termo. Entre respostas n % % entre RNs (n=34) TPP 16 40,0% 47,1% ITU 3 7,5% 8,8% RCIU 3 7,5% 8,8% PE 9 22,5% 26,5% TOXOPLASMOSE 1 2,5% 2,9% Anormalidades HELLP 1 2,5% 2,9% RUPREME 1 2,5% 2,9% DPP 2 5,0% 5,9% Sem anormalidades 4 10,0% 11,8% Total 40 100,0% 117,6% TPP: trabalho de parto prematuro ITU: infecção do trato urinário RCIU: restrição do crescimento intrauterino PE: pré-eclâmpsia DPP: descolamento prematuro de placenta DISCUSSÃO O presente estudo encontrou uma prevalência de 100% nos prematuros de extremo baixo peso (<1000 gramas) e 71,4% e 44,4% para RNs com peso inferior a 1250 gramas e 1500 gramas, respectivamente, o que é compatível com a literatura atual. Metade dos RNs de muito baixo peso (<1500 gramas) e 80% dos prematuros com menos de 28 semanas de idade gestacional desenvolvem DMH (11). 195 A DOENÇA DA MEMBRANA HIALINA EM PREMATUROS DE BAIXO PESO Ruschel e Nader Tabela 7 – Tabela de variáveis. Peso ao nascer (em gramas) 500 - 750 (n=8) 750 - 1000 (n=10) 1000 - 1250 (n=7) 1250 - 1499 (n=9) Parto P 0,929 Não 5 (62,5%) 7 (70,0%) 4 (57,1%) 5 (55,6%) Sim 3 (37,5%) 3 (30,0%) 3 (42,9%) 4 (44,4%) Não 3 (37,5%) 3 (30,0%) 3 (42,9%) 4 (44,4%) Sim 5 (62,5%) 7 (70,0%) 4 (57,1%) 5 (55,6%) Não 8 (100,0%) 9 (90,0%) 5 (71,4%) 8 (88,9%) Sim 0 (0,0%) 1 (10,0%) 2 (28,6%) 1 (11,1%) Feminino 6 (75,0%) 6 (60,0%) 3 (42,9%) 7 (77,8%) Masculino 2 (25,0%) 4 (40,0%) 4 (57,1%) 2 (22,2%) Cesária 0,929 Gemelar 0,441 Sexo 0,462 Dados apresentados como n (%); *Valor p para teste exato de Fisher. Dado alarmante do estudo foi a baixa adesão à corticoterapia preventiva antenatal. Apenas metade dos RNs com peso até 1000 gramas realizou aplicação de corticoide antes ou durante o TPP. O corticoide está disponível amplamente nos centros obstétricos, possui baixo custo, e sua prática está consolidada no meio obstétrico. A droga oferece grandes benefícios e poucos efeitos adversos, o que não justifica a baixa adesão nesse grupo de gestantes (8). Estudo realizado nas unidades neonatais do Rio de Janeiro, em 2007, também encontrou baixa adesão e uma taxa de apenas 30% na aplicação do corticoide antenatal nas mães de RNs prematuros (8). A maioria (40%) das gestantes entrou em TPP, o que justifica e ratifica a importância de um pré-natal adequado, para diminuir os riscos de situações que possam desencadear um TPP, como infecções do trato urinário (ITU), infecções congênitas, cervicites, hipertensão gestacional, pré-eclâmpsia (PE), entre outras. A PE foi a intercorrência mais encontrada, acometendo nove gestantes (22,5%). A PE é uma doença hipertensiva da gestação, que, independentemente da sua gravidade, sempre traz risco materno e fetal (10). Conforme a literatura, a necessidade de ventilação mecânica (VM) e surfactante pulmonar tem maior prevalência no grupo de menor peso e idade gestacional (11). O presente estudo também encontrou essa proporção. As complicações mais encontradas na literatura foram pneumotórax por barotrauma, PCA, hemorragia intraventricular e DBP (12). No estudo, foi encontrada uma frequência de 30,6% de PCA, o que foi menor do que o encontrado na literatura. Gomella e colaboradores relatam que a PCA é encontrada em cerca de 45% dos RNs com peso <1750 gramas e 80% nos RNs com peso <1000g. A DBP é encontrada em torno de 70% dos prematuros com peso <1000g e cerca de 7% nos RNs com peso de 1001 a 1250g 196 (12). O achado da DBP no estudo também foi menor, já que 8,3% apresentaram a complicação, sendo que todos tinham peso inferior a 1000g. Na pesquisa, não houve ocorrência de pneumotórax. A hemorragia intraventricular não foi avaliada no estudo. A prevalência da DMH é inversamente proporcional à idade gestacional e ao peso ao nascimento (13). O que vai ao encontro do estudo, o qual constatou uma mortalidade de 75% nos prematuros com peso de até 750g, e em RNs com peso acima de 1251 a 1499g, não houve óbito. Na faixa de peso intermediária, ocorreu uma pequena inversão, que, pelo número restrito da amostra, não tem significância estatística. CONCLUSÃO A prevalência da DMH encontrada foi de 100% nos prematuros com peso até 1000 gramas e de 71,4% nos RNs com peso entre 1001g e 1250g. Nos prematuros com peso de 1251g a 1499g, a prevalência foi de 44,4%. A prevenção com corticoterapia antenatal teve adesão. A mortalidade foi alta nos prematuros de extremo baixo peso e nula nos prematuros com peso entre 1251 e 1499g. PCA foi a complicação mais encontrada e não houve caso de pneumotórax. A PE e o TPP foram as maiores causas de parto pré-termo. O estudo foi ao encontro das pesquisas atuais. Por ser um grupo de muito baixo peso, a amostra fica restrita a poucos RNs, podendo não demonstrar com fidelidade a estatística real da doença e suas complicações. REFERÊNCIAS 1. Atenção à Saúde do Recém-Nascido. Guia para profissionais da saúde. 2ª Edição. Volume 3. Brasília-DF. 2012. Pg 17. 2. Lliodromiti Z, Zygouris D, Sifakis S, Pappa KI, Tsikouras P, Salakos N, Daniilidis A, Siristatidis C, Vrachnis N. Acute lung injury in preRevista da AMRIGS, Porto Alegre, 58 (3): 193-197, jul.-set. 2014 A DOENÇA DA MEMBRANA HIALINA EM PREMATUROS DE BAIXO PESO Ruschel e Nader term fetuses and neonates: mechanisms and molecular pathways. J Matern Fetal Neonatal Med. 2013 Nov;26(17):1696-704. 3. Sociedade Brasileira de Pediatria. Consenso Brasileiro em Ventilação Mecânica: Suporte ventilatório na síndrome do desconforto respiratório do recém-nascido. Disponível em: http://www.sbp.com. br/pdfs/sdr.pdf Data de acesso: 17/04/2013 4. Alves Filho N, Dias Corrêa M, Sales Alves Jr JM, Dias Corrêa Jr M. 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Endereço para correspondência Luíza Ruschel Rua Heitor Kramer, 255 91.770-552 – Porto Alegre, RS – Brasil (51) 3261-4865 [email protected] Recebido: 29/10/2013 – Aprovado: 19/10/2014 197 ARTIGO ORIGINAL Tabagismo e gestação: análise de uma amostra de conveniência de puérperas do Hospital Universitário de Santa Maria Smoking and pregnancy: analysis of a convenience sample of postpartum women in the University Hospital of Santa Maria Sabrina Ribas Freitas1, Francisco Maximiliano Pancich Gallarreta2, Edson Nunes de Morais3 RESUMO Introdução: Estudar prospectivamente a prevalência do tabagismo na gestação em uma amostra de puérperas, suas principais características epidemiológicas e possíveis complicações neonatais associadas, no Hospital Universitário de Santa Maria. Método: O protocolo foi aplicado às puérperas, no período de novembro de 2012 a julho de 2013. Excluídas gestações gemelares. O protocolo constava de 24 questões de respostas diretas às puérperas e 6 questões relacionadas aos resultados perinatais, que foram revisados em prontuário. Resultados: Foram entrevistadas 817 puérperas, 142 (16,3%) tabagistas. A maior proporção de tabagistas estava na faixa etária de 19-34 anos (75,35%), com menor escolaridade e renda familiar. Não foi encontrada associação significativa entre o tabagismo na gestação e baixo peso ao nascer, prematuridade, escores de apgar no 1° e 5° minutos e outras intercorrências neonatais. Conclusão: Os resultados em relação à escolaridade e renda familiar foram semelhantes aos descritos por outros autores em gestantes tabagistas. No entanto, foram encontradas diferenças em relação à distribuição de idade, seguimento pré-natal e baixo peso ao nascer. UNITERMOS: Tabagismo, Gestação, Neonatal. ABSTRACT Introduction: To study the prevalence of smoking during pregnancy in a sample of postpartum women, their main epidemiological characteristics and possible neonatal complications associated, at the University Hospital of Santa Maria. Methods: The protocol was applied to the postpartum women in the period from Nov 2012 to Jul 2013, excluding twin pregnancies. The protocol consisted of 24 direct questions to postpartum women and 6 questions related to perinatal outcomes, which were reviewed from medical records. Results: We interviewed 817 postpartum women, 142 (16.3%) smokers. The proportion of smokers was higher in mothers at the 19-34 years (75.35%) age group, with less education and lower income. No significant association was found between smoking during pregnancy and low birth weight, prematurity, Apgar scores at 1 and 5 minutes, and other neonatal complications. Conclusion: The results concerning education and family income were similar to those described by other authors in pregnant smokers. However, differences in the distribution of age, prenatal care and low birth weight were found. KEYWORDS: Smoking, Pregnancy, Neonatal. INTRODUÇÃO O tabagismo durante a gestação implica em danos tanto para a saúde materna quanto fetal. A prevalência desta associação varia conforme as características da amostra es1 2 3 tudada. Em 1990, foi publicado um estudo mostrando que, em uma população de 60 milhões de mulheres em idade reprodutiva, 51% já tinham feito uso de álcool, 29% de tabaco, 7% de maconha e 1% de cocaína; interessante notar que 8% dessas pacientes fizeram uso de alguma dessas dro- Ginecologista e Obstetra MD Residente em Mastologia do Hospital Universitário de Santa Maria. Mestranda em Ciências da Saúde pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Doutor. Professor Adjunto do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da UFSM. Doutor. Professor Titular do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da UFSM. 198 Revista da AMRIGS, Porto Alegre, 58 (3): 198-202, jul.-set. 2014 TABAGISMO E GESTAÇÃO: ANÁLISE DE UMA AMOSTRA DE CONVENIÊNCIA DE PUÉRPERAS DO HOSPITAL UNIVERSITÁRIO DE SANTA MARIA Freitas et al. gas no último mês (1). Segundo Kuczkowski (2), cerca de 80% das mulheres fumantes continuavam com esse hábito durante sua gestação. Os efeitos deletérios do tabagismo são bastante sutis e mais difíceis de serem identificados em relação às drogas ilícitas, sendo o uso recreativo durante a gestação uma atividade que pode permanecer despercebida, trazendo consequências tanto durante a gravidez quanto na lactação (3). De acordo com o Instituto Nacional do Câncer (4), cerca de um terço dos adultos, sendo 11,2 milhões de mulheres, fuma no Brasil; destas, 90% tornam-se fumantes em idade jovem. A incidência é mais elevada na faixa etária de 20 a 49 anos e em grupos com menor escolaridade e renda familiar. Segundo Centers for Disease Control and Prevention (5), o fumo na gravidez é responsável por 20% de fetos com baixo peso ao nascer, 8% dos partos prematuros, e 5% de todas as mortes perinatais. Estimativas econômicas indicam que os custos com as complicações perinatais são 66% maiores nos casos de mães que fumaram durante a gravidez em relação às mães não fumantes (6). Embora os maiores benefícios para a saúde fetal ocorram se a cessação do tabagismo se fizer ainda no início da gestação (7), a interrupção em qualquer momento da gravidez, ou mesmo no pós-natal, tem significativo impacto na saúde da família. As importantes vantagens para a saúde materno-fetal associadas à motivação materna que a gravidez por si promove fazem com que a relação custo-benefício fique otimizada neste grupo, para os programas direcionados à cessação do tabagismo (8). Conforme exposto, pela importância do tema, o objetivo do estudo foi analisar prospectivamente as características associadas ao tabagismo e gestação, em uma amostra de conveniência de puérperas do Hospital Universitário de Santa Maria, por um período de oito meses. MÉTODOS O delineamento do estudo foi prospectivo, observacional, transversal e analítico. O protocolo foi aplicado a todas as puérperas que concordaram em participar, mediante assinatura do TCLE (Termo de Consentimento Livre e Esclarecido), no período de novembro de 2012 a julho de 2013. Critério de exclusão: gestação gemelar. O protocolo fechado foi constituído por 24 questões de respostas diretas pelas puérperas e 6 questões relacionadas aos resultados perinatais, que foram revisados em prontuário. Entre os itens de respostas diretas, estava incluída a pergunta: uso de drogas?, com as opções sim/não; se sim, quais: tabaco (<10 cigarros/ dia, 10-20 cigarros/dia, >20 cigarros/dia), álcool e outras ( ansiolíticos, antidepressivos, anticonvulsivantes, ilícitas); para álcool e outras, eram perguntadas frequência e quantidade. Em relação ao tabaco, as pacientes foram classificadas em fumantes e não fumantes; não foram avaliadas as Revista da AMRIGS, Porto Alegre, 58 (3): 198-202, jul.-set. 2014 características epidemiológicas das pacientes e/ou efeitos perinatais, por grupos, de acordo com a quantidade de nicotina ingerida. Os protocolos eram aplicados em um mesmo horário do dia, todos os dias da semana. O local de aplicação dos questionários era junto ao leito da paciente, ou seja, no centro obstétrico ou no alojamento conjunto. Os dados foram digitados e processados com o programa SPSS 18 (Statistical Analysis Sistem 18). Os resultados foram analisados estatisticamente de forma descritiva e analítica. Para esta, foi utilizado o teste não paramétrico qui-quadrado. O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa daquela instituição (CAAE 07318612.2.0000.5346). RESULTADOS No período de novembro de 2012 a julho de 2013, foram entrevistadas 871 puérperas. Destas, 729 (83,7%) negaram tabagismo e 142 (16,3%) responderam positivamente para o hábito de fumar. A seguir, descreveremos as características encontradas para o grupo das pacientes tabagistas. Em relação à idade, a maior parcela encontra-se entre 19 e 34 anos, correspondendo a 75,35% do grupo das tabagistas, com significância estatística (p) <0,05. A Tabela 1 mostra os números absolutos e as porcentagens em relação ao número total de entrevistadas. Quanto à raça, 45% das tabagistas referiram-se como brancas, 27,86% como pardas, 26,42% como negras, e 0,71% como indígena. A relação raça e tabagismo apresentou significância estatística < 0,05. Com relação à escolaridade, apenas 3,59% das tabagistas tinham curso universitário e 37,41% referiram ter o primeiro grau incompleto (Tabela 2: números absolutos e as porcentagens em relação ao número total de entrevistadas). Tal associação também mostrou p < 0,05. Quanto à renda familiar, 89,20% do grupo das tabagistas (124 no total) relataram renda de até 3 salários mínimos por mês; nenhuma paciente tabagista referiu renda entre 6-10 salários mensais; significância estatística <0,05 (Tabela 3: números absolutos e as porcentagens em relação ao número total de entrevistadas). Tabela 1 – Distribuição das puérperas conforme idade e hábito de fumar, em números absolutos e porcentagens, em relação ao número total de entrevistadas. Tabagismo Idade Sim: N (%) Não: N (%) 14-18 anos 19 (2,19%) 120 (13,80%) 19¬35 anos 107 (12,31%) 516 ( 59,38%) >=35 anos 16 (1,84%) 91 (10,47%) 142 727 Teste Não paramétrico qui-quadrado; p<0,05. 199 TABAGISMO E GESTAÇÃO: ANÁLISE DE UMA AMOSTRA DE CONVENIÊNCIA DE PUÉRPERAS DO HOSPITAL UNIVERSITÁRIO DE SANTA MARIA Freitas et al. Tabela 2 – Distribuição das puérperas de acordo com grau de escolaridade, em números absolutos e porcentagens, em relação ao número total de entrevistadas. Tabagismo Escolaridade Sim: N (%) Não: N (%) 1° Grau Incompleto 52 (6,00%) 220 (25,34%) 1° Grau Completo 28 (3,22%) 118 (13,60%) 2° Grau Incompleto 31 (3,60%) 142 (16,36%) 2° Grau completo 23 (2,65%) 202 (23,27%) Universitário 5 (0,60%) 40 (4,61%) 0 7 (0,81%) 139 729 Outro Teste Não paramétrico qui-quadrado; p<0,05. Tabela 5 – Distribuição quanto aos escores de apgar no 1° e 5° minutos, capurro, idade gestacional, peso fetal e necessidade ou não de UTI neonatal entre as puérperas tabagistas e não tabagistas, em números absolutos e porcentagens, em relação ao número total de entrevistadas. Tabagismo Sim: N (%) Não: N (%) Apgar 1° Minuto 0-3 5 (0,60%) 20 (2,32%) 4-6 12 (1,40%) 61 (7,07%) 7-10 125 (14,50%) 639 (74,13%) 0-3 2 (0,23%) 7 (0,81%) 4-6 0 3 (0,35%) 7-10 140 (16,24%) 710 (82,37%) Apgar 5° minuto Capurro Tabela 3 – Distribuição das puérperas conforme renda familiar e tabagismo em números absolutos e porcentagens, em relação ao número total de entrevistadas. Sim: N (%) Não: N (%) Até 1 salário mínimo 52 (6,10%) 191 (22,26%) 1-3 salários mínimos 72 (8,40%) 461 (53,73%) 3-6 salários mínimos 13 (1,51%) 57 (6,64%) 6-10 salários mínimos Não sabe informar 28-33,6 semanas 34-36,6 semanas >=37 semanas Tabaco Renda < 28 semanas 0 4 (0,47%) 2 (0,23%) 6 (0,70%) 139 719 Teste Não paramétrico qui-quadrado; p<0,05. 0 0 4 (0,50%) 13 (1,61%) 8 (1,00%) 91 (11,28%) 118 (14,62%) 573 (71,00%) Idade Gestacional < 28 semanas 1 (0,13%) 4 (0,53%) 28-33,6 semanas 3 (0,40%) 25 (3,35%) 34-36,6 semanas 13 (1,74%) 79 (10,58%) >=37 semanas 90 (12,05%) 532 (71,21%) 1 (0,11%) 7 (0,81%) Peso Fetal < 1000 gramas 1000¬1500 gramas 2 (0,23%) 11 (1,27%) 1500¬2500 gramas 25 (2,89%) 68 (7,87%) 113 (13,10%) 634 (73,37%) >= 2500gramas UTI Neonatal Tabela 4 – Distribuição das puérperas quanto à realização ou não de pré-natal e tabagismo, em números absolutos e porcentagens, em relação ao número total de entrevistadas. 9 (1,04%) 57 (6,63%) Não 131 (15,25%) 662 (77,06%) Teste Não paramétrico qui-quadrado; p>0,05. Tabagismo Pré-natal Sim Sim: N (%) Não: N (%) Sim 131 (15,4%) 712 (81,74%) Não 11 (1,26%) 17 ( 1,95%) 142 729 Tabela 6 – Complicações neonatais mais prevalentes encontradas no trabalho, de modo geral, sem especificação entre grupos de puérperas, em números absolutos e porcentagens, em relação ao número total de entrevistadas. Teste Não paramétrico qui-quadrado; p<0,05. Quanto ao acompanhamento pré-natal (Tabela 4: números absolutos e as porcentagens em relação ao número total de entrevistadas), 92,25% das tabagistas referiram ter realizado pré-natal e 7,74% (11 puérperas) relataram não ter feito acompanhamento pré-natal (p<0,05). No que diz respeito ao número de gestações, 23,94% das tabagistas eram primigestas e 28,16%, com 4 ou mais gestações, p<0,05. Já em relação ao número de partos, nenhuma das tabagistas era primípara e 19,14% eram multíparas, p<0,05. Na avaliação do escore de apgar do 1º minuto, 88,02% dos recém-nascidos de mães tabagistas apresen200 Complicações Neonatais N (%) Prematuridade 30 (3,53%) Síndrome do desconforto respiratório do recém-nascido 39 (4,60%) Doença Membrana Hialina 5 (0,59%) Infecção Neonatal 21 (2,47) Pneumonia 6 (0,71%) taram valores entre 7-10 (p>0,05) e para o escore de apgar do 5° minuto, a proporção foi ainda maior, 98,59% apresentaram valores 7-10 (p>0,05) (Tabela 5: números absolutos e as porcentagens em relação ao número total de entrevistadas). Revista da AMRIGS, Porto Alegre, 58 (3): 198-202, jul.-set. 2014 TABAGISMO E GESTAÇÃO: ANÁLISE DE UMA AMOSTRA DE CONVENIÊNCIA DE PUÉRPERAS DO HOSPITAL UNIVERSITÁRIO DE SANTA MARIA Freitas et al. No presente trabalho, também não foram encontradas associações estatisticamente significativas entre tabagismo na gestação e capurro, idade gestacional, peso fetal, internação em UTI neonatal e complicações neonatais (Tabelas 5 e 6: números absolutos e as porcentagens em relação ao número total de entrevistadas). DISCUSSÃO Os fatores associados ao tabagismo e à gestação, bem como suas proporções estatísticas são variáveis de acordo com a região e o período cronológico estudado (9). O presente estudo encontrou uma prevalência de 16,3% de tabagismo durante a gestação na amostra avaliada. Já Freire (2009), em estudo transversal, feito na cidade do Rio Janeiro, analisou amostra de 433 gestantes, das quais 5,5% (n=24) eram tabagistas. Em outro estudo, realizado em Pelotas-RS, em dois períodos distintos, 1982 e 1993, por Horta et al., foi encontrada uma prevalência de tabagismo na gestação de 35,7% e 33,5%, respectivamente para os períodos. No primeiro período, o número de pacientes avaliadas foi de 6.011, e no segundo, 5.304. Kroeff et al. (9), encontraram uma prevalência de gestantes tabagistas, no período entre 1991-1995, bastante variável de acordo com as capitais do Brasil: 7,2% em Manaus (n=502), 16,1% em São Paulo (n=1.223), 18% no Rio de Janeiro (n=557), e 31,9% em Porto Alegre (n=1.106). A prevalência de gestantes norte-americanas fumantes é maior entre as jovens (< 20 anos) (10) e entre aquelas com baixa escolaridade (11). No Brasil, Horta et al. (12) e Halal (13) também acharam dados equivalentes quanto à idade e escolaridade. O presente estudo encontrou maior proporção de tabagismo na gestação entre 19 e 34 anos de idade. Quanto à escolaridade, evidenciou-se que 37,41% das pacientes não tinham o primeiro grau completo e 20,14% concluíram apenas o primeiro grau, observando-se mais da metade das tabagistas com baixo nível escolar. O Instituto Nacional do Câncer (4) estima que um terço dos adultos, sendo 11,2 milhões de mulheres, é tabagista no Brasil; a maior incidência ocorre na faixa etária entre 20-49 anos, e nos grupos com menores escolaridade e renda familiar. Em relação à renda familiar, houve uma maior prevalência de tabagismo entre as entrevistadas com menor renda familiar, o que foi também encontrado por Horta et al. (12) nos períodos estudados, 1982 e 1993. Quanto ao acompanhamento pré-natal, o mesmo autor anteriormente referido encontrou uma associação inversa entre o número de consultas de pré-natal e tabagismo. No presente trabalho, 92,25% (n=131) das pacientes tabagistas referiram acompanhamento pré-natal, com pelo menos 3 consultas ao longo da gestação. Este resultado pode ter sido influenciado por um viés de amostragem, uma vez que o estudo foi realizado em um hospital de nível terciário. Outro fator a ser considerado é a cobertura pré-natal da cidade de Santa Maria, que, no ano de 2012, foi de 88,3%, para Revista da AMRIGS, Porto Alegre, 58 (3): 198-202, jul.-set. 2014 nascimentos com 4 ou mais consultas, segundo dados da Secretaria Estadual de Saúde do Rio Grande do Sul (14). Com relação à definição de cor da pele, Kroeff et al. (9) encontraram uma prevalência de gestantes tabagistas de 66,3% brancas, 16,9% pardas e 16,8% negras para a cidade de Porto Alegre; o mesmo autor encontrou resultados distintos para Manaus: 19,7%, 78,3% e 2,0%, respectivamente. Essa diferença, conforme o autor mencionado, provavelmente ocorre pela predominância da imigração europeia na Região Sul do Brasil, e pela própria interpretação que a cor negra assume em cada região, ou seja, o que na Região Sul identifica-se como negro, em outras, poderia ser pardo. No Brasil, portanto, essa associação pode ficar confundida pela miscigenação da população e pela dificuldade na interpretação da cor da pele; ao contrário de outros países, como Estados Unidos, onde as diferenças são mais marcantes. Ao encontro dos dados apresentados, o estudo observou uma proporção maior de tabagistas brancas e um percentual muito próximo entre pardas e negras. Segundo dados do CDC (5), o tabagismo na gravidez é responsável por 20% dos casos de fetos com baixo peso ao nascer e 8% dos partos prematuros. Duncan (14) cita a associação de prematuridade e baixo peso ao nascer com tabagismo na gestação. Zambonato (15) também concluiu que crianças cujas mães haviam fumado durante toda a gestação tinham mais chances de serem pequenas para a idade gestacional do que aquelas cujas mães não haviam fumado, e a relação permaneceu inalterada mesmo após ajuste de variáveis socioeconômicas e demográficas. Já o presente estudo não encontrou associação estatisticamente significativa entre baixo peso ao nascer e prematuridade. As associações com os escores de apgar no 1° e 5° minutos, internação em UTI neonatal e intercorrências neonatais também não foram significativas. Marin (16) encontrou associação estatisticamente significativa entre baixo peso ao nascer, prematuridade, escore de apgar menor que 6 no quinto minuto e doença da membra hialina no recém-nascido, em uma amostra de 1.103 gestantes, em Buenos Aires, no ano de 1999. Em relação à diferença de valores encontrada em variáveis importantes na associação tabagismo e gestação, como, por exemplo, baixo peso ao nascer, podemos considerar alguns vieses. O trabalho inicialmente foi projetado para avaliação de drogas lícitas e ilícitas na gestação, ou seja, não era específico para tabagismo e gestação. No decorrer da coleta, observou-se viés de informação, com número escasso de puérperas que admitissem uso de drogas ilícitas (provável viés de prevaricação); assim, no momento da análise dos dados coletados, esta foi direcionada para associação tabagismo e gestação. Uma vez que os efeitos do tabagismo durante a gravidez são universalmente conhecidos, e sua ação sobre o desenvolvimento fetal é vastamente comprovada na literatura mundial, as gestantes devem estar no centro das atenções para ações de promoção à cessação do tabagismo (18). Por fim, os resultados das ações neste grupo são superiores, e a relação custo-benefício fica otimizada. 201 TABAGISMO E GESTAÇÃO: ANÁLISE DE UMA AMOSTRA DE CONVENIÊNCIA DE PUÉRPERAS DO HOSPITAL UNIVERSITÁRIO DE SANTA MARIA Freitas et al. CONCLUSÕES Os resultados do presente estudo vão ao encontro dos achados por outros autores com relação à escolaridade e renda familiar das gestantes tabagistas. No entanto, em relação à distribuição de idade, seguimento pré-natal e baixo peso ao nascer, houve diferença nos resultados. Uma vez que os efeitos do tabagismo durante a gravidez são universalmente conhecidos, e sua ação sobre o desenvolvimento fetal é vastamente comprovada na literatura mundial, as gestantes devem estar no centro das atenções para ações de promoção à cessação do tabagismo. REFERÊNCIAS 1. Wheeler SF. Substance abuse during pregnancy. J Prim Care. 1993; 20 (1): 191-207. 2. Kuczkowski KM. Tabagismo durante a gravidez: um problema maior do que se imagina. J Pediatr. 2004; 80 (1): 83-4. 3. Roelands J, Jamison MG, Lyerly AD, James AH. Consequences of smoking during pregnancy on maternal health. J Women Health. 2009; 18 (6): 867-72. 4. Ministério da Saúde. Instituto nacional do Câncer. Coordenação de Prevenção e Vigilância. Prevalência de tabagismo no Brasil: dados dos inquéritos epidemiológicos em capitais brasileiras. Rio de Janeiro: InCA; 2004. 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Endereço para correspondência Sabrina Ribas Freitas Rua Gaspar Martins, 1815/202 97.060-260 – Santa Maria, RS – Brasil (55) 3220-8553 [email protected] Recebido: 19/1/2014 – Aprovado: 19/10/2014 Revista da AMRIGS, Porto Alegre, 58 (3): 198-202, jul.-set. 2014 ARTIGO ORIGINAL Achados comportamentais e cognitivos em crianças de 5 a 11 anos nascidas com baixo peso Behavioral and cognitive findings in 5-11-year-old children born underweight Rejane Rosaria Grecco dos Santos1, Sandra Petresco2, Beatriz Garcia de Morais3, Patricia Portantiolo Manzolli4, Denise Marques Mota5, Nicole Santos3 RESUMO Introdução: O número de nascimentos prematuros cresceu nos últimos anos, aumentando a morbimortalidade infantil. Sabe-se que estes estão mais sujeitos a problemas futuros, devido à pouca maturidade de órgãos e ao baixo peso ao nascer. Contudo, a interação do indivíduo com o ambiente familiar e social também influencia no desenvolvimento e comportamento. O estudo avaliou crianças entre cinco e 11 anos de idade em acompanhamento no ambulatório de Pediatria da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Pelotas nascidas prematuras ou com baixo peso ao nascer e avaliou o perfil cognitivo e comportamental. Método: Participaram do estudo 47 crianças, sendo 11 prematuras e 36 nascidas a termo. Os instrumentos de avaliação utilizados foram: uma escala de Avaliação de Sintomas de Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade, o MTA SNAP-IV e o Questionário de Habilidades e Dificuldades (SDQ). Para avaliação econômica, utilizou-se o Critério de Classificação Econômica Brasil – ABEP. Utilizou-se ainda o teste das matrizes progressivas de Raven para estimar o quociente intelectual e um questionário com dados do histórico da criança, gestação e antecedentes dos pais. Resultados: Foi observada diferença estatisticamente significativa entre crianças a termo e prematuras, no sintoma impulsividade e e nos sintomas de transtorno de conduta, além de uma maior pontuação nos sintomas psiquiátricos em geral. Conclusão: Os achados sugerem que crianças prematuras apresentam maior prevalência de problemas de comportamento do que as nascidas a termo. UNITERMOS: Nascimento Prematuro, Cognição, Comportamento. ABSTRACT Introduction: The number of preterm births has grown in recent years, increasing infant morbidity and mortality rates. It is known that preterm infants are more prone to future problems due to low maturity of organs and low birth weight. However, the interaction of the individual with the family and social environment also influences the development and behavior. This study assessed the cognitive and behavioral characteristics of children with low weight between 5 and 11 years as pediatric outpatients cared for in the School of Medicine, Federal University of Pelotas. Method: The study included 47 children, 11 preterm and 36 term born. The assessment instruments used were the MTA SNAP-IV – Assessment Scale of Symptoms of Attention Deficit Hyperactivity Disorder (ADHD) and the Skills and Difficulties Questionnaire (SDQ). For socioeconomic evaluation, we followed the Economic Classification Criterion Brazil – ABEP. We also used Raven’s Progressive Matrices and a questionnaire with the child’s historical data, gestation, and parental background. Results: A statistical difference between preterm and full-term children was observed in the symptom impulsivity and conduct disorders as well as a higher score in psychiatric symptoms in general. Conclusion: The findings suggest that preterm infants have a higher prevalence of behavior problems than those born at term. KEYWORDS: Premature Birth, Cognition, Behavior. 1 2 3 4 5 Psicóloga Especialista em Educação pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel). Especialista em Saúde da Criança pela UFPel. Especialista em Dependência Química pela Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA). Mestranda em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Mestre em Psiquiatria pela Universidade de São Paulo (USP), Doutoranda em Epidemiologia pela UFPel. Médica Psiquiatra com especialização em Psiquiatria da Infância, Adolescência e Família pela UFRGS. Médica Psiquiatra da Fundação Universidade Federal do Rio Grande (FURG). Estudante de Medicina, UFPel. Mestre e Doutora em Epidemiologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e Pós-Doutoranda da Psiquiatria da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). Médica Psiquiatra com especialização em Psiquiatria da Infância e Adolescência no Hospital de Clínicas de Porto Alegre. Professora Adjunta do Departamento de Saúde Mental da UFPel. Mestre e Doutora em Epidemiologia da UFPel. Médica Pediatra pela UFPel, Nefrologista Pediátrica, Neonatologista e Intensivista Neonatal. Professora adjunta de Pediatria da UFPel. Revista da AMRIGS, Porto Alegre, 58 (3): 203-208, jul.-set. 2014 203 ACHADOS COMPORTAMENTAIS E COGNITIVOS EM CRIANÇAS DE 5 A 11 ANOS NASCIDAS COM BAIXO PESO Santos et al. INTRODUÇÃO Dados epidemiológicos atuais mostram um aumento significativo nos índices de nascimento de bebês prematuros, resultando no aumento da morbimortalidade infantil e da necessidade de internação hospitalar ao nascimento (1). Como definido pela Organização Mundial da Saúde, prematuro é todo recém-nascido com menos de 37 semanas e que, normalmente, apresenta peso ao nascer abaixo de 2500g (2). O bebê nascido entre 32 e 35 semanas de gestação é considerado como uma criança de risco, e o bebê nascido antes de 32 semanas é considerado de alto risco. Os lactantes de baixo peso ao nascimento (BPN), definidos como lactantes com peso de nascimento inferior a 2.500g, representam um componente desproporcionalmente grande das taxas de mortalidade neonatal e infantil. Os lactantes de muito baixo peso ao nascimento (MBPN), peso inferior a 1.500g ao nascer, representam cerca de 1% de todos os nascimentos, mas representam 50% das mortes neonatais (3). O nascimento prematuro constitui-se em um grave problema na área de Saúde da Criança, considerando-se que a maior causa da mortalidade infantil no Brasil está associada às condições perinatais. O desenvolvimento de unidades de terapia intensiva para cuidados neonatais aumentou a taxa de sobrevida de prematuros. Entretanto, mesmo com o avanço da tecnologia voltada para essa área médica, os efeitos da prematuridade ao longo da vida são pouco conhecidos. Mais escasso ainda é o entendimento da relação de causa-consequência do nascimento prematuro sobre as doenças crônicas em fases posteriores da vida (4). O desenvolvimento humano é um processo contínuo de aprendizagem, resultado de interações recíprocas entre o ambiente e o indivíduo que se modificam, implicando reorganizações constantes deste sistema indivíduo-ambiente (5). Nessa perspectiva, as interações do indivíduo com o ambiente incluem fatores biológicos, genéticos, sociais e culturais que agem simultaneamente sobre o desenvolvimento. Todavia, ainda que se identifique a presença de algum fator de risco, a continuidade dos seus efeitos no processo de desenvolvimento não é linear, considerando que este é resultado da interação do indivíduo com o ambiente, e comportamentos podem emergir, modificar e, até mesmo, desaparecer (5). Os avanços científicos apontam para a plasticidade do cérebro humano, que é mais acentuada nos primeiros anos de vida e suscetível à estimulação (6). Tais avanços reforçam a possibilidade de evolução de crianças com prognóstico de alterações no desenvolvimento que tem sido otimizada pelo diagnóstico e pela intervenção precoce. Entre os fatores de risco para o desenvolvimento infantil, destaca-se a prematuridade (6,7). O emprego de uma abordagem multidisciplinar o mais precocemente possível se faz necessário para amenizar ou prevenir sequelas. As medidas preventivas adotadas no período neonatal envolvem todos os cuidados neonatais 204 oferecidos ao recém-nascido pré-termo (RNPT) e não são facilmente estabelecidas, uma vez que a fisiopatologia é complexa e multifatorial, sendo os recém-nascidos, amiúde, assintomáticos. As pessoas nascidas prematuras estão mais sujeitas aos agravos futuros advindos da própria condição da prematuridade, como consequência da pouca maturidade de órgãos e danos advindos do baixo peso ao nascer associado (8). Levando em consideração os resultados de pesquisas realizadas com crianças nascidas pré-termo e as evidências da possível associação de doenças com a prematuridade, o presente estudo teve como objetivo analisar o perfil comportamental e cognitivo, além da presença de sintomas de Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) nas crianças nascidas com baixo peso em acompanhamento no Ambulatório de Pediatria da Faculdade de Medicina da (FAMED) da Universidade Federal de Pelotas (UFPel). MÉTODOS Este é um estudo descritivo observacional transversal, com crianças de 5 a 11 anos atendidas no ambulatório de Pediatria da Faculdade de Medicina (FAMED) da Universidade Federal de Pelotas (UFPel). Os dados foram coletados no período de agosto a novembro de 2013 no ambulatório de Pediatria da UFPel. Foram realizadas 52 entrevistas (n=52). Houve perda de cinco crianças devido à falta de informação na caderneta da saúde da criança sobre o peso ao nascer e a idade gestacional, totalizando n=47 crianças na amostra. As variáveis maternas referiam-se à idade, ao desfecho da gestação, ao uso de medicação e ao consumo de álcool ou tabaco na gestação, além de variáveis socioeconômicas como renda familiar, escolaridade do chefe da família e classe econômica. As variáveis neonatais resumiram-se ao sexo, à idade gestacional pediátrica, ao peso ao nascimento, ao tipo de parto, a complicações perinatais (permanência em UTI neonatal, fototerapia), ao período de amamentação, ao uso de leite artificial ou suplementação e a dificuldades na escola. O quociente intelectual estimado foi avaliado através da Escala de Matrizes Progressivas Coloridas de Raven – Escala Especial com padronização brasileira (9). Este é um teste de múltipla escolha utilizado para aferição do Q.I. (Quociente de Inteligência), o qual consiste em apresentar uma matriz de figuras em que há um padrão lógico entre as figuras. Uma das figuras da matriz é deixada em branco, e o examinando é incentivado a preenchê-la segundo o seu raciocínio. Avaliou-se a saúde mental através do MTA-SNAP-IVEscala de Avaliação de Sintomas do Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (10). Esta escala apresenta 26 itens avaliando sintomas de desatenção, hiperatividade e impulsividade com 4 opções de resposta em cada item (nem um pouco, um pouco, bastante e demais). Revista da AMRIGS, Porto Alegre, 58 (3): 203-208, jul.-set. 2014 ACHADOS COMPORTAMENTAIS E COGNITIVOS EM CRIANÇAS DE 5 A 11 ANOS NASCIDAS COM BAIXO PESO Santos et al. Utilizou-se ainda o Questionário de Habilidades e Dificuldades (Strenghts and Difficultties Questionnaire – SDQ) (11), que consiste em 25 itens avaliando sintomas emocionais, de hiperatividade e de conduta, além do comportamento pró-social ou menos pró-social. Há três opções de resposta para cada item, falso, mais ou menos verdadeiro e verdadeiro, seguido por cinco questões para avaliar o prejuízo/impacto causado pelos sintomas na vida da criança. Para avaliação econômica, utilizou-se o Critério de Classificação Econômica Brasil – Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa (12). Este questionário divide-se em duas partes, uma de bens de consumo e posses e outra da escolaridade do chefe da família e propõe estimar a posição econômica a que pertence a família da criança entrevistada. Adicionalmente, criou-se um questionário com dados da criança e das mães. Este trabalho foi realizado respeitando a Resolução Nº466/12, do Conselho Nacional de Saúde. O projeto foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), via Plataforma Brasil, sendo aprovado sob o número 381.581. Ao chegarem para a consulta, a criança e sua mãe/responsável foram informadas pela equipe do ambulatório sobre o estudo e convidadas a participar desse. A mãe ou responsável que aceitou participar assinou um Termo de Consentimento Livre Esclarecido. Os dados foram analisados utilizando-se o programa estatístico Stata, versão 12.0. As análises foram descritivas, com apresentação da frequência para as variáveis categóricas e médias ou medianas para variáveis contínuas, conforme normalidade da distribuição. As análises comparativas entre as crianças a termo e as prematuras foram realizadas com o teste Qui Quadrado de Pearson ou de Fisher, conforme as especificidades de cada um desses testes. Tabela 1 – Descrição das variáveis neonatais. Variáveis neonatais A termo Prematuro N % N % Masculino 22 61,1% 8 72,7% Feminino 14 38,9% 3 27,3% Branca 27 75,0% 7 63,6% Morena 1 2,8% Parda 3 8,3% 2 18,2% Negra 4 11,1% 2 18,2% 3 27,3% entre 2501 e 3000g 6 16,7% 6 54,5% entre 3001 e 3500g 15 41,7% entre 3501 e 4000g 7 19,4% 1 9,1% 8 22,2% 1 9,1% entre 24 e 30 semanas 2 18,2% entre 31 e 37 semanas 9 81,8% Sexo Cor da pele Peso ao nascimento menor que 2500g acima de 4001g Idade gestacional entre 38 e 40 semanas 29 80,6% após 41 semanas 7 19,4% Dificuldade na escola* Sim 16 44,5% 8 72,7% Não 17 47,2% 2 18,2% Não está na escola 3 8,3% 1 9,1% Vaginal 19 52,8% 3 27,3% Vaginal com fórceps 1 2,8% Cesárea 16 44,4% 8 72,7% Tipo de parto Amamentação Sim 31 86,1% 6 54,5% Não 5 13,9% 5 45,5% Leite artificial RESULTADOS A amostra foi composta por 47 crianças, destas 11 são prematuras e 36 nascidas a termo e/ou com peso maior ou igual a 2500g; a faixa etária variou de cinco a 11 anos de idade; 71,2% das crianças eram brancas. Um percentual significativo das crianças da amostra (55,8%) apresentou dificuldade na escola, segundo relato das mães. Todas as crianças prematuras necessitaram fototerapia, e 88,9% delas permaneceram na UTI. Já entre as nascidas a termo, apenas 11,1% estiveram na UTI e nenhuma necessitou de fototerapia (Tabela 1). Utilizando-se o questionário da ABEP, observou-se que quanto maior a renda que os pais ou responsáveis possuíam, menor era a proporção de pacientes prematuros (18,2%). Esse dado também se manteve em relação à escolaridade, à medida que aumentam os anos de estudos dos pais ou responsáveis, menor o número de nascimentos prematuros observado (Tabela 2). Revista da AMRIGS, Porto Alegre, 58 (3): 203-208, jul.-set. 2014 Sim 8 22,2% 5 45,5% Não 28 77,8% 6 54,5% Necessitou UTI Sim 4 11,1% 6 54,5% Não 32 88,9% 5 45,5% 3 27,3% 36 100% 8 72,7% Necessitou Fototerapia Sim Não *Dificuldade na escola relatada pela mãe ou responsável Mais crianças a termo foram amamentadas do que dentre as crianças prematuras (86,1% VS 54,5%; p = 0,039). Além disso, as crianças prematuras necessitaram de UTI em maior proporção quando comparadas às nascidas a termo (54,5% VS 11,1%; p = 0,006). Verificou-se ainda que as mães das crianças nascidas prematuras utilizaram medicações durante a gestação mais frequentemente do que 205 ACHADOS COMPORTAMENTAIS E COGNITIVOS EM CRIANÇAS DE 5 A 11 ANOS NASCIDAS COM BAIXO PESO Santos et al. Tabela 2 – Descrição das variáveis maternas e socioeconômicas. Variáveis maternas e socioeconômicas A termo Prematuro N % N % Sim 5 13,90% 7 63,60% Não 30 83,30% 4 36,40% Não sabe 1 2,80% Sim 2 5,50% 2 18,20% Não 33 91,70% 9 81,80% Não sabe 1 2,80% Medicação na gestação Fumo na gestação Álcool na gestação 1 2,80% Não 34 94,40% Não sabe 1 2,80% até 25 4 11,10% entre 26 e 30 7 19,40% 3 27,30% entre 31 e 35 5 13,90% 3 27,30% entre 36 e 40 15 41,70% 4 36,30% acima de 41 5 13,90% 1 9,10% 11 100% 1 9,1% Até 800,00 5 13,9% 5 45,4% 801 a 1600,00 20 55,6% 3 27,3% Acima de 1601,00 11 30,5% 2 18,2% 7 19,4% 4 36,3% 4a7 8 22,2% 3 27,3% 8 a 10 2 5,6% 2 18,2% 11 a 14 18 50,0% 2 18,2% 15 a 17 1 2,8% 0 3 8,3% 0 Escolaridade chefe família Classe* B1 B2 12 33,4% 0 C1 17 47,2% 8 72,7% C2 4 11,1% 2 18,2% D 0 1 9,1% *Critério de classificação da ABEP. as mães das crianças nascidas a termo (63,6% VS 14,3%; p=0,003) (Tabela 2). Percebeu-se uma distribuição normal e simétrica do valor de QI total estimado obtido através do Raven, compatível com um desfecho biológico que respeita a curva de Gauss, estando a maioria da amostra na classificação 3, ou seja, na média. Vinte e três crianças (44,2%) apresentaram QI na média, 10 crianças (19,2%) acima da média, 12 crianças (23,1%) abaixo da média e uma criança (1,9%) apresentou QI superior. No entanto, não se observou diferença na distribuição dos valores de 206 Crianças prematuras N % N % Sim 9 25,0% 5 45,5% Não 27 75,0% 6 54,5% Sim 7 19,4% 5 45,5% Não 29 80,6% 6 54,5% Sim 4 11,11% 5 45,5% Não 32 88,9% 6 54,5% Sim 17 47,2% 6 54,5% Não 19 52,8% 5 45,5% Sim 15 41,7% 7 63,6% Não 21 58,3% 4 36,4% Sim 7 19,4% 7 63,6% Não 29 80,6% 4 36,4% Sim 8 22,2% 6 54,5% Não 28 77,8% 5 45,5% Valor p* SNAP** Desatenção 0,177 Hiperatividade 0,094 0,023 Emocional Renda 0 a 3 anos de estudo Crianças a termo SDQ*** Idade Materna 0 Variáveis estudadas Impulsividade Sim Não soube informar Tabela 3 – Diferentes desfechos nas crianças nascidas a termo em comparação às crianças nascidas prematuras (N= 47). 0,467 Hiperatividade 0,176 Conduta 0,009 Total SDQ 0,05 *Exato de Fisher. **Escala de Avaliação de Sintomas do Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade. ***Questionário de Habilidades e Dificuldades (Strenghts and Difficultties Questionnaire). QI total no grupo de crianças prematuras quando comparadas às crianças a termo. Observou-se, utilizando a escala SNAP, que as crianças prematuras possuem maior proporção de sintomas de desatenção, hiperatividade e impulsividade, porém houve diferença estatisticamente significativa (p=0,023) apenas no sintoma de impulsividade; quatro (11,1%) crianças a termo foram consideradas impulsivas, enquanto entre os prematuros esse número chegou a cinco (45,5%). Uma porcentagem maior de crianças prematuras apresentou sintomas de desatenção e hiperatividade, mas sem diferença estatística quando comparadas com as crianças a termo (Tabela 3). Ao avaliar-se a presença de sintomas psiquiátricos através do SDQ, notou-se que as crianças prematuras possuem mais sintomas emocionais, de hiperatividade e de conduta; no entanto, verificou-se diferença estatisticamente significativa entre os grupos apenas nos sintomas de conduta (p=0,009) e no total de sintomas do SDQ (p=0,050). O transtorno de conduta foi relatado em sete crianças a termo (19,4%) e sete crianças prematuras (63,6%). A pontuação total do SDQ também mostrou diferença signifiRevista da AMRIGS, Porto Alegre, 58 (3): 203-208, jul.-set. 2014 ACHADOS COMPORTAMENTAIS E COGNITIVOS EM CRIANÇAS DE 5 A 11 ANOS NASCIDAS COM BAIXO PESO Santos et al. cativa entre os dois grupos; oito crianças a termo (22,2%) apresentaram sintomas psiquiátricos, já entre as prematuras, o número foi de seis (54,5%) (Tabela 3). DISCUSSÃO Indubitavelmente, o nascimento prematuro representa um fator de risco para o desenvolvimento motor adequado de lactentes, porque frequentemente se associa a problemas neonatais, tais como: hemorragia intraventricular, hipóxia, baixo peso ao nascimento e outras intercorrências neurológicas que, de acordo com a intensidade e duração, podem resultar em sequelas permanentes, as quais, no futuro, irão interferir na vida do bebê (13). Segundo a literatura, regiões do cérebro são altamente vulneráveis a danos por hipóxia e injúrias periventriculares, como a leucomalácia periventricular, frequentemente associada à prematuridade e ao baixo peso, o que pode contribuir para a elevada incidência de desordens da linguagem (14). A defasagem verificada no desenvolvimento dos recém-nascidos pré-termo (RNPT) pode estar associada não necessariamente com lesões cerebrais, mas pode significar imaturidade do sistema nervoso central, o qual pode funcionar como indicador de desordens do desenvolvimento. Crianças pré-termo e de baixo peso apresentam provável risco de desenvolver alterações de linguagem por atraso ou distúrbios nos processos receptivos e expressivos, envolvendo todos os níveis linguísticos, além dos cognitivos, sensoriais e perceptivos (14). Este estudo pretendeu elucidar algumas das possíveis consequências das vulnerabilidades neonatais ocasionadas pelo baixo peso ao nascer e pela prematuridade. Porém, a maioria dos trabalhos revisados associou o peso de nascimento à prematuridade, uma vez que grande parte da população nascida com baixo peso é composta por prematuros. A literatura aponta a influência de múltiplos fatores sobre o desenvolvimento infantil, entre eles os aspectos biológicos e sociais. O contexto familiar assume um papel relevante, uma vez que recursos externos podem ser mobilizados no sentido de promover estimulação adequada às crianças, proporcionando condições para a ativação de recursos que lhes permitirão um desenvolvimento saudável. Neonatos de muito baixo peso e extremo baixo peso apresentam maior incidência de transtornos comportamentais, alterações emocionais e prejuízos no desenvolvimento intelectual. Tais prejuízos poderão ser maiores ou menores dependendo do contexto em que a criança se desenvolver. Estudos confirmam que crianças nascidas pré-termo, com baixo peso e vivendo em condições de pobreza, mas experimentando um ambiente com três ou mais fatores protetores (variedade de estimulação, suporte emocional, responsividade parental e aceitação do comportamento infantil) são mais propensas a mostrar sinais de resiliência (15). Revista da AMRIGS, Porto Alegre, 58 (3): 203-208, jul.-set. 2014 A maioria dos estudos constatou maior incidência de Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade neste grupo de crianças. Intercorrências como convulsões, paralisia cerebral, hidrocefalia e hemorragia intracraniana são frequentes em crianças nascidas pré-termo e com baixo peso. Esses fatores, entre outros, podem ser determinantes de posteriores déficits intelectuais que prejudicarão o desempenho escolar das crianças. Por essa razão, encontram-se na literatura vários estudos que investigam a capacidade cognitiva, comparando crianças nascidas com baixo peso a crianças nascidas com peso adequado. Notou-se, por meio da aplicação da escala SNAP, que crianças prematuras tiveram prevalência significativamente maior de sintomas de impulsividade (p=0.023) em relação às crianças a termo. Já em relação aos sintomas de desatenção (p=0.177) e hiperatividade (p=0.094), verificou-se que não houve diferença estatisticamente significativa. Diversas funções motoras, executivas ou sensórias podem ser deficientes na criança prematura, como déficits relacionados ao quociente de inteligência, capacidade para cálculos, memória, função cognitiva global, aprendizado, função motora grossa, desenvolvimento motor, habilidades visomotoras, linguagem, planejamento, pensamento racional, associativo e atenção, podendo ter consequência em sua educação e qualidade de vida futura (16,17,18,19). Neonatos nascidos com baixo peso são considerados de risco para alterações globais tanto receptivas quanto expressivas, especialmente durante os primeiros anos pré-escolares e escolares (20,21). Os prematuros podem apresentar alterações concomitantes de deficiências cognitivas, com déficit motor principalmente em idade escolar ou mais tardiamente. Tais problemas cognitivos e educacionais podem estar relacionados às anomalias cerebrais (22,23,24,25). Crianças prematuras devem ser analisadas nos aspectos cognitivo, comportamental e motor. Vários fatores contribuem para o futuro desempenho dessas crianças, o que exige uma observação de suas habilidades a partir de uma abordagem dinâmica. Diferentes situações podem trazer interferências em momentos específicos do desenvolvimento, comprometendo futuras aquisições de tal processo (26,27). Não se observou diferença na distribuição do QI total obtido através do Raven nos prematuros quando comparados aos nascidos a termo. Isso ocorreu possivelmente devido à falta de poder da amostra e/ou ao ambiente barulhento e dispersivo em que o teste foi aplicado. Quanto aos resultados de desempenho intelectual, muitas controvérsias foram encontradas. Alguns estudos evidenciaram que crianças com baixo peso apresentaram escores reduzidos em testes de desempenho cognitivo. Outros destacaram que o nível intelectual foi classificado predominantemente como médio ou médio inferior, não sendo essas diferenças significativas. Embora não haja um consenso documentado, a literatura mostra que os possíveis atrasos cognitivos advindos do baixo peso ocasionam desvantagens no âmbito escolar. 207 ACHADOS COMPORTAMENTAIS E COGNITIVOS EM CRIANÇAS DE 5 A 11 ANOS NASCIDAS COM BAIXO PESO Santos et al. Ao se avaliar a presença de sintomas psiquiátricos, através do instrumento SDQ, observou-se que as crianças prematuras possuem maior prevalência de sintomas emocionais, de hiperatividade e de conduta. No presente estudo, notou-se menor número de nascimentos prematuros em relação à maior escolaridade dos pais. Em relação à renda familiar, a melhoria nos indicadores sociais e demográficos é importante para estabilizar a proporção de nascimentos com baixo peso (28). Pode-se ver neste atual estudo que o melhor nível socioeconômico demonstrou menor número de nascimentos prematuros. Houve perda de casos no estudo devido à dificuldade de obter a informação sobre a idade gestacional com a mãe ou responsável, pois esse dado não constava em alguns cartões da criança, nem no prontuário da mesma. Ocorreu dificuldade de localizar prematuros na faixa etária de interesse no ambulatório de Pediatria da FAMED da UFPel, uma vez que nesse ambulatório não havia serviço específico para prematuros anos atrás, como se mostra necessário para faixa etária da nossa amostra. CONCLUSÕES Os achados confirmam as suspeitas de que as crianças prematuras possuem maior prevalência de problemas de comportamento do que as nascidas a termo; no entanto, nossos dados apontam para uma diferença apenas no âmbito dos sintomas de impulsividade e conduta. Esses achados reforçam a importância da criação de programas de seguimento longitudinal do desenvolvimento de crianças nascidas em condição de risco, a fim de orientar as mães ou responsáveis quanto à estimulação e tentar neutralizar precocemente as adversidades identificadas no desenvolvimento e comportamento. REFERÊNCIAS 1. Silveira MF, Santos ISS, Barros AJD, Matijasevich A, Barros FC, Victora CG. Aumento da prematuridade no Brasil: revisão de estudos de base populacional. Rev de Saúde Pública. 2008; 42(5):957-964. 2. WHO. International classification of impairments, disabilities and handicaps. Geneva, 1980. 3. Nelson WE. Princípios de Pediatria. 5ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2006. 4. 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Pedro Osório, 162/24 96.015-010 – Pelotas, RS – Brasil (53) 9136-4884 [email protected] Recebido: 28/7/2014 – Aprovado: 2/10/2014 Revista da AMRIGS, Porto Alegre, 58 (3): 203-208, jul.-set. 2014 ARTIGO ORIGINAL Perfil epidemiológico dos pacientes com hepatite C atendidos no ambulatório do Hospital Nereu Ramos em Florianópolis, Santa Catarina Epidemiological profile of Hepatitis C patients in an outpatient unit at Nereu Ramos Hospital, Florianópolis, Santa Catarina Thais Moreira Barcelos1, Renata Souza Agostinho Costa1, Daisson José Trevisol2, Fabiana Schuelter-Trevisol3 RESUMO Introdução: O vírus da hepatite C (HCV) é um dos agentes etiológicos responsáveis pelas hepatites crônicas, e a hepatite C é a primeira causa de transplante hepático no mundo. Este estudo teve como objetivo verificar o perfil epidemiológico e clínico dos pacientes com hepatite C atendidos no ambulatório do Hospital Nereu Ramos em Florianópolis (SC). Métodos: Foi realizado um estudo descritivo dos pacientes portadores do HCV em acompanhamento ambulatorial. As informações foram obtidas a partir de entrevista com pacientes em tratamento. Resultados: Participaram do estudo 123 pacientes, 89 (72,4%) do sexo masculino. O genótipo mais comum foi o genótipo 1, e o vírus foi adquirido através de transfusão sanguínea em 29,3% e por uso de drogas em 22%. Dezessete (13,8%) pacientes apresentavam coinfecção pelo HIV. F2 e F3 da escala METAVIR foram os graus mais frequentes de fibrose. Dos 123 pacientes entrevistados, 103 (83,7%) estavam iniciando o tratamento farmacológico. Conclusão: O perfil epidemiológico e clínico dos pacientes com hepatite C crônica estudados é similar ao de outros serviços de saúde e concordantes com o perfil nacional de casos de infecção pelo HCV. UNITERMOS: Epidemiologia, Hepatite C, Estudo Observacional. ABSTRACT Introduction: The hepatitis C virus (HCV) is one of the etiological agents responsible for hepatitis, and chronic hepatitis C is the leading cause of liver transplants in the world. This study aimed to determine the clinical and epidemiological profile of patients with hepatitis C treated at the Hospital Nereus Ramos in Florianópolis (SC). Methods: A descriptive study of outpatients with HCV was performed. Information was obtained from interviews with patients in treatment. Results: The study included 123 patients, 89 (72.4%) of whom males. The most common genotype was genotype 1, and the virus was acquired through blood transfusion in 29.3% and through drug use in 22% of the patients. Seventeen (13.8%) patients were co-infected with HIV. F2 and F3 of the Metavir scale were the most common degrees of fibrosis. Of the 123 patients interviewed, 103 (83.7%) were initiating pharmacological treatment. Conclusion: The clinical and epidemiological profile of patients with chronic hepatitis C studied is similar to that of other health services and consistent with the national profile of cases of HCV infection. KEYWORDS: Epidemiology, Hepatitis C, Observational Study. 1 2 3 Graduação em Farmácia. Doutor. Professor do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde. Coordenador do Centro de Pesquisas Clínicas do Hospital Nossa Senhora da Conceição. Doutora. Professora do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde da Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL). Centro de Pesquisas Clínicas do Hospital Nossa Senhora da Conceição. Revista da AMRIGS, Porto Alegre, 58 (3): 209-212, jul.-set. 2014 209 PERFIL EPIDEMIOLÓGICO DOS PACIENTES COM HEPATITE C ATENDIDOS NO AMBULATÓRIO DO HOSPITAL NEREU RAMOS... Barcelos et al. INTRODUÇÃO A hepatite C, doença causada por um vírus da família Flaviridae, foi descoberta em 1989, quando ocorreu o primeiro caso de hepatite não A e hepatite não B. O HCV é um dos agentes etiológicos que mais causam hepatites crônicas. Além disso, a hepatite C é a primeira causa de transplante hepático do mundo. A grande maioria dos infectados desconhece a presença do vírus devido à ausência de sinais e sintomas, e em algumas situações a doença se manifesta após duas décadas do contágio (1). A transmissão do HCV se dá pela transfusão de hemoderivados ou transplante de órgãos (especialmente antes de 1993), compartilhamento de equipamentos para uso de drogas, confecção de tatuagens e colocação de piercing com material contaminado, lâminas de barbear e instrumentos de manicure, pode ocorrer transmissão sexual e vertical nos casos em que há altos níveis de viremia ou coinfecção com HIV (2). O HCV possui seis genótipos principais que vão de 1 a 6 e diferentes subtipos com base na diferenciação da sequência de seus genótipos. Os genótipos 1, 2 e 3 têm uma distribuição mundial; entre eles, os subtipos mais comuns são os 1a e 1b, o que equivale a 60% das infecções no mundo (3). Dados epidemiológicos mostram que cerca de 3% da população mundial estão infectados pelo vírus da hepatite C (HCV), o que corresponde a aproximadamente 170 milhões de indivíduos (3). No período de 1999 a 2011, foram notificados pelo Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN) 82.041 casos confirmados de hepatite C no Brasil. Na Região Sudeste, existiam 55.222 pacientes com hepatite C, enquanto que na Região Sul havia 18.307. Essas regiões concentram 90% dos casos confirmados no país (4). Com relação ao sexo, no período de 1999 a 2011, foram notificados 49.291 casos (60,1%) de hepatite C entre homens e 32.734 (39,9%) entre mulheres. A Região Sul contabiliza 22,3% dos casos notificados no Brasil, a maioria dos quais no Estado do Rio Grande do Sul (58,2%), seguido por Santa Catarina (25,6%) e Paraná (16,2%), sendo 59,0% dos casos entre homens (4). No Brasil, entre 2000 e 2011, foram declarados 30.931 óbitos por hepatite C, 16.896 como causa básica e 14.035 como causa associada, a maioria notificada nas regiões Sudeste (57,5%) e Sul (25,5%) (5). Este estudo tem como objetivo verificar o perfil epidemiológico e clínico dos pacientes com hepatite C, atendidos no ambulatório do Hospital Nereu Ramos em Florianópolis (SC). MÉTODOS O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade do Sul de Santa Catarina 210 mediante parecer de número 465.580. Trata-se de estudo descritivo dos pacientes portadores de hepatite C em acompanhamento ambulatorial no Hospital Nereu Ramos de Florianópolis, Santa Catarina. Foram avaliados todos os pacientes em tratamento para hepatite C que compareceram no ambulatório do hospital em 2014. Foram incluídos pacientes com 18 anos ou mais que estivessem em tratamento farmacológico para hepatite C e que aceitaram participar do estudo mediante anuência ao Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). As informações foram obtidas por entrevista com os pacientes em tratamento farmacológico para hepatite C no serviço de infectologia ambulatorial do Hospital Nereu Ramos de Florianópolis (SC). As seguintes variáveis foram analisadas: perfil sociodemográfico (idade, sexo, raça, situação conjugal, escolaridade e renda) e clínico (genótipo do vírus, coinfecção pelo HIV, possível forma de contágio, eventos adversos ao tratamento, índice de massa corporal, transplante hepático, uso de bebidas alcoólicas, presença de transtornos psiquiátricos, fibrose, doenças associadas). Os dados foram digitados no programa Epidata versão 3.1 (EpiData Association, Odense, Denmark) e analisados no software Statistical Product for Service Solutions (SPSS for Windows versão 20; Chicago, IL, USA). As variáveis quantitativas foram apresentadas em medidas de tendência central e as qualitativas em medidas de dispersão. RESULTADOS Foram estudados 123 pacientes em tratamento farmacológico para hepatite C, sendo um censo com 100% de taxa de resposta. A coleta de dados foi realizada em fevereiro de 2014. Do total, 89 (72,4%) eram do sexo masculino, e a média de idade foi de 51,7 (DP=9,4) anos. A Tabela 1 apresenta as frequências dos dados sociodemográficos da população estudada. A Tabela 2 apresenta os dados clínicos dos pacientes com hepatite C. Os dados mostram que 29,3% dos pacientes adquiriram a doença através de transfusão sanguínea e 22% por uso de drogas. Do total, 17 (13,8%) pacientes eram coinfectados pelo HIV e 56 (45,5%) apresentaram outras doenças, entre as quais se destacam diabetes mellitus e hipertensão arterial sistêmica. DISCUSSÃO A avaliação do perfil epidemiológico dos pacientes permite que se obtenham informações importantes relativas ao tratamento, o conhecimento epidemiológico de uma região, tornando-se importante no apoio à prevenção e ao controle da doença como problema de saúde pública. Os dados encontrados neste estudo são concordantes com o perfil epidemiológico nacional entre pacientes inRevista da AMRIGS, Porto Alegre, 58 (3): 209-212, jul.-set. 2014 PERFIL EPIDEMIOLÓGICO DOS PACIENTES COM HEPATITE C ATENDIDOS NO AMBULATÓRIO DO HOSPITAL NEREU RAMOS... Barcelos et al. Tabela 1 – Dados sociodemográficos dos pacientes com hepatite C (n=123). n % Sexo Masculino Feminino 89 34 72,4 27,6 Raça Branco Não branco Ignorado 104 17 2 84,6 13,8 1,6 Situação conjugal Com companheiro Sem companheiro 85 38 69,1 30,9 Escolaridade (anos de estudo) 0-11 > 11 85 38 69,1 30,9 Renda (em salários mínimos) 0-6 >6 81 42 65,9 34,0 fectados com o HCV. Neste estudo, 72% dos pacientes são homens. No Brasil, entre os casos de hepatite C, entre 53,5% e 75,6% ocorrem no sexo masculino nas diferentes regiões do país (6,7). Em relação à raça, 84,6% dos pacientes do presente estudo eram brancos. Este achado concorda com estudo realizado com doadores de sangue do hemocentro regional Uberaba que identificou condição semelhante em 67,1% dos pacientes (8). A forma de aquisição da doença foi, na maioria dos casos, por transfusão sanguínea, muito semelhante ao encontrado em um estudo realizado no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, em que 30% dos pacientes relataram ter se infectado pelo HCV por esta via (9). Neste estudo, a maioria dos pacientes com relação ao genótipo era do tipo 1 em 64,2% dos pacientes. Um estudo realizado no Centro de Referência em Hepatites Virais no Município de Belo Horizonte demonstrou a prevalência do genótipo 1 em 78,4% das amostras dos pacientes (10). O escore de fibrose METAVIR é o principal marcador de evolução de doença na hepatite C crônica e é representado pela estabilização de fibrose hepática, dado pela biópsia. Neste estudo, foram mais presentes o F2 (26%), o qual significa que o fígado possui fibrose em espaço porta e com septos incompletos no parênquima hepático (fibrose clinicamente significante), e o F3 (29,3%), que determina fibrose com septos completos e esboço de nódulos (fibrose avançada). Em outros estudos presentes na literatura, o F2 variou de 18,3% a 45% dos pacientes, e o F3 obteve variação de 5% a 24,52% dos pacientes (11-13). O presente estudo mostra que o tempo de tratamento dos pacientes entrevistados, na grande maioria, foi de 48 semanas, sendo esse o tempo médio de tratamento dos pacientes com genótipo 1. Estudos mostram que as taxas de recaída tendem a ser maiores nos pacientes que receberam Revista da AMRIGS, Porto Alegre, 58 (3): 209-212, jul.-set. 2014 Tabela 2 – Perfil clínico dos pacientes com hepatite C (n=123). n % Via de infecção pelo HCV Sexual Dentista Transfusão sanguínea Uso de drogas Vertical Ignorado 13 12 36 27 1 34 10,6 9,8 29,3 22 0,8 27,6 Genótipo 1 2 3 Ignorado 79 6 37 1 64,2 4,9 30,1 0,8 Fibrose 0 1 2 3 4 Ignorado 3 24 32 36 17 11 2,4 19,5 26 29,3 13,8 8,9 Tempo de tratamento 24 semanas 36 semanas 48 semanas 72 semanas 9 1 103 10 7,3 0,8 83,7 8,1 Primeiro tratamento Sim Não 88 35 71,5 28,5 Transplante hepático Sim Não 6 117 4,9 95,1 Transtorno psiquiátrico Sim Não 42 81 34,1 65,9 Alcoolismo Sim Não 17 106 13,8 86,2 Outras doenças Sim Não 56 67 45,5 54,5 24 semanas de terapia do que naqueles que receberam 48 semanas (34-37% contra 12-24%) (14). Neste estudo, os pacientes coinfectados com HVC/ HIV foram encontrados em 13,8% do total de pacientes. Esse percentual pode ser considerado baixo quando comparado às prevalências encontradas em outras regiões do país, que variaram de 17,5% a 53,8% dos pacientes. Essa diferença pode ser atribuída a diferentes formas de transmissão do HIV/HCV nas diferentes regiões do país (15-19). CONCLUSÃO Este estudo permite concluir que o perfil epidemiológico e clínico dos pacientes com hepatite C crônica estudados é similar ao de outros serviços de saúde e concordantes com o perfil nacional de casos de infecção pelo HCV. 211 PERFIL EPIDEMIOLÓGICO DOS PACIENTES COM HEPATITE C ATENDIDOS NO AMBULATÓRIO DO HOSPITAL NEREU RAMOS... Barcelos et al. REFERÊNCIAS 1. Garcia R Francine L, Paegle SL. Luz H. Luiz J. Rotinas em Gastroenterologia ed. Joinville: Gregory; 2013. p.216-34. 2. Viso ATR. Patogenia da hepatite C - consenso VHC 2007. In: Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI). I Consenso da Sociedade Brasileira de Infectologia para o Manuseio e Terapia da Hepatite C. 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Hepatites B e C em Manaus: perfil clínico-epidemiológico e distribuição espacial de casos conhecidos desde 1997 a 2001. Dissertação de Mestrado, 2004. Manaus: Fundação Oswaldo Cruz. Escola Nacional de Saúde Pública/Universidade Federal do Amazonas. 7. Paltanina LF, Reicheb EMV. Soroprevalência de anticorpos antivírus da hepatite C em doadores de sangue, Brasil. Rev Saúde Pública 2002; 36(4):393-9. 8. Garcia FB, Pereira GA, Martins PRJ, Souza HM. Perfil epidemiológico da hepatite C em doadores de sangue no Hemocentro Regional de Uberaba. Rev Soc Bras Med Trop. 2009; 42 (1):1-4. 9. Vasconcelos RR, Tengan FM, Cavalheiro NP, Ibrahim K, Pereira H, Barone AA.Fatores associados às formas evolutivas graves da infecção crônica pelo vírus da hepatite C. Rev Soc Bras Med Trop. 2006; 39(5):433-8. 10. Perone C, Castillo DM, Pereira GL, Carvalho NO, Januário JN, Teixeira R. Alta prevalência do genótipo 1 em portadores de hepatite C crônica em Belo Horizonte, MG. 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José Acácio Moreira, 787 88.704-900 – Tubarão, SC – Brasil (48) 3621-3363 [email protected] Recebido: 5/8/2014 – Aprovado: 2/10/2014 Revista da AMRIGS, Porto Alegre, 58 (3): 209-212, jul.-set. 2014 ARTIGO ORIGINAL Impacto da fisioterapia respiratória e da aspiração endotraqueal em recém-nascidos pré-termo na primeira semana de vida The impact of respiratory physical therapy and endotracheal suctioning in preterm newborns in the first week of life Ana Carolina Barreto da Silva1, Manuela Romagna Bongiolo1, Sabrina Toscan1, Angelo Ferreira da Silva Junior2, Karla dal bo3, Kelser de Souza Koch4, Andre Barreto da Silva5, Amanda Barreto da Silva6 RESUMO Introdução: Recém-nascidos pré-termo (RNPT) apresentam elevada morbidade respiratória e necessidade de ventilação mecânica, assim, a fisioterapia respiratória é parte integrante da assistência destes neonatos. O presente estudo pretende avaliar a influência da fisioterapia respiratória e da aspiração endotraqueal sobre a frequência cardíaca e respiratória e saturação de oxigênio em RNPT. Métodos: Ensaio clínico aberto do tipo antes-depois. O presente estudo analisou os prontuários de todos os RNPT com idade entre 3 e 7 dias de vida, que estavam em ventilação mecânica e com solicitação médica para fisioterapia respiratória. Foi utilizado questionário, elaborado pelos autores, constando dados da mãe, dados do parto, Apgar do 1º e 5º minuto de vida, diagnósticos clínicos e valores de frequência cardíaca, frequência respiratória e saturação de oxigênio antes e depois da fisioterapia respiratória. Resultados: A frequência cardíaca revelou queda estatisticamente significativa após a técnica fisioterápica em todos os períodos observados. A frequência respiratória não apresentou diferença significativa estatística após a técnica na parte da manhã. Em contrapartida, no período da tarde, o mesmo parâmetro apresentou diminuição estatisticamente significativa quando submetida a técnica fisioterápica. A variável saturação de oxigênio apresentou diferença estatística significativa em todos os períodos analisados, com exceção do último, na parte da tarde, na evolução dos 30 minutos pós-fisioterapia. Conclusão: A fisioterapia neonatal demonstrou ser um procedimento terapêutico sem repercussões deletérias em relação às variáveis fisiológicas para o tratamento da população estudada. UNITERMOS: Fisioterapia, Monitorização Fisiológica, Recém-nascido. ABSTRACT Introduction: Preterm newborns exhibit high respiratory morbidity and need for mechanical ventilation. Respiratory therapy is an integral part of the care of these neonates. This study aims to evaluate the influence of physiotherapy and endotracheal suctioning on heart rate, respiratory rate and oxygen saturation in preterm infants. Methods: An open-label clinical trial, of the before-after type. The present study analyzed the medical records of all preterm infants aged 3-7 days who were on mechanical ventilation and had medical request for respiratory therapy. A questionnaire developed by the authors was used, consisting of mother data, delivery data, 1- and 5-minute Apgar scores, clinical diagnoses and heart rate, respiratory rate and oxygen saturation values before and after chest physiotherapy. Results: Heart rate showed a statistically significant decrease after physical therapy in all observed periods. Respiratory rate was not statistically significantly different if physical therapy was delivered in the morning. If delivered in the afternoon, however, the same parameter was statistically significantly decreased. Oxygen saturation was statistically different in all analyzed periods, except the last, in the afternoon, in the 30-minute progress post physical therapy. Conclusion: Neonatal physical therapy proved to be an effective therapeutic procedure without deleterious consequences as regards physiological responses for the treatment of this population. KEYWORDS: Physical Therapy, Physiotherapy, Newborn. 1 2 3 4 5 6 Estudante de Medicina do 6º ano da Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL). Mestre em Ciências da Saúde. Médico Pneumologista, Professor da disciplina de Pneumologia da UNISUL. Mestre. Médica da UTI pediátrica no Hospital Nossa Senhora da Conceição/Tubarão-SC, Professora da disciplina de Pediatria da UNISUL. Mestre em Ciências da Saúde. Professor da UNISUL. Médico Coloproctologista. Médica Ginecologista e Obstetra especialista em Medicina Fetal. Revista da AMRIGS, Porto Alegre, 58 (3): 213-219, jul.-set. 2014 213 IMPACTO DA FISIOTERAPIA RESPIRATÓRIA E DA ASPIRAÇÃO ENDOTRAQUEAL EM RECÉM-NASCIDOS PRÉ-TERMO... Silva et al. INTRODUÇÃO O aumento da sobrevida entre os recém-nascidos com peso de nascimento e idades gestacionais cada vez menores é reflexo dos avanços no monitoramento das condições fetais, assistência pré-natal, ventilação mecânica e contínuo desenvolvimento tecnológico e científico também na assistência perinatal (1,2). A fisioterapia respiratória é também um dos fatores determinantes para a redução da morbidade neonatal nas últimas décadas, já que as afecções respiratórias ainda são uma das principais causas de morbidade e mortalidade neste período (3). A fisioterapia é uma modalidade terapêutica relativamente recente dentro das unidades de terapia intensiva pediátrica e neonatal (UTIPN) e está em expansão, especialmente nos grandes centros, sendo realizada por meio de diversas técnicas, com o objetivo de diminuir o trabalho respiratório, manter a latência de vias aéreas e melhorar a ventilação e a troca gasosa (4,5). Segundo a portaria do Ministério da Saúde nº 3.432, em vigor desde 12/08/1998, as unidades de terapia intensiva de hospitais com nível terciário devem contar com assistência fisioterapêutica em período integral, por contribuírem para reduzir a morbidade neonatal, o tempo de hospitalização, custos hospitalares e as complicações (5,6). Devido à imaturidade pulmonar, os recém-nascidos pré-termo (RNPT) permanecem por períodos prolongados sob suporte ventilatório e oxigenoterapia, tornando-se mais suscetíveis a complicações e evoluindo com a necessidade de acompanhamento da fisioterapia (7). Ao longo do tempo, alguns aspectos passaram a ser observados como a diferente resposta dos pacientes a uma mesma manobra, segundo a faixa etária, a constituição física e o tipo de doença. Outras observações constataram, em alguns casos, efeitos adversos dessa forma terapêutica (8). As técnicas de fisioterapia respiratória neonatal e aspiração endotraqueal, quando feitas adequadamente, respeitando as fisiopatologias dos RNPT submetidos à ventilação mecânica, podem, além de tratar, prevenir complicações pertinentes a essas crianças, bem como reduzir o tempo de ventilação mecânica (7,8). Contudo, a utilização de técnicas fisioterapêuticas inadequadas e sua consequente influência na estabilidade clínica geral e nas flutuações do fluxo sanguíneo cerebral podem aumentar ainda mais a vulnerabilidade do RNPT (9,10). Apesar da fisioterapia respiratória neonatal vir ganhando especial atenção por parte dos pesquisadores, em virtude do crescente aumento da sua indicação e aplicação nos últimos anos, há muita controvérsia sobre o real papel desta atividade nas unidades neonatais. Devido à constatação de efeitos adversos da fisioterapia respiratória, especialmente nos prematuros, atualmente se propõe uma escolha mais criteriosa dos procedimentos fisioterapêuticos, passando a ter avaliação e execução individualizadas, de acordo com o paciente e evitando manipulações intensas nos RNPT desnecessárias (11,12). 214 É importante ressaltar que a hemorragia intracraniana peri-intraventricular ocorre com maior frequência nas primeiras 72 horas de vida nos RNPT com peso de nascimento inferior a 1500g. Inúmeros fatores intra e extravasculares podem contribuir para promover o sangramento ou o seu aumento, dentre eles, a persistência do canal arterial, a ventilação mecânica e, possivelmente, certos procedimentos como a aspiração traqueal e a própria fisioterapia respiratória (13). Sendo assim, preconiza-se que o tratamento fisioterapêutico somente ocorra após as primeiras 72 horas de vida nos RNPT, sendo a primeira semana de vida, portanto, o período mais crítico da evolução clínica desses pacientes. Desta forma, a literatura recomenda uma ação fisioterapêutica mais cautelosa e individualizada, de acordo com a necessidade de cada RN (8,13). As evidências para avaliar os riscos e benefícios da fisioterapia respiratória em RNPT são restritas, já que os estudos são escassos, possuem amostras pequenas, desenhos, experimentais díspares, principalmente nessa população-alvo, os RNPT na primeira semana de vida (5,14). Aspectos relativos à eficácia, efeitos adversos e peculiaridades do tratamento fisioterápico respiratório em RNPT poucas vezes são avaliados com objetividade, pela complexidade dos casos internados em terapia intensiva, e pela falta de padronização no tratamento. Porém, há a necessidade dessa avaliação, que influenciará na redução da morbidade e mortalidade dos pacientes, especialmente dos recém-nascidos em tratamento intensivo, com redução do tempo de hospitalização e custos hospitalares. Nesse contexto, a proposta do presente estudo foi de avaliar a influência da fisioterapia respiratória e da aspiração endotraqueal sobre a frequência cardíaca e respiratória e saturação de oxigênio em RNPT submetidos à ventilação mecânica na primeira semana de vida. MÉTODOS Ensaio clínico aberto do tipo antes-depois, cuja intervenção principal foi a aspiração endotraqueal, e os desfechos foram frequências respiratória e cardíaca, e a saturação de oxigênio. A população abrangida constituiu-se de recém-nascidos pré-termo (RNPT) internados na unidade de terapia intensiva pediátrica e neonatal (UTIPN) do Hospital Nossa Senhora da Conceição de Tubarão, SC, no período de maio a agosto de 2013. Foram considerados prematuros os recém-nascidos com idade gestacional inferior a 37 semanas, conforme critério da Organização Mundial de Saúde (8). A idade gestacional foi calculada preferencialmente pela data da última menstruação, desde que houvesse certeza da mesma, ou pelo ultrassom obstétrico realizado até 20 semanas de gestação. Quando não disponíveis estas informações, utilizou-se o método de New Ballard para estimar a idade gestacional (15). Foram incluídos todos os recém-nascidos com idade gestacional inferior a 37 semanas, idade pós-natal entre três Revista da AMRIGS, Porto Alegre, 58 (3): 213-219, jul.-set. 2014 IMPACTO DA FISIOTERAPIA RESPIRATÓRIA E DA ASPIRAÇÃO ENDOTRAQUEAL EM RECÉM-NASCIDOS PRÉ-TERMO... Silva et al. e sete dias, em ventilação mecânica e com solicitação médica para fisioterapia respiratória, sendo excluídos os recém-nascidos portadores de malformações congênitas graves e com síndromes genéticas, além das situações clínicas em que a fisioterapia respiratória é contraindicada (pneumotórax não drenado, hipertensão pulmonar diagnosticada em exame de ecocardiograma, hemorragia intracraniana, persistência de canal arterial e coagulopatias). Os dados foram obtidos através de uma fonte secundária (prontuários médicos) e anotados em um instrumento de coleta de dados elaborado pela pesquisadora (Apêndice 1), onde foram discriminados os dados da mãe, dados do parto, Boletim de Apgar do 1º e 5º minuto de vida, diagnósticos clínicos e valores de frequência cardíaca, frequência respiratória e saturação de oxigênio antes e depois da fisioterapia respiratória. Foram aferidas e anotadas a saturação de oxigênio, a frequência respiratória e a frequência cardíaca durante cinco minutos antes do início da técnica fisioterápica, após dez minutos e após trinta minutos da aplicação das técnicas. A assistência fisioterapêutica e aspiração endotraqueal foram realizadas duas vezes ao dia, uma no período da manhã e outra no período da tarde, com duração estimada de 20 minutos cada sessão, sendo realizada pela fisioterapeuta da unidade neonatal responsável e colaboradora deste estudo, Daniela Regina Marcelino. A determinação dos valores da frequência cardíaca e da saturação de oxigênio foi realizada por meio do sistema de monitorização de sinais vitais DX 2010-LCD – Dixtal Biomédica®; a frequência respiratória foi determinada pela visualização da expansão do tórax do paciente, no período de 1 minuto, contado no cronômetro. O procedimento de aspiração foi feito em todos os neonatos do estudo de forma asséptica, com o sistema aberto de aspiração, introduzindo-se a sonda de aspiração por duas vezes em cada paciente. Segundo a normatização da UTIPN do Hospital Nossa Senhora da Conceição, durante o procedimento de aspiração a fração inspirada de oxigênio foi aumentada em 10%. Os procedimentos fisioterapêuticos foram: o posicionamento em decúbitos lateral direito e esquerdo, a vibração manual, os exercícios de mecânica respiratória de apoio diafragmático e o procedimento de aspiração endotraqueal. As variáveis estudadas foram controladas nas primeiras seis sessões de fisioterapia realizadas entre o terceiro e o sétimo dia de vida, compreendendo o período mais crítico da evolução dos recém-natos. Toda a população estudada recebeu, no mínimo, seis sessões de fisioterapia entre o terceiro e o sétimo dia de vida. O registro dos valores das variáveis estudadas foi feito pela fisioterapeuta da unidade nos momentos previamente estabelecidos, bem como a realização das sessões de fisioterapia, seguindo-se a padronização do atendimento de fisioterapia adotada para a realização do estudo. Os pesquisadores apenas fizeram a análise destes prontuários, não estando, em qualquer momento, em contato com os pacientes e mantendo todos os dados de identificação em sigilo. Revista da AMRIGS, Porto Alegre, 58 (3): 213-219, jul.-set. 2014 Os dados foram inseridos no programa Epidata versão 3.1 e analisados no software SPSS versão 16.0. Os dados qualitativos foram apresentados em valores absolutos e relativos, e os dados quantitativos em medidas de tendência central e de dispersão. Para análise das variáveis, frequência cardíaca e respiratória e saturação de oxigênio, do mesmo recém-nascido, em momentos diferentes, foi utilizado o teste t de student para amostras dependentes. Para testar associação entre as variáveis de interesse, foi utilizado teste de qui-quadrado para as variáveis categóricas e Anova de uma via para comparação de médias, com nível de significância estatística de 5%. Esse estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL), sob o registro 12.452.4.01 III. RESULTADOS Foram incluídos no estudo 80 recém-nascidos pré-termo (RNPT). Destes, 15 foram excluídos alguns dias após o início da coleta de dados quando se confirmou o diagnóstico de hipertensão pulmonar e hemorragia intracraniana. Da população estudada, 61,5% eram do sexo feminino, a maioria apresentava peso ao nascimento acima de 1500 g, e o diagnóstico clínico que obteve maior percentual entre os prematuros foi o de Taquipneia Transitória do Recém-nascido. (Tabela 1) Todos os pacientes foram ventilados mecanicamente em respiradores de fluxo contínuo, limitados à pressão e ciclados a tempo, no modo ventilação mandatória intermitente (IMV) ou no modo ventilação mandatória intermitente sincronizada (SIMV). O tempo médio de duração do procedimento intervencionista de fisioterapia neonatal foi de 17 minutos e 59 segundos, com tempo mínimo de 15 minutos e 13 segundos e máximo de 20 minutos e 06 segundos. Entre toda a população estudada, foram realizadas 390 sessões de fisioterapia, incluindo a aspiração de vias aéreas. Essas sessões foram realizadas duas vezes por dia, conforme a rotina da UTIPN do Hospital Nossa Senhora da Conceição. A idade dos neonatos e o boletim de Apgar do 1º e 5º minuto de vida se apresentam na Tabela 2. Em relação às mães dos neonatos, foi relatado apenas 1 caso de gestação múltipla, fazendo com que o total de mães do estudo fosse de 64 mulheres, e o total de RNPT fosse de 65 bebês. Do total (n=64), a maioria dos partos foi do tipo cesáreo com 84,6%, e a idade gestacional variou entre 28 e 37 semanas, obtendo uma média de 33,4 semanas e desvio-padrão de 1,8, sendo que um dos critérios de inclusão era a prematuridade, que, conforme critério da Organização Mundial de Saúde, é abaixo de 37 semanas, o que explica a média encontrada. Do total de mulheres, 43,7% tinham idade maior ou igual a 30 anos, e apenas 6,2% não realizaram assistência ao pré-natal. Entre patologias questionadas, o diabetes ges215 IMPACTO DA FISIOTERAPIA RESPIRATÓRIA E DA ASPIRAÇÃO ENDOTRAQUEAL EM RECÉM-NASCIDOS PRÉ-TERMO... Silva et al. Tabela 3 – Características do perfil materno (n = 64). Tabela 1 – Características da população estudada (N = 65). Variável n % Sexo Feminino Masculino 40 25 61,5 38,5 Peso ao Nascimento < 1000g 1000 – 1500g 1500 – 2000g 2000 – 2500g 2500 – 3000g 7 11 23 20 4 Cardiopatia Congênita Sim Não Variável n % Idade materna ≤ 20 anos 21 – 29 anos ≥ 30 anos 15 21 28 23,4 32,8 43,7 10,8 16,9 35,4 30,8 6,2 Assistência ao Pré-natal Sim Não 61 4 93,8 6,2 Diabetes Gestacional Sim Não 10 55 15,4 84,6 4 61 6,2 93,8 Síndrome de Aspiração de Mecônio Sim Não Pré-eclâmpsia Sim Não 5 60 7,7 92,3 12 53 18,5 81,5 Taquipneia Transitória do Recém-Nascido Sim Não Infecção do Trato Urinário Sim Não 10 55 15,4 84,6 31 34 47,7 52,3 Sífilis Sim Não 1 64 1,5 98,5 2 63 3,1 96,9 Diabetes Mellitus Sim Não 5 60 7,7 92,3 Hipertensão Arterial Sistêmica Sim Não 5 60 7,7 92,3 HIV Tabela 2 – Distribuição das medidas de tendência central e dispersão das variáveis quantitativas. (DP = desvio - padrão). Variável Média (±DP) Variação Idade (em dias) 5,43 (1,05) 4–6 Apgar do 1º minuto 7,29 (0,74) 6–9 Apgar do 5º minuto 7,41 (0,74) 6–9 tacional e a infecção do trato urinário foram as mais frequentes durante a gestação, ambas cursando com 15,4% das mães. Sobre as doenças crônicas maternas, tanto o diabetes mellitus quanto a hipertensão arterial sistêmica cursaram com o mesmo percentual de 7,7% das mulheres. Entre elas, 2 eram HIV positivo e 1 apenas teve sífilis durante a gestação, sendo que não existiu concomitância das 2 doenças na mesma paciente. (Tabela 3) Em relação à técnica fisioterápica aplicada na parte da manhã, na variável saturação de oxigênio (SpO2) houve um aumento estatisticamente significativo quando comparados os valores médios 5 minutos antes da fisioterapia respiratória e aspiração endotraqueal (FRAE) e 10 minutos após a técnica (p<0,001). Quando se comparam os valores médios 5 minutos pré-FRAE e 30 minutos pós-FRAE, ainda observa-se diferença estatística significante (p<0,001), o que evidencia um aumento significativo da SpO2 nos 30 minutos de evolução analisados. (Tabela 4) Sobre a variável frequência cardíaca (FC), analisada na parte da manhã, observou- se uma diferença estatisticamente significante nos dois períodos analisados, 10 mintutos após a fisioterapia e 30 minutos depois da fisioterapia, quando comparados aos valores médios pré-FRAE. Noutra análise, observou-se uma diminuição linear dos valores médios de FC após as técnicas de fisioterapia e aspiração endotra216 Sim Não queal serem realizadas, o que sugere um período de estabilização clínica. (Tabela 4) Na variável frequência respiratória (FR), na parte da manhã, não foi encontrada diferença estatisticamente significativa nos dois períodos comparados: antes da técnica e 10 minutos após a mesma (p=0,414) e antes da técnica e 30 minutos após esta ter sido realizada (p=0,057). Apesar desse dado não ter sido significativo, houve diminuição desta variável após a técnica fisioterápica e de aspiração endotraqueal no período da manhã (Tabela 4) Na parte da tarde, quando comparados os valores médios da SpO2 pré-fisioterapia e 10 minutos após a técnica fisioterápica, houve um aumento estatisticamente significante (p<0,001). Em contrapartida, quando comparados os valores médios antes da técnica e 30 minutos após a mesma, não houve diferença significativa da saturação de oxigênio (p>0,001), apesar de revelar um aumento desta variável. (Tabela 5) Em relação à variável FC e aos valores médios analisados na parte da tarde, houve uma diminuição estatística significante nos dois períodos pós-FRAE quando comparados aos valores desta variável antes da técnica fisioterápica respiratória. Este fato demonstra uma diminuição dos valores de FC no decorrer de todos os 30 minutos analisados após a técnica ser aplicada no paciente, sugerindo uma estabilização clínica semelhante à ocorrida no período da manhã com a mesma variável. (Tabela 5) Revista da AMRIGS, Porto Alegre, 58 (3): 213-219, jul.-set. 2014 IMPACTO DA FISIOTERAPIA RESPIRATÓRIA E DA ASPIRAÇÃO ENDOTRAQUEAL EM RECÉM-NASCIDOS PRÉ-TERMO... Silva et al. Tabela 4 – Valores das variáveis de Saturação de O2, Frequência Cardíaca e Frequência Respiratória em relação à fisioterapia respiratória e aspiração endotraqueal no período da manhã (N = 65). Tabela 5 – Valores das variáveis de Saturação de O2, Frequência Cardíaca e Frequência Respiratória em relação à fisioterapia respiratória e aspiração endotraqueal no período da tarde (N = 65). Média (±DP) Valor de p Média (±DP) Valor de p Variável 5 minutos antes da FRAE 10 minutos depois da FRAE 30 minutos depois da FRAE Saturação de O2 87,6 (4,19) 90,1 (3,97)* p=0,000 91,8 (4,68)* p=0,000 Saturação de O2 187,6 (10,51) 182,8 (8,93)* p=0,003 180,1 (7,83)* p=0,000 Frequência Cardíaca 69,5 (9,86) 68,5 (9,68) p=0,414 66,8 (9,62) p=0,057 Frequência Cardíaca Frequência Respiratória Variável Frequência Respiratória 5 minutos antes da FRAE 10 minutos depois da FRAE 30 minutos depois da FRAE 88,4 (4,53) 90,9 (3,61)* p=0,000 91,3 (11,31) p=0,054 185,9 (12,56) 179,8 (9,80)* 176,9 (5,89)* p=0,000 p=0,000 72,6 (11,08) 66,0 (10,34)* 64,5 (10,59)* p=0,000 p=0,000 * diferença estatisticamente significativa ao nível de 5% * diferença estatística significativa ao nível de 5%. Sobre a variável FR e os respectivos valores médios observados na parte da tarde, quando comparado o período anterior à fisioterapia com os 10 primeiros minutos após esta ser realizada, houve uma diminuição estatisticamente significativa (p<0,001). E quando comparados os valores da FR analisados 5 minutos pré-FRAE, com o último período, ou seja, 30 minutos após a técnica ter sido aplicada, ainda assim, obteve-se queda estatisticamente significante (p<0,001), evidenciando uma diminuição dos valores médios da variável FR do primeiro período analisado em relação ao último. (Tabela 5) da sua indicação e aplicação nos últimos anos (11). Outro fator importante é o predomínio de crianças cada vez mais imaturas, o que alterou a assistência fisioterapêutica e teve como consequência o aumento da necessidade de uso da mesma (1,2). Alguns autores relatam que o baixo peso ao nascer, a idade gestacional abaixo de 34 semanas e as malformações congênitas constituem preditores de saúde imediatos e do futuro do neonato, além de culminar com o aumento da mortalidade e da morbidade neonatal, fazendo com que a necessidade de parto cesáreo seja discutida (18). Essa associação de baixo peso ao nascer e/ou prematuridade com o aumento da taxa de partos cirúrgicos programados, seja por conveniência médica, opção materna ou necessidade terapêutica está cada vez mais sendo comum (19), o que também foi visto neste estudo, no qual a maioria dos partos foi do tipo cesáreo com 84,6%, sendo que a população-alvo era inteiramente composta por neonatos prematuros. Estudos realizados sobre o tema demonstram diminuição progressiva das mulheres que não realizam nenhuma consulta de pré-natal, parâmetro este de grande importância por indicar um bom desempenho dos serviços públicos de saúde e educação e que estão também associados à sobrevivência infantil (20). Este fato é confirmado no presente estudo, já que a assistência pré-natal não foi realizada apenas em 6,2% do total de mães da amostra. A idade materna acima de 30 anos e o fato de o maior percentual de recém-nascidos ser do sexo feminino são um padrão relatado na maior parte dos estudos deste contexto, como é visto também neste em questão (12,19,20). Uma possível explicação para este novo perfil de sociedade é a conquista da independência financeira e emocional das mulheres, as quais preferem alcançar a estabilidade financeira antes mesmo de constituir um núcleo familiar próprio, adiando, desta forma, a maternidade. Em um estudo no ano de 2011 na cidade de Curitiba, que também tinha como objetivo analisar as repercussões DISCUSSÃO O presente estudo analisou os prontuários de todos os recém-nascidos pré-termo com idade entre 3 e 7 dias de vida, que estavam em ventilação mecânica e com solicitação médica para fisioterapia respiratória, internados na unidade de terapia intensiva pediátrica e neonatal do Hospital Nossa Senhora da Conceição de Tubarão (SC) no período de maio a agosto de 2013. A escolha da amostra justifica-se pelo fato de os prematuros, devido à imaturidade pulmonar, permanecerem sob suporte ventilatório por longos períodos e assim necessitarem de fisioterapia respiratória. Além disso, tendo em vista que a hemorragia intracraniana peri-intraventricular ocorre com maior frequência nas primeiras 72 horas de vida, indicou-se o início do tratamento fisioterápico somente após o 3º dia de vida (8,13). Foi protocolado o 7º dia de vida para o término da coleta, compreendendo, portanto, a primeira semana de vida, o período mais crítico desses recém-nascidos. Desta forma, a população estudada foi selecionada com a finalidade de obter uma amostra em que a fisioterapia respiratória ocupasse espaço determinante na evolução clínica do paciente. O tratamento fisioterapêutico a partir das contínuas descobertas científicas e tecnológicas na área de assistência perinatal e neonatal vem adquirindo papel de destaque por parte dos pesquisadores, em virtude do crescente aumento Revista da AMRIGS, Porto Alegre, 58 (3): 213-219, jul.-set. 2014 217 IMPACTO DA FISIOTERAPIA RESPIRATÓRIA E DA ASPIRAÇÃO ENDOTRAQUEAL EM RECÉM-NASCIDOS PRÉ-TERMO... Silva et al. das técnicas fisioterápicas em recém-nascidos na unidade de terapia intensiva neonatal, o diagnóstico clínico que obteve maior percentual entre os pacientes foi o de Taquipneia Transitória do Recém-Nascido, o qual tem pouco comprometimento pulmonar e é de resolução rápida quando comparado com outras comorbidades congênitas, o que também foi aqui evidenciado (4). As variáveis escolhidas para compor o presente estudo foram a frequência cardíaca, a frequência respiratória e a saturação de oxigênio. Estas foram selecionadas por serem não só medidas não invasivas, mas também representativas da função cardiopulmonar e, sobretudo, utilizadas comumente nas unidades neonatais devido à facilidade de mensuração e ao baixo risco para o neonato, o que justifica a metodologia proposta. Em relação à frequência cardíaca, nos dois momentos analisados, manhã e tarde, observou-se uma diferença estatisticamente significativa nos prematuros quando submetidos à fisioterapia respiratória e aspiração endotraqueal, o que evidenciou uma diminuição da frequência cardíaca, sugerindo um período de estabilização clínica dos pacientes. A tendência de queda linear da variável em questão após o procedimento também pode ser vista em outros estudos que demonstram, em concordância com este, que a técnica fisioterapêutica possui subsídios teóricos e evidências práticas (1,5,21). Sobre o parâmetro frequência respiratória analisado na parte da manhã, não foi encontrada diferença estatisticamente significativa em todos os 30 minutos observados, o que também foi relatado em outros estudos analisando o impacto da fisioterapia respiratória e aspiração endotraqueal (3,21). Este fato pode ser justificado devido aos prematuros serem mais sensíveis a estímulos periféricos e não possuírem boa coordenação entre seus músculos respiratórios e músculos que controlam a permeabilidade das vias aéreas superiores (20). Além disso, os neonatos apresentam uma resposta aguda à hipóxia diferente quando comparado com o adulto, com uma diminuição importante do metabolismo e da ventilação, o que lhe confere uma capacidade muito maior de sobreviver à agressão hipóxica (3). Em contrapartida, na parte da tarde, houve uma diferença estatisticamente significativa nos valores médios desta variável após a realização da técnica fisioterapêutica, evidenciando uma diminuição importante da frequência respiratória, fato este que pode ser explicado pela evolução clínica do paciente ao passar do dia, sugerindo uma estabilização do quadro. Em relação à variável saturação de oxigênio e à técnica fisioterápica aplicada na parte da manhã, houve uma diferença estatisticamente significativa quando comparados os valores médios desta variável antes da fisioterapia respiratória e da aspiração endotraqueal com os 30 minutos de evolução analisados após a mesma. A técnica de aspiração endotraqueal representa um importante fator para esta variável, já que tem como objetivo evitar a queda de saturação e bradicardia nos neonatos (19), porém, no presente estudo, apesar de ter sido evidenciado aumento estatístico significante deste parâme218 tro na parte da manhã, observou-se uma diminuição momentânea da saturação de oxigênio logo após a aspiração endotraqueal ser realizada nos pacientes. Na parte da tarde, ocorreu uma diferença estatisticamente significante no primeiro período analisado após o procedimento fisioterapêutico. Em contrapartida, quando comparados os valores médios desta variável antes da técnica e 30 minutos após a mesma, não houve aumento estatístico significativo. Essa situação pode ser justificada pelo fato de que no presente estudo foi utilizado o sistema aberto de aspiração, no qual o paciente é desconectado da ventilação mecânica para o procedimento (20). Sendo assim, o aporte pressórico e de oxigênio para o paciente é interrompido. Uma maneira de realizar o procedimento de aspiração sem a desconexão do paciente do ventilador mecânico seria através do sistema fechado de aspiração, o qual, de acordo com a I Recomendação Brasileira de Fisioterapia Respiratória em Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica e Neonatal, datada em 2012, permite maior estabilidade da frequência cardíaca e saturação de oxigênio em neonatos sob ventilação mecânica, do que o sistema aberto de aspiração, o qual foi usado neste estudo (3,8). De acordo com outros autores, a mesma situação se repete, uma vez que o uso da técnica de aspiração através do sistema aberto é mais disseminado pelo custo ser mais baixo (22). Desta forma, é considerado uma limitação do estudo o uso do sistema aberto de aspiração, assim como o tempo de avaliação dos neonatos, pois, apesar da escolha da primeira semana de vida já ter sido justificada, este pequeno período de acompanhamento impossibilita uma análise profunda na tentativa de verificar o efeito dessas técnicas fisioterápicas em longo prazo. Estudos futuros são necessários, uma vez que os resultados deste trabalho não permitem generalizações, já que investigações em populações muito vulneráveis necessitam de avaliações com o maior rigor metodológico possível. CONCLUSÃO A frequência cardíaca revelou queda estatisticamente significativa após a técnica fisioterápica em todos os períodos observados. A frequência respiratória não apresentou diferença significativa estatística após a técnica fisioterápica na parte da manhã, nos dois períodos analisados. Em contrapartida, no período da tarde, o mesmo parâmetro apresentou diminuição estatisticamente significativa após a técnica fisioterápica ser realizada. A variável saturação de oxigênio apresentou diferença significativa estatística em todos os períodos analisados, com exceção do último, na parte da tarde, na evolução dos 30 minutos após a fisioterapia. A fisioterapia respiratória apresenta uma diversidade de pesquisas, sendo que cada uma denota sua contribuição. Estudos são necessários para reduzir os vieses; entretanto, a contribuição à ciência dos achados já descritos na literaRevista da AMRIGS, Porto Alegre, 58 (3): 213-219, jul.-set. 2014 IMPACTO DA FISIOTERAPIA RESPIRATÓRIA E DA ASPIRAÇÃO ENDOTRAQUEAL EM RECÉM-NASCIDOS PRÉ-TERMO... Silva et al. tura é evidente. Sendo assim, este recurso terapêutico vem se tornando um procedimento seguro e que contribui de forma efetiva para a melhora da assistência de vida dos neonatos, e, sobretudo, não apresenta repercussões deletérias em relação às variáveis fisiológicas quando utilizado terapeuticamente. REFERÊNCIAS 1. Nicolau CM, Falcão MC. Efeitos da fisioterapia respiratória em recém-nascidos: análise crítica da literatura. Rev Paul Pediatria. 2007;25(1):72-5. 2. Ribeiro AP, Barros CB, Bettin DC, Piper EM, dos Santos GL, Fernandes GS, et al. Atuação da fisioterapia sobre o tempo de internação dos neonatos prétermo acometidos por distúrbios respiratórios na UTI neonatal do Hospital Universitário São Francisco de Paula. Rev Saúde UCPEL. 2007;1(1):54-9. 3. Nicolau CM, Falcão MC. Influência da fisioterapia respiratória sobre a função cardiopulmonar em recém-nascidos de muito baixo peso. Rev Paul Pediatr. São Paulo June 2010; vol.28 no.2. 4. Vasconcelos GAR, Almeida RCA, Bezarra AL. 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Endereço para correspondência Ana Carolina Barreto da Silva Av. Trompowsky, 300/1002 88.015-300 – Florianópolis, SC – Brasil (48) 3224-6169 [email protected] Recebido: 28/7/2014 – Aprovado: 31/10/2014 219 ARTIGO ORIGINAL Incontinência anal: tratamento clínico em serviço de saúde pública de Porto Alegre, Brasil Fecal incontinence: clinical treatment in public health service of Porto Alegre, Brazil Carlos Zaslavsky1, Marcia Teresinha Jurach2, Ana Lucia Coronel3 RESUMO Introdução: Incontinência anal (IA) é a perda involuntária de fezes. Os pacientes isolam-se e não há interesse formal em atendê-los. A escolha inicial é o tratamento clínico e a maioria dos pacientes com IA melhora com estas medidas simples. O objetivo deste estudo é descrever experiência brasileira, de um serviço assistencial público, para tratamento clínico da IA. Métodos: É um estudo longitudinal, retrospectivo, desenvolvido no Ambulatório do HMIPV/Porto Alegre, no período de novembro/2011 a abril/2014, com pacientes consecutivos, acima de 12 anos de idade, primeiramente avaliados por coloproctologista e encaminhados ao gastroenterologista para tratamento clínico. Todos foram submetidos à mesma rotina de consulta médica e tratamento clínico. Foi utilizado o Índice da Escala de Graduação da Continência de Wexner, para medida objetiva da resposta ao tratamento e autoavaliação, ambas na primeira consulta e na última. Resultados: De novembro/2011 até abril/2014 foram atendidos, para tratamento clínico, quarenta e dois pacientes, com idade média de 59,0 anos e 39 (92,9%) do sexo feminino. Na última consulta 34 (80,9%) se consideraram melhores, seis (14,3%) não melhoraram (P<0,001). O Índice da Escala de Graduação da Continência de Wexner foi diferente na última consulta entre os dois grupos (P<0,001). Vinte e seis (61,9%) apresentavam incontinência urinária associada. Conclusão: O tratamento clínico inicial foi efetivo neste grupo de pacientes com IA. É a primeira descrição brasileira de tratamento clínico. Os autores sugerem a realização de mais experiências, para continuar avaliando estas medidas simples de tratamento, aprovadas internacionalmente. UNITERMOS: Tratamento Clínico, Incontinência Anal. ABSTRACT Introduction: Fecal incontinence (FI) is the involuntary loss of stool. Patients isolate themselves and there is no formal interest in serving them. The first choice is clinical treatment and most patients with FI improve with these simple steps. The aim of this study is to describe the Brazilian experience in a public welfare service for clinical treatment of FI. Methods: This is a longitudinal retrospective study conducted at the outpatient unit of HMIPV/Porto Alegre from Nov 2011 to Apr 2014 of consecutive patients above 12 years of age, first evaluated by a coloproctologist and then referred to a gastroenterologist for clinical treatment. All of the patients underwent the same routine medical consultation and clinical treatment. The Wexner Fecal Incontinence Score was used to objectively measure response to treatment and self-assessment, at both the first and the last visit. Results: In the studied period 42 patients – mean age of 59.0 years and 39 (92.9%) females – were clinically treated for FI. At the last visit 34 (80.9%) reported to have improved and 6 (14.3%) showed no improvement (P<0.001). Wexner Fecal Incontinence Scores were different at the last visit across the two groups (P<0.001). Twenty-six (61.9%) patients had associated urinary incontinence. Conclusion: The initial clinical treatment was effective in this group of patients with FI. This is the first Brazilian description of clinical treatment. Further studies should be conducted to evaluate these simple, internationally approved treatment measures. KEYWORDS: Fecal Incontinence, Encopresis, Clinical Treatment. 1 2 3 Pesquisador Responsável, Mestre e Doutor em Gastroenterologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Mestrado em Cirurgia na UFRGS. Proctologista do Hospital Materno-Infantil Presidente Vargas (HMIPV). Proctologista do HMIPV. 220 Revista da AMRIGS, Porto Alegre, 58 (3): 220-224, jul.-set. 2014 INCONTINÊNCIA ANAL: TRATAMENTO CLÍNICO EM SERVIÇO DE SAÚDE PÚBLICA DE PORTO ALEGRE, BRASIL Zaslavsky et al. INTRODUÇÃO MÉTODOS A incontinência anal (IA) é conceituada como a perda involuntária de fezes ou gases, em local inadequado e em qualquer faixa etária, após a obtenção do controle esfincteriano (1). Os dados internacionais de prevalência da incontinência anal mostram índices que vão de 1,9% até 21,3% da população, aumentando com o aumento da idade (2). Em Porto Alegre (Brasil), foi evidenciada uma prevalência de IA de 3,9% na população atendida em Serviço de Saúde (3). A incontinência anal é uma situação não letal, causadora de constrangimento e isolamento social, mais frequente do que os médicos e a população leiga pensam (4). A maioria dos portadores não procura atenção profissional e esconde o problema de suas famílias e de seus médicos (5). É denominada de “aflição silenciosa” (6). A incontinência anal é descrita como uma situação em que os pacientes que buscam o tratamento melhoram bastante (7) e para os quais, independentemente da etiologia, deve ser oferecido tratamento (8). A escolha inicial é o tratamento clínico: orientação sobre a incontinência, exercícios para reforço do assoalho pélvico, dietas, drogas e apoio psicológico, denominadas na literatura como condutas conservadoras (8,9,10). A maioria dos pacientes com incontinência anal melhora com estas medidas clínicas, associadas com a boa relação com o terapeuta (11,12,13). No Brasil, os autores não encontraram descrição de tratamento clínico aos pacientes com incontinência anal. O objetivo do presente estudo é valorizar a importância do atendimento dos pacientes com incontinência anal como uma situação pessoal, de saúde pública e descrever a resposta ao seu tratamento clínico inicial. Incontinência anal foi definida, conforme o conceito da International Continence Society (1), como qualquer perda involuntária de fezes sólidas, líquidas ou gases nas últimas quatro semanas. Este é um estudo longitudinal, retrospectivo. Foi desenvolvido no Ambulatório do HMIPV/Porto Alegre, no período de novembro de 2011 a abril/2014. Os pacientes foram consecutivos, acima de 12 anos de idade, primeiramente avaliados pelas coloproctologistas (AC; MTJ) e encaminhados ao gastroenterologista (CZ) para tratamento clínico. Os pacientes estudados não portavam neoplasia nem cirurgia prévia anorretal ou de cólon, evidência clínica de lesão anatômica anal ou de doença de sistema nervoso central. Quatro pacientes realizaram estudo fisiológico anorretal. Este estudo e os de imagem estão indicados para pacientes que não respondem ao tratamento clínico inicial, conforme orientações do Colégio Americano de Gastroenterologia de 2014 (22) Todos foram submetidos à mesma rotina de consulta médica: diário de evacuações (14,15,16) (Figura 1) levado para o domicílio; realização de exercícios (Figura 2) orientados na consulta e realizados em casa (11,12,13). Os pacientes com fezes líquidas eram estimulados a ingerir mais fibras (7,10,12), conforme tolerância, sem quantidades rígidas. Quanto às medicações, foram prescritos loperamide, na presença de urgência, ou derivado do psyllium, para aumentar a consistência do bolo fecal (17). A coleta de dados foi realizada através de revisão de prontuários dos pacientes com incontinência anal. Para a medida da intensidade dos sintomas, utilizou-se o Índice da Escala de Graduação da Continência de Wexner (18) (Figura 3). Esta medida objetiva, Figura 1 – Diário de evacuações utilizado no atendimento aos pacientes com incontinência anal. HOSPITAL MATERNO-INFANTIL PRESIDENTE VARGAS /PORTO ALEGRE CLÍNICA DA CONTINÊNCIA E DO ASSOALHO PÉLVICO NOME: DATA: DIÁRIO DE EVACUAÇÕES Dia Hora Fezes normais, duras, diarreia Fezes: Vaso ou outro local Revista da AMRIGS, Porto Alegre, 58 (3): 220-224, jul.-set. 2014 Urgência ou Urina: vaso escape ou outro local MEDICAÇÃO COMENTÁRIOS (anotar bastante) 221 INCONTINÊNCIA ANAL: TRATAMENTO CLÍNICO EM SERVIÇO DE SAÚDE PÚBLICA DE PORTO ALEGRE, BRASIL Zaslavsky et al. Figura 2 – Orientação para exercícios pélvicos de realização domiciliar aos pacientes com incontinência anal. HOSPITAL MATERNO-INFANTIL PRESIDENTE VARGAS /PORTO ALEGRE CLÍNICA DA CONTINÊNCIA E DO ASSOALHO PÉLVICO NOME: DATA: Reto Ânus Músc. externo Músc. interno Músc. interno Ânus Músc. externo Vista inferior OS EXERCÍCIOS 1. CONTRAÇÃO: aperte a sua musculatura o mais forte que você conseguir. Segure por 5 segundos, então relaxe por 10 segundos (10x). Repita 5x/dia. 2. PERSISTÊNCIA: segure o máximo que você conseguir (10x). Repita o exercício 5x/dia. 3. CONTRAÇÃO RÁPIDA: contraia o músculo o mais rápido e forte possível e a seguir relaxe (10x). Repita 5x/dia. Figura 3 – Escala de graduação da continência de Wexner (18). Tipo de incontinência Frequência Nunca Raramente Algumas vezes Regularmente Sempre Sólida 0 1 2 3 4 Líquida 0 1 2 3 4 Gasosa 0 1 2 3 4 Fraldas 0 1 2 3 4 Alterações na vida 0 1 2 3 4 0 → Perfeito 20 → Incontinência completa Nunca → 0 (nunca) Raramente → < 1/mês Algumas vezes → < 1/semana, >= 1/mês realizada na primeira consulta e na última, vai de zero, que significa saúde perfeita, até 20, evidenciando incontinência completa. A primeira reconsulta era agendada para 15 dias e as posteriores de 30/30 dias. Nas reconsultas, os pacientes realizavam uma autoavaliação simples: “Você está melhor ou não melhorou?”. Foram analisadas as seguintes variáveis: idade, sexo, associação com incontinência urinária, Índice de Continência na primeira consulta e na última e a autoavaliação na última consulta. Os pacientes foram divididos em dois grupos, conforme a autoavaliação: os que se denominaram melhores e os que não melhoraram. Todos os pacientes deram o Consentimento Informado para participar da pesquisa. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética do HMIPV, com o seguinte número CAAE/CONEP 01321212.8.0000.5329. Análise estatística Os dados foram digitados no programa Excel e, posteriormente, exportados para o programa SPSS v. 18.0 para análise estatística. Foram descritas as variáveis categóricas 222 Regularmente → <1/dia, >= 1/semana Sempre → >= 1/dia por frequências absolutas e frequências relativas percentuais e comparadas pelo teste de Qui-quadrado ou teste Exato de Fisher. Para comparar a proporção de sujeitos que melhoraram e não melhoraram, utilizou-se o teste Binomial. As variáveis quantitativas foram descritas pela média e o desvio-padrão, quando simétricas e comparadas pelo teste t de Student para amostras independentes. As variáveis quantitativas com distribuição assimétrica foram descritas pela mediana, e o intervalo interquartil e comparadas pelo teste de Mann-Whitney. RESULTADOS No período de novembro/2011 até abril/2014 foram atendidos, para tratamento clínico, quarenta e dois pacientes, sendo 39 (92,9%) do sexo feminino, com idade média de 59,0 e desvio-padrão de 21,2 anos. Vinte e seis (61,9% (IC95% 45,6%-76,4%)) apresentavam incontinência urinária associada. Houve melhora pela autoavaliação na última consulta em 34 (80,9% (IC95% 65,9%-28,5%)) pacientes e 6 (14,3%) referiram não terem melhorado (P<0,001). Dois Revista da AMRIGS, Porto Alegre, 58 (3): 220-224, jul.-set. 2014 INCONTINÊNCIA ANAL: TRATAMENTO CLÍNICO EM SERVIÇO DE SAÚDE PÚBLICA DE PORTO ALEGRE, BRASIL Zaslavsky et al. pacientes (4,8% (IC 0,6%-16,2%)) compareceram somente na primeira consulta, considerados como abandono de tratamento. Na comparação do Índice da Escala de Graduação da Continência de Wexner (31), entre o grupo que se descreveu como melhor e o que não melhorou, na primeira consulta foram estatisticamente iguais (no grupo que melhorou, a mediana foi de 12 e naquele que não melhorou, 15 pontos, P=0,065). Os Índices, após o tratamento, na última consulta, foram diferentes estatisticamente entre os dois grupos, medianas 2 e 14, respectivamente (P<0,001). DISCUSSÃO Um problema de saúde pública é o que causa impacto no indivíduo, por incapacidade, sofrimento e desconforto, e na sociedade por mortalidade, morbidade e custos. A atividade de saúde pública tem como tarefa reduzir na população este impacto (19). A prevalência da incontinência anal, brasileira e internacional, mesmo subrelatada, é de 1,9% até 21,3% (2-3), podendo chegar até 50% em idosos, sendo uma das principais causas de internação em clínicas geriátricas e de qualidade de vida comprometida (6-16). Quanto ao custo anual por paciente, direto ou indireto, além da incontinência anal estar associada ao absenteísmo laboral, nos Estados Unidos foi estimada uma média de 4111 dólares e no Canadá de 9777 dólares (20). O presente estudo de 42 pacientes, com incontinência anal, atendidos de forma interdisciplinar, foi conduzido retrospectivamente. A idade média dos pacientes foi de 59,0±21,2 anos, sendo 39 (92,8%) do sexo feminino. No Brasil, quanto à idade, a presença de incontinência anal está associada significativamente nas pessoas acima de 40 anos (3). Na literatura internacional, a média de idade acima de 40 anos é considerada fator de risco para a IA (2-5). Quanto à associação entre o sexo e a presença de incontinência anal evidenciada no estudo epidemiológico prévio (3), no presente estudo não foi possível teste estatístico para estudá-la pela predominância de mulheres (92,8%). Quanto ao tratamento clínico inicial dos pacientes com incontinência anal, o grupo médico deste estudo seguiu a orientação dos autores que, independentemente da etiologia, com medidas simples, a maioria melhorará sua qualidade de vida (11,12,14,15,21). Mesmo os pacientes com alteração anatômica esfincteriana podem se beneficiar do tratamento clínico inicial (13). O Colégio Americano de Gastroenterologia (22), em 2014, recomendou o tratamento clínico como tratamento inicial da incontinência anal. O presente estudo utilizou as medidas clínicas desta abordagem. O diário de evacuações na primeira consulta é considerado parte inicial importante para o vínculo do paciente ao tratamento (14,15,16). A realização de exercícios, para incremento da contração esfincteriana voluntária, independentemente da técnica utilizada, pode diminuir de 74% até 86% os episódios de incontinência anal (11,12,13). Os pacientes com incontinência de fezes líquidas são esRevista da AMRIGS, Porto Alegre, 58 (3): 220-224, jul.-set. 2014 timulados a ingerir mais fibras (14), derivado do psyllium e/ou loperamide, na presença de urgência para evacuar (17). Com este tratamento clínico, trinta e quatro pacientes (80,9%) se consideraram melhores na autoavaliação da última consulta. Seis pacientes (14,3%) não melhoraram, e dois (4,8%) compareceram somente na primeira consulta, considerados como abandono de tratamento. A proporção de melhora clínica do grupo de pacientes (80,9%) com incontinência anal é semelhante à de outros autores que também utilizaram o tratamento clínico ou conservador inicial, respectivamente 79% (12), 74% (13) e 78% (23). Oito pacientes (19,1%) não melhoraram ou somente compareceram na primeira consulta. Na única publicação encontrada sobre a medida de adesão ao tratamento clínico, 33% dos pacientes com incontinência anal não melhoraram e abandonaram o tratamento (24). Quanto ao Índice de Continência (18), a sua mediana na primeira consulta dos pacientes que melhoraram foi de 12 pontos e, no final do tratamento, foi de 2 pontos (P<0,001). O Índice de Continência dos pacientes que não melhoraram, na primeira consulta, foi de 15 e na última consulta, de 14 (p= NS). Esta medida objetiva da evolução clínica, dos pacientes do presente estudo, evidencia a melhora da incontinência anal descrita na autoavaliação. O Índice de Continência de Wexner e Jorge (18) é o sistema de escore mais utilizado na pesquisa e assistência de pacientes com incontinência anal, conforme estudo internacional publicado em agosto de 2014 (25). A manifestação livre é uma abordagem que permite a paciente se envolver com a ação do tratamento (26), técnica de consulta utilizada neste estudo. Vinte e seis (61,9%) pacientes estudados apresentavam também incontinência urinária. Este dado é semelhante ao encontrado na literatura internacional (2) e brasileira (3). Esses dados devem alertar os profissionais de saúde para identificar a presença de incontinência anal, na presença de incontinência urinária (27). A preocupação com a incontinência anal no Brasil foi publicada pela primeira vez em 1983, por um professor de cirurgia da Alemanha, durante passagem no Brasil (28), mas muito pouco evoluiu. Ao conhecimento dos autores, não há descrição brasileira quanto ao tratamento e à evolução clínica dos pacientes com incontinência anal. A necessidade de continência, certamente, é um direito pessoal (29). Deve ser revertida a regra na atenção à incontinência anal: “Se você não perguntar, eles não dizem (6)”. Já existe suficiente informação disponível para uma proposta de tratamento clínico inicial, com medidas simples, que melhorará a qualidade de vida da maioria destas pessoas (11,12). Uma boa relação médico-paciente, no atendimento da incontinência anal, é sugerida como mais importante do que o tratamento propriamente dito (13). Para o paciente com incontinência, deve ficar claro que ele não está sozinho, que o problema é tratável e que não é parte da “idade” (5). O profissional entusiasmado motivará seu paciente com incontinência anal (30). Em síntese, o tratamento clínico, de baixo custo e com bons resultados, é a primeira conduta nos pacientes com incontinência anal; 223 INCONTINÊNCIA ANAL: TRATAMENTO CLÍNICO EM SERVIÇO DE SAÚDE PÚBLICA DE PORTO ALEGRE, BRASIL Zaslavsky et al. as cirurgias mostram resultados inconsistentes; a neuromodulação sacral ainda é uma indefinição, e a injeção de substância biológica no esfíncter anal interno poderá ser uma alternativa na perda fecal passiva, quando o tratamento clínico for ineficaz (15-21). CONCLUSÃO Os dados do presente estudo, da melhora dos pacientes, demonstram que a incontinência anal apresenta uma boa resposta às medidas simples do tratamento clínico inicial. Pela prevalência na população, pode ser considerado um problema de saúde pública. O presente estudo é o primeiro descrito no Brasil para o tratamento clínico da incontinência anal. Os autores sugerem, pela simplicidade do tratamento e pela importância pessoal e social do problema, a multiplicação desta experiência em outros locais para continuar avaliando esta conduta já consagrada internacionalmente. REFERÊNCIAS 1. Abrams P, Andersson L, Birder L. Fourth International Consultation on Incontinence - Recommendations of the International Scientific Committee: evaluation and treatment of urinary incontinence, pelvic organ prolapsed and fecal incontinence. Neurourol Urodyn. 2010;29 (1):213-240. 2. Pares D, Vial M, Bohle B, Maestre Y, Pera M, Roura M. Prevalence of fecal incontinence and analysis of its impact on quality of life and mental health. Colorectal Dis. 2011;13 (8):899-905. 3. Zaslavsky C, Jurach MT, Barros CP. Epidemiologia da incontinência anal em população assistida em serviços de saúde de Porto Alegre/ RS, Brasil. Rev AMRIGS 2012;56 (4):289-294. 4. Wald A. New treatments for fecal incontinence: update for the gastroenterologist. 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Independência 128/42 90.035-070 – Porto Alegre, RS – Brasil (51) 9783-6818 [email protected] Recebido: 2/9/2014 – Aprovado: 31/10/2014 Revista da AMRIGS, Porto Alegre, 58 (3): 220-224, jul.-set. 2014 RELATO DE CASO Hemangioma cavernoso mediastinal Mediastinal cavernous hemangiomas Patrícia Mafra Lazzari1, Andressa Giordani Marcolan1, Simone Marcia dos Santos2, Airton Schneider3 RESUMO Hemangiomas mediastinais são raras lesões intratorácicas, correspondendo a aproximadamente 0,5% de todos os tumores mediastinais. Geralmente, apresentam-se nas primeiras quatro décadas de vida. O tumor descrito neste relato de caso foi diagnosticado em uma mulher de 30 anos assintomática, de forma incidental em um RX de tórax. É um tumor extremamente raro, que se enquadra no diagnóstico diferencial de tumores primários do mediastino, cujo tratamento é cirúrgico. Discutem-se a abordagem diagnóstica e a estratégia terapêutica. UNITERMOS: Hemangioma Cavernoso, Mediastino, Tumor. ABSTRACT Mediastinal hemangiomas are rare intrathoracic lesions, representing approximately 0.5% of all mediastinal tumors. Generally, they present in the first four decades of life. The tumor described in this case report was diagnosed in an asymptomatic 30-year-old woman, incidentally on a chest x-ray. It is an extremely rare tumor, which falls in the differential diagnosis of primary mediastinal tumors, whose treatment is surgical. Diagnostic approach and therapeutic strategy are discussed. KEYWORDS: Cavernous Haemangioma, Mediastinum, Tumor. INTRODUÇÃO RELATO DO CASO Tumores vasculares benignos são raramente encontrados no mediastino (2,3,5,10), sendo que o tipo mais comum desses tumores é o hemangioma mediastinal, que corresponde a aproximadamente 0,5% de todos os tumores mediastinais (2,3,6,8,9,10). O compartimento anterior do mediastino é mais acometido (2). O hemangioma mediastinal geralmente é diagnosticado nas primeiras quatro décadas de vida, com o pico de incidência na primeira década (2). O hemangioma cavernoso costuma ser diagnosticado em pessoas acima de 35 anos de idade (10), tendo sua incidência igual nos homens e nas mulheres (2). Discutem-se formas de diagnóstico e tratamento, assim como critérios de diagnóstico diferencial. JMF, feminina, 30 anos, assintomática, encaminhada ao ambulatório de cirurgia torácica por alteração em raio X de tórax solicitado para fins burocráticos. O raio X de tórax apontou tumor em mediastino anterior. Ao exame físico, não havia nada digno de nota. Negava outras patologias e não usava nenhuma medicação. Solicitada, a Tomografia Computadorizada (TC) de tórax apresentou lesão expansiva mediastinal na região para-aórtica, com densidade de partes moles e pequena calcificação, medindo aproximadamente 9,2 x 4,2 cm nos maiores eixos. Suspeitou-se de lesão neoplásica de natureza germinativa, mas os marcadores eram normais. Linfoma foi praticamente afastado devido à ausência de sintomas. Baseado nos achados clínicos e de 1 2 3 Acadêmica do curso de Medicina na Universidade Luterana do Brasil (ULBRA). Médica Patologista do Hospital Universitário. Doutor. Chefe do Serviço de Cirurgia Torácica da ULBRA. Revista da AMRIGS, Porto Alegre, 58 (3): 225-227, jul.-set. 2014 225 HEMANGIOMA CAVERNOSO MEDIASTINAL Lazzari et al. Figura 1 – TC de tórax com lesão expansiva mediastinal, em região para-aórtica esquerda. Figura 2 – Aspecto macroscópico da lesão ressecada cirurgicamente. imagem, foi proposta uma biópsia excisional. A paciente foi submetida à toracotomia anterior com acesso pelo quinto espaço intercostal esquerdo, onde se identificou tumor de mediastino anterior, gerando invasão de pericárdio e nervo frênico. Realizou-se ressecção em bloco, que incluiu o tumor, parte do pulmão, pericárdio e nervo frênico e foi associada com fundoplicatura de diafragma. A paciente evoluiu bem, tendo o RX de tórax pós-operatório demonstrado ocupação da cavidade pelo pulmão e pequena elevação da hemicúpula esquerda do diafragma. A paciente teve alta no 4 DPO com medicação analgésica. O anatomopatológico identificou um tumor de aspecto irregular de tecido pardo-acinzentado e elástico, parcialmente recoberto por tecido adiposo, pesando 91,7g, volume total de 214,5 cm³, que, ao corte, apresentava áreas cavernosas preenchidas por conteúdo hemático. A hematoxilina-eosina revelou tumor de origem vascular benigno. À imuno-histoquímica, os anticorpos CD34, CD31 e Fli-1 apresentaram-se positivos, apontando malformação vascular do tipo arteriovenosa. Baseado nos achados, o tumor foi diagnosticado como hemangioma cavernoso com fístula arteriovenosa. associada (4). Normalmente, o quadro clínico descreve um paciente de até 40 anos assintomático, que fez um RX sem relação com o tumor. Duas teorias têm sido postuladas para a etiologia dos hemangiomas. A teoria mais amplamente suportada afirma que eles são de origem congênita, de fato, o predomínio de casos está documentado no início da vida. A outra teoria propõe que hemangiomas são de origem traumática. Trauma pode precipitar a expansão de uma condição pré-existente ou produzir pequenas áreas de tecido de granulação, que se amplia com tal perturbação continuada (7). Quando presentes, os sintomas são geralmente causados pela compressão ou invasão das estruturas adjacentes mediastinais (4,8), sendo que os mais comuns são dispneia, tosse e dor torácica (3,4,9). Menos de 40% dos pacientes têm sintomas no momento do diagnóstico (10). Nas lesões sintomáticas e com comprometimento de estruturas vitais, a ressecção cirúrgica ainda é o tratamento de eleição e, na maioria dos casos, curativo (2,3,5,8,10). O cuidado recomendado é a preparação, pela equipe, para uma cirurgia delicada, a qual pode incluir estruturas mediastinais e pulmonares, além de sangramento importante. O prognóstico é muito bom, visto a natureza benigna desta neoplasia (10). O diagnóstico pré-operatório de hemangioma de mediastino é difícil com exames de imagem; no entanto, a possibilidade de hemangioma deve sempre ser considerada em paciente com tumores do mediastino, assintomáticos, de até 40 anos. DISCUSSÃO Hemangiomas mediastinais são raras lesões intratorácicas. Devido ao seu aspecto sólido, tamanho grande, e frequente crescimento infiltrativo, esses tumores são facilmente confundidos radiologicamente por neoplasias malignas (1). Na Tomografia Computadorizada, o hemangioma apresenta-se com margens nitidamente definidas e atenuação heterogênea; calcificação puntacta é observada em 21% destes pacientes (3). Biópsia por mediastinoscopia ou punção deve ser evitada por risco de hemorragia 226 COMENTÁRIOS FINAIS Hemangioma mediastinal de mediastino é um tumor vascular benigno extremamente raro. Entretanto, a possibiRevista da AMRIGS, Porto Alegre, 58 (3): 225-227, jul.-set. 2014 HEMANGIOMA CAVERNOSO MEDIASTINAL Lazzari et al. lidade de hemangioma deve ser considerada em pacientes de até 40 anos com tumores do mediastino assintomáticos. O diagnóstico pré-operatório por exames de imagem é difícil, sendo que, sempre que possível, a excisão cirúrgica é o tratamento de escolha, tanto para o diagnóstico quanto para o tratamento. REFERÊNCIAS 1. Kuo PH, Chang YC, Liou JH, Lee JM. Mediastinal cavernous haemangioma in a patient with Klippel-Trenaunay syndrome, Thorax 2003; 58:183-4. 2. Bagheri R, Rezaeetalab F, Kalantari M, Mashhadi MTR. Mediastinal Hemangioma: A Case Report. Tanaffos 2007; 6 (4); 53-7. 3. Rai SP, Bharadwaj R, Ganguly D, Panda BN. Mediastinal cavernous haemangioma, Indian J Chest Dis Allied Sci 2004; 46: 217-219. 4. Atasoy C, Akyar S, Arac M. Multiple calcifications in benign mediastinal hemangioma, JBR-BRT. 2003;86:134-5. 5. Ampollini L, Carbognani P, Cattelani L, Bilancia R, Rusca M. Cavernous Hemangioma of the Posterior Mediastinum, Ann Thorac Surg. 2010 Dec;90(6):e96. Revista da AMRIGS, Porto Alegre, 58 (3): 225-227, jul.-set. 2014 6. Hirai V, Takeuchi S, Bessho R, Ohaki Y, Koizumi K, Shimizu K. Venous Hemangioma of the Anterior Mediastinum, J Nippon Med Sch 2010;77:115-8. 7. Hashimoto H, Oshika Y, Obara K, Takeshima S, Sato K, Tanaka Y. Intercostal venous hemangioma presenting as a chest wall tumor, Gen Thorac Cardiovasc Surg. 2009 Apr;57(4):228-30. 8. Chan APH, Wong RHL, Wan RHL, Hsin MKY, Underwood MJ , Yim APC. Video-Assisted Thoracic Surgery Excision of Mediastinal Hemangioma. Asian Cardiovasc Thorac Ann 2009;17:522–4. 9. Nchimi A, Ghaye B, Szapiro D, Dondelinger RF. A complex anterior mediastinal mass: demonstration of pericardial haemangioma by dynamic MRI, Eur Radial 2004; 14: 160-3. 10. Zepeda CA, Riveros P, Lora P, Barrera R, Gatica F, Castillo J. Hemangioma cavernoso trombosado de mediastinoanterior. A propósito de un caso, Cir Cirurj 2004; 72:323-6. Endereço para correspondência Airton Schneider Rua Cel. Bordini, 896/401 90.440-003 – Porto Alegre, RS – Brasil (51) 3346-8590 [email protected] Recebido: 19/5/2013 – Aprovado: 5/11/2013 227 RELATO DE CASO Pênfigo crônico familiar benigno Familial benign chronic pemphigus Ana Letícia Boff1, Marcel do Valle Moreira2, Jaqueline Maslonek2, Letícia Camilo2, Mariah Lopes Arnhold2, Edinéia Kléber2, Gabrielle Tamanini Adames2 RESUMO O objetivo deste trabalho é relatar o caso de mulher, 44 anos, branca (fototipo 3), apresentando placas eritemato-violáceas com vesículas rompidas, maceração e odor intenso e desagradável em ambas as axilas e região inguinal, com início há dez anos. Foi diagnosticado Pênfigo Crônico Familiar Benigno ou doença de Hailey-Hailey, uma genodermatose autossômica dominante rara desencadeada por mutação no cromossomo 3q21-24. UNITERMOS: Pênfigo Familiar Benigno, Pênfigo, Vesícula. ABSTRACT The aim of this study is to report the case of a 44-year-old white (skin type 3) woman presenting with erythematous-violaceous plaques with ruptured vesicles, maceration, and intense and unpleasant odor in both armpits and groin, starting ten years ago. Benign familial chronic pemphigus, or Hailey-Hailey disease, a rare autosomal dominant genodermatosis triggered by a mutation on chromosome 3q21-24, was diagnosed. KEYWORDS: Pemphigus, Familial Benign, Pemphigus, Blister. INTRODUÇÃO O Pênfigo Crônico Familiar Benigno (doravante PCFB), também conhecido por doença de Hailey-Hailey, deve esse nome aos irmãos estadunidenses Howard e Hugh Hailey que, em 1939, trabalhando no Departamento de Dermatologia na Escola de Medicina da Universidade de Emory, em Atlanta, Geórgia, descreveram uma dermatose crônica (1). O PCFB é uma genodermatose autossômica dominante rara, desencadeada por mutação no cromossomo 3q21-24, o qual codifica um tipo de enzima ATPase transportadora de cálcio (2). O PCFB manifesta-se por fragilidade na adesão epitelial, comprometendo a epiderme e, mais raramente, as mucosas (2). A doença está caracterizada por lesões predominantes em áreas intertriginosas, especialmente nas regiões axilares e inguinal (1). Mas a idade de início dessa patologia e sua expressividade variam enormemente (1). Mutações no gene ATP2C1, que codifica a Ca+2 ATPase no complexo de Golgi, conduzem à sinalização anormal 1 2 de Ca+2 intracelular, resultando principalmente em perda da adesão celular (ou acantólise) no estrato espinhoso (1). Assim, neste estudo, nosso objetivo é relatar o caso clínico de uma paciente branca com fototipo 3, a qual apresentava placas eritemato-violáceas com vesículas rompidas, maceração e odor intenso e desagradável em ambas as axilas e região inguinal. Após o diagnóstico de PCFB, foi realizado tratamento tópico, obtendo-se melhora clínica do quadro, como descrevemos a seguir. RELATO DO CASO Neste estudo, uma paciente do sexo feminino, 44 anos, branca com fototipo 3, procedente de Porto Alegre/RS, apresentando placas eritemato-violáceas com vesículas rompidas, maceração e odor intenso e desagradável em ambas as axilas e região inguinal iniciados há 10 anos, foi atendida em ambulatório de dermatologia da mesma cidade. A paciente negava tratamento prévio, assim como não Dermatopatologista. Mestre em Anatomia Patológica e Citopatologia pela Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA). Médico. 228 Revista da AMRIGS, Porto Alegre, 58 (3): 228-231, jul.-set. 2014 PÊNFIGO CRÔNICO FAMILIAR BENIGNO: UM RELATO DE CASO Boff et al. Figura 1 – Placas eritemato-violáceas com vesículas rompidas nas axilas da paciente. Figura 2 – Placas eritemato-violáceas com vesículas rompidas em axila da paciente. apresentava evidência de lesões em outros locais nem lesões ungueais, como observado nas Figuras 1 e 2. O diagnóstico de PCFB foi feito em bases clínicas, pela história familiar, características morfológicas e topográficas e por exames complementares, como o histopatológico, conforme preconizado pela literatura (3). Neste caso, após a realização de biópsia, observou-se ao exame histopatológico extensa acantólise por toda epiderme, com queratinócitos disceratósicos e infiltrado linfocitário em derme superficial, constituído por linfócitos e raros eosinófilos. Esses achados confirmaram o diagnóstico de PCFB. O tratamento, combinando corticosteroide e antibiótico, e discutido mais detalhadamente no próximo item, foi realizado topicamente com seis ciclos de dipropionato de betametasona associado a sulfato de gentamicina (@Diprogenta) por sete dias, com pausa de três semanas entre cada ciclo, e suscitou em melhora clínica na paciente com esse quadro de PCFB. mentados de cálcio no citoplasma, que alteram a expressão gênica, podendo ativar proteinoquinases que fosforilam a desmoplaquina, contribuindo também para a ruptura dos desmossomos (3). Além disso, nos queratinócitos e na epiderme evidenciam-se níveis de ATP celular reduzido, acarretando a reorganização da actina danificada, e podendo resultar na formação anormal das junções de aderências, requeridas para uma adesão intercelular normal (1). Sob microscopia eletrônica, haveria uma alteração do complexo desmossoma-tonofilamento, que se separam, se contraem, e se concentram em torno do núcleo, enquanto que os desmossomas degeneram (4). O defeito epidérmico leva à acantólise, espontaneamente ou como resultado de atrito ou infecções (3). A diagnose diferencial de PCFB deve ser feita com pênfigo vulgar, doença de Darier, intertrigo simples e dermatofitoses (3). Lesões limitadas às axilas ou à região inguinal podem, muitas vezes, ser diagnosticadas erroneamente como dermatite irritativa, sendo usualmente o exame histopatológico cutâneo a chave para o diagnóstico (1). Frequentemente, as lesões de PCFB apresentam-se infectadas por bactérias – como estafilococos –, leveduras – como Candida albicans – e vírus – particularmente o herpes simplex – (3), desempenhando papel importante na exacerbação da doença e na sua persistência (1). Lesões vegetantes e malcheirosas, como foi o caso, sugerem crescimento expressivo bacteriano e/ou fúngico (1). Imunofluorescência direta ou culturas virais de queratinócitos infectados podem confirmar este diagnóstico; ocasionalmente, uma biópsia de pele é requerida (1), como o fizemos aqui. Na histopatologia, a epiderme mostra bolha intraepidérmica acantolítica suprabasal e acentuada disqueratose dos queratinócitos com grãos e corpos redondos, o que pode levantar a possibilidade de tratar-se da forma bolhosa de PCFB, também relacionada a alterações do cálcio (3). São vistas áreas maiores de desconexão com grupos ou células isoladas acantolíticas, que já foram comparadas a uma DISCUSSÃO O modo de herança da doença de Hailey-Hailey ou PCFB, patologia sem nenhum dado relativo à sua prevalência exata (1), é autossômico dominante com penetrância completa, estando a idade de início e a expressividade variando enormemente entre os membros afetados de uma mesma família (1). De qualquer modo, o defeito genético no PCFB corresponde à mutação no gene ATP2C1 localizado no cromossomo 3q21q24, o qual codifica a enzima calcioATPase associada ao aparelho de Golgi, resultando em concentrações de cálcio inferiores ao normal nessa organela (3). Níveis normais de cálcio no aparelho de Golgi são fundamentais para o processamento de proteínas, entre elas as E-caderinas, essenciais para a adesão entre os queratinócitos (3). No PCFB, adicionalmente, produzem-se teores auRevista da AMRIGS, Porto Alegre, 58 (3): 228-231, jul.-set. 2014 229 PÊNFIGO CRÔNICO FAMILIAR BENIGNO: UM RELATO DE CASO Boff et al. “parede de tijolos desmoronada” (1). As papilas dérmicas, enfileiradas com uma única camada de células basais, são projetadas para dentro da cavidade das bolhas e são chamadas de “vilos” (1). Os queratinócitos necróticos são incomuns. Em lesões mais crônicas de PCFB, são observadas a hiperplasia epidérmica, paraqueratose e crostas focais (1). Um infiltrado linfocítico perivascular e moderado é visto na derme superficial (1). A imunofluorescência direta é negativa. Ultraestruturalmente, o distúrbio da adesão celular é refletido na dissolução do complexo desmossoma-tonofilamento, com formação de agregados perinucleares de tonofilamentos (1). As lesões de PCFB geralmente aparecem entre a segunda e terceira década de vida, evoluem por surtos, e não costumam deixar cicatrizes (2). Entretanto, o início do quadro pode ser retardado até a quarta ou quinta década (1). As regiões de predileção dessas lesões são as áreas intertriginosas, como as dobras axilares, a região inguinal, as laterais do pescoço e a região perineal (1). Essas lesões de PCFB – únicas, localizadas ou múltiplas (3) – manifestam-se por pápulas, vesículas e vesicobolhas com líquido límpido no início, mas que logo se torna turvo, as quais se rompem rapidamente (frágeis), deixando erosões e crostas acompanhadas ou não de prurido e sensação de queimação (2). São lesões confluentes que assumem contornos serpiginosos (2) e tendem à progressão periférica, produzindo uma borda circinada com crostas e vesículas pequenas (1). O desenvolvimento de vegetações crônicas, úmidas e malcheirosas, além de fissuras dolorosas, é comum (1). Erosões intertriginosas, dolorosas, crostosas e com odor fétido podem interferir nas atividades físicas e profissionais (1). A resolução acontece sem a formação de cicatriz, deixando uma hiperpigmentação pós-inflamatória (1). Em adição, faixas brancas, longitudinais e assintomáticas nas unhas (leuconíquia longitudinal) podem servir como indícios sutis do diagnóstico da doença de Hailey-Hailey em pacientes com a doença limitada ou atípica, sendo o envolvimento das mucosas oral, vaginal ou da conjuntiva raro (1). Considerando a adesão anormal entre as células dentro da epiderme, a fricção pode induzir à formação de novas lesões no PCFB (1). Calor e suor também podem exacerbar a patologia, com agravamento das lesões durante os meses de verão: a radiação UV não parece influenciar no curso da doença (1). Também a colonização microbiana e as infecções secundárias são fatores modificadores importantes: em particular, a infecção por estafilococos, a qual potencializa a acantólise e pode conduzir ao aparecimento grave e difuso de lesões bolhosas (1). Remissões completas e exacerbações são frequentes no PCFB, embora o curso clínico individual seja dificilmente prenunciado (1). Sua evolução é de melhora com a velhice (2); contudo, alguns pacientes referem não observar qualquer mudança ou agravamento do quadro com a idade – a expectativa de vida não é alterada (1). Há relatos de caso de transformação maligna com carcinoma de células escamo230 sas cutâneas que afetam pacientes com doença de Hailey-Hailey, mas esse é um evento raro (1). Em relação ao tratamento, no PCFB é sintomático, de acordo com a localização e características das lesões (3). Também são importantes medidas gerais, como o uso de roupas leves, a fim de evitar fricção e suor (1). A colonização e as infecções secundárias bacterianas, fúngicas e virais devem ser tratadas com antibióticos tópicos e/ou sistêmicos apropriados (1). Em casos mais intensos, é indicado especialmente o uso via oral da tetraciclina (1-2g/dia), seguida de dose de manutenção (500mg/dia) por período de tempo variável (2), podendo ser usados via oral também imidazólicos para eliminação de Cândida, tais como cetoconazol, fluconazol ou itraconazol (3). Relatos esporádicos mostraram o benefício terapêutico da ciclosporina tópica e do tacacitol, com também estudos controversos da possibilidade do tacrolimus tópico conduzir ou não a melhora dessa patologia (1). Pode também haver boa resposta ao tacrolimo tópico 0,03% usado duas vezes ao dia (2). Entretanto, o tratamento do PCFB com corticosteroides tópicos frequentemente combinados a antibióticos tópicos tratam de forma efetiva muitos pacientes, como o foi neste trabalho, e a sabonetes antissépticos (1). Assim, a aplicação isolada de corticosteroides promove a remissão na maioria dos casos de PCFB (5), podendo eventualmente ser usados sulfona (com bons resultados) (6), talidomida (2), além de terapia fotodinâmica (7) ou de aplicação de toxina botulínica tipo A (8). Retinoides orais não são claramente efetivos, e o uso de drogas imunossupressoras, como, por exemplo, a prednisona, a ciclosporina, e a metotrexate e a dapsona em indivíduos gravemente afetados, é limitado a relatos de casos (1). Além disso, a administração precoce de corticosteroides pode até mesmo melhorar lesões em desenvolvimento (1). Quando a doença de Hailey-Hailey for refratária a preparações tópicas, pode responder a corticosteroides intralesionais (1). Para minimizar os potenciais efeitos colaterais dos corticosteroides tópicos em zonas intertriginosas, como, por exemplo, atrofias, estrias e telangiectasias, a potência mais baixa efetiva deve ser usada (1). Esses corticosteroides tópicos podem ser aplicados intermitentemente e/ou podem ser substituídos por agentes poupadores de corticosteroides (1). No caso de tratamento cirúrgico, esse deveria ser considerado para o PCFB que é não responsivo às medidas gerais e à terapia tópica (1), o que não foi o caso aqui. Já houve relatos de excisão ampla e enxertos em que se obteve sucesso, mas essa abordagem mais agressiva foi substituída por técnicas cirúrgicas ablativas mais superficiais (1). O método mais bem documentado é a dermoabrasão, mas a vaporização da epiderme com laser escaneado de CO2 ou érbio (YAG) ou ainda a terapia fotodinâmica com ácido 5-amino-levulínico parecem ser igualmente efetivas (1). A repitelização (das estruturas anexas poupadas) acontece dentro de sete a 14 dias (1), mas, às vezes, lesões ativas continuam a ocorrer nos limites da área excisada (3). Revista da AMRIGS, Porto Alegre, 58 (3): 228-231, jul.-set. 2014 PÊNFIGO CRÔNICO FAMILIAR BENIGNO: UM RELATO DE CASO Boff et al. COMENTÁRIOS FINAIS O PCFB ou doença de Hailey-Hailey é uma genodermatose autossômica dominante desencadeada por mutação no cromossomo 3q21-24, o qual codifica um tipo de enzima ATPase transportadora de cálcio. Essa rara patologia manifesta-se por fragilidade na adesão epitelial, comprometendo a epiderme e, mais raramente, as mucosas. A doença de Hailey-Hailey, portanto, caracteriza-se por lesões que predominam em áreas intertriginosas, especialmente as axilas e a região inguinal, conforme observado no caso clínico analisado, variando enormemente a idade de seu início e sua expressividade. Considerando o presente estudo de caso, esse serve para ilustrar uma apresentação típica de PCFB em uma paciente branca com fototipo 3, tendo em vista o quadro clínico e a histopatologia. Apesar de não apresentar cura, os sintomas da doença de Hailey-Hailey podem ser controlados, como foi o caso, em que houve remissão total do quadro, tanto das lesões quanto do odor intenso fétido, após uso tópico de seis ciclos de betametasona associada à gentamicina por sete dias, com pausa de três semanas entre cada ciclo. Outra observação relevante é que devemos atentar para o fato de o médico lembrar-se dessa patologia no diagnóstico diferencial clínico e histopatológico de outras lesões. Apesar de ser uma doença rara, o PCFB trata-se de um diagnóstico importante em vista do forte impacto social causado por essa genodermatose. Revista da AMRIGS, Porto Alegre, 58 (3): 228-231, jul.-set. 2014 REFERÊNCIAS 1. Hohl D, Mauro T. Doença de Darier e Doença de Hailey-Hailey. In Bolognia JL, Jorizzo JL, Rapini RP (org). Dermatologia, 2ª ed. Rio de Janeiro: Campus-Elsevier; 2010, 791-800. 2. Azulay RD, Azulay DR. Genodermatoses e disembrioplasias cutâneas. In Azulay RD, Azulay DR, Azulay-Abulafia L (org). Dermatologia, 5ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2008, 621- 655. 3. Sampaio SAP, Rivitti EA. Doenças bolhosas hereditárias. In Sampaio SAP, Rivitti EA. Dermatologia, 3ª ed. São Paulo: Artes Médicas; 2008, 1063- 1074. 4. Fonseca APM, Fonseca WSM, Araújo RC. Bulose crônica benigna familial: a propósito de um caso. An Bras Dermatol. 1993; 68(1): 57-60. 5. Weber G. O efeito da terapêutica imuno-supressora em dermatoses graves. An Bras Dermatolog. 1973; 48: 173. 6. Rocha ALC, Santos MAL; Veiga RRG, Pereira Junior AC. Sulfona – Aspectos farmacológicos e sulfenocorresistência. An Bras Dermatol. 1989; 64(4): 235-238. 7. Issa MCA, Manela-Azulay M. Terapia fotodinâmica: revisão da literatura e documentação iconográfica. An Bras Dermatol. 2010; 85(4): 501-511. 8. Bessa GR, Grazziotin TC, Manzoni AP, Weber MB, Bonamigo RR. Tratamento da doença de Hailey-Hailey com toxina botulínica tipo A. An Bras Dermatol. 2010; 84(5): 717-722. Endereço para correspondência Gabrielle Tamanini Adames Rua Cel. Genuíno, 194/502 90.010-350 – Porto Alegre, RS – Brasil (51) 9784-3383 [email protected] Recebido: 10/6/2013 – Aprovado: 9/7/2013 231 RELATO DE CASO Abordagem combinada para fechamento de ferida abdominal crônica Combined approach for chronic abdominal wound Gustavo Steffen Alvarez1, Evandro José Siqueira2, Daniel Weiss Vilhordo3 RESUMO Feridas crônicas com grande área de extensão apresentam grandes dificuldades, tanto para os pacientes quanto para a equipe assistente. Devido à sua alta complexidade, o tratamento geralmente envolve diversos modos de abordagem, bem como um enfoque interdisciplinar. Os cuidados compreendem desde curativos simples e orientações gerais até o ato cirúrgico reconstrutivo final, visando atingir uma cobertura tegumentar adequada. É relatado o tratamento de um paciente de 52 anos, com ferida abdominal crônica e complexa de grandes dimensões, resultante de ressecção de adenocarcinoma de cólon, complicado por fístula entérica de alto débito e deiscência aponeurótica. A associação de múltiplas modalidades de tratamento no cuidado da ferida contribuiu para o controle do trajeto fistuloso, e acelerou o processo de cicatrização e cura da ferida abdominal. UNITERMOS: Reconstrução Abdominal, Curativo a Vácuo, Tiras Elásticas. ABSTRACT Large-sized chronic wounds present great difficulties, both for patients and for the medical team. Due to its high complexity, treatment usually involves various modes of approach, as well as an interdisciplinary focus. Care ranges from simple bandages and general guidelines to the final reconstructive surgery, aiming to achieve adequate soft tissue coverage. Here we report the treatment of a 52-year-old patient with a chronic and complex large abdominal wound, resulting from resection of adenocarcinoma of the colon complicated by high output enteric fistula and aponeurotic dehiscence. The combination of multiple treatment modalities in wound care contributed to the control of the fistula and accelerated the healing process and healing of the abdominal wound. KEYWORDS: Abdominal Reconstruction, Vacuum-Assisted Dressing, Elastic Rub. INTRODUÇÃO O cuidado de feridas faz parte da atividade diária do cirurgião plástico. Sabe-se que vários fatores influem na capacidade de cura dessas lesões, como idade, diabetes, obesidade, condições locais da ferida, além de fatores externos, dentre eles o tabagismo, a radioterapia e o uso de imunossupressores. Enquanto feridas não complicadas são tratadas com curativos simples, feridas mais complexas e desafiadoras podem necessitar de tratamentos mais avançados, como a utilização de fatores de crescimento ou de 1 2 3 curativos especializados (1, 2), exigindo, muitas vezes, criatividade por parte do cirurgião que se dispõe a tratar tais defeitos. Procedimentos diversos podem ser planejados, desde o fechamento por segunda intenção, enxertia de pele, retalhos locais, até o emprego de retalhos microcirúrgicos. Descrevemos neste artigo a associação de métodos para o tratamento de ferida complexa, baseado na escala de reconstrução e nos princípios gerais da cicatrização, em que utilizamos tiras elásticas estéreis de borracha (com sua aplicabilidade pouco lembrada no dia a dia da clínica cirúrgica) aplicadas às bordas da ferida. A associação da técnica descri- Membro Especialista da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica. Doutorando em Medicina e Ciências da Saúde pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Cirurgião Plástico no Hospital Moinhos de Vento e Hospital São Lucas da PUCRS. Cirurgião Plástico pela PUCRS. Membro Especialista da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica. Membro do Corpo Clínico do Hospital Medianeira, Pompéia e Saúde, Caxias do Sul - RS. Cirurgião Plástico do Programa Pro-Face do Hospital Nossa Senhora de Medianeira, Caxias do Sul- RS. Médico. Cirurgião Geral. 232 Revista da AMRIGS, Porto Alegre, 58 (3): 232-236, jul.-set. 2014 ABORDAGEM COMBINADA PARA FECHAMENTO DE FERIDA ABDOMINAL CRÔNICA Alvarez et al. ta com o uso simultâneo de curativo com pressão negativa, confeccionado com materiais simples em ambiente hospitalar, com o intuito de coletar secreções, estimular a granulação e posterior fechamento da lesão, com a rápida recuperação do paciente, apresentou resultados satisfatórios. RELATO DO CASO Paciente masculino, 52 anos, apresentando ferida abdominal decorrente de laparotomia para ressecção de tumor de cólon obstrutivo. No sétimo dia de pós-operatório, o paciente apresentou obstrução intestinal precoce por bridas. Após reintervenção, houve infecção de ferida operatória e deiscência ampla da ferida abdominal mediana, com o surgimento de fístula entérica labiada de alto débito localizada na região central do abdômen. Na abordagem inicial, feita pela equipe de cirurgia do aparelho digestivo, foi realizado curativo com pressão negativa com boa resposta terapêutica, porém com limitações na fase final de epitelização da ferida devido à complexidade da lesão e às dificuldades no ajuste do vácuo causadas pelo alto débito da fístula entérica associada. Objetivando uma abordagem reconstrutiva direta, solicitou-se avaliação pela equipe de cirurgia plástica. Na avaliação inicial da ferida observava-se um leito rico em tecido de granulação, sem evidências de infecção, as bor- das da ferida apresentavam epitelização limitada devido à cronicidade da ferida (Figura 1). Em um primeiro tempo cirúrgico, foram realizados debridamento e enxertia de pele total, obtido da região inguinal direita, a fim de diminuir a área cruenta e estimular a epitelização das bordas. A secreção entérica foi parcialmente desviada com o uso de duas sondas em cada orifício (Figura 2) e o enxerto coberto com curativo compressivo (Tie-Over), e associando-se à pressão negativa para um melhor controle das secreções entéricas, facilitando a integração do enxerto (Figuras 3A e 3B). No sétimo dia, o curativo foi aberto para inspeção da área enxertada, o qual se integrou principalmente nas bordas da lesão, havendo perda total do enxerto no centro devido à grande quantidade de secreção entérica justaposta entre o leito e o enxerto. No segundo tempo cirúrgico, para diminuir a área exposta e acelerar o fechamento da ferida abdominal residual, foi realizada sutura de tiras elásticas de borracha, nas bordas da ferida com fio náilon 3-0, promovendo aproximação constante e sem tensão das bordas (Figura 4). Iniciou-se a sutura com um ponto englobando a tira, dobrada sobre si, e um dos vértices da ferida. A seguir, a tira elástica foi passada de um lado a outro da ferida, sendo fixada com ponto cada vez que fazia contato com o bordo são, até atingir-se o outro vértice. Optou-se por passar os pontos da pele fixando a tira elástica acerca de um centímetro da Colostomia protetora com bolsa coletora Fístula entérica labíada Secreção entérica coletada através de duas sondas Foley n°20 Figura 1 – Ferida abdominal com 3 semanas de evolução. Tecido de granulação abundante no leito da ferida, importante dermatite química nos bordos da ferida decorrentes da irritação ocasionada pelo conteúdo entérico e fistula entérica dupla de alto débito na região central. Colostomia de desvio à esquerda da lesão. Revista da AMRIGS, Porto Alegre, 58 (3): 232-236, jul.-set. 2014 Figura 2 – Aspecto após debridamento. Ferida pronta para receber cobertura cutânea após debridamento e limpeza das bordas da lesão seguida de canulação dos trajetos fistulosos, com o objetivo de desviar parcialmente a secreção entérica. 233 ABORDAGEM COMBINADA PARA FECHAMENTO DE FERIDA ABDOMINAL CRÔNICA Alvarez et al. Enxerto cutâneo total fixado no leito da ferida Sonda de aspiração Curativo de Brown sobre o enxerto Filme transparente estéril e aderente Figura 3a – Fixação do enxerto de pele. Enxerto de pele total retirado da região inguinal direita e fixado no leito da ferida com fio de náilon 4-0. O trajeto fistuloso foi desviado da área enxertada. borda, para evitar que o fio cortasse o tecido inflamatório dos bordos, pela tração do elástico (Figura 5). As partes cruentas foram cobertas com gaze petrolizada. A fístula entérica foi orientada por aspiração contínua, na qual se instalou o mecanismo de curativo a vácuo ao mesmo. Na inspeção após 5 dias, notava-se o fechamento completo da lesão cruenta, proporcionando ao paciente autonomia, melhor controle do trajeto fistuloso com fixação de bolsa coletora para aferição precisa do débito. Além disso, o contato do material entérico ácido com a pele foi diminuído com melhora da dermatite química apresentada, propiciando a alta hospitalar para posterior correção das demais comorbidades abdominais. DISCUSSÃO Apesar de sua fácil execução e baixo custo, o emprego da técnica de aproximação de feridas complexas com tiras elásticas ainda é pouco frequente, mesmo em centros especializados de tratamentos de feridas. Proposta inicialmente por Raskin (3) em 1973 para a aproximação das aponeuroses do membro superior após tratamento de síndrome compartimental, poucas são as descrições do seu uso para o tratamento de grandes feridas corpóreas. Mosheiff et al utilizaram fitas de borrachas para aproximação de feridas ortopédicas decorrentes de fraturas abertas (4). Outras referências mencionam o uso de fitas elásticas de borracha 234 Figura 3b – Curativo a vácuo fixado. Curativo a vácuo confeccionado com material hospitalar de uso comum, associado ao curativo Tie-Over (Brown) da área enxertada, visando diminuir o acúmulo de secreções e estimular a integração do enxerto de pele total. A sonda de aspiração foi conectada ao sistema de aspiração para manter vácuo contínuo na ferida. Filme plástico estéril foi utilizado para impermeabilizar a ferida e evitar a perda de vácuo do sistema. apenas para confecção de curativos compressivos sobre áreas enxertadas (Tie Over) (5). Andy Petroianu descreveu o uso das tiras elásticas para o tratamento de 21 grandes feridas, em diversas localizações, apresentando fechamento completo das lesões sem outros tratamentos auxiliares (2). Finalmente, Santos et al relataram sua experiência em artigo recente em que demonstram 14 casos de grandes lesões decorrentes de traumas diversos em membros inferiores (6). A associação com o curativo a vácuo não havia ainda sido descrita na literatura até então. O conceito da utilização do vácuo no fechamento de feridas é uma descoberta relativamente recente (7). Os princípios modernos do tratamento de lesões com pressão negativa foram introduzidos por Argenta e Morykwas, em 1997 (7), com o dispositivo de fechamento vácuo-assistido (V.A.C., Kinetics Concepts, Inc., San Antonio, Texas). Desenvolvido inicialmente para o tratamento de feridas crônicas, atualmente pode ser utilizado em vários tipos de ferimentos, incluindo feridas agudas (traumáticas, deiscências de feridas cirúrgicas) e crônicas (úlceras diabéticas, úlceras vasculares e úlceras de pressão) (8). Apesar do amplo uso clínico da pressão negativa no tratamento de feridas, o mecanismo preciso de funcionamento do método na cicatrização ainda não foi totalmente Revista da AMRIGS, Porto Alegre, 58 (3): 232-236, jul.-set. 2014 ABORDAGEM COMBINADA PARA FECHAMENTO DE FERIDA ABDOMINAL CRÔNICA Alvarez et al. Tiras elásticas fixas às bordas da ferida com fio de nylon 3-0 Fístula entérica Figura 5 – Desenho esquemático. A figura ilustra a maneira como as tiras elásticas devem ser fixadas às bordas da ferida. As tiras são tracionadas pelo assistente e fixadas com pontos de náilon 3,0 em áreas de tecidos sadios, a fim de evitar a deiscência das suturas em um tecido inflamado. Figura 4 – Aspecto após duas semanas após a primeira cirurgia reparadora. Melhora da dermatite química ao redor da ferida. Após retirada do curativo a vácuo e integração do enxerto de pele total à ferida, procedeu-se à próxima etapa cirúrgica: fixação de tiras elásticos junto às bordas da ferida residual, a fim de acelerar a velocidade de contração da ferida e fechamento da lesão, com o objetivo de tornar epitelizada toda a ferida ao redor das fístulas, transformando-as em ostomias e facilitar o seu manejo. elucidado (9). Estudos prévios em humanos demonstraram uma estimulação na formação de tecido de granulação, aumento do fluxo sanguíneo (avaliado por sistema doppler nas adjacências da ferida), redução da área da ferida e regulação de citocinas inflamatórias. O alívio do edema, proporcionado pelo dispositivo, seria o principal responsável por tais alterações (10). O processo de inflamação gerado pela cicatrização e por mecanismos de mediação imunológica libera uma série de mediadores químicos, os quais dilatam os vasos sanguíneos e abrem as junções entre as células endoteliais, permitindo a saída de líquido para o espaço perivascular. Além disso, o uso de pressão negativa remove da ferida o transudato pericelular, o exsudato, enzimas deletérias e diminui a contaminação bacteriana, melhorando assim a difusão intersticial de oxigênio para as células e acelerando a cicatrização (11). Diante da importância da utilização da pressão negativa no arsenal terapêutico de feridas crônicas e complexas, relatamos neste trabalho a sua associação com um método simples e com bons resultados terapêuticos, porém ainda pouco utilizado em nosso meio, visando não apenas à Revista da AMRIGS, Porto Alegre, 58 (3): 232-236, jul.-set. 2014 aproximação de bordos da maneira menos mórbida possível ao caso em questão, com tensão constante e moderada aceitável pelos tecidos circunvizinhos, evitando-se procedimentos mais demorados como retalhos locais abdominais. O método de pressão negativa utilizado, confeccionado com material de baixo custo hospitalar, foi fundamental no controle da drenagem do trajeto fistuloso que complicava a ferida abdominal, enquanto proporcionava o estímulo à granulação e contração para o fechamento espontâneo da ferida abdominal. COMENTÁRIOS FINAIS O tratamento de feridas crônicas exige uma abordagem combinada, e, muitas vezes, até mesmo criativa para otimização dos resultados. O uso de tiras elásticas associadas ao curativo a vácuo resultou em controle satisfatório da secreção entérica e determinou rápida epitelização das bordas da ferida abdominal. REFERÊNCIAS 1. Petroianu A. Elastic Rubber Strips to Heal Large Wounds of the Body Wall. Surg Innov. 2013 Dec;20(6):600-3. 2. Petroianu A. Closure of large wounds of the body wall with elastic rubber strip. Am Surg 2010;76(9):E168-9 3. Raskin KB. Acute vascular injuries of the upper extremity. Hand clinics 1993;9(1):115-30 4. Mosheiff R, Segal D, Rand N, et al. The “rubber band technique”: a simple method for closing large skin defects. Am J Orthop. 1999;28(11):665-6; discussion 66-7 5. Cheng LF, Lee JT, Chou TD, et al. Experience with elastic rubber bands for the tie-over dressing in skin graft. Burns 2006; 32(2):212-5. 6. Santos E. Sutura Elástica para Tratamento de Grandes Feridas. Rev Bras Cir Plast. 2012;27(3):475-77 235 ABORDAGEM COMBINADA PARA FECHAMENTO DE FERIDA ABDOMINAL CRÔNICA Alvarez et al. 7. Argenta LC, Morykwas MJ. Vacuum-assisted closure: a new method for wound control and treatment: clinical experience. Ann Plast Surg 1997;38(6):563-76; discussion 77 8. Scherer SS, Pietramaggiori G, Mathews JC, et al. The mechanism of action of the vacuum-assisted closure device. Plast Reconstr Surg 2008;122(3):786-97. 9. Borgquist O, Ingemansson R, Malmsjo M. The influence of low and high pressure levels during negative-pressure wound therapy on wound contraction and fluid evacuation. Plast Reconstr Surg 2011;127(2):551-9. 10. Orgill DP, Bayer LR. Update on negative-pressure wound therapy. Plast Reconstr Surg 2011;127 Suppl 1:105S-15S. 236 11. Morykwas MJ, Argenta LC, Shelton-Brown EI, et al. Vacuum-assisted closure: a new method for wound control and treatment: animal studies and basic foundation. Ann Plast Surg 1997;38(6):553-62 Endereço para correspondência Gustavo Steffen Alvarez Rua Ramiro Barcelos, 910/702 90.035-000 – Porto Alegre, RS – Brasil (51) 3311-1831 [email protected] Recebido: 11/6/2013 – Aprovado: 23/7/2013 Revista da AMRIGS, Porto Alegre, 58 (3): 232-236, jul.-set. 2014 RELATO DE CASO Tumor fibroso solitário retroperitoneal volumoso Giant solitary fibrous tumor of retroperitoneum Uirá Fernandes Teixeira1, Fábio Luiz Waechter2, José Artur Sampaio2, Luiz Maraninchi Pereira-Lima3, Paulo Roberto Ott Fontes4 RESUMO O tumor fibroso solitário (TFS) é uma neoplasia mesenquimal rara caracterizada pela proliferação de células fusiformes, geralmente acometendo a pleura. É diagnosticado, de modo geral, após estudo anátomo-patológico e por imuno-histoquímica, já que muitas vezes encontra-se em local pouco usual e assemelha-se a outras neoplasias. Relatamos o caso de um paciente de 46 anos com massa retroperitoneal compatível com tumor fibroso solitário de baixo grau. UNITERMOS: Tumor Fibroso Solitário, Neoplasias Retroperitoneais. ABSTRACT The solitary fibrous tumor (SFT) is a rare mesenchymal neoplasm characterized by proliferation of spindle cells, usually affecting the pleura. It is usually diagnosed after pathological study and by immunohistochemistry, as it is often located in an unusual location and resembles other cancers. Here we report the case of a 46-year-old patient with retroperitoneal mass consistent with low grade solitary fibrous tumor. KEYWORDS: Solitary Fibrous Tumor, Retroperitoneal Neoplasms. INTRODUÇÃO O tumor fibroso solitário (TFS) é uma neoplasia mesenquimal rara, caracterizada pela proliferação de células fusiformes, geralmente acometendo a pleura (1). Apresentações em sítios pouco usuais foram relatadas na literatura, incluindo o peritônio, o pâncreas e o pericárdio, sendo rara a localização intra-abdominal (2). Os TFSs são diagnosticados pelo exame anatomopatológico, identificando-se a proliferação de células fusiformes, com arranjos desorganizados e separadas por bandas de colágeno, sendo habitualmente bem vascularizados (3). À imuno-histoquímica, as células tumorais apresentam positividade para o CD34 e vimentina na maioria dos casos (4). Relatamos o caso de um paciente de 46 anos com massa retroperitoneal volumosa operado em nosso serviço, cujo resultado do estudo anatomopatológico revelou tratar-se 1 2 3 4 de tumor fibroso solitário de baixo grau. O presente trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição, tendo o paciente assinado termo de consentimento autorizando a publicação do caso para cunho científico. RELATO DO CASO Paciente do sexo masculino de 46 anos procurou nosso serviço relatando aumento assimétrico do volume abdominal há 5 meses, associado à dor em hipocôndrio direito e empachamento pós-prandial. Antecedentes médicos sem significância. Ao exame físico, apresentava massa endurecida em hipocôndrio direito, de contornos bem definidos, indolor à palpação. Exames laboratoriais revelaram hemograma normal, assim como as provas de função e perfil hepático e renal. Alfafetoproteína, antígeno carcinoembrionário e CA 19-9 apresentavam valores normais. Foi Mestrando em Hepatologia. Cirurgião da equipe de Cirurgia Gastrointestinal e Transplante Hepático da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA). Doutor. Professor de Cirurgia da UFCSPA. Cirurgião da equipe de Cirurgia Gastrointestinal e Transplante Hepático da UFCSPA. Professor Titular de Cirurgia da UFCSPA. Cirurgião da equipe de Cirurgia Gastrointestinal e Transplante Hepático da UFCSPA. Livre-Docente. Chefe do Departamento de Cirurgia da UFCSPA. Cirurgião da equipe de Cirurgia Gastrointestinal e Transplante Hepático da UFCSPA. Revista da AMRIGS, Porto Alegre, 58 (3): 237-239, jul.-set. 2014 237 TUMOR FIBROSO SOLITÁRIO RETROPERITONEAL VOLUMOSO Teixeira et al. solicitada tomografia computadorizada (TC) de abdome com contraste, que evidenciou volumosa lesão expansiva com densidade predominantemente de partes moles com áreas de necrose no abdome direito, posterior ao fígado e cranial ao rim direito, estendendo-se desde o diafragma até próximo à bifurcação da aorta abdominal, medindo 25,3 x 16,3 x 16,7 cm. Apresentava impregnação heterogênea pelo contraste venoso, mantendo relação íntima com a veia cava inferior e veia renal direita. A hipótese de neoplasia de adrenal direita foi inicialmente considerada (Figura 1). Os exames laboratoriais foram então complementados, sendo solicitados aldosterona e renina séricas e dosagem urinária de 24 horas de catecolaminas e ácido vanil-mandélico, que foram normais. O caso foi discutido em conjunto com paciente e familiares, e o tratamento cirúrgico foi indicado. Realizou-se laparotomia mediana, sendo observada logo de início a volumosa massa retroperitoneal descrita. Após ampla mobilização da goteira parietocólica direita, verificou-se a íntima relação da lesão com a veia cava in- ferior, o fígado e o rim direito. Procedeu-se à ligadura cuidadosa dos vasos nutridores da lesão e ao seu descolamento das estruturas retroperitoneais, com retirada em bloco da peça (Figura 2). A cirurgia foi sem intercorrências. A peça cirúrgica pesou 6.176g e mediu 30,3 x 15,6 x 17,2 cm. O resultado da análise imuno-histoquímica encontra-se na Tabela 1. DISCUSSÃO O tumor fibroso solitário (TFS), neoplasia mesenquimal rara que acomete geralmente a pleura visceral, foi primeiramente descrito em 1931 por Klempere e Rabin (5). Estima-se que de 78-88% dos TFSs sejam benignos e de 12 a 22% malignos (6). England et al (7) elaboraram uma classificação para definir malignidade nos TFSs, a saber: 1) alta celularidade com desarranjo nuclear; 2) atividade mitótica elevada; 3) pleomorfismo subclassificado em leve, moderado ou intenso, Tabela 1 – Análise imuno-histoquímica da peça cirúrgica. Painel de anticorpos utilizados POSITIVO CD 34 (QBEnd-10) POSITIVO Beta-catenina POSITIVO P53 (7JUL) POSITIVO CD 99 (12-E7) POSITIVO Bcl-2 (E12) POSITIVO Ki-67 (MIB-1) Figura 1 – Tomografia de abdome evidenciando volumosa lesão abdominal. A Resultado Vimentina (V9) MENOR QUE 1% S 100 (policlonal) NEGATIVO Desmina (D33) NEGATIVO CD 31 (JC70A) NEGATIVO CD 117 (policlonal) NEGATIVO DOG-1 (K9) NEGATIVO Actina ML (1A4) NEGATIVO EMA (E29) NEGATIVO CKM (AE1/AE2) NEGATIVO B C Figura 2 – A) Leito de ressecção e relações anatômicas. B e C) Peça cirúrgica. 238 Revista da AMRIGS, Porto Alegre, 58 (3): 237-239, jul.-set. 2014 TUMOR FIBROSO SOLITÁRIO RETROPERITONEAL VOLUMOSO Teixeira et al. levando em consideração o tamanho nuclear, sua irregularidade e a proeminência nucleolar. É importante ressaltar que alguns autores sugerem também uma associação entre o comportamento clínico dos TFSs e o tamanho do tumor, presença de hemorragia e necrose (7). No caso do nosso paciente, foram encontrados baixa atividade mitótica e pleomorfismo leve, o que o caracteriza como tumor fibroso de baixo grau. Encontra-se há 12 meses livre de doença, sem sinais de recidiva. O TFS deve entrar no diagnóstico de qualquer neoplasia de origem mesenquimal que se apresente com células fusiformes. É, muitas vezes, difícil diferenciá-lo de fibrossarcomas, leiomiomas e angiomiolipomas, entre outros (2). A imuno-histoquímica, assim, exerce um papel fundamental, visto que o TFS habitualmente expressa o CD 34 e bcl-2. A excisão cirúrgica completa é o tratamento de escolha para este tipo de lesão. O acompanhamento pós-operatório a longo prazo é importante, uma vez que o TFS pode recorrer localmente (2). A forma maligna provoca um curso agressivo da doença, com invasão local, recorrência da doença e metástases. Assim, quimioterapia pós-operatória é recomendada para doença maligna (8). É importante lembrar que metade dos casos de TFS malignos é positivo para o c-kit (CD 117) e, nesses casos, os inibidores de tirosina quinase, tais como imatinibe e sunitinibe, utilizados para tratamento das neoplasias estromais gastrointestinais, podem representar uma alternativa de tratamento para os TFSs (9). CONCLUSÃO Apresentamos, assim, o caso de um paciente com tumor fibroso solitário volumoso, de localização retroperi- Revista da AMRIGS, Porto Alegre, 58 (3): 237-239, jul.-set. 2014 toneal. O diagnóstico pré-operatório é muitas vezes difícil, e o tratamento de eleição é cirúrgico. O acompanhamento pós-operatório a longo prazo é fundamental, visto que recorrências tardias podem ser encontradas. REFERÊNCIAS 1. Bae JM, Kim SW, Kim SW, Song SK. Malignant Solitary Fibrous Tumor of Retroperitoneum Mimicking Gastric Submucosal Tumor. Korean J Gastroenterol. 2011;57(1):47-50. 2. Zong L, Chen P, Wang GY, Zhu QS. Giant solitary fibrous tumor arising from greater omentum. World J Gastroenterol 2012; 18(44): 6515-6520. 3. el-Naggar AK, Ro JY, Ayala AG, Ward R, Ordóñez NG. Localized fibrous tumor of the serosal cavities. Immunohistochemical, electron-microscopic, and flow-cytometric DNA study. Am J Clin Pathol. 1989 ;92(5):561-5. 4. Hanau CA, Miettinen M. Solitary fibrous tumor: histological and immunohistochemical spectrum of benign and malignant variants presenting at different sites. Hum Pathol. 1995;26(4):440-9. 5. Klempere P, Rabin CB. Primary neoplasmas of the pleura. Arch Pathol. 1931; 11: 385-412. 6. Robinson LA. Solitary fibrous tumor of the pleura. Cancer Control 2006; 13: 264-269. 7. England DM, Hochholzer L, McCarthy MJ. Localized benign and malignant fibrous tumors of the pleura. A clinicopathologic review of 223 cases. Am J Surg Pathol 1989; 13: 640-658. 8. Ramdial PK, Nadvi S. An unusual cause of proptosis: orbital solitary fibrous tumor: case report. Neurosurg. 1996; 38: 1040-1043. 9 Stacchiotti S, Negri T, Palassini E, Conca E, Gronchi A, Morosi C et al. Sunitinib malate and figitumumab in solitary fibrous tumor: patterns and molecular bases of tumor response. Mol Cancer Ther 2010; 9: 1286-1297. Endereço para correspondência Uirá Fernandes Teixeira Rua Prof. Cristiano Fischer, 818 91.410-000 – Porto Alegre, RS – Brasil (51) 3226-4859 [email protected] Recebido: 23/6/2013 – Aprovado: 23/9/2013 239 ARTIGO DE REVISÃO Trauma complexo da mão parte I: lesão vascular, lesão nervosa, lesão tendínea Complex trauma of the hand, part I: vascular injury, nerve injury, tendon injury Jefferson Braga Silva1, Alan Rodriguez Muñiz2, Renato Franz Matta Ramos2, Marcio Pereira Lima Ferdinando3 RESUMO O trauma da mão é uma das lesões mais frequentes nas emergências. O trauma complexo envolve lesões de múltiplas estruturas e tecidos da mão. O objetivo principal deste trabalho é esclarecer os conceitos envolvidos no estudo do paciente com trauma complexo da mão, mais especificamente, na avaliação inicial e manejo primário da mão traumatizada. Procuramos orientar a conduta dos médicos nas diversas situações clínico-cirúrgicas, que envolvem esta patologia, objetivando um julgamento rápido e adequado, interferindo positivamente no desenvolvimento natural da doença, como também nas sequelas decorrentes ao traumatismo. Nesta primeira parte, são abordados os fundamentos e conceitos considerados essenciais na abordagem do traumatismo da mão, lesão vascular, lesão nervosa e lesão tendínea, enfatizando os benefícios de uma conduta multifatorial e assertiva, abarcando as diversas disciplinas envolvidas no atendimento primário do paciente vítima de trauma. UNITERMOS: Trauma, Lesões, Traumatismo da Mão, Amputação, Reimplante. ABSTRACT Trauma of the hand is one of the most frequent injuries in emergencies. Complex trauma involves injuries to multiple tissues and structures of the hand. The main purpose of this work is to clarify the concepts involved in the study of patients with complex trauma of the hand, more specifically, the initial assessment and primary management of the traumatized hand. We seek to guide the conduct of physicians in different clinical and surgical situations involving this pathology. Aiming for a quick and proper judgment, interfering positively with the natural development of the disease and also with sequelae resulting from trauma. In this first part the article discusses the fundamentals and concepts considered essential in the management of hand trauma, vascular injury, nerve injury and tendon injury, emphasizing the benefits of a multifactorial and assertive approach, covering the various disciplines involved in primary care of the trauma patient. KEYWORDS: Trauma, Injuries, Trauma of the Hand, Amputation, Reimplantation. INTRODUÇÃO O trauma complexo da mão é uma condição clínica em que existe lesão de várias estruturas associadas. Como tantas outras patologias relacionadas ao trauma grave, o doente vítima de traumatismo complexo da mão requer avaliação rápida e sucinta das condições que implicam risco funcional. 1 2 3 Devido à presença de diversas estruturas envolvidas (partes moles, estruturas vasculares, nervosas e ósseas), o trauma complexo nas extremidades requer atenção e cuidados especiais. De fato, esta condição apresenta um alto risco de desenvolver isquemia, infecção, alteração na cicatrização, dificuldade para a consolidação de fratura e dor crônica, carregando um elevado potencial de morbidade e amputação PhD. Professor Livre-docente em Cirurgia da Mão pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). Professor do Departamento de Cirurgia e Diretor da Faculdade de Medicina da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Chefe do Serviço de Cirurgia da Mão e Microcirurgia Reconstrutiva do Hospital São Lucas da PUCRS. Pós-Graduação em Cirurgia Geral. Residente do Serviço de Cirurgia Plástica do Hospital São Lucas da PUCRS. Pós-Graduação em Cirurgia Geral. Residente do Serviço de Cirurgia da Mão e Microcirurgia Reconstrutiva do Hospital São Lucas da PUCRS. 240 Revista da AMRIGS, Porto Alegre, 58 (3): 240-246, jul.-set. 2014 TRAUMA COMPLEXO DA MÃO PARTE I: LESÃO VASCULAR, LESÃO NERVOSA, LESÃO TENDÍNEA Ramos et al. do segmento comprometido. Portanto, a adoção de medidas adequadas de reanimação é essencial para preservar a função e a sobrevivência do segmento afetado (1). O diagnóstico certeiro e assertivo condicionará a terapêutica, interferindo não apenas sob o desenvolvimento natural da doença, como também nas intercorrências e sequelas decorrentes do traumatismo da mão. Embora a clínica seja bastante útil na identificação de patologias da mão e do punho, sempre que possível o critério médico deverá ser correlacionado com estudos de imagem e de outras técnicas diagnósticas. O principal objetivo desta primeira parte do artigo é de servir como guia para médicos das especialidades da saúde envolvidas com o trauma. São discutidos comentários sobre o primeiro atendimento, o diagnóstico e tratamento da lesão vascular, lesão nervosa e lesão do aparelho flexoextensor da mão, em que se objetiva melhorar a qualidade do atendimento primário, assim como orientar a conduta do médico nas diversas situações clínico-cirúrgicas associadas ao trauma da mão. REVISÃO DA LITERATURA Abordagem na emergência – Primeiro Atendimento (Fig. 1) Como primeira medida, deve-se virar o foco do atendimento para as lesões consideradas potencialmente fatais, que põem em risco a vida do paciente. O atendimento no local de assistência médica inicia-se com a limpeza da ferida e a lavagem mecânica abundante, seguida de cobertura com antibiótico de largo espectro (toda lesão com mais de 6h de evolução é considerada contaminada) e aplicar vacina antitetânica se for necessário (2). Avaliar a perfusão capilar e a sensibilidade antes de prosseguir com anestesia (bloqueio anestésico é o mais utilizado) para uma avaliação Tipo de lesão Aberta Fechada Profilaxia tétano imunização Tempo de lesão > 6h Contaminantes < 6h Lesão contaminada ▪ Antibioticoprofilaxia ▪ Não suturar ▪ Lavagem mecânica abundante Lesão limpa Avaliação do paciente ANAMNESE: local onde ocorreu a lesão, mecanismo do trauma. EX. FÍSICO: teste de Allen, teste sensibilidade, enchimento capilar, ... IMAGEM: Rx, Eco, TC, ... Identificação das lesões e estruturas acometidas Luxação Fratura Sangramento Hemorragia Redução Estabilização Curativo compressivo Edema importante Sind. compartimental Fasciotomia Tratamento secundário cirúrgico Figura 1 – Algoritmo de Conduta na mão traumatizada. Revista da AMRIGS, Porto Alegre, 58 (3): 240-246, jul.-set. 2014 241 TRAUMA COMPLEXO DA MÃO PARTE I: LESÃO VASCULAR, LESÃO NERVOSA, LESÃO TENDÍNEA Ramos et al. mais detalhada da lesão (o uso de garrote pneumático propicia melhor avaliação das estruturas). O desbridamento estaria indicado sempre que houver tecidos desvitalizados apenas 24 a 48 horas após transcorrida a lesão (estar atento com a isquemia reativa, pois o tecido pode ser necessário para rotação de retalho posteriormente). Uma situação importante a diagnosticar rapidamente é a Síndrome Compartimental do membro superior, a qual se caracteriza por aumento de volume e dor intensa à flexão dos dedos. O tratamento é a fasciotomia de emergência do compartimento comprometido com incisão curvilínea na face anterior do antebraço ou reta na posterior (Fig. 2). Lesão vascular Quando falamos de lesão vascular no trauma da mão, se faz referência ao comprometimento das artérias radial e ulnar, os arcos palmares e as artérias digitais. Representa o primeiro foco de atendimento, para evitar um processo isquêmico agudo (Fig. 3). As lesões vasculares de caráter agudo são frequentemente resultado de traumatismos por ferimentos penetrantes. Preconiza-se o uso da manobra de compressão direta sobre o local da lesão, que requererá uma pressão mantida durante alguns minutos. A artéria ulnar representa o componente vascular dominante da mão. Se o fluxo sanguíneo decorrente desta última resultar ser insuficiente, o vaso deverá ser reparado. A ligadura dos vasos será reservada para situações específicas. No caso em que o médico não estiver em condições de fazer a anastomose ou em pacientes com sangramento ativo, tanto o segmento proximal como distal deverão ser ligados (sutura 5-0/6-0 seda ou cromado) (3). Posteriormente, esse paciente precisará ser encaminhado para um serviço especializado. No ato operatório é necessária a magnificação do campo visual através de microscopia ou uso de lupa de aumento. A sutura dos vasos é feita com pontos simples isolados, sendo aconselhável de 3 a 4 pontos cardinais. O fio de sutura deve ser inabsorvível de calibre adequado da artéria, 6-0 a 8-0 para radial, e a ulnar, e 9-0 a 11-0 para os arcos palmares e as artérias digitais (4). Os enxertos venosos, arteriais e pontes arteriovenosos (by-pass) estão indicados, mas são medidas de caráter especializado (cirurgião vascular, microcirurgião, cirurgião da mão), requerendo formação e treinamento adequado para a sua performance. Lesão nervosa Figura 2 – Síndrome compartimental no antebraço. Paciente com limitação e muita dor à flexão dos dedos. Após a transecção completa, o nervo lesado sofrerá uma série de mudanças estruturais e funcionais. O correto alinha- Avaliação da lesão vascular Circulação colateral presente *Teste de Allen Perfusão distal alterada Ausência de lesão vascular importante < 3 seg. Teste de reenchimento capilar e avaliação da extremidade comprometida Avaliar ferimento e hemorragia Enchimento capilar > 3 seg. Extremidade fria Palidez Formigamento Dor * Compressão direta sobre a ferida durante 5-10 min. Se possível, realizar anastomose termino-terminal Sem sangramento ativo * O teste de Allen indica se as artérias radial e ulnar são permeáveis (valor normal < 7 segundos). * Se não é possível controlar o sangramento, aplicar um torniquete (não por mais de 15-20 minutos). Figura 3 – Algoritmo de Conduta na lesão vascular. 242 Revista da AMRIGS, Porto Alegre, 58 (3): 240-246, jul.-set. 2014 TRAUMA COMPLEXO DA MÃO PARTE I: LESÃO VASCULAR, LESÃO NERVOSA, LESÃO TENDÍNEA Ramos et al. mento dos fascículos na tentativa de favorecer a regeneração nervosa melhorará o prognóstico no processo de recuperação funcional e sensorial do segmento lesado (5). Sempre que houver uma lesão complexa na mão, devemos suspeitar de uma lesão nervosa. Em caso de lesão importante, o paciente será incapaz de definir sensação de dor (incapaz de discriminar entre 2 pontos), podendo cursar com déficit motor associado. As lesões nervosas podem ser classificadas em três tipos (Quadro 1). O reparo cirúrgico consiste no alinhamento fascicular. A sutura primária diminui o tempo de denervação dos Quadro 1 – Clasificação de Selddom. Neuropraxia Lesão menor, compressão ou contusão. Preserva estruturas do nervo. Interrupção da transmissão nervosa. Recuperação total. Neurotmese Lesão mais importante. Interrupção do axônio. Degeneração Walleriana. Preservação das células de Schwamm e tubo endoneural. Boa recuperação funcional Axonotmese Lesão severa. Ruptura total do nervo. Precisa reparo cirúrgico. órgãos afetados, portanto, sempre que possível, o reparo primário deve ser indicado. Quanto mais tardio o reparo, pior o retorno da função motora. Quando não existe a possibilidade de realizar anastomose direta, indica-se o uso de enxerto, devendo-se evitar a tensão entre as duas extremidades do nervo (6). O enxerto nervoso apresenta resultado pouco satisfatório do ponto de vista funcional (7). A reparação microcirúrgica detalha-se no Quadro 2. A reinervação ocorre a uma velocidade de 1 mm/dia. Importante lembrar que, inclusive com a reparação do nervo, a sensibilidade e a motricidade não reaparecerão logo depois do procedimento. Lesões terminais do nervo digital resultam muito difíceis de serem reparadas pelo seu tamanho (2-3 mm de diâmetro). A sensação também pode retornar sem reparo formal do nervo. Para o reparo cirúrgico, devemos contar com material microcirúrgico delicado. Procura-se liberar e dissecar o nervo para liberar o máximo possível de tensão. A anastomose é feita com pontos simples de mononylon 8.0 ou 9.0 ou prolene 8.0. Depois do reparo, o segmento afetado é imobilizado durante três semanas. Se não contamos com material microcirúrgico, simplesmente aproximamos os segmentos. Caso não for possível aproximar, procede-se a Quadro 2 – Reparação nervosa. Sutura epineural Dá apoio sólido ao tecido conjuntivo. Não interfere na orientação fascicular. Sutura interfascicular Sutura entre os fascículos sem lesar o perineuro. Orienta os fascículos. Sutura perineural ou fascicular Exige orientação fascicular com cuidado de não lesar o perineuro para evitar obstáculos. Sutura epiperineural Alinhamento fascicular de boa qualidade. A mais utilizada. Enxerto interfascicular Quando é impossível realizar a anastomose direta. Evita-se a tensão. Enxerto autólogo é o preferido. Figura 5 – Enxerto de veia no nervo colateral digital para tubulização. Figura 4 – Tubulização com veia do nervo colateral digital por lesão com perda de substância. Revista da AMRIGS, Porto Alegre, 58 (3): 240-246, jul.-set. 2014 Figura 6 – Microneurrafia do nervo ulnar ao nível do cotovelo por lesão cortante. 243 TRAUMA COMPLEXO DA MÃO PARTE I: LESÃO VASCULAR, LESÃO NERVOSA, LESÃO TENDÍNEA Ramos et al. Figura 7 – Lesão por arma de fogo no antebraço. Orifício de entrada. Figura 9 – Lesão traumática do nervo ulnar pelo projétil. Figura 8 – Lesão por arma de fogo no antebraço. Orifício de saída. Figura 10 – Cobertura com cola de fibrina para proteção e estímulo da regeneração nervosa. marcar ambas as terminais nervosas com sutura não absorvível 4.0 ou 5.0, e, posteriormente, encaminhar ao especialista para realizar o enxerto (8). Prefere-se a sutura primária, de preferência antes das 6-8 horas ou até o 7º dia. Após 12 meses, a recuperação da função motora é improvável. O exame físico do tendão flexor é realizado bloqueando todos os dedos da mão examinada, deixando livre apenas o dedo a ser examinado (avaliação do flexor superficial), ou bloqueando o dedo na falange média (avaliação do flexor profundo) e pedindo ao paciente para flexionar o mesmo. Pode-se usar, eventualmente, exames de imagem para auxiliar o diagnóstico (Raio X, RMN, Ecografia). Para o tratamento, é fundamental a reparação cutânea e da estrutura osteoarticular, pois a função do tendão depende do seu alinhamento. A irrigação do tendão pelo sistema de vínculas e difusão é importante para que não ocorra rigidez ou aderência tendínea, por isso a importância da mobilização precoce (10). A tenorrafia deve ser feita com o mínimo de tensão. A técnica de sutura mais utilizada é a de Kessler (modificada ou não), utilizando fio inabsorvível, mononylon 3.0 ou 4.0, recomendamos um chuleio entre os cotos suturados com fio Lesão tendinosa Lesão dos tendões flexores A lesão dos tendões flexores é considerada de caráter grave, principalmente pela alteração na função motora da mão. O acometimento tendíneo pode ser subdividido em lesão única, múltipla ou com comprometimento de outras estruturas. Do 2º ao 5º dedo podemos classificá-las por zonas que vão da I a V e no polegar de P1 a P5 (9) (Quadros 3 e 4). 244 Revista da AMRIGS, Porto Alegre, 58 (3): 240-246, jul.-set. 2014 TRAUMA COMPLEXO DA MÃO PARTE I: LESÃO VASCULAR, LESÃO NERVOSA, LESÃO TENDÍNEA Ramos et al. de menor calibre para eliminar irregularidades da superfície. O punho é imobilizado em flexão com tala gessada na face dorsal por um período de 3 semanas, com a finalidade de evitar a extensão e diminuir a tensão sobre a sutura (11). Quanto ao período de reabilitação, a movimentação ativa e passiva é fisiologicamente dispensável para diminuir a formação de aderência e limitar a rigidez articular (12, 13) (Fig. 11, 12, 13). Para facilitar o diagnóstico e a abordagem cirúrgica desta estrutura, o aparelho extensor é dividido em oito segmentos diferentes: zona 1 (articulação IFD); zona 2 (falange média); zona 3 (articulação IFP); zona 4 (falange proximal); zona 5 (articulação MF); zona 6 (dorso da mão); zona 7 (retináculo dorsal); zona 8 (antebraço distal) (14). Para fins práticos, serão abordadas as lesões mais frequentes e o tratamento para cada caso: Lesão dos tendões extensores A avaliação de lesão dos tendões extensores se faz realizando uma contrarresistência ao dedo com suspeita de lesão tendínea. Quadro 3 – Lesão tendínea 2º ao 5º dedo. Zona I Distalmente à inserção do tendão flexor superficial na falange média. No tratamento, ter cuidado na reinserção do tendão flexor profundo (necrose de polpa digital e leito ungueal). É possível a sutura direta, reinserção ao osso. Zona II Da inserção do tendão flexor superficial à polia A1. No tratamento, é importante recolocar o tendão no túnel osteofibroso, e a reconstrução da relação anatômica entre o flexor superficial e profundo, assim como da polia A2. O volume do tendão deve ser o adequado para permitir a sua passagem através das polias. Zona III Da polia A1 à região palmar desde o retináculo flexor. Local onde há menor ocorrência de aderências, bom prognóstico. Zona IV Abrange o túnel do carpo. Frequente associação com lesão do nervo mediano. Zona V Antebraço, proximal ao túnel do carpo. Lesão do tendão extensor na porção distal Manifesta-se pela dificuldade na extensão ativa da articulação IFD, causando uma deformidade em flexão da articulação conhecida como “dedo em martelo”. É orientado tratamento conservador com imobilização durante um período de 6-8 semanas, mantendo a IFD em extensão (tala metálica de Zimmer ou fio de kirschner). Após, deve-se manter órtese ou tala de uso noturno de 2-4 semanas. É considerado bom resultado quando apresenta flexão total ou perda de até 100 da extensão da IFD. As cirurgias restringem-se às lesões abertas. Entre as técnicas utilizadas, Quadro 4 – Lesão tendínea no 1º dedo. P1 Distal à articulação interfalangiana. P2 Articulação interfalangiana à primeira polia anular. P3 Eminência tenar. P4 Abrange túnel do carpo. P5 Proximal ao túnel do carpo. Figura 11 – Lesão punço-cortante na face volar da mão. Lesão dos tendões flexores D3. Importância do exame físico adequado em todas as lesões. Revista da AMRIGS, Porto Alegre, 58 (3): 240-246, jul.-set. 2014 Figura 12 – Tenorrafia do flexor superficial e flexor profundo do D3. Figura 13– Resultado funcional pós-operatório de 3 meses. 245 TRAUMA COMPLEXO DA MÃO PARTE I: LESÃO VASCULAR, LESÃO NERVOSA, LESÃO TENDÍNEA Ramos et al. destacam-se a tenorrafia, a osteosíntese (quando fratura da inserção tendínea), e a tenodermodese, a qual consiste na resseção em monobloco de uma elipse transversal no dorso da articulação distal, incluindo pele, tecido celular subcutâneo, parte do tendão lesado e cápsula articular da IFD. A articulação é fixada temporariamente com fio de kirschner durante 4 semanas (15). Lesão do tendão extensor na bandeleta central No início, a deformidade é redutível, porém sem tratamento, a rigidez é progressiva. Ainda logo após o trauma, o paciente pode ser capaz de estender a IFP pela ação dos extensores laterais. O diagnóstico da fase aguda é difícil. Os sinais sugestivos são edema, equimose na base da falange média, e dor na região da IFP, sendo que a dor e o edema podem dificultar o exame físico. O teste de extensão da IFP contra resistência é excelente para o diagnóstico. É imperativo realizar o raio X de frente e perfil, tanto da fase aguda quanto da fase crônica (avaliar fratura, luxação, comprometimento articular). O tratamento depende da fase em que a lesão se encontra: aguda (até 2 semanas), subaguda (2-8 semanas) e crônica (após 8 semanas). Se a lesão for aguda e aberta, proceder com sutura aproximando as bordas do tendão extensor central lesado e imobilização em extensão da IFP de 6-8 semanas; a IFD pode ficar livre da imobilização para evitar aderência das bandas laterais e retração do ligamento oblíquo. DISCUSSÃO Consideramos importante perceber a complexidade que existe nos eventos que envolvem o traumatismo da mão e do punho. Foi relatado que este fenômeno, em sua maioria, decorre de fatores vinculados ao ambiente laboral, especificamente obedecendo a acidentes de trabalho, seja pelo uso inadequado ou pela falta de medidas de proteção. O trauma da mão, catalogado como uma patologia de caráter funcional, atinge principalmente indivíduos de sexo masculino, acarreta consigo uma caracterização socioeconômica com um saldo negativo. Porém, é relevante identificar as alterações envolvidas neste fenômeno, pois tem importância vital para perpetuar a função da extremidade afetada. O reposicionamento das estruturas comprometidas irá beneficiar o resultado funcional, dependendo da intensidade do trauma e do prognóstico de sobrevida do segmento afetado. Portanto, a abordagem multidisciplinar fornecerá maior integridade na atenção do paciente e, certamente, favore- 246 cerá na obtenção de melhores resultados tanto funcionais como estéticos. COMENTÁRIOS FINAIS O trauma da mão é uma das emergências mais frequentes nas salas de pronto atendimento dos hospitais e centros de menor complexidade. Valorizamos o atendimento primário adequado para diminuir as consequências desfavoráveis e sequelas funcionais deste tipo de lesões. REFERÊNCIAS 1. Labs JD. Standard of care for hand trauma: where should we be going?. Hand. 2008, Sep; 3 (3):197-202. 2. Rhee P, Nunley MK, Demetriades D, Velmahos G, Doucet JJ. Tetanus and trauma: a review and recommendation. J Trauma. 2005; 58: 1082-1088. 3. Modrall JG, Weaver FA, Yellin AE. Diagnosis and management of penetrating vascular trauma and the injured extremity. Emerg Med Clin North Am. 1998, Feb;16 (1):129-144. 4. Jefferson Braga. Cirurgia da Mao - Trauma, capítulo 21. Editorial Revinter, Rio de Janeiro, pags 197-203. Ano 2003. 5. Allan CH. Functional results of primary nerve repair. Hand Clin. Feb 2000; 16(1):67-72. 6. Flores AJ, Lavernia CJ, Owens PW. Anatomy and physiology of peripheral nerve injury and repair. Am J Orthop. 2000 Mar; 29(3):167-73. 7. Matsuyama T. Peripheral nerve repair and grafting techniques: a review. Neurol Med Chir. 2000 Apr; 40(4):187-99. 8. Dahlin LB. Techniques of peripheral nerve repair. Scandinavian J Surg. 2008; 97(4):310-6. 9. Verdan CE. Zones of injury: Primary repair of flexor tendons. J Bone Joint Surg. 1960; 42:647-657. 10. Braga Silva J, Martins PDE, Ramon J. Mobilização pós-operatória com flexão ativa precoce após reparo de tendões flexores na zona II. Rev Bras Cir Plas. 2005; 20(4):207-212. 11. Strickland JW. Flexor tendo repair. Hand Clinics. 1985 Feb; 1(1):55-68. 12. Braga Silva J, Gazzalle A, Alvarez G, Larsen Cunha G. Lesões tendinosas da mão. Rev AMRIGS. 2011 Abr-Jun; 55(2): 197-201. 13. Griffin M, Hindocha S, Jordan D, Saleh M, Khan W. An overview of the management of flexor tendon injuries. Open Orthop J. 2012; 6:28-35. 14. Griffin M, Hindocha S, Jordan D, Saleh M, Khan W. Management of extensor tendon injuries. Open Orthop J. 2012; 6:36-42. 15. Braga Silva J, Fernandes H, Fridman M. Lesão do tendão extensor em zona 1: tratamento ortopédico e cirúrgico. Rev Bras Ortop. 1999. Fev; 34(2):139-144. Endereço para correspondência Renato Franz Matta Ramos Av. Ipiranga, 630/605 90.160-090 – Porto Alegre, RS – Brasil (51) 3320-3000 [email protected] Recebido: 19/12/2013 – Aprovado: 13/1/2014 Revista da AMRIGS, Porto Alegre, 58 (3): 240-246, jul.-set. 2014 SEÇÃO BIOÉTICA Voluntariado e Saúde Volunteering and Health Anelise Crippa1, Tábata Isidoro2, Anamaria Gonçalves dos Santos Feijó3 RESUMO Os benefícios trazidos pelo voluntariado à área da saúde são conhecidos, aceitos e implantados em várias instituições. Esta atividade proporciona benefícios tanto aos pacientes quanto aos próprios voluntários, deve ser sempre supervisionada e exige treinamento prévio dos voluntários. UNITERMOS: Voluntários, Beneficência, Bioética. ABSTRACT The benefits of volunteering to healthcare are known, accepted and implemented in several institutions. This activity provides benefits to both patients and volunteers themselves, should always be supervised, and requires previous training of volunteers. KEYWORDS: Volunteers, Beneficence, Bioethics. INTRODUÇÃO O trabalho voluntário é uma atividade de livre iniciativa de pessoas em tentar proporcionar para terceiros desconhecidos algum bem-estar, dedicando seu tempo sem remuneração, em prol do benefício dos indivíduos e da sociedade. A Organização das Nações Unidas (ONU) salienta o voluntariado e considera a realização de atividades voluntárias na comunidade como uma proposta para o envelhecimento ativo (1). Dentro do ambiente hospitalar, o suporte social desencadeado pela atividade de voluntariado mostra-se de forma benéfica tanto na perspectiva fisiológica, quanto psicológica comprovado nos enfermos. Por outro lado, também se pode falar no benefício que este trabalho ocasiona nos próprios voluntários, com a satisfação de realizar um momento de lazer e possibilitar, de alguma forma, um bem-estar para quem precisa (2). Não é só de livre iniciativa e vontade que se deve 1 2 3 falar ao abordar o tema voluntariado. Ser um voluntário exige responsabilidades, pois as pessoas que se beneficiam desta prática esperam que ela ocorra com periodicidade. A conscientização do compromisso que deve ser assumido com esta atividade torna-se, então, uma das bases do voluntariado. O voluntariado exige, também, uma capacitação das pessoas interessadas em exercê-lo. Neste treinamento, a pessoa assume suas limitações e recebe uma orientação adequada antes de iniciar sua atividade (3). BIOÉTICA E VOLUNTARIADO Em 2005, a UNESCO promulgou a Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos. Este documento, já em seu preâmbulo, reconhece que “a saúde não depende apenas dos progressos da investigação científica e tecnológica, mas também de fatores psicossociais e culturais” (4). Este conceito amplo de saúde também é preconizado pela Advogada. Mestre em Gerontologia Biomédica. Doutoranda do Programa de Pós-graduação em Gerontologia Biomédica no Instituto de Geriatria e Gerontologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (IGG/PUCRS). Pesquisadora do Laboratório de Bioética e de Ética Aplicada a Animais – Instituto de Bioética/PUCRS. Acadêmica de Odontologia pela PUCRS. Bolsista de iniciação científica pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul (FAPERGS) do Laboratório de Bioética e de Ética Aplicada a Animais – Instituto de Bioética/PUCRS. Bióloga. Doutora em Filosofia. Coordenadora do Laboratório de Bioética e de Ética Aplicada a Animais – Instituto de Bioética/PUCRS. Revista da AMRIGS, Porto Alegre, 58 (3): 247-251, jul.-set. 2014 247 VOLUNTARIADO E SAÚDE Crippa et al. OMS, que a define como sendo o estado de completo bem-estar físico, mental e social (5). As ações voluntárias na área da saúde, realizadas por pessoas que não buscam retorno financeiro, mas que são levadas pelo sentimento de respeito e amor ao outro tentando ajudar este outro na sua melhora ou adesão ao tratamento, assim como na minimização de seu sofrimento, vêm ao encontro do que é disposto nesses dois documentos internacionais citados. Na Bioética, mais especificamente na corrente principialista, proposta por Beauchamp e Childress em 1979, o bem da outra pessoa já era enfatizado no princípio da Beneficência. Os autores entendiam-na como “a obrigação moral de agir em benefício de outros”, ou seja, ajudar as outras pessoas a atingir seus interesses legítimos e importantes (6). Na realidade, este conceito já é encontrado na obra de Aristóteles, Ética a Nicômaco. O estagirita salienta que “Não pesquisamos para saber o que é a virtude, mas para sermos bons” (7). Muitos autores importantes da filosofia da moral entendem a beneficência como uma manifestação da benevolência (8). Filósofos britânicos, como Hume e Bentham, entre outros, trabalharam a ideia de benevolência. Hume a entendia como uma disposição do próprio ser humano em buscar os interesses dos homens e a felicidade da sociedade sendo uma virtude que todos os homens normais possuem e que leva a um agir correto (9). A solidariedade vem sendo muito discutida e incentivada dentro da área da saúde e também pela Bioética. A Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos da UNESCO, documento já citado, salienta, em seu artigo 13, este incentivo à solidariedade mostrando a preocupação internacional do ser humano para com o outro, caracterizando, assim, os direitos de terceira geração (4). Esta solidariedade, embora possa ser difícil de ser vivenciada no mundo desigual como o que encontramos hodiernamente (10), pode ser considerada como a mola mestra que impulsiona os voluntários a buscar o outro ser humano com o intuito de ajudá-lo. Jiménez entende que uma pessoa, para ser solidária, necessita apoiar-se em três bases: 1) a união de pessoas que buscam outras em estado de fragilidade; 2) a atitude combativa que permite ao voluntário vencer suas próprias dificuldades para ajudar o outro; 3) o respeito que leva à consciência das necessidades de quem se está ajudando (11). Kipper e Clotet, resgatando Epicuro, filósofo da moral do século IV e III a.C., escrevem uma passagem que pode ser aplicada a todos aqueles que trabalham como voluntários na área da saúde: (...) os profissionais que utilizam a palavra como arte e instrumento de terapia e, de forma ampla, a toda pessoa medianamente educada cuja palavra, no seu relacionamento com pessoas afetadas por um problema psíquico ou somático, deveria minimamente aliviar ou suavizar os transtornos que facilmente traumatizam ou desequilibram no dia-a-dia(8). 248 É inegável que as ações voluntárias são importantes para os pacientes e que os hospitais cada vez mais as incentivam. Muitas pesquisas nacionais e internacionais foram feitas com a intenção de conhecer esta realidade do voluntariado na área da saúde. TRABALHO VOLUNTÁRIO RELACIONADO COM A SAÚDE O que incentiva os voluntários à realização de suas atividades é algo instigante. A motivação que leva pessoas desconhecidas a ter um comprometimento e buscar a melhora de outrem, sem nenhuma contrapartida financeira, merece abordagem. Um voluntariado deve visar à solidariedade humana, estimulando as relações éticas coletivas (12). É preciso que haja uma consciência social sobre o trabalho do voluntariado para que ele ocorra de maneira mais persistente e contínua. Bocchi et al vão além e chegam a propor que o voluntário não deve ter sobrecargas emocionais, evitando lidar com pessoas que apresentam determinadas doenças(2). Atividades voluntárias ocorrem com frequência em pessoas diagnosticadas com câncer, em vários estágios da doença, desde o diagnóstico, tratamento e momento posterior. Nesta seara, este tipo de atividade, de forma complementar, se mostra positiva e engrandecedora. O voluntariado, atrelado aos cuidados que concerne ao câncer, deve versar sobre as questões psicológicas, sociais e de reabilitação (13). Em muitos dos casos, as pessoas que participam desta atividade já vivenciaram situações análogas em sua família e, por isso, podem dar depoimentos e tornar-se incentivadoras da busca por tratamento (14). Encontra-se também a inserção do trabalho voluntário quando a pessoa enferma necessita de cuidados paliativos. É importante que, neste caso específico, haja uma seleção adequada e criteriosa dos voluntários (15). Esse trabalho deve ser feito de forma complementar e engloba também o suporte familiar. Ao lidar com problemas emocionais e doenças graves, não se pode esquecer do burnout, que ocorre em determinadas atividades com os voluntários. A Síndrome do Burnout refere-se ao momento de esgotamento total em que o indivíduo sente ao frustrar-se com o seu trabalho. Ela é, portanto, a reação ao estresse crônico, decorrente de uma atividade (16). Esta síndrome começou a ser estudada em 1970, tendo sua primeira descrição científica em 1974, pelo psicanalista norte-americano Herbert Freudenberger (17). Hoje, já há uma escala para auferirmos se a pessoa está ou não com sintomas que podem desencadear o burnout, denominada Escala de Maslach (Maslach Burnout Inventory) (18). O conceito da psicóloga Christina Maslach é o mais usual, considerando o burnout como uma “síndrome psicológica em reação a estressores interpessoais crônicos no trabalho” (16). É preciso estar atento ao trabalho e à sobrecarga dos voluntários para que não se ultrapasse a busca pelo bemRevista da AMRIGS, Porto Alegre, 58 (3): 247-251, jul.-set. 2014 VOLUNTARIADO E SAÚDE Crippa et al. -estar e cause danos a si e ao paciente. Para quem realiza uma ação voluntária, faz-se necessário observar sintomas de estresse decorrentes deste encargo. Por isso, é importante que essas pessoas recebam um suporte psicológico a fim de enfrentar problemas e exercer plena e adequadamente sua atividade (19). Outro exemplo de voluntariado que pode acarretar uma sobrecarga emocional, burnout, é o que atende a pessoas com desejo de suicídio. No Brasil, quem oferece esta ajuda são os centros de valorização da vida, instituições não governamentais, reconhecidas pelo Ministério da Saúde para prevenção de suicídio. Buscando traçar o perfil das pessoas que atendem em um desses centros, Dockhorn e Werlang realizaram uma pesquisa utilizando uma escala de Fatores de Extroversão, Socialização e Neuroticismo. Ao todo, integraram a pesquisa 100 voluntários. Foi constatado que as pessoas participantes eram bem instruídas e de bom nível financeiro. Nos quesitos psicológicos, os voluntários se mostraram sensíveis e com capacidade de comunicação e adaptação. No que tange ao neuroticismo, mostraram-se independentes e com tendência ao estresse sem instabilidade emocional (20). Em relação ao perfil sociodemográfico dos voluntários, Ribeiro et al realizaram um estudo com 155 idosos em Juiz de Fora/MG. Constataram que as mulheres estão mais envolvidas nas atividades de voluntariado e que há relação entre a maior realização destas atividades ocupacionais e uma maior escolaridade, renda familiar e capacidade funcional (21). Não só de estresse e dedicação está composto o trabalho voluntário. Quem costuma participar dessas atividades relata grande satisfação pessoal, se beneficiando com ele. Com vistas a auferir essa satisfação, González, Merino, Mendo e Sánchez (22) validaram uma escala destinada a medir a satisfação dos voluntários. Concluíram em sua pesquisa que é importante que haja um projeto sólido e planejado para, então, implantar um trabalho voluntário eficaz e transformador. Na busca por evidências da satisfação do voluntário, também se encontra o trabalho de Montesinos et al, realizado com 80 voluntários. Esta investigação apontou como maior item incentivador a ação voluntária, a possibilidade de ajudar as outras pessoas (62%), seguido do fato de ser este uma oportunidade de engrandecimento pessoal (50%). Os respondentes deste trabalho relataram sentimento de valorização tanto pela própria Associação, quanto pelos pacientes, familiares e equipe de saúde (23). Verifica-se, com isso, uma das benesses deste tipo de trabalho, o qual permite a autossatisfação dos voluntários e, concomitantemente, o bem-estar emocional dos enfermos. Os envolvidos nesta tarefa sentem-se úteis e integrantes de um grupo, podendo interagir e auxiliar outras pessoas. Também há a satisfação própria e a busca por se manter ativo ao utilizar suas experiências em benefício de outros. Esse mesmo sentimento se detecta no trabalho realizado por Azevedo e Santos. Os autores descrevem as atividades lúdicas que ocorreram na ala pediátrica em um hospital universitário. Dentre elas, houve atividades utilizando roupas de palhaço, com brinquedos, material artístico e musical. Revista da AMRIGS, Porto Alegre, 58 (3): 247-251, jul.-set. 2014 O objetivo dessas atividades era proporcionar bem-estar às crianças enfermas. Essas atividades propiciaram grande satisfação também aos voluntários, promovendo, assim, a saúde de todos os envolvidos (24). Aspectos negativos também são relatados, embora com menos frequência. Dentre eles, pode-se apontar a falta de valorização pelo trabalho realizado, o tédio, os horários pouco flexíveis e as limitações das atividades (25). Um dos enfoques dados para o trabalho voluntário é a busca pela humanização na área hospitalar. Essa busca deve ocorrer desde a formação universitária, para que seja efetiva. Uma das sugestões educacionais é a inserção do tema através do cinema, conforme salienta Blasco (26). Além da área médica, dentro da área da saúde, a odontologia também é visada na busca pela humanização. Com as exigências atuais do mercado de trabalho, torna-se fundamental a experiência dos alunos com o voluntariado, proporcionando um aprendizado sociocultural. Com isso, os alunos terão uma formação mais humanizada, e os pacientes carentes de atendimento poderão ser tratados (27). Recentemente, foi desenvolvida uma pesquisa por Ortona e Fortes para identificar o conceito que os jornalistas que escrevem sobre saúde têm de humanização. Esse trabalho se mostra importante, pois os jornalistas devem retratar a realidade e buscar retratar os fatos com veracidade. Eles relacionaram esse tema, dentre outros assuntos, ao voluntariado. É importante, de acordo com os autores, que se considere uma capacitação dos jornalistas, uma vez que são eles que levam informação à população, para que suas notícias sejam mais claras e objetivas (28). Neste mesmo sentido, buscar uma maior humanização hospitalar, Nogueira-Martins, Berusa e Siqueira analisaram o perfil dos voluntários e o seu processo de trabalho em humanização hospitalar em 25 hospitais da Região Metropolitana paulista. Participaram da pesquisa 26 coordenadores e 26 voluntários. Foram abordados temas como a forma de organização do trabalho voluntário, o vínculo voluntariado-instituição, a motivação, beneficiários, a humanização e atividades desempenhadas. Os autores concluíram, com o estudo, que há tanto aspectos positivos, como a contribuição da humanização hospitalar, como negativos, ao desempenharem funções de funcionários da instituição. Ressaltaram a importância do voluntário se ater às funções específicas do voluntariado, bem como de sua integração com a equipe em que atua. A valorização desta atividade também foi enfatizada (29). Um estudo realizado por Nuñez et al com gestantes em quatro cidades do México mostrou que existe uma relação entre o melhor desempenho na realização da atividade e a infraestrutura oferecida. A vinculação da equipe foi melhor nos locais em que havia maiores recursos disponíveis. Concluíram que é importante que haja ações participativas nas áreas com alto índice de mortalidade materna (30). Nos estabelecimentos de saúde, a participação dos voluntários tem seu maior reconhecimento em atividades sociais, seguidas de apoio emocional e material. Sua participação, de acordo com um estudo realizado em que 249 VOLUNTARIADO E SAÚDE Crippa et al. os profissionais da saúde respondiam sobre a visão deles sobre os voluntários, ocorre com maior frequência em ambulatórios (31). Com isso, ressalta-se a importância de que haja a capacitação dos voluntários, para não prejudicar o atendimento hospitalar. A atividade do voluntário, independentemente do tipo de instituição em que irá ocorrer a atividade, deve ser precedida por organização e planejamento. Quando abordamos esta prática nas instituições hospitalares, deve-se enfatizar a importância de normas para que não ocorra interferência na rotina hospitalar. Neste sentido, o Comitê de Humanização Hospitalar da Santa Casa de São Paulo, em 2007, criou suas normas incluindo critérios de subordinação e de admissão das atividades voluntárias, bem como suas atribuições (32). Em relação aos idosos, o trabalho voluntariado, como dito anteriormente, é uma forma de estímulo para atingir um envelhecimento ativo. Ao realizar esta atividade, o voluntário atinge menores sintomas de estresse, sendo, portanto, uma forma de promoção da saúde (33). Nessa direção, pode-se ver o voluntariado como uma alternativa saudável para os aposentados. A preparação para aposentadoria nem sempre acontece, utilizando o voluntariado para se sentir reconhecido na sociedade. É importante que ocorra um preparo para esta nova fase da vida (34). COMENTÁRIOS FINAIS O voluntariado tem seu espaço garantido na área da saúde, respeitado, incentivado e até exigido pela Bioética. Emmanuel Levinás, filósofo francês, propôs sua ética da alteridade entendendo-a como aquela que (...) consiste em se abrir para o outro em especial para que o outro me apresenta de diferente, de desigual, que merece ser respeitado exatamente como se encontra, sem indiferença, descaso, repulsa ou exclusão pelas suas particularidades (35). Nesta ética da alteridade, em que Levinás entende ética como um ordenamento que vem para o homem a partir do seu encontro com o outro, vislumbramos a atividade do voluntário. É inquestionável que tanto a pessoa que atua como voluntário como aquela que recebe a atenção deste se beneficiam com a troca, independentemente da faixa etária ou da patologia existente. É importante, entretanto, que estas atividades sigam um protocolo institucional para determinar as ações da equipe voluntária, esperadas pelos profissionais da saúde, evitando conflitos desnecessários, que só viriam a prejudicar os envolvidos na ação. REFERÊNCIAS 1. Organização das Nações Unidas. Plano de ação Internacional para o Envelhecimento. Disponível em: http://www.observatorionacionaldoidoso.fiocruz.br/biblioteca/_manual/5.pdf. Acesso em: 17 set 2014. 250 2. Bocchi SCM, Andrade J, Juliani CMCM, Berto SJP, Spiri WC. Experiência do voluntário junto ao idoso dependente. Esc Anna Nery . 2010; 14(4):757-764. 3. Wessels B. Organizing capacity of societies and modernity. In Deth JWV. 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