territorios-subjetivos-da-arte - Teoria Interartes e Estudos de
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TERRITÓRIOS SUBJETIVOS DA ARTE: DO GIRO DO OLHAR AOS DESLOCAMENTOS DO CORPO. Marcio Pizarro Noronha (Dr. Em Antropologia – Estética – USP-SP; Dr. Em História – Ibero-América – Arte e Cultura – PUC-RS; Prof. E Pesq. Do PPG Mestrado em CULTURA VISUAL – FAV – UFG; Prof. E Pesq. Do PPG Doutorado e Mestrado em HISTÓRIA – FCHF – UFG; Membro do NUPEC – FAV – UFG; Líder de Grupo de Pesquisa CNPq -; Membro da Associação Brasileira de Antropologia – ABA; Vice-Presidente da FAEB - BRASIL) I O TEMA O tema desta fala pode parecer muito vasto e o título muito alongado. Mas creio que a perspectiva giroscópica que pretendo enunciar programaticamente dá a sustentação necessária a um ordenamento mais compacto e a junção de experimentos no campo da arte contemporânea – mas não somente desta – a partir de um enfoque teórico referente ao entendimento mais amplo do campo visual e da instauração de determinados modos de ver, referindo-se especificamente a categorias do olhar e da visão, do corpo, da subjetividade e, chegando, finalmente, aos deslocamentos provocados pelo conceito subjacente de “mau-olhado” ou teoria geral da inveja. Estes desdobramentos do meu próprio pensamento seguirão a condução de uma espécie de leitura comentada que proponho de um conjunto de textos apresentados por Jacques Lacan, em O seminário 11, no ano de 1964. A reflexão lacaniana sustenta-se aqui como uma espécie de conversação entre os textos de Freud e os estudos da Fenomenologia da Percepção e de O visível e o invisível, ambos de Maurice Merleau-Ponty. Nestes termos, Lacan quer saber de que matéria está constituído o campo visual propriamente dito, demonstrando sua especificidade pulsional (Freud), separando-o assim de outras formas da pulsão. Por isso, ressalta a função exercida pela forma – o formal para o visual é o que instaura uma verdadeira presença constitutiva e a intencionalidade geradora do movimento do olhar. Não há o visual sem um forma (Merleau-Ponty). Mas esta forma não é um simples formalismo, uma lógica dos objetos já instalados no campo visual. É no livro O visível e o invisível que se compreende esta fenomenologia do visual, esta dependência do visível em relação àquilo que nos põe sob o olho do que vê. Aqui eis o ponto de partida de Lacan: o olho de que fala Merleau-Ponty é a metáfora do EMPUXO daquele que vê – algo de anterior ao olho -, a preexistência de um olhar – eu só vejo de um ponto, mas em minha existência sou olhado de toda parte. Isto é o campo escópico de Lacan – ser visto, o que nos olha. É do lado daquilo que nos olha que se manifesta a pulsão. Ver proporciona o encontro com a representação, olhar faz escorregar a representação, instalar um imaginário como desvio ou anteparo para a percepção alucinada do real. É disso que falaremos aqui. II O PRIMEIRO QUADRO. O que vou apresentar aqui diz respeito aos desdobramentos da idéia de QUADRO no pensamento lacaniano e como esta perspectiva me permite fundar uma espécie de teoria não-sistêmica da arte em Lacan, ressaltando as questões concernentes à pintura e à ordenação do campo visual. Para compreender este pensamento iniciamos pelo modo como Lacan dá tratamento àquilo que conhecemos como sendo a percepção visual e sua fundação num território subjetivo – ou de como o Sujeito da Percepção se constitui. Neste ordenamento da percepção, Lacan recupera a experiência de Gelb e de Goldstein e as reflexões sobre o campo perceptivo de Merleau-Ponty. Sem estender o assunto, estas experiências demonstram que entre um ponto luminoso e um objeto (um disco preto) para o qual coincidem o feixe de luz projetada pelo ponto com a borda da superfície do objeto, a difusão da luz apenas nos permite encontrar uma percepção do campo de luz, ou seja, a luz se materializa – se densifica - e não nos permite visualizar o objeto propriamente dito. Mas quando colocamos entre o ponto e o disco (objeto) um determinado anteparo / quadro (um quadrado branco) o feixe se desfaz e a luz é conduzida a iluminar o objeto. Ou seja, a experiência demonstra que, quando vemos a luz não vemos os objetos e para ver os objetos precisamos de um anteparo para a realidade, deixando de ver o real da luz para podermos adentrar no mundo das coisas. O anteparo ou quadro ocupa a função do recalque – recalque do real alucinatório. E é neste recalque que pode nascer o Sujeito enquanto tal. A percepção do Real sem o Anteparo (o Quadro) não permite o desenvolvimento de uma percepção do mundo dos objetos, desfazendo-os em miríades de pontos luminosos, perdidos na densidade da luz (ela própria o objeto físico da percepção). Ver a luz não é ver as coisas do mundo. Para ver a Coisa é preciso recalcar um Real alucinatório (alucinação perceptiva). Para existir o Sujeito que olha para o Objeto, é preciso o Quadro. O Quadro é, portanto, o elemento que inicialmente barra o Olhar e permite a estruturação do Campo Visual. Só há um Campo Visual e uma Visualidade instalada quando o Olhar que, inicialmente fazia parte do próprio Campo do Real – ou seja, havia uma continuidade entre o furo pelo qual passava a luz e o cone de luz dispersa e densa –, é barrado do Outro. O que se quer é separar o olhar enquanto objeto do campo do real para que se possa efetivamente estabilizar uma visão do mundo.[1] “Assim como o ponto luminoso da experiência do cone esbranquiçado, o olhar, na primeira etapa, faz parte do Outro (representado pelo próprio cone). O olhar está aí presente no campo do Outro, fazendo parte dessa realidade alucinada que impede a visão, pois tudo está na escuridão. No segundo momento, quando da constituição do campo da realidade visual propriamente dito, o olhar fica excluído, ele é barrado: o pequeno papel branco desempenha seu papel de anteparo, de barreira, de tela. Quando o objeto olhar é barrado, Fiat lux: o campo visual se estrutura e a visibilidade advém. Esse olhar preexistente corresponde ao olhar como objeto a elidido do campo da realidade. No campo da realidade, o olhar está lá, presente, mas intangível. Ele fará sua emergência nesse campo de várias maneiras [...]. O olhar é barrado do Outro, mas o sujeito não cessa de lhe atribuir sua posse, inventando um Outro vigilante, panóptico. A barra sob o olhar é a condição da estabilidade e da constância da realidade que vejo. O olhar, como o Sol e como a morte, não pode ser olhado de frente.” (QUINET, 2002: 46) O olhar enquanto objeto disperso na realidade não nos permite uma figuração do desejo – ou seja, a instalação do campo visual. Para que haja a imagem do objeto no campo visual é preciso que o olhar deixe de ser o objeto e se faça aparecer figurado. Esta figuração não corresponde literalmente à idéia comum entre os raciocínios formalistas de uma figura figurativa. A figuração é aqui a transposição do objeto olhar – o ponto de causalidade de onde partia a luz – para o disco preto, que está do outro lado da barra / tela, fazendo-se formar uma imagem no campo escópico. O olhar é elidido e transferido. Mas o olhar ainda está lá, atrás da tela, aquém do campo visual estruturado e, por esse mesmo motivo, ele sempre pode extrapolar o objeto figurado e fazer o seu retorno. Neste retorno do olhar, ele próprio o primeiro objeto, teríamos a desordem das alucinações visuais, pois o olhar se fusionaria na própria luz – como já o vimos na experiência do cone de luz – e se multiplicaria em olhares invasores e invadidos. ENTÃO, PODEMOS TENTAR RESPONDER A ALGO: O que é o olhar? Uma tentativa. A importância que o sujeito dá à sua própria esquize está ligada ao que a determina – um objeto privilegiado, objeto a – surgido de alguma separação primitiva, de alguma automutilação induzida pela aproximação mesma do real. Não devemos aceder ao real, sob o risco de perder a realidade. Mas estamos lá, mergulhados nas miríades de vistas do real. Eis que, num instante, uma mutilação surge – pode ser até mesmo o peito da mãe, o peito enquanto objeto do qual somos separados num certo ritmo de entrada e saída, fuga e retorno. Esta relação primitiva, do duplo, instaura uma outra , a relação escópica, o objeto de que depende a fantasia à qual o sujeito está apenso numa vacilação essencial, é o olhar. Há uma expectativa de encontrar novamente aquilo de que fomos mutilados, aquilo que nos foi retirado como parte integrante de nosso ser inteiro, totalmente mergulhado no mundo, sem limites. Então o olhar instala-se como busca, como fome do olhar, fome de encontrar em todo e qualquer objeto aquilo que nos faz falta. O sujeito tenta acomodar-se a esse olhar, tornando-se ele próprio o olhar, esse ponto de ser evanescente, com o qual o sujeito confunde seu próprio desfalecimento. Ao fixar-se numa determinada imagem, o sujeito confunde-se com a própria função do olhar e vê-se vendo-se, numa evanescência, correspondente a própria morte do sujeito – seu desaparecimento no interior da função escópica. O sujeito identifica-se com o imaginário. Eis a função do espelho. Por outro lado, Lacan nos fala de um outro modo do olhar. No campo do visível ordenado – da visualidade, da ordem visual -, tudo o que é olhado passa a ser um quadro (olhado através de um quadro). Ao ser olhado, na condição de um quadro, minha posição de sujeito sustenta-se numa ordem imaginária. Este anteparo proporcionado pelo Primeiro Quadro nos permite aceder às representações por conta de uma imaginarização da ordem simbólica. [2] [Aqui, não estamos falando de representações, no sentido filosófico ou no sentido antropológico-sociológico e histórico do termo. Não estamos falando de um sentido iconológico da imagem que se sustenta numa rede histórica de significação de uma imagem. O imaginário diz respeito a uma função subjetiva de ser a mediação ou o anteparo no qual uma determinada identificação do ser com uma imagem permite uma entrada no real por intermédio de uma sombra, de um engodo. Esta imagem imaginária permite formular uma certa identidade.] O que temos, nestes termos, é um modo de sair do alucinatório da percepção e dar a entrar num real simbolizado (representacional) sem estar apenas no interior das representações mas através de imagens – objetos imaginários. “O desejo, ao percorrer os significantes inconscientes como uma corrente elétrica, os acende produzindo uma corrente de visibilidade. Por onde ele passa, a representação torna-se visível para o sujeito, ou seja, consciente. Esse aspecto da visibilidade da representação corresponde à imaginarização do simbólico, que se encontra no fundamento da imaginação propiciado pelo pensamento. Isso confere também o caráter imaginário ao objeto, ou seja, sua ‘substância de aparência’. As representações encadeiam-se segundo as leis da linguagem e têm, assim, um caráter de imagens quando investidas pela corrente chamada desejo. Como na alucinação da experiência da satisfação descrita por Freud, a representação se acende fazendo sua aparição alucinatória, pois vem no lugar onde a Coisa estava. É o gozo da Coisa que confere à representação seu caráter imaginário, inserindo-a no escopismo. Lá onde estava a Coisa escópica, adveio o objeto imaginário.” (QUINET, 2002: 56-57) Explicando: 1. Tínhamos adentro no campo das percepções alucinatórias do Real. Neles o olhar se punha ele próprio como sendo o nosso objeto a. [3] “O objeto a é algo de que o sujeito, para se constituir, se separou como órgão. Isso vale como símbolo da falta, quer dizer, do falo, não como tal, mas como fazendo falta. É então preciso que isso seja um objeto – primeiramente, separável – e depois, tendo alguma relação com a falta. [...] No nível oral, é o nada, no que aquilo de que o sujeito foi desmamado não é nada mais para ele. Na anorexia mental, o que a criança come é o nada. Vocês percebem, por esse viés, como o objeto do desmamem pode vir a funcionar, no nível da castração, como privação. O nível anal é o lugar de metáfora – um objeto por um outro, oferecer as fezes no lugar do falo. Aí vocês percebem por que a pulsão anal é o domínio da oblatividade, do dom e do presente. Lá onde somos pegos desprevenidos, lá onde não podemos, por motivo da falta, dar o que temos de dar, temos sempre o recurso de dar outra coisa. É por isso que, em sua moral, o homem se inscreve no nível anal. E isto é verdadeiro muito especialmente quanto ao materialista. No nível escópico, não estamos mais no nível do pedido, mas do desejo, do desejo do Outro. É o mesmo no nível da pulsão invocadora, que é a mais próxima da experiência do inconsciente. De maneira geral, a relação do olhar com o que queremos ver é uma relação de logro. O sujeito se apresenta como o que ele não é e o que se dá para ver não é o que ele quer ver. É por isso que o olho pode funcionar como objeto a, quer dizer, no nível da falta.” (LACAN, 1998: 102) 2. Depois, encontramos o anteparo que, ao barrar o olhar e sua fusão no campo escópico como um todo, nos permite construir uma imagem do objeto, construir um campo objetivo-objetual, fazendo aparecer o círculo negro no interior da sala escura. 3. Este anteparo, o Primeiro Quadro, então, não ele próprio uma representação do Real mas o mecanismo que faz acontecer a imaginarização da ordem simbólica, 4. 5. 6. 7. ou seja, que separa o objeto do mundo, dando-lhe a aparência de algo visível – o seu contorno. O olhar – e a Coisa, a morte - é, então, substituído pelo objeto imaginário. O objeto imaginário, para manter-se, deve ser capaz de promover uma sensação de gozo, evocando o gozo difuso anteriormente proposto pelo objeto olhar. Ele deve ser capaz de suportar estar no lugar do olhar, como anteparo organizador, comporta fechada para a desordem do psiquismo. Eis o que psiquicamente chama-se de efeito de beleza. A beleza é a sustentação estruturada do desejo no campo escópico. A beleza deve paralisar a aceleração provocada pelo olhar, seu desejo de devoração – olhar onívoro. O Belo é um logro para o Olhar. Ele engana o olhar e o paralisa numa determinada pastagem, oferece-lhe um alimento incansável. Eis sua função sublimatória. Fazer o olhar passar a um determinado visível – um objeto imaginário. Quando falha o objeto imaginário, volta o olhar e o seu mal-estar – o mauolhado.[4] O que é isso? O olhar disperso na alucinação volta-se agora para o próprio sujeito. Sem o Quadro, ele retorna ao Real. Não há barreiras, entramos numa visibilidade total, numa transparência do mundo em relação ao olhar e seu gosto devorador – a fome de ver. O primeiro Quadro é, portanto, o anteparo ou tela que permite a estruturação de um campo visual. Ele é a tela branca que permite ver o disco preto do outro lado. Assim, toda arte visual sempre se inicia, no campo perceptivo, com a instauração de um anteparo, uma tela branca. O que faz o artista-pintor? Ele mesmo metaforiza esta relação perceptiva, instalando um anteparo para o olhar. Quando a abstração propõe o branco sobre o branco ela esta querendo fazer coincidir a figura na operação. Ou seja, ela nos quer fazer compreender, por meio de uma redução que o mais relevante no quadro não é a presença de uma imagem figurativa mas o mecanismo que instaura um campo de realidade ordenado, ou seja, que permite que as percepções do mundo visível façam aparecer um branco do mundo enquadrado. Não importa o que se mostra pois tudo o que se mostra é apenas algo mais ou menos distante do Real. Assim, o realismo (e um naturalismo)[5], com privilegiamento para as ordens figurativas, é o máximo de distância ficcional do mundo e o modo mais complexo de ordenar ficcionalmente um mundo estável. Nestes termos, entre a mancha abstrata e a mancha figurativa existe uma continuidade e uma diferença estabelecida pelo grau de ficcionalidade que a obra possibilita.[6] Aqui, passamos do campo perceptivo para a questão da arte propriamente dita. III O SEGUNDO QUADRO “Nessa direção, uma chamada do mesmo Caillois nos guia, garantindo-se de que os fatos do mimetismo são análogos, no nível animal, ao que, no ser humano, se manifesta como artes plásticas, ou pintura. A única objeção que poderíamos fazer é que isto parece indicar que, para René Caillois, a pintura é bastante clara para que pudéssemos nos referir a ela a fim de explicar outra coisa. O que é a pintura? Não é por nada, evidentemente, que chamamos de quadro a função em que o sujeito tem que se discernir como tal. Mas quando um sujeito humano se engaja em fazer um quadro, em obrar essa coisa que tem por centro o olhar, do que é que se trata então? No quadro, o artista, nos dizem alguns, quer ser sujeito, e a arte da pintura se distingue de todas as outras pelo fato de que, na obra, é como sujeito, como olhar, que o artista pretende, a nós, se impor. A isto, outros respondem valorizando o lado objeto do produto de arte. Nessas duas direções, algo de mais ou menos apropriado se manifesta, que certamente não esgota o de que se trata. Adiantarei a seguinte tese – certamente, no quadro, sempre se manifestas algo do olhar. Bem sabe disso o pintor, cuja moral, cuja pesquisa, cuja busca, cujo exercício, são verdadeiramente, quer ele se prenda a isto quer ele varie, a seleção de um certo modo de olhar. Ao olhar mesmo os quadros mais desprovidos do que chamamos, comumente, de olhar, e que é constituído por um par de olhos, quadros dos quais qualquer representação humana é ausente, como uma paisagem de um pintor holandês ou flamengo, vocês acabarão vendo, como em filigrana, algo de tão específico para cada um dos pintores que vocês terão o sentimento da presença do olhar. Mas isto não passa de objeto de pesquisa, e ilusão talvez. A função do quadro – em relação àquele a quem o pintor, literalmente, dá a ver seu quadro – tem uma relação com o olhar. Essa relação não é, como pareceria à primeira vista, de ser armadilha de olhar. Poderíamos crer que, como o ator, o pintor visa ao você-me-viu, e deseja ser olhado. Não creio nisto. Creio que há uma relação ao olhar do aficionado, mas que é mais complexa. O pintor, àquele que deverá estar diante do seu quadro, oferece algo que em toda uma parte, pelo menos, da pintura, poderia resumir-se assim – Queres olhar? Pois bem, veja então isso! Ele oferece algo como pastagem para o olho, mas convida aquele a quem o quadro é apresentado a depor ali seu olhar, como se depõem as armas. Aí está o efeito pacificador, apolíneo, da pintura. Algo é dado não tanto ao olhar quanto ao olho, algo que comporta abandono, deposição, do olhar.” (LACAN, 1998: 98-99) As questões apontadas neste texto me permite pensar níveis diferentes da produção da arte contemporânea e, uma espécie de Teoria da Arte. A primeira delas é a que instala um plano metaforizável colado junto ao corpo do artista. A segunda é a que se põe no nível escópico. Na primeira, temos as artes do corpo – a body art, a performance art – e os experimentalismos artísticos no campo da arte abjeta e da Estética Relacional. Aqui, o artista, tal como a matriz expressionista da pintura, tenta construir um objeto substitutivo. O objeto – seja ele mesmo até o corpo ou parcelaridades do corpo do artista - se põe metaforicamente no lugar de alguma coisa que não pode ser vista (dada a ser vista). Assim, estabelece-se sempre uma espécie de troca, pela substituição ou pela relação. É um tipo de impotência do olhar que está sendo enunciada e denunciada por conta do artista. Como vimos, se o olhar não é barrado ele provoca o mau-olhado. Para saltar fora do mau-olhado, o artista oferece-se a si próprio – em diferentes instâncias – enquanto ele próprio o objeto sobre o qual se instalará a imaginarização. Ele substitui o Quadro (e o seu conceito) por algo como sendo o Corpo (ação do corpo ou ação sobre o corpo) ou a Fala (estética relacional). Ou ainda mais, substitui a produção do objeto de arte – objeto mágico, de poder, fetichizante, aprisionante – por uma cadeia de trocas intersubjetivas de objetos comuns, particulares, momentâneos, fugazes. O artista pede alguma coisa ao público. Pede que lhe olhem, pede que lhe dêem, pede que falem, que testemunhem. Essa arte só pode existir enquanto metáfora da arte. Aqui há impotência, mas não há logro. Falha do trompe l’oeil da pintura como modelo para toda a arte visual. E teríamos ainda um problema de ordem classificatória: estaríamos ainda diante de uma arte visual? Ou este termo já não faria mais qualquer sentido, em sua classificação de ordem perceptual-psíquica? Não é disto que estes artistas estão falando e não é isto que estes artistas estão fazendo, saindo do campo do visível para sair do jogo do olhar, temerosos que são da grande expansão do escópico no mundo contemporâneo – sociedade de vigilância, sociedade de controle? Numa segunda versão, o artista insiste em permanecer no nível escópico, permanecer dentro da estrutura do campo do visível. No nível escópico, não estamos mais no nível do pedido – da imensa demanda do corpo do artista, como o enunciamos aqui -, mas do desejo. Já falamos um pouco sobre aquilo que o olhar instaura no campo escópico enquanto sua função propriamente dita e que fica deveras explicitada no campo da arte: o logro, o engano. O que toda a pintura faz, segundo Lacan, é lograr o sujeito oferecendo-lhe a ver aquilo que ele não quer ver. Tudo isto deve-se ao modo como se organiza o próprio campo escópico, segundo Lacan. Quando o olhar encontra o anteparo e a coisa aparece do outro lado, algo se forma desse lado e faz aparecer também, simultaneamente o próprio sujeito. Assim, as coisas que se me aparecem aos olhos dizem respeito diretamente ao desenvolvimento de uma estruturação subjetiva, de um determinado Sujeito. Só há coisa vista quando há o Sujeito. Mas fazemos sempre a questão de manter uma certa distância das coisas e estamos sempre a nos enganar neste sentido. Estamos sempre a mascarar o modo como somos olhados pelas coisas, para mascarar a exterioridade da organização do Sujeito em relação ao campo do visível. Só há um visível ordenado por haver um sujeito e um objeto que é sempre algo que nos olha, dentro de um campo imenso da estruturação subjetiva. Assim, quando falamos de arte não estamos falando de representações sociais e / ou de representações individuais. Estamos falando do modo como somos postos `a vista do mundo e como somos vistos enquanto sujeitos que possuem uma visão do mundo que nos olha permanentemente, nos instituindo enquanto tais. Nesta visada subjetiva, o território da arte propriamente dita diz respeito sempre a este auto-engano e a este engano promovido pelo próprio artista. O que se passa o tempo todo é a captura do Sujeito não pela ordem da representação (esta se passa mais no plano do conceito e, portanto, diz respeito à Lei e à Ordem Simbólica) mas pela ordem imaginária. A realidade aparece aos olhos do vidente e da arte enquanto sustentada em conjuntos imagéticos (ordem imaginária), num jogo entre a luz excessiva do Real e a presença de um anteparo fixador de um campo imagético, que permite forçar a existência de um conjunto de sombras – enganadoras – e que me dão um acesso a um visível do Real. Este não é um problema representacional, questão que não deve restringir o campo da ação artística. É a idéia mais contemporânea do “território livre”, onde arte não diz respeito a determinados conjuntos categoriais – conceitos, explicações, modelos interpretativos, representações sociais – mas aciona um jogo radical de enganos – de sombras – que lhe darão um acesso oblíquo, bifurcado, labiríntico, para o Real. Lacan nos ensina que a arte da pintura – na humanidade - exerce a mesma função que o mimetismo exerce no reino biológico. A pintura se oferece aos olhos do espectador enquanto logro mimético, tomando o lugar de uma representação e substituindo-a por uma imagem. O logro fornecido pelo visível pode ser o de um engano por efeito de real, um mascaramento, um ocultamento ou ainda um travestismo de caráter estético. Esta imagem fornecida pelo modelo da pintura – para a teoria não-sistêmica da arte em Lacan – deve apenas ser um a mais a ser visto no mundo, contíguo a ele sem, necessariamente ser-lhe um substituto ilusório. O jogo do objeto visual não é o de ser uma cópia, segundo Lacan. Mas portar-se no mundo como sendo ele próprio um objeto particular e autonomizado, destinado a fornecer este lugar de afastamento das representações instituídas. Assim, a pintura (a arte visual e do visível) é um engano da representação. O que ela faz justamente não é cópia do objeto sensível ou um simulacro. O que ela faz é propor em graus distintos uma contigüidade ao Real, inacessível perceptivamente – pois de ordem alucinatória. Para isto, para fornecer um caminho de vidência do Real, ela precisa declinar – afastar-se – das representações e concorrer com elas. O problema do imaginário não é com o real, é um problema com as representações. Sua briga é com esta instância. A imagem disputa com o conceito o lugar de um saber do mundo. Pois a arte é uma aparência que diz acerca do seu próprio aparecimento – sua dimensão intelectual, autoexplicativa. Neste circuito, a imagem pode se afastar dos conceitos (mentais) e de suas abstrações, mantendo seus próprios mecanismos de funcionamento liberados. Esta imagem deve ainda ser capaz de se sustentar no exercício de depor a força do olhar de quem a contempla, ou seja, deve curto-circuitar o olhar – na sua devoração do mundo – e apaziguar o olho. Nestes planos, uma obra de arte / um objeto artístico (a pintura em Lacan) é uma enganação que se expande num grande circuito social. Este circuito se inicia nas instituições religiosas, passa pelo mecenato, pelo marchand, o galerista, e, hoje em dia, pelo curador de exposições. Todos eles – em suas funções especializadas – estariam sempre desejosos de arrendar este objeto a que é a obra. Este arrendamento implica num reducionismo a um determinado circuito seja ela de troca econômica efetiva ou de uma troca na economia simbólica. De todo o modo, estes circuitos querem sempre instalar determinados modos de ver (na expressão feliz de John Berger). Eles querem impedir a livre-circulação do objeto a, mantendo-nos dentro de um determinado modo de olhar. O que eles desejam é justamente concentrar a imagem em algum “cadinho” da representação – represando-a para um determinado conceito do que deve ser visto. Nestes termos, podemos pensar em uma certa história da arte contada através destes modos de ver. Teremos aqui, segundo o texto lacaniano: 1. OS ÍCONES. “Os ícones [...] têm manifestamente por efeito manter-nos sob o olhar. Poderíamos parar aí, mas isto não seria sacar verdadeiramente o motivo que faz com que o pintor se engaje em fazer esse ícone, e o para que ele server ao nos ser apresentado. Há olhar lá dentro, certamente, mas ele vem de mais longe. O que constitui o valor do ícone, é que o deus que ele representa, também ele o olha. Supõe-se que ele agrada a Deus. O artista opera, nesse nível, no plano sacrificial – jogando com o fato de existirem coisas, aqui imagens, que podem despertar o desejo de Deus.” (LACAN, 1998: 110) 2. AS PINTURAS EM ESPAÇOS PÚBLICOS / COMUNAL. “E o que é que os povos vêem nestas vastas composições? O olhar das pessoas que, quando eles não está lá, deliberam nessa sala. Por trás do quadro, é o olhar delas que está lá.” (LACAN, 1998: 110) 3. A ARTE MODERNA. “Nada de novo é introduzido a este respeito pela época que André Malraux distingue como moderna, essa em que vem a dominar o que ele chama o monstro incomparável, isto é, o olhar do pintor, que pretende impor-se como sendo, apenas ele, o olhar. Sempre houve olhar lá detrás. Porém – aí é que está o ponto mais sutil -, esse olhar, de onde ele vem?” (LACAN, 1998: 110) NA ARTE MODERNA O OLHAR DO PINTOR GOSTARIA DE ESTAR POR DETRÁS DE TODO O OLHAR, SEM DEUS OU SEM A CULTURA QUE SOBRE ELE INCIDE. É A PERSPECTIVA DESTE MONSTRO DA ABSOLUTA AUTONOMIA DO CAMPO ESTÉTICO. Em todas elas, modos de ver ordenados em torno do olhar, um modo diverso de pensar a história da arte. O visual deve ser religado a uma coisa chamada função das imagens – como o fez a perspectiva, por um certo tempo. O campo escópico é algo diverso disso e o quadro e a pintura não podem ser reduzidos a este território das imagens simplesmente. O que acontece com a ordem do visual é outra coisa. Caso contrário, ele já não necessitaria de uma existência própria e não teria um funcionamento pulsional. Se não houvesse a sua especificidade, ele teria sido substituído no interior do Renascimento pela própria geometria e um cego poderia ver, como o diz Lacan. [7] É neste ponto que precisamos separar uma percepção do mundo espacial ordenado – passível de ser apreendido matematicamente (numa geometrização do mundo), o que inaugura o Renascimento – e uma percepção do mundo visual e do visível. São questões distintas. No nível geometral-espacial, temos a possibilidade de delimitar os corpos no espaço. Na imagem visual – na pintura enquanto seu modelo – estamos diante de uma outra coisa. Não estamos falando de correspondências entre pontos no espaço e de linhas que podem ser desenhadas para recobrir as superfícies mas estamos diante de um experimento que deve ser capaz de ser um correlato do próprio olhar, em sua miríade de disposições perceptivas desordenadas. O que uma obra visual deve ser capaz de acionar é justamente a capacidade de ocupar este ponto que antes estava ocupado pelo próprio olhar. Caso contrário, estarei diante de qualquer outro tipo de percepção e de ordenação, que não diz respeito ao olhar e ao visual-visível. É aqui que se encontra, neste momento, o ponto nevrálgico de minhas preocupações estéticas e artísticas: encontrar o correlato da função do olhar na obra contemporânea para que isto seja a pista necessária a me dizer, eis-me aqui, diante de uma obra de arte – visual – ou, eis-me aqui, diante de alguma outra coisa, que enuncia algo para o campo do visível sem estar dentro dele. E, creiam-me, é um grande problema este. Pois ele diz respeito novamente a redefinir o que é o olhar e como uma obra pode estar ocupando o seu lugar. Para Lacan, a função olhar estaria reencenada no quadro, justo pelo mecanismo original do anteparo – quadro I. Assim, o quadro seria o que me permitiria definir um modelo para a arte visual por excelência, a pintura. Pois o quadro, como ele mesmo nos disse acima, tem por centro / por objeto o olhar. Então o quadro-anteparo faz o quê? Ele resume, ele concentra em si, as dimensões do sujeito (artista) e do seu olhar (seu olhar imposto ao outro) e do objeto (obra de arte, um produto que apenas denuncia o rastro do sujeito por meio de assinatura ou de pistas que estão amalgamadas ao gesto). Mas ainda mais, ele oferece um determinado – particularizado – modo de ver, que é destinado justamente ao olhar como função geral, que faz parar a percepção alucinatória – e devoratória – do olho que a tudo deseja e destina-se a, numa demanda de autoridade, apresentar o mundo – imaginariamente. Ele apresenta um mundo, presentifica-o. Não é de símbolo que estamos falando neste grau e, portanto, não é de uma iconologia. É de outra coisa mesmo. É de uma autoridade – da arte – em dizer como algo deve ser visto, postandose lado a lado com o real e fornecendo-nos uma visada do real. Esta miragem quer fixar nosso olho alucinado, quer fazer com que a função escópica se sinta plenificada neste anteparo – neste objeto, neste quadro-modelo. Como o olhar é algo da ordem do psiquismo e seu circuito alucinatório corresponde ao jogo do mau-olhado, Lacan indica – seguindo Freud – que a arte manteria sim a sua função sublimatória, ou seja, a sua capacidade – boa – de paralisar o mau-olhado em uma única visada. Ao olhar devorador, o artista oferece o Segundo Quadro (a pintura, o objeto), que deve ser capaz de satisfazer o olhar na contemplação – a contemplação seria a ordem da sublimação de um desejo háptico intensificado em todo o sujeito. Neste instante compreendemos que a satisfação visual encontra-se, para Lacan, no eixo do logro, do trompe l’oeil. Portanto, as formas expressivas são, elas próprias, as mais distantes do reino do visual. Elas querem efetivamente satisfazer o olhar – em sua carnalidade – e não em sua dimensão contemplatória. Elas caminham na direção do corpo. IV O TERCEIRO QUADRO Eis aqui uma última formulação para que se estabeleça uma conversação. Esta diz respeito a algo mais especificamente à ordem do gesto, àquilo de que se fala ainda quando se pensa na pintura e no quadro. É do gesto que se pontua o acontecimento final, o quadro. Assim há sempre um gesto instituinte de um visível. “Não esqueçamos que a pincelada do pintor é algo onde termina um movimento. Encontramo-nos aí diante de algo que dá novo e diverso sentido ao termo regressão – encontramo-nos diante do elemento motor, no sentido de resposta, no que ele engendra, para trás, seu próprio estímulo.” (LACAN, 1998: 111) Ou seja, segundo Lacan, o ponto final é o ponto gerador do gesto que o realiza. É o desejo de sujar uma determinada superfície, com uma pincelada qualquer. Este desejo instaura um movimento regressivo para que ocorra a ação propriamente dita, instituindo o gesto de pintar. “É aí que está aquilo pelo que a temporalidade original, pela qual se situa como distinta a relação a outro, é aqui, na dimensão escópica, a do instante terminal. O que na dialética identificatória do significante e do falado se projetará para frente como precipitação, é aqui, ao contrário, o fim, o que, no começo de toda nova inteligência, se chamará o instante de ver.”(LACAN, 1998: 111) Assim, o visual surge como sendo um gesto distendido numa temporalidade determinada, um tempo de acontecimento, iniciando no ponto terminal da pincelada efetiva e voltando-se para trás, no gesto que faz marcar este traço. Eis o que podemos determinar como sendo uma miragem no deserto.[8] É como se não o víssemos. É como se ele não tivesse acontecido, encontrando-se no intervalo entre o desejo e o traço realizado. O que marca a sua força é justamente este tempo precipitado, contido todo ele no significante – no traço, na marca, no fim. Eis a enunciação (anunciação) do instante de ver. Ver é ver o traço e a força da precipitação posta em cada trecho de uma pintura determinada. Ver é faze coincidir a pintura inaugurada com a própria batalha do olhar devorador[9]. Esta batalha do artista na construção de um algo visível deve corresponder a uma determinada força exercida até o acúmulo ser precipitado com potências específicas sobre a tela. Esta força advém da pulsão escópica – da pulsão do olhar. O que ele pode querer? O que ele pode fazer? Não é aqui que se cria (não é o ato criador) mas o tempo da parada. Podemos conduzir aqui ao instante em que se opera o logro no campo da arte. O bom exemplo é o das lutas marciais. Para que ocorra o golpe (a ação, o ato em si, a criação e a criatura) é preciso que esta seja antecipada em diferentes direções por um gestual. O lutador oferece seus gestos antes de chegar a um só golpe, ou seja, para cada pincelada uma série de operações gestuais enganatórias. Elas travestem a produção e o produto e criam a atmosfera necessária para o artista – o rito operatório do próprio artista. O gesto pode ser apenas um silêncio, um tempo de pausa entre uma pincelada e outra, entre um traço e outro. Voltando aos modos de olhar (e de ver), o artista moderno, sem deus ou sem um povo, estando ele próprio no lugar do olhar, como ele faz funcionar o olhar se o seu desejo dobra-se sobre a sua própria função subjetiva? Justamente, como sustenta Maurice Merleau-Ponty, através de uma fenomênica do gestual, fazendo o gesto de DAR-A-VER, neste exercício da potência e da força (subjetiva) onde ocorre uma queda do sujeito e do seu desejo, pois ele nunca saberá do acontecido efetivo a não ser a posteriori. O artista determina neste momento uma autoridade do que deve ser dado à visão contemplativa mas ele só sabe o que antecipou após a passagem de tempo do gesto, ele desconhece o caminho desse DAR-A-VER – caminho que é traçado a cada momento em que realiza o gesto de ir-e-vir na pintura, nesta batalha, neste teatro, que é realizar uma pintura. ENTÃO, O PINTOR PRODUZ UM GESTO QUE É O DE DAR-A-VER ALGO. EM QUE ISTO PODE SER PENSADO COMO SENDO SUBLIMATÓRIO, PACIFICADOR? O PINTOR OFERECE UMA PASTAGEM PARA QUALQUER OLHO, COM SUA FOME DE VER – O APETITE DO OLHO. A PINTURA ENCANTA POR SUPRIR O APETITE DO OLHO. ESTA FOME DE VER, ESTE ATO ENCANTATÓRIO DO OLHO ENCONTRA-SE EXPLICITADO NA FIGURA DO MAU-OLHADO. O QUE É UM MAU-OLHADO? É O PODER SEPARATIVO DO OLHO QUE ESTÁ EM JOGO. O OLHO QUE OLHA E RECORTA A REALIDADE – QUE DESTROÇA O MUNDO EM SUA REALEZA (E EM SEU REAL). O OLHO PODE SEPARAR SIMBOLICAMENTE AS COISAS E SEUS PRODUTOS – separar o leite do peito (secar o leite) diz Lacan, etc. O olho possui o poder da INVIDIA (invidia, videre, inveja). “Para compreender o que é a invidia em sua função de olhar, não é preciso confundi-la com o ciúme. O que a criancinha, ou qualquer pessoa, inveja, não é de modo algum, necessariamente, algo que ela poderia ter vontade, como impropriamente se exprime. A criança que olha seu irmãozinho, quer dizer que ela ainda precisa da teta? Todo mundo sabe que a inveja é provocada pela possessão de bens que não seriam, para aquele que inveja, de nenhum uso, e dos quais ele nem mesmo suspeita a verdadeira natureza. Esta é a verdadeira inveja. Ela faz empalidecer o sujeito diante do quê? – diante da imagem de uma completude que se refecha, e do fato de o a minúsculo, o a separado ao qual ele se suspende, poder ser para um outro a possessão com que este se satisfaz [...].”(LACAN, 1998: 112) A arte deve possuir este poder encantatório de ser o anteparo para a inveja e, ao mesmo tempo, ter o poder da própria inveja (função psíquica do olhar), colocando-se num intervalo, com toda a sua força separativa da coisa e do produto. É por isso que a boa arte é sempre, nesta instância, autonomizada do Sujeito. Pelo simples fato de que temos UM SISTEMA QUE SE COMPLETA SOBRE SI MESMO – UM QUADRO – que ENCONTRA-SE JUSTAMENTE NA POSIÇÃO DO ANTEPARO E DO a MINÚSCULO. DIANTE DO QUADRO, QUE QUER SACIAR MINHA FOME DE OLHAR – MEU VOYEURISMO, MINHA INVIDIA – UMA FUNÇÃO PACIFICATÓRIA SE INSTAURA. ESSA IMAGEM COMPLETA É A PASTAGEM QUE PRECISO PARA DEPOR MEU OLHAR. “Esse tempo do olhar, terminal, que completa um gesto, eu o ponho estreitamente em relação com o que digo, em seguida, do mau-olhado. O olhar, em si, não apenas termina o movimento, mas o cristaliza. Olhem essas danças de que lhes falava, elas são sempre pontuadas por uma série de tempos de parada em que os atores param numa atitude bloqueada. O que é essa estancada, esse tempo de parada do movimento? Não é nada mais que o efeito fascinatório, no que se trata de despojar o mau-olhado do seu olhar, para conjura-lo. O mau-olhado é o fascinum, e é precisamente uma das dimensões em que se exerce diretamente a potência do olhar. O instante de ver só pode intervir aqui como uma sutura, junção do imaginário e do simbólico, e é retomado numa dialética, essa espécie de progresso temporal que se chama precipitação, arroubo, movimento para frente, que se conclui no fascinum.” (LACAN, 1998: 114) Esse movimento.ritualístico se exerce ele próprio por um mecanismo de funcionamento do campo escópico. A parada visa fascinar, ou seja, visa despojar o mau-olhado do seu olhar. Neste exercício giratório do olho que a tudo quer devorar, a arte é um anteparo paralisador. Ela fascina a ponto de dizer “pare, veja, olhe isso!”. Olhe para isso o tempo todo. Contente-se com isso, goze com isso. Fique suprido, fique nutrido por esta fascinação. Mas esta nutrição é o bom engodo da arte. Pois ela não nos alimenta. Ela apenas engana a nossa fome de ver. Eis o objeto encantatório da arte. Ele faz com que o nosso olho ruim, colocando-se enquanto quebranto sob todo o campo do visível (no real, num sensível alucinatório), faça uma pausa. No sistema de contemplação do quadro, a potência da inveja passa ao objeto – o objeto nos olha e, de onde olha, nos convoca a ser visto intermitentemente. Ele precipita o olhar que gira no buraco do quadro. Fora do espelho, fora do quadro, estamos fora também do campo ordenado do visual. Não há arte visual sem que se deseje a contemplação ou a devoração do visível. Para que algo seja visto ou para que o desejemos enquanto coisa à vista, o artista deve ser capaz de reter algo de um residual, de um resíduo humano que materializa e torna inoperante tudo o mais. Para além de uma etologia, uma estética. Essa estética é um engodo do resíduo. Não há arte abjeta exclusivamente pois, toda a arte possui um dado de abjeção. Toda a arte, num sentido residual, é um abjeto. O que se quer do abjeto é a qualidade estética do resíduo. É nesta qualidade que se instaura a contemplação e, portanto, a parada. Para finalizar, ficarei com dois trechos de Lacan que me abrem diversas outras possiblidades reflexivas e que os deixo, como rastros para o diálogo. “Será que a questão não deve ser tomada mais aproximadamente a isso que chamei de chuva do pincel? Será que se um pássaro pintasse, não seria deixando cair suas penas, uma serpente suas escamas, uma árvore se desfolhar e fazer chover suas folhas? Ato soberano sem dúvida pois que passa a algo que se materializa e que, por essa soberania, tornará caduco, excluído, inoperante, tudo que, vindo de outro lugar, se apresenta diante desse produto.” (LACAN, 1998: 111) E ainda “A autenticidade do que vem à luz na pintura é minorada em nós, seres humanos, pelo fato de que, nossas cores, temos mesmo que ir procurá- las onde elas estão, quer dizer, na merda. Se fiz alusão aos pássaros que poderiam se deplumar é porque nós, nós não temos essas penas. O criador não participará jamais em nada além da criação de um pequeno depósito sujo, de uma sucessão de pequenos depósitos sujos justapostos. É por esta dimensão que estamos na criação escópica – o gesto enquanto movimento dado a ver.” (LACAN, 1998: 113) ] O artista visual não pode deixar suas penas, pois não as possui. Então, ele precisa encontrar outra coisa que lhe permitirá materializar algo no processo de produção do seu resíduo. A pena abandonada, a escama, as folhas caídas, tudo resíduo do mundo. O mundo pinta e torna visível seu traço, justo no seu resíduo. O artista não possui outro resíduo a não ser aquilo que o humano deixa na sua passagem física pelo mundo – seus líquidos, suas pastas, suas gorduras. Ele precisa fazer algo a partir deste depósito. Então, ele faz o gesto que inaugura o estado da arte diante / dentro / fora de seu abjeto. _________________________________ [1] Nos termos de Lacan, no núcleo da resistência, encontra-se o Real, um lugar no qual estaríamos dentro das sensações-percepções, num intensivo sentimento de realidade que autentifica a nós esta condição. Isto é o “despertar da primavera” (Wedekind), para estabelecer algum tipo de paródia. [2] Segundo Antonio Quinet, o olhar – objeto a - presentifica-se (modos estruturais do retorno do objeto olhar, elidido do campo da visão) principalmente de dois modos: - O espelho – e o reflexo da imagem / imagem narcísica; - O quadro – a mancha no quadro do vidente / fantasia. Para existir o sujeito deve extrair o objeto a (o olhar), identificando no seu lugar o furo, o vazio, o buraco, a perda, a falta por ele deixada. Ao extrair o espelho ou a imagem do quadro deve permanecer ali um buraco, um vazio da representação. O objeto a está, portanto, no lugar da representação, tapando o furo do seu vazio instituinte. Quando retiramos o olhar eis o sujeito. Portanto, neste perspectiva, não há um sujeito do olhar, pois o olhar está na posição do objeto a. O que há é outra coisa: Há um sujeito que é olhado pelo objeto enquanto imagem narcísica ou imagem fantasística, eis a função do olhar, instaurar lugares de narcisismo e lugares de fantasia. Para advir daí o sujeito é preciso retirar o que se encontra na posição do olhar e nela identificar o vazio. O furo constitui o lugar do sujeito e não o lugar do Outro. O sujeito então pode estrategicamente fazer voltar ao buraco o objeto causa do desejo. Para tanto, ele aciona a imagem do eu (imagem do outro), envelope imaginário do objeto – narcisismo -, ou a fantasia em que coloca em cena sua relação com o objeto – fantasia, fantasma. Ou seja, no lugar do olhar – objeto a – o sujeito funciona substituindo o olhar por um espelho (narcisismo) ou por um quadro (fantasia). Eis a realidade imaginada por cada sujeito, sendo ela sempre imaginária. O imaginário é estruturado segundo a fantasia – ou seja, segundo o modelo do quadro. O mundo é olhado através desta janela da fantasia, ou seja, a abertura do furo para o real é tapada pelo sujeito com uma imagem, um quadro da fantasia, para exercer um não ver o Real mas para vê-lo imaginariamente. (função da janela para o sujeito). Então a janela é justamente o furo do Outro que pode ser tapada com um espelho ou com uma imagem. [3] “O objeto a, por sua vez, é o conceito lacaniano que aponta e nomeia o retorno no real do gozo esvaziado da Coisa pela lei simbólica, ou seja, o resto da operação simbólica promovida pela lei.” (QUINET, 2002: 59) Nos termos de nosso trabalho, o objeto a é, primeiramente, o olhar, e secundariamente, instalado, o anteparo, o objeto imaginário que se põe no lugar do olhar. Por isso, não há lugar sensível do objeto fora do sujeito, como na analítica da beleza. Ele não está do lado das coisas, muito antes pelo contrário. Ele encontra-se em contigüidade com a posição do sujeito, estando no seu lugar quando é o olhar e, fazendo aparecer o sujeito quando depositado sobre o objeto imaginário – sobre diferentes objetos imaginários que irão sendo depositados em diferentes objetos do mundo sensível. [4] Para entendermos esta questão devemos, seguindo a leitura de Quinet para o texto de Lacan indicar a questão do objeto enquanto produção de um valor precioso, dado ao oferecimento, num estado indicado como sendo simbólico (troca simbólica) e não necessariamente monetário (Mauss; Bataille; Lacan; Baudrillard). “A noção de valor no estado pré-monetário nos é indicada, portanto, pelo termo AGALMA, o qual é animado de um poder próprio que é transferido àquele que o possui. [...] Diante do poder do objeto agalmático, o outro como Alcibíades, só pode obedecer por ter ficado subjugado ao nível de seu desejo, pois AGALMA enquanto objeto causa do desejo tem como efeito a produção de um sujeito desejante. É o objeto diante do qual o sujeito se apaga em fading, mas também ao qual o sujeito está preso pela âncora de seu gozo. O olhar como agalma é uma das formas de ancorar o sujeito a seu gozo diante do qual o sujeito se apaga. AGALMA se apresenta sobretudo no campo escópico, como atesta sua etimologia. Os autores aproximam sua raiz de ALAMAI que significa (eu) ADMIRO, e, também, (eu) INVEJO, TENHO CIÚME DE. Encontramos o AGA no nome de Agatão, cuja etimologia, AGASTON, significa admirável, e o GAL que é o mesmo de GALENEN, o MAR QUE BRILHA, e em GLENE, a PUPILA, onde encontramos, de forma explícita a associação entre o olho e AGALMA. Esse mesmo GAL significa esplendor, ÉCLAT no francês antigo, origem da palavra GALANT. Objeto mágico, objeto galante, AGALMA participa do charme como uma armadilha para capturar inimigos, tal o cavalo de Tróia descrito como MEGA AGALMA. Mas é sobretudo como objeto de oferendas que ‘AGALMA surge como uma espécie de cilada para os deuses. Aos deuses, esses seres reais, existem truques que lhes enchem os olhos’. (QUINET, 2002: 62-63) E mais ainda: “No tocante ao olhar como objeto a, esse olhar é por um lado um objeto perdido do Outro e repentinamente reencontrado como agalma , que causa o desejo pois vem como um a-mais dos objetos, um mais-de-olhar, com seu brilho de maravilhamento que faz do sujeito um puro efeito de desejo. Por outro lado, a outra vertente do objeto a é aquela que traz o gozo como fundamentalmente mau em sua face mortífera, para além do princípio de prazer: gozo conotando a angústia de castração, tema que desenvolveremos no capítulo seguinte.”(QUINET, 2002: 65) Nas artes visuais, o AGALMA sempre esteve instalado enquanto encadeamento de poder social do objeto – poder mágico do objeto – poder de subjugação fetichizante do objeto (poder do desejo). Eis a função psíquica da beleza, gerar admiração e o seu duplo na inveja (e o império da cobiça generalizada, tal como nas culturas arcaicas, onde objetos eram mostrados e destruídos perante um público, como demonstração de uma economia baseada num circuito de inveja) e no ciúme. Este objeto instalado no campo do visível deve ser admirado por todas as suas potências. E Lacan ressaltaria ainda, a função preponderante deste objeto – a pintura, especialmente. O que a pintura pretende é ser, ela própria, um olhar, um olhar que oferece aos olhos dos contempladores (função do sublime instalada mais no campo da recepção do que da produção da obra), um truque – um trompe l’oeil. Para ser fisgado pelo objeto mágico e de poder ele deve possuir algo que não é apenas da ordem simbólica – outras coisas o possuem. Ele deve ser capaz de ser “objeto interessante” no campo mesmo do imaginário, fazendo-se poderoso e visível, mágico e visível, fetichizante e visível. Por esse funcionamento a dimensão representacional desloca-se e faz da cadeira algo mais que uma cadeira, por exemplo. O que o artista pretende é lograr a representação, para que o sujeito se fixe neste encontro e substitua a representação pela imagem (objeto imaginário), mesmo que temporariamente. No campo da arte contemporânea, a ampla reflexão acerca do objeto (e do abjeto) tem se posicionado também num conjunto outro determinado enquanto sendo a Estética Relacional. Considero a questão de grande importância, ao menos no que diz respeito ao plano intelectual da obra visual. Aqui, o artista pretende instalar uma reflexão acerca deste estado da troca simbólica no campo artístico, superada pelo sistema de monetarização da obra de arte e pelo sistema de contemplação – mecenato, marchand, curadoria. Neste conjunto problemático, a solução que ele (o artista) aponta é a do apagamento do objeto-produto e a sua reposição para o campo mesmo da relação de troca simbólica, ressaltando novamente as qualidades de poder social e de poder mágico nos quais se envolve o campo relacional. Tratado enquanto objeto imediato pelo artista, há uma simplificação da função simbólica nos seus registros sócio-culturais – na estética relacional. O artista quer fazer desaparecer o objeto AGALMÁTICO para fazer voltar o quê? Pois, quando falamos não estamos tratando especificamente dos objetos empíricos e sensíveis mas estamos enunciando algo acerca de uma relação preenchida por um anteparo para que se institua mesmo uma determinada ordem simbólica. Este posicionamento nos permite fazer ver um deslocamento do objeto visível para um objeto falante, numa cadeia infinita, sem repouso e sem uma instância para o apagamento do sujeito diante do objeto a olhar (objeto olhar)? Ou seria, por outro lado, um risco de fazer desaparecer o olhar definitivamente da cena? Ou seria ainda a instalação de uma diferença diante de uma sociedade que se pretende toda ela no campo escópico (sociedade do olhar do Grande Irmão)? [5] “Inversamente, o que eu olho não é jamais o que quero ver. E a relação que evoquei ainda há pouco do pintor e do aficionado é um jogo, um jogo de trompe l’oeil, o que quer que se diga a respeito. Aqui nenhuma referência ao que chamam impropriamente figurativo, se vocês põem dentro disso não sei que referência à realidade subjacente.” (LACAN, 1998: 100) O REALISMO É APENAS O MELHOR TROMPE L’OEIL. O OLHAR – AQUILO QUE SE MOSTRA, AQUILO QUE NOS OLHA – DEVE ENGANAR O OLHO – AQUILO QUE VEMOS. O QUE SE TRATA SEMPRE É DE ENGANAR O OLHO. [6] Podemos pontuar aqui uma diferença signficativa e uma espécie de híbrido perceptivo no campo dos expressionismos e seus desdobramentos gestuais. Aqui, nos termos de nosso raciocínio, o artista não quer aderir ao grau de ficcionalismo do realismo e tampouco quer estar no centro da ordenação do campo perceptivo, o da mancha abstrata. Ele quer operar num intervalo entre estes dois funcionamentos. De um lado, ele se esforça para aproximar o gesto do próprio movimento do mundo (e da corporeidade do artista, atingida aqui como sendo um certo senso alucinatório do real), desejando fazer coincidir novamente o olhar com a superfície do anteparo (a tela). Nos termos do próprio Lacan, “O que cria problema é que toda uma face da pintura se separa deste campo – a pintura expressionista. Esta, e é o que a distingue, oferece algo que vai no sentido de uma certa satisfação – no sentido em que Freud emprega o termo quando se trata de satisfação da pulsão – de uma certa satisfação ao que é pedido pelo olhar.” (LACAN, 1998: 99) A pintura expressionista faz falhar o trompe l’oeil – o logro proposionado pelo artista – e repõe no seu lugar um entendimento de que o anteparo pode estar dentro da ordem do real perceptivo, por isto a sua sensação de desordem pulsional, mesmo quando nos oferece uma imagem figurativa. [7] A visão se ordena de um modo que podemos chamar, em geral, a função das imagens, numa correspondência ponto a ponto de duas unidades no espaço. Desde o Renascimento, tudo que é do modo da imagem no campo da visão é redutível a um esquema, a uma projeção numa superfície plana, embasada na idéia do ponto geometral. PODE-SE CHAMAR IMAGEM O QUE QUER QUE SEJA QUE FOR DETERMINADO POR ESTE MÉTODO – NO QUAL A LINHA RETA REPRESENTA O SEU PAPEL QUE É DE SER O TRAJETO DA LUZ. O quadro seria justamente esta superfície plana que funciona como sendo o anteparo para uma visão ordenada – projetiva – do mundo. Por isso a brincadeira. Aqui um cego pode ver. Ver seria apenas conceber um mundo em quadrados demarcados matematicamente. A visão seria uma questão geometral. Isto encontra-se formulado em Descartes e em Diderot. Lacan discorda disso apontando para a deformação da perspectiva na anamorfose. Ele se pergunta: qual o motivo desta vista perversa no interior do funcionamento da perspectiva geometral renascentista? Fazer voltar o olhar. Dizer que ver não é olhar. Holbein, Arcimboldo, Dali, Duchamp, todos eles apontam para esta problemática. [8] Lacan comenta do filme realizado com Matisse. Ele mostra esta situação de miragem e de entendimento deste instante apenas no retrocesso. Por isso, o mal-estar do artista ao ser filmado. O que pode ser capturado deste acontecimento deveria obedecer uma câmera lenta – um slow-motion – ou a possibilidade de se passar o filme de final para o começo, pois é neste instante do retorno que se pode perceber o movimento que faz acontecer o instante do gesto no ato de pintar. [9] Nas palavras do próprio Lacan, “Toda ação representada num quadro nos aparecerá como cena de batalha, quer dizer, como teatral, necessariamente feita para o gesto. E é ainda essa inserção no gesto que faz com que o quadro – qualquer que ele seja, figurativo ou não – não possamos coloca-lo ao contrário. Se virarmos um diapositivo, vocês logo perceberão que ele está sendo mostrado com a esquerda no lugar da direita. O sentido do gesto da mão designa suficientemente essa simetria lateral.” (LACAN, 1998: 111) Referências bibliográficas: BERGER, John. Modos de ver. Rio de Janeiro: Rocco, 1999. LACAN, Jacques. O seminário, livro 11: os quatro conceitos fundamentais da psicanálise (1964). Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998. QUINET, Antonio. Um olhar a mais: ver e ser visto na psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002. Os textos foram reproduzidos pela Comissão Organizadora do Festival de acordo com sua versão original. Seu conteúdo e forma são de responsabilidade exclusiva de seus autores. This document was created with Win2PDF available at http://www.win2pdf.com. The unregistered version of Win2PDF is for evaluation or non-commercial use only. This page will not be added after purchasing Win2PDF.