Esporte Clube

Transcrição

Esporte Clube
Mandado de Garantia
Processo nº. 062/2016 – STJD
Impetrante: Esporte Clube Bahia
Impetrado: Diretor de Registro e Transferência da CBF
DECISÃO
Cuida-se de mandado de garantia impetrado por Esporte
Clube Bahia (Bahia) contra ato perpetrado pelo Diretor de Registro e
Transferência da CBF, com pedido de liminar para que seja determinada a
suspensão da fase semifinal do Campeonato Baiano de Futebol Profissional da
Série A de 2016, até o julgamento final deste caso.
Inicialmente assinala que participa do Campeonato Baiano de
Futebol Profissional da Série A de 2016 e já está classificado para a fase
semifinal da competição, o que garantiria sua legitimidade. Aduz, ainda, que
tomou conhecimento que a equipe do Esporte Clube Flamengo (Flamengo)
apresentou Notícia de Infração Disciplinar junto ao TJD/BA, pugnando pelo
oferecimento de denúncia em face do Esporte Clube Vitória (Vitória), equipe
que o eliminara na fase de quartas-de-final do Campeonato Baiano.
Assevera que, na referida Notícia de Infração, o Flamengo teria
afirmado que o Vitória infringiu a norma do art. 214, do CBJD, pois utilizou o
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atleta Victor Ramos Ferreira de maneira irregular, eis que o mesmo, por ter
sido contratado junto a clube do exterior, teve seu contrato especial de trabalho
desportivo registrado no BID fora do prazo estabelecido pelo Regulamento da
competição.
Acrescenta que o Departamento de Registro e Transferência
da CBF, através do Ofício DRT nº. 375/16, “informou que, em que pese o atleta
Victor Ramos Ferreira estar vinculado ao clube Rayados de Monterrey,
vinculado à federação mexicana de futebol, não foi realizada nenhuma
transferência internacional para registrar o jogador no Esporte Clube
Vitória, mas sim uma transferência nacional entre a Sociedade Esportiva
Palmeiras e o clube baiano.”
Assim sendo, com base em tais informações, tidas como
“inverídicas e falsas” por parte do impetrante, a Procuradoria do TJD baiano se
manifestou pelo arquivamento da referida Notícia de Infração.
Diante disso, crente na ausência de fidedignidade das
informações prestadas pelo Diretor de Registro e Transferência da CBF, o
Bahia impetra o presente mandado de garantia, com supedâneo nos seguintes
argumentos fáticos:
“A pertinência da medida se agiganta e se mostra ainda
mais eloquente quando se observa claramente que o ofício
DRT nº 375/16 contraria prévia informação do BID, qual
seja, que o contrato do atleta junto a Sociedade Esportiva
Palmeiras já estava encerrado desde 31/12/2015, e que a
transferência não foi efetuada do clube paulista para o
Esporte Clube Vitória, todavia diretamente do Rayados de
Monterrey, do México
(...)
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E, como o contrato especial de trabalho desportivo firmado
entre o Esporte Clube Vitória e o atleta Victor Ramos
Ferreira se iniciou em 16/03/16, inegável que entre 01/01/16
e 15/03/16 o jogador estava vinculado ao Rayados de
Monterrey, do México
(...)
Portanto, é claro que o atleta Victor Ramos Ferreira não
poderia participar do Campeonato Baiano de Futebol
Profissional da Série A de 2016, e que o Esporte Clube
Vitória violou o artigo 214, do CBJD”.
Pelas informações do BID, o atleta em questão teria contrato
definitivo com o clube mexicano, que o emprestou diretamente para o Vitória,
sem qualquer tipo de interveniência ou participação do Palmeiras.
Sustenta que a transferência se deu sem observância das
normas específicas e obrigatórias da FIFA sobre o assunto.
Dessa forma, entende emergir falsidade na declaração
proferida pelo impetrado, a qual acabou por induzir a Procuradoria do TJD/BA
em erro, razão pela qual requer o enquadramento da autoridade coatora nos
termos dos arts. 234 e 235, do CBJD.
No que se refere ao periculum in mora, deduz evidenciado pela
impossibilidade da competição prosseguir sem que a infração praticada pelo
Vitória seja apreciada pela Justiça Desportiva, “sob pena de uma eventual
penalidade aplicada pela utilização de atleta sem condição legal de atuação
não ter qualquer resultado prático, eis que uma próxima fase do denominado
‘Baianão’ 2016 estar prestes a começar com jogos eliminatórios a partir do
próximo final de semana (...)”.
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Assim, requer a concessão de medida liminar para que seja
determinada a suspensão da fase semifinal do Campeonato Baiano de Futebol
Profissional da Série A de 2016, até o julgamento final deste caso.
É o relatório. Decido.
A legitimidade do autor evidencia-se, tendo em conta sua
participação no Campeonato Estadual da Bahia de 2016, sendo do seu
interesse legítimo zelar pelo cumprimento das normas específicas da referida
competição.
O objetivo buscado pelo impetrante com este Mandado de
Garantia é, em verdade, a formulação de denúncia pela Procuradoria do
TJDBA contra o Vitória, em face de possível irregularidade na inscrição e
escalação do atleta Victor Ramos em partida do Campeonato Baiano, em
desacordo com o Regulamento da Competição, ocasionado por força da
discussão da natureza de sua transferência, se nacional ou internacional. Daí
que o ato combatido é, a meu ver, o próprio arquivamento da denúncia por
parte da Procuradoria do TJDBA, fundamentada nas informações apresentadas
pela autoridade impetrada.
O Mandado de Garantia, no entanto, combate ato do Diretor da
CBF, consistente na apresentação de informações que, na visão do impetrante,
seriam imprecisas ou até mesmo falsas. Ocorre que, ainda que as informações
apresentadas pela autoridade impetrada fossem aquelas consideradas
adequadas
pelo
impetrante,
isto
não
importaria
necessariamente
no
oferecimento da denúncia pela Procuradoria local, que poderia manter o
arquivamento da notícia de infração por outros fundamentos, já que não há
qualquer vinculação entre as informações prestadas pela CBF e a denúncia.
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Por tais motivos não me parece precisa a utilização da via do
Mandado de Garantia escolhida pelo autor, contra uma mera manifestação,
ainda que imprecisa, de Diretor da CBF, justamente porque a correção da
informação por si não garantiria o consequente oferecimento de denúncia.
Por outro lado, os fatos narrados são, ainda que num exame
superficial, bastante relevantes, e a questão não pode ser menosprezada, pois
envolve pontos graves que dizem respeito à boa governança desportiva, não
só a nível nacional, como também internacional. Há indícios de burla ou ao
menos inobservância de normas expressas e diretas da FIFA – normas de
observância obrigatória por parte de seus associados.
Por tais razões, vislumbro o preenchimento dos requisitos
dispostos no art. 119 do CBJD, e, por isso, aplicando o princípio da
instrumentalidade das formas e fungibilidade processual, recebo este Mandado
de Garantia como Medida Inominada.
De fato, estão presentes aqui o caráter de excepcionalidade,
dada a circunstância absolutamente peculiar do caso analisado, além de tratar
de tema cuja análise é de palmar importância e verdadeiro interesse para o
desporto, especialmente porque presente manifesto risco de descumprimento
de normativas internacionais atinentes ao regime de registro e transferência de
atletas.
O fundamento utilizado pela Procuradoria para arquivar a
denúncia – informação prestada pela CBF – faz recair a competência para
análise da Medida Inominada a este STJD, já que, por imposição sistemática,
não poderia nunca caber ao Presidente do TJD local avaliar a conformidade de
conteúdo de informações prestadas pela Diretoria da entidade nacional.
Recepcionada como medida inominada, verifica-se que a
mesma é, outrossim, tempestiva. Foi oferecida em 04.04.16, e o ato
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efetivamente atacado é de 03.04.16 (a saber, a decisão da Procuradoria do
TJD/BA que determinou o arquivamento da notícia de infração apresentada
pelo Esporte Clube Flamengo, da Bahia).
Feitas estas considerações, passo a análise do pedido liminar.
O regulamento da competição prevê que só poderão ser
inscritos para participar da Campeonato os atletas que tiverem seu nome
publicado até as 19hrs do dia 16.03.2016 no BID da CBF (§3o do art. 20 do
Regulamento). É certo que o atleta Victor Ramos teve seu registro publicado no
BID apenas em 18.03.2016.
Para aferir a possibilidade de sua inscrição, restaria saber se a
transferência do atleta foi uma transferência nacional ou internacional. Para
tanto, devem ser analisados o seu histórico contratual, bem como os registros
na CBF.
Nesta toada, verifica-se pelos documentos acostados pelo
autor, que o atleta Victor Ramos possui contrato definitivo com o clube
Monterrey do México, tendo sido contratado por empréstimo pelo Vitória até
31.12.2016. Ou seja, o atleta foi contratado por empréstimo de um clube do
México.
Neste caso, parece ter pouca importância que o atleta tenha
sido emprestado ao Palmeiras, porque dito empréstimo terminou em
31.12.2015, e o seu vínculo com o Vitória começou apenas em março de 2016.
Ou seja, após o término do vínculo, o atleta teve reativado seu vínculo com o
Monterrey, tanto é que consta do BID que o mesmo veio ao Vitória diretamente
por empréstimo do clube mexicano. Não há, aparentemente, relação entre
Vitória e Palmeiras.
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Ao menos neste juízo superficial, que é exatamente o mesmo
juízo que deve orientar a Procuradoria em sua decisão de oferecer ou não a
denúncia, me parecem que há indícios suficientes, para não dizer evidências
suficientes, de que se trata de uma transferência internacional.
Digo isso baseado ainda em dois precedentes de situações análogas,
que tiveram procedimento diverso de registro no BID da própria CBF. Refiro-me
aos casos dos atletas Walter Henrique da Silva e Kelvin Mateus de Oliveira.
Verifica-se pelos registros do BID que o primeiro teve contrato definitivo com o
Atlético Paranaense encerrado em 31.12.2015, foi transferido para o Porto de
Portugal em 01.01.2016, com contrato definitivo até 30.06.2019, e foi
emprestado ao próprio Atlético a partir de 07.01.2016 até 31.12.2016. Ou seja,
mesmo quando o atleta permanece no próprio clube, há registro da
transferência internacional, com uso do sistema TMS da FIFA. O segundo
atleta tem contrato definitivo com o mesmo Porto até 30.06.2018, esteve
emprestado ao Palmeiras até 31.12.2015, sendo transferido de novo por
empréstimo ao São Paulo a partir de 01.02.2016 até 31.12.2016. Também
neste caso o atleta teve seu contrato reativado com o Porto, tudo via sistema
TMS, sendo claro que houve uma transferência internacional.
No exposto acima, a meu ver, verifica-se presente o requisito do
fumus boni iuris.
Quanto ao periculum in mora, o mesmo encontra-se manifesto na
situação fática abaixo delineada.
O sistema de denúncia a partir de notícia de infração previsto no
CBJD (art. 74 do CBJD) dispõe, em seu parágrafo §2 o, que, em caso de
manifestação do Procurador pelo arquivamento, o interessado pode solicitar ao
Procurador Geral que se manifeste, cabendo a este a palavra final sobre o
caso.
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Percebe-se, por tudo que foi exposto, que há, pelo menos neste juízo
preliminar e superficial, elementos suficientes para eventual oferecimento de
denúncia pelo Procurador Geral, a quem caberá manifestar-se. Dentro desse
quadro, haverá, pelo menos em tese, risco de penalidade a ser imposta ao
clube Vitória, sendo prudente evitar a realização de partidas que porventura
possam vir a ser anuladas. Nada pode contribuir mais para o descrédito do
esporte do que a anulação de partidas que tiveram a presença de torcedores
que pensavam estar a assistir uma partida válida.
Sabe-se que Justiça Desportiva deve, ao máximo possível, prestigiar
o resultado de campo, ciente de seu papel de coadjuvante da atividade
esportiva. As experiências de modificação de resultado de campeonato após o
encerramento de competições em virtude de decisão da Justiça Desportiva,
são sempre traumáticas e contribuem de forma negativa para a imagem do
esporte. Assim, a cautela recomenda evitar o risco de produzir-se novos
resultados que possam, em tese, vir a ser anulados no futuro.
Sendo assim, defiro em parte o pedido de suspensão da fase
semifinal do Campeonato Baiano de 2016, para suspender somente as partidas
do dia 10.04.2016 e do dia 21.04.2016 entre Juazeirense e Vitória, mantendose, no entanto, a realização das partidas entre Bahia e Fluminense de Feira de
Santana previstas para o dia 09.04.2016 e 20.04.2016. Referida suspensão
deve perdurar até julgamento pelo TJD/BA sobre eventual denúncia oferecida
pelo Procurador Geral do TJD/BA, cabendo ao TJD decidir se mantém ou não
a suspensão das partidas.
Note-se que aqui não se está proferindo juízo de valor sobre o mérito
de eventual denúncia, não se trata aqui de julgar se houve ou não infração
cometida pelo Clube. Apenas pretende-se, por precaução e prudência, evitar a
realização de partidas que podem, em tese, vir a resultar inócuas, diante das
circunstâncias fáticas específicas do caso.
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Intime-se, com urgência, à Federação Baiana de Futebol, para
providenciar o cumprimento da decisão e para integrar a presente lide. Intimese, também para integrar a lide, o Vitória Esporte Clube e o Diretor de Registro
e Transferência da CBF, Dr. Reynaldo Buzzoni.
Dê-se ciência ao Autor, bem como ao Fluminense de Feira de
Santana.
Rio de Janeiro, 07.04.2016.
CAIO CESAR ROCHA
Presidente do Superior Tribunal de Justiça Desportiva do Futebol
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