Energia Elétrica e inflação crônica no Brasil

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Energia Elétrica e inflação crônica no Brasil
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ENERGIA ELÉTRICA E INFLAÇÃO CRÔNICA NO BRASIL
A Descapitalização das Empresas Estatais
Diomedes Christodoulou
Roberto Y. Hukai
Norman Gall
Relatório Final
Este trabalho, patrocinado pela Fundação Ford e um Grupo de
empresas brasileiras de bens de capital, faz parte do programa de
pesquisas do Instituto Fernand Braudel de Economia Mundial
sobre problemas de formação de capital.
São Paulo, 1993
SUMÁRIO
Prefácio ........................................................................................................................................... 3
Sumário ............................................................................................................................................ 5
Apresentação ................................................................................................................................... 7
1. ENERGIA, INFLAÇÃO CRÔNICA E POLARIZAÇÃO DA ECONOMIA
MUNDIAL
1.1. A deterioração da infraestrutura básica............................................................................... 11
1.2. A onda de hiperinflação na América Latina ...................................................................... 12
1.3. A crise de energia e elétrica no Terceiro Mundo .............................................................. 14
2. A CRÍTICA SITUAÇÃO DO SETOR ELÉTRICO BRASILEIRO
2.1. A implosão financeira: política tarifária e de investimentos............................................. 18
2.2. A questão da dívida externa................................................................................................... 21
2.3. Prenúncios de um colapso operacional e suas implicações.............................................. 25
2.4. Causas e efeitos da crise: o problema político-industrial.................................................. 32
3. O NOVO AMBIENTE TÉCNICO-ECONÔMICO
3.1. As mudanças nos custos de capital e taxas de descontos................................................. 36
3.2. Novos combustíveis para geração de eletricidade............................................................. 43
3.3. A oferta mundial de novas tecnologias.............................................. ................................ 57
4. AS GRANDES QUESTÕES: EM BUSCA DE UM NOVO MODELO
4.1. Formação de capital próprio: a questão de custos e preços de eletricidade.................. 62
4.2. Subsídios e transferências como instrumentos de distribuição de renda....................... 72
4.3. Privatização e o papel do capital estrangeiro...................................................................... 79
4.4. Eficiência energética e abertura econômica........................................................................ 86
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS E CONCLUSÕES
NOTAS
2
PREFÁCIO
O velho modelo de planejamento centralizado cumpriu a sua tarefa e se esgotou
naturalmente. Permeava na comunidade energética do país um latente estado de espírito de
que algo de muito errado estava ocorrendo no setor energético nos últimos tempos. A
inadimplência era generalizada, das distribuidoras para com as supridoras de energia, do
setor elétrico para com o tesouro nacional e do setor para com suas prestadoras de
serviços. Para os renhidos corporativistas do setor elétrico, o panorama era de total
perplexidade.
Esta pesquisa pioneira, primeiro fruto do programa de investigações do Instituto
Fernand Braudel de Economia Mundial sobre o problema civilizacional de inflação crônica,
circulou nos meios perplexos do setor elétrico em 1990, levantando, pela primeira vez de
modo integral, as grandes questões do modelo envelhecido, expondo os seus principais
mitos e tabus: a homogeneização tarifária, o excessivo planejamento e controle estatal, as
perdas na formação de capital e o predomínio hidroelétrico.
Desde então, vimos acontecer fatos e ações que reafirmaram as principais teses
levantadas em nosso trabalho:
a) A falência do Estado como fonte e garantidor dos investimentos em
infraestrutura energética. Uma mudança cultural já então se avizinhava, na qual o processo
de financiamento dos investimentos no setor deveria mudar do modo “recourse financing”
para “limited recourse financing”, ou seja, na qual cada projeto energético deveria se
sustentar econômica e financeiramente por si só, sem a muleta do Estado provedor e
garantidor. Hoje, o Estado está atravessando o purgatório da crise de identidade, cujo
resultado final dependerá essencialmente da revisão constitucional; se tudo correr a
contento, isso deverá redundar no retorno às origens da formação do Estado, ou seja, de
provedor de bens sociais básicos e promotor da justiça, da segurança etc., deixando de vez
o papel de Estado-empresário;
b) A descentralização tarifária e seus reflexos na formação bruta de capital do
setor e da economia como um todo. Nosso trabalho propôs a abertura da economia em
geral e do setor elétrico em particular, de modo que a tarifa se assentasse em patamares
naturais de uma economia de mercado. As distorções tarifárias eram escabrosas e assim
permaneceram desde 1974, conduzindo o setor ao descalabro financeiro e à ineficiência.
A tarifa média econômica para o Brasil foi estimada, em nosso trabalho, em
US$75/MWh, mais do dobro daquela então vigente, atrasada por vontade política. As
primeiras reações foram de choque. Contudo, hoje, já se fala em tarifa média de US$
67/MWh e em alguns setores mais esclarecidos, em até US$ 80/MWh. O Banco Mundial
aponta para um custo marginal de longo prazo de US$ 90 a US$ l10/MWh nos países do
Terceiro Mundo. Uma análise financeira exata das usinas do plano de expansão da CESP,
ainda que baseada em taxas de desconto irrealistas de 12% ao ano e 50 anos de prazo para
as usinas hidroelétricas, ou 20 anos para as termoelétricas, aponta para um custo médio real
3
de US$ 89,3/MWh. Obviamente, o mundo terá que se acostumar com tarifas elétricas em
patamares maiores que os atuais, contudo, mais realistas.
Desde então, a questão tarifária tomou um rumo inesperado visando a correção das
distorções. Zeraram-se as dívidas mútuas entre concessionárias e entre estas e o Governo
Federal. E, ainda mais, descentralizou-se o processo decisório no estabelecimento das
tarifas: a Lei 8631 de abril de 1993 delegou às concessionárias a fixação das tantas com
base nos custos.
c) Uma análise da participação dos diversos componentes na formação bruta do capital
nacional, feita em nosso trabalho, apontava para a necessidade de se contar com o capital
privado, a única com saldo positivo, no desenvolvimento da infraestrutura elétrica. A
privatização do setor ainda é um sonho, mas os primeiros sinais aparecem claramente no
horizonte: as distribuidoras de energia elétrica Light-Rio e Escelsa (Espírito Santo) têm
datas marcadas para privatização até o final de 1993 e fala-se em 1994 como o ano da
privatização do setor elétrico. É óbvio que a extinção das estatais elétricas não ocorrerá de
um momento para outro, como ocorreu com a Hidronor, na Argentina. Mas, os sinais são
claros de que a direção geral está apontando para um sentido correto. A exigência não é só
da necessidade de capital do setor elétrico, mas de saneamento de todo o Estado.
d) Nosso trabalho apontou para o advento da termoeletricidade na matriz elétrica nacional.
Esta inserção é motivada por diversos fatores: a preferência dos empreendedores privados
por usinas de menor investimento, os recentes avanços tecnológicos resultando em maiores
eficiências termodinâmicas e, portanto, menores custos, a versatilidade na localização das
usinas, o controle dos impactos ambientais por meios tecnológicos e tempo de construção
menores. Os caminhos tecnológicos apontados em nosso trabalho estão sendo trilhados,
ainda que devagar por exemplo, o Estado de São Paulo lançou recentemente (23 de julho
de 1993) um programa concreto de incentivo à cogeração em asmas de álcool e açúcar
aproveitando-se melhor o bagaço; a eventual importação do gás natural boliviano levou à
adoção de grandes usinas de ciclos combinados como suas âncoras financeiras, e a
cogeração industrial com o uso de gás natural já está se tomando uma realidade (Ilha
Shopping, no Rio, e o projeto de cogeração do BANESPA, em São Paulo). Ainda há muito
que percorrer nesse sentido, mas uma coisa está se tomando clara: a termogeração não é
mais vista como uma complementação térmica à hidroeletricidade, mas sim, como
economicamente competitiva, com seus próprios méritos.
Enfim, os autores manifestam a sua satisfação de que nosso trabalho mostrouse como um marco que estabeleceu um novo limiar: o limiar da abertura do setor elétrico
para a participação privada.
Os autores
4
SUMÁRIO EXECUTIVO
Este relatório explica a falência do setor elétrico estatal brasileiro, como parte da
deterioração geral da infraestrutura básica no Brasil e nos países vizinhos. O esfacelamento
da infraestrutura básica no continente, assim como a inflação crônica que aflige os seus
principais países, são frutos das mesmas políticas econômicas populistas que têm
incentivado o consumo ao invés da formação de capital; perturbado o equilíbrio entre o
Estado e o Mercado; e contribuído para a crescente polarização da economia mundial em
duas correntes: das nações que caminham para o progresso econômico e das nações que
caminham para o desastre.
A solução para a questão econômico-energética brasileira implica, necessariamente, num
rearranjo estrutural da economia, que inclui a privatização, liberalização e integração com a
economia mundial. O aumento das tarifas elétricas ao nível dos custos marginais e a
abertura do setor para investimentos privados, inclusive estrangeiros, são medidas
primordiais para a captação dos imensos recursos de capitais necessários para a expansão
futura do sistema elétrico. Ao mesmo tempo, e para que este aumento não resulte apenas
na simples transferência das ineficiências e distorções acumuladas no setor elétrico estatal
ao longo dos anos para os ombros dos consumidores, é essencial a adoção de medidas para
o aumento da eficiência econômica do sistema, permitindo uma maior abertura de
importação de equipamentos, serviços, materiais, combustíveis, e novas tecnologias,
descentralizando a política de preços e investimentos, privatizando, e submetendo o setor
aos métodos e critérios de gestão da iniciativa privada.
O presente estudo, baseado em demoradas pesquisas e anos de vivência profissional dentro
do sistema, procura analisar as justificativas e a urgência destas recomendações. No
decorrer dos trabalhos, procuramos a todo custo isentar-nos de quaisquer preconceitos que
normalmente afetam uma investigação deste tipo, dados os interesses envolvidos.
Procuramos, desta forma, apresentar uma síntese livre da visão defensiva do Governo, das
teorias acadêmicas, da sede tarifária do setor estatal, das pressões por obras das
empreiteiras e fabricantes de equipamentos etc. Obviamente, o resultado não pode e nem
pretendeu ser exaustivo dado o tempo disponível frente à magnitude do problema, além de
que praticamente todos os temas aqui abordados já têm sido objetos de estudos em maior
ou menor profundidade pelos analistas e planejadores do setor elétrico, e dos meios
acadêmicos. O “ponto forte” do trabalho reside, talvez, na junção das partes e no exame
das consistências num único bloco de idéias. Igualmente que tornasse o trabalho acessível
também ao entendimento de pessoas fora do setor elétrico.
Algumas das coisas que temos a dizer são duras e necessárias para o confronto das idéias.
Mas, o trabalho repele o pessimismo e firma a convicção de que existem soluções técnicas
e econômicas relativamente simples para a questão elétrica. A estatização e o dirigismo do
setor tiveram sua fase completada. Criou-se no Brasil, durante as últimas décadas, um dos
parques hidroelétricos mais importantes do mundo e uma capacitação humana de
profissionais de primeira luinha. Contundo, é o próprio sistema que agora cheio de
contradições e distorções, esgotou-se em si mesmo e deverá se substituído. Com tudo em
vida, a crise atual é também uma oportunidade para um aperfeiçoamento maior. O pêndulo
5
do dirigismo já dá indícios de esgotamento de forças, e o seu vetor aponta para um outro
sentido.
Os indícios da adaptação da sociedade brasileira aos novos tempos encontram a sua
manifestação mais pungente nas crescentes tensões entre o Mercado e o Estado, que
tendem a redefinir os conceitos e os limites de atuação e interferência governamental na
economia. Os frutos desta adaptação não serão produtos imediatos de um milagre, de um
pacote ou de uma eleição. Serão conseqüências de um esforço de 10 ou 20 anos vindouros,
que podem representar muito tempo para os que sempre aguardam milagres, mas pouco
tempo na vida de uma grande nação.
Os autores.
6
APRESENTAÇÃO
A infra-estrutura deficiente, a formação de capital insuficiente e a inflação persistente,
problemas endêmicos da América Latina e o Brasil, são temas entrelaçados que o Instituto
Fernand Braudel de Economia Mundial escolheu para seus trabalhos atuais.
Como membro deste Instituto e devido à minha vivência com o setor elétrico, acompanhei
o preparo do estudo: “Energia Elétrica e Inflação Crônica no Brasil: A Descapitalização das
empresas Estatais”, de autoria de Diretores do instituto, Srs. Diomedes Christodoulou,
Roberto Y. Hukai e Norman Gall.
Este estudo é singular na sua visão externa, independente e profissional, do setor elétrico
estatal brasileiro. Busca uma visão histórica e partindo dela, debate questões presente e traz
reflexões abrangentes e proposições relevantes para a construção do futuro do setor.
Quanto ao passado, nada pode ser feito a não ser pesquisa-lo e buscar entende-lo. Na linha
de Fernand Braudel, os autores realizaram uma abordagem não apenas descritiva mas
analítica. Preocuparam-se essencialmente com o desmoronamento financeiro do setor
elétrico estatal, trazido pela inflação crescente, pela longa e profunda contenção tarifária,
pelo princípio da tarifa única nacional, pelo pesado endividamento externo e por
deficiências mais recentes na vida das estatais do setor que, iludidas por sucessos colhidos,
não souberam envelhecer.
Na primeira fase da minha vida profissional assisti à ascensão e à queda do capital
estrangeiro no setor, finalmente sufocado pelas tarifas congeladas versus a inflação. Se a
AMFORP foi pouco agressiva no seu crescimento no interior do Brasil, submetidas a uma
fornecimetno limitado, a Light em São Paulo e no Rio de Janeiro não dava motivos a que
surgissem empresas estatais. Assisti novamente, nos últimos 30 anos, à ascensão e o
declínio das empresas agora estatais, por ironia igualmente sufocadas pelas tarifas vaixas.
Estaremos assistindo ao fim de um ciclo? É o que este trabalho examina.
Não é do seu escopo estudar eventuais benefícios criados pelo custo da transferência,
resultante da compressão tarifária, de dezenas de bilhões de dólares equivalentes, do setor
elétrico a seus usuários, dentro de uma política governamental de substituição de derivados
do petróleo, combate ilusório à inflação, estímulo à exportação e à formação de grupos
empresariais privados. Ainda que não tenham sido mensurados, conclui-se do trabalho que
estes benefício terão sido menores do que os custos incorridos para o setor elétrico estatal.
Particularmente, no combate à inflação, os autores observam que a política adotada, em vez
de reduzi-la, aumentou-a.
Ao longo do trabalho, os autores abordam temas polêmicos, mas o fazem ao meu ver,
competentemente e convincentemente no conteúdo e na forma. O estudo evidentemente
não exaure o tema, e não pretende nem poderia pretender ser completo nem final. O
campo é amplo e dinâmico e há outros ângulos de abordagem e há outras visões, mas com
este trabalho o Instituto Fernand Braudel de Economia Mundial traz importante
contribuição.
7
Cooperei com o estudo, apresentando perguntas, críticas e sugestões de terceiros e
as minhas próprias. Algumas foram aceitas, outras não, sempre preservada a total
independência e a visão externa dos autores que o assinam.
Quanto ao futuro, o estudo é fértil em sugestões, que deverão ser debatidas.
Algumas delas poderão parecer não convencionais. Mas, estas sugestões só foram
apresentadas depois de longos estudos e de debates internos e externos e da busca de idéias
que sejam contemporâneas com o mundo novo que nasce.
O destaque principal que dou a este trabalho é o conjunto, o seu “todo” coerente,
que flui chegando a conclusões tornadas evidentes. São conclusões, a meu ver, realistas e,
aperfeiçoadas pelo debate, se for o caso, facilitarão o renascimento do setor. Pois creio que
as estatais brasileiras passam por aquela fase que ocorre quando “o que era velho já morreu;
o novo ainda não nasceu; no intervalo ocorrem coisas mórbidas”.
O renascimento implica na inserção na modernidade. Mas, que é modernidade?
Será a ruptura com o passado? Não, pois precária e fugidia seria a modernidade se ela não
se servisse do diálogo entre a maturidade e a mocidade.
Modernidade será “queimar” etapas, buscando tecnologias e capitais onde forem
disponíveis? Será o reconhecimento de que sem o desenvolvimento político, o econômico
não serve ao social? Será o entendimento de que a vitória do indivíduo se dará não pela
sociedade mas por ele mesmo? Será o correto equilíbrio entre o consumo e a poupança,
para gerar o bem-estar de hoje e de amanhã? Será a compreensão de que as fronteiras
políticas não devem ser barreiras econômicas ainda que fronteiras? Será a não aceitação
pelos governos e pela sociedade da inflação, buscando, pelo contrário, a estabilidade da
moeda como base de coesão social e do progresso econômico? Será o entendimento do
lucro como fator criador e agregador de capitais e como o custo da sobrevivência e do
crescimento da empresa, geradora de recursos e de empregos?
A imensa maioria dos leitores responderá “Sim” a estas perguntas e concluiremos
então, ao lê-lo, que o estudo a seguir é moderno. Este é outro grande destaque.
Tratando de temas específicos, destacam-se as proposições detalhadas referentes a:
1. Necessidade de tarifas que, após corretamente reavaliados os investimentos,
remunerarem adequadamente o capital, a valores de mercado e assim gerem recursos que,
formando capital próprio, criem a base para tomada de empréstimos e lançamento de
aumentos de capital.
2. Aumento da taxa de desconto usada para planejamento da expansão.
3. Uso do bagaço de cana e do gás natural, inclusive provindo da Bolívia e da
Argentina, para futuros projetos de geração, após testados pelo seu poder competitivo.
4. Busca e utilização de novas tecnologias já disponíveis ou a serem desenvolvidas
para aplicação nos sistemas de geração e distribuição e para conservação de energia.
8
5. Privatização em convivência com as estatais, não só na margem, em novos
projetos, mas inicialmente pela aquisição de projetos já existentes ou em fase avançada de
construção.
6. Mais pluralismo de decisão, com maior obediência ao mercado, e
reconhecimento da necessidade de fortalecimento do DNAEE, como autoridade central
do poder concedente.
São pontos relevantes, nem sempre novos nas idéias, mas abordados e consolidados
aqui de maneira singular e avançados em detalhes importantes.
Passando a outro ângulo de observação, parece-me que a visão seja do passado, seja
do futuro, nem sempre pode medir adequadamente soluções baseadas nos problemas da
época de decisão e da perspectiva de então. Muitas vezes, o curto prazo sobrepõe-se ao
longo prazo, e os administradores sabem da grande dificuldade de conciliar soluções que
atendam às duas necessidades.
Em reuniões de governo fui muitas vezes convencido ou vencido que decisões
relativas à contenção de preços de energia elétrica, aço, telecomunicações, etc. pareciam ou
eram necessárias naquele momento. O problema foi, que tomado este desvio para um
processo que deveria ser raso e curto, surgiram novos problemas ou novos administradores
que o aprofundaram na dimensão e o alongaram no tempo. O resultado foi o desastre da
intra-estrutura, tão bem relatado aqui, refletindo casos conhecidos na história, O país,
como um todo, sobreviveu, pois, destes custos também resultaram benefícios em outras
áreas. Mas, terá sido este o melhor caminho?
Os resultados parecem demonstrar que não houve a necessária, porém difícil,
conciliação do curto prazo com o médio e longo prazo. Já foi dito que “a alienação humana
pode dar-se pelo esquecimento do dia em nome do eterno e também pelo abandono do
eterno em nome do dia”. Mas, para ser eterno, é preciso ser moderno.
Este trabalho demonstra, à exaustão, que o recurso à contenção de preços públicos,
visando outros objetivos que não os do setor, foi longe demais e esgotou-se como
ferramenta de governo; constata-se ainda que o governo brasileiro, nos últimos anos,
buscou o crescimento através do estímulo à demanda, mas esta prática, obrigatoriamente,
iria esbarrar e esbarrou no desestimulo à formação de capitais que hoje escasseiam para os
investimentos necessários.
O resultado, agravado por outros fatores, todos conhecem: o desmoronamento
das finanças federais e de suas estatais, arrastando a moeda, criando a inflação
crescente com todo o seu cortejo, desembocando finalmente no forte choque
econômico do Brasil Novo.
O Instituto Fernand Braudel de Economia Mundial se propôs que este estudo não
se tomasse apenas em mais um livro nas estantes, mas que fosse útil à nova fase de vida
brasileira que se inicia nesta década dos anos 90, com um novo governo, democraticamente
9
eleito, e com propostas de inserção do Brasil na modernidade e na competitividade em
consonância com a nova era da economia mundial.
Conhecendo o setor elétrico brasileiro, vivendo o momento presente, e havendo
analisado este estudo, eu o considero oportuno e crio que ele poderá ser útil aos
planejadores e responsáveis pelas diversas áreas do setor, pela relevância de sua análise e
validade das suas conclusões.
João Camilo Penna
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ENERGIA, INFLAÇÃO CRÔNICA E POLARIZAÇÃO DA ECONOMIA
MUNDIAL
1.1. A deterioração da infraestrutura básica
A infraestrutura básica de muitos países em desenvolvimento está se transformando em
sucata. Na escolha entre o consumo atual de bens e serviços e a poupança e investimentos
para crescimento futuro, governos fracos e populistas têm reiteradamente optado pelo
consumo. Este declínio na capacidade de poupar e investir são particularmente
pronunciado nos setores públicos dos países da África e da América Latina que,
tradicionalmente, têm-se encarregado da implantação e manutenção da infraestrutura
essencial como estradas, telecomunicações, energia elétrica, saneamento e sistemas de
distribuição de água.
A deterioração da infraestrutura em alguns países tem atingido níveis que começam a
ameaçar a sobrevivência da própria sociedade organizada. O Banco Mundial estima que,
durante as últimas duas décadas, 85 países em desenvolvimento têm desperdiçado um
patrimônio de cerca de US$45 bilhões em infraestrutura de estradas devido à falta de
manutenção, perdas estas que poderiam ter sido evitadas com obras de manutenção que
teriam custado menos que US$12 bilhões. Em Ghana, pelo menos 60% das principais
estradas pavimentadas estavam esburacadas em 1.984, aumentando os custos de transporte
em 50% nas principais rodovias e 100% nas estradas rurais, e fazendo com que os
caminhoneiros se recusassem a abastecer algumas regiões rurais por temor de estragar os
seus veículos1. No Peru, as despesas com a manutenção de estradas diminuíram a níveis
insuficientes para permitir a remoção de entulhos causados por avalanches nas montanhas
e garantir a transitabilidade das principais estradas do país, entre elas as rodovias Central e
Panamericana, que se encontram em estado grave de deterioração. No Brasil, onde a
extensão das estradas federais aumentou de 8.500 quilômetros em 1955 para 65.000
quilômetros atualmente, representando um patrimônio estimado em US$150 bilhões, a
parcela de rodovias em mau estado aumentou de 18% do total em 1.979 para 28% hoje2.
A infraestrutura de transportes é apenas um aspecto da desintegração dos serviços
públicos. As perdas de distribuição no sistema de abastecimento de água na cidade de Lima
atingem 40%. Tarifas defasadas não chegam a cobrir 50% da depreciação, e nenhum novo
reservatório foi construído desde meados da década de 1.970, apesar da população da
cidade ter crescido em aproximadamente 40% deste mesmo período. As perdas nos
sistemas de distribuição de água de Buenos Aires e da Cidade do México são de 40% e
30%, respectivamente, versus apenas 15% nos Estados Unidos e 12% na Europa3. Ao
mesmo tempo, com tarifas defasadas em mais de 75% em relação a 1.980, e com uma
abrupta queda dos investimentos, o sistema telefônico do Brasil ameaça emudecer, O
congestionamento das 9 milhões de linhas telefônicas hoje existentes no país tem se
agravado da taxa de 6 insucessos a cada cem tentativas de ligação em 1.984, para quase 30
insucessos no final de 1.9884.
O colapso da infraestrutura básica na Nigéria tem chegado a tal ponto que obriga as
indústrias com menos de 50 empregados a gastarem aproximadamente a metade dos seus
investimentos e, no caso de empresas maiores, cerca de 20% dos investimentos, em
máquinas e equipamentos para compensar as falhas crônicas dos serviços públicos. Boa
parte destes investimentos destina-se a geradores elétricos particulares para suprir de um
terço à metade da demanda das empresas, a custos de até 66 vezes maiores que os preços
11
da rede pública. Outros investimentos feitos para compensar as falhas da infraestrutura
pública incluem poços cavados para suprir a falta de abastecimento de água, mensageiros e
equipamentos de rádio para substituir o sistema telefônico que não funciona, e veículos
próprios para o recolhimento de lixo e transporte de trabalhadores e mercadorias. Os
executivos e gerentes de empresas nigerianas desperdiçam, em média, 10 horas por semana
para levar mensagens ou tratar pessoalmente fora da empresa assuntos que poderiam ser
resolvidos em poucos instantes se o sistema telefônico estivesse funcionando5.
Embora o Brasil ainda esteja longe do grau de deterioração das instituições e da
infraestrutura que se observa em outros países em desenvolvimento, os sinais de perigo são
claros. Será preciso grande esforço para que isto não aconteça aqui também.
1.2. A onda de hiperinflações na América Latina
O espectro da falta de serviços vitais em alguns países faz parte de um processo maior,
de polarização da economia mundial, que tende a acentuar as diferenças entre a
prosperidade de um seleto grupo de nações bem sucedidas e o restante do mundo, e cujas
vítimas mais atingidas, países como Peru e Argentina, estão literalmente sendo apagadas do
mapa da economia mundial. Além da deterioração da infraestrutura básica, outros sintomas
deste processo polarizador são o enfraquecimento da capacidade econômica de instituições
nacionais, e as dificuldades de um número crescente de países para continuar participando
de transações comerciais e financeiras internacionais. A quota da América Latina no
comércio mundial caiu para menos de um terço durante o período pós-guerra, de 10% do
total no início da década de 1950, para 7,7% em 1960, e para apenas 3% atualmente6. Em
todo o mundo, nações que em décadas recentes lideravam a corrida do desenvolvimento e
crescimento econômico, estarão, nas próximas décadas, procurando caminhos para
preservar a estabilidade de suas instituições, a sua capacidade produtiva, e a sua integridade
política e territorial.
Algumas das diferenças mais dramáticas desta brecha crescente no ritmo e na
estabilidade de crescimento e inversões entre as diferentes regiões mundiais estão surgindo
entre países em desenvolvimento, fenômeno este que os economistas do Banco Mundial
chamam de “desenvolvimento em duas pistas”7. Os caminhos divergentes de
desenvolvimento estão intimamente ligados às taxas de formação de capital e de
investimentos. A longo prazo, a poupança, os investimentos, a capacidade de obter
créditos, o progresso tecnológico e o aumento da população integram-se no processo do
crescimento, ou da estagnação. A aceleração da atividade econômica nos países em
desenvolvimento tecnologicamente mais avançados, exportadores de produtos
manufatureiros e “merecedores de crédito’’, está auto-realimentando o processo de
formação de capital, tendendo a perpetuar e acentuar as suas diferenças com os demais
países em desenvolvimento, a maioria deles produtores de matérias primas, que ficam cada
vez mais para trás.
O avanço acelerado deste processo de polarização da economia mundial encontra seu
combustível no fracasso do modelo de planificação e controle estatal da economia, adotado
com fervor religioso na maioria dos países que hoje correm o risco de tomar-se casos
terminais de desintegração econômica. Além dos recentes acontecimentos no leste
Europeu, a demonstração mais pungente do fracasso deste modelo dirigista estatal, pode
ser vista na recente onda de hiperinflações que tem atingido alguns dos principais países da
América Latina. As forças de longo prazo que impelem a inflação crônica no continente,
desorganizando e descapitalizando as economias dos seus países, reduzindo a sua
12
participação na economia mundial, são radicalmente diferentes das hiperinfllaçôes
européias das décadas de 1920 e 1940, que foram estouros episódicos gerados pelas
guerras. As hiperinflações que hoje afligem algumas das nações mais importantes da
América Latina são conseqüências de décadas de distorções econômicas e sociais, e de
políticas de descontrole fiscal e monetário. Segundo dados do F.M.I. (Fundo Monetário
Internacional), entre 1960 e o fim de 1989, na pior época inflacionária da economia
mundial, o nível dos preços havia-se multiplicado 11,5 vezes no mundo como um todo,
118 vezes na África, e 732 mil vezes na América Latina. Neste mesmo período, o aumento
dos preços no Brasil foi de 29 milhões de vezes e na Argentina de 20 bilhões de vezes8.
A inflação na escala observada nos países da América Latina é reflexo de um sistema de
comportamento muito diferente do prevalecente no resto do mundo, exceto talvez do que
pode ser encontrado em muitos dos países comunistas, onde dados mais recentes mostram
que a crescente desorganização de suas economias pode também leva-los brevemente à
hiperinflação. Os elos comuns entre as economias políticas dos países da América Latina e
aquelas das nações comunistas são o dirigismo e exagerada interferência governamental na
economia, a falta de competição e o isolamento comercial, e a rejeição do mecanismo de
preços como meio de alocação de recursos e de promoção de equilíbrio entre a oferta e a
procura. Em ambos os casos, apesar das pretensões de racionalização de recursos através
do “planejamento integrado”, e de “distribuição de renda” através da concessão de
subsídios e transferências orçamentárias, o Estado-Empresário faliu porque, na prática, não
soube controlar os seus gastos, nem tampouco assegurar as suas receitas. A Figura 1 mostra
que o nível real de tarifas públicas no Brasil era, em 1988, da ordem de 40-50% menor que
em 1975, apesar dos enormes investimentos exigidos na expansão da infraestrutura
ocorrida durante aquele período9.
Esta política nitidamente autofágica, de achatamento das receitas e descontrole dos
gastos, vem ocorrendo em praticamente todos os países que hoje estão ameaçados pela
hiperinflação e o colapso da sua infraestrutura básica, como parte de uma espécie de “ritual
de auto-destruição” que vem sendo praticado com cansativa repetição: investimentos
estatais maciços, colapso das tarifas públicas, empréstimos externos e, quando estes param,
aumento da dívida interna e financiamento através da emissão de moeda. Assim, importa
perceber que, no Brasil como em outros países vizinhos, a crise financeira das empresas
estatais de serviços públicos, muito longe de ser o “remédio amargo’ que estas empresas
devem tomar na luta contra a inflação, em verdade alimenta e faz parte do processo de
desintegração inflacionária, com as empresas tentando futilmente aumentar os seus preços
reais, mas sendo obrigadas a assistir à anulação destes aumentos com a escalada da inflação.
Como resultado do colapso da sua capacidade de arrecadação e do fim dos empréstimos
externos, as empresas públicas vêm cada vez mais buscar o dinheiro que lhes falta no
Tesouro do Estado. Este, simplesmente imprime o dinheiro que também lhe falta. E o
consumidor, muito longe de ser ‘protegido” por estas medidas ilusórias de controles de
preços e descontroles de moeda, em verdade sofre cada vez mais os efeitos da inflação e,
ainda, corre o risco de ficar sem os serviços essenciais devido aos investimentos
insuficientes das empresas públicas.
13
A demonstração de que a inflação crônica e a crise de investimentos no setor público
são duas faces da mesma moeda, pode ser vista na Figura 2, que apresenta a evolução da
poupança pública e da inflação no Brasil, entre 1972 e 1984.10
1.3. A crise da energia elétrica no Terceiro Mundo
Uma das demonstrações mais visíveis e assustadoras do esfacelamento da infraestrutura
nos países do Terceiro Mundo pode ser encontrada na condição precária em que se acham
os seus sistemas elétricos, que requerem alta concentração de capital e grande capacidade
organizacional, além de planejamento e investimentos a longo prazo. Uma grave crise
institucional, cujas repercussões se manifestam em agudos problemas financeiros, baixos
níveis de investimento, falta de manutenção, uso ineficiente de energia, baixa produtividade
do capital investido, má alocação de recursos, e dificuldades de ordem técnica e
administrativa, tem levado os sistemas elétricos de vários países de baixa e de média renda à
beira do colapso.
A capacidade geradora elétrica dos países do Terceiro Mundo como um todo, de cerca
de 450.000 MXV (incluindo-se a China com capacidade instalada de 86.000 MWX é de
apenas dois terços da capacidade instalada dos E.U. A, de aproximadamente 690.000 MW.11
Conforme mostra a Figura 3, o consumo dos países em desenvolvimento corresponde a
566 kWh/capita-ano, versus 11.000 kWh/capita-ano nos E.U.A. e Canadá, e mais de 5.000
kWh/capita-ano na Europa e no Japão, 12 o que explica em parte as extremamente altas
taxas de aumento da demanda elétrica observada nestes países. Outras razões para estas
altas taxas de crescimento da demanda nos países do Terceiro Mundo são a crescente
industrialização e aumento de produção de insumos básicos eletro-intensivos e,
principalmente, o uso ineficiente de energia. Ao contrário dos países desenvolvidos que
têm conseguido melhoras substanciais na eficiência de utilização de energia, os países do
Terceiro Mundo continuam aumentando as suas necessidades de energia para cada unidade
de PIB (Produto Interno Bruto) produzido. Conforme mostra a Figura 4, a intensidade
energética desses países, isto é, o consumo de energia dividido pelo PIB, medido em
dólares de 1985, era em 1985 cerca de 90% superior à do Japão, apesar dos dois terem
partido do mesmo patamar no inicio dos anos de 1970. Este contínuo crescimento da
intensidade energética nos países do Terceiro Mundo contrasta também com as melhoras
observadas nos E.U.A e na Europa Ocidental. Se as atuais tendências persistirem a
intensidade energética dos países do Terceiro Mundo superará a dos E.U.A. antes dos
meados desta década.13 Observa-se, contudo, que estes índices podem não representar a
realidade fidedignamente, devido ao fato de terem sido baseados em estimativas do PIB
oficial, sem considerar os efeitos do contínuo crescimento da economia informal nos países
em desenvolvimento ao longo das últimas duas décadas.
As implicações econômicas destas altas taxas de crescimento da demanda elétrica
podem ser vistas na Tabela 1, que mostra as projeções do WEC (World Energy
Conference) sobre os requisitos de capital para a expansão da infraestrutura elétrica nas
diversas regiões do mundo. Ela mostra que, devido às tendências de aumento da demanda
e os custos cada vez mais altos de eletricidade, até o fim deste século, os países em
desenvolvimento deverão destinar entre 2,6 e 5,5% do seu PIB para investimentos em
infraestrutura elétrica, versus 1,5% do PIB em 1.980.14 Outro estudo recente da U.S.A.I.D.
(LIS. Agency for International Development), adverte que, se as taxas atuais de
14
crescimento da demanda persistirem e a eficiência de utilização de eletricidade não
melhorar, e assumindo um cenário de médio crescimento econômico, os países em
desenvolvimento como um todo precisarão investir quase US$100 bilhões anuais nos seus
setores elétricos no período 1990-1995, e uma média de US$125 bilhões anuais durante os
próximos 20 anos. Contudo, e ainda segundo a U.S.A.I.D., ao nível atual das tarifas
elétricas nesses países, é possível gerar urna receita de apenas 15% desta quantia. O Banco
Mundial e outros organismos multilaterais de desenvolvimento poderiam financiar, no
máximo, até 15% a mais, e os financiamentos dos bancos comerciais têm efetivamente
cessado a sua contribuição. Mesmo com as transferências governamentais, as empresas de
eletricidade nos países em desenvolvimento atualmente conseguem investir apenas US$5060 bilhões anuais, cerca da metade dos recursos necessários.15 Igualmente preocupantes
com os problemas de escassez de capital são os problemas da qualidade dos investimentos.
Anos e anos de interferências governamentais de toda espécie e, principalmente, as
manipulações do mecanismo de preços, têm resultado em graves distorções no processo de
alocação de recursos, dificultando ainda mais a situação dos setores elétricos destes países.
15
Tabela 1: Requisitos mundiais de capital para a infraestrutura elétrica
CUSTOS DE GERAÇÃO EM US$/KW
Tipos de Usina/Ano
1980
2000 (baixa)
2000 (alta)
Hidro
Nuclear
Fóssil
2740
2060
1030
3360
2540
1230
4110
3080
1510
REQUISITOS MÉDIOS DE CAPITAL POR REGIÃO EM US$/KW
Região/Ano
Países industrializados
- Geração
- Transmissão e distribuição
- Total
Países em Desenvolvimento
- Geração
- Transmissão e distribuição
- Total
Países de Economia Planificada
- Geração
- Transmissão e distribuição
- Total
1980
2000 (baixa)
2000 (alta)
1480
2740
4220
2000
2770
4770
2390
3030
5420
1690
810
2500
2070
1700
3770
2480
2480
4960
1370
1370
2740
1810
1960
3770
2320
2620
4940
REQUISITOS TOTAIS DE CAPITAL EM US$ BILHÕES/ANO (% do PIB)
Região/Ano
Países Industrializados
Países em Desenvolvimento
Países de Economia
Planificada
1980
200 (baixa)
2000 (alta)
226 (2.2)
44 (1.5)
302 (2.0)
148 (2.6)
488 (2,7)
381 (5.5)
60
147
233
Fonte: WEC (World Energy Conference)
Os efeitos desta combinação, de altos índices de aumento da demanda, uso ineficiente
de energia, aumentos nos custos, investimentos insuficientes, e baixa produtividade do
capital investido, têm sido devastadores. Nos anos recentes, muitos países têm sofrido
falhas crônicas no fornecimento de energia elétrica: Argentina, Bangladesh, Chile, Costa
Rica, República Dominicana, Egito, Índia, Nigéria, Paquistão, Paraguai, Perú, Filipinas,
Taiwan e Tanzânia são exemplos de países que viram as suas atividades produtivas
tomarem-se menos previsíveis e a integração de suas complexas atividades econômicas e
sociais prejudicadas por falta de eletricidade. De acordo com o Banco Mundial, há países na
África onde os aviões não podem mais aterrissar durante a noite devido à falta de
eletricidade para iluminação das pistas de pouso.16 Na Nigéria, onde os preços de
eletricidade foram congelados durante dez anos após o último aumento, e chegaram assim
a apenas um sexto do custo marginal de fornecimento, o consumo de energia elétrica
cresceu 143% entre 1.980 e 1.989, enquanto a economia nacional encolhia cerca de 11% no
16
mesmo período. No Peru, onde a receita das empresas estatais diminuiu de 26% do PIB
em 1.985 para 14% em 1.987, e os investimentos da empresa estatal de eletricidade, a
ELECTROPERU, caíram de 1,4% para 0,8% do PIB no mesmo período, 17 cortes severos
no fornecimento de energia elétrica atingem hoje a maior parte do parque industrial do país
2% Argentina, onde os investimentos públicos diminuíram de 11,1% do PIB em 1.977 para
3,8% em 1.985, a irrealista política tarifária e a crescente economia informal fizeram com
que, entre 1.970 e 1.987, a demanda de eletricidade crescesse 153%, face ao aumento de
apenas 23% do PIB oficial.19 Como conseqüência destas políticas, nos meados de 1989, a
população Argentina passou por momentos extremamente difíceis, com o fornecimento de
eletricidade sofrendo cortes rotativos de até seis horas por dia. No Uruguai, onde a mais
grave seca dos últimos 50 anos fez com que em meados de 1.989 a principal usina
hidroelétrica do país operasse somente com uma das suas 14 turbinas, os cortes de energia
também foram de seis horas por dia.
17
A CRÍTICA SITUAÇÃO DO SETOR ELÉTRICO BRASILEIRO
2.1. A implosão financeira: política tarifária e de investimentos
Há claros e inquietantes sinais de que o setor elétrico brasileiro pode estar caminhando
na mesma direção que seus similares em outros países em desenvolvimento. O setor, que
segundo a ELETROBRÁS vem necessitando investimentos da ordem de US$6-8 bilhões
anuais para atender a demanda e manter o sistema elétrico com a confiabilidade necessária,
tem conseguido levantar menos que a metade destes recursos. Apesar das projeções oficiais
da demanda elétrica podem, de fato, ter sido exageradas diante das atuais perspectivas de
crescimento do país, conforme mostrado mais adiante, os custos assumidos para as obras
futuras do setor podem, por sua vez, ter sido sensivelmente subestimados, levantando,
assim, sérias dúvidas sobre a possibilidade de diminuição dos investimentos previstos pela
ELETROBRÁS.
Os preços reais efetivamente pagos para a energia elétrica no Brasil ainda estão muito
defasados e corroídos pela inflação, em média cobrindo menos da metade do custo
marginal de longo prazo. Os muito comentados aumentos das tarifas após o Plano
Cruzado têm sido muito menores que o imaginado, e em alguns casos até fictícios, uma vez
que estes “aumentos’ se referem à data da publicação das portarias do DNAEE
(Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica) enquanto o setor recebe os
faturamentos em caixa cerca de 40 dias depois. O aumento “real”, portanto, de 26%
durante 1.987, foi quase que completamente corroído pelo salto da inflação, de 10 para
30% por mês. O Plano Verão agravou ainda mais a situação, ficando os reajustes das tarifas
elétricas nos primeiros três meses de 1.989 em apenas 14,8%, enquanto a inflação
acumulada no período alcançou 87,1%.20 Nos níveis da inflação de janeiro de 1990, da
ordem de 56% mensais, a situação financeira do setor elétrico, tal como de todos os setores
da economia que não recebem à vista, tomou-se realmente insuportável, com as tarifas no
dia de seu efetivo recebimento valendo menos de três quintos do valor do dia de sua
publicação. A situação é especialmente critica para as supridoras de energia elétrica, cujo
prazo de efetivo pagamento (prazo entre a data de publicação da tarifa e a data do
recebimento em caixa) para vendas às empresas distribuidoras pode chegar a 62 dias.
Esta situação tem levado o setor elétrico a reclamar, com boas razões, o encurtamento
dos prazos de pagamento, ou a cobrança das tarifas com base no BTN (Bônus do Tesouro
Nacional) fiscal. Mas, apesar de necessárias para garantir a sobrevivência das empresas
elétricas a curto prazo, tais medidas seriam, infelizmente, muito efêmeras. De nada
adiantaria uma cirurgia na cauda do cachorro sem uma operação no próprio cachorro, isto
é, no próprio sistema econômico, que comanda e “abana” o setor elétrico e toda a
infraestrutura básica do país. Muito mais importante e
efetivo que um remédio para diminuir a febre inflacionária seria a cura das próprias
causas da inflação. Importa realçar, sobretudo, que apesar dos recentes “planos de
estabilização” terem alimentado a inflação e agravado a situação financeira das empresas de
eletricidade, a aguda crise que hoje ameaça o setor e, em verdade, o resultado de políticas
distorcidas de preços e investimentos que vêm de longa data. Assim, a correção deste
gritante desfalque nas finanças do setor elétrico certamente não pode ser resultante de uma
ação pontual e limitada ao próprio setor, mas dependerá, sim, de mudanças muito mais
profundas, que envolvem a própria estrutura das instituições econômicas do país como um
todo.
18
Entre 1.974 e 1.986, o setor elétrico foi palco de extraordinária expansão e, conforme
indica a Figura 5, a capacidade geradora instalada no país aumentou de 18 mil para 45 mil
MW, o que corresponde a uma taxa anual de crescimento de 7,8%. As Figuras 6a-b
mostram que, para financiar esta expansão, foi necessário investir nada menos que US$48,6
bilhões tem dólares constantes de 1.986) na geração, transmissão e distribuição de energia
elétrica, valor este que não inclui os juros durante a construção. De acordo com a Tabela 2,
esta quantia foi equivalente a 1,9% do P1B e a 9,2% da FBC (Formação Bruta de Capital)
do Brasil acumulados naquele período.21
Neste mesmo período, contudo, apesar dos imensos gastos públicos incorridos pelo
sistema elétrico, e apesar dos custos unitários de geração e transmissão (medidos em
dólares constantes de 1.986 por kW instalado) terem sofrido altas consideráveis, as tarifas
de energia elétrica literalmente despencaram. A tarifa residencial, corrigida através do IGP’
(Índice Geral de Preços), caiu para menos de 40% do seu valor inicial, e a tarifa média
industrial, que já era propositadamente baixa, inicialmente para subsidiar o modelo de
substituição de importações e, em seguida, para incentivar o aumento das exportações,
sofreu queda de 16%. Ademais, estes valores podem não representar adequadamente a
realidade devido à manipulação das taxas de câmbio e dos índices de inflação. Medida em
dólares constantes de 1.986, atualizados através da taxa do câmbio da época e do deflator
do PIB americano, a tarifa para um consumidor residencial com consumo mensal de 200
kWh, diminuiu de US$120/MWh em 1.974 para US$26/MWh em 1.986, ou seja, o valor
real desta tarifa em 1.986 era apenas 22% do seu valor em 1.974. Quedas substanciais nas
tarifas de eletricidade também ocorreram em outros setores tais como comercial e rural.
Conforme mostram as Figuras 7a-c, 22 de maneira geral, as tarifas da eletricidade vendida
em faixas de baixa tensão foram as que apresentaram as quedas mais dramáticas. Não
bastasse esta queda absoluta nas tarifas, os preços relativos da eletricidade frente aos seus
principais concorrentes também diminuíram substancialmente. A razão entre o preço de
eletricidade industrial e o preço do óleo combustível de alto teor de enxofre diminuiu 2,8
vezes entre 1.974 e 1.986 e, apesar dos subsídios estendidos ao CLI’ (Gás Liquefeito de
Petróleo) para uso doméstico, a razão entre o preço de eletricidade residencial e o preço
daquele combustível diminuiu 1,5 vez no mesmo período.23
Para completar este círculo vicioso, entre 1.974 e 1.986, o mercado consumidor
respondeu aos sinais claros de estímulo à substituição de petróleo via EGTD.24
19
Tabela 2: investimentos no setor elétrico brasileiro e sua relação com alguns dos
principais índices macroeconômicos
Ano
PIB
(109 US$)
FBCF
(109 US$)
ISE
(109 US$)
FBCF
(%)
ISE
(%)
ISE/FBCF
(%)
1974
1975
1976
1977
1978
1979
1980
1981
1982
1983
1984
144,2
151,7
166,5
174,2
182,5
195,0
213,5
206,5
208,3
203,1
214,7
36,6
40,6
38,5
38,4
41,3
44,0
47,8
46,1
42,1
31,9
35,4
2,7
3,1
3,4
3,7
4,2
4,1
4,0
4,4
4,7
3,7
3,4
25,4
26,8
23,1
22,0
22,6
22,5
22,4
22,3
20,2
15,7
16,5
1,9
2,0
2,0
2,1
2,3
2,1
1,9
2,1
2,3
1,8
1,6
7,3
7,6
8,8
9,6
1,2
9,3
8,4
9,6
11,2
11,6
9,6
1985
1986
232,5
251,6
41,9
46,5
3,7
3,5
18,0
18,5
1,6
1,4
8,8
7,5
Total
2.545,0
531,1
48,6
20,9
1,9
9,2
FBCF = Formação Bruta de Capital Fixo; ISE = Investimentos no Setor Elétrico.
Fonte: Plano 2010, ELETROBRÁS
(caso da Itaipu), ao aumento das exportações via subsídios diretos (caso da Tucuruí), e ao
desperdício desenfreado nos setores residencial e comercial, insuflados pela política tarifária
do governo, apresentando uma taxa média de crescimento da demanda superior a 9% ao
ano. Conforme mostra a Figura 8, enquanto o consumo de todas as outras fontes de
energia juntas (petróleo, biomassa, etc.) cresceu apenas 43,6% entre 1.974 e 1.986, o
consumo de eletricidade quase triplicou, tendo registrado um aumento de 195% (o
aumento do PIB no mesmo período foi 72,2%). Em conseqüência, a energia elétrica em
1.986 passou a participar com 37,3% no total de energia final consumida no país,
contrastando com apenas 22,4% em 1,974.25 Assim, a intensidade elétrica nacional, isto é, o
número médio de kWh consumidos por unidade de PIB gerado, cresceu 71,4% de 1.974 a
1.986, enquanto neste mesmo período esse fator permaneceu praticamente inalterado nos
países industrializados.26 Ou seja, no Brasil, grande parte da resposta às crises de petróleo
foi à substituição deste combustível por hidroeletricidade (e, também, por etanol),
enquanto nos países industrializados houve aumentos reais na eficiência dos usos finais de
energia - que foram, por sua vez, provocados em grande parte por aumentos constantes
dos preços. Embora seja impróprio fazer comparações diretas entre um país que ainda está
em vias de desenvolvimento e cuja indústria básica esteja em construção com países cujo
crescimento principal ocorre no setor de serviços e de alta tecnologia (atividades estas
pouco intensivas em materiais e energia), e mesmo levando em consideração os efeitos da
crescente economia informal, não restam dúvidas de que uma política realista de preços
teria produzido um perfil energético brasileiro muito diferente do atual.
20
Ademais, e não obstante as pretensões extemporâneas manifestadas de vez em quando
pelo governo, de contornar a inflação através do controle dos preços, há fortes indicações
de que a compressão tarifária, além de ter alimentado a inflação monetariamente e de ter
incentivado a demanda artificialmente, na prática causou também altas consideráveis nos
custos reais de fornecimento de eletricidade no país. A razão disso provém da criação de
sérios problemas de fluxo de caixa nas empresas de energia elétrica, que resultaram, por sua
vez, nos bem conhecidos e quase permanentes atrasos nas suas obras - atrasos estes muito
onerosos numa época de juros explosivos e para projetos tão capital-intensivos e com
longos prazos de construção como os de hidroeletricidade Também, além de terem elevado
os custos financeiros das obras, os problemas de fluxo de caixa induziram os fornecedores
do setor elétrico (empreiteiras e fabricantes de equipamentos) a aumentar os seus preços, a
fim de incorporar os riscos de atrasos no pagamento em regime de inflação galopante.
Enquanto o salário mínimo entre janeiro de 1.980 e janeiro de 1.986 aumentou cerca de
205 vezes (em termos nominais), o custo de mão-de-obra não especializada no setor
hidroelétrico aumentou 366 vezes. Durante o mesmo período, o aumento dos preços de
equipamentos nacionais no setor hidroelétrico foi 420 vezes, contrastando com o aumento
de apenas 285 vezes no IPA (Índice de Preços por Atacado). O aumento do IGP (Índice
Geral de Preços) neste período foi de 260 vezes.27 Apesar de boa parte destes aumentos ter
sido uma resposta aos atrasos no pagamento pelas empresas estatais numa época altamente
inflacionária, e apesar dos custos internacionais de bens de capital também terem
aumentado mais que a inflação, o resultado final foi, sem dúvida, altamente negativo para o
setor elétrico brasileiro.
2.2. A questão da dívida externa
Pressionado, por um lado, pelo problema do financiamento da Balança de Pagamentos
e, por outro, pela ausência de um mecanismo tarifário adequado, capaz de arrecadar os
recursos necessários para a expansão do setor elétrico e dos demais serviços públicos, o
governo recorreu a empréstimos externos. A queda constante dos preços reais de
eletricidade, iniciada em 1.975 com a equalização das tarifas em todo o território nacional,
não parecia prejudicar nem a confiança, nem os créditos dos organismos internacionais de
financiamento. Ao contrário, até o início dos anos 1980, a disponibilidade de empréstimos
externos parecia crescer em relação inversa ao nível das tarifas. Enquanto o serviço da
divida do setor em 1.975 correspondia a 13,2% do total de seus recursos (próprios e de
terceiros), este percentual elevou-se para 62,4% em 1.986.28 Hoje, a dívida externa do setor
supera os US$30 bilhões quando se incluem ltaipu e o programa nuclear, o que representa
cerca de 25% do total da dívida externa do país.
Foram os empréstimos externos que camuflaram, de início, esta mistura paradoxal e
obviamente insustentável, de investimentos maciços e preços declinantes. Mais
recentemente, quando os empréstimos externos cessaram, o resultado não foi apenas a
queda preocupante dos investimentos na infraestrutura elétrica (que diminuíram de 67,0%
do total dos recursos das empresas de eletricidade em 1.975 para 34,9% em 1.986)29 mas,
talvez mais grave ainda, o setor elétrico foi tratado de tal modo que passou a constituir-se
numa importante fonte de inflação, forçando o governo a recorrer à Casa da Moeda para
fazer as injeções de recursos necessários para mantê-lo em atividade.
Enquanto os empréstimos e financiamentos contraídos pelo setor no exterior
diminuíram de 18,0% do total dos seus recursos em 1.975 para 10,1% em 1.986, e os
empréstimos e financiamentos contraídos dentro do país se mantiveram essencialmente
21
estáveis, aumentando apenas de 8,9% do total em 1.975 para 9,6% em 1986, os recursos
provindos do Banco do Brasil via avisos do Ministério da Fazenda (empréstimos
“especiais” autorizados peio Governo Federal), que em 1.975 sequer participavam das
fontes de recursos do setor, em 1.986 passaram a representar nada menos que 28,0% do
total do seu orçamento, ou seja, US$ 3 bilhões frente a tem total de US$10,6 bilhões. 30 A
Tabela 3 mostra que as medidas de saneamento econômico-financeiro das empresas de
eletricidade, implementadas no âmbito do PRS (Plano de Recuperação Setorial) entre 1986
e 1988, atingiram US$8,5 bilhões (em valores correntes). 31 Esta injeção de recursos,
destinados, em princípio, ao serviço da dívida das empresas de eletricidade (apesar desta
distinção, muito comum no Brasil, entre despesas operacionais e despesas financeiras, fazer
pouco sentido em termos de fluxo de caixa), contribuiu significativamente para a expansão
da base monetária do país nos últimos anos, ou seja, da inflação.
Em verdade, a virtual falência do setor elétrico estatal, manifesta na declarada
incapacidade das empresas de eletricidade de pagar a sua dívida e levantar os recursos
necessários para a expansão futura, com todos os seus efeitos e implicações para a
macroeconornia brasileira, tem duas raízes:
Por um lado, há os efeitos bem conhecidos do “choque dos juros” que, a partir do
início dos anos 1.980, literalmente explodiram, passando a custar 2 a 3 vezes o seu valor
histórico. Obviamente, este aumento nos custos de capital foi extremamente prejudicial
para um setor altamente endividado e cuja dívida foi contraída a juros flutuantes. Mas, além
disso, por mais custosas que fossem as flutuações dos juros, mais caras ainda foram as
conseqüências de um verdadeiro festival de taxas, comissões e cláusulas rígidas, embutidas
em contratos de financiamento negociados por partes igualmente ansiosas por assiná-los
mas desigualmente preparadas para administrá-los. Estas condições de financiamento,
pouco compatíveis com a capacidade gerencial e administrativa do setor público de um país
em desenvolvimento, junto aos efeitos desastrosos da desvalorização do dólar americano
frente ao marco alemão e o iene (muitos dos empréstimos do setor elétrico foram captados
antes desta desvalorização e alguns foram indexados com base numa cesta destas moedas,
onde o peso do marco e do iene representava até 70%), têm resultado, na prática, em juros
reais muito maiores para as empresas de eletricidade que os praticados no mercado,
atingindo em alguns casos a inacreditável faixa de 20 a 30% ao ano32.
22
Tabela 3: medidas de saneamento econômico-financeiro implementados no âmbito
do Plano de recuperação setorial – PRS
Valor em US$ milhões (valores correntes)
Item
1. Reembolso do serviço da dívida associada
às usinas nucleares
2. Empréstimo setorial BIRD
(Banco Mundial)
3. Capitalização de serviços da dívida junto ao
Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal
4. Capitalização de serviço da dívida junto ao
Banco do Brasil (Avisos do Ministério da
Fazenda)
5. Recursos de capital FND
(Fundo Nacional de Desenvolvimento)
1987
1988
Sub-total
226
567
906
1.699
500
500
147
6. Capitalização do Empréstimo Compulsório
7. Amortização de avisos do Ministério da
Fazenda com a utilização da CRC (Conta de
Resultados a Compensar)
Total
1986
378
525
707
339
409
1.455
-
790
242
1.032
-
863
863
-
2.400
2.400
5.198
8.474
1.580
1.696
Fonte: Secretaria do Tesouro Nacional
No entanto, e apesar da conveniência de atribuir todas as dificuldades do setor elétrico
à sua dívida externa, não se pode esquecer que os atuais problemas financeiros são também
o resultado de políticas internas irresponsáveis que, numa época de investimentos pesados
e custos marginais crescentes, permitiram o colapso das tarifas de energia elétrica. Por um
lado, a prática de fixar as taxas de câmbio sem levar em consideração adequadamente a
inflação dos países credores, tomou os juros nominais internacionais em juros ‘reais” para o
setor elétrico. Por outro, as dificuldades criadas pelo aumento dos juros poderiam, no
mínimo, ter sido amenizadas com um aumento correspondente nas tarifas e nas taxas de
remuneração dos investimentos do setor. Infelizmente, contudo, conforme ilustra
claramente a Figura 9, o que aconteceu foi exatamente o contrário, e o aumento nos custos
de capital nos mercados financeiros internacionais foi acompanhado por uma queda
abrupta nas taxas de retorno obtidas pelo conjunto das empresas do setor elétrico, que
diminuíram de 11,4% em 1976 para apenas 4,2% em 1986.33 Esta diminuição nas taxas de
retomo no setor elétrico do Brasil são reminiscentes do que ocorreu nos países da África
abaixo do Saara, onde a taxa média anual de retomo dos investimentos despencou de mais
de 30% no período 1961-73, para 13% no período 1973-80. e menos de 3% no período
1980-87. Para comparação, nos países do Sul Asiático estas taxas aumentaram de 21% no
período 1961-73 para 22% no período 1973-80, e 23% no período 1980-87.34
As perdas resultantes do achatamento tarifário das concessionárias elétricas brasileiras
são estarrecedoras. A Tabela 4 mostra a evolução das vendas de energia elétrica de todas as
concessionárias do setor elétrico estatal, junto com a tarifa média nominal no dia de sua
23
publicação pelo DNAEE, e a tarifa média real no dia do seu efetivo recebimento em caixa,
40 dias após a sua publicação pelo DNAEE, ambas em dólares constantes de 1988, durante
o período 1975-1988.35 Esta tabela revela que o setor elétrico estatal neste período
arrecadou uma quantia acumulada equivalente a US$74,5 bilhões (em dólares de 1988) para
a venda total de pouco mais de 1.740 TWh, ou seja uma media de US$42,8/MWh vendido.
Contudo, se a tarifa elétrica neste período tivesse sido mantida no seu nível real de 1975, o
setor elétrico estatal teria arrecadado uma quantia adicional (isto é, além da arrecadada pela
tarifa vigente) equivalente a US$ 54,3 bilhões, valor este cerca do dobro da sua dívida
externa atual e cerca da metade do total da dívida externa brasileira. Mesmo levando em
consideração que este valor refere-se a quantias que teriam sido captadas em cruzados e
não em dólares, a magnitude das perdas demonstra claramente que, para as próprias
empresas de eletricidade, o problema principal não foi a dívida em si, que apesar de não ter
sido investida na melhor maneira possível, foi, de um modo geral, aplicada em
investimentos produtivos, mas principalmente as políticas tarifárias irrealistas ditadas pelo
governo federal.
Tabela 4: Efeitos da defasagem tarifária nas recitas das concessionárias elétricas
(valores em dólares médio em 1988)
Ano
Vendas(1)
(TWh)
Tarifa Nominal (2) Tarifa recebida (3)
(US$/MWh)
(US$/MWh)
Receita efetiva
(US$ milhões)
Perdas em
relação a 1975
(US$ milhões)
1975
1976
1977
1978
1979
1980
1981
1982
1983
1984
1985
1986
1987
1988
62,8
71,7
81,1
90,3
101,5
112,2
115,6
123,0
131,8
146,9
161,3
173,9
179,6
190,8
76,0
68,6
65,0
62,7
57,1
50,8
60,3
54,0
35,9
32,8
30,2
29,7
44,0
43,9
73,9
66,0
62,5
60,5
54,5
47,5
55,8
50,1
32,6
29,1
26,5
26,9
38,6
35,0
4,641
4,732
5,069
5,463
5,532
5,330
6,450
6,162
4,297
4,275
4,274
4,678
6,933
6,678
0
567
924
1.210
1.969
2.962
2.093
2.928
5.443
6.581
7.646
8.173
6.339
7.422
Total
1.742,5
46,8
42,8
74,514
54.257
(1) Apenas das concessionárias; não inclui os autoprodutores
(2) Valor médio no dia de publicação da tarifa pelo DNAEE
(3) Valor médio no dia do recebimento efetivo em caixa, 40 dias após a publicação da tarifa pelo DNAEE
24
2.3. Prenúncios de um colapso operacional e suas implicações
Esta crônica escassez de capital parece prenunciar uma iminente crise de fornecimento
elétrico que poderá advir antes dos meados desta década. Os prenúncios da crise já se
fazem sentir por todo o Brasil. De acordo com a ELETROBRÁS, mesmo assumindo que
não haja atrasos adicionais nas obras, o risco de racionamento em algumas regiões do país
poderá subir para níveis superiores a 10% em 1994.36 Para comparação, os critérios
atualmente em vigor estabelecem que o parque gerador deve ser capaz de atender o
mercado previsto de energia a um nível de risco de déficit anual de 5% dos anos da série
hidrológica, e o mercado previsto de demanda máxima anual a um nível de risco de déficit
de potência de 0,68%, ou 5h/mês.37 Importa lembrar, também, que além dos problemas de
redução da quantidade de energia, há o problema igualmente importante da diminuição da
qualidade do abastecimento, que para os segmentos mais sofisticados da indústria pode ser
tão fatal quanto o racionamento.
Os atrasos nas obras
Em Rondônia, onde a população já convive com uma crise de fornecimento elétrico
desde a explosão do crescimento demográfico iniciado há mais de 15 anos, a primeira usina
hidroelétrica de grande porte, a de Samuel, de 217 MW, programada para aliviar o sufoco
de Porto Velho, está semi-paralizada a partir do mês de abril de 1.989, por falta de
pagamento á empreiteira de obras, colocando em desespero a CERON, concessionária
local de distribuição de eletricidade. Também na região Norte, outra peça importante do
sistema gerador, a usina Tucurui II, de 3.300 MW, originalmente programada para entrar
em operação em 1994, foi adiada para 1996.38
No Nordeste, que já no ano de 1.987 sofreu o mais duro processo de racionamento de
eletricidade desde a década de 1.950, a hidroelétrica de Xingó, de 5.000 MW, originalmente
programada para iniciar sua operação em 1.992, depois adiada para 1.994 por falta de
verbas, necessitará de US$2,8 bilhões nos próximos 5 anos para manter o cronograma de
obras em dia. O nível hidrológico do Rio São Francisco. fonte de 90% de toda eletricidade
gerada no Nordeste, será acompanhado ano a ano com grande expectativa. Uma queda na
capacidade de enchimento da sua principal barragem, a de Sobradinho, poderá indicar o
inicio de mais uma “via crucis” para a população urbana da região. As últimas previsões
oficiais da ELETROBRÁS apontam para um risco de déficit no Nordeste de 11% em
1994, mesmo com todos os cronogramas das obras mantidos em dia.
No Sudeste brasileiro, onde a falta de chuvas de março até novembro de 1.986 fez com
que a região escapasse de raspão por uma crise de racionamento, a uma vez maldita Itaipu,
batizada então como um dos símbolos do malfadado sonho do Brasil Grande, tomou-se a
peça fundamental capaz de manter acesas as lâmpadas da região, pelo menos até 1.993, ano
limite em que a acumulação das águas da Bacia do Paraná conseguirá acionar a última de
suas turbinas de 700 MW (cada uma das suas 18 máquinas têm potência superior em 15% à
da usina nuclear de Angra 1), o que deverá exaurir a capacidade geradora da usina. Após a
entrada em operação dessa última máquina de Itaipu, a próxima grande usina na região
Sudeste seria a de Porto Primavera, da CESP, de 1.818 MXV. Esta usina está sendo
construída desde 1.980, e deverá entrar em operação em 1.995, caso suas obras sejam
retomadas de imediato. Mas a CESP, corroída por uma dívida externa de cerca de US$4,5
bilhões, não tem recursos para Porto Primavera, a não ser para mantê-la em “ponto
morto”, isto é, em estado de obra suficiente somente para não corroer os investimentos já
25
realizados. Outro fator crítico do suprimento elétrico do Sudeste refere-se aos atrasos na
conclusão das obras das usinas nucleares de Angra II e III, cada uma com potencial de
1.245 MW, que deveriam entrar em operação em 1992 (Angra II) e 1995 (Angra III), mas
que foram agora reprogramadas para 1995 e 1998, respectivamente.
No Sul, a hidroelétrica de há, da ELETROSUL, com capacidade de 1.620 MW, estava
originalmente programada para operar em 1.992. Hoje, suas obras estão semiparalisadas
também por falta de verbas, e foram reprogramadas para 1.995. Esta usina é peça
fundamental para os Estados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina. As usinas
termoelétricas de carvão, Unidade IV de Jorge Lacerda e a de Jacuí, ambas de 350 MW,
também estão com seus cronogramas atrasados em 9 meses. No Rio lguaçu, a Usina de
Segredo, de 1.260 MW, da COPFL, deveria começar a operar em 1.991, mas suas obras,
prejudicadas por acusações de formação de cartel pelas empresas de construção, foram
atrasadas por um ano. A região Sul lá havia sofrido um racionamento de 20% durante dois
meses, em 1.986, e a situação só não foi pior devido à transferência de 1.400 MW do
Sudeste, através de uma precária conexão entre os dois sistemas, operando ambos no limite
máximo de suas capacidades.
Além dos efeitos desastrosos sobre os custos finais das obras e as finanças das
empresas de eletricidade, estes atrasos generalizados, resumidos na Tabela 5, 39 são muito
preocupantes, porque mesmo se os cronogramas de todas as usinas já contratadas e a
5erem iniciadas a curto prazo forem mantidos, seria possível incrementar a capacidade
elétrica instalada no pais no período 1990-1995 a urna taxa média de menos de 5% ao ano.
Em comparação, o Plano 2010 previa aumentos médios na capacidade geradora de 7,1% ao
ano neste período. Apesar das taxas de crescimento econômico no país durante os últimos
três anos terem sido menores que as previstas no Plano 2010, é importante lembrar que
durante 1980-1987, não exatamente um período de “boom” econômico, os preços
declinantes de energia elétrica e outras políticas equivocadas fizeram com que o
crescimento do consumo elétrico no Brasil, fosse, em média, de 7,4% ao ano. Nos anos de
1988 e 1989, caracterizados pela semi-estagnação do PIB oficial, as altas taxas de
crescimento populacional e a economia informal fizeram com que o consumo de
eletricidade continuasse crescendo na faixa de 5% ao ano. 40
Assim, mesmo reconhecendo a possibilidade de adoção de políticas econômicas
recessivas pelo futuro Governo, resultantes de um eventual combate à inflação, a
experiência passada mostra que, sem mudanças radicais na política de preços, quaisquer
atrasos adicionais nas obras poderiam resultar em racionamento. As preocupações com O
futuro do setor tornam-se ainda maiores quando se lembra que além dos atrasos nas obras,
os últimos anos têm sido caracterizados por uma acentuada queda nos gastos com
manutenção, principalmente nos sistemas de distribuição de eletricidade.
26
Tabela 5a: Atrasos e/ou reprogramações no programa de obras do Plano Decenal
de Geração na região Sudeste.
Usina
Taquarucu
C. Dourada
Três Irmãos
Jaguara
Manso
Igarapava
Corumbá I
Miranda
Nova Ponte
Paulínia I
Paulínia II
Serra da Mesa
Porto Primavera
S.J. dos Campos
Cana Brava
Simplício
Angra II
Igarapé II
Queimado
Sapucaia
Couto Magalhães
Formoso
Itaocara
Serra do Falcão
Bocaina
Picada
Angra III
Foz do Bezerra
Capim Branco
Irapé
Sobragi
Barra do Peixe
Corumba II
Potência
Instalada
(MW)
Previsão Atual
(A)
Entrada em Operação
Previsão do Plano
Adiantamento
2010 (B)
(meses)
(A-B)
505
190
648
648
210
200
375
390
510
350
Fev-90
Jun-90
Jun-90
Jun-92
Dez-93
Mar-94
Abr-94
Jun-94
Jun-94
Jun-94
Ago-89
Set-87
Jun-67
Jul-90
Dez-91
Jun-94
Dez-92
Mar-93
Jun-92
-
6
33
12
23
24
-3
16
15
24
-
350
1200
1818
350
480
180
1245
125
100
200
220
340
210
210
165
100
1245
360
600
420
110
450
235
Dez-94
Abr-95
Mai-95
Jun-95
Set-95
Out-95
Dez-95
Dez-95
Set-96
Dez-96
Mar-97
Mar-97
Mar-97
Mar-97
Mar-98
Mar-98
Set-98
Mar-99
Jun-99
Jun-99
Jun-99
Set-99
Set-99
Abr-93
Mai-91
Mar-94
Out-92
Dez-92
Mar-97
Dez-92
Mar-95
Mar-93
Mar-94
Mar-94
Mar-95
Dez-95
Mar-95
Jun-94
Jun-95
Set-95
Set-96
24
48
18
36
36
-6
48
24
48
36
48
36
34
48
61
48
48
36
Fonte: ELETROBRÁS
27
Tabela 5b: Atrasos e/ou reprogramações no programa de obras do Plano Decenal
de Geração na região Sul.
Usina
Potência
Instalada
(MW)
Previsão Atual
(A)
Entrada em Operação
Previsão do Plano
Adiantamento
2010 (B)
(meses)
(A-B)
J. Lacerda IV
Jacuí
Segredo
Bolívia-Gás
Candiota III-1
Desvio Jordão
Itá
Dona Francisca
Carvão - 50 MW
Campos Novos
350
350
1260
450
350
1620
125
200
890
Jun-91
Mar-92
Set-92
Jun-93
Dez-94
Jun-95
Jun-95
Set-95
Dez-96
Set-97
Set-90
Jun-91
Set-91
Jul-92
Jun-92
Out-92
Set-92
Dez-95
Set-93
9
9
12
29
36
32
36
2
49
Sto. Caxias
Candiota III-2
Machadinho
Mauá
Cebolão
Candiota III-3
Carvão - 125 MW
1000
350
1200
422
194
350
250
Set-97
Dez-97
Mar-98
Set-98
Set-99
Dez-99
Dez-99
Set-94
Dez-96
Mar-94
Set-95
Mar-96
Dez-98
Dez-98
36
12
49
36
43
12
12
Fonte: ELETROBRÁS
Tabela 5c: Atrasos e/ou reprogramações no programa de obras do Plano Decenal
de Geração na região Norte/Nordeste.
Usina
Potência
Instalada
(MW)
Boa Esperança
Pedra do Cavalo
Xingó
Tucuruí II
Araçá
Sacos
Itapebi
126
600
5000
3300
120
114
617
Previsão Atual
(A)
Dez-89
Jan-94
Jul-94
Jun-96
Jun-98
Jun-98
Nov-98
Entrada em Operação
Previsão do Plano
Adiantamento
2010 (B)
(meses)
(A-B)
Jun-89
Mar-92
Out-92
Jan-94
Nov-95
6
22
21
29
36
Fonte: ELETROBRAS
Aliás, com relação a uma certa tendência de alguns analistas de menosprezar os riscos
das atuais políticas do setor elétrico com base em argumentos de que o Plano 2010 teria
superestimado as projeções de demanda, 41 importa lembrar que as taxas menores de
consumo em relação às previstas no Plano não ocorreram em conseqüência de ações
28
específicas do setor elétrico, tais como aumentos na eficiência do uso de energia, ou
campanhas de conservação, ambos prejudicados pela baixa tarifa, mas principalmente
devido à estagnação da economia do país. Pior ainda, a oferta menor de energia em relação
à prevista não foi somente uma resposta à diminuição da demanda, mas, em grande parte,
uma imposição, provinda da falta absoluta de recursos para conclusão das obras. Em outras
palavras, uma eventual queda nas taxas de crescimento da demanda elétrica nestas
condições não deveria ser vista com nenhum tipo de ‘alívio; pelo contrário, os problemas
estruturais do setor elétrico brasileiro (uso ineficiente de energia, formação insuficiente de
capitais e baixa produtividade do capital investido) continuam, com a agravante adicional
que o crescimento econômico futuro do país poderá ser agora comprometido pelas
limitações de expansão da intraestrutura elétrica e de outros serviços básicos.
É importante também destacar que a crise de suprimento elétrico de 1.986/1.987 foi
essencialmente uma crise de transmissão elétrica. As ‘pontes de safena’ providenciadas para
levar o sangue elétrico da Usina de ltumbiara na fronteira de Minas Gerais com Goiás para
a Grande Belo Horizonte; a ligação, por FURNAS, de Itaipu com a subestação de lvaiporã,
no Paraná, que possibilitou escoar a energia daquela usina para o Sul; e a ligação da
subestação de Tijuco Preto (em Corrente Alternada) e lbiúna (em Corrente Contínua), em
São Paulo, com o anel que supre a cidade do Rio de Janeiro e todo o Sudeste e CentroOeste, trazendo-lhes a energia de Itaipu, conseguiram salvar o Brasil de um ataque eletrocardíaco a tempo. Da mesma forma, o término da transmissão a “toque de caixa” desde a
subestação de Presidente Dutra, no Maranhão, até o sistema da CHESF, levou a energia da
Usina de Tucuruí, da ELETRONORTE, até o Nordeste, suspendendo o racionamento
naquela região. A próxima crise, contudo, que poderá ocorrer entre 1.993 e 1.995 (1993 no
Nordeste e 1995 no Sudeste), será primordialmente uma crise de geração e não mais de
transmissão. As aortas elétricas” estarão funcionando mas o coração elétrico, que é o
parque gerador, estará deficitário. Neste sentido, vale a pena lembrar que as obras de
geração se caracterizam por requerer período de maturação muito maior que aquelas de
transmissão de eletricidade. Enquanto é possível construir 500 1cm de linhas de
transmissão em um ano a “toque de caixa”, leva-se 5 a 6 anos para construir uma usina
hidroelétrica da mesma forma.
Por outro lado, é importante assinalar que diversas obras de usinas hidroelétricas e
termoelétricas estão no meio do caminho e capazes de serem colocadas na trilha da
conclusão ainda em tempo hábil para solucionar, ou pelo menos minimizar, eventuais
problemas de racionamento a curto e médio prazo. A recuperação do programa de obras
de usinas como Xingó no Nordeste, Há, Segredo e Jacuí no Sul, e Porto Primavera, Angra
II e Serra da Mesa no Sudeste, poderiam adicionar uma capacidade geradora suficiente para
afastar o perigo do racionamento num prazo de 3 a 4 anos (apenas as usinas mencionadas
somam quase 12.500 MW). Na região Norte, o aproveitamento do gás natural de
Juruá/Urucú para acionar usinas termoelétricas de ciclo combinado para socorrer o sistema
Acre - Rondônia, junto com a praticamente concluída hidroelétrica de Samuel, poderia ser
viabilizado em menos de 3 anos. Eventualmente, até o suprimento de Manaus poderá vir
do gás Amazônico através de um projeto integrado, adiando-se as controvertidas usinas
hidroelétricas na Amazônia para mais adiante. E a usina térmica Boliviana, de 450 MW, a
ser instalada em Puerto Suarez, perto da fronteira com o Brasil, para exportar energia à
região Centro-Oeste, poderia ajudar a resolver os problemas de suprimento elétrico do
Mato Grosso do Sul, também em menos de 3 anos.
29
Os custos de uma crise elétrica
É difícil medir a exata dimensão de uma crise de racionamento elétrico. Os efeitos do
racionamento ocorrido na Argentina e do que afeta atualmente o Peru, só podem ser
sentidos por quem estiver imerso na crise. Mas as conseqüências de um colapso no
fornecimento de energia elétrica não podem ser confundidas com as meras inconveniências
de um “black-out” temporário, que não passam de amostra do que realmente poderá
acontecer. No caso de cortes de energia pré-programados, as conseqüências de déficits no
suprimento podem ser amenizadas e os custos reduzidos. Mas, a longo prazo, os efeitos
potenciais de uma crise elétrica aguda e prolongada sobre as atividades cotidianas de uma
sociedade contemporânea são, em alguns aspectos, semelhantes aos de um terremoto.
Muita da infraestrutura básica que move uma sociedade moderna entra em estado de
colapso. Hospitais e escolas deixam de funcionar, as indústrias diminuem o ritmo
produtivo com dispensa de pessoal, a iluminação pública é cortada drasticamente
aumentando a delinqüência criminosa, e os serviços públicos como o transporte urbano e o
abastecimento de água ficam ameaçados. O censo nacional de 1.990 irá revelar um Brasil
com cerca de 15 cidades com população superior a 1 milhão de pessoas, quando havia
apenas duas cidades deste tamanho em 1.960. Poucos membros do governo, da
comunidade acadêmica ou empresarial, e da imprensa, que informa a opinião pública,
foram devidamente informados para ter uma visão clara da logística e das operações
envolvidas no processo de abastecimento de alimentos para uma população urbana de
quase 110 milhões, espalhada sobre um território de tamanho continental. E assustador
tentar imaginar os efeitos de uma crise prolongada de abastecimento elétrico, envolvendo
perdas parciais ou totais dos sistemas de refrigeração, sobre o processo de transporte,
armazenamento e distribuição de gêneros alimentícios para estas populações urbanas.
Os prejuízos econômicos de uma crise deste tipo podem ser avaliados ao se verificar
que enquanto o custo de energia elétrica representa, em média, 1,5 a 3% do valor agregado
do produto industrial, o efeito multiplicador de sua falta é de algumas dezenas de vezes
maior. No caso extremo da Argentina, onde no auge da crise houve um virtual colapso do
sistema elétrico, estima-se que o racionamento de cerca de 25% do total da energia elétrica
consumida naquele país provocou uma queda na atividade industrial e comercial da ordem
de US$420 milhões por mês.42 Uma pesquisa internacional sobre o custo de interrupção de
energia elétrica para o setor residencial indica que o custo do kWh faltante é 35 vezes
superior ao preço do kWh fornecido em condições normais.43
Diversos outros estudos recentes de casos reais a nível mundial também comprovam
que os custos de interrupções no abastecimento elétrico são sempre muito elevados. No
caso da Índia, por exemplo, o NCAER (Nationai Council for Applied Economic Research)
estudou os custos das faltas de energia elétrica que vêm castigando aquele país desde a
década passada e que hoje atingem 10% da demanda total. De acordo com o NCAER, as
perdas na produção industrial foram de US$2,1 bilhões no período 1982-1983 e de US$2,7
bilhões no período 1983-1984 (ambos expressos em valores de 1987), equivalentes à cerca
de 1,5% do PIB daquele país.44 Outro estudo, preparado em 1987 para a U.S.A.I.D. e a
WAPDA (Water and Power Development Authority) do Paquistão, estimou os custos de
interrupções no fornecimento elétrico ao setor industrial do Paquistão. O prejuízo, que se
vem agravando desde 1982, com a falta de eletricidade chegando a superar hoje 25% da
demanda, atinge USS35O milhões anuais (em valores de 1987), equivalentes a 8,2% do
valor do PIB industrial paquistanês. O mesmo estudo avaliou, também, os custos de
racionamento antecipadamente programado para os diversos setores industriais,
30
concluindo que este varia de US$290/MWh no caso da indústria têxtil a US$1.770/Mwh
no caso da indústria mecânica e de equipamentos, ficando o custo médio em
US$460/MWh. No caso de interrupções não programadas o custo médio foi estimado em
US$810/Mwh. Ainda conforme este estudo, aquelas indústrias que optaram por autogerar
a sua eletricidade o fazem ao custo de US$140 a US$740/MWh. Para efeitos de
comparação, o custo marginal de longo prazo do sistema da WAPDA é de US$76/MWh.45
A Tabela 6 mostra exemplos de custos de interrupções no fornecimento elétrico em
países em desenvolvimento, calculados pelo Oak Ridge National Laboratv dos E.U.A.46 e
como pode ser visto, de modo geral, as perdas globais a curto prazo atingem 1 a 3% do
PIB. Para colocar estes números em perspectiva vale a pena mencionar que as quedas na
produção são equivalentes à redução no nível da atividade econômica ocorrida nos E.U.A.
durante a recessão de 1982, que foi de cerca de 2,5% do PIB. 47 A longo prazo, os prejuízos
podem ser ainda maiores, afetando negativamente os investimentos e o próprio processo
de desenvolvimento e modernização de um país.48
Tabela 6: Custos de interrupções no fornecimento elétrico de diversos países em
desenvolvimento (valores em dólares de 1987).
País
Setor(es)
Tipos de interrupções
Custos das intetrupções
Bangladesh
Todos
Não programadas
US$ 1.000/MWh
Brasil
Residencial
Não programadas
US$ 1.959-3.000/ MWh
Chile
Residencial
Industrial
Não programadas
Não programadas
US$ 530/MWh
Faixa:
US$ 250-12.000/MWh
Tendência central:
US$ 1.500-6.000/MWh
Egito
Industrial
Não programadas
US$400/MWh
Índia
Industrial
Programadas
Custo anual varia de 1 a
3% do PIB (US$ 1,5-3,0
bilhões/ano)
Jamaica
Industrial
Não programados
US$1.250/MWh
Paquistão
Industrial
Programadas
Faixa:
US$ 260-1.770/MWh
Média: US$460/MWh
Faixa:
US$ 360- 2.540/MWh
Média: US$ 810/MWh
Não programadas
Taiwan
Industrial
US$ 60-2.160/MWh
Tanzânia
Residencial
Comercial
US$ 500/MWh
US$ 1.000/ MWh
Industrial
US$ 700-1-400/MWh
Fonte: Oak Ridge National Laboratory
31
2.4 Causas e efeitos da crise: o problema político-institucional
Diante deste quadro preocupante, toma-se extremamente importante, bem como
urgente, o exame sério e minucioso das causas da crise elétrica brasileira, não apenas para a
formulação de um novo modelo para o próprio setor elétrico, consistente com a nova
conjuntura econômica e política nacional, mas também porque as dificuldades que este
setor enfrenta são bem representativas daquelas que desafiam outros serviços públicos
essenciais e, talvez mais importante ainda, porque exemplificam de modo bastante
fidedigno as ações e políticas que levaram o país à beira da hiperinflação. Principalmente,
para que sejam adotadas respostas eficazes, é fundamental a identificação das origens
institucionais da crise e uma distinção clara entre suas causas e seus efeitos, conceitos que,
infelizmente, muitas vezes são confundidos.
A gravidade da crise das instituições e a sua interligação com a deterioração da
infraestrutura básica é relatada em trabalho recente do Banco Mundial que aponta os
problemas encontrados nos setores públicos dos países do continente africano: “As
principais dificuldades aqui encontradas são mais de ordem institucional do que técnica, e
referem-se a roubo de materiais, falta de pagamento de contas pelos consumidores,
alteração delinqüente de medidores, falsificação de contratos para investimentos e
manutenção, mau desvio de recursos, falta de documentarão adequada e de normas de
auditoria que permitam verificação, e assim por diante... O principal é que um sistema
funcional de preços no setor público depende, em grande parte, da capacidade,
responsabilidade e Integridade das instituições que o administram.49 Outro exemplo
concreto da forte componente institucional no processo da deterioração da infraestrutura
básica encontra-se no virtual colapso dos serviços públicos na Argentina, que começou a
ganhar proporções reminiscentes da África. Nas palavras do superintendente da usina
térmica de Costanera, de 910 MXV, em Buenos Aires: 50
SEGBA (a empresa geradora de Buenos Aires) julgava que as usinas térmicas eram
obsoletas e parou de dar-lhes manutenção, pois novas usinas hidroelétricas estavam sendo
construídas. Por volta de 1986, porém, a direção da SEGBA deu-se conta de que o término dos
projetos hidroelétricos estava atrasado, e que uma crise se aproximava à medida que as unidades
termoelétricas velhas falhavam mais freqüentemente. O custo de reformar uma de nossas unidades
geradoras de 120 MW é de US$30 milhões. A SEGBA começou a gastar mais na
manutenção, mas era muito tarde. Não éramos capazes de fazer as reformas como precisávamos,
pois faltavam recursos. Faltava-nos dinheiro devido ás baixas tarifas, porque temos excesso de
empregados, e por causa das exigências sindicais por salários melhores. Todo o sistema sofria de
fadiga térmica e corrosão. Quando começaram as faltas de energia em dezembro de 1988, nossos
equipamentos velhos começaram a falhar mais rapidamente, pois exigíamos mais deles. A
primeira parada foi das caldeiras que apresentavam rachaduras sob mais calor e pressão.
Seguiram-se os ventiladores, bombas e compressores. A crise deflagrou-se quando da escalada da
inflação, com aumentos de salários de tipo ‘gangorra’ entre empregados administrativos e de
produção. SEGBA tem 24.000 empregados, dos quais a metade em serviços de apoio. Quanto
mais empregados houver, menos recursos há para cada um, e em decorrência trabalham menos. O
sindicato sempre exerce pressão por maiores salários por horas-extras trabalhadas e para que
maior número de novos empregados seja admitido. Engenheiros que exercem a supervisão de cem
homens ganham 20% menos do que os seus trabalhadores. Temos atritos constantes entre nossos
sindicatos e engenheiros.
32
Embora o sistema hidroelétrico brasileiro com seus reservatórios plurianuais seja muito
diferente do sistema hidro-térmico argentino, 51 o exemplo do país vizinho não deixa de ser
preocupante especialmente porque nos últimos anos o setor elétrico brasileiro também
começou a apresentar sinais de quebra da sua ordem institucional. Uma manifestação desta
nova fragilidade das instituições do setor encontra-se na luta jurídica que está sendo travada
entre uma série de empresas estaduais de eletricidade e o sistema federal da
ELETROBRÁS. Há mais de um ano, os governadores de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas
Gerais, Santa Catarina, Paraná e Rio Grande do Sul decidiram não permitir as empresas
estaduais de eletricidade pagar as cotas de garantia e reversão a ELETROBRÁS, apesar de
continuar a cobrá-las do público. Mais recentemente, o problema estendeu-se às
concessionárias do Nordeste, O valor acumulado do débito das empresas estaduais
(incluindo dividas referentes às cotas de reversão e garantia e também energia) alcançou
cerca de US$900 milhões em dezembro de 1989,52 Além de ter desencadeado um efeito
dominó em que, por exemplo, ELETROPAULO não pagou à CESP que não pagou à
FURNAS que não pagou à ITAIPÚ que não pagou ao Banco Central que garantiu grande
parte da dívida da bi-nacional, este episódio comprometeu ainda mais a capacidade de
investimento das empresas federais de fornecimento elétrico, responsáveis por mais da
metade da capacidade geradora do país. Para os mais pessimistas, o clima de confronto e
tumulto institucional criado pela inadimplência circular das empresas estaduais pode
constituir-se no início do fim dos sonhos de interligação da rede elétrica em todo o Brasil.
A gravidade e efeito multiplicador da situação ficam claros ao se considerar que em janeiro
de 1990, os empregados da CHESF entraram em estado de greve pelo não recebimento
dos seus salários, causado por problemas de caixa que, por sua vez, foram provocados pelo
não recebimento, por meses a fio, das faturas de suprimento elétrico das companhias
estaduais de eletricidade do Nordeste. Diante desta situação, a Procuradoria Geral da
República decretou a inadimplência das empresas estaduais ilegal, e sugeriu colocar as
empresas envolvidas sob intervenção federal para o “seqüestro” das dívidas acumuladas
junto aos consumidores finais.
Outro sintoma desta profunda e perigosa crise institucional que aflige o setor elétrico
brasileiro manifesta-se na sua incapacidade de resistir à demasiada influência política que,
além de ditar a política tarifária e de investimentos, interfere cada vez mais abertamente, e
em maior grau, na própria gestão administrativa das empresas de eletricidade. A
interferência da política na gestão empresarial das concessionárias públicas, vistas como
nichos de oportunidades para ganhos políticos, não se tem restringido ao apadrinhamento
e às nomeações de pessoas sem qualificação técnica alguma a cargos de gerência (problema
este mais acentuado nas empresas estaduais que nas federais); mais recentemente, tem se
manifestado, também, em tentativas de formação de uma espécie de poder paralelo dentro
de algumas empresas pelos empregados e seus sindicatos. Um indicador da ineficiência
provocada por estas práticas encontra-se na relação entre o número de consumidores
ligados à rede elétrica e o número total de funcionários das empresas de eletricidade, que é
hoje no Brasil de 145:1 (206.061 empregados para um total de 29.880.000 de
consumidores), comparado com 429:1 no Japão, ou seja, a produtividade brasileira é 3
vezes menor que a japonesa.53 Tais diferenças não são justificadas apenas pelo fato do
Japão ser um país de altíssima densidade populacional, ao contrário do Brasil que é um pais
rarefeito’. Além dos custos diretos desta ineficiência administrativa (folha salarial e outras
despesas de pessoal), talvez mais prejudiciais ainda sejam as perdas resultantes da
33
interferência política nas decisões de investimentos e contratação de obras e serviços. As
conseqüências desmoralizantes deste processo crescente de “politização” do setor, e dos
sinais de inicio de um processo de ‘desprofissionalização’ dos seus quadros gerenciais, em
que as concessionárias elétricas parecem estar servindo não mais aos interesses da
sociedade como um todo, mas sim àqueles dos seus próprios funcionários, da máquina
estatal, de certos grupos empresariais e, em alguns casos, até aos interesses de determinados
grupos e candidatos partidários, podem ser o problema mais grave e irreparável da crise do
setor a longo prazo. A reposição de quadros técnicos competentes e a sua motivação pelo
trabalho são fáceis de serem quebradas mas difíceis de serem resolidificadas.
Sobretudo, e sempre visando às origens institucionais da crise, importa realçar que as
distorções hoje existentes no setor elétrico brasileiro não são fenômeno isolado ou
periódico, mas, sim, reflexo de políticas macroeconômicas mais amplas e persistentes, que
têm incentivado o consumo ao invés da formação de capital, e que têm tratado as políticas
tarifária e de investimentos como instrumentos ilusórios para manipulação da inflação,
como fontes inesgotáveis de subsídios para promoção de desenvolvimento regional e
distribuição de renda, e até como máscaras para captação de financiamentos externos. A
queda dos preços da eletricidade, por exemplo, foi apenas o reflexo das mesmas políticas
“sociais” e de “incentivos”, que esmagaram as tarifas de quase todos os serviços públicos
no país (telecomunicações, água, etc.) e que literalmente devastaram a capacidade de
arrecadação de uma das principais fontes de recursos do Tesouro Nacional - as empresas
estatais. As baixas tarifas aplicadas ao consumo industrial chegaram a ser vistas pelas
autoridades econômicas como um meio para subsidiar as exportações brasileiras fora do
controle do GATT (General Agreement on Tariffs and Trade). Estas mesmas autoridades
justificavam que a política de preços baixos visava transferir recursos do setor público para
o setor privado porque este é mais eficiente. Hoje, o setor privado é de fato,
financeiramente mais forte que o setor público, mas, além da sua desconfiança na legislação
e na política macroeconômica, reluta em investir por temor da inflação e da falta de
infraestrutura básica. E o Estado e suas empresas, que criam a inflação, não podem investir
em infraestrutura básica por falta de recursos.
O pesado endividamento do setor elétrico, por sua vez, reflete um modelo econômico
altamente centralizado em que o governo se sentiu (e ainda se sente) á vontade para
interferir na gestão microeconômica das suas empresas, a fim de atingir objetivos
macroeconômicos - por exemplo, forçando as empresas de eletricidade, e as estatais em
geral, a buscar recursos no exterior para financiar o Balanço de Pagamentos de modo mais
barato (as taxas de juros envolvidas nestas transações eram menores que as do setor
privado). Este endividamento é, ainda, o reflexo de uma decisão puramente política (ao
invés de econômica), que forçou as empresas estatais a financiar sua expansão através de
empréstimos (ao invés de capitais de risco), fato que na prática significou assumir
integralmente e soberanamente todos os riscos envolvidos nos seus investimentos,
esquecendo que nas economias capitalistas o sucesso das empresas reside, em grande parte,
na sua capacidade de partilhar os riscos com demais investidores. E, finalmente, a própria
evolução do parque elétrico brasileiro, com o predomínio de grandes obras hidroelétricas
implantadas por empresas estatais (conforme mostram as Figuras l0 a-b, a participação da
hidroeletricidade na capacidade elétrica instalada no país aumentou de 75% do total em
1.974 para mais que 85% em 1.986, e a participação do setor privado diminuiu de 13% para
7% do total no mesmo período), 54 nada mais é que o espelho do modelo econômico
34
adotado pelo país como um todo, de substituição de importações através de investimentos
públicos de grande porte, em regime de “custe o que custar”.
O problema é que este modelo está implodindo. A tese aqui defendida é que a
recuperação da capacidade do setor elétrico para atender às necessidades energéticas do
país não passa por pequenos ajustes ou mudanças paliativas, mas pela reestruturação
profunda das suas próprias bases político-institucionais e daquelas da macroeconomia
brasileira em geral. É preciso, enfim, elaborar um novo modelo consistente com as
mudanças radicais que têm ocorrido no campo técnico-econômico e político brasileiro e
mundial nos últimos anos.
35
O NOVO AMBIENTE TÉCNICO-ECONÔMICO
3.1. As mudanças nos custos de capital e taxas de desconto
Um dos acontecimentos econômicos mais importantes das últimas duas décadas referese às transformações radicais que vêm ocorrendo nos mercados financeiros e fluxos
internacionais de capital. A substituição da economia real pela economia financeira refletese no aumento da importância das transações financeiras internacionais, que correspondem
hoje a 20 vezes o valor das exportações mundiais de mercadorias. Os mercados mundiais
de insumos básicos estão saturados e com excesso de capacidade, limitando as perspectivas
de exportação tradicionais de muitos países. Ao mesmo tempo em que o uso e importância
relativa de materiais estão declinando, as indústrias intensivas em mão de obra e materiais
estão emigrando, em modos diversos, dos tradicionais pólos industriais na Europa e
América do Norte e, mais recentemente, também do Japão, para os países do Terceiro
Mundo. Nos países industrializados, a estagnação demográfica significa que o crescimento
econômico futuro está condicionado a ganhos de produtividade, que só poderiam ocorrer
através de avanços tecnológicos e maiores investimentos. Devido á diminuição da
importância dos custos do insumo “trabalho” no processo produtivo, as vantagens
competitivas de mão-de-obra barata nas exportações manufatureiras dos países mais
pobres estão diminuindo.
Embora os mecanismos e conseqüências finais deste processo de "revalorização de
capital" ainda não estejam completamente claros, um dos seus resultados práticos encontrase nas altas ocorridas nos custos de capital durante os anos 1980. Esta mudança, por sua
vez, tem implicações profundas para o setor elétrico brasileiro, especialmente no que se
refere à taxa de desconto adotada para a avaliação dos seus investimentos e a atualização
dos seus fluxos financeiros. Este parâmetro é vital para as empresas e para a economia do
país como um todo. Um erro na sua avaliação pode conduzir, não apenas à destruição do
mecanismo de formação de capital mas, também, a interpretações totalmente errôneas no
processo de seleção dos projetos mais viáveis e, conseqüentemente, na alocação de
recursos na economia. Contudo, e apesar da taxa de desconto ser especialmente importante
no caso do setor elétrico brasileiro (devido à sua natureza hidroelétrica e, portanto,
altamente capital-intensiva), este fato não é percebido com a devida nitidez por muitos dos
planejadores do setor.
As técnicas mais sofisticadas de avaliação de investimentos de capital consideram o fator
tempo no valor do dinheiro. De uma forma ou de outra, as técnicas descontam os fluxos
de caixa (custos e benefícios), a uma taxa especificada, para o seu valor presente. O axioma
implícito nesta prática é que um dólar hoje vale mais do que um dólar a ser recebido numa
data futura. Por conseqüência, a taxa usada é conhecida como taxa de desconto, ou custo
de oportunidade do capital, e representa a taxa mínima de retomo que precisa ser obtida
sobre um projeto a fim de manter inalterado o valor de mercado da empresa, ou seja, o
valor atual dos lucros esperados da empresa.
Esta taxa de desconto, adotada na avaliação econômica de projetos, não deve ser
confundida com a taxa de remuneração financeira das empresas. A função da taxa de
desconto é, principalmente, a otimização do processo de investimentos e, portanto, da
alocação de recursos na economia, enquanto que a taxa de remuneração visa,
principalmente, garantir a rentabilidade e necessidades financeiras das empresas. De certo
modo, do ponto de vista macroeconômico do setor elétrico, pode-se dizer que a taxa de
36
desconto é uma espécie de “contrapartida" à taxa de remuneração. Por um lado, a taxa de
remuneração determina o preço que, por sua vez, determina o nível da demanda por
energia elétrica em relação às demais fontes secundárias de energia (e.g derivados de
petróleo, gás natural etc.); por outro lado, a taxa de desconto determina o nível da oferta de
uma determinada fonte primária para geração de eletricidade (e.g. hidroeletricidade,
eletricidade através de petróleo, carvão, gás natural etc.). Também, importa ressaltar que no
mesmo modo que não devem ser confundidos os conceitos de “taxa de desconto” e “taxa
de remuneração” é também importante não contundir o “custo financeiro" de capital com
o "custo de oportunidade" de capital. Quaisquer altas nos custos financeiros de capital,
provenientes de fatores tais como atrasos nas obras, ou no caso brasileiro, dos efeitos da
inflação, constituem distorções que devem ser tratadas no processo de fixação dos preços,
mas nunca nas taxas de desconto que, conforme já mencionado, visam otimizar o processo
de alocação de recursos.
Em princípio, a taxa de desconto reflete a disposição para poupar, ou seja, a preferência
de um indivíduo, empresa, ou sociedade, para consumo presente, ao invés de consumo
futuro. Em teoria, a taxa prevalecente de juros nos mercados financeiros deveria refletir
adequadamente estas preferências. Na prática, contudo, a taxa de desconto utilizada para a
avaliação de investimentos deve ser maior que a taxa de juros, a fim de incorporar os riscos
envolvidos em determinado projeto e também para compensar a preferência que os
portadores de capital têm para aplicações que possuem liquidez.56 Esta parcela da taxa de
desconto referente aos fiscos e à perda de liquidez, que no caso de um investimento bem
sucedido se traduzem em lucros, é fundamental, uma vez que sem a sua existência o
investidor simplesmente aplicaria seu capital em títulos do governo ou em outras aplicações
financeiras que, teoricamente, não envolvem riscos e possuem mais liquidez que um
investimento fixo. O nível de investimentos de uma empresa ou sociedade depende, em
grande parte, da lucratividade das taxas de retorno das alternativas de investimento a ela
disponível frente aos juros prevalecentes nos mercados financeiros.
Tradicionalmente, o setor elétrico brasileiro tem adotado a taxa real (isto é, corrigida da
inflação) de desconto de 10% ao ano para a avaliação da viabilidade dos seus projetos e o
planejamento do seu programa de investimentos. Aparentemente, a origem deste número
encontra-se num estudo realizado, há mais de duas décadas, por um consórcio brasileirocanadense-americano, chamado CANAMBRA,57 que foi, por muito tempo, uma espécie de
"bíblia" para o setor elétrico. Este estudo concluiu, na ocasião, que o custo de
oportunidade de capital para o setor era de 9% ao ano, tendo adicionado mais 1% para
efeitos de serviço dos financiamentos.
Acontece que, no decorrer dos anos, a situação se modificou completamente, resultando
que, hoje, a taxa de desconto de 10% ao ano não corresponde mais à realidade. Mas, apesar
do estudo do CANAMBRA ter sido substituído por outras bíblias, cuja edição mais recente
foi o Plano 2010, este parâmetro tem-se mantido inalterado. A sua manutenção tem criado
enormes distorções e, junto à supressão das tarifas, tem sido uma das principais causas do
desequilíbrio econômico-financeiro de um setor que, conforme já mencionado, foi
responsável por nada menos que 9,2% do total dos investimentos do país entre 1974 e
1986. Este artificialismo fez com que o setor elétrico brasileiro, apesar de completamente
descapitalizado, ainda planeje muitos dos seus investimentos à base de obras faraônicas,
sem levar adequadamente em consideração fatores tais como concentração de capital e
risco de prazo de construção. Na mais recente versão do Programa Decenai de Geração do
GCPS (Grupo Coordenador de Planejamento do Sistema), da ELETROBRÁS, constam,
37
para as regiões Norte-Nordeste, 10 usinas, somando uma capacidade instalada de 23.152
MW, sendo que 5 destas usinas somam 20.775 MW.58 Observa-se, entretanto, que projetos
como Angra II, Angra III, Tucurui e Itaipu, foram decisões extra-setoriais, tomadas a nível
do Governo Federal, visando objetivos além daqueles do setor elétrico e, portanto, não
foram submetidos à seqüência de otimização de custos em geral procurada pelos planos de
expansão. Pior ainda, esta taxa irrealista de desconto dos fluxos financeiros praticamente
inviabiliza o ingresso de capitais privados no setor elétrico, mantendo-o sob o permanente
monopólio do Estado, e faz mera retórica dos discursos do governo sobre a abertura a
investimentos privados.39
A alta dos juros internacionais
Há duas razões principais pelas quais a taxa de desconto de 10% ao ano não
corresponde mais à realidade atual do setor elétrico brasileiro. A primeira tem a ver com a
diminuição da taxa de poupança no país e, especialmente, com a poupança negativa do
governo, a falta de dinheiro novo de empréstimos externos, a elevada dívida interna,
financeira e social, e, conseqüentemente, o alto custo de capital nos mercados financeiros; a
segunda, com os riscos mais elevados hoje inerentes à economia brasileira em geral e aos
investimentos em eletricidade em particular.
Quando foi adotada a taxa de 10% ao ano, há mais de duas décadas, os juros reais nos
mercados financeiros internacionais, conforme mostra a Figura 11, situavam-se ao redor de
2% ao ano, e logo após a primeira crise de petróleo chegaram a ser até negativos. A partir
do início dos anos 1980, contudo, esses juros praticamente decolaram e, desde então, têm
flutuado a níveis 3 a 4 vezes o seu valor histórico.60 Os juros nominais dos principais
organismos multilaterais de desenvolvimento, tais como BIRD (Banco Internacional de
Reconstrução e Desenvolvimento - Banco Mundial) e BID (Banco Interamericano de
Desenvolvimento), hoje se situam ao redor de 8 a 10% ao ano (sem contar as taxas e
comissões), e as condições de financiamento de credores privados são ainda mais
desanimadoras. Inevitavelmente, esses créditos são ligados às condições dos mercados
financeiros internacionais e, atualmente, a taxa de juros interbancária, que é a menor taxa
cobrada sobre empréstimos comerciais aos melhores devedores (chamada “prime” no
mercado financeiro de Nova Iorque e “libor” no mercado de Londres) situa-se ao redor de
10-11% ao ano e há poucas perspectivas para diminuição substancial em Futuro próximo.61
Sobretudo, os empréstimos de instituições bancárias privadas para os países em
desenvolvimento em geral, e o Brasil em particular, têm efetivamente cessado, e
dificilmente se reiniciarão sem mudanças radicais na própria política macroeconômica e
Legislação destes países.
Um bom indicador de que esta alta nos custos de capital não representa aberração
conjuntural dos mercados financeiros, mas reflete mudanças estruturais na economia
mundial, é que, em 1.988, as taxas médias reais de retorno para a indústria privada em
todos os países industrializados do OECD (Organization for Economic Cooperation and
Development) foram superiores a 10% ao ano.62 No caso especifico das concessionárias
elétricas norte-americanas, o retorno ao capital próprio, que deve corresponder a pelo
menos 50% do investimento total de um projeto, foi da ordem de 14% ao ano e este índice
chegou a 25% ao ano no caso dos produtores independentes de energia. 63 O setor privado
no Brasil desconsidera quaisquer investimentos industriais cuja previsão de rentabilidade
global (capital próprio e de terceiros) não ultrapasse 15% ao ano. Mais indicativas ainda,
são as quedas generalizadas que ocorreram nos níveis de poupança dos países ricos ao
38
longo das últimas três décadas. A poupança líquida (sem a depreciação) dos setores privado
e público dos E.U.A., por exemplo, diminuiu de 9% do Produto Nacional na década de
1960, para 8% nos anos 1970, e para apenas 3% nos anos 1980. Até a taxa espetacular de
poupança do Japão diminuiu, de 26% para 20% neste período. Os países industrializados
como um todo pouparam menos de 10% do seu Produto Nacional na década de 1980, em
comparação com cerca de 15% nos anos 1960. Estas quedas são reflexos de déficits
públicos elevados, políticas tributárias equivocadas e outras causas estruturais que
incentivam o consumo ao invés da acumulação de capital e que como tais, levarão anos
para serem reformadas.64
O fator risco
A segunda razão pela qual a taxa de desconto de 10% ao ano pode não mais ser
adequada para a avaliação dos investimentos do setor elétrico tem a ver com os maiores
riscos hoje inerentes à economia em geral, e aos investimentos em geração de eletricidade
em particular. Por uma série de razões, na situação atual brasileira, os investimentos no
setor elétrico não podem mais ser considerados como investimentos seguros, de baixo
risco, como anteriormente.
Por um lado, a experiência mundial durante os últimos anos tem mostrado que, para
todos os efeitos práticos, foi quebrada a longa e "conveniente" correlação entre
crescimento econômico (PIB) e consumo de energia, correlação esta que tradicionalmente
tem norteado as projeções de demanda de eletricidade pelos planejadores do setor elétrico
em todo o mundo. Sabe-se, hoje, que a evolução do consumo de energia não obedece a
critérios “determinísticos”, baseados na simples extrapolação do passado para o futuro,
mas que este consumo é mais uma questão de escolha e do grau de sucesso de políticas de
penetração de novas tecnologias de uso eficiente de energia na economia. 65 Assim, e apesar
do setor elétrico brasileiro já ter começado a incorporar metas de conservação no seu
processo de planejamento, há grandes incertezas sobre a evolução futura do consumo,
especialmente com a manutenção da atual política tarifária. Pior ainda, no caso especifico
atual do Brasil, é quase impossível prever a evolução do próprio PIB, o que torna qualquer
tentativa de prever o comportamento da demanda de eletricidade com base em índices
econométricos, um exercício de futurologia altamente suspeito. O Plano 2010, por
exemplo, elaborado durante 1986 e 1987 pela ELETROBRAS, projetou as condições de
oferta e demanda de energia elétrica no país entre 1986 e 2010 e previu um aumento na
demanda das concessionárias públicas, de 162,5 TWh em 1986, para 321.0 TWh em 995 e
420,7 TWh no ano 2000. Menos de dois anos depois da sua divulgação, contudo, o plano
sofreu modificações importantes. cujo resultado, conforme mostra a Tabela 7, foi de
diminuir drasticamente as projeções de crescimento do PIB e da demanda elétrica a curto
prazo. Em termos práticos estas alterações implicaram na redução do consumo previsto
para 1995, dos 321,0 TWh originais para 280,4 TWh, e do consumo previsto para o ano
2000, de 420,7 TWh originalmente, para 364,1 TWh nas previsões atuais.66
39
Tabela 7: Previsões atuais do PIB e consumo de energia em relação às previsões do
Plano 2010.
Ano/período
Taxas de crescimento do PIB
Taxa de crescimento do consumo
(% ao ano)
das concessionárias (% ao ano)
1985/1988
1988/1990
1990/1995
1995/2000
1985/2000
Plano 2010
Previsão atual
Plano 2010
Previsão atual
6,5
7,0
6,1
5,8
6,2
3,6(1)
1,0
5,4
6,0
4,6
7,6
7,8
6.6
5,5
6,6
4,9(1)
4,9
6,3
5,4
5,5
(1) Dados Comprovados
Fonte: ELETROBRÁS
Estas incertezas no crescimento da demanda implicam em si riscos enormes para um
setor que se baseia em grandes obras, levando de 5 a 10 anos para serem construídas (haja
visto o caso da usina hidroelétrica do Porto Primavera da CESP). O argumento tradicional,
portanto, de que o setor hidroelétrico deve adotar taxas de desconto menores que o setor
de petróleo (a PETROBRAS, tradicionalmente, tem aplicado taxas de desconto de 15% ao
ano), porque suas atividades envolvem riscos menores (ao contrário de uma queda d'água
no rio, é preciso perfurar para identificar reservas de petróleo), deve ser modificado para
incorporar os altos riscos hoje existentes do lado da demanda (comercialização) de energia
elétrica (no caso do petróleo, estes riscos são menores, pois ao contrário da eletricidade
este energético pode facilmente ser vendido no mercado mundial). Outros riscos
específicos a investimentos no setor elétrico, que fariam aumentar a taxa de desconto, são
os resultantes de potenciais falhas na operação e, também, os decorrentes de períodos
hidrológicos críticos que, devido à impossibilidade, do ponto de vista econômico, de se
estocar energia elétrica, inevitavelmente se traduzem em vendas menores. Há também os
riscos decorrentes de incertezas quanto à produção final de energia de um determinado
projeto, devido a possíveis interferências de outros projetos à montante que,
eventualmente, venham a ser construídos no futuro. E, finalmente, apesar de ainda
faltarem dados mais precisos sobre as implicações e, mesmo, a ocorrência (ou não) de
mudanças climáticas devido a um possível aquecimento global (efeito estufa), os
planejadores do setor elétrico brasileiro devem começar a preocupar-se com os possíveis
riscos que tais mudanças trariam para um sistema quase que completamente hídrico e
dependente das chuvas para o seu funcionamento.
Acresce que, além dos tradicionais riscos técnicos e comerciais do negócio em si, há, no
caso do Brasil, riscos políticos e financeiros maiores, decorrentes da cada vez maior
interferência do governo na economia (controles de preços etc.), da inflação, e das grandes
alterações que ocorreram na composição dos recursos das empresas de eletricidade. A
experiência prática das empresas do setor elétrico, por exemplo, demonstra que os
empréstimos contraídos junto aos organismos multilaterais de financiamento, podem
aumentar substancialmente em relação ao valor nominal da sua contratação. Estudo
recente de economistas da SEPLAN (Secretaria do Planejamento), “descobriu” que a taxa
média de juros que o Brasil efetivamente pagou ao Banco Mundial nos últimos 8 anos foi
de 15% ao ano, ou seja, quase o dobro das taxas nominais dos empréstimos.67 Para as
40
próprias empresas de eletricidade, quando são levados em conta os desembolsos referentes
às Comissões de Compromisso (“Commitment Fees”), os Impostos Sobre Operações de
Câmbio/Crédito (IOC), e os períodos de "internação" no Banco Central, é comum que os
juros "efetivos" atinjam patamares superiores a 20% ao ano. Exemplos de projetos recentes
indicam que, dentro das concessionárias de energia elétrica, o custo médio real de capital,
incluindo-se os juros nominais e outras taxas e encargos, e admitindo uma taxa de retomo
de apenas 10% para o capital próprio, mas excluindo-se o risco (lucro) dos investimentos, é
da ordem de 16% ao ano, valor este que está se elevando constantemente. 68 A própria
ELETROBRÁS já cobra dos seus mutuários (concessionárias estaduais e federais) juros de
12% ao ano, mais outras taxas somando pouco menos de 1 % ao ano.69
Mesmo reconhecendo que esta alta nos custos financeiros de capital não pode ser
confundida com o custo de oportunidade de capital, ela reflete riscos maiores que devem
ser incorporados nas taxas de desconto. Ademais, a inexistência de capacidade adicional de
endividamento das empresas de eletricidade implica em que elas deveriam, atualmente, ser
muito mais conservadoras ao assumir compromissos de investimentos de longo prazo, fato
este que deve, tembém, ser refletido em taxas de desconto maiores para obras de grande
porte.
As implicações de uma taxa de 15% ao ano
Levando em conta todos esses argumentos, e sempre lembrando a metodologia aqui
adotada para definir a taxa de desconto, isto é custo de oportunidade de capital em si mais
riscos e, ademais, lembrando a importância de basear as decisões finais de investimento em
detalhadas análises de sensibilidade, pode-se dizer que uma taxa de desconto que reflete
melhor a realidade atual do setor elétrico brasileiro é de cerca de 15% ao ano. No caso de
adoção de uma metodologia alternativa de avaliação de projetos, onde os riscos seriam
incorporados numa análise probabilística dos fluxos de custos e benefícios esperados, a
taxa de desconto seria menor, de cerca de 12% ao ano, mas, mesmo assim, bem superior
aos 10% tradicionalmente usados pelo setor elétrico brasileiro. Assumindo que as empresas
de eletricidade consigam financiar 50-60% do valor total de seus projetos com capital de
terceiros a taxas de juros na faixa de 10-12% ao ano, a taxa de desconto de 15% implicaria
em retornos para o capital próprio da ordem de 18-22%, valor este consistente com a
realidade brasileira atual e, quando somado à existência de credibilidade governamental,
será capaz de atrair capitais privados nos investimentos do setor.
A taxa de 15% ao ano pode, numa primária instância, parecer um tanto elevada quando
aplicada ao setor elétrico, cujos projetos caracterizam-se por vidas úteis superiores a 20
anos. Contudo, o fato é que o único meio de se diminuir os custos do capital é justamente
através de aumentos na sua disponibilidade, que passam, primeiro, por aumentos nas taxas
de desconto aplicadas (favorecendo, assim, projetos menos capital-intensivos e com prazos
curtos de construção). Ademais, apesar de uma escola de economistas argumentar que as
concessionárias públicas, devido à sua função "social", deveriam adotar taxas de desconto
inferiores às praticadas no mercado, há o perigo de que, desinteressado o setor privado,
crie-se uma espécie de "espaço vazio' que o setor público se julga obrigado a ocupar,
absorvendo assim recursos que poderiam ser melhor empregados no setor privado - como
de fato ocorreu no Brasil nos últimos anos. De qualquer modo, para efeitos de avaliação de
investimentos, é aconselhável que o setor público também adote o custo real de
oportunidade de capital, independentemente de eventuais decisões ulteriores para
concessão de subsídios. Em outras palavras: os conceitos de custos e preços não devem ser
41
confundidos.
A adoção de uma taxa de 15% ao invés de 10% ao ano, teria impacto enorme sobre o
setor elétrico. Basta mencionar que, para os investimentos unitários e condições de
operação típicos do sistema elétrico brasileiro, a taxa de 15% ao ano implicaria num custo
marginal médio quase 40% maior que o resultante da adoção da taxa de 10% ao ano.70 Esta
diferença na taxa de desconto, portanto, muito longe de ser um "detalhe acadêmico", tem
implicações profundas para as empresas de energia elétrica, criando graves distorções no
processo de seleção de investimentos, afetando negativamente a produtividade de capital,
resultando na descapitalização das empresas através da escolha de projetos menos
rentáveis, e reduzindo a eficiência econômica do sistema como um todo. Mais
especificamente, a adoção de taxas de desconto menores conduz ao favorecimento de
obras maiores em detrimento de obras menores, minimizando os fatores negativos das
obras maiores, tais como os advindos de longos prazos de construção, capacidade ociosa
momentânea, e impactos adversos de eventuais adiamentos nos cronogramas de
construção. Ademais, conforme mostra a Figura 12, a adoção de taxas de desconto
menores exagera as vantagens de obras com vidas úteis maiores. Esta figura apresenta a
variação do fator de recuperação de capital71 em relação à vida útil de um projeto, e mostra
que, no caso de uma taxa de desconto de 5% ao ano, o custo de capital de uma obra com
vida útil de 20 anos é 41% maior que aquele de uma obra exatamente igual em todos os
demais aspectos mas cuja vida útil é de 50 anos, enquanto que no caso de uma taxa de
desconto de 15% ao ano esta diferença diminui para apenas 6%.
Assim, na prática, a sub-valorização da taxa de desconto resulta em distorções na
seqüência ótima das obras, fazendo com que usinas hidroelétricas de porte menor, com
investimentos específicos (medidos em US$/kW) diretos (isto é, sem os juros durante a
construção) aparentemente mais elevados, sejam postergadas em favor de usinas
hidroelétricas de grande porte, cujo custo direto é menor mas cujo custo final
(investimentos diretos mais custos financeiros durante a construção) acaba sendo maior.
Também, a utilização de taxas de desconto subestimadas prejudica as usinas termoelétricas
em geral (geralmente, de baixo investimento inicial, alto custo operacional e vida útil
menor), em favor de usinas hidroelétricas (alto investimento inicial, baixo custo operacional
e vida útil maior). A adoção da taxa de 15% ao ano, em lugar de 10% ao ano, modificaria
completamente tanto a seqüência quanto a composição de obras no Plano 2.010. A Figura
13 exemplifica este fato através da comparação dos custos de geração hidroelétrica e dos
custos de eletricidade gerada com gás natural em usinas de ciclo combinado (combinação
de turbinas a gás e a vapor) para diferentes taxas de desconto. Os custos de energia
hidroelétrica foram calculados para investimentos unitários de US$ 1.900/kw e USS
2.200/kW (geração e transmissão), custos de operação e manutenção dos sistemas de
geração e transmissão de US$4,0/MWh, e perdas de geração e transmissão de 5%. Os
custos de geração a gás, por outro lado, foram baseados em investimentos iniciais de
US$700/kW (as usinas a gás, por serem localizadas nos centros de consumo, dispensam
investimentos em transmissão), custos de operação e manutenção de US$4,0/MWh,
eficiência de geração de 45%, poder calorífico inferior do gás de 8.970 kad/Nm3, e preços
de gás iguais a US$16 e US$24 BEP (barril equivalente de petróleo). O fator de capacidade
adotado para ambas as usinas foi de 60%.72 Conforme se vê, neste caso, a geração
termoelétrica se torna mais atraente para taxas de desconto maiores, sendo que para uma
taxa de 15% ao ano, a termoeletricidade, mesmo com o gás ao preço de US$24/BEP, é
mais barata que a hidroeletricidade de US$1.900/kw.
42
Entretanto, é fundamental esclarecer aqui que a taxa de desconto proposta, de 15% ao
ano, deve ser vista como uma taxa média para efeito de planejamento preliminar (“prescreening”) de projetos, que deve ser definida mais cuidadosamente caso a caso, e que,
também, deve ser ajustada se e quando as condições econômicas do país se reverterem,
favorecendo a formação de capitais, e diminuindo os juros e os riscos atuais para os
investidores. A prática atual de adoção de uma taxa única de desconto, aplicada para todas
as atividades do sistema elétrico (geração, transmissão e distribuição), para todos os
projetos (quer seja para uma Itaipu, de 12.600 MW, quer seja para uma pequena térmica de
20 MW), por todas as empresas e em todo o Brasil e pura e simplesmente inaceitável, pois
que a taxa de desconto aplicável a dado projeto pode diferir substancialmente quando
comparada com a taxa de outro projeto, devido a diferenças no grau de risco de projetos
diferentes e na capacidade e condições de endividamento de cada empresa. Os efeitos de
utilização de uma taxa única de desconto para a avaliação dos investimentos do setor
elétrico têm sido muito danosos para as empresas e têm contribuído tanto para o seu
desequilíbrio econômico-financeiro quanto os efeitos da política de equalização tarifária.
Aliás, é difícil entender porque o Governo teria de se preocupar com a fixação de uma ou
de outra taxa de desconto. Ele deveria, sim, preocupar-se com os preços, protegendo os
consumidores de eventuais ineficiências de um setor de caráter monopolístico, cabendo aos
investidores escolherem a taxa de desconto que eles próprios consideram mais adequada.
Em outras palavras, do ponto de vista político-institucional, a preocupação principal não
deveria ser a "correção" da taxa de desconto atualmente em vigor mas, principalmente, a
criação das condições para que o mercado (isto é o investidor) determine ele próprio a taxa
mais apropriada para cada opção de investimento. A descentralização da política de preços
e de investimentos será uma das peças fundamentais do processo de reestruturação
financeira do setor e da economia em geral.
3.2. Novos combustíveis para geração de eletricidade
O Brasil tem o privilégio de possuir um potencial hidroelétrico dos maiores do mundo e
em grande parte economicamente viável. Atualmente, o potencial hidroelétrico conhecido
no país atinge 213.000 MW (o que, para um fator médio de capacidade de 50%, equivale a
106.700 MW firmes), sendo que cerca de um quarto deste potencial, ou seja 50.000 MW, já
se encontram instalados e em operação.73 Apesar deste potencial não representar um dado
puramente físico, por ser estimado para custos de geração que superam os US$150/MWh,
com taxas de desconto de apenas 10% ao ano e, conforme mostrado mais adiante, com
estimativas de investimento irrealistas para as usinas hidroelétricas futuras, ele não deixa de
ser impressionante. Para gerar 106.700 MW firmes com fontes térmicas, seriam necessários
nada menos que 4,4 milhões de barris equivalentes de petróleo por dia (assumindo-se uma
eficiência liquida de conversão de 35%), ou seja, mais de quatro vezes o total do consumo
de derivados de petróleo no país hoje. Ainda, para gerar esta eletricidade por um período
de 50 anos seriam necessários 80.2 bilhões de barris equivalentes de petróleo, o que
corresponde quase à soma das reservas de petróleo dos Estados Unidos (26,9 bilhões de
barris) e da União Soviética (59,0 bilhões de barris) conhecidas em 1986.74
Em consonância com este grande potencial, e conforme mostra a Tabela 8, o Brasil é
hoje o quarto maior produtor de hidroeletricidade no mundo, superado apenas pelo
Canadá, Estados Unidos e União Soviética e, ademais, é o pais em que a produção de
hidroeletricidade mais cresceu nos últimos anos, tendo exibido uma taxa média de
crescimento igual a 8,1% ao ano no período 1976-1986. A Figura 14 mostra que o Brasil
43
junto com a Noruega são os únicos países no mundo onde a hidroeletricidade fornece mais
de 90% do total da eletricidade produzida (em confronto com 67% no caso de Canadá e
23% no caso da China)75. Ademais, os planos oficiais do setor elétrico brasileiro projetam o
mesmo grau de participação de hidroeletricidade até o ano 2010, quando a produção
atingiria 600 TWh por ano, colocando o país na posição do maior produtor desta fonte de
energia no mundo. A Figura 15 apresenta a composição dos investimentos previstos no
Plano 2010 e, como pode ser visto, planeja-se continuar fornecendo cerca de 90% do total
de energia elétrica do país nas próximas duas décadas através de usinas hidroelétricas.
Também, e sempre segundo os planos oficiais de expansão, a participação de usinas
nucleares e a carvão aumentara significativamente, de 31% do total da capacidade
termoelétrica instalada em 1986, para 80% do total no ano 2010.76 Para avaliar a validade
destas projeções, contudo, é preciso primeiro analisar o contexto no qual foi baseado o
crescimento do setor elétrico no passado, e as suas perspectivas atuais perante uma série de
mudanças importantes que vêm ocorrendo a nível político, econômico e técnico. Mais
especificamente, o apogeu da expansão do sistema hidroelétrico brasileiro (1.970 a 1.986)
foi alcançado no bojo das duas crises de petróleo e das maiores transferências
transnacionais de capital já conhecidas. A crise no Balanço de Pagamentos do Brasil que,
em 1.974, importava 85% de suas necessidades de petróleo,77 a inundação dos mercados
financeiros internacionais com créditos praticamente ilimitados e aparentemente baratos, e
a existência de grandes recursos hidroelétricos próximos aos centros de consumo, fatos
estes consolidados no plano ideológico pelo modelo de substituição de importações, pela
proliferação de empresas estatais, e pelo fascínio com obras de grande porte, marcaram
profundamente os planos de expansão e a composição do parque gerador elétrico do país.
Tabela 8: Principais produtores mundiais de hidroeletricidade.
Produção
(TWh)
País
1.Canadá
2.E.U.A.
3.U.R.S.S
4.Brasil
5.Noruega
6.China
7.Japão
8.França
9.Suécia
10.Índia
Aumento
médio (% a.a)
1976
1978
1980
1982
1984
1986
1976- 1986
212,8
286,9
134,4
82,4
51,2
50,5
87,5
48,6
34,2
14,5
234,0
283,5
168,0
102,7
80,1
44,2
73,9
68,5
57,0
46,7
251.0
279,2
182.0
127,4
83,0
57,6
91,2
69,2
58,7
46,1
255,3
312,4
172,9
139,7
92,0
73,7
83,2
71,0
55,0
47,9
233,4
324,3
200,8
164,9
105,3
85,9
77,7
67,4
67,4
53,3
307,7
294,0
210,6
180,0
95,8
92,0
77,5
64,0
59,8
58,0
3,76
0,24
4,59
8,13
1,67
6,18
-1,21
2,79
0,99
5,33
(1) Dados preliminares
Fonte:Energy information Adminstration, U. S. Government
Acontece que, com o passar do tempo, a situação mudou dramaticamente. No plano
econômico-financeiro conforme já mencionado, o setor encontra-se praticamente falido, e
44
o custo do dinheiro, decorrente da alta vertiginosa dos juros, tem modificado a
economicidade das alternativas comparativas de geração elétrica. Também no plano
econômico, e conforme mostrado mais adiante, há indicações de que os custos adotados
para a avaliação de novas usinas hidroelétricas no Plano 2010 foram substancialmente subdimensionados. No plano ideológico, a tendência para uma maior participação de capitais
privados favorece investimentos de porte menor e de rápida maturação, que envolvem
riscos menores. E no plano tecnológico, diversas mudanças importantes também
ocorreram nestes últimos anos que, aliadas às novas injeções de consciência ecológica da
população,78 conduzem à oportunidade de repensar o futuro da indústria de energia elétrica
no Brasil.
Em particular, nos últimos anos, novos combustíveis e novas tecnologias, antes
inexistentes, tornaram-se disponíveis. Os combustíveis de biomassa, por exemplo,
principalmente os derivados da cana de açúcar, surgiram com bastante ênfase somente na
década de 1.980. São cerca de 59 milhões de toneladas anuais de bagaço de cana
(equivalentes à cerca de 480.000 barris diários de petróleo durante os quase seis meses de
colheita por ano), um combustível limpo, já minerado, beneficiado, e colocado em pátio de
estocagem, mas que hoje é queimado em sua maior parte de modo vil e irresponsável, em
conseqüência de políticas governamentais que sinalizam o mercado neste sentido,
colocando o “ponto ótimo" econômico no fulcro do desperdício e, simultaneamente,
cerceando a criatividade empresarial. O conteúdo energético das pontas e palhas da canade-açúcar, hoje queimadas ou deixadas no campo, é ainda maior que o do bagaço. Também
não existiam os resíduos de refinaria, que representam um "carvão" quase puro, de baixo
custo de oportunidade, disponível junto aos centros de carga de energia elétrica, que
coincidem com a localização das refinarias, e cujo potencial técnico pode atingir 120.000 a
200.000 barris equivalentes de petróleo por dia, dependendo dos estímulos que o setor
elétrico prover ao setor de petróleo. Finalmente, o gás natural começou a surgir como
importante potencial combustível para geração de eletricidade, isoladamente ou de forma
cogerada com calor industrial. O gás natural da Amazônia, as novas descobertas nas Bacias
de Campos, Santos e Paraná, e ao longo da costa nordestina, oferecem excelentes
perspectivas para a utilização de um combustível limpo e barato para geração elétrica.
Principalmente, o gás natural importado. "in natura" ou na forma de eletricidade, da
Bolívia, Argentina e do Peru, poderá tornar-se um “commodity” essencial para o
incremento das trocas comerciais com os países vizinhos, através da exportação de bens
manufaturados em troca de insumos básicos.
Todos estes novos combustíveis constituem uma grande oportunidade para a
diminuição dos custos do setor elétrico, uma maior participação do setor privado, e a
redução dos riscos de racionamento. Contudo, esta nova oportunidade no plano
tecnológico esbarra nos traumas de absorção de usinas termoelétricas adquiridas do
exterior à guisa de captar dólares para o reforço do Balanço de Pagamentos (caso das
usinas a carvão) e de tecnologia “estrategicamente sensitiva” (caso das nucleares). Estas
experiências, e também a forte cultura hidráulica do setor elétrico, fizeram das
termoelétricas brasileiras intrusos indesejáveis e, pior ainda, competidores das
hidroelétricas. Em verdade, as usinas térmicas e hidráulicas são “animais” totalmente
distintos, que possuem extraordinário grau de complementaridade, na prática pouco
utilizada no Brasil. Apesar dos planejadores do setor serem conscientes destas
características complementares, uma série de premissas preconceituosas (taxas de desconto
sub-estimadas, custos demassiamente otimistas para as futuras hidroelétricas), inviabilizam
45
qualquer papel mais decisivo para as termoelétricas. No caso mais extremo, os inimigos das
usinas termoelétricas costumam compará-las diretamente com as hidroelétricas. Isto
equivale a comparar a tromba do elefante com o pescoço da girafa. O ideal seria colocar
ambos os animais no zoológico elétrico, que o tornaria mais diversificado, seguro e
atraente.
Um sistema fortemente hidroelétrico, como o brasileiro, funciona de modo totalmente
diverso de um sistema acentuadamente térmico como o americano.79 Fundamentalmente,
as hidroelétricas armazenam água durante os períodos úmidos para poder gerar eletricidade
também nos períodos secos. Se houvesse maior disponibilidade de usinas térmicas, não
haveria necessidade de se preocupar tanto nos tempos de seca, mesmo os prolongados.
Além disso, as hidroelétricas brasileiras poderiam produzir maior quantidade de energia
durante os períodos úmidos, pois poderiam ser "super motorizadas" com pequenos
investimentos adicionais. Num sistema essencialmente hidroelétrico há, em geral, sobra de
energia de ponta, e o planejamento para o atendimento do mercado é feito com base na
energia e não na demanda como no caso de um sistema térmico. Esta sobra poderia ser
melhor utilizada quando complementada por usinas térmicas de operação sazonal. Existiria
também a alternativa de se instalar usinas reversíveis (usinas que produzem eletricidade nas
horas de ponta de demanda e consomem energia nas horas de baixa demanda), cujo
potencial é astronômico (somente no Estado de São Paulo, graças à Serra do Mar, existe
um potencial técnico contabilizado de 70.000 MW de usinas reversíveis) que operariam
idealmente em conjunto com usinas térmicas na base. Enfim, a existência de mais usinas
térmicas no sistema gerador proporcionaria melhor flexibilidade operacional, maior
confiabilidade frente às variações pluviométricas, e maior disponibilidade de energia firme.
Contudo, e antes de prosseguir com uma análise mais detalhada destas novas
alternativas de geração, cabe aqui uma importante observação de "economia política": a
decisão sobre a escolha de alternativas de geração, bem como sobre a própria conveniência
de adoção, ou não, de um programa maior de complementação térmica, deve ser relegada
ao mercado, não cabendo aos autores, nem tampouco a uma tecnoburocracia
centralizadora e dirigista, definir em todos os seus detalhes os rumos de um setor de tanta
importância para o país. Ao Governo, caberia sim, a sinalização correta ao mercado para,
através da competição e dentro das limitações legais pertinentes a uma atividade de caráter
público, conduzir o sistema econômico-energético a novos patamares de maior eficiência.
Assim, importa ressaltar que as referências aqui feitas sobre a existência de novos
combustíveis, devem ser vistas apenas como uma espécie de "identificação de
oportunidades", ou como exemplos, não exaustivos, de novas alternativas de geração, e
nunca como “solicitação” para mais interferências governamentais para incentivação deste
ou daquele combustível. Este trabalho limita-se apenas à afirmação que, com base em
critérios de viabilidade técnico-econômica, de confiabilidade de fornecimento, e de
indicações de disponibilidade, os novos combustíveis mencionados teriam o potencial de
fornecer de 20% a 30% da capacidade elétrica instalada no país nos próximos 20 anos. A
decisão final para a adoção de uma ou de outra alternativa de geração, contudo, deveria ser,
mais uma vez, da responsabilidade das concessionárias regionais e dos investidores
privados que, eventualmente, venham a participar das obras do setor elétrico.
46
Bagaço e outros resíduos da cana-de-açúcar
Um dos elementos mais interessantes de um eventual programa de complementação
térmica seria, indubitavelmente, o bagaço e os demais resíduos da cana-de-açúcar (pontas e
palhas). Uma vez considerado o maior programa de energia alternativa do mundo, o
PROÁLCOOL encontra-se hoje sob o fogo cada vez mais cerrado de seus inimigos que o
reputam anti-econômico. O lado benéfico do programa, representado pela criação de cerca
de 775.000 empregos diretos para trabalhadores rurais de baixa qualificação técnica e
fixados no campo, e pela diminuição significativa da poluição nas regiões metropolitanas
do Brasil, está aparecendo cada vez menos importante, e os imensos investimentos
realizados no parque agro-industrial, em veículos automotores, e em indústrias de bens de
capital, encontram-se sob ameaça de sucateamento gradativo.
Em primeiro lugar, e antes de analisar o potencial de geração de eletricidade na indústria
sucro-alcooleira, cabe observar que o PROÁLCOOL oferece uma excelente demonstração
dos perigos de programas provindo de decisões tecno-burocráticas, mesmo quando feitos
com as melhores intenções e os maiores cuidados. Menos de 15 anos após o lançamento
do programa (um período extremamente curto em termos de desenvolvimento e
comercialização de novas fontes de energia) e investimentos estimados em US$ 9 bilhões, a
participação dos produtos da cana de açúcar no total do consumo final de energia no pais
atingiu a impressionante fatia de 11,5%. Principalmente, importa lembrar que o
PROÁLCOOL, que foi originalmente concebido na PETROBRAS como uma resposta à
primeira crise do petróleo, foi, em seguida, minuciosamente estudado por uma ampla
equipe interdisciplinar, abrangendo técnicos de diversos ministérios e entidades federais,
dos setores petrolífero e sucro-alcooleiro, das indústrias automobilística e de bens de
capital, do sistema bancário estatal e da comunidade acadêmica, chegando, em 1981, a ter o
aval do próprio Banco Mundial em estudo realizado por esta entidade sobre o assunto. O
que, sem dúvida, não faltou na elaboração do programa foi "planejamento integrado".
A fragilidade, contudo, de empreendimentos de tal magnitude quando feitos por
conseqüência de decisões centralizadas, ao invés de no âmbito do mercado, fica clara com
os atuais problemas de desabastecimento que ameaçam o futuro do PROÁLCOOL,
resultantes dos mesmos males dirigistas que afetam o setor elétrico e, especialmente, de
políticas de preços administrados e mercados manipulados, em que a alocação de recursos
depende do poder relativo de cartórios e monopólios de toda espécie, e que, além do setor
sucro-alcooleiro, podem levar a própria PETROBRÁS ao colapso. Ao contrário das
economias de mercado, onde as decisões de investimentos e preços são “espalhadas” entre
centenas e até milhares de investidores e consumidores, nas economias planificadas e
dirigistas elas dependem de apenas algumas dezenas de pessoas. E exatamente esta
“difusão” do processo decisório que diminui os riscos nas economias de mercado, tanto
através da multiplicação do número dos agentes econômicos envolvidos, quanto em termos
de alongamento dos prazos necessários para a implementação das decisões tomadas.
Assim, o mesmo modelo econômico que tomou possível a rápida implantação e sucesso
inicial espetacular do PROÁLCOOL, poderá agora, com a mesma rapidez, levar o
programa ao colapso - o que, conforme mostrado mais adiante, poderia e deveria ser
evitado.
Isto posto, cabe também observar que o PROÁLCOOL fornece um outro tipo de
demonstração em economia política, ou seja, a de como as distorções e desequilíbrios
criados pelas interferências governamentais em um setor (no caso o de energia elétrica)
agem de forma cumulativa, acentuando as distorções e desequilíbrios criados por outras
47
interferências governamentais em outro setor (no caso o setor sucro-alcooleiro). Assim,
apesar do uso do bagaço e dos demais resíduos da cana-de-açúcar na geração da
eletricidade poder representar uma extraordinária oportunidade (quer seja para o
PROÁLCOOL quer seja para o sistema elétrico), esta oportunidade esbarra no monopólio
estatal de compra e venda de energia elétrica e, principalmente, nos preços irrealistas
(baseados nas tarifas subsidiadas fixadas pelo governo), oferecidos pelas concessionárias
públicas aos auto-produtores de eletricidade.
Sob o ponto de vista econômico, a defesa do PROÁLCOOL com base em argumentos
de sua renovabilidade (ficou provado que a renovabilidade do álcool é inversamente
proporcional ao preço do açúcar nos mercados de Chicago e Londres), de balanços
energéticos favoráveis (nem sempre a eficiência termodinâmica coincide com a eficiência
econômica), de economia de divisas (na prática, o álcool substituiu a gasolina e,
parcialmente, o diesel contido no petróleo, e não o petróleo), de uso de fatores de
produção disponíveis internamente (o incentivo ao produtor nacional torna-se, na maioria
dos casos, em punição ao consumidor nacional), e de reserva estratégica frente a um
longínquo esgotamento de suprimento de petróleo (dados recentes do Departamento de
Energia dos EUA mostram que durante o ano passado foi descoberto 5,5 vezes mais
petróleo do que foi consumido mundialmente - do qual, contudo, cerca de 2 vezes em
países do Oriente Médio e o restante em locais de difícil extração),81 não agrega os dois
pontos verdadeiramente cruciais da questão: a economia energética e o modo de operação
de um sistema elétrico essencialmente hídrico como o brasileiro.
A essência da questão reside em saber se o álcool, como substituto da gasolina, pode ter
custo inferior ao custo de oportunidade da gasolina (em verdade, um custo do álcool de até
10-15% superior ao custo da gasolina é plenamente justificável pela redução dos custos de
poluição). O "ovo de Colombo" deste problema de viabilização econômica do álcool pode
encontrar-se num sistema integrado de centenas de usinas termoelétricas, com capacidade
variando de 15 a 120 MW, espalhadas geograficamente junto às destilarias de álcool e
cogerando eletricidade em baixa tensão (13,8 kV), com entrega da eletricidade excedente à
rede local. A receita adicional provinda da venda desta eletricidade ao setor elétrico poderia
melhorar significativamente a economicidade de ambos os setores, e viabilizar, de modo
definitivo e duradouro, o PROÁLCOOL.
Na situação atual, o bagaço é o único resíduo da cana que é usado na geração de
eletricidade. Pior ainda, ele é queimado quase na sua totalidade para a geração de energia
térmica (vapor de processo), e a energia elétrica é cogerada apenas nas quantidades
necessárias para o consumo interno das usinas e destilarias. As necessidades típicas atuais
de energia de uma usina ou destilaria são de 350-500 kg/tc (quilogramas por tonelada de
cana moída) de vapor de processo e de 15-25 kWh/tc de energia elétrica. 82 Com os
sistemas existentes, baseados na sua grande maioria em turbinas de contra-pressão, cuja
eficiência de conversão elétrica é de apenas 4-5%, cerca de 90-95% do total do bagaço
disponível é utilizado para atender ao consumo interno de energia (vapor e eletricidade) das
usinas.83
Assim, a idéia convencional com que a maioria dos plantadores do setor elétrico e do
próprio setor sucro-alcooleiro tem avaliado a utilização dos resíduos da cana-de-açúcar para
geração de eletricidade, baseia-se no pressuposto de que apenas os 5-10% excedentes do
bagaço poderiam ser colocados externamente para produção de eletricidade com turbinas
de condensação que, quando operando exclusivamente para produção de energia elétrica,
sem cogeração de vapor de processo, poderiam atingir eficiências da ordem de 20-23%
48
(considerando-se unidades com capacidades de 10-30 MW).84 Os restantes 90-95% do
bagaço, segundo esta visão convencional, só poderiam ser usados em regime de cogeração
com turbinas de contra-pressão, cuja eficiência de conversão elétrica, conforme já
mencionado, é baixíssima. Mesmo no caso de adoção de medidas para diminuição da
demanda de vapor nas usinas e destilarias que, conforme estimativas de técnicos do setor
sucro-alcooleiro, poderiam aumentar a disponibilidade dos excedentes de bagaço dos 510% atuais para cerca de 20-25%,85 este conceito convencional de utilização dos resíduos
da cana continuaria limitando a venda de energia elétrica excedente a uma atividade
marginal do ponto de vista das receitas do setor sucro-alcooleiro, e menos significativa
ainda para o setor elétrico.
A proposta aqui apresentada vai além da idéia convencional de utilizar apenas o excesso
do bagaço para cogeração, e implicaria na reposição total dos sistemas atuais de queima de
bagaço nas destilarias de álcool por outros sistemas especificamente voltados para
cogeração de eletricidade em altas eficiências. Impossível? Não, desde que seja
economicamente e institucionalmente viável. O ponto focal desta questão encontra-se no
preço que a destilaria poderia obter pela venda de eletricidade ao sistema elétrico, o que
está relacionado, por um lado, com o custo marginal de expansão do sistema e, por outro, à
capacidade do setor sucro-alcooleiro negociar o fornecimento de um grande "bloco" de
energia ao sistema elétrico. A viabilização institucional, por sua vez, depende da remoção
das barreiras legislativas que hoje estrangulam a produção e comercialização independente
de energia no país. Esta opção, uma vez concretizada, poderá resultar em substancial
incremento da energia firme disponível e no reforço do sistema elétrico nas épocas de seca,
além de significar a permanência dos aspectos sociais e ambientais benéficos do
PROÁLCOOL, abrindo a possibilidade, inclusive, através de otimização tecnológica, de
baixar o custo do álcool aquém do custo de oportunidade da gasolina.
O potencial energético dos resíduos da cana é enorme. Conforme mostra a Tabela 9, a
produção de álcool no Brasil cresceu de 556 milhões de litros na safra de 1975/76 para
12.746 milhões de litros na safra de 1988/89.86 A produção deste volume de álcool na safra
de 1988/89 corresponde a uma quantidade de cana esmagada de quase 220 milhões de
toneladas que, por sua vez, resulta em 59 milhões de toneladas anuais de bagaço,
(considerando-se 270 kg de bagaço por tonelada de cana para o bagaço com umidade
média de 50%),87 Para o poder calorífico médio de 1.790 kcal/kg, típico do bagaço de cana
com umidade de 50%,88 a disponibilidade total de energia do bagaço é de 105,7 Pcal/ano,
ou seja, de cerca de 210.000 BEP/dia durante todo o ano, ou 480.000 BEP/dia durante os
160 dias da safra.89 O conteúdo energético das palhas, que hoje são queimadas antes do
corte da cana, e das pontas, que são abandonadas no campo após o corte, é superior ao do
bagaço. A utilização desta enorme quantidade de energia térmica para produção de energia
elétrica com tecnologias de alta eficiência voltadas especificamente para este fim
(atendendo, naturalmente, às necessidades de vapor de processo nas usinas e destilarias)
poderia modificar significativamente a economicidade de produção de álcool no país.
49
Tabela 9: Evolução de produção de álcool e bagaço de cana no Brasil.
Safra
Produção de cana
Produção de álcool
Disponibilidade de
(Ano)
(mil toneladas)
(milhões de litros)
bagaço (mil toneladas)
1975/76
1976/77
1977/78
1978/79
1979/80
1980/81
1981/82
1982/83
1983/84
1984/85
1985/86
1986/87
1987/88
1988/89
68.300
57.800
104.600
107.600
117.600
132.500
133.300
166.700
198.000
202.900
223.700
217.000
223.300
218.700
556
664
1.470
2.491
3.397
3.700
4.240
5.822
7.864
9.250
11.821
10.307
11.458
12.746
18441
23.571
28.242
29.052
31.752
33.775
35.991
5.009
53.460
54.783
60.399
58.590
60.291
59.049
Conteúdo energético (BEP/dia)(2)
Álcool
Bagaço(3)
6.138
7.330
16.229
27.500
37.502
40.847
46.809
64.274
86.817
102.119
130.302
115.996
126.495
140.714
60.736
77.632
93.017
95.684
104.577
111.240
118.538
148.240
176.074
180.431
198.928
192.970
198.572
194.481
(1) Com 50% de umidade
(2) Barris equivalentes de petróleo por dia, calculados na base de 6.000 Kcal/l para o álcool, 1.790 Kcal/kg para o bagaço, e
1.489 Mcal/BEP.
(3) Incluir o bagaço das usinas de açúcar, além das destilarias de álcool.
Fonte: COPERSUCAR
A opção tecnológica mais fácil de ser implementada seria a utilização de todo o bagaço
produzido, substituindo-se os sistemas atuais, baseados em turbinas de contra-pressão, por
sistemas de condensação-extração, de alta pressão e eficiência,90 junto com a adoção de
medidas para diminuição da demanda de vapor de processo nas usinas e destilarias.
Assumindo-se uma eficiência de conversão elétrica igual a 15%, típica para unidades de 1030 MW operando em regime de cogeração com extração de vapor de processo, 91 e fator de
capacidade médio de 44%, correspondendo a 160 dias de safra, a quantidade de bagaço de
cana acima mencionada permitiria a instalação de cerca de 4.800 MW de capacidade elétrica
e a geração de 18,5 TWh anuais, quantia esta equivalente a cerca de 8% do total de geração
bruta das concessionárias de energia elétrica durante 1989.92 Obviamente, este potencial
técnico poderia ser reduzido substancialmente na prática, dependendo das condições
técnicas e econômicas específicas de cada usina e destilaria. Mais especificamente, o
potencial econômico dos sistemas de condensação-extração poderia ser reduzido devido à
combinação dos relativamente altos custos de capital desta tecnologia,93 e do baixo fator de
utilização das usinas, que gerariam energia elétrica apenas durante o período da safra.
Duas soluções potenciais têm sido sugeridas para este problema: A primeira refere-se à
possibilidade de utilização das palhas e pontas para geração de eletricidade no período fora
da safra, com as turbinas de extração reguladas para operação em regime pleno de
condensação, sem extração de vapor, gerando somente eletricidade para venda ao sistema
elétrico. Conforme já mencionado, a quantidade de energia contida nas palhas e pontas é
superior à contida no bagaço, e a experiência mundial (Cuba etc.) mostra que não haveria
problemas técnicos para sua coleção, secagem, transporte e armazenamento. A utilização
50
das palhas e pontas permitiria a operação dos sistemas de condensação ao longo de todo o
ano, com o conseqüente aumento dos fatores de utilização (de 44% para cerca de 80%), e a
diminuição dos custos de capital. Uma segunda potencial solução ao problema dos altos
custos e baixos fatores de utilização dos sistemas baseados em turbinas de condensação
envolveria a troca dos atuais sistemas de contra-pressão, não por turbinas de condensaçãoextração, mas por uma nova tecnologia de geração, com gaseificadores e turbinas a gás
queimando gás de biomassa (resíduos de cana).94 Esta tecnologia, conhecida como
BIG/STIG (Biomass lntegrated Gasifier/Steam Injected Gas Turbine), poderia aumentar
dramaticamente o potencial técnico e econômico de geração elétrica com resíduos de cana
em futuro próximo, isto é, dentro de aproximadamente 5 anos.95 Basicamente, os sistemas
BIG/STIG poderiam aumentar as eficiências de geração para cerca de 30% durante o
período de safra, quando seria produzido, também, vapor de processo (versus apenas 15%
no caso de turbinas de condensação-extração), e para 33% ao longo do resto do ano,
quando seria produzida apenas eletricidade (versus 23% no caso das turbinas de
condensação-extração). Além de serem mais eficientes, aumentando, assim, o potencial
técnico de geração, dos 4.800 MW no caso das turbinas de condensação para cerca de
9.600 MW, os sistemas BIG/STIG prometem também apresentar custos de instalação
menores.96
Todas estas potenciais melhoras na economicidade de geração elétrica no setor sucroalcooleiro (diminuição da demanda de vapor com o conseqüente aumento da
disponibilidade de bagaço, utilização das palhas e pontas para o aumento do fator de
utilização dos sistemas de condensação, e instalação de sistemas BIG/STIG, visando o
aumento das eficiências de geração elétrica e diminuição dos investimentos), vêm
recebendo cada vez maior atenção dos planejadores dos setores elétrico e sucro-alcooleiro.
Contudo, uma outra questão de grande importância, pouco percebida pela maioria dos
analistas que vêm examinando a viabilidade de geração elétrica através dos resíduos de
cana, refere-se à prática de avaliar a economicidade dos sistemas de geração termoelétrica
(quer seja de condensação-extração, quer seja de sistemas baseados em turbinas a gás) com
base em comparações diretas com os custos de expansão do sistema interligado. Acontece
que, como decorrência da natureza hidroelétrica do parque gerador brasileiro, onde numa
mesma bacia hidrográfica podem existir dezenas de usinas hidroelétricas, compondo uma
rede de barragens de acumulação e de fio d'água, os critérios de operação obedecem a um
regime plurianual, onde a água armazenada pode permanecer, em média, de 2 a 4 anos nos
reservatórios, tornando impossíveis comparações diretas e isoladas entre usinas
hidroelétricas e usinas termoelétricas.
Para se obter um aproveitamento otimizado do bagaço nos tempos de seca, uma idéia a
ser explorada é a de modular o sistema hídrico propositadamente, com freqüência anual
(permanecendo a ciclagem plurianual inalterada), de modo a inserir uma grande massa de
termoeletricidade nos tempos da colheita, que coincide com o período hidrológico seco
(dentro do ciclo sazonal). Desta maneira, o sistema hídrico, que já se encontra supermotorizado, em conjunto com a geração bagaço-elétrica, aumentaria a quantidade de
energia firme disponível, praticamente sem investimentos no setor hidroelétrico. Como
conseqüência desta complementação sazonal-anual térmica, o setor elétrico poderia pagar
pela energia térmica mais que o custo marginal de longo prazo, dado o aumento da energia
firme do sistema global. Conforme mostrado mais adiante, o custo marginal real do sistema
hidroelétrico brasileiro (baseando-se em investimentos de geração e transmissão de US$
1.900/kW, perdas até esta tensão de 5%, vida útil média dos sistemas de geração e
51
transmissão de 40 anos, fator de capacidade médio de 63%, taxa de desconto de 15% ao
ano, e custos de operação e manutenção do sistema gerador e de transmissão de US$
3,5/Mwh) é de US$ 58,l/MWh. É bem provável que a incorporação dos potenciais
benefícios adicionais, provindos do aumento da capacidade firme do sistema global, torne
as tarifas pagas pela geração bagaço-elétrica compensatórias para o setor sucro-alcooleiro
que, por sua vez, ficaria motivado a abandonar os sistemas energéticos existentes nas suas
destiladas para outros sistemas novos de maior eficiência.
No mínimo, a possibilidade de utilização dos resíduos de cana-de-açúcar para geração
elétrica em grande escala, é uma alternativa que merece estudos mais cuidadosos.
Especialmente, dada à crise atual do setor sucro-alcooleiro, é de maior urgência que sejam
iniciadas pesquisas para se avaliar a viabilidade técnica e econômica dos sistemas
BIG/STIG, uma tecnologia com implicações potencialmente revolucionárias para o setor
energético brasileiro, e para se quantificar as implicações tarifárias da inserção de grandes
blocos de energia termoelétrica no sistema hídrico. Sob o ponto de vista energético, o
potencial total dos resíduos de cana-de-açúcar é muito maior daquele do álcool, e as
plantações de cana-de-açúcar poderiam converter-se em verdadeiras "fazendas energéticas",
processadoras de energia solar, em que o álcool passaria a ser um co-produto, ou até
mesmo um mero sub-produto de geração de eletricidade. Cabe observar que o
aproveitamento de todo o potencial técnico do bagaço e das pontas e palhas disponível
com as tecnologias BIG/STIG implicada na produção anual de nada menos que 67,3 TWh
(assumindo-se a instalação de 9.600 MW, e operação ao longo de todo o ano com fator de
capacidade de 80%) que, por sua vez, corresponderia a potenciais receitas superiores a
US$3,6 bilhões anuais (assumindo que o consumo próprio de eletricidade no setor sucroalcooleiro é de 4,4 TWh, isto é, de 20 kWh/tc, e que o restante fosse vendido ao sistema
elétrico ao preço de US$58,1/MWh). Em comparação, a receita anual atual do setor
alcooleiro é de US$ 2,2 bilhões.97 Para sistemas BIG/STIG na faixa de 20-30 MW,
custando US$1.200/kW, com custos de operação e manutenção de US$5/MWh, taxa de
desconto de 15% ao ano, vida útil de 20 anos, e assumindo que o custo médio de coleção e
manuseio do bagaço e dos demais resíduos da cana fosse igual a US$8/BEP, o custo de
geração seria de US$47,1/MWh. Assim, o potencial lucro líquido dos sistemas BIG/STIG
(já descontados todos os custos operacionais e o retorno de 15% sobre o capital investido),
para a eletricidade vendida ao preço de US$58,1 /MWh, seria de cerca de US$740 milhões,
o que poderia diminuir o custo de produção do álcool em aproximadamente 30%,
tornando-o, então, competitivo com o custo da gasolina.
E realmente irônico que o setor energético brasileiro, que tanto tem glorificado o
conceito de planejamento integrado, não possa aproveitar esta grande oportunidade de
sinergismo entre os setores elétrico e sucro-alcooieiro.
Resíduos de refinaria
Uma segunda oportunidade para a ampliação da base térmica do parque gerador
brasileiro reside na utilização de resíduos de refinadas de petróleo na geração de energia
elétrica, oportunidade essa que representa interessante possibilidade de sinergismo entre os
setores de petróleo e eletricidade, com características bastante benéficas para ambos.
A estrutura de refino do petróleo no Brasil tem sido modificada nos últimos anos para
fazer frente aos constantes aumentos do consumo de diesel e GLP, em conseqüência da
política de preços adotada para esses combustíveis, e à dramática redução do consumo da
gasolina devido ao PROÁLCOOL.98 Conforme mostra a Figura 16, as unidades de
52
craqueamento catalítico (FCC), junto com as unidades de destilação a vácuo,
desasfaltização e coqueificação, têm enfatizado a produção de destilados leves e medianos
e, no seu extremo oposto, sobram os resíduos ultra-viscosos: resíduos de vácuo
(RESVAC), resíduos asfálticos (RASF), e o coque de petróleo. Todos estes materiais
constituem combustíveis de grande interesse para a geração termoelétrica, pois são de alto
poder calorífico (o poder calorífico inferior do RESVAC é de 9.400 kcal/kg e do RASF de
9.300 kcal/kg, ou seja, mais de 2 vezes maior que o do carvão mineral nacional) e baixo
custo de oportunidade.
Segundo dados da PETROBRAS, o potencial dos resíduos de refinarias poderá atingir, a
curto prazo, 120.000 a 200.000 barris equivalentes de petróleo por dia que, utilizados na
geração de eletricidade em termoelétricas convencionais (turbinas a vapor), com eficiência
de conversão de 35%99 e fator de capacidade de 80%, resultariam numa capacidade elétrica
instalada de entre 3.600 a 6.000 MW. Conforme mostra a Tabela 10, o custo de
oportunidade destes resíduos é de 60-75% do valor do óleo combustível no caso dos
resíduos de vácuo, e de 45-55% do valor do óleo combustível no caso dos resíduos
asfálticos.100 Ainda mais interessante do ponto de vista de geração termoelétrica é o coque
de petróleo que, sendo sólido, permite seu armazenamento em pátios a céu aberto,
possibilitando maior flexibilidade de complementação térmica ao sistema hidroelétrico,
comparado com os resíduos ultra-viscosos (RASE e RESVAC) que são produzidos em
altas temperaturas (200 a 300 graus Centígrados) e, portanto, caso se queira aproveitar o
seu calor sensível para aumentar a eficiência termodinâmica da usina, necessitam de serem
queimados diretamente e, portanto, favorecem ser utilizados para geração em regime de
base (isto é, com fatores de capacidade elevados). O custo de oportunidade do coque é de
apenas 443% do custo do óleo combustível.
Para o setor petrolífero, a venda desses resíduos para o setor elétrico, além de
representar fonte de recursos, teria dupla vantagem estratégica: reduziria a exportação de
Diesel misturado ao RESVAC para formar o óleo combustível tipo Bunker C de
exportação, e possibilitaria a introdução do gás natural sem resultar em sobras demasiadas
do óleo combustível, que poderia ser craqueado. Como contrário, a entrada do gás natural
no mercado no lugar do óleo resultaria na diminuição da poluição ambiental espalhada
geograficamente nas indústrias, e proporcionaria a oportunidade de limpeza dos compostos
de enxofre que seriam concentrados em poucas usinas termoelétricas.
A Figura 17 mostra o custo de geração de eletricidade através destes resíduos para
diferentes preços de petróleo, assumindo-se o investimento de US$1.400/kW para a
construção das termoelétricas (este custo refere-se a unidades de 350-500 MW e já inclui
previsão para sofisticados sistemas anti-poluição, de redução das emissões de enxofre,
representando cerca de 20-25% do custo total da usina)101 e o custo de operação e
manutenção de US$6/MWh. A taxa de desconto implícita foi de 15% ao ano e a vida útil
assumida para as usinas foi de 25 anos. Conforme pode ser visto, para o preço
internacional atual do óleo combustível, de cerca de US$20/barril, o custo resultante de
geração elétrica com resíduos de vácuo situa-se na faixa de US$57,0-61,9/MWh e, no caso
dos resíduos asfálticos, na faixa de US$52,0-55,3/MWh. Conforme já mencionado, estes
valores são competitivos com os custos reais de expansão do sistema hidroelétrico quando
se leva em consideração os investimentos em geração e transmissão (as térmicas a resíduos
de refinaria por serem localizadas perto dos centros de carga dispensam de investimentos
em transmissão e as perdas associadas), que são da ordem de US$58,1/MWh, além de que
as usinas termoelétricas a resíduos de refinaria proporcionariam ao sistema elétrico todos
53
os efeitos benéficos de uma disponibilidade substancial de energia firme, independente dos
humores de São Pedro.
Tabela 10: Derivados e resíduos de petróleo que apresentam interesse para o setor
elétrico
Derivados
Índice de valor
1. Óleo diesel
200
2. Gás de refinaria e gás
natural
100/150
Usos possíveis
adicionais
Usos atuais
Combustível
-
Combustível, produção de
hidrogênio
Turbina à gás
Combustível
Turbina à gás, grupos
geradores
3. Óleo combustível
100
4. Resíduo de vácuo
60/75
Produção óleo comb.+
alfasto carga de UFB,
consumo refinarias
Termoelétricas,
siderurgia, brinquetes
5. Resíduo asfáltico
44-55
-
-
6. Coque
40
Produção de Eletrodos
Siderurgia, termoelétricas
7. Nafta de choque
160
Produção de gasolina
Turbinas a Gás
8. Diesel parafínico
160
Craqueamento, Diesel nº
2
Grupos geradores
de
150
Óleo de diluição, Diesel
nº 2
Turbinas a Gás
10. Gasóleo pesado de
vácuo
140
Craqueamento
Grupos geradores
11. Diesel coque
140
Craqueamento, Óleo de
diluição
Diesel nº
Geradores
12. Gasóleo pesado de
coque
120
Craqueamento
-
9.
Diesel
craqueamento
2,
Grupos
OBS.: Calores definitivos e usos dependem de acordos comerciais e, as vezes, desenvolvimento de
tecnologia.
Fonte: Petrobrás
Gás natural
De todas as novas alternativas de termo-geração, no entanto, o gás natural importado é
a que se apresenta como a única opção capaz de gerar grandes blocos de energia elétrica em
prazos de 3 a 4 anos - horizonte que antecede a possível crise de suprimento de eletricidade
que poderá ocorrer em algumas regiões do pais (no campo hidroelétrico, contudo, há
também as usinas em avançado estágio de construção que podem ser concluídas neste
mesmo período). O gás natural de origem nacional, atualmente, encontra-se disponível para
esta finalidade em quantidades limitadas, e somente na Amazônia e em alguns pontos
isolados do Nordeste (o total das reservas provadas de gás no país é de apenas 100 bilhões
de metros cúbicos). O uso do gás da Amazônia para o abastecimento de Manaus e Porto
Velho, por exemplo, poderia adiar a construção de polêmicas usinas hidroelétricas, além de
54
ser uma opção mais econômica de geração; e o uso de usinas a gás no Nordeste diminuiria
os riscos de racionamento da região, que ao longo dos próximos anos dependerá de uma
única obra (a usina de Xingó, de 5.000 MW) para o seu abastecimento elétrico. A geração à
gás nas regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste, contudo, se tornaria possível em quantidades
significantes apenas com a importação de gás da Bolívia e Argentina. A importação de gás
natural para finalidade exclusiva de geração elétrica não perturbaria a matriz de utilização
dos derivados de petróleo quando coligada com a produção de resíduos ultra-viscosos nas
refinarias e sua queima em usinas termoelétricas, e possibilitaria ao Brasil uma integração
maior com os países vizinhos, com conseqüências de grande alcance político e econômico.
O Brasil, possuidor de um dos parques industriais mais modernos da América Latina,
necessita do mercado externo para otimizar a sua produção e deve, em contrapartida,
encontrar artigos de importação que complementem a sua economia. O gás natural é,
talvez, o principal artigo de exportação dos países vizinhos.
Desde 1973 as reservas mundiais de gás natural quase dobraram, chegando em 1987, a
93% (das reservas de petróleo em termos de conteúdo energético.102 O consumo mundial
de gás natural, por outro lado, equivale a apenas 51% do consumo mundial de derivados de
petróleo.103 Além disso, as reservas de gás natural estão mais dispersas geograficamente que
as de petróleo - fora do Oriente Médio as reservas de gás superam as de petróleo em 50% e há grandes perspectivas para novas descobertas de gás em muitos países em
desenvolvimento, uma vez que as reservas existentes nestes países não foram conseqüência
da procura por gás em si, mas uma espécie de sub-produto encontrado na busca do
petróleo. A Tabela 11 apresenta estimativas do Banco Mundial sobre os custos de
produção e transporte de gás natural em diversos países em desenvolvimento e, como pode
ser visto, estes custos são, quase sempre, competitivos com os preços de petróleo
importado.104 Estes fatos, aliados às características de queima limpa do gás natural,
praticamente isenta de óxidos de enxofre, de emissão controlada de óxidos de nitrogênio, e
de formação reduzida de dióxido de carbono, que é uma das principais causas do assim
chamado "efeito estufa",105 deverão fazer o gás natural ocupar um espaço cada vez maior
na matriz energética mundial.
Tabela 11: Custos de gás natural em países em desenvolvimento.
Custos em US$/1000 Nm³ (US$/BEP) (¹)
País
Bangladesh
Camarões
Egito
Índia
Marrocos
Nigéria
Paquistão
Tailândia
Tunísia
Produção
Transporte
“City-gate”(2)
8.5 (1,41)
45,6 (7,60)
23,0 (3,81)
33,5 (5,60)
41,0 (6,48)
23,0 (3.83)
12,7 (2,12)
28,3 (4,71)
23,7 (3,97)
13,9 (2,18)
20,3 (2,94)
3,1 (0,37)
22,0 (3,28)
21.9 (3,59)
17,5 (2,65)
4,2 (0,59)
26,9 (4,13)
35,2 (5,46)
22,4 (3,59)
65,9 (10,54)
26,1 (4,18)
55,5 (8,88)
62,9 (10,07)
40,5 ( 6,48)
16,9 ( 2,71)
55,2 (8,84)
58,9 (9,43)
(1) 1982 US$
(2) O custo “city-gate” agrega os custo de produção e transporte
Fonte: Banco Mundial
55
O fluxo de gás natural através das fronteiras cresceu vertiginosamente no mundo, nos
anos recentes. Basta citar o emaranhado de grandes gasodutos cortando a Europa de todos
os lados e a recente integração da Europa com a U.R.S.S. e o norte da África, transpondo
barreiras geográficas e ideológicas com a maior facilidade. A integração México - E.U.A. e
Canadá - E.U.A. são outros exemplos, além da exportação de gás natural do Oriente
Médio, Sudeste Asiático e Austrália para o Japão. São cerca de US$ 25 bilhões anuais
envolvidos nas transações internacionais do gás natural.106 Entre os nossos vizinhos da
América Latina encontra-se o gás natural abundante na Argentina, com uma reserva de
quase 650 bilhões de metros cúbicos (equivalente a 4,4 bilhões de barris de petróleo) e um
consumo de 41 milhões de metros cúbicos diários (260.000 BEP/dia). As reservas da
Venezuela são de 1,67 trilhões de metros cúbicos e o seu consumo diário 25% maior que o
da Argentina. As reservas bolivianas são de 137 bilhões de metros cúbicos e o consumo,
inclusive as exportações para Argentina, de apenas 7 milhões de metros cúbicos diários. 107
Recentemente, a Shell descobriu no Peru, no Vale do Ucaialí, a 650 km de Rio Branco, no
Acre, uma reserva de 480 bilhões de metros cúbicos. Cerca de 20 outras estruturas de
geologia semelhante estão ainda para serem exploradas naquele Vale, que promete ser uma
das maiores reservas do Ocidente.
A utilização de um total de 20 milhões de metros cúbicos por dia de gás natural
(importado e nacional) para geração de eletricidade (a produção nacional, atualmente de 16
milhões de metros cúbicos diários, deverá, segundo a PETROBRAS, atingir 70 milhões de
metros cúbicos por dia até o fim do século,108 em unidades de ciclo combinado de alta
eficiência (45%), operando com fator de capacidade de 60-80%, possibilitaria a instalação
de 4.900-7.200 MW. A Figura 18 mostra os custos da eletricidade gerada para diferentes
preços de gás, baseados num investimento típico de US$700/kW para a usina de ciclo
combinado, taxa de desconto de 15% ao ano, vida útil da usina de 20 anos, fatores de
capacidade de 60 e 80%, eficiência de 45%, e custos de operação e manutenção de
US$4,0/MWh. Conforme pode ser visto, para um preço de gás igual a US$125/1000 m3
(US$20/BEP), o custo de eletricidade é de apenas US$46,3/MWh para o fator de
capacidade de 80% e de US$51,5/MWh para o fator de capacidade de 60%, custos estes
competitivos com os custos de expansão do sistema hidroelétrico brasileiro.
Enfim, todas estas novas oportunidades de geração termoelétrica podem ter implicações
profundas para o futuro da indústria de energia elétrica no país. Sem dúvida nenhuma, a
hidroeletricidade deve continuar suprindo a grande parcela de energia elétrica nas próximas
décadas; de modo geral, a limpeza e renovabilidade desta forma de energia, e a sua
independência dos preços do petróleo a fazem, no caso brasileiro, uma das formas mais
vantajosas de geração. Principalmente, é bem provável que, com uma eventual abertura da
economia brasileira, os custos de construção de usinas hidroelétricas, que têm-se mostrado
excessivamente altos no caso das usinas mais recentes construídas no país, possam diminuir
substancialmente. Contudo, a hidroeletricidade não pode tornar-se a única fonte geradora
no país, e os novos combustíveis acima mencionados constituem alternativas válidas que
merecem consideração mais cuidadosa. Certamente, o muro energético seria mais firme e
econômico quando constituído de pedras de diferentes tamanhos e variedades.
56
3.3. A oferta mundial de novas tecnologias
Além dos novos combustíveis, e ainda no plano tecnológico, nos últimos 15 anos, tanto
as tecnologias de produção quanto as tecnologias dos usos finais de energia sofreram
drásticos aumentos da eficiência termodinâmica.
Do lado do suprimento elétrico, modernos sistemas de controle informatizado, tanto de
tensão como de energia, podem diminuir as perdas e aumentar a confiabilidade operacional
do sistema elétrico. Novas tecnologias de geração, tais como as STIGs (Steam Injected Gas
Turbines). ISTIGs (Intercooled Steam Injected Gas Turbines) e Ciclos Combinados
(conjuntos de turbinas a gás e a vapor) prometem revolucionar o modo em que a energia é
gerada, quase dobrando a eficiência de geração das usinas tradicionais, a custos de
instalação várias vezes menores e sem os problemas ambientais e de segurança das usinas
nucleares e a carvão.109 Por exemplo, com um investimento de aproximadamente
US$700/kW instalado, é possível hoje em dia construir uma usina térmica de ciclo
combinado de 200 a 1.000 MW de capacidade, nos EUA, Japão ou Europa, com eficiência
termodinâmica da ordem de 50%. E, do lado da demanda elétrica, avanços na eficiência
dos equipamentos de uso final e novas técnicas de gerenciamento da demanda, prometem
reduzir significativamente o consumo, sem perdas na produção industrial e no nível de
serviços fornecidos pela eletricidade.
Turbinas a gás e ciclos combinados
No passado, até o início da década de 1980, as turbinas a gás eram caracterizadas por
baixos investimentos iniciais (US$250/kW ou menos, nos E.U.A, ou seja, 8 a 10 vezes
menos que as usinas nucleares) mas, também, por baixas eficiências (25-28% em
comparação com 35-38% no caso de centrais de turbinas a vapor). Isto, junto à necessidade
de utilização de combustíveis limpos, tais como gás natural ou Diesel (ao contrário das
turbinas a vapor onde o combustível é primeiro transformado em vapor numa caldeira, nas
turbinas a gás o combustível é queimado diretamente na câmara de combustão), tinham
limitado a sua utilização apenas para o atendimento de picos de demanda elétrica, ou como
capacidade de “stand-by” para casos de emergência. Recentemente, contudo, a tecnologia
das turbinas a gás, derivadas da tecnologia dos motores aeronáuticos, vem sofrendo
constantes e significativos aperfeiçoamentos. Basta dizer que somente a General Electric,
de longe o maior fabricante mundial de turbinas a gás, quer sejam aeronáuticas quer sejam
industriais para geração de eletricidade, gastou, somente em 1988, cerca de US$951 milhões
em pesquisa e desenvolvimento de turbinas a gás aeronáuticas, quantia esta superior ao
total dos gastos em pesquisa tecnológica em todo o Brasil.110 Os gastos do Departamento
de Defesa dos E.U.A. em pesquisa e desenvolvimento de turbinas de aviões militares, por
sua vez, atingiram, em média, cerca de US$500 milhões anuais durante a década de 1980.111
Como conseqüência desses pesados investimentos em pesquisa e desenvolvimento, a
tecnologia de turbinas a gás tem sofrido avanços revolucionários. Mais especialmente,
avanços metalúrgicos têm permitido grandes aumentos na temperatura de entrada das
turbinas a gás, com reflexos diretos na eficiência termodinâmica.112 A Figura 19 mostra que
enquanto a eficiência das turbinas a vapor tem-se estacionado desde os anos 1960, os mais
modernos sistemas de turbinas a gás já atingem eficiências da ordem de 50%.113 A eficiência
média da usina de ciclo combinado de FUTTSU, no Japão, por exemplo, baseada em
turbinas a gás da General Electric, com potência instalada de 2.000 MW e queimando GNL
(Gás Natural Liquefeito), atinge 48%.114 A mais nova unidade de ciclo combinado da
Siemens, na Turquia, atinge eficiências de 52,7%.115
57
Ao mesmo tempo em que as eficiências das turbinas a gás vêm aumentando, novos
avanços prometem, também, resolver o velho problema de utilização de combustíveis de
baixa qualidade (e, portanto, baixo custo de oportunidade), diminuindo ainda mais os
custos de geração e ampliando enormemente as aplicações das turbinas a gás. É possível,
atualmente, queimar óleos combustíveis em turbinas a gás através da instalação de sistemas
de pré-tratamento (centrífugos e eletrostáticos)116 cujo custo não excede 10% do custo total
da usina.117 E, conforme já mencionado, novos sistemas de gaseificação de biomassas
podem, brevemente, permitir também a utilização de combustíveis sólidos em turbinas a
gás.118 Mais importante ainda, conforme mostra a Figura 20, os aumentos na eficiência de
geração das turbinas a gás não têm sido acompanhados por aumentos equivalentes nos
custos de capital, sendo esta tecnologia ainda a menos capital-intensiva de todas as
alternativas de geração de grandes blocos de energia elétrica.119 Tais avanços têm feito com
que a adoção de usinas baseadas em turbinas a gás sofresse uma expansão acelerada no
mundo. Somente na década de 1980, partindo praticamente da estaca zero, o total da
capacidade de ciclos combinados instalada no mundo cresceu para mais de 20.000 MW. l20
Segundo projeções de executivos do EPRI (Eletrical Power Research Institute), dos
próximos 100.000 MW que serão instalados nos E.U.A. espera-se que 75.000 MW tenham
base em turbinas a gás.121 Nos E.U.A., em particular, o uso da tecnologia das turbinas a gás
para geração de vapor e eletricidade tem atingido níveis bastante significativos. A Figura 21
mostra que o licenciamento de turbinas a gás para produtores independentes de energia
nos E.U.A. desde 1980 subiu para mais de 20.000 MW. Ademais, até 1995, um total
adicional de 40.000 MW está sendo planeado por concessionárias elétricas.
Combustão em leito fluidizado circulante
Também do lado do suprimento elétrico, avanços ocorridos nos últimos dez anos nos
processos de combustão em leito fluidizado têm provocado grande sucesso de vendas no
mercado de equipamentos de geração de energia elétrica dos países industrializados a partir
da queima de combustíveis sólidos com alta percentagem de enxofre, e baixos qualidade
calórica (com até 70% de conteúdo de cinzas). Particularmente, uma variante desta
tecnologia, chamada combustão em leito fluidizado circulante (CFB -Circulating Fluidized
Bed) tem-se mostrado altamente interessante devido à sua grande flexibilidade de queimar
combustíveis líquidos, sólidos e gasosos, ao contrário dos combustores em leito fluidizado
borbulhante, que só queimam sólidos de granulometria fixada entre 0,8 e 2,5 cm.l22
No caso brasileiro, a tecnologia CFB tem muito que oferecer devido às características
do carvão nacional (alto conteúdo de cinzas, de até 55%, e alta porcentagem de enxofre, de
até 2,5%) muito apropriadas à queima em leito fluidizado. Nestes combustores o enxofre é
retirado com as cinzas da queima do carvão injetando-se calcários na câmara de combustão.
O carbonato de cálcio do calcáreo reage com o enxofre, resultando em sulfato de cálcio
que é eliminado como parte das cinzas. Este fato possibilita dispensar o uso de unidades de
dessulfurização dos afluentes das usinas convencionais que, geralmente, custam de 20 a
25% do investimento total das usinas. As unidades CFB, por sua vez, custam, em média
apenas 10 a 15% mais que as usinas convencionais. Além do carvão nacional, uma outra
aplicação perfeitamente passível de realização é a queima, em unidades CFB, de resíduos de
refinarias, como RASF, RESVAC e coque de petróleo.
Na Coréia do Sul e no Japão existem quatro unidades CFB de mais de 100 MW
térmicos, que operam há mais de 5 anos com a queima de coque de petróleo, com alto
conteúdo de enxofre.123 Uma avaliação recente da tecnologia de leito fluidizado a nível
58
mundial identificou cerca de 350 caldeiras de leito fluidizado de grande porte, com uma
capacidade instalada de aproximadamente 34 milhões de toneladas de vapor por hora.124
Motores diesel
Outro exemplo de tecnologia de geração que vem sofrendo avanços significativos é a de
motores Diesel que, apesar do nome, são hoje capazes de queimar óleos combustíveis de
baixa qualidade, inclusive ultra-viscosos (na India, existem motores Diesel em operação que
queimam um tipo de óleo similar ao RESVAC).
No mercado mundial, existem hoje motores Diesel de altíssima eficiência (até 54% no
caso dos motores de 2 tempos), grande capacidade (até 40 MW), e que queimam óleos
combustíveis de péssima qualidade, como os disponíveis no Brasil. Mesmo os motores de 4
tempos, de velocidade intermediária (500-700 rpm), são hoje disponíveis em capacidades de
até 17 MW, e conseguem gerar eletricidade com óleos combustíveis e eficiências de até
46%. Estes novos motores Diesel são capazes de operar em regime de base com óleos
combustíveis cuja viscosidade é de até 700 cSt a 50 graus centígrados, cujo conteúdo de
enxofre é de até 5%, e cujo conteúdo de resíduos de carbono é de 22% e conteúdo de
vanádio 600 ppm.125 Este avanços, aliados às características tradicionais dos motores
Diesel, tais como altíssima disponibilidade (superior a 95%), alta eficiência, mesmo para
cargas parciais, procedimentos simples de operação e manutenção, e prazos curtos de
instalação, têm tornado esta alternativa de geração uma opção quase ideal para geração
elétrica em capacidades de 500 kW a 100 MW. Estes novos desenvolvimentos são
particularmente significativos para centenas de localidades isoladas no Brasil onde ainda se
gera eletricidade com o uso de óleo Diesel. A substituição das unidades antigas por
motores modernos de alta eficiência, queimando óleos combustíveis, diminuiria
substancialmente os custos de geração, além de reduzir o consumo de Diesel, que é hoje o
derivado que define o nível das importações de petróleo no país.
Conversão e repotenciação de usinas termoelétricas antigas
E, finalmente, mais uma nova técnica do lado de suprimento elétrico refere-se à
conversão de antigas usinas termoelétricas em usinas de ciclo combinado de alta eficiência.
Nos países industrializados, diversas usinas convencionais antigas, com mais de 30 anos de
operação, estão sendo convertidas em usinas de ciclo combinado para queima de gás
natural. A combinação entre turbinas a gás e turbinas a vapor, como resultante do uso do
calor residual das turbinas a gás, aumenta a capacidade da usina e sua eficiência global em
cerca de 50%, com a mesma quantidade de combustível.126 Na conversão de usinas antigas,
aproveita-se a existência das turbinas a vapor existentes e seus equipamentos associados
(dispensa-se somente as velhas caldeiras) bem como de toda a infraestrutura existente no
local, como terreno, condensadores, tomadas de água, subestação etc., acrescentando-lhes
somente as turbinas a gás e caldeiras de recuperação à montante. Isto permite obter-se uma
substancial economia no investimento inicial.
No Brasil, existem diversas usinas antigas projetadas para queimarem óleo e carvão que
estão chegando ao fim de sua vida útil. Duas suscitam interesse especial: (a) as unidades
térmicas de Manaus cujas unidades turbo-geradoras eventualmente podem ser aproveitadas
para queima de gás natural amazônico e, (b) a conversão da Usina de Piratininga de 472
MW, localizada no coração do maior parque consumidor de eletricidade da América Latina,
São Paulo. Estudos exploratórios preliminares indicam que é possível converter Piratininga
para uma usina de ciclo combinado de cerca de 1.100 MW com a queima de cerca de 5
59
milhões de metros cúbicos de gás natural por dia.127 A possibilidade de conversão de
Piratininga é particularmente atraente devido a diversos motivos: geração de 1.100 MW no
centro de carga de São Paulo, sem poluição (gás natural) e sem necessidade de linhas de
transmissão; o aproveitamento de toda a infraestrutura existente, e o baixo custo das
turbinas a gás e caldeiras de recuperação de calor levam a um custo especifico de geração
extremamente baixo (cerca de US$500/kW); a criação de um único mercado de mais de 5
milhões de metros cúbicos diários de gás natural pode representar um fator decisivo na
economicidade de construção de um gasoduto desde a Bolívia, ou Argentina até São Paulo,
ou na importação de gás natural liquefeito do exterior. Vale a pena também ressaltar que
uma conversão deste tipo e a construção de um gasoduto podem ser realizadas com
extrema rapidez (menos de 3 anos). O porte da conversão de Piratininga não apresenta
nenhum problema técnico quando se compara com a conversão para ciclo combinado de
usinas nucleares de muito maior porte (aproveitando-se o ciclo da turbina a vapor das
usinas nucleares), que estão em estágio avançado de conversão nos E.U.A.
Eficiência dos usos finais de energia
Do lado da demanda elétrica, a moderna microeletrônica, aliada a desenvolvimentos em
novos materiais, inacessíveis no Brasil pela atual legislação de reserva de mercado
(inacessíveis em termos de ciclo de obsolência de aproximadamente cinco anos), poderia
aumentar substancialmente a eficiência dos usos finais de eletricidade. Detectores de ultrasom e infra-vermelho para apagar iluminação e ar condicionados na ausência de usuários,
controladores de velocidade de freqüência variável para adequar a carga de motores
elétricos à demanda solicitada, e reatores e ignitores de lâmpadas fluorescentes compactas
que economizam de 30 a 70% da eletricidade usada, estão permitindo os países
industrializados a efetuar grandes economias nos seus investimentos em eletricidade,
mantendo o mesmo nível de bem estar e de serviços.
Muitos dos avanços nas tecnologias de usos finais de energia nas últimas duas décadas já
são do conhecimento do público especializado brasileiro. A Figura 22 ilustra o
desenvolvimento alcançado na tecnologia de geladeiras domésticas nos países
desenvolvidos e, conforme pode ser visto, entre 1972 e 1988, o consumo específico de
novas geladeiras disponíveis no mercado, medida em kWh/litro de capacidade volumétrica
da geladeira, diminuiu pela metade nos EUA e para um quarto no caso do Japão.128 A
Figura 23 mostra que as melhores lâmpadas fluorescentes hoje disponíveis no mercado
americano consomem 0,0110 Watts/lumen produzido, versus 0,0588 Watts/lumen no caso
das lâmpadas convencionais - uma melhora de mais de 5 vezes. 129 Somente estes dois usos
finais (iluminação e refrigeração) são responsáveis por mais da metade da eletricidade
consumida nos setores residencial e comercial do Brasil. Há que indicar, também, que a
melhoria no consumo energético de outros equipamentos como televisores,
condicionadores de ar, motores elétricos e quase todos os outros tipos de equipamentos de
uso final de energia tem sido impressionante.130
60
Cogeração
Também do lado da demanda elétrica, uma nova técnica de alta eficiência que se torna
cada vez mais comum nos paises industrializados é a cogeração de vapor industrial e de
energia elétrica. Uma boa pane de toda a energia consumida no setor industrial (cerca de
30% no caso do Brasil), é usada para produzir vapor de processo. Essa é uma forma de
consumo inerentemente perdulária, uma vez que energia química de alta qualidade, com
temperaturas de chama da ordem de 1700 graus centígrados, é usada para a produção de
vapor de processo de baixa qualidade, a uma temperatura quase sempre inferior a 200 graus
Centigrados.131 A cogeração consiste em um aproveitamento mais eficiente, "em cascata",
da energia disponível no combustível, isto é a energia a alta temperatura resultante da
combustão é primeiramente usada para produzir eletricidade e a energia térmica, que seria
"perdida" na saída da turbina, é subseqüentemente usada para produzir vapor de processo
industrial. De especial interesse é a cogeração com turbinas a gás, devido à alta razão de
eletricidade/vapor produzida. Através dessas técnicas de cogeração, aproximadamente um
terço de energia total é economizada, em comparação com a geração de vapor e
eletricidade separadamente.
Os baixos custos de investimento e as altas eficiências termodinâmicas obtidos com
estes sistemas têm resultado na proliferação da cogeração nas indústrias dos países
desenvolvidos. No Brasil, a maior disponibilidade de gás natural, aliada às tendências para
uma maior participação do setor privado nos investimentos do setor elétrico, também
devem ampliar o papel da cogeração em futuro próximo.
Estas referências às novas tecnologias hoje existentes no mercado mundial não devem,
no entanto, criar a impressão que a indústria de eletricidade do Brasil não dispõe de
tecnologias modernas ou de capacidade tecnológica de nível mundial. As turbinas
hidráulicas existentes no Brasil, por exemplo, são das melhores do mundo e a capacitação
tecnológica nacional em sistemas de transmissão elétrica a longas distâncias é superada por
poucos países. Contudo, o atraso existente em áreas como equipamentos de controle e
medição, devido às limitações impostas pela lei da informática, pode rapidamente ampliarse para a área dos equipamentos de geração e utilização de energia, se não forem tomadas
medidas imediatas para facilitar a introdução no mercado nacional dos avanços
revolucionários que têm ocorrido nestas tecnologias durante os anos 1980.
61
AS GRANDES QUESTÕES: EM BUSCA DE UM NOVO MODELO
4.1. Formação de capital próprio: a questão de custos e preços de eletricidade
A questão mais atormentadora para o setor elétrico brasileiro é como equacionar a crise
financeiro-institucional em que se encontra neste momento, frente aos seus planos
ambiciosos de expansão e sem os correspondentes financiamentos em vista. A
implementação do Plano 2010, que prevê um aumento da capacidade elétrica dos 50.000
MW atuais para 103.000 MW no ano 2000 e 160.000 MW no ano 2010, necessitaria de
investimentos da ordem de US$6 a 8 bilhões anuais a curto prazo, e uma quantia acumulada
de US$200-US$250 bilhões (em preços de hoje) até o ano 2010. Segundo algumas
previsões, no final da próxima década, o setor elétrico estatal necessitará de recursos
equivalentes a quase 20% da formação bruta de capital no país, caso as tendências de
crescimento da demanda e da alta de custos se mantiverem. Mesmo para um crescimento
menor da demanda, da ordem de 5% ao ano, seria necessária a instalação de mais de 30.000
MW no período 1990-2000, muito menos que o previsto no Plano 2010, mas, mesmo
assim, muito além da capacidade atual de financiamento das empresas estatais de
eletricidade.
As implicações destas considerações tomam-se óbvias quando se lembra que países
como os EUA construíram sua infraestrutura básica auxiliada por uma pletora de
investimentos baratos de longo prazo - baseados no chamado “long-term bond’. Durante a
maior parte do período entre 1.800 e 1.950, o público norte-americano esteve disposto a
emprestar o seu dinheiro ao governo ou a empresas privadas, com taxas de juros
(nominais) entre 2 e 3% ao ano, por períodos de até 30 anos. 132 Hoje, por outro lado, e
conforme já mencionado, os organismos internacionais oficiais de financiamento, se e
quando o fazem, emprestam a juros entre 8 a 10% ao ano (sem contar as taxas e
comissões) e investidores privados requerem retornos ainda mais altos. E é importante
lembrar que, no Brasil, a maior parte da divida interna é, nos dias de hoje, “rodada” a cada
24 horas no ‘overnight’.
Este esgotamento cada vez mais óbvio da capacidade do governo para financiar os seus
gastos, tanto através de novos empréstimos externos, quanto pela via tributária e, mesmo,
através da emissão da moeda, significa que o sucesso de qualquer tentativa para
recuperação do setor elétrico dependerá de uma política de autofinanciamento das
empresas de energia elétrica. Tal política, por sua vez, passa, entre outras coisas, pelo
reconhecimento da importância da fixação da tarifa com base nos custos marginais de
longo prazo. Ao contrário de uma política de preços baseada nos custos médios históricos
(atualizados, inclusive, no caso do Brasil, por índices arbitrários que não refletem a inflação
adequadamente), a tarifarão com base nos custos marginais valoriza a energia elétrica de
acordo com as necessidades de investimentos futuros, fato este fundamental para um
sistema em expansão, com custos unitários crescentes, e altamente centralizado, como o
brasileiro.133 O próprio fato do Brasil ter baseado a construção do seu porque gerador nos
critérios do CANAMBRA, construindo primeiro as usinas mais baratas, toma a tarifação
com base nos custos marginais fundamental do ponto de vista de geração de recursos e de
sinalização do mercado para usinas elétricas cada vez mais caras.
Tanto a questão de formação de capital próprio nas empresas estatais, quanto a questão
de participação de capitais privados, dependerão primordialmente, deste ponto que, em
termos práticos, implica numa elevação significativa dos preços reais de energia elétrica no
país.
62
Custos orçados e custos reais
Os custos reais de eletricidade no Brasil constituem uma questão polêmica e a realidade
é muitas vezes perdida na confusão inflacionária, manipulação das taxas de câmbio, e
maciças transferências regionais. No fundo, o problema é que no setor elétrico estatal
existe um desestimulo natural ao controle de custos urna vez que a fonte principal de
receitas, que é a tarifa, sofre as mais variadas manipulações e, pior ainda, a ineficiência não
e penalizada, mas, ao contrário, premiada através da política de equalização tarifária. Esta
situação faz com que nem as próprias empresas conheçam com precisão os seus custos, e o
conhecimento a nível nacional seja ainda mais precário. Contudo, uma boa indicação dos
custos reais de hidroeletricidade no Brasil pode ser vista nas Tabelas 12a-b, que mostram os
investimentos feitos nas principais usinas da CESP em São Paulo, e sua composição. Estes
custos, apresentados aqui pela primeira vez, foram calculados pelos autores, através de um
trabalho minucioso de transformação dos dados contábeis correntes da CESP em dados de
engenharia econômica, via a retirada dos efeitos da inflação e das variações das taxas de
câmbio. 134 Os resultados permitem algumas conclusões de grande interesse.
Em primeiro lugar, é importante destacar que os custos específicos reais das usinas
hidroelétricas a preços constantes de 1986 não são tão baratos como se apregoa
geralmente. Para as usinas da CESP, o investimento específico médio direto (isto é, sem os
juros durante a construção) para as 14 usinas estudadas, somando um total de 8.391 MW,
foi de US$1.152/kW instalado e quando se inclui os juros durante a construção este valor
atinge os US$1.726/kW instalado. Ademais, estes custos vêm aumentando constantemente;
as usinas iniciadas na década de 1950 foram construídas a um custo unitário direto de
US$842/kW e um custo total (com os juros durante a construção) de US$1.277kW; as
usinas iniciadas na década de 1960 apresentaram um custo médio direto de US$954/kW e
custo total de US$1.552/kW; e aquelas construídas na década de 1970 apresentaram, em
média, um custo específico direto de US$l.713/kW e custo específico total de
US$2.294/kWi. 135 A consistência desses resultados pode ser averiguada quando se
considera que os custos unitários do setor elétrico brasileiro como um todo no período
1.974-1.986 foram de US$1.020/kW para geração, de US$30/kW para transmissão, e de
US$280/kW para distribuição/instalações gerais, 136 sem contar os juros durante a
construção que, nas condições atuais dos juros e prazos típicos de construção das obras,
elevam o custo final das usinas hidroelétricas em 40 a 50% acima dos investimentos
diretos.
63
Tabela 12a: Custos de Investimento das Usinas Hidroelétricas da CESP
Usina
Hidrelétrica
Potênci
a
instalad
a
Início
das
Obras
(MW)
Entrada em
Operação
Primeira Última
Máquina Máquina
Investimentos
(1986 US$milhões)
Direto(1)
Total(2)
Custo unitário
(1986 US$/KW)
Direto(1)
Total(2)
Salto Grande
Jurumirim
Barra Bonita
Cacondé
Bariri
Xavantes
Jupiá
Ibitinga
Paraibuna
Ilha Solteira
Promissão
70,4
97,8
140.8
80,4
143.1
414,0
1.411.2
131.5
85,0
3.230,0
264,0
1951
1956
1957
1959
1959
1959
1961
1963
1964
1965
1966
1958
1962
1963
1966
1965
1970
1969
1969
1978
1973
1975
1960
1964
1966(3)
1966
1969
1971
1974
1969
1980(3)
1978
1977
59,6
98,6
69,7
70,1
83,6
415.7
1.287,6
197,0
105,9
2.739,5
555,7
83,6
143,2
99,4
104.5
151,4
626.6
2.474.6
254,1
125.4
4.215,2
878,0
847
100,9
495
871
584
1.004
912
1.498
1.246
848
2.105
1.187
1.465
706
1.300
1.058
1.514
1.754
1.932
1.475
1.305
3.326
Capivari
Água Vermelha
N. Avanhadava
640,0
1.380,0
302.4
1971
1973
1979
1977
1978
1982
1978
1983
1985
1.274,4
1.837,4
867,0
1.716,4
2.628,3
983.2
1.991
1.331
2.867
2.682
1.905
3.251
Total/Média
8.390,6
9.661,77
14.483,83
1.152
1.726
(1) Até a data de entrada da última máquina.
(2) Inclui juros durante a construção de 10%a.a.
(3) Data de início de operação da última máquina foi alterada para incorporar grandes investimentos posteriores.
64
Tabela 12b: Composição dos custos de investimento de hidroeletricidade nas usinas
da CESP.
Usina
Salto Grande
Jurumirim
Barra Bonita
Cacondé
Bariri
Xavantes
Jupiá
Ibitinga
Paraibuna
Ilha Solteira
Intromissão
Capivari
Água Vermelha
Nova
Avanhadava
Total
Capacidade
Composição do investimento direto (% do total)
Instalada Terrenos Reservatório/
Edifícios/
Máquinas e
Barragem/
Obras Civis equipamentos
Adutoras
Outros
70,4
97,8
140,8
80,4
143,1
414,0
1.411,2
131,5
85,0
3.230,0
264,0
640,0
1.380,0
302,4
0,95
17,60
15,14
4,30
4,67
3,18
0,71
2,50
0,03
1,77
17,67
13,04
2,70
3,20
29,26
31,79
27,69
6232
59,41
69,57
34,08
50,87
36,13
48,69
49,47
61,67
51,89
42,86
43,40
34,52
39,91
17,43
21,38
11,69
35,73
28,04
35,46
27,23
23,09
10,81
19,83
8,44
26,07
15,96
17,20
14,13
14,37
14,16
26,01
18,58
23,06
22,25
9,77
12,98
16,90
27,60
0.33
0,12
0,05
1,81
0,17
1,40
3,47
0,00
0,33
0,00
0,00
1,51
8,68
17,91
8.390,6
4,89
49,19
22,51
19,55
3,86
Estes valores são muito superiores aos “tradicionais” US$1.000/kW que se utiliza no
setor como custo unitário médio típico para usinas hidroelétricas, e maiores ainda que os
custos previstos no Plano 2010 para a expansão futura do sistema elétrico. As Tabelas 13ac mostram que, segundo o Plano 2010, seria possível adicionar uma capacidade de 9.945
MW na região Sudeste a um custo médio de US$833/kW; uma capacidade de 15.169 MW
nas regiões Norte/Nordeste a um custo médio de US$741 /kW: e uma capacidade
adicional de 15.763 MW na região Sul a um custo médio de US$618/kW. 137 Apesar das
usinas hidroelétricas serem ‘tailor made”, cada uma diferente das outras, os dados aqui
mostrados sobre os custos das usinas da CESP, aliados aos critérios de expansão do
sistema elétrico brasileiro, que seguem o princípio de “Ieast cost” (as usinas mais baratas
são construídas primeiramente), levantam sérias dúvidas sobre a validade dos custos
adotados no Plano 2010. Os custos previstos para as novas usinas a serem construídas nas
regiões Sudeste e Centro-Oeste, por exemplo, são em média 50% mais baratos que os
custos das usinas iniciadas pela CBSP na década de 1930, duas vezes mais baratos que as
usinas iniciadas na década de 1960, e quase três vezes mais baratos que as usinas iniciadas
na década de 1970.
65
Tabela 13a: Estimativas de investimento para novas usinas hidroelétricas nas
Regiões Sudeste e Centro-Oeste, segundo Plano 2010.
Usina
(1)
Estado
Potência
programada(2)
(MW)
Data de entrada
(Última
máquina)
Investimento
total previsto
US$ milhões
Investimento
unitário
(US$/KW)
Manso
CorumbáL
Nova Ponte
Sapucaia
Simpiício
Serra da Mesa
Miranda
ltaocara
Serra do Facão
Cana Brava
Elocaina
MT
GO
MG
RJ/MG
RJ/MG
GO
XC
RJ
GO
GO
MG
210
375
510
300
195
1.200
390
210
210
480
200
1992
1993
1992
1993
1993
1993
1993
1993
1994
1994
1994
284.0
401.9
440.8
272,3
195,7
820,1
223.4
207,6
174.2
332.5
143.6
1.352
1.072
864
908
1.004
683
573
989
830
tA3
718
Capim Branco
igarapava
Foz Bezerra
Picada
Formoso
Sobragi
Barra do Peixe
Corumnbá
Funil
Terra Branca
Piraju
Peixe
Queimado
Aimorés
Descobrado
Mirador
Bananeiras II
Turmalina
São Romão
C. Magalhães
MG
MG/SP
GO
MG
MG
MG
MT/GO
GO
MG
MG
SP
GO
MG
MG
SP/PR
GO
MG
MG
MG
MT/CO
600
200
360
100
300
110
280
235
164
120
120
1.112
113
300
123
106
417
105
540
260
1994
1995
1995
1995
1995
1995
1995
1996
1996
1996
1996
1997
1997
1997
1999
1999
2000
2000
2001
2001
360.9
125.4
257.8
106,1
337.1
94,7
163.2
293.4
95,6
81,4
144,7
709,0
83,6
279,3
239,0
121,8
426,4
118,5
554,0
193,3
602
627
716
1.061
1.124
861
583
1.249
583
678
1.206
638
740
931
1.943
1.149
1.023
1.129
1.026
743
9.945
-
8.281,3
833
Total/Média
-
(1) Refere-se apenas a usinas maiores de 100KW e não inclui obras já em andamento na época
da publicação do plano 2010, tais como Três Irmãos, Taquaraçu e Porto Primavera.
(2) A Potência programada representa o acréscimo no período 1987-2001
Fonte: Plano 2010
66
Tabela 13b: Estimativas de investimento para novas usinas hidroelétricas na Região Sul,
segundo o Plano 2010
Usina
(1)
Estado
Potência
programada (2)
(MW)
Data de
entrada (última
máquina)
Investimento
total previsto
US$ milhões
Investimento
Unitário
(US$/KM)
Segredo
D. Francisca
Itá
Campos Novos
Machadinho
Sto. Caxias
Cebolão
Iatairinho
Mauá
Carabi –50%
Barra Grande
PR
RS
RS/SC
SC
RS/SC
PR
PR
PR
PR
RS
RS/SC
1.260
125
1.620
726
1.200
472
194
192
472
900
880
1992
1992
1994
1994
1994
1995
1996
1997
1995
1997
1996
443,2
136,2
961,6
362,0
764,0
293,2
124,8
132,1
293,2
502,0
503,9
352
1.090
594
499
637
621
643
688
621
558
573
São Jerônimo
Pai Queré
Capanema
Garibaldi
Tel. Borba
Fundão
São Roque
Ilha Grande
Ivatuva
Foz do Alonzo
Foz do Chapecó
Ubaúna
Itapiranga
PR
RS/SC
PR
SC
PR
PR
SC
PR/MS
PR
PR
RS/SC
PR
RS/SC
444
288
1.200
430
128
154
360
1.400
144
138
1.228
122
1.160
1997
1997
1998
1997
1998
1998
1998
2.001
1999
1999
2.000
2.001
2.001
225,6
240,1
484,6
240,1
113,5
135,5
345,0
1.153,6
139,3
135,2
849,0
140,0
836,6
508
834
404
558
887
880
958
824
967
980
691
1.148
721
15.765
-
9.738,0
618
Total/Média
(1) Refere-se apenas a usinas maiores de 100 MW e não incluí obras já em andamento na época da
publicação do Plano 2010, tal como ltaipu.
(2) A potência programada representa o acréscimo no período 1987-2001.
Fonte: Plano 2010.
67
Tabela 13c: Estimativas de investimento para novas usinas hidroelétricas nas
Regiões Norte e Nordeste, segundo o Plano 2010
Usina(1)
P. Cavalo
Xingó
Itapebi
Belém
Pedra Branca
Tucurui II
Cararaó
Santa Isabel
Cachoeira Porteira
Iparana I
Total/Média
Estado
BA
AL/SE
BA
BA/PE
BA/PE
PA
PA
PA
PA
RO
Potência
programada (2)
(MW)
300
3.000
617
672
1.088
1.320
6.300
660
700
512
Data de
entrada (última
máquina)
1992
1994
1996
1998
1999
1995
2.001
2.001
1996
1997
15.169
Investimento
total previsto
US$ milhões
204,3
1.551,9
458,2
717,6
1.290,3
780,7
2.316,5
1.810,1
672,0
442,9
Investimento
Unitário
(US$/KM)
681
517
743
1.068
1.186
591
526
2.743
960
865
11.244,5
741
(1) Refere-se apenas a usinas maiores de 100 MW e não incluí obras já em andamento na época da
publicação do Plano 2010, tais como Itaparica e Tucurui I.
(2) A potência programada representa o acréscimo no período 1987-2001.
Fonte: Plano 2010.
Uma das implicações mais importantes destes resultados é que eles poderão causar
sérios impactos não apenas na economicidade, mas, também, na própria magnitude do
potencial hidroelétrico existente no país. Conforme mostra a Tabela 14, o potencial
hidroelétrico de 106.700 MW firmes já mencionado anteriormente, inclui usinas cujo custo
de geração supera os US$150/MWh.138 Se assumir que o custo médio previsto para as
usinas mostradas nas Tabelas 13a-c, de US$716/kW (para um total de 40.879 MXV
instalados), na prática acabasse sendo o dobro, o potencial hidroelétrico competitivo
(calculado na base de US$60/MWh), inclusive o já instalado, diminuiria para cerca de
63.800 MW firmes (equivalentes a cerca de 128.000 N4W instalados). Finalmente,
lembrando-se que os custos de geração mostrados na Tabela 14 foram calculados com base
numa taxa de desconto de 10% ao ano, chega-se á conclusão que o potencial hidroelétrico
competitivo ainda disponível pode, em verdade, ser sensivelmente menor que o geralmente
imaginado e, de fato, sabe-se que, no caso especifico das regiões Sudeste e Nordeste, o
potencial competitivo está se aproximando do limite de esgotamento (considerando-se as
usinas em operação e em construção).
68
Tabela 14: Potencial hidrelétrico e custos de geração previstos no Plano 2010
Limite superior de custo
(US$/MWh)(1)
Potencial – Energia Firme (MW ano)(2)
Norte
Nordeste
Sudeste+
C.Oeste
Sul
Brasil
(*)(3)
15
20
25
30
35
40
45
50
60
75
100
2.571
9.182
10.064
21.809
25.276
34.376
35.260
37.595
39.849
41.194
42.919
43.651
3.556
3.556
5.745
5.758
6.443
7.560
7.663
7.694
7.898
7.976
8.149
8.201
15.619
15.650
15.926
19.474
20.750
22.037
23.860
24.830
25.842
28.048
29.623
30.898
2.745
2.745
6.012
9.108
10.353
11.900
12.689
13.393
13.795
14.380
14.809
15.384
24.491
31.133
37.747
56.149
63.822
75.873
79.442
83.512
87.384
91.598
95.500
98.134
150
43.457
8.206
32.323
16.848
102.834
Total
48.454
8.206
33.197
16.848
106.705
(1) Preços de junho de 1986, taxa de câmbio = Cz$ 13,84/US$
(2) Inclui potencial inventariado e estimado.
(3) Refere-se a usinas em operação ou em construção.
Fonte: Plano 2010
Tarifação com base nos custos marginais de longo prazo
Outra implicação dos resultados obtidos sobre os custos das usinas da CESP, de grande
importância, refere-se aos custos marginais de expansão do sistema hidroelétrico brasileiro.
Baseando-se nos dados das usinas de São Paulo, e assumindo-se ainda que os custos de
geração em São Paulo são, em geral, superiores aos do restante do país e, ademais, levando
em consideração que uma parte dos custos das usinas mais recentes devem-se aos atrasos
nas obras e a outras “ineficiências” que poderiam ser eliminadas com uma maior abertura
da economia brasileira, foi feita uma tentativa de calcular os custos reais de expansão do
sistema hidroelétrico brasileiro (reais no sentido de não incluir as ineficiências passadas
provindas de fatores como a natureza fechada do mercado brasileiro, os atrasos nas obras
ou despesas para pagamento de dívidas passadas). Adotou-se para isso, custos médios
marginais de longo prazo de US$1400/kW para geração, US$5OO/kW para transmissão e
US$300/kW para distribuição/instalações gerais, fator de capacidade médio do sistema de
65%, perdas totais de 10%, custo de oportunidade de capital de 15% ao ano, vida útil
média das instalações de 40 anos, e custos gerais de administração, operação e manutenção
do sistema, de US$10/MWh, condições estas até otimistas para a realidade do sistema
elétrico no período 1.989-1010.139
O resultado é um custo marginal médio de nada menos que US$75/MWh (este valor.
obviamente, refere-se a custos médios e apresenta grandes variações para diferentes regiões
e classes de consumo). Para comparação, a tarifa média nominal global de todo o sistema
elétrico (isto é, a tarifa do dia da publicação da portaria cio DNAEE) durante 1.988, foi de
US$43,9/MWh, e quando levada em consideração a inflação média do ano, esta tarifa,
69
quando recebida em caixa cerca de 40 dias após a publicação da portaria redundou numa
receita federal de apenas US$ 35/MWh. Em outras palavras, para financiar os seus
investimentos futuros, o setor elétrico precisa mais que dobrar a tarifa média real de 1,988
(de U5S35/MWh) ou, no caso de um regime de inflação zero, aumentar a tarifa nominal
daquele ano (de US$43,9/MWh) em 70%. Oficialmente, o próprio setor elétrico admite
hoje um custo marginal médio de fornecimento de US$5O/MWh, mas além que basear-se
em custos unitários otimistas, que jà se encontram em processo de revisão, este valor é
obtido com base numa taxa de retomo de 10% ao ano que conforme explicação acima, não
corresponde mais á realidade atual.
O valor da tanta media proposta, de US$75/MWh, refere-se a recursos que devem
permanecer no próprio setor, e não inclue quaisquer impostos exceto o imposto de renda
incidente sobre qualquer atividade empresarial). Estimativas preliminares indicam que os
novos encargos estaduais (ICMS) podem somar, em media, cerca de US$10/MWh, o que
significa que o custo final médio para o consumidor deve atingir cerca de US$85/MVVh.140
Deve-se deixar claro, ainda, mais uma vez, que este cálculo não inclui os custos para
resolver as distorções passadas relacionadas com o serviço da dívida do setor. Estas
distorções, principalmente aquelas decorrentes do fato de que uma parte da dívida das
empresas de eletricidade foi contraída deliberadamente para o financiamento do balanço de
pagamentos, devem ser reconhecidas pela União, transferindo-se uma parte da dívida do
setor para o Tesouro Nacional, numa reestruturação financeira. E importante também
mencionar, que é bem provável que as obras a serem realizadas no futuro sejam
significativamente mais caras que as já realizadas, como decorrência da exaustão dos
melhores recursos hidroelétricos próximos aos centros de consumo, distâncias cada vez
maiores das novas usinas, e requisitos mais rígidos de proteção ambiental (por exemplo,
hidroeletricidade da Amazônia para servir a região Sudeste).
Conforme mostra a Tabela 15, a tarifa média proposta, de US$75/MWh, é consistente
com os preços vigentes em outros países, mesmo quando se soma os impostos de
US$10/MWh mencionados anteriormente, que elevariam o preço final médio de
eletricidade no País para US$85/MWh. Durante o primeiro trimestre de 1.989, os preços
médios praticados para os setores industrial e residencial eram, respectivamente:
US$82/MWh e US$144/MWh no caso da Alemanha Ocidental; US$95/MWh e
US$126/MWh no caso do Portugal; US$71 /MWh e US$95/MWh no caso do Reino
Unido: US$47/MWh e US$75/MWh no caso dos EUA: US$71 /MWh e US$102/MWh
no caso da Itália; e, em dados de 1.988, US$146/MWh e USS207/MWh no caso do Japão.
A invocação dos exemplos do Canadá (US$38/MWh para o setor industria] e
US$48/MWh para o setor residencial durante o primeiro trimestre de 1.989) e da Noruega
(US$22/MWh para o setor industrial e US$59/MWh para o setor residencial durante o
último trimestre de 1.987),141 como países com grande potencial hidroelétrico e, portanto,
similares ao Brasil, não é válida devido ao fato que aqueles países já haviam construído
grande parte de sua infraestrutura elétrica numa época de baixíssimos custos de capital,
além do que, a sua pequena, praticamente imutável, e altamente concentrada população,
tem permitido a escolha dos aproveitamentos elétricos mais baratos. De qualquer modo,
mesmo naqueles países ocorre hoje em dia um grande debate sobre os custos crescentes de
geração elétrica e as possibilidades vara alternativas mais baratas (principalmente
conservação e gás natural).
Também, deve ser lembrado que, no próprio Brasil, a tarifa rara um consumidor
residencial com consumo mensal de 200 kWh/mês, era em 1.974 de USSS7/MWh, que
70
corrigida rara dólares de 1986, equivalia a nada menos que US$120/MWh (as tarifas
industriais, contudo, sempre foram baixas no Brasil). E, finalmente, na comparação de
preços deve ser lembrado que as tarifas apresentadas para o Brasil baseiam-se no câmbio
oficial, cuja defasagem crônica (estimada, hoje, em 20-30%) reforça ainda mais as teses aqui
apresentadas.
Tabela 15: Preços de eletricidade para o consumidor final nos países
industrializados
Pais
Setor
Preços Médios de Eletricidade (1988 US$/MWh)
1978
1980
1982
1984
1986
1988
1989(1)
47
68
47
66
51
73
44
70
37
57
42
67
47
75
26
42
29
41
30
41
30
43
28
40
31
45
38
48
57
140
70
166
49
123
41
100
47
123
48
131
-
81
147
85
1446
66
116
55
96
72
125
84
150
82
144
73
80
93
104
74
88
66
90
72
102
70
107
71
102
107
161
126
171
113
148
110
146
139
186
146
207
-
47
80
66
104
70
94
60
80
81
108
95
122
95
126
88
114
82
107
63
80
56
68
73
90
83
102
77
96
66
92
92
130
75
111
53
80
58
85
66
97
71
95
49
75
54
79
61
86
58
87
56
85
48
78
47
75
64
92
73
99
68
94
61
88
68
95
-
-
Austrália
Industrial
Residencial
Canadá
Industrial
Residencial
França
Industrial
Residencial
Alemanha
Industrial
Residencial
Itália
Industrial
Residencial
Japão
Industrial
Residencial
Portugal
Industrial
Residencial
Suíça
Industrial
Residencial
Reino Unido
Industrial
Residencial
Estados Unidos
Industrial
Residencial
OECD
Industrial
Residencial
Dados do primeiro trimestre
Fonte: International Energy Agency, OECD
71
4.2. Subsídios e transferências como instrumentos de distribuição de renda
Uma outra questão, fundamental, que deve ser enfrentada com a maior urgência pelo
setor elétrico brasileiro (e, de fato, por todos os serviços públicos do país) refere-se à
utilização generalizada de subsídios e transferências regionais e setoriais como meios de
distribuição de renda e desenvolvimento regional e industrial. Esta prática tem atingido
níveis inacreditáveis; um custo marginal de US$75/MWh, frente a uma receita real de
apenas US$35/MWh e vendas de 190,8 TWh, significa que os subsídios reais embutidos no
setor elétrico (definidos aqui como a diferença entre a receita necessária baseada nos custos
marginais e a efetivamente recebida pelo setor) durante 1988, atingiram o astronômico
valor de US$7,6 bilhões, ou seja, cerca de 2,0% do PIB.
Esta situação é especialmente lamentável porque muito longe de ser deficitário, o setor
elétrico poderia contribuir significativamente para as receitas governamentais. Um recente
estudo do Banco Mundial sobre um grupo de países do continente africano, concluiu que
0¾ quatro setores principais da infraestrutura básica (eletricidade, telecomunicações,
estradas e avia) que hoje contribuem, em media, com 10-15%, do total das receitas públicas
daqueles paises, poderiam, no caso de tarifas mais realistas, chegar a contribuir com 2750% do total. A Tabela 16 mostra a participação atual e potencial de cada um dos setores
básicos mencionados, e conforme pode ser visto, a contribuição do setor elétrico poderia
chegar a 5-10% do total. 142
No caso do Brasil, o potencial de arrecadação de tributos do setor elétrico também
poderia atingir níveis consideráveis. Baseado na tarifa média proposta, de US$75/MWh, e
assumindo financiamento dos investimentos com 50% de capital próprio e 50% com
recursos de terceiros obtidos a juros de 10% ao ano e pagáveis em 10 anos, despesas gerais
de operação e manutenção de US$10/MWh, carga tributária (imposto de renda) média de
45% dos lucros, impostos sobre consumo de US$10/MWh, e vendas totais de 200
TWh/ano, a receita na esfera federal (imposto de renda) poderia atingir US$3 bilhões
anuais e aquela na esfera estadual (impostos sobre consumo) US$2 bilhões anuais. O total
da receita pública, de US$5 bilhões, equivaleria a quase 1,4% do PIE o que, para uma carga
tributária total em todos os níveis do governo estimada em 22-25% do PIB, corresponderia
a 5-6% do total das receitas públicas.
Tabela 16: Serviços de Infraestrutura Básica e Receitas Governamentais em Países
da África.
Setor
Contribuição em % das receitas públicas
Potencial
Eletricidade
Telecomunicações
Estradas
Água
Situação Atual
Situação
Pequena ou Negativa
Variável mas marginal
5 – 10%
Pequena ou Negativa
5 – 10%
5 – 10%
15 - 25%
2 - 5%
Total
10 – 15 %
27-50%
Fonte: Banco Mundial
72
Impactos sociais e setoriais de um aumento tarifário
Apesar de pendas de tal magnitude serem claramente insustentáveis, a eventual
eliminação, e até mesmo diminuição, dos subsídios ao setor elétrico encontra resistências
de toda ordem. Um argumento que parece mais preocupar a sociedade refere-se aos
impactos de ordem social que adviriam de tais medidas, principalmente os impactos
potencialmente negativos para as camadas mais pobres da população.
Em principio, os efeitos de uma elevação abrupta dos preços de energia elétrica para os
consumidores de baixa renda poderiam ser amenizados com a adoção de um sistema
tarifário onde uma parcela básica dos kWh consumidos seria cobrada a um preço mais
acessível, enquanto que o restante seria cobrado ao nível dos custos marginais de longo
prazo (“block taniff’)”. 143 Como indicador dos custos relativamente baixos para a
implementação de uma política tarifária deste tipo, basta mencionar que, enquanto 48,1%
do total dos consumidores residenciais no Brasil situam-se na faixa de 0-100 kWh/mês (o
consumo de 100 kWh/mês é mais que suficiente para garantir os serviços básicos de
iluminação, geladeira, e televisor), estes consumidores são responsáveis por apenas 18,4%
do consumo residencial, ou seja, por 3,7% de toda a eletricidade consumida no país
(contudo, é preciso observar que a participação destes consumidores no total dos custos do
setor é maior, provavelmente da ordem de 5 a 8%, devido aos efeitos de deseconomias de
escala).
Também, cabe observar, que estudos do Banco Mundial mostram que a paridade de
poder de compra no Brasil é aproximadamente o dobro do que a renda per capita parece
sugerir. Baseado em dados de 1986, por exemplo, a relação da renda per capita dos E.U.A.
e do Brasil era de 10:1, enquanto que a relação da paridade de poder de compra era de
apenas 4:1,145 o que sugere que a capacidade da sociedade brasileira para absorver um
aumento nos preços residenciais pode ser maior que a geralmente imaginada.
De qualquer modo, o choque resultante do repasse do custo marginal real aos
consumidores poderia ser um preço relativamente pequeno frente as conseqüências
desastrosas de um eventual racionamento causado por falta de investimentos - além da
vantagem de, através desse repasse, ter eliminado uma grande fonte de inflação que é, hoje,
sem dúvida, a principal causa da perversa distribuição de renda no pais e o problema mais
grave para a população de baixa renda. Mais importante ainda, uma política realista de
preços nos serviços públicos seria a primeira etapa para a restauração do equilíbrio entre o
estado e o mercado, e para a criação das condições de retomada dos investimentos, única
forma de melhorar os salários e condições de vida da população mais pobre.
Principalmente, é importante lembrar que os “benefícios” dos preços baixos vara os
consumidores de baixa renda têm sido, na verdade, muito duvidosos. Além do fato dos
enormes subsídios ao setor residencial não terem beneficiado apenas os consumidores
menos privilegiados, mas, também, e principalmente, os da alta renda, há indicações de que
as políticas generalizadas de contenção tarifária, não apenas no setor elétrico mas, em quase
todos os serviços públicos, e os seus efeitos desastrosos sobre o nível dos investimentos,
podem ter causado perdas muito maiores para os trabalhadores queda do preço de mão-deobra) do que os ganhos provindos das tarifas públicas não realistas. Vale a pena, por
exemplo, lembrar que, medido em dólares constantes de 1.986, o salário mínimo no país
diminuiu de US$111 em 1.974 para US$53 em 1.986146, ou seja, enquanto que em termos
absolutos o preço médio de energia elétrica para o setor residencial caiu significativamente,
o peso das despesas de eletricidade em relação ao salário das classes menos privilegiadas
não ficou mais suportável.
144
73
Afora disso, diversos estudos econométricos sugerem que o insumo energia é um
complemento de capital e um substituto de trabalho. Ou seja, a extensão de subsídios,
especialmente para a energia consumida no setor industrial, é danosa do ponto de vista de
criação de empregos a médio prazo. Tais subsídios resultam em indústrias mais capitalintensivas, o que no caso brasileiro implica numa sub-utilização de um fator abundante de
produção (mão-de-obra) e uma sobre-utilização de um fator escasso (capital).
Outra preocupação com relação ao eventual aumento aos preços de energia elétrica ao
nível dos custos marginais, refere-se à questão dos potenciais impactos de tal medida na
indústria eletrointensiva, onde o custo de energia elétrica é da ordem de 20-30% dos custos
totais de produção, versus apenas 1,5-3% no caso da indústria de transformação em geral.
Em primeiro lugar deve-se observar que ao se desdobrar a tarifa média proposta, de
US$75/MWh, haverá uma grande diferença entre os diversos tipos de consumidores,
sendo que, como é de se esperar, o custo de atendimento de indústrias eletrointensivas é de
várias vezes inferior ao custo de atendimento de consumidores de baixa tensão (devido a
fatores tais como economias de escala e fatores de carga elevados).
O
custo de atendimento, por exemplo, de uma indústria de grande porte,
recebendo em alta tensão (e.g. 230 kV), calculado com base em investimentos de
US$1.700/kW para geração e transmissão, perdas de 3%, vida útil de 40 anos, fator de
capacidade de 90%, taxa de desconto de 15% ao ano, e custos de operação e manutenção
de US$3/MWh, é de apenas US$36,5/MWh, ou seja menos da metade do custo marginal
médio do sistema elétrico como um todo. Ademais, importa realçar que, conforme
explicado mais adiante, o aumento das tarifas ao seu nível real não deve ser feito
isoladamente, mas sim como parte de um elenco de medidas de liberalização da economia,
que visam não apenas aumentar a arrecadação das empresas de eletricidade mas, também,
diminuir os seus gastos e melhorar a eficiência econômica do sistema elétrico como um
todo. Principalmente, o aumento das tarifas deve ser acompanhado por medidas de
abertura do setor elétrico a investimentos privados, que permitem aos consumidores
industriais procurarem as suas próprias soluções, sem os impedimentos institucionais hoje
existentes no setor.
Finalmente importa lembrar que o problema dos subsídios no setor elétrico chegou a tal
ponto que a questão principal não reside mais no preço da energia ou na capacidade dos
consumidores de absorver eventuais aumentos, mas sim na própria disponibilidade de
energia e confiabilidade de seu fornecimento. Neste contexto, a elevação dos preços de
eletricidade ao nível dos custos marginais poderia resultar numa considerável diminuição da
demanda e, portanto, dos investimentos necessários para o seu atendimento, além de uma
diminuição dos riscos de racionamento. E, talvez mais importante ainda, esta diminuição
do consumo ocorreria de um modo controlável pelos próprios consumidores, ao contrário
do que aconteceria no caso de um eventual racionamento onde tanto os consumidores
ricos quanto os pobres, e tanto a indústria de base quanto a de brinquedos, ficariam sem
energia por longos períodos de tempo por força de uma determinação de terceiros, no
caso, o Governo.
Também cabe lembrar que o subsídio generalizado dos serviços públicos, não apenas no
Brasil, mas na maioria dos países da América Latina e do Terceiro Mundo em geral, tem
sido um dos principais responsáveis pela migração de populações rurais para as grandes
cidades, processo este que tem fugido do controle dos planejadores urbanos a tal ponto
que, hoje, as pressões consumistas exercidas por estas populações recém-urbanizadas
superam de longe a sua capacidade produtiva, e induzem os governos destes países a
recorrerem à inflação para atendê-las.
74
O princípio da tarifa única nacional
A remoção das distorções hoje existentes no setor elétrico brasileiro não depende
apenas da elevação da tarifa média de eletricidade para os US$75/MWh mencionados
anteriormente. Exigências de alocação eficiente de recursos, implicam, também, ser
necessário repassar aos diferentes tipos de consumidores o custo real que eles impõem ao
sistema - tanto no que se refere às diferentes classes de consumo (industrial, residencial,
comercial, etc) quanto no que diz respeito às diferentes regiões - a fim de evitar distorções
futuras.147 Mais especificamente, é preciso perceber que a tarifação com base nos custos
marginais não é importante apenas do ponto de vista microeconômico das receitas das
empresas de eletricidade mas, em primeiro lugar, para determinar os “níveis ótimos” de
consumo de eletricidade no contexto macroeconômico. Por exemplo, a teoria econômica
indica que, no caso de custos marginais maiores que os custos médios passados, o correto
seria fixar as tarifas com base nos custos marginais e tratar a questão de “lucros excessivos”
nas empresas de eletricidade via mecanismos de tributação-Igualmente, no caso de custos
marginais declinantes, eventuais deficiências financeiras nas empresas deveriam ser
resolvidas através de meios que não afetem a relação preço-demanda (tais como
pagamentos do tipo “lump-sum” pelos consumidores, aumentos nos preços daqueles
consumidores cuja elasticidade de demanda em relação ao preço é baixa, e mesmo,
transferências governamentais). Em termos práticos, no caso especifico brasileiro, tais
considerações implicam, entre outras coisas, no abandono da política de equalização
tarifária em todo o país.
Quando foi instituída a política de equalização tarifária, em 1.975, criou-se, também,
o fundo RGG (Reserva Global de Garantia), cujo objetivo foi o de distribuir recursos das
empresas com remuneração maior para aquelas com rentabilidade menor -Infelizmente, as
distorções foram tão grandes que, no ano passados muitos Estados, principalmente os mais
ricos das regiões Sul e Sudeste, recusaram-se a recolher as quantias devidas. Conforme
mostra a Tabela 17, no primeiro ano de operação do RGG as regiões Norte e Nordeste
recolheram 10% e receberam 34% do total do fundo, enquanto que as regiões Sul e
Sudeste recolheram 86% e receberam 40% do total. Em 1.986, as regiões Norte e Nordeste
recolheram 1% e receberam 73% do total e as regiões Sul e Sudeste recolheram 97% e
receberam 13% do total148 Além de constituir-se num nítido sinal de estimulo à ineficiência,
vista retrospectivamente, a instituição do RGG mostrou que seria no mínimo ingênuo
esperar controlar este tipo de fundo num pais de dimensões continentais, onde os custos
de geração e distribuição variam tão acentuadamente como no Brasil.
É também questionável se uma política de desenvolvimento regional deve estar
ancorada nos ombros do setor elétrico. Recorda-se, a propósito, que a nova Constituição,
além de transferir 30% dos recursos da União para os Estados, criou novos fundos em
favor do Norte - Nordeste, além da autorização dos Estados de cobrarem ICMS sobre
contas de energia. Assim, os Estados dispõem hoje de novos recursos para assumirem, se
assim desejarem, a equalização tarifária, via subsídios ou incentivos estaduais a suas
empresas. O valor do ICMS, da ordem de 17% da tarifa de eletricidade, seria mais que
suficiente para substituir a atual política de equalização tarifária. Caberia a cada Estado
decidir ter energia mais barata para incentivar o desenvolvimento industrial e, para isso,
bastaria cobrar o ICMS em porcentagens adequadas.
75
Tabela 17: Valores percentuais dos recolhimentos e das dotações da RGG entre as
regiões do País.
COBRADO
Ano
1974
1975
1976
1977
1978
1979
1980
1981
1982
1983
1984
1985
1986
Região
Norte
Nordeste
Sul
Sudoeste
Sudeste
Total
1
1
1
2
1
1
-
9
8
10
11
12
13
1
1
1
1
2
1
13
15
9
15
13
13
2
2
2
4
4
4
3
4
1
1
4
4
4
2
3
73
72
76
69
72
69
97
96
95
95
92
95
100
100
100
100
100
100
100
100
100
100
100
100
RECEBIDO
Ano
1974
1975
1976
1977
1978
1979
1980
1981
1982
1983
1984
1985
1986
Região
Norte
Nordeste
Sul
Sudoeste
Sudeste
Total
17
18
26
30
35
47
61
55
69
71
79
56
17
8
13
14
2
12
16
15
6
6
7
17
29
50
41
45
51
29
16
21
15
14
1
-
26
8
8
5
7
10
6
9
9
8
10
14
11
16
11
6
43
2
1
1
1
1
3
13
100
100
100
100
100
100
100
100
100
100
100
100
Fonte: CESP
76
O desprezo do lucro como fator de desenvolvimento
Mas, talvez mais danosas que as distorções financeiras decorrentes destas políticas de
equalização tarifária e de transferências regionais, foram às distorções conceituais. Convém
lembrar, por exemplo, que as principais fontes de auto-financiamento de qualquer empresa
(seja ela estatal ou privada) encontram-se nos lucros retidos e nos recursos provenientes da
depreciação. Ora, no Brasil, as empresas lucrativas de energia elétrica são forçadas a
distribuir os seus lucros (ou seja os seus recursos para investimentos futuros) para outras
empresas menos eficientes e, além disso, o seu capital sempre foi atualizado de acordo com
a variação da OTN (Obrigação do Tesouro Nacional) até por ocasião da sua extinção,
quando então foi substituído peio BTN. Como o valor da OTN não acompanhou a
inflação real, os recursos da depreciação, também, têm sido subestimados a cada ano. 149 O
ativo imobilizado em serviço do setor elétrico, que é oficialmente calculado em US$24
bilhões, com depreciação e amortização acumuladas de USS7 bilhões (sem incluir ltaipu),
150
vale realmente cerca de 3 vezes mais, pois, além de ter sido atualizado pela correção da
OTN, este valor baseia-se em custos históricos, enquanto que os custos de reposição têm
aumentado substancialmente, principalmente ao longo dos últimos anos. A anteriormente
mencionada diminuição da taxa média de retorno das empresas de eletricidade no Brasil, de
11,4% em 1.976 para 4.2% em 1986, assume dimensões realmente assustadoras quando
vista sob a ótica da desatualização tão acentuada do valor do imobilizado do setor.
Obviamente, distorções de tal magnitude são particularmente danosas para um setor
altamente capital intensivo, como o hidroelétrico. Mesmo na Itália, não exatamente um
modelo de administração eficiente da coisa pública, a empresa estatal de eletricidade, a
ENEL, tem sido permitida em várias ocasiões a corrigir os seus ativos pelo valor de
reposição. 151 É de fundamental importância que alguma coisa deste tipo seja feita no setor
elétrico brasileiro, também. Afinal de contas, em nada adianta reivindicar taxas de retorno
maiores sobre ativos corroídos pela inflação.
Nesta mesma linha de pensamento, convêm examinar, também, a utilização pelo
setor elétrico de métodos de depreciação acelerada e de outros mecanismos utilizados nos
países industrializados para incentivar a formação de capital. No Brasil, por exemplo, as
usinas hidroelétricas são depreciadas, linearmente, em 50 anos e as usinas a carvão em 25
anos. Na Alemanha Ocidental, por outro lado, as usinas a carvão são depreciadas em
apenas 14 anos. Também, na Alemanha, a política tarifária permite a atualização do capital
das empresas de eletricidade com base no seu valor de reposição (mesmo valendo apenas
para os consumidores residenciais e pequenos consumidores comerciais, e sendo limitado
àquela parcela do investimento provinda do capital próprio das empresas) e, além disso,
aceita a inclusão das obras em andamento no valor do investimento remunerável,
resultando em que as nove maiores concessionárias alemãs de serviço elétrico, responsáveis
por 70% da geração total naquele país, conseguissem financiar quase o total dos seus
investimentos desde os anos de 1.970 com recursos próprios. 152
Uma reformulação dos mecanismos contábeis do setor elétrico (reavaliação do
imobilizado, depreciação acelerada) toma-se ainda mais urgente com a promulgação da
nova Constituição, uma vez que há indicações de que o aumento da carga tributada para as
empresas de energia elétrica será de tal magnitude que poderá prejudicar ainda mais, e
fatalmente, a capacidade de poupança e investimento destas empresas. Mais
especificamente, a elevação do Imposto de Renda das empresas prestadoras de serviços
públicos, de 6% para aproximadamente 40% do lucro liquido, afetará especialmente os
investimentos em hidroeletricidade, onde a maior parcela do preso refere-se ao retomo ao
77
capital investido que, no caso de capital próprio, é um item tributável. Ou seja, o resultado
final da nova legislação tributária pode ser uma significativa queda na taxa líquida de
retorno (isto é, após os impostos) das empresas de energia elétrica, diminuindo de modo
bastante expressivo os recursos que permanecem nestas empresas. Ademais, os novos
tributos estaduais sobre o consumo, que vieram a substituir os antigos impostos federais
(Imposto Único sobre Energia Elétrica no caso do consumo residencial e comercial, e
Empréstimo Compulsório no caso ao consumo industrial), e que têm seu custo estimado
em USS1O/MWh em média, entrarão nos cofres dos Estados sem nenhum retorno para o
setor elétrico, ao contrário dos impostos federais que, teoricamente pelo menos, eram
coligados, por lei, a investimentos no próprio setor.
Ao se analisar as causas desta proliferação de subsídios no setor elétrico brasileiro,
fica claro que o descontrole financeiro foi facilitado pelo progressivo enfraquecimento
institucional da autoridade do Poder Concedente, e responsável pela fixação das tarifas, o
DNAEE. O seu poder tarifário foi-lhe retirado ilegalmente e transferido para a SEAP
(Secretaria de Abastecimento e Preços). Além disso, não dispondo de verbas mínimas para
o seu funcionamento, o DNAEE passou a trabalhar quase que exclusivamente com pessoal
cedido por terceiros, vindo de outros órgãos, ou de empresas concessionárias estaduais,
fortemente interessadas na equalização tarifária, e como resultado, perdeu a sua capacidade
de fiscalização e controle de custos e preços. É fundamental para o futuro do setor elétrico
que se estabeleça uma autoridade devidamente aparelhada (tipo Federal Power
Commission, dos E.U.A.) que, junto a comissões estaduais, passam não apenas a regular,
mas também promover as empresas de energia elétrica. Este fortalecimento e, ao mesmo
tempo, descentralização do Poder Regulatório do setor elétrico é fundamental, dado, por
um lado, a necessidade de criação de condições para uma remuneração mais adequada das
empresas de eletricidade e, por outro, o caráter de serviço público sob regime de
monopólio local que caracteriza as atividades de fornecimento de energia elétrica. A
existência de comissões estaduais de energia nos E.U.A., por exemplo, foi fundamental no
processo de acompanhamento e aperfeiçoamento das determinações da PURPA (Public
Utilities Regulatory Policies Act), legislação que regulamentou a participação de produtores
privados de energia, e na preservação da saúde financeira das empresas de eletricidade
daquele país. 153
No fundo, contudo, a eliminação dos subsídios e a recapitalização das empresas de
eletricidade passam, antes de mais nada, por uma reavaliação do conceito de lucro, muitas
vezes menosprezado no setor estatal, mas que constitui-se, em verdade, na ferramenta
principal do desenvolvimento, uma vez que é somente através de lucros e investimentos
que se viabiliza o crescimento econômico. É preciso afinal, que o governo e todos aqueles
que se colocam a favor de tarifas públicas subsidiadas, percebam que sem lucro não há
investimentos, e sem investimentos não há emprego e salários decentes. Preços reais e
retomo adequado ao capital investido constituem, sim, a única via para se ter uma inflação
baixa e provocar uma verdadeira e duradoura distribuição de renda através da elevação do
poder aquisitivo dos trabalhadores. A solução para o problema dos salários baixos não
reside em diminuir os lucros das empresas mas, simplesmente em criar estímulos para que
esses lucros sejam aplicados em investimentos, ao invés de no financiamento dos gastos do
governo.
78
4.3. Privatização e o papel do capital estrangeiro
A participação do setor privado nas obras de expansão do setor elétrico, apesar de ser
bastante oportuna não deixa de ser um tanto irônico. E oportuna porque o setor privado é
a única fonte de recursos disponível no País, que tem mantido a sua capacidade de
poupança ao longo dos anos. A Tabela 18, mostra que em meados da década de 1.970, a
poupança do setor privado atingia cerca de 16.5% do PIE, versus 7,5% do PIE no caso do
setor público (governo e empresas estatais) e cerca de 5,0% do PIE no caso do capital
externo. Em meados dos anos 80, a poupança do setor privado ainda correspondia a 16,5%
do PIE versus praticamente zero no caso do setor público e - 0,1% no caso do capital
externo (remessas de recursos).154 E é irônica, porque o mesmo processo de compressão
tarifária que no passado resultou na transferência de empresas privadas de eletricidade para
o setor público,1 55 tem agora completado o ciclo, descapitalizando as empresas estatais e
levantando a possibilidade de sua reprivatização.
Mas, apesar da completa descapitalização do setor público, a possível participação do
setor privado em obras de energia elétrica é, ainda, uma questão que tem sido objeto das
mais variadas reações. Conforme mostra a Tabela 19, se as obras previstas no Plano 2010
forem implantadas e o modelo institucional atual do setor não for modificado, a
participação da geração privada (autoprodução) no total de eletricidade produzida no país,
diminuirá de 5,3% em 1986 para apenas 1,7% no ano 2010. 156
Tabela 18: Fontes de formação bruta de capital no Brasil
Poupança em % do PIB
Ano
Setor
Privado
Empresas
estatais
Governo
Poupança
Exterior
Formação de
Capital Bruto
1974
1975
1976
1977
1978
1979
1980
1981
1982
1983
1984
15.4
18.2
16.2
15.9
15.6
12.8
14.3
15.8
15.1
14.3
16.5
3.6
4.5
2.8
3.7
3.9
2.5
1.7
-
4.5
3.7
4.3
3.9
3.7
2.2
1.2
1.0
0.3
-0.7
-
6.7
5.3
3.8
2.2
3.6
4.5
5.1
4.3
5.8
3.3
-0.1
27.8
29.6
26.7
25.1
24.4
22.3
22.5
21.3
21.2
16.9
16.4
Nota: O total das linhas diverge da formação bruta de capital devido à alteração na moeda brasileira
Fonte: Carlos A. Longo “Trends and Prospects of Savings in Brazil”.
79
Tabela 19: Geração pública e privada implícitas no Plano 2010
Ano
Geração Pública
(TWh/a)
Geração Privada
(TWh/a)
Geração Total
(TWh/a)
Participação da
Geração Privada
(% da Total)
1986
1987
1988
1989
1990
1995
200
2005
2010
175,7
185,7
201,5
217,6
233,9
321,0
420,7
539,1
668,8
9,9
10,1
10,5
10,3
10,5
10,7
11,0
11,3
11,3
185,6
195,8
211,7
227,9
244,4
331,7
431,7
550,4
680,1
5,3
5,2
4,8
4,5
4,3
3,2
2,5
2,1
1,7
Fonte: plano 2010
Em primeiro lugar, cabe observar que a participação de capitais privados na construção
da infraestrutura básica de um país não é nada novo. Nos E.U.A., por exemplo, durante o
período clássico de formação de capital, de 1.870 a 1.929, quase toda a infraestrutura básica
daquele país foi erguida pelo setor privado - o que, para alguns resultou em lucros enormes
e indevidos e, para outros, em grande acumulação de capitais garantindo a expansão
daquela infraestrutura, além de resultar em juros baixos e presos declinantes a longo prazo.
Nos países industrializados em geral inclusive naqueles que no período pós-guerra optaram
pelo modelo estatal de serviços públicos, assiste-se hoje a programas de privatização
considerados impensáveis até há poucos anos atrás, como, por exemplo, a privatização das
indústrias de petróleo de aviação, de telecomunicações, de gás, e de eletricidade na Grã
Bretanha. No mundo em desenvolvimento, após uma era prolífera de nacionalização e
estatização dos serviços públicos, as evidências incontestáveis do fracasso deste modelo de
desenvolvimento estão levando um numero crescente de países a contemplarem a
participação de capitais privados, tanto nacionais quanto estrangeiros na expansão da sua
infraestrutura básica. E mesmo nos países comunistas, as reestruturações profundas agora
em andamento podem brevemente desembocar em privatizações das indústrias dos
serviços básicos.
Na própria América Latina, uma grande parte da intraestrutura básica hoje existente
foi erguida por empresas privadas. A origem da atuação de investidores privados nos
serviços públicos do continente encontra-se no Século 19, quando capitais americanos e
europeus principalmente ingleses participavam em companhias que obtinham concessões
para operação de ferrovias, sistemas telefônicos, administração de portos, geração de
eletricidade e prestação de serviços públicos em geral. A Tabela 20 mostra, por exemplo,
que os investimentos ingleses em concessionárias públicas na América Latina no período
1865-1913 aumentaram dramaticamente, chegando em 1913 a equivaler a quase 12% do
total dos investimentos ingleses no continente. 157 Subseqüentemente, contudo, devido a
uma série de razões de ordem política (nacionalização, contenção das tarifas etc.), esta
forma de participação de capitais privados de risco foi substituída por um sistema de
empréstimos sem participação acionária direta nas concessionárias públicas.
No caso especifico da energia elétrica, há inclusive uma série de mudanças tecnológicas
80
que tendem a favorecer uma maior atuação do setor privado nas obras futuras,
principalmente naquelas de geração. A razão para isso reside no fato de que as obras de
geração, especialmente as usinas hidroelétricas de médio e pequeno porte e as novas
opções de termoeletricidade descritas anteriormente, por serem de menor escala e de rápida
implantação (e, também, pelo fato da base do consumo ter aumentado vertiginosamente o
que faz com que uma região como São Paulo precise de inúmeras usinas para ser atendida),
não necessitam de monopólios locais, sendo mais afinadas com um regime de competição
do que as obras de transmissão e distribuição, para as quais ainda prevalecem muitas das
características clássicas de um monopólio local, tais como grandes economias de escala,
ônus de duplicação de linhas, e necessidade de atendimento de todos os consumidores,
inclusive os não rentáveis. 158
Tabela 20: Investimentos britânicos nas concessionárias públicas da América
Latina no período 1865-1913 (em mil libras esterlinas)
Item/Ano
1865
1875
1885
1895
1905
1913
Canais
Eletricidade
Gás
Telégrafos e telefones
Transporte Urbano
Água
848
-
116
1.919
5.380
991
-
201
2.443
5.614
1.539
703
457
2.250
7.699
5.383
2.012
1.760
1.207
5.003
7.199
23.423
1.826
15.036
24.915
7.166
9.953
79.185
2.837
Total dos investimentos britânicos
nas concessionárias públicas(1)
848
8.406
10.500
17.801
40.235
139.092
Total dos investimentos britânicos
na América Latina(2)
80.869
174.611
246.620
552.505
688.268
1.177.462
1,05
4,8
4,3
3,2
5,8
11,8
(1) Como porcentagem do (2)
Fonte: Linda Jones et al. “Public utility Companies”
Esta tendência, da atividade de geração de eletricidade não possuir mais as características
típicas de um monopólio natural (tal como está também ocorrendo no setor de
telecomunicações), deve acentuar-se ainda mais no futuro, a nível mundial, devido, entre
outras coisas, aos revolucionários avanços tecnológicos que estão acontecendo no campo
das tecnologias de geração. A tecnologia das turbinas a gás, por exemplo, já atinge a sua
economia de escala a uma capacidade de 20 a 50 MW, versus 500-1.000 MW no caso das
usinas nucleares e a carvão, o que a torna opção ideal de investimento para grupos privados
empreendedores. Mesmo no caso das tecnologias tradicionais de geração (hidroelétricas,
usinas a carvão e usinas nucleares), as exigências cada vez mais rígidas de proteção
ambiental, têm ampliado os prazos de construção de tal modo que têm modificado o “mix”
ideal de custos de fábrica (equipamentos) e custos de campo (construção), tendendo a
favorecer uma maior participação dos primeiros, e resultando, na prática, em uma
diminuição das economias de escala (os novos conceitos de usinas nucleares, por exemplo,
contemplam unidades menores, de cerca de 300 a 350 MW, ao invés dos 1.000 MW
considerados como a capacidade ideal, anteriormente). 159
No que se refere à questão da forma de participação de capitais privados no setor
81
elétrico, tanto nacionais quanto estrangeiros, é importante reconhecer, de antemão, que
esta participação só poderá basear-se em capitais de risco, e não mais em empréstimos,
como antigamente. Isto não é uma questão ideológica e nem tampouco uma opção, mas
apenas uma realidade decorrente da incapacidade absoluta de endividamento adicional das
empresas públicas. Há assim, três alternativas básicas de privatização do setor elétrico que
merecem ser examinadas: compra de ações das concessionárias elétricas existentes;
autogeração e cogeração (geração conjunta de vapor de processo industrial e de energia
elétrica) nas grandes indústrias: e, finalmente, participação em novos projetos de geração
independente de energia sob regime de concessão, sub-contratação, leasing, ou BOI (Build,
Operate. Transfer).
Participação acionária em empresas existentes
Destas três formas de participação de capital privado, a que parece enfrentar as maiores
dificuldades é a venda de ações das empresas estatais existentes. (1) argumento contrário
mais comum é o de não ser fácil obter-se uma participação do capital privado nestas
empresas enquanto o controle acionário e, principalmente o poder de fixação das tarifas e a
nomeação dos executivos e gerentes permaneça inteiramente nas mãos do governo. Outro
argumento contrário refere-se a limitações de ordem “puramente prática”, uma vez que o
capital privado, especialmente o nacional, simplesmente não dispõe dos recursos
necessários para uma participação acionária expressiva num setor cujo patrimônio
(calculado em valores de reposição) é da ordem de US$100 bilhões. Assim, de acordo com
esta linha de pensamento, a transformação aa divida do setor elétrico em capital de risco,
apesar de ser uma opção interessante e viável teoricamente, na prática ela se constitui
apenas em uma possibilidade a médio e longo prazos.
Estes argumentos, contudo, baseiam-se em verdades parciais e, de certo modo,
procuram “inventar” impedimentos que poderiam ser contornados com apenas um
mínimo de vontade política. O simples e inegável fato é que a única saída para uma
empresa falida e sem capacidade adicional de endividamento é a abertura do seu capital e a
colocação dos seus ativos, ou parte deles, à venda, O argumento da “inexistência” de
recursos privados suficientes assume que o setor elétrico compõe-se de um patrimônio
monolítico e indivisível e esquece que há muito tempo. é o setor privado que está
sustentando os déficits do governo e das empresas estatais. O argumento de que o próprio
setor privado estaria indisposto a participar de forma minoritária nas empresas existentes
de eletricidade, poderia ser facilmente resolvido através da venda, ou troca pela dívida, não
de uma parte do capital das empresas, mas de uma ou duas de suas usinas, em operação ou
em fase avançada de construção, formando assim empresas novas, com participação
privada majoritária. A propósito, deve-se lembrar que as obras em andamento, se
terminadas a tempo, abastecerão o mercado por mais 7 ou 8 anos a baixíssimos custos
marginais de curto prazo. Assim, novas usinas dificilmente competirão com as obras em
andamento e apenas transfeririam mercados, desobedecendo à própria legislação que
aprovou o Plano 2010, reforçando o argumento a favor da privatização de obras em
andamento. E, finalmente, o argumento do alto valor patrimonial das empresas estatais de
eletricidade baseia-se numa atitude irrealista que simplesmente ignora os conceitos
modernos de avaliação do “valor” de uma empresa, que depende muito mais da sua
capacidade de geração de lucros do que do valor do seu patrimônio.
Autogeração e cogeração industrial
Uma outra forma de participação de capitais privados no setor elétrico refere-se a
82
autogeração e cogeração nas grandes e médias indústrias. O grau de aproveitamento do
potencial de autageração e cogeração no setor industrial dependerá, contudo, de uma
legislação adequada que garanta a venda da energia produzida em excesso pela indústria
autogeradora para terceiros (outras indústrias ou empresas de distribuição de eletricidade) a
preços adequados. Esta consideração é de extrema importância porque permitiria uma
otimização do sistema de autogeração ou cogeração sem as limitações impostas pelas
características de consumo de uma indústria isoladamente.
Nos EUA., por exemplo, a PURPA, votada em 1.978, obriga as concessionárias elétricas
a comprarem a energia de auto-geradores e cogeradores a um preço igual ao custo evitado
de outras alternativas de geração a elas disponíveis. 180 Este conceito, de compra da
eletricidade excedente pelo preço do custo evitado cm concessória deve ser contraposto à
proposta do setor elétrico brasileiro de comprar energia de auto-geradores com base no
preço de venda de energia elétrica, 161 contundindo conceitos de custos e preços e
transferindo as distorções dos subsídios para o processo de planejamento dos
investimentos. Ademais, a regulamentação, como nos EUA. do chamado “wheeling”,
permitiria a um auto-gerador gerar em um determinado local, insenr a energia gerada ou
parte dela, na rede de transmissão ou distribuição da concessionária local, e recebê-la em
outro lugar, através do pagamento de um “pedágio”. A regulamentação desta possibilidade
no Brasil faria com que por exemplo, um grupo industrial com diversas fábricas, pudesse
aproveitar economias de escala para geração elétrica numa única usina, ou que uma
indústria cujas características isoladas não fossem favoráveis à autogeração se juntasse com
outras empresas a fim de otimizar os custos de geração de todas.
Além da questão de compra de excedentes de energia a preços compensatórios, um
outro ponto, fundamental para a participação de auto-produtores nos investimentos
futuros do setor elétrico, refere-se à aprovação de legislação isentando os auto-produtores
(ou, pelo menos, tratando-os de modo preferencial), no caso de um eventual racionamento
de energia no sistema interligado. Com a legislação atual, não há grandes incentivos para
auto-geração, uma vez que as indústrias auto-geradoras são sujeitas às mesmas regras de
racionamento que os demais consumidores, podendo o Poder Público requerer as suas
instalações para o abastecimento do sistema em períodos de crise. A modificação desta
legislação, assegurando um tratamento diferenciado a indústrias dispostas a assumirem o
risco de investir em projetos de auto-geração, garantindo-lhes exclusividade integral ou
parcial sobre a energia por elas produzida, será um passo importante no processo de
atração de capitais privados em novos projetos de geração elétrica.
Privatização de novos investimentos: produção independente de energia
Mas, talvez a forma mais promissora e interessante (do ponto de vista dos potenciais
resultados) de um envolvimento maior de capitais privados no setor elétrico brasileiro, seja
a sua participação em novos projetos de produção independente de energia, sob regime de
concessão, sub-contratação, leasing ou locação, na forma dos assim chamados esquemas
BOT (Build, Operate, Transfer), 800 (Euild, Own. Operate), ou BLT (Build, Lease,
Transfer). A institucionalização da figura do Produtor Independente de Energia Elétrica
(PIEE) no Brasil, de personalidade jurídica privada, capaz de implantar usinas de geração
de eletricidade (hidroelétricas e termoelétricas) junto a concessionárias e, também, a
indústrias interessadas em auto-geração, através de um contrato particular de compra e
venda de eletricidade, seria um passo fundamental na realização das intenções para uma
maior participação de capitais privados no setor elétrico. Principalmente uma possibilidade
83
que poderá ter imediata repercussão no mercado de geração elétrica privada, seria a
permissão de “sub-contratação” de terceiros para implantação e operação de usinas de
geração elétrica pelos auto-produtores.
A Portaria 246. de 23 de dezembro de 1988, estabeleceu as condições de compra
pelas concessionárias de eletricidade do excedente gerado por auto-produtores. 62 Foi
concedido a todas as indústrias consumidoras de eletricidade, e somente a elas o direito de
requerer autorização junto ao DNAEE para auto-gerar eletricidade. Contudo, em muitos
casos, os investimentos em auto-geração são quase tão significativos quanto os
investimentos nos programas de expansão das próprias indústrias, de tal forma que estas
indústrias interessadas em auto-geração passariam a devotar uma parte substancial de seus
recursos e esforços numa área fora do setor normal de suas atividades. Esta questão
Shakesperiana. “to be or not te be” urna companhia energética para si própria com direito
de venda de energia excedente para a rede externa, pode ser resolvida de se colocar em lei a
permissão para que terceiros possam ser contratados para gerar eletricidade para as
indústrias interessadas em ter junto a elas um produtor cativo de eletricidade, arcando com
os custos dos investimentos e com a responsabilidade de operação e manutenção da usina.
Isto seria realizado através de um contrato particular de compra e venda de energia entre as
partes (indústria e produtor independente de energia), livres de imposições tarifárias
governamentais.
O ponto principal da questão é que, em qualquer investimento privado existirá sempre a
questão fundamental das “garantias” sobre os investimentos realizados, especialmente
quando estes investimentos envolverem financiamentos bancários. Acontece que, no Brasil,
não existem hoje condições de aceitação de garantias de pagamento contra um
compromisso (contrato) de compra e venda de eletricidade entre um produtor
independente e uma concessionária pública. Geralmente, a situação financeira das
concessionárias elétricas encontra-se em estado critico e, ademais, no caso de corte
deliberado de fornecimento contra um ato de não pagamento de faturas, a usina estada
sujeita a intervenção estatal por “interesse público”. Existem algumas exceções, como o
caso de sistemas isolados com garantias federais, mas mesmo estes estão apresentando
sérios problemas de ressarcimento das receitas contratuais. Um outro seríssimo problema
neste caso seria a própria questão tarifária que, envolvendo uma concessionária pública,
estaria sempre sujeita à intervenção governamental. Assim, pelo menos nas circunstâncias
atuais, toma-se difícil a participação do setor privado em novos empreendimentos de
geração elétrica para fornecimento exclusivo às concessionárias, mesmo com cláusulas
contratuais envolvendo tarifas realistas.
Por outro lado, a produção independente de energia elétrica contratada com uma
indústria privada interessada em auto-geração, não ofereceria as restrições existentes no
caso das concessionárias, quais sejam as restrições tarifárias durante a vida do
empreendimento e a questão da garantia de pagamentos, por quanto ambas as questões
seriam estabelecidas em contrato com força de juízo cível entre particulares. Assim, uma
abertura para a institucionalização da figura do PIEE apresenta-se como uma saída rápida e
efetiva para a privatização de novos investimentos em geração elétrica, com grande
potencial mercadológico. Inclusive, o monopólio das concessionárias de distribuição não
sofreria alteração uma vez que, na prática, não existiria diferença alguma, em termos do
mercado elétrico, se o auto-produtor gerasse por conta própria ou por contratação de
terceiros. A diferença residiria apenas numa maior dinamização da participação da iniciativa
privada na geração de eletricidade.
84
Outro passo importante no processo de privatização dos novos investimentos de
geração seria a regulamentação de projetos BOT, BQO, e BLT. De acordo com estes
esquemas de financiamento, a concessão para a exploração de um serviço público, como a
geração de energia elétrica, é dada a um grupo de investidores composto, tipicamente, de
fornecedores de equipamentos, empreiteiros, fornecedores de combustível, e outros grupos
com interesses diretos no projeto e, minoritariamente, da concessionária local, que
normalmente garante a compra da energia gerada ou temporariamente abre mão do seu
monopólio para a venda da energia a uma ou mais indústrias privadas. Este grupo constrói
e opera a planta por um determinado período, tipicamente da ordem 10 a 20 anos, após o
qual a transfere (ou não) ao governo ou à concessionária pública. A lucratividade do
projeto é assegurada através de garantias de uma taxa mínima de retomo ao capital
investido.
Apesar da experiência prática pequena deste tipo de operações em países do Terceiro
Mundo, há diversos projetos BOI em estágio avançado de negociação. 163 Na Turquia, um
consórcio liderado pela Chiyoda Corporation, do Japão, e pela Westinghouse Electric
Corporation, dos E.U.A., está propondo a construção e operação de uma usina
termoelétrica a carvão, de 1.400 MW, envolvendo investimentos da ordem de US$1,2
bilhões. 164 Outro exemplo encontra-se na recente assinatura de um acordo entre a
Hopewell Industries, de Hong Kong, e o governo Filipino, para a construção de uma usina
em Navotas para fornecer eletricidade a Manila. A usina (turbinas a gás) terá uma
capacidade instalada de 200 MW e, conforme o acordo, será construída e operada pela
Hopeweil por um período de 12 anos, após o qual ela será transferida à empresa estatal de
eletricidade, a NPC (National Power Corporation). A título de garantia, a NPC fornecerá o
terreno e o combustível (Diesel) para a operação da usina e, ademais, o projeto tem-se
qualificado para receber uma série de incentivos fiscais. 165 A Hopewell e o governo Filipino
estão negociando também a construção de uma segunda usina, esta a carvão, com
capacidade de 700 MW e custo estimado de US$700 milhões, também a ser financiada no
modo BOI. Outro exemplo deste tipo de financiamento refere-se às negociações entre o
governo do Paquistão e a empresa inglesa 1-lawker Siddeley para a construção de uma
usina termoelétrica de US$350 milhões naquele país. A própria China Comunista já
desfruta de um projeto BOI efetivamente implantado. A usina, que queima carvão, com
capacidade de 700 MW, foi construída pela Hopewell e está hoje no seu terceiro ano de
operação. O sucesso deste empreendimento tem levado a Hopewell e o governo Chinês a
abrirem negociações para a construção de mais duas usinas a carvão. 166 No total existem
hoje cerca de 80 propostas para participação de capitais privados sob esquemas BOT em
cerca de 15 países em desenvolvimento.
As agências multilaterais e os bancos comerciais de financiamento estão começando
a criar mecanismos para apoiar financeiramente a implantação de projetos do tipo BOT. O
ECGD (Export Credits Guarantee Department), do Reino Unido, por exemplo, anunciou
em 1.988 suas novas diretrizes de financiamento, de acordo com as quais, além do
tradicional risco político, o Departamento está agora disposto a cobrir até 60% do risco
comercial da parcela do projeto envolvendo equipamentos e serviços ingleses, sujeito a
investidores privados participando com 40% do risco comercial e um banco participando
com pelo menos 10% do risco. O Eximbank do Japão, por sua vez, recentemente formou
um Grupo de Financiamento de Projetos, cujo objetivo principal é avaliar e participar de
projetos privados para o desenvolvimento da infraestrutura básica. E, talvez mais
significativamente ainda, o Banco Mundial está organizando um Fundo Privado de
85
Desenvolvimento Energético no Paquistão, que seria autorizado a financiar até 30% do
custo total de projetos privados de geração. 167 É de fundamental importância que o Brasil
estude meios de aproveitamento destas novas alternativas de financiamento, deixando de
lado questões ideológicas e evitando que a busca de capitais privados, tão necessários para a
retomada do desenvolvimento, esbarre na empedernecida cultura estatal instalada no país.
Principalmente, é fundamental a aprovação de legislação adequada que regulamente a
participação do setor privado em novos projetos de energia elétrica, com as devidas
garantias. Somente a existência de tal legislação, baseada em leis aprovadas pelo próprio
Congresso Nacional (ao invés de em portarias do DNAEE), forneceria aos potenciais
investidores a indicação da existência real de consenso político sobre a participação de
capitais privados em áreas da economia que envolve a prestação de serviços públicos.
4.4. Eficiência energética e abertura econômica
Os avanços tecnológicos ocorridos nos países industrializados colocam à disposição do
mercado mundial um “estoque” formidável de tecnologias, que aliadas à disponibilidade de
novos combustíveis no piano interno, poderiam mudar dramaticamente tanto o perfil do
consumo energético brasileiro nos anos 1990, quanto o perfil do suprimento de energia. Ao
mesmo tempo, no piano político-institucional surge a necessidade para uma série de
mudanças estruturais no setor energético, com políticas realistas de preços, eliminação de
subsídios que a sociedade não esteia capaz ou disposta a custear, e maior participação de
capitais privados em áreas que, tradicionalmente, têm sido reservadas ao Estado. Contudo,
a grande questão que emerge no contexto energético brasileiro é: Como estes benefícios
potenciais poderão ser realizados efetivamente e usufruídos pela sociedade brasileira? A
tese que surge das conclusões obtidas ao decorrer deste trabalho é que o aumento da
eficiência energética poderá ser melhor realizada no Brasil com a maior liberalização e
abertura da economia brasileira e sua conseqüente integração com a economia mundial,
com todos o benefícios decorrentes do aproveitamento das tecnologias de alta eficiência
hoje existentes no mundo e dos fluxos de capitais internacionais.
Omercado como meio de alocação eficiente de recursos
A nível mundial, a racionalização dos meios de produção e de utilização de energia foi
amplamente estimulada como decorrência das duas crises de petróleo ocorridas na década
passada (1973/74 e 1979/80). Este episódio da cartelização dos preços do petróleo
mostrou, uma vez mais, que o controle artificial das forças do mercado não pode durar
indefinitivamente. Estas atuam constantemente, enquanto os artificialismos econômicos
têm vida curta. Como decorrência da crise energética, as forças do mercado agiram na
forma de mudanças tecnológicas sobre os meios de produção e usos finais de energia,
aumentando significativamente a eficiência termodinâmica dos equipamentos e
possibilitando a exploração de recursos antes considerados inviáveis. Bastou aumentar os
preços, que novos meios tecnológicos e fontes de suprimento foram criados, tendendo a
reduzir a demanda e diversificar a oferta, recolocando o preço dos combustíveis no
patamar do seu verdadeiro custo de oportunidade. A produção da OPEP (Organização dos
Países Exportadores de Petróleo), por exemplo, diminuiu de 31 milhões de barris por dia
em 1973 para 19,6 milhões de barris por dia em 1988.168 Esse processo de flexibilização
dos preços é uma característica fundamental do próprio universo econômico nas
economias de mercado, que sempre buscam o equilíbrio ótimo entre a oferta e a procura.
Mas talvez o exemplo mais efetivo do poder do mercado de se adaptar às novas
86
circunstâncias energéticas é dado pelo fato que nos países membros da OECD
(Organization for Economic Cooperation and Development), o consumo energético total
(energia primária) entre 1973 e 1986, cresceu em apenas 6,6% (de 3.328 milhões de tep em
1973 para 3.546 milhões de tep em 1986), enquanto o conjunto do produto interno bruto
(PIB) desses países, medido em dólares constantes de 1985, cresceu em 38,1% no mesmo
período (de US$6.099 bilhões em 1973 para US$8.425 bilhões em 1986). No caso dos
Estados Unidos, o crescimento no consumo de energia ficou praticamente inalterado
(aumentou de 1.767 milhões de tep em 1973 para 1.799 milhões de tep em 1986, ou seja,
um aumento de apenas 1,8%) enquanto o PIE, medido em dólares de 1985, expandiu-se
em 36,7% (de US$2.989 bilhões em 1973 para US$4.086 bilhões em 1986). 169
Contudo, por outro lado, é importante assinalar que o mesmo grau de sucesso não foi
alcançado nos países em desenvolvimento, em geral, e também, nos países de economia
planejada de modo centralizado (países comunistas). Nestes, o consumo de energia em
relação ao PIE, em sua grande maioria, cresceu ao invés de diminuir. No caso da União
Soviética, por exemplo, o consumo energético entre 1975 e 1985 aumentou em 35,6% (de
951 milhões de tep em 1975 para 1.289 milhões de tep em 1985), enquanto o seu PIB,
medido neste caso em dólares constantes de 1984, cresceu somente 25.1% no período (de
US$1.702 bilhões em 1975 para US$2.129 bilhões em i985). 170 Em particular, e interessante
observar as curvas de crescimento do PIE e do consumo elétrico no Brasil e no Japão,
mostradas nas Figuras 24a-b.171 O PIB japonês cresceu à semelhança do consumo elétrico
brasileiro, enquanto o PIE brasileiro cresceu de modo similar ao crescimento do consumo
elétrico japonês. E desnecessário dizer que o PIB japonês apresentou um dos maiores
aumentos dentre todos os países da OECD.
Segundo diversos estudos, em geral, a intensidade elétrica dos países em
desenvolvimento tem apresentado um contínuo crescimento 30 longo do tempo. 172 A
evolução da intensidade energética como um todo (energia primária total) tem sido
igualmente desanimadora. De 1975 a 1985 a intensidade energética da Índia aumentou
6,8%, do México 33,0%, da Nigéria 186,4%, da Argentina 25,5%, da Indonésia 35,6%, do
Paquistão 15,9%, da Iugoslávia 13,7%, e da Venezuela 23,2%. Por outro lado, alguns países
em desenvolvimento têm apresentado melhores desempenhos energéticos: entre 1975 e
1985 a intensidade energética do Hong Kong diminuiu 24,6%; a intensidade energética do
Chile diminuiu 11,2%; e a intensidade energética da Coréia do Sul aumentou apenas 6,4%,
apesar do fenomenal crescimento da indústria de base ocorrido naquele país.173 Estes dados
empíricos mundiais sobre a experiência em racionalização dos usos de energia mostram
que, mantidos os outros fatores econômicos constantes, os países de economia mais aberta,
geralmente, apresentam superiores desempenhos energéticos do que os países de economia
mais fechada.
Esta observação não envolve nenhuma “grande descoberta” e nem tampouco poderia
ser classificada de “original”. Ela apenas reforça a principal tese do presente trabalho, qual
seja, que o setor energético nada mais é que uma simples atividade econômica, e como tal
ele é sujeito às mesmas regras e limitações que se aplicam para o restante da economia.
Neste sentido, a referência a uma economia mais aberta’ deve ser vista dentro do mais
amplo contexto possível, não apenas do ponto de vista do comércio externo, mas, também,
no que diz respeito à alocação otimizada de recursos através do mecanismo de preços (ao
invés de através do planejamento centralizado) e, principalmente, no que se refere ao
aumento da eficiência e diminuição dos custos através da competição, tanto por meio de
87
uma maior liberação das importações, quanto pela eliminação dos monopólios e cartéis no
plano interno.
Assim, a possibilidade de aumento da base térmica do parque gerador brasileiro,
mencionada anteriormente, não pode e nem deve depender de novos ‘programas’, ‘planos’,
ou mesmo “imposições” governamentais. Será, sim, uma conseqüência natural da
eliminação dos subsídios e monopólios, da abertura da economia para novas fontes e
tecnologias de energia, e da participação maior de capitais privados nas obras do setor
elétrico. Igualmente. a conservação de eletricidade não envolve nenhum esforço de caráter
místico, dependente da fé espartana da população; de longe a principal maneira para se
atingir o nível economicamente ótimo de consumo de energia é a liberação das forças do
mercado, cuja intensidade é diretamente proporcional ao preço de eletricidade. Apesar de
medidas como campanhas de conservação, projetos de PD&D (Pesquisa,
Desenvolvimento e Demonstração), e outros programas que visam “informar” o
consumidor serem importantes, não deve ser esquecido que o principal meio de persuasão
e conscientização da população é sempre através da conta de luz.
Aliás, neste sentido, cabe observar que uma das principais razões do relativo
insucesso aos programas de conservação nos países em desenvolvimento pode ser
encontrada na tendência generalizada de adoção dos mesmos modelos adotados nos países
industrializados. Define-se como “modelo dos paises industrializados” uma política de
conservação desenhada essencialmente para as condições peculiares do mercado e da
economia prevalecentes na Europa, E.U.A. e Japão, isto e, baseada na realização de
programas e projetos de pesquisa e desenvolvimento da tecnologia de usos finais de
energia, visando diminuir o consumo especifico dos equipamentos e utensílios; na
realização de auditorias energéticas em indústrias, residências e prédios comerciais, para
diagnosticar os desperdícios e apontar soluções para racionalizar os usos finais de energia;
na realização de campanhas de conscientização da população e de fornecimento de
informações técnicas sobre conservação; e na concessão de incentivos fiscais e monetários
temporários para os consumidores e produtores de energia para romper a inércia inicial dos
processos de mudança. Nos países industrializados, onde os preços de energia encontramse em patamares realistas e as instituições operam sem os grandes entraves encontrados nos
países em desenvolvimento, estas medidas tradicionais de estímulo à conservação têm-se
mostrado suficientes para a obtenção de bons resultados.
Contudo, na maioria dos países do Terceiro Mundo, assim como nos países de
economia planejada de modo centralizado, as medidas acima mencionadas são periféricas e
não foram suficientes para desencadear o processo de melhoria da eficiência energética. É
no cerne desta questão básica de insucesso que deve ser procurada a resposta para o
desenho de um modelo de política de conservação de energia para os países em
desenvolvimento em geral, e o Brasil em particular. As causas do insucesso podem ser
encontradas nas “fraquezas” inerentes às economias intervencionistas e dirigistas que, no
caso brasileiro, são decorrentes principalmente de tarifas irrealmente baixas e corroídas pela
inflação; reservas de mercado para importação de equipamentos, processos, materiais e
serviços; total predomínio dos recursos e dos esforços voltados para o aumento da oferta
de energia e quase nada para a administração da demanda; e problemas institucionais
referentes a legislações para conservação, normatização industrial, centralização decisória,
equalização tarifária etc. Um modelo brasileiro mais efetivo de conservação de eletricidade
deveria, portanto, atacar frontalmente estas questões fundamentais. O PROCEL (Programa
Nacional de Conservação de Energia Elétrica) merece ser fortalecido e ter seu escopo
88
ampliado para tratar destas questões, cujas soluções encontram-se mais dentro do
arcabouço econômico brasileiro do que dentro do próprio setor elétrico.
Pré-requisitas e implicações de urna abertura econômica
Em termos práticos, a “abertura” da economia brasileira passa. em primeiro lugar, por
uma política realista de preços. A experiência acumulada em escala mundial indica
claramente que o preço de energia é, de fato, o principal instrumento para a indução da
eficiência energética. 174 No Brasil, onde a tarifa elétrica decresceu vertiginosamente desde
1975, o incentivo ao desperdício tem sido o principal sinal que o Governo Federal tem
fornecido ao mercado consumidor. A Figura 25a mostra um exemplo claro desta política
de desperdício no setor residencial onde o consumo unitário médio de eletricidade tem
crescido quase na mesma proporção que o declínio do seu preço. Por outro lado, no setor
petrolífero brasileiro, o resultado tem sido o inverso. Os preços dos derivados de petróleo,
principalmente o da gasolina, tem refletido (pelo menos ate recentemente) as tendências
internacionais do setor. O resultado desta política é mostrado na Figura 25b, onde pode ser
visto que o consumo médio da gasolina e álcool por unidade de automóvel ativo na praça
tem decrescido no tempo.175 Um aumento ainda maior da eficiência energética do
automóvel brasileiro não tem sido realizado provavelmente devido a natureza fechada da
economia neste setor, em particular.
Obviamente, o objetivo principal de uma política tarifária realista não deve ser a
diminuição do consumo de energia em si (afinal de contas o setor elétrico constitui uma
atividade produtiva que contribui para a produção de riqueza), mas sim a otimização do
processo de alocação de recursos (isto é, dos níveis de oferta e demanda) que só poderá ser
feita através de preços realistas. Ao mesmo tempo, é importante assinalar uma questão
coligada, de extrema importância, isto é, que um aumento da tarifa elétrica, realizado
isoladamente, significaria colocar sobre os ombros dos consumidores toda a carga das
ineficiências acumuladas ao longo dos anos no setor elétrico, o que resultaria no
acirramento ainda maior das atuais distorções. Assim, uma elevação real dos preços de
energia deverá, necessariamente, ser acompanhada de um elenco integrado de medidas que
conduza simultaneamente a um aumento da eficiência energética. Em outras palavras, não
basta agir apenas do lado da oferta de capital. E também necessário agir do lado da
demanda. Só assim a economia brasileira atingiria um novo patamar de maior eficiência e
competitividade.
Uma destas medidas no lado da demanda, já mencionada, é a privatização. Isto significa
que um aumento da tarifa elétrica não deve impulsionar o setor público a voltar querer
resolver, ele sozinho, a questão do suprimento elétrico, uma vez que a problemática de
recursos esteja resolvida. Aliás, muitas das propostas atuais do setor elétrico estatal a
respeito da participação do setor privado, tais como participação minoritária nas obras em
andamento, compra de ações na condição de sócio minoritário, e pré-compra de energia, 176
parecem conceber a participação do setor privado como uma espécie de ‘mal necessário’,
de duração temporária, até que os atuais problemas financeiros do setor estatal sejam
resolvidos. A questão fundamental, contudo, reside na busca do setor privado não apenas
como fonte de recursos, mas sim como fonte de eficiência econômica. O setor privado tem
embutido nele um mecanismo próprio de sobrevivência: ou alcança o sucesso, ou morre, o
que o toma em geral mais eficiente que o setor publico. Para este, a realidade mundial tem
indicado que: ou se alcança o sucesso ou se vira uma empresa parasita da sociedade.
Uma outra frente de medidas, fundamental para o aumento da eficiência do setor
89
elétrico, refere-se a criação de condições para uma maior competição entre fornecedores e
fontes de energia, através de uma maior abertura da economia brasileira à competição
internacional. Esta abertura deve incluir fluxos comerciais (equipamentos materiais, processos
tecnológicos, serviços e combustíveis) e fluxos financeiros (capitais estrangeiros de risco).
Uma maior abertura da economia deverá reduzir os custos dos equipamentos e dos
serviços de engenharia e construção para o setor elétrico, tanto através da maior
competição, quanto através da introdução de novas técnicas e novas tecnologias. De um
modo geral, os preços dos equipamentos nacionais são da ordem de 20 a 40% mais caros
que os preços de equipamentos equivalentes internacionais,177 e as grandes obras públicas
no setor de engenharia civil custam 50% acima dos preços internacionais. 178 Muitas destas
distorções nos custos são resultantes de taxas de câmbio irrealistas, custos financeiros
decorrentes de atrasos nos pagamentos das empresas estatais, e de outras distorções
estruturais na economia, que se solidificaram ao longo das últimas três décadas e que, hoje,
com o acúmulo da modernização industrial alcançada pelo Brasil, não mais se justificam.
Os subsídios governamentais à indústria nacional, traduzidos em exagerado protecionismo
e reservas de mercado, têm certamente, também provocado graves feridas na eficiência
produtivos.
É claro que a questão de uma maior abertura do mercado interno aos fornecedores
internacionais pode ser uma faca de dois gumes se feita sem os devidos cuidados, além de
tocar na alma da economia política brasileira de pós-guerra, cuja palavra de ordem foi a
“substituição das importações”. Mas, no mesmo modo que o aumento das tarifas deve ser
feito como parte de um elenco integrado de medidas, a maior abertura do mercado interno
à competição internacional também não pode ser feita isoladamente, tendo-se em conta
que ela não é uma solução em si, e nem tampouco uma panacéia. Mas, sobretudo, ela deve
tornar-se uma das conseqüências naturais de mudanças que visam reestabelecer o respeito
às leis de mercado, e o maior engajamento da economia brasileira na economia mundial.
Este sim deve ser o foco da questão. Uma abertura isolada e momentânea do mercado
interno poderia provocar nada menos que o colapso do parque produtivo nacional de bens
de capital.
A preocupação principal reside no fato que, com a crise que aflige a economia nacional,
o mercado interno pode tomar-se insuficiente para permitir a sobrevivência da indústria
nacional, frente à concorrência livre de fornecedores externos quer em muitos casos, vêm
armados com todos os tipos de financiamentos na forma de “soft-loans”, e livres de
problemas tais como atrasos nos pagamentos e câmbio defasado, uma vez que o
pagamento seria feito em moeda forte. Assim, entre outras coisas (por exemplo, liberação
do câmbio), o ignitor do processo de abertura da economia brasileira deve ser o
crescimento da demanda interna, não num sentido “anti-exportação’, mas no sentido de
maiores investimentos que, por sua vez, só poderão ser de capital real não inflacionário,
cuja formação, fatalmente, desemboca, mais uma vez, na questão tarifária e na questão da
abertura dos investimentos públicos ao setor privado. Além disso, a abertura das
importações não pode ser “pontual”, isto é, a importação não deve ser liberalizada
setorialmente, mas sim, deve compreender toda, ou quase toda a corrente do sistema
produtivo. Ou seja, à indústria nacional de bens de capital deve ser dada a prerrogativa de
importar qualquer material e. talvez mais importante ainda, qualquer tecnologia, de
qualquer parte do mundo, a fim de otimizar os seus custos e competir igualitariamente
neste mesmo mercado mundial.
Isto posto, deve também ser ressaltado que o processo de uma abertura maior da
90
economia brasileira não pode ser prorrogado por muito tempo, a fim de poder enfrentar
uma série de desafios que estão surgindo no contexto mundial e que, mais cedo ou mais
tarde, terão de ser respondidos. Deve-se, principalmente, perguntar como a indústria
nacional sobreviverá num mundo de cada vez maior centralização tecnológica. A Brown
Boveri e a Asea, por exemplo, dois gigantes da indústria elétrica de bens de capital,
formaram um novo conglomerado que está absorvendo empresas de equipamentos
elétricos na Itália e Alemanha. A General Electric está reestruturando as suas operações a
nível mundial e diversos outros gigantes da indústria elétrica estão afiando as facas para
formarem maiores conglomerados transnacionais para fazer frente aos concorrentes.
Ignorar os desafios, encastelando-se em reservas de mercado e cercando-se de barreiras
tarifárias, certamente não resolverá o problema. E chegada a hora do modelo de
substituição de importações sofrer as necessárias correções de curso que todo modelo
econômico deve sofrer para acompanhar o fluxo da história. O novo modelo poderia ser o
da busca da eficiência econômica, com condicionantes políticos e econômicos modernos.
91
CONSIDERAÇÕES FINAIS E CONCLUSÕES
O modelo estatizante e centralizador que prevaleceu nas últimas quatro décadas para o
setor elétrico brasileiro cumpriu o seu papel e esgotou-se. Aumentou a oferta de
eletricidade em mais de 15 vezes e proporcionou os meios para o cumprimento de mais
uma etapa do desenvolvimento nacional, a etapa da industrialização. Contudo, como todo
modelo de economia política, o modelo estatizante e centralizador envelheceu e hoje é
povoado de distorções. Encontra-se maduro para esfacelar-se.
As empresas de energia elétrica no Brasil encontram-se descapitalizadas e incapazes de
expandir a produção de energia para satisfazer a crescente demanda, artificialmente
estimulada por tarifas baixas. Os déficits nestas empresas e em outras empresas de serviços
públicos intensificam a inflação crônica obrigando o governo a imprimir moeda para
mantê-las em operação. Ao abrir mão, a partir de 1975, de uma estrutura de preços ias mais
altas do mundo, o governo quebrou o principal mecanismo de formação de capital. e viu-se
obrigado a recorrer, primeiro, a empréstimos externos e internos, e, depois, à inflação. Ao
mesmo tempo tem-se criado um desestimulo natural ao controle de custos, uma vez que a
tanta, que é a fonte principal de receitas, vem sendo fixada na mesa como carta de baralho
em manga de mágico.
Mas o feitiço está virando contra o feiticeiro. A supressão da tarifa, manipulada tão
obstinadamente como instrumento de combate à inflação, mostrou-se, em verdade, uma
grande fonte de inflação, e ameaça hoje de colapso o sistema de abastecimento elétrico do
país. A grande questão que desafiará os responsáveis pela formulação da política energética
e econômica brasileira nesta década focalizar-se-á na busca de um novo modelo que
permita não apenas a acumulação dos capitais necessários para a expansão da infraestrutura
elétrica (e de outros serviços básicos), mas que garanta também a utilização destes recursos
de modo eficiente.
No âmbito interno, o setor elétrico, apesar dos problemas aparentemente gigantescos
que enfrenta, não carece de condições básicas para sair da crise. O setor desfruta tanto de
fontes primárias relativamente abundantes e diversificadas para geração, quanto de um
mercado enorme e consumo ainda represado. E no âmbito externo, existe disponível no
mercado mundial uma grande quantidade de novas tecnologias de produção e utilização de
energia que poderiam aumentar drasticamente a eficiência global da economia brasileira.
Apesar disso, o aproveitamento destas oportunidades tem ocorrido em proporção muito
menor do que nos países industrializados e, certamente, menor também que o desejável,
principalmente nas circunstâncias econômicas em que se encontra o país desde 1.980.
A solução para esta questão econômico-energética passa necessariamente por um
rearranjo estrutural da economia brasileira, de privatização, abertura e integração com a
economia mundial. Por um lado, deve-se tratar de incentivar a formação de capital,
definindo e garantindo, rápida e claramente, o papei futuro e forma de participação das três
fontes não inflacionárias de recursos para o setor elétrico: capital próprio, capital privado
nacional e capital estrangeiro. Por outro lado, é essencial a adoção de medidas para
aumentar a produtividade do capital investido através do aproveitamento de novas
tecnologias e novos combustíveis hoje disponíveis, permitindo uma maior abertura na
importação de equipamentos1 combustíveis e serviços, privatizando e submetendo o setor
aos métodos e critérios de gestão da iniciativa privada. Isto implica, fatalmente, na
colocação dos preços e tarifas de energia nos seus patamares reais. Uma política sensata de
preços que respeite as regras básicas do mercado - principalmente aquela de que a receita
92
das empresas de eletricidade deve superar os seus gastos (desde de que sejam racionais e
eficientes), além de permitir lucros para garantir a expansão fritura - é uma necessidade
primordial para um setor onde a maturação dos investimentos pode levar de 20 a 50 anos.
Por sua vez, este aumento nos preços deverá impulsionar a adoção de tecnologias de maior
eficiência energética e incentivar a participação de capitais privados e estrangeiros no setor.
As tecnologias e os capitais seriam totalmente acessíveis dentro de um regime econômico
aberto e de integração com a economia mundial.
Entretanto, importa realçar que um aumento unilateral da tarifa de energia elétrica,
realizada isoladamente, significaria transferir para os consumidores todas as ineficiências
hoje existentes no setor elétrico, que resultaria em distorções ainda maiores na economia.
O aumento das tarifas só pode ser feito acompanhado de um elenco integrado de medidas
que conduzam ao aumento da eficiência energética. Esta questão, de uma ação
“orquestrada”, não “pontual”, envolvendo o conjunto dos agentes básicos do sistema
econômico, é tão fundamental quanto a questão de “choque” versus “gradualismo” na
implementação das medidas. A opinião dos autores, baseada nos dados e resultados deste
trabalho, é que as distorções do sistema econômico-energético têm chegado a tais níveis
que não há mais espaço para tratamentos pontualistas ou gradualistas. Assim, a maior
abertura da economia passa primeiro pela recuperação da capacidade de investimentos do
setor, que desemboca na questão tarifária. E, por sua vez, o aumento dos preços passa pela
maior abertura e liberalização da economia, para que os consumidores tenham a opção de
procurar as suas próprias soluções de geração, talvez mais baratas que as do sistema estatal.
A economia política do setor elétrico, sendo uma peça coadjuvante do sistema econômico,
não pode prescindir da realização de uma profunda cirurgia no sistema econômico como
um todo. E todas as soluções apontadas nos capítulos anteriores devem compor um
conjunto de medidas, cujo centro de gravidade deve residir na economia de mercado.
Se encontrar as causas e as soluções para a crise é simplesmente uma questão de
investigação correta e honesta, e isto não é impossível de se realizar, por que então não se
aplicam as soluções? Esta é a questão fundamental. E a resposta1 talvez se encontre no
início destas conclusões: o sistema, agora cheio de contradições e distorções esgotou-se em
si e deverá ser substituído. Das lições apreendidas deve nascer um novo modelo, mais
flexível e mais sensível às forças do mercado, onde o Estado e o Mercado talvez venham a
se somar em beneficio de ambos, onde o prêmio maior pertencerá à competência e
eficiência econômica, e onde o apelo da soberania nacional não cerceie o combate à
miséria.
93
NOTAS
94
21
“Road Deterioration in Devoloping Countries”, The World Bank, Washington, D.C., maio de 1988.
“Nossas Estradas Estão Morrendo”, Veja. Reportagem Especial, São Paulo, 19 de abril de 1989.
3
Instituto Fernand Braudel de Economia Mundial, “World Trends in Capital Formation”,Documento Interno, São Paulo, 1988.
4
Veja, “O Brasil Parado”, Reportagem Especial, São Paulo, 2 de agosto de 1989.
5
Kyu Sik Lee e Alex Anas, “Manufacturers” Responses to Infrastructure Deficiencies in Nigeria”, Banco Mundial, Washington D.C.,
julho de 1989.
2
6
Enrique lglesias, Presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento - BID, “Perspectivas do Brasil no Próximo Governo”,
Apresentação ao Forum Nacional, Rio de Janeiro, janeiro de 1990.
7
Banco Muncial, “Two Development Tracks?”, Washington D.C., fevereiro de 1989.
8
Os dados para o período 1960-1988 foram obtidos do FMI, “International Financial Statistics: Supplement on Price Statistics Series
No 12”, Washington D.C., 1986. Os dados para o ano de 1989 foram obrtidos de anúncios oficiais no Brasil e na Argentina,
e de estimativas preliminares da OCDE, FMI e ONU.
9
Dados obtidos da ABDIB - Associação Brasileira de Desenvolvimento da Indústria de Base, São Paulo, janeiro de 1990.
10
Flávio Augusto de Castro Nolasco, “O Modelo Brasileiro de Desenvolvimento”, Monografia para a conclusão do curso de
Economia da FEA, USP, São Paulo, 1988.
11
Christopher Flavin, “Electricity for a Developing World: New Directions”, Worldwatch Paper 70, Washington D.C., junho de
1986.
12
Organização das Nações Unidas, “1984 Energy Statistics Yearbook”, Nova lorque, 1986.
13
John H. Gibbons, Peter D. Blair e Holly L. Gwin, “Strategies for Energy Use”, Scientific American, Nova Iorque, setembro
de 1989.
14
H.K. Schneider e W. Schulz, “Investment Requirernents of the World Energy Industries: 1980-2000”, World Energy Conference,
Londres. setembro de 1987.
15
U.S. Agency for International Development, “Power Shortages in Developing Countries: Magnitude, Impacts, Solutions, and the Role
of the Priva te Sector”, A Report to Congress, Washington D.C., março de 1988.
16
Banco Mundial, “Toward Sustained Development in Sub-Saharan Africa”, Washington D.C.,1984.
17
Kyu Sik Lee e Alex Anas, “Manufacturers” Responses to Infrastructure Deficiencies in Nigeria”, Banco Mundial, Washington D.C.,
julho de 1989.
18
Banco Mundial, “Peru: Policies to Stop Hyperinflation and Initiate Economic Recovery”,Washington D.C., dezembro de
1988.
19
Banco Mundial, “Argentina: Economic Recovery and Growth”, Washington D.C., maio de 1987.
20
Dados obtidos das portarias de fixação de preços do DNAEE e dos anúncios oficiais de inflação do IBGE.
21
ELETROBRÁS “Plano Nacional de Energia Elétrica 1987/2010: Relatório Geral”, Ministério das Minas e Energia, Rio de
Janeiro, 1988.
22
Os preços apresentados referem-se à data de publicação das portarias do DNAEE. Os valores em cruzados (ou cruzeiros)
foram transformados em dólares correntes através da taxa média do câmbio no ano em referência e depois corrigidos para
dólares constantes de 1986 através do deflator do PIB dos EUA. Os valores originais das tarifas em moeda nacional foram
obtidos do DNAEE, e as taxas de câmbio e o deflator do PIB americano, do FMI, “International Financial Statistics Yearbook
1988”.
23
Ministério das Minas e Energia, “Balanço Energético Nacional 1987”, Brasília, 1987.
24
O programa EGTD (Energia Garantida por Tempo Determinado), encerrado em 1987, envolveu a venda de energia
hidroelétrica secundária excedente, a preços extremamente baixos, para fins eletrotérmicos (principalmente para geração de
vapor e aquecimento industrial) por tempo pré determinado, visando a substituição de óleos combustíveis no setor
industrial.
25
Estes percentuais são baseados no “Balanço Energético Nacional 1987”, do MME, que adotou um coeficiente de equivalência
entre energia térmica e energia elétrica igual a 0,29 TEP/MWh. Para o poder calorífico superior do “petróleo médio”
brasileiro, de 10.800 kcal/kg, este coeficiente equivale a 3.132 kcal/kWh, ou seja, a uma eficiência de conversão de energia
térmica para eletricidade igual a 27,5%.
26
Agência Internacional de Energia, “Energy Policies and Programmes in IEA Countries: 1988 Review”, OCDE, Paris,
1989.
27
Dados coletados de diversas edições da Conjuntura Econômica, Rio de Janeiro, 1980-1986.
28
ELETROBRÁS “Plano Nacional de Energia Elétrica 1987/2010: Relatório Geral”, Ministério das Minas e Energia, Rio de
Janeiro, 1988.
29
Idem.
30
Idem.
3
1
Dados obtidos da Secretaria do Tesouro Nacional, Brasília, julho de 1989.
32
Paulo Procopiak de Aguiar, Diretor Financeiro da ELETROBRÁS, Apresentação ao IX Seminário de Produção e
Transmissão de Energia Elétrical, Rio de Janeiro, 1987.
33
José Maurício Moura, “Revisão do Modelo Institucional do Setor Elétrico: Preços”, CESP, São Paulo, abril de 1988; e
FMI, “International Financial Statistics Yearbook 1988”, Washington D.C., 1988.
3
4
Banco Mundial, “Sub-Saharan Africa: from Crisis lo Sustainable Growth”, Washington D.C., 1989.
35
Os dados primários das tarifas nominais foram obtidos do DETA (Departamento de Tarifas) da ELETROBRÁS. As
tarifas efetivamente recebidas foram calculadas através da subtração das perdas resultantes do prazo de 40 dias entre a data
de publicação das tarifas nominais e a data de efetivo recebimento do pagamento no caixa das concessionárias, com base na
inflação média mensal de cada ano do período em consideração. A diferença entre a receita que teria sido arrecadada se a
tarifa de 1975 tivesse prevalecido ao longo dos anos e a receita efetivamente arrecadada, foi corrigida para dólares constantes
de 1988 através da taxa média do câmbio do ano em consideração e do deflator do PIB dos EUA, obtidos do FMI,
“International Financial Statistics Yearbook 1988”, Washington D.C., 1988.
36
ELETROBRÁS, “Perspectivas do Setor Elétrico e da Participação da Iniciativa Privada”. Rio de Janeiro, janeiro de 1990.
37
Marco Antonio Amaral Sureck, “Processo de Planejamento da Geração de Energia Elétrica no Brasil”, Florianópolis,
maio de 1989.
38
Todos os dados apresentados aqui sobre o andamento das obras refletem a situação em outubro de 1989 e foram obtidos
através de contatos com as empresas responsáveis pelas obras e a ELETROBRÁS.
39
ELETROBRÁS, “Perspectivas do Setor Elétrico e da Participação da Iniciativa Privada”, Rio de Janeiro, janeiro de 1990.
40
Os dados para o período 1980-1987 foram obtidos do MME, “Balanço Energético Nacional 1988”, Brasília, 1988. Os dados
para os anos de 1988 e 1989 foram obtidos da ELETROBRÁS e refletem estimativas preliminares.
41
O “Plano Nacional de Energia Elétrica 1987/2010: Relatório Geral”, elaborado em 1986, previu um consumo total para o ano
de 1988 igual a 211,7 TWh, sendo que 201,5 TWh seriam fornecidos pelas concessionárias públicas e as restantes por autoprodutores. O consumo real registrado, contudo, foi de 190,8 TWh no caso das concessionãrias e 10,2 TWh no caso dos
auto-produtores, resultando num consumo total igual a 201 TWh, valor este cerca de 5% inferior ao previsto.
42
ELETROBRÁS, “Relatório de Viagem a Buenos Aires”, Rio de Janeiro, março de 1989.
43
Agência Internacional de Energia, “Electricity in IEA Countries: Issues and Outlook’, OCDE, Paris, 1985.
44
NCAER, “lmpacts of Power Shortages in Agriculture and Industry”, 1985.
45
EBASCO/AEPES/ITECO, “The Financial and Economic lmpact of Power Interruption and Load Shedding in lhe
Industrial Sector in Pakistan”, 1987.
46
Oak Ridge National Laboratory, “The Impact of Inadequate Electricity Supply in Developing Countries”, 1988.
47
Fundo Monetário Internacional, “International Financial Statistics Yearbook 1988”, Washington D.C., 1988.
48
Fundo Monetário Internacional, “International Financial Statistics Yearbook 1988”, Washington D.C., 1988.
49
Dennis Anderson, “Infrastructure Pricing Policies and the Public Revenue in African Countries”, Banco Mundial,
Washington D.C., 1987.
50
Comunicação pessoal com o Superintendente da SEGBA, Buenos Aires, setembro de 1989.
51
A participação de energia termoelétrica na Argentina é de cerca de 52% do total (dos quais 11% são de origem nuclear)
em comparação com apenas cerca de 6% do total no caso do Brasil. Ademais, o sistema hidroelétrico argentino não dispõe
da mesma capacidade plurianual de armazenamento do sistema brasileiro. Assim, uma combinação desastrosa de falta de
manutenção no parque termoelétrico e de falta de chuvas no parque hidroelétrico, resultou numa das piores crises de
racionamento elétrico já conhecidas.
52
Informação fornecida por João Camilo Penna, ex-Presidente da FURNAS, São Paulo, janeiro de 1990.
53
SIESE - Sistema de Informações Empresariais do Setor de Energia Elétrica, “Boletim Trimestral: Síntese 1989”,
ELETROBRÁS, Rio de Janeiro, 1990; e USAID, “Power Shortages in Developing Countries: Magnitude, Impacts, Solutions and the
Role of lhe Private Sector”, A Report to Congress, Washington D.C., março de 1988.
54
Ministério das Minas e Energia, “Balanço Energético Nacional 1987”, Brasília, 1987.
55
Instituto Fernand Braudel de Economia Mundial, “Research on the World Economy: A Prospectus”, São Paulo, 1988.
56
Para uma explicação detalhada dos princípios básicos da taxa de desconto ver, por exemplo, Lawrence J. Gitman,
“Prínciples of Managerial Finance”, 3rd edition, Harper & Row Publishers mc., 1987; ou A.A. Groppelli e Ehsan Nikbakht,
“Finance”, Barron’s Business Review Series, 1986. Para uma aplicação desses conceitos para o caso específico de avaliação de
projetos energéticos ver, por exemplo, Doan L. Phung, “Cost Com parison of Energy Projects: Discounted Cash Flow and Revenue
Requirement Methods”, Energy, Vol. 5, Londres, 1980.
57
CANAMBRA Engineering Consultants Limited, “Power Study of South Central Brazil: Summary” Rio de Janeiro, dezembro de
1966.
58
Frederico Magalhães, Chefe do Departamento de Planejamento da ELETROBRÁS, Palestra proferida no “Forum
Nacional: A Redução de Investimentos e a Ameaça de Colapso nos Setores Básicos da Economia”, AJOESP, São Paulo, 6 de dezembro
de 1989.
59
Pela legislação atual o preço máximo que as empresas de eletricidade são permitidas a oferecer para comprar excedentes de
eletricidade gerada por indústrias auto-produtoras é limitado ao custo marginal do sistema, que é, por sua vez, calculado
com base numa taxa de desconto de 10% ao ano.
60
Fundo Monetário Internacional, “International Financial Statistics Yearbook 1988”, Washington D.C., 1988.
61
Fundo Monetário Internacional, “Annual Report 1987”, Washington D.C., 1989.
62
The Economist, “The 10% Solution”, Londres, 9 de julho de 1988.
63
Business Week, “lndustry Outlook 1990s: New Boys Shake Up the Power Grid”, Nova Iorque, 8 de janeiro de 1990.
64
The Economist, “Whatever Happened lo Saving?”, Londres, 3 de fevereiro de 1990.
José Goldemberg, Thomas B. Johansson, Amulya K.N. Reddy, Robert H. Williams, “Energy for a Sustainable World”, World
Resources Institute, Washington D.C., 1987.
66
Frederico Magalhães, Chefe do Departamento de Planejamento da ELETROBRÁS, Palestra proferida no “Forum
Nacional: A Redução de Investimentos e a Ameaça de Colapso nos Setores Básicos da Economia”, AJOESP, São Paulo, 6 de dezembro
de 1989.
67
Estado de São Paulo, “BIRD Cobra o Dobro de Juros do Brasil”, São Paulo, 8 de março de 1989.
68
Luis Theodoro Appel Mauer e João Luiz Becker, “O Plano 2010 e o Custo de Capital”, São Paulo Energia, São Paulo, janeiro
de 1989.
69
Informação fornecida por João Camilo Penna, ex-Presidente da FURNAS, São Paulo, janeiro de 1996.
70
Conforme mostrado mais adiante, o custo marginal de expansão do sistema hidroelétrico
brasileiro (incluindo-se os investimentos de geração, transmissão e distribuição, os custos de operação e manutenção e
levando em consideração todas as perdas até o ponto final de consumo),calculado com base numa taxa de desconto de 15%
ao ano, é de US$ 75/MWh. A adoção de uma taxa de 10% ao ano, por outro lado, resultaria num custo marginal de US$
54/MWh.
71
O fator de recuperação de capital, FRC, é definido por FRC = d/{(1+d)N), onde d = taxa de desconto e N = vida útil do
projeto. A multiplicação do fator de recuperação de capital pelo investimento determina o custo nivelizado anual de capital.
72
Em verdade, as vantagens da geração termoelétrica a gás podem ser ainda maiores devido à maior flexibilidade de
operação das usinas a gás, que podem operar tanto em regime de ponta ou semi-ponta, quanto de base, chegando a atingir
fatores de capacidade da ordem de 85-90%.
73
ELETROBRÁS, “Relatório Anual 1987”, Rio de Janeiro, 1988.
74
Energy Information Administration, “International Energy Annual 1986”, U.S. Department of Energy, Washington D.C.,
outubro de 1987
75
Idem.
76
ELETROBRÁS “Plano Nacional de Energia Elétrica 1987/2010: Relatório Geral”, Ministério das Minas e Energia, Rio de
Janeiro, 1988.
77
Ministério das Minas e Energia, “Balanço Energético Nacional 1987”, Brasília, 1987.
78
Mais da metade do potencial hidroelétrico ainda não aproveitado encontra-se na região amazônica, e mais de um terço da
capacidade elétrica prevista nos planos oficiais de expansão para os próximos 10-12 anos provirá da construção de 14 usinas
hidroelétricas na Amazônia, somando uma capacidade de 16.655 MW.
79
Para uma apresentação excelente do modo de operação e critérios de planejamento do sistema elétrico brasileiro ver
Marco Antônio Amaral Sureck “Processo de Planejamento da Geração de Energia Elétrica no Brasil”, Florianópolis, maio de 1989.
80
Ministério das Minas e Energia, “Balanço Energético Nacional 1987”, Brasília, 1987.
81
The Economist, “The Price of Oil: Déjà vu, Again”, 13 de janeiro de 1990.
82
Eric D. Larson, Joan M. Ogden, Robert H. Williams, “Steam-Injected Gas-Turbine Cogeneration for the Cane Sugar Industry”,
Center for Energy and Environmental Studies, Princeton University, Princeton, 1987.
83
COPERSUCAR, “Proálcool: Fundamentos e Perspectivas”, São Paulo, 1989.
84
David A. Tillman, Amadeo J. Rossi, William D. Kitto, “Wood Combustion”, Academic Press Inc., Londres, 1981.
85
Estas estimativas são de técnicos da COPERSUCAR. Diversos estudos, contudo, indicam que as necessidades de vapor
de processo nas usinas e destiladas poderiam diminuir ainda mais dramaticamente. Por exemplo, J.L.Oliveira, J.D.Neto e
J.F.P.de Miranda, em “Energy Optimization and Electricity Production in Sugar Mills and Alcohol Distilleries”, São Paulo, outubro de
1989, estimam que a demanda de vapor de uma destilaria autônoma, que é hoje de cerca de 466 kg/tc, poderia, com a
adoção de diversas medidas de conservação, diminuir para apenas 258 kg/tc.
86
COPERSUCAR, “Agroindústria Canavieira: Um Perfil”, São Paulo, 1989.
87
O bagaço “in-natura”, com 50% de umidade, poderia, submetido a um processo de secagem natural, atingir níveis de
umidade de 20-30%. A queima de bagaço com níveis mais baixos de umidade permitida mais estável, e as eficiências
atingidas nas caldeiras seriam maiores.
88
Ministério das Minas e Energia, “Balanço Energético Nacional 1987”, Brasília, 1987.
89
O fator de conversão de calorias para BEP foi obtido do relatório da British Petroleum “BP Statistical Review of World
Energy”, Londres, 1986.
90
Mais fácil no sentido da tecnologia de turbinas a vapor ser disponível comercialmente e completamente dominada,
inclusive no Brasil.
91
Assumindo-se a queima de bagaço pré-secado para 20-30% de umidade que permitiria atingir eficiências da ordem de 7580% nas caldeiras. No caso de queima de bagaço com 50% de umidade a eficiência das caldeiras seria menor, da ordem de
65-70%, e a eficiência de conversão elétrica diminuiria, de 15% para cerca de 13%.
92
SIESE - Sistema de Informações Empresariais do Setor de Energia Elétrica, “Boletim Trimestral: Síntese 1989”,
ELETROBRÁS, Rio de Janeiro, 1990.
93
O custo de instalação de unidades termoelétricas a vapor com capacidades na faixa de 25-30 MW seria da ordem de US$
1.5001kW; de 10-15 MW, da ordem de US$ 2.000/kW; e de 3-6MW da ordem de US$ 3.0001kW. Ver, por exemplo, Eric D.
Larson, Joan M. Ogden, Robert H. Williams, “ Steam-Injected Gas-Turbine Cogeneration for lhe Cane Sugar Industry”, Center for
Energy and Environmental Studies, Princeton University, Princeton, 1987; e David A. Tillman, Amadeo J. Rossi, William D.
Kitto, ‘Wood Combustion”, Academic Press Inc., Londres, 1981.
94
Luis Otávio Comes Koblitz, “Geração de Energia Elétrica no Setor Sucro-Alcooleiro”, Mundo Elétrico, São Paulo, março de
1988.
95
Joan M. Ogden, Robert H. Williams, Mark E. Fulmer, “Cogeneration Applications of Biomass Gasfier/Gas Turbine Technologies in
65
the Cane Sugar and Alcohol Industries”, Center for Energy and Environmental Studies, Princeton University, Princeton, 1990.
96
O custo de instalação de sistemas BIG/STIG estão estimados em US$ 1.000/kW para unidades de 50 MW, US$
1.2(10/kw para unidades da ordem de 20 MW e US$ 1.700/kW para unidades de 5 MW. Ver, por exemplo, Joan M. Ogden,
Robert H. Williams, Mark E. Fulmer, “Cogeneration Applications of Biomass Gasfier/Gas Turbine Technologies in the Cane Sugar and
Alcohol Industries”, Center for Energy and Environmental Studies, Princeton University, Princeton, 1990.
97
O custo real da produção de álcool, segundo a COPERSUCAR, “Proálcool: Fundamentos e Perspectivas”, São Paulo, 1989,
situa-se na faixa de US$ 0,22/litro que, para a produção de 1988/89, de 12.746 milhões de litros, implica num custo total de
cerca de US$ 2,8 bilhões.
98
Segundo o Ministério das Minas e Energia, “Balanço Energético Nacional 1987”, Brasília, 1987, entre 1973 e 1987,o preço do
CLI’ diminuiu 94% em termos reais e o preço do diesel aumentou 6%. O preço da gasolina, por outro lado, aumentou
120%.
99
Ao contrário de usinas termoelétricas queimando biomassa, onde considerações de manuseio do combustível limitariam o
tamanho máximo para 50-60 MW que, por sua vez, limitaria as possibilidades para obtenção de altas eficiências
(regeneração, pré-aquecimento, e assim por diante), as usinas a RASF ou RESVAC (tal como as usinas a óleo combustível
ou a carvão) podem facilmente atingir tamanhos superiores a 500 MW, e eficiências da ordem de 35% (para pressões de
vapor de 16,5 MPa).
100
PETROBRÁS, Diretoria Industrial, Rio de Janeiro, 1986.
101
De acordo com Ruben Carter, Vice-Superintendente de Operação, Applied Energy Services, Houston, o custo direto de
instalação de uma usina de coque de 135MW é da ordem de US$ 1.100-1.200/kW instalado, que, junto com os juros durante
a construção, resultaria em US$ 1.400/kW, aproximadamente. Comunicação Pessoal, novembro de 1986.
102
The Oil and Gas Journal, “Worldwide Oil and Gas at a Glance”, Tulsa, edições de dezembro de 1973 a dezembro de 1987.
103
Energy Information Administration, “International Energy Annual 1986”, U.S. Department of Energy, Washington,
Outubro de 1987.
104
Afsaneh Mashayekhi, “Marginal Cost of Natural Gas in Developing Countries: Concepts and Applications”, Banco Mundial,
Washington D.C., agosto de 1983
105
De acordo com Rotty, R.M., “Atmospheric C02 Consequences of Burning Fossil Fuels”, trabalho publicado em Karidoglu D.K.,
Arnold Perlmutter, e Linda Scott, eds., “Nuclear Energy and Alternatives”, Ballinger, Cambridge, 1978, o carvão, óleo e gás
natural emitem na atmosfera uma média de 25,4 kg, 20,0 kg e 14,4 kg de carbono por milhão de BTU queimados,
respectivamente.
106
Segundo a Ruhrgas, “1988 Annual Report”, Essen, 1989, as exportações mundiais de gás natural durante 1987 atingiram
215 milhões de TEP, equivalentes a cerca de 13% da produção mundial.
107
Energy Information Administration, “International Energy Annual 7986”, U.S. Department of Energy, Washington D.C.,
outubro de 1987.
108
Comissão Nacional de Energia, “Plano Nacional de Gás”, Sub-Grupo de Referências Básicas, Brasília, março de 1989.
109
Robert H. Williams e Eric D. Larson, “Expanding Roles for Gas Turbines in Power Generation”, trabalho publicado em
“Electricity: Efficient End-Use and New Generation Technologies and Their Planning and Implications”, Lund University Press, Lund,
1989.
110
General Electric, “Marine and Industrial Engines and Service Division Overview: Aeroderivative Gas Turbines and Associated Services”,
Evendale, 1989.
111
Robert H. Williams, “Biomass Gasifier/Gas Turbine Power and Greenhouse Warming”, Center for Energy and Environmental
Studies, Princeton University, Princeton, 1989.
112
As mais modernas turbinas a gás atingem temperaturas de entrada de 1.260 graus Centígrados e eficiências, no ciclo
simples, de 34,5%. Ver, por exemplo, Modern Power Systems, “Frame 7F Field Tests lo Prove Shop Performance”, Londres,
janeiro de 1990.
113
Williams, R.H., Larson, E.D., “Aeroderivative Turbines for Stationary Power”, Annual Review of Energy 13, 1988.
114
Modern Power Systems, “Futtsu - The First 1000 MW”, Londres, julho de 1987.
115
Siemens - KWU, “TEK Ambarli Combined Cycle Power Plant”, Erlangen, fevereiro de 1988.
116
Andrew F. Bromley, “Fundamentals of Fuel Treatment: Gas Turbines”, Petrolite, Houston, 1987.
117
Comunicação pessoal com Giacomo Vento, Gerente de Vendas, Petrolite, Bad Homburg, setembro de 1989
118
Joan M. Ogden, Robert H. Williams, Mark E. Fulmer, “Cogeneration Applications of Biomass Gasifier/Gas Turbine Technologies in
the Cane Sugar and Alcohol Industries”, Center for Energy and Environmental Studies, Princeton University, Princeton, 1990.
119
Robert H. Williams e Eric D. Larson, “Expanding Roles for Gas Turbines in Power Generation”, trabalho em “Electricity: Efficient
End-Use and New Generation Technologies and Their Planning and Implications”, Lund University Press, Lund, 1989.
120
De acordo com Debra Adelstein, “Pay-as-You-Grow Power Plants”, A.G.A. Monthly, Chicago, outubro de 1986, a
capacidade instalada de usinas de ciclo combinado em 1986 já era de 17.000 MW.
121
Dwain Spencer, Vice-Presidente, EPRI (Electric Power Research Institute), Diretor da Divisão de Sistemas Avançados de
Geração, mencionado por R. H. Willianis, em “Aeroderivative Turbines for Power”, palestra proferida na COMGÁS, São Paulo,
5 de setembro de 1988.
122
Para uma explicação dos princípios básicos da combustão em leito fluidizado ver, por exemplo, J. T. Tang e F. Egstrom,
“Technical Assessment of lhe Ahlstrom Pyroflow Circula ting and Conventional Bubbling Fluidized Bed Combustion Systems”, Pyropower
Corporation, Los Angeles, 1986.
123
Ahlstrom, “Ahlstrom Pyroflow: Reference List” , Varkaus, 1989.
124
Dale R. Simbeck e Stanley A. Vejtasa, “Status of Technology and Markets for Atmospheric Fluidized Bed Combustion”, apresentado
à Décima Conferência Internacional de Combustão em Leito Fluidizado, San Francisco, maio de 1989.
H.P. Schlachter e E.H. Schaad, “Reliable Diesel Power Generation With Heavy Fuel Oils”, Sulzer, fevereiro de 1987.
A temperatura dos gases de exaustão das turbinas a gás, da ordem de 450-500 graus Centígrados, permite o seu
aproveitamento numa caldeira de recuperação para geração de vapor e o subsequente acionamento de uma turbina a vapor,
sem queima adicional de combustível.
127
Normalmente, nos ciclos combinados, a capacidade das turbinas a gás em relação às turbinas a vapor é de 2:1 (2 MW de
ciclo de gás para cada MW de ciclo de vapor). No caso de Piratininga, contudo, apenas parte do ciclo de vapor poderia ser
aproveitado, resultando no aumento de sua capacidade para 1100MW. A operação desta potência em regime de base, com
eficiência de 43%, fator de carga de 85%, e com gás natural com poder calorífico inferior de 8.970 kcal/Nm3, necessitaria
de 5,0 milhões de Nm3/dia de gás.
128
Dados do Lawrence Berkeley Laboratory, publicados no Economist, “Money lo Burn”, Londres, 6 de janeiro de 1990.
129
Agência Internacional de Energia, “Electricity End-Use Efficiency”, OCDE, Paris, 1989.
130
Para uma estimativa do potencial de conservação de energia através da utilização de equipamentos de uso final mais
eficientes no Brasil ver Howard S. Geller, José Goldemberg, José Roberto Moreira, Roberto Hukai, Cláudio Scaipinella e
Mamiro Yoshizawa, “Electricity Conservation in Brazil: Potential and Progress”, Energy, Vol. 13, Londres, 1988.
131
Diomedes Christodoulou e Francisco Correa, “Cogeração Industrial com Gás Natural”, Eletricidade Moderna, São Paulo,
junho de 1986.
132
Herman Kahn, “The Coming Boom”, The Hudson lnstitute, Simon & Schuster mc., Nova Iorque, 1982.
133
No caso de um sistema que já se encontra desenvolvido, esta distinção entre custos marginais e custos médios torna-se
menos importante, sendo a questão principal um nível de retorno ao capital suficiente para a formação de recursos próprios
(lucros) e o levantamento de financiamentos nos mercados de capitais. Por outro lado, é importante lembrar sempre, que a
importância do mecanismo de preços não reside apenas na garantia da saúde financeira das empresas, mas, principalmente,
na sinalização correta ao mercado consumidor para a determinação dos níveis ótimos de consumo de um determinado bem
ou serviço.
134
Os dados primários dos investimentos, expressos originalmente em cruzados (ou cruzeiros), foram somados anualmente
desde o início de construção até o ano de 1986. Estas somas anuais foram transformadas em dólares através da taxa média
do câmbio do ano em questão e, subsequentemente, foram corrigidas para valores constantes de 1986 através do deflator do
PIB americano. O investimento direto mostrado foi obtido somando-se todos os investimentos anuais desde o ano de início
das obras até o ano de entrada da última máquina em operação. Em alguns casos excepcionais (caso das usinas de Barra
Bonita, Paraibuna e Água Vermelha) foram também incluídos investimentos de 1 ou 2 anos posteriores da entrada da última
máquina, por serem dispêndios de porte que não poderiam ser considerados como despesas de manutenção. Nos demais
casos, os investimentos posteriores da entrada da última máquina (até o ano de 1986) não foram incluídos no custo total por
serem considerados como despesas de manutenção.
135
Em verdade, a metodologia adotada para o cálculo dos custos financeiros durante a construção, com a aplicação de juros
de 10% ao ano para todas as usinas, subestimou os custos das usinas de Água Vermelha e Nova Avanhandava, por ignorar a
alta dos juros ocorrida no início dos anos 1980. Ademais, a metodologia adotada não levou em consideração os benefícios
provindos da venda de energia entre o período de instalação das primeiras e últimas máquinas.
136
ELETROBRÁS “Plano Nacional de Energia Elétrica 1987/2010: Relatório Geral”, Ministério das Minas e Energia, Rio de
Janeiro, 1988.
137
Idem.
138
Idem.
139
É importante destacar que os custos aqui assumidos para obras futuras de geração, transmissão e distribuição são bem
menores que os custos de obras recentes do setor elétrico. O investimento médio adotado para as obras futuras de geração,
por exemplo, de US$ 1.400/kW, é cerca de 65% menor que o custo médio das usinas da CESP concluídas durante a década
de 1970 que, conforme já foi mencionado, foi de US$ 2.294/kW. Contudo, ao longo desse trabalho foram também feitas
diversas referências a custos de termoelétricas com base em dados de países industrializados. Assim, por ser impróprio fazer
comparações de custos de hidroelétricas brasileiras com termoelétricas alhures e, ademais, por utilizar os custos unitários de
investimento das hidroelétricas para calcular o custo marginal de expansão dos sistemas que, por sua vez, determina o nível
das tarifas, optou-se por adotar um custo “otimizado” para as hidroelétricas brasileiras, baseado em condições de uma
economia aberta e eficiente.
140
O ICMS substituiu o Imposto Único sobre Energia Elétrica e o Empréstimo Compulsório, que também eram somados à
tarifa elétrica.
141
Agência Internacional de Energia, “Energy Prices and Taxes: First Quarter 1989”, OCDE, Paris, 1989.
142
Dennis Anderson, “lnfrastructure Pricing Policies and the Public Revenue in African Countries”, Banco Mundial, Washington D.C.,
1987.
143
No caso da tarifação de todos os consumidores com base em critérios de custos marginais, um consumidor residencial
com consumo mensal de 100 kWh teria de pagar cerca de US$ 10-15/mês (equivalente a unia tarifa de US$ 100-150/MWh).
144
ELETROBRÁS “Plano Nacional de Energia Elétrica 1987/2010: Relatório Geral”, Ministério das Minas e Energia, Rio de
Janeiro, 1988.
145
Banco Mundial, “World Development Report 1987”, Washington D.C., 1987.
146
Dados obtidos de diversas edições da Conjuntura Econômica, Rio de Janeiro.
147
Para uma explicação abrangente e ao mesmo tempo detalhada dos princípios e conceitos da metodologia de custos
marginais ver Yves Albouy, “Guidelines for Marginal Cost Analysis of Power Systems”, Banco Mundial, Washington D.C., junho de
1984.
125
126
José Maurício Moura, “Revisão do Modelo Institucional do Setor Elétrico: Preços”, CESP, São Paulo, abril de 1988.
Segundo dados de atualização de ativos da SUMA ECONÔMICA, Rio de Janeiro, novembro de 1988, entre janeiro de
1970 e janeiro de 1987 a valorização da OTN foi de 2.512 vezes, versus 8.444 vezes no caso do IGP.
150
ELETROBRÁS “Plano Nacional de Energia Elétrica 1987/2010: Relatório Geral”, Ministério das Minas e Energia. Rio de
Janeiro, 1988.
151
Agência Internacional de Energia, “Electricity in IEA Countries: Issues and Outlook”, OCDE, Paris, 1985.
152
Idem.
153
Donald Vial, “Independent Power Generation and Electricity Market Structure: A CaliforniaRegulators Perspective”, California Public
Utilities Comission, Trabalho apresentado no Seminário de Geração Privada de Eletricidade via BOT, Manila, outubro de
1988.
154
Carlos A. Longo, “Trends and Prospects for Savings in Brazil”, Trabalho publicado em “External Debt, Savings and Growth in
L.atin America”, Instituto Torquato di Tella, Buenos Aires, 1987.
155
Linda Jones, Charles Jones, Robert Greenhill, “Public Utility Companies” em
156
ELETROBRÁS “Plano Nacional de Energia Elétrica 1987/2020: Relatório Geral”, Ministério das Minas e Energia, Rio de
Janeiro, 1988.
157
Linda Jones, Charles Jones, Robert Greenhill, “Public Utility Companies”, Trabalho publicado em “Business Imperialism 18401930: An Inquiry Based on British Experience in Latin America”, editado por D. C. M. Platt, Oxford, 1977.
158
Esta observação não significa que o setor privado não poderia participar de obras de transmissão e distribuição também,
mas apenas que, do ponto de vista econômico, seria mais “justificável” a aprovação de legislação para privatização das obras
de geração elétrica.
159
Por outro lado, deve ser reconhecido, também, que no Brasil, o capital privado dificilmente participaria dos grandes
projetos de geração hidroelétrica (especialmente daqueles que superam os 1000 MW) que, pelos seus enormes investimentos
e longos prazos de construção, implicariam em riscos inaceitáveis para a iniciativa privada. As últimas previsões para a usina
de Itaipu, por exemplo, de 12.600 MW, apontam um custo total (custos diretos mais custos financeiros durante a
construção) da ordem de US$22 bilhões. Mesmo assim, contudo, o custo da eletricidade gerada será aceitável.
160
U. S. Congress, “Public Utility Regulatory Policy Ad”, Washington D.C., 1978.
161
A atual legislação brasileira permite o pagamento do custo marginal regional, mas, na prática, as empresas de distribuição
oferecem o preço pago às fornecedoras federais, que é altamente subsidiado.
162
DNAEE, “Manual do Auto-Produtor”, Brasília, 1989.
163
Para uma explicação dos conceitos básicos dos esquemas BOT, ver Ernest Y. Lam, “The BuildOperate-Transfer Concept”,
Trabalho apresentado no Seminário de Geração Privada de Eletricidade via BOT, Manila, outubro de 1988.
164
European Energy Report, “Westinghouse and Chiyoda Chosen for Turkey’s BOT Plant”, Financial Times Business Information,
Londres, 12 de agosto de 1988.
165
Williams Dykes, “Opportunities in Private Electric Power Generation and Energy Conservation in Developing Countries: Financing
Private Power Projects”, Citibank - Citicorp, Washington D.C., julho de 1989.
166
South, “Money to BOOT’, Londres, fevereiro de 1989.
167
Informações obtidas da Mitsubishi Trading, São Paulo, janeiro de 1990.
168
Paul Tempest, “The Security of Oil Conflicts and New Thinking in OPEC and the Gulf’, Shell, São Paulo, 1989.
169
Agência Internacional de Energia, “Energy Balances of EOCD Countries 2986/87”, OCDE, Paris, 1989.
170
R. H. Williams, “Decoupling Energy and Economic Growth in the Soviet Union”, Center for Energy and Environmental Studies,
Princeton University, Princeton, outubro de 1983.
171
Dados obtidos do Banco Mundial, “World Tables 1987”, Washington D.C., 1988 e da Agência Internacional de Energia,
“Energy Balances of OECD Countries 2986/1987”, OCDE, Paris 1989; “Energy Statistics 1970/1985”, OCDE, Paris 1987; e
“World Energy Statistics and Balances 1971-1987”, OCDE, Paris, 1989.
172
Stephen Meyers e Jayant Sathaye, “Electricity Use in the Developing Countries: Changes Since 1970”, Energy, Vol. 14, Londres,
1989.
173
Os dados sobre consumo energético foram obtidos da Agência Internacional de Energia, ‘World Energy Statistics and
Balances 1971-1987”, OCDE, Paris, 1989. Os dados sobre atividade econômica foram obtidos do FML, “International
Financial Statistics Yearbook 2987”, Washington D.C., 1988.
174
Agência Internacional de Energia, “Electricity End-Use Efficiency”, OCDE, Paris, 1989.
175
Os dados primários foram obtidos do MME, “Balanço Energético Nacional”, Brasília 1988, e da ANFAVEA, “Relatório Anual
1988”, São Paulo, 1988. O Balanço Energético Nacional fornece diretamente os preços e consumo residencial per capita de
energia elétrica, ano a ano. O Relatório Anual da ANFAVEA permite extrair a frota circulante, ano a ano, assumindo-se
uma taxa de 5% de retirada dos veículos circulantes no ano anterior. Finalmente, o Balanço Energético Nacional fornece
diretamente o volume de combustíveis vendidos para uso automotivo (transporte).
176
A proposta de “pré-compra” de energia envolve o pagamento antecipado do consumo de uma indústria por um certo
número de anos, ao preço atual, para financiar as obras em andamento das concessionárias. A “vantagem” seria que as
indústrias teriam garantido o seu fornecimento por um determinado período, pagando apenas ao nível dos preços atuais, ao
mesmo tempo em que as concessionárias elétricas captariam recursos para continuação das suas obras. É difícil, contudo,
ver como este processo pode ser classificado de “privatização”.
177
José Tavares de Araújo Jr., Lia Hagenauer e João Bosco M. Machado, “Proteção Competitividade e Desempenho Exportador da
Economia Brasileira nos Anos 80”, IEI/UFRJ, julho de 1989.
178
Adriano Murgel Branco, ex-Secretário de Transportes do Estado de São Paulo, “Privatização das Estatais”, artigo no Estado
de São Paulo, 10 de março de 1990.
148
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