John Krizanc acto ii

Transcrição

John Krizanc acto ii
John Krizanc
acto ii
não resistir nem a uma ideia nova nem a um vinho velho
t de LempicKa (acto ii)
John Krizanc
tradução
carLos carvaLheiro
revisão de regina redinha e de cláudia Gomes
tradução das personagens de expressão francesa de Jean pierre taillade
revisão de Fernando rodrigues e de raquel Baião
edição 2010
Fatias de cá
apartado 140 • 2304-909 tomar • portugal
tlm 960 303 991 • [email protected] • www.fatiasdeca.net
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
índice
7
acto ii
secção J
8
J 49 • sala de Jantar • dante, Finzi
dante e Finzi introduzem o público no segundo dia.
11
J 50 • corredor • Finzi
Finzi interroga uma espectadora.
secção K
12
K 51 • Quarto de mario • dante, emiLia, Finzi, mario
mario abre o jogo a dante.
18
K 52 • escritório de Finzi • de spiGa, Finzi
de spiga trava Finzi e sabe por mussolini quem é mario.
22
K 53 • Quarto de d'annunzio • aéLis, d’annunzio
aélis convence d'annunzio a ver carlotta dançar.
28
K 54 • salão • carLotta, Luisa, tamara
Luisa e carlotta discutem sobre estrangeiros.
secção L
35
L 55 • Quarto de mario • Finzi , mario
Finzi interroga mario.
40
L 56 • cozinha • dante, emiLia
emilia faz a barba a dante e falam da vida deles.
49
L 57 • salão • aéLis, carLotta, d’annunzio, de spiGa, Finzi, Luisa, mario, tamara
carlotta dança.
secção m
54
m 58 • átrio • d’annunzio, tamara
tamara rejeita d'annunzio.
57
m 59 • corredor • tamara
tamara autojustifica-se.
secção n
58
n 60 • sala de Jantar • d’annunzio
d'annunzio auto-enfurece-se.
59
n 61 • salão • aéLis, carLotta, dante, de spiGa, emiLia, Finzi, Luisa, mario, tamara
Luisa obriga Finzi a assumir-se judeu perante carlotta.
62
n 61a • salão • dante, emiLia, mario
emilia confronta mario sobre inglaterra.
3
4
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
64
n 61B • salão • Finzi, Luisa
Finzi propõe a Luisa partirem juntos para roma.
65
n 61c • salão • de spiGa, tamara
tamara conversa sobre uma ida a nice.
67
n 62 • átrio • aéLis, d’annunzio
d'annunzio queixa-se a aélis de tamara.
secção o
70
o63•salão•aéLis,carLotta,d’annunzio,dante,despiGa,emiLia,Finzi,Luisa,mario,tamara
d'annunzio oferece uma rosa a carlotta.
72
o 64 • átrio • de spiGa, emiLia, Finzi, Luisa, mario, tamara
partida para o almoço.
75
o 65 • salão • d’annunzio, dante
d'annunzio faz perguntas a dante sobre mario.
77
o 66 • átrio • aéLis, carLotta, emiLia
carlota diz a aélis que se quer ir embora.
79
o 67 • átrio • emiLia, mario
mario fica com o recado que tamara deu a emilia.
secção p
80
p 68 • salão • d’annunzio, mario
mario convida d'annunzio a ir para inglaterra.
90
p 69 • átrio • emiLia, Finzi
Finzi manda emilia revistar o quarto de mario.
94
p 70 • Quarto de d'annunzio e corredor • dante
dante descobre que falta a pistola no quarto de d'annunzio.
97
p 71 • corredor • dante, Finzi
Finzi e dante falam dos judeus.
99
p 72 • Quarto de mario • emiLia
emilia revista o quarto de mario e descobre a pistola de d'annunzio.
101
p 73 • Quarto de mario • emiLia, Finzi
Finzi descobre uma caixa com dinheiro no quarto de mario.
103
p 74 • escritório de Finzi • Finzi
Finzi telefona para confirmar a origem do dinheiro.
104
p 75 • Quarto de mario • dante, emiLia
dante convence emilia a devolver-lhe a pistola de d'annunzio.
107
p 76 • corredor • d’annunzio, Finzi, mario
Finzi lê o recado de tamara para d'annunzio.
secção Q
109
Q 77 • átrio • aéLis, d’annunzio, dante, de spiGa, carLotta, Finzi, Luisa, tamara
regresso do almoço.
112
Q 78 • salão • de spiGa, Finzi, Luisa
de spiga e Finzi acompanham Luisa que está ferida.
119
Q 79 • Quarto de carlotta • carLotta
carlotta reza a santa catarina.
120
Q 80 • Quarto de carlotta • aéLis, carLotta, dante
carlotta faz as malas para se ir embora.
t
126
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
Q 81 • corredor • dante
dante monologa sobre ir-se embora.
127
Q 82 • Quarto de mario • emiLia, mario
mario apanha emila a arrumar-lhe o Quarto.
132
Q 83 • Quarto de mário e corredor • dante, emiLia, mario
dante apanha mario e emilia a beijarem-se.
135
Q 84 • suite • d’annunzio, tamara
tamara rompe com d'annunzio.
143
Q 85 • átrio • aéLis, carLotta, dante, Finzi, mario
Finzi leva carlotta à estação do comboio.
secção r
146
r 86 • salão • aéLis, dante, Luisa, tamara
Luisa decide-se a partir com tamara.
151
r 87 • suite • d’annunzio, de spiGa, tamara
d'annunzio expulsa de spiga de il vittoriale.
153
r 88 • suite • de spiGa, tamara
de spiga obriga tamara a partir para nice com mario.
160
r 89 • suite • tamara
tamara monologa sobre d'annunzio e de spiga.
161
r 90 • cozinha • dante
dante decide partir.
163
r 91 • Quartos de mario e de emilia • emiLia
emilia monologa sobre o seu final feliz.
166
r 92 • Quarto de d'annunzio • mario
mario monologa sobre emilia.
168
r 93 • Quarto de d'annunzio • d’annunzio, mario
mario recebe uma carta de d'annunzio.
172
r 94 • átrio • dante, Finzi
dante brinca com Finzi.
174
r 95 • corredor • de spiGa
de spiga lê a carta do marido de tamara.
175
r 96 • corredor • de spiGa, mario
de spiga confronta mario.
secção s
177
s 97 • corredor • de spiGa, emiLia, Luisa, tamara
de spiga impede Luisa e tamara de partirem.
179
s 98 • átrio • de spiGa
de spiga monologa sobre Luisa.
180
s 99 • Quarto de d'annunzio • aéLis, d’annunzio
aélis levanta d'annunzio.
185
s 100 • Quarto de mario • dante, mario
dante explica a mario como pode fugir.
188
s 101 • escritório de Finzi • Finzi
Finzi sabe por mussolini quem é mario.
189
s 102 • corredor • emiLia, Luisa, tamara
emilia e tamara levam Luisa para o seu quarto.
5
6
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
191
s 103 • escritório de Finzi • de spiGa, Finzi
de spiga ordena a Finzi que não intercepte mario.
194
s 104 • salão • de spiGa
de spiga confessa que viciou d'annunzio em cocaína.
secção t
196
t 105 • Quarto de Luisa • Luisa
Luisa suicida-se.
198
t 106 • suite • emiLia, tamara
tamara dá os presentes de d'annunzio a emilia.
203
t 107 • átrio • aéLis, dante, de spiGa, emiLia, Finzi, mario
Finzi intercepta mario.
207
t 108 • suite • d’annunzio, emiLia, tamara
d'annunzio tenta violar tamara.
secção u
208
u 109• átrio •aéLis, d’annunzio, dante, de spiGa, emiLia, Finzi, Luisa, mario, tamara
desenlace.
212
digestivi • refeitóri • tutti
café.
213
posfácio
“t de LempicKa, uma tragédia clássica contemporânea”
carLos carvaLheiro
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
acto
ii
7
8
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
J 49 • refeitório
dante • Finzi
dante e Finzi introduzem o público no segundo dia.
dante: [soBe para cima de uma cadeira] attenzione, per
favore, attenzione. presto, presto, estamos à vossa
espera. Buon giorno, signore e signori. [espera
peLa
resposta do púBLico] ahh! estiveram a comer e a beber.
têm mais força do que isso. vamos tentar outra vez.
Buon giorno! [desta vez o púBLico responde mais aLto.
Finzi entra]
ahh! eis o sorridente capitano.
Finzi: [diriGe-se a uma espectadora] passaporte… Que
dia é hoje? [a resposta é normaLmente a data presente ]
não, signora, hoje são 11 de Janeiro de 1927.
acompanhe-me! [Finzi Leva a espectadora para o corredor,
J 50 páG. 11]
dante: digam todos ciao à signora. ciao, signora.
signore. [apontando] signore, a signora estava consigo? não se preocupe, nós arranjamos-lhe outra signora.
ao contrário do capitano, eu não preciso de informadores para saber o que se passa nesta casa. como qualquer bom criado, eu posso dizer-vos quem é que está a
fazer o quê, com quem e em que quarto o estão a fazer.
vou provar-vos isso. mas primeiro, il comandante pediume para vos lembrar que, quando entrarem numa sala,
por favor vão tanto para o fundo quanto possível,
encostem-se às paredes, não falem, não fiquem no caminho, não andem por aí por vossa própria conta, e, mais
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
importante que tudo, nunca fiquem atrás de uma porta;
alguém pode abri-la de repente e ela bate-vos nas costas. não queremos ninguém ferido. Grazie. Bom, vocês
são uns convidados tão adoráveis que il comandante me
pediu para vos fazer um convite a todos. no final seria
muito agradável se quisessem voltar a esta sala para se
juntarem a nós para um café, para um doce, para conversar, no caso de haver uma ou duas pequenas coisas que
possam ter perdido no decorrer da noite. [vindo do corredor, ouve-se o Grito da espectadora Que acompanhou Finzi e depois este a Gritar:
aprendido, hoJe são
“espero
Que tenha
11 de Janeiro de 1927”. dante apon-
ta para o acompanhante da espectadora]
signore, o
que é que a sua signora está a fazer ao capitano?
reconheceria este gritar onde quer que fosse. Bom, para
hoje, il comandante deu-me instruções para vos dizer
que ele quer que se sintam aqui como em vossa casa; e
agora que já conhecem os cantos à casa e conhecem as
regras, ele sugeriu que eu apenas vos dissesse onde
estão todos e cada um irá para onde quiser; por isso eu
sugiro que cada um decida rapidamente com quem é que
quer ir ter. mas antes de sairem desta sala, façam ao
dante um favor, per favore; não levem comida nem copos
convosco. nada, a não ser as vossas próprias pessoas. e
outra coisa… é importante que saiamos todos daqui ao
mesmo tempo, pelo que esperem que eu vos diga quando. Bom, então onde é que eles estão? a signora Luisa
Baccara está à entrada do salão e ela conduzir-vos-á à
signorina Barra, a jovem bailarina e a tamara —não me
lembro do último nome— a polaca. il comandante? Bem,
uma vez que eu não o fui acordar, sem dúvida que está no
seu quarto. a signora aélis conduzir-vos-à. está na
9
10
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
base das escadas. Quem mais? ao signor de spiga vi-o a
ir para a sala do Bilhar. e estão todos, tirando evidentemente nós, os criados. Quando eu sair daqui vou acordar
o mario e pôr a emilia a fazer-nos o pequeno almoço. se
me quiserem seguir, tenham a bondade. estão todos
prontos? [pausa] andiamo. [sai
para o corredor]
escolhas estão feitas? andiamo. [Luisa
as
diriGe-se ao
saLão,
K 54 páG. 28. aéLis diriGe-se ao Quarto de d’an-
nunzio,
K 53 páG. 22. Finzi diriGe-se ao seu escritório, K
52 páG. 18. dante diriGe-se ao Quarto de mario, K 51 páG.
12]
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
J 50 • corredor
Finzi
Finzi interroga uma espectadora.
Finzi: [vem
páG .
com uma espectadora do reFeitório,
8] seguiu o mario? [pausa
J 49
para a resposta]
reparou em alguma coisa anormal, alguma coisa fora do
comum? [pausa
para a resposta]
muito obrigado pela
sua informação. Farei chegar a certos ouvidos em roma
a valiosa colaboração que deu ao partido. Bem, para que
os seus amigos não suspeitem de nada, tenho de lhe
pedir para gritar. Grite tão alto quanto puder. Grite. [a
espectadora Grita . Finzi Grita ]
espero que tenha
aprendido: hoje são 11 de Janeiro de 1927. [Baixo] volte
para o seu lugar. não fale a ninguém da nossa conversa.
a ninguém. [introduz a espectadora no reFeitório e vai
para o corredor à espera do púBLico, diriGindo-se
depois ao seu escritório,
K 52 páG. 18]
11
12
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
K 51 • Quarto de mario
dante • emiLia • Finzi • mario
mario abre o jogo a dante.
dante: [entra vindo do corredor, J 49 páG. 10 e encontra mario no seu Quarto a tomar Banho]
mario, já
estás a tomar banho?
mario: estás bom?
dante: seis horas em cima, seis horas em baixo, o
veneziano é assim. como a maré.
mario: o Finzi esteve a vigiar-me o quarto.
dante: porque é que tu não me salvaste do crocodilo?
mario: porque tive medo.
dante: tu estiveste na guerra, sabes lutar.
mario: ele é a lei.
dante: aqui não. aqui a lei é il comandante.
mario: o Finzi faz relatórios… para roma.
dante: conversa… il comandante faz relatórios melhor.
mario: eu sou novo aqui.
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
dante: é a minha vez de ser franco, mario. Quando um
turista finge que é marquês, eu trato-o por senhor marquês. venezia é a cidade dos sonhos. mas aqui, mario,
não podes fingir comigo.
mario: eu não finjo.
dante: não, meu amigo, tu mentes. tu pensas que eu sou
estúpido. e não sou. a noite passada estavas bêbado. o
vodka não é feito de uvas. Bate com força. sabias onde
era a lota de uma cidade onde disseste nunca ter estado,
citaste shakespeare, sabias o nome do ministro soviético: é muito para um simples chauffer… e é demais para
um primo da emilia.
mario: eu leio jornais!
dante: sim, tu disseste-me, mas olha, mario, a visita do
chicherin não veio nos jornais. ele veio secretamente de
Genebra passar cá um dia. a imprensa não soube de
nada. [mario não responde] tens de te ir embora já.
mario: não posso.
dante: como é que podes ter esperança? d'annunzio
está velho; ele fica.
mario: se ele conhecesse o nosso movimento, como nós
estamos organizados…
dante: ai agora já estão organizados? onde é que esta-
13
14
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
va a grande organização comunista em 1921? houve uma
hipótese nessa altura, antes dos fascistas terem tomado
o poder.
mario: o partido estava envolvido em lutas intestinas
com os socialistas.
dante: ele já deixou a política. vai-te embora. ele é feliz
aqui.
mario: como é que ele pode ser feliz em italia?
dante: cocaína.
mario: e para os pobres?
dante: não há alegria.
mario: e tu?
dante: tenho saudades de venezia, amo a emilia, odeio
o Finzi, sirvo il comandante e penso pouco em mim.
mario: então pensa nos outros.
dante: e penso em quem? no meu pai, trinta e três anos
a ser o representante do nosso sindicato e que foi morto
pelos fascistas?
mario: sim, pensa no teu pai, e nos outros todos!
dante: eu só penso nos que assistiram; os amigos dele
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
assistiram e não fizeram nada. são eles os outros, mario.
não sonhes com a resistência das massas! o povo quer
os camisas negras. em breve voltarão os cadeados aos
portões dos guetos.
mario: e porquê? porque homens como d'annunzio nos
seduziram com uma fantasia infantil que não tinha forma,
nem ideologia, nem moralidade, nem pensamento mas
apenas um “Forza italia”. sem moralidade só nos resta a
força bruta.
dante: não deves falar assim com il comandante. se lhe
falares, diz-lhe que sempre admiraste a sua perspectiva
política. diz-lhe que, como homem de acção, ele deve
saber no seu coração que agora é o momento de agir.
Bajula-o. o que é que tu queres, exactamente?
mario: posso confiar em ti?
dante: confia no meu amor por emilia; se ela não estivesse envolvida, tinha-te denunciado quando chegaste.
mario: Queremos levá-lo para o estrangeiro, para que
denuncie o apoio que os ingleses dão a um regime que
não é apoiado pelo povo italiano.
dante: para onde?
mario: inglaterra.
dante: ele gosta dos ingleses, gosta dos cães deles.
Lembra-o dos cães; a taça Waterloo é no mês que vem.
15
16
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
mario: não vamos de férias.
dante: tu não, mas se ele for…
mario: ajudas-me?
dante: não te traio.
mario: não ajudas?
dante: é ajuda bastante. se ele se for embora contigo,
ficas tu com o meu trabalho, vais acordá-lo todas as
manhãs e dizer-lhe como ele foi grande e eu volto a
venezia para tomar conta da mamma.
emiLia: [entra e para mario] Queres vir tomar o pequeno almoço?
mario: o Finzi sabe…
dante: [para emiLia] disseste-lhe?
emiLia: a quem?
dante: ao Finzi. disseste?
emiLia: disse que o mario não era meu primo.
dante: Foi tudo, emilia?
emiLia: e disse-lhe que nós eramos amantes.
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
dante: e são?
emiLia: inventei uma história.
dante: nada mais?
emiLia: tens de te ir embora, mario.
mario: não posso.
dante: és procurado? eles sabem o teu nome?
mario: si.
dante: o Finzi é lento mas muito metódico. tens dois
dias, no máximo três.
Finzi: [entra
vindo do seu escritório,
K 52
páG.
21]
mario, lembras-te da nossa conversinha?
dante: capitano, estavamos para ir tomar o pequeno
almoço. não quer vir connosco?
Finzi: emilia, vai dar palha a esse burro. [emiLia
saem para a cozinha,
Quarto de mario,
e dante
L 56 páG. 40. mario e Finzi Ficam no
L 55 páG. 35]
17
18
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
K 52 • escritório de Finzi
de
spiGa • Finzi
de spiga trava Finzi e sabe por mussolini quem é mario.
[Finzi entra no seu escritório vindo do corredor, J 50
páG.
11.
de spiGa, com uma BeBida na mão, acende uma
Luz. tem estado no escritório à espera de Finzi.]
Finzi: o que é isto?
de
spiGa: estive à sua espera. porque é que não veio?
Finzi: estive acordado toda a noite a vigiar o quarto do
mario.
de
spiGa: Foi muito meritório da sua parte.
Finzi: deixei-lhe um recado na minha secretária.
de
spiGa: [vai
à secretária]
“nario não é primo da
emilia!” deduzo que pretendia dizer mario. [para Finzi] a
letra “m” escreve-se com dois montinhos —para a próxima lembre-se do rabo da Luisa.
Finzi: não faça—
de
spiGa: “eu” é que digo não faça! eu é que dirijo esta
operação. você faz o que eu mandar e quando eu disser
para você não fazer, você não faz. percebido?
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
Finzi: se eu só fizesse o que me mandam, não tinha feito
nada. vá beber, Francesco. é você que não está a ver
com clareza. disse-lhe desde o primeiro dia que o mario
era um subversivo. eu sei de política. você devia agarrarse à música.
de
spiGa: continue só a observar —mais nada. eu tomo
as decisões.
Finzi: não há tempo. velocidade. como é que pensa que
chegámos ao poder? enquanto os comunistas e os
socialistas estavam a discutir as regras, nós alcançámos a
meta. velocidade.
de
spiGa: “chegámos ao poder porque tivémos a força
de não fazer absolutamente nada”. mussolini, roubado
de shakespeare. Lembro-lhe, aldo, que o partido tomou
uma decisão a respeito de d'annunzio em 1924. com certeza que se lembra das palavras de mussolini sobre o
assunto. Quais foram?
Finzi: “se alguém tem um dente podre, ou o arranca ou o
enche de ouro.”
de
spiGa: muito bem! Já me tinha esquecido que você
agora é um admirador de il duce. mas lembra-se do
ponto que ele realçou? é mais importante que as pessoas
acreditem que o d'annunzio nos apoia do que desfazermo-nos dele e arriscar uma guerra civil. ele aqui não prejudica ninguém.
Finzi: o homem está à espera da altura para agir.
19
20
t
de
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
spiGa: e você também. percebido? interrogue outra
vez o mario. Faça a rotina desta vez… já sabe, a morada,
o último emprego, etc. e aldo, não use um único músculo. tencionamos ir a Gardone esta manhã almoçar ao
Grande hotel. Quando lá chegar, eu telefono para
roma… e a emilia —foi a única que falou?
Finzi: tive de usar a força.
de
spiGa: isso não me interessa. ela avisará o mario?
Finzi: está demasiado assustada. ela tentou convencerme que eles eram simplesmente amantes mas ele não é um
criado.
de
spiGa: eu sei reconhecer os da minha classe. Faça os
interrogatórios estritamente na base das minhas ordens.
e não me apareça à frente. se se voltar a sentar à minha
mesa—
Finzi: há três anos foi você que me pediu para se sentar
à minha mesa. “o sub-secretário aldo Finzi vai recebêlo agora, signore.” e você parecia um gato assustado.
peguei em si e apresentei-o quando eles nem sequer deixavam os aristocratas estar em roma. porquê? porque
era divertido. porque dizia as coisas certas. e agora, que
já não estou em posição de favorecer a sua carreira,
aproveita todas as oportunidades para me ofender.
porquê? Luisa? cortejei a Luisa durante dois anos.
Francesco, porque é que me faz isto a mim?
t
de
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
spiGa: nós temos de trabalhar juntos porque
mussolini assim o quer, não porque eu o queira. no
entretanto, é você a obedecer-me. vamos fazer um bom
trabalho, limpinho, e vamos levá-lo direitinho até ao fim.
[terminando o coGnac] acho que mereço outro cognac,
não lhe parece? [Finzi
ao Quarto de mario,
cumprimenta de spiGa e diriGe-se
K 51
páG.
17.
de spiGa retriBui o
cumprimento de Finzi e vê-o sair. Quando Fica só, diriGe-se ao teLeFone]
roma 3135 [pausa] Luciano, ele está
aí?… Benito? Francesco… de spiga. [ri] Gostaste do
concerto? [pausa] Julgava que já tinha chegado a altura
de te tornares um pouco mais aventureiro. [pausa] há
uns arpejos no allegro que estão um bocado complicados
de mais —aliás, o violino nem é o meu instrumento, mas
podemos fazer uns ajustes… claro… não te preocupes
com os harmónicos, eles dão bom efeito, mas não são
essenciais. [pausa] sim, mas não precisão militar, Benito.
[ri] cinco por quatro não é um tempo de marcha. [ri.
pausa]
não. não tenho feito muito… não é o Gabri o
problema, é o Finzi. arranjou uma obsessão por um tal
mario pagnutti… é o … sabes sempre tudo. [ri
repente Fica sério]
e de
devo fazer alguma coisa ou… uh…
percebo… [pausa] o quê? o mario é filho do duque de
milão? é comunista? mas o duque é fascista.
extraordinário! sim. sim. passagem livre para nice. como
é que sugeres que eu o lá ponha… se ele se recusar?
[pausa] muito bem. Bom, acho que vou beber mais um
pouco do cognac do Gabri… sim, do teu cognac, claro.
[ri] ciao. [desLiGa o teLeFone e aGarra no copo vazio]
Que simpáticos que nós estamos. [sai para o saLão, L 57
páG.
49]
21
22
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
K 53 • Quarto de d’annunzio
aéLis • d’annunzio
aélis convence d'annunzio a ver carlotta dançar.
[d’annunzio
está deitado na cama, de roupão. aéLis
entra, com uma moLhada de Facturas]
aéLis: Bom dia.
d’annunzio:
dizes isso como se fosse uma desgraça,
aélis.
aéLis: aquele imbecil do dante não me acordou. não fui
fazer os exercícios com a carlotta.
d’annunzio:
eu não dormi nada.
aéLis: esteve a escrever ou com insónias?
d’annunzio:
Quero vidros mais grossos em todas as
janelas… continuo a ouvir o trânsito… mas não parecem
ir para lado nenhum… era só o som dos carros a trabalhar… homens a dar ordens… havia luz à entrada do portão.
aéLis: provavelmente esteve a sonhar com a guerra.
d’annunzio:
não. era a realidade a penetrar pelas frin-
chas. Lembras-te quando ainda podiamos sonhar, aélis?
o meu sonho era escrever um único volume em prosa que
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
se tornasse num grito de guerra para o povo latino.
aéLis: Já o gritou.
d’annunzio:
não. houve uma chispa em Fiume, talvez
mesmo uma pequena chama… mas agora, é tudo fumo.
[tira as Facturas da mão de aéLis] trazes-me contas…
[dando uma vista de oLhos peLas Facturas] paguei isto
tudo pelo vestido que ela usou a noite passada?
aéLis: ainda não o pagámos.
d’annunzio:
Fortunny diz que precisa do dinheiro—
aéLis: estamos cinco meses atrasados.
d’annunzio:
murinni… não pagues esta, o vaso vinha
rachado. pratesi—
aéLis: Falou com mussolini?
d’annunzio: aélis, disse-te para pagares esta o mês pas-
sado—
aéLis: não temos dinheiro.
d’annunzio:
passei as minhas mais fabulosas noites de
amor entre estes lençois—
aéLis: custam 10.000 liras cada um.
d’annunzio:
manda vir mais duas dúzias.
23
24
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
aéLis: Gabri—
d’annunzio:
ouve-me! [pausa] há sete anos comandei
trezentos homens em Fiume. ocupei o território que os
ingleses nos tinham prometido se entrassemos na guerra,
território esse que os nossos diplomatas em versailles
tiveram medo de pedir… e nesse território e no coração
do seu povo, eu construí uma nova ordem baseada no
heroísmo e no talento… não na opulência, nem no sangue, nem no poder. dei ao povo uma constituição, que
garantia a igualdade das mulheres, protegia os idosos,
dava assistência médica gratuita…
aéLis: [em coro] …que garantia a igualdade das mulheres, protegia os idosos, dava assistência médica gratuita… não podiamos ter um dia que não começasse com
esse arrazoado?
d’annunzio:
e como é que eu devia começar? Queres
que digam daqui a cem anos: “d'annunzio?… ah sim, era
um grande decorador de interiores!”
aéLis: [acaLmando-o com um aBraço] Gabri… eu estava lá… ainda não chegou a sua altura… tem de esperar… como é aquela sua frase? “Bendito seja aquele que
esperando e acreditando não desperdiça as suas forças,
mas preserva-as, com disciplina guerreira.” [aéLis e d’annunzio BeiJam-se. Quando d’annunzio começa a Ficar
demasiado excitado, aéLis aFasta-se]
Gabri, eu tenho que fazer.
não, não, não,
t
d’annunzio:
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
traz a defelice cá a casa e mostra-lhe essa
nova habilidade que fazes com a lingua.
aéLis: não me diga que já desistiu de tamara.
d’annunzio:
não sei… a indecisão dela irrita-me. e tu
com a carlotta?
aéLis: [emBaraçada] deu-me ontem um beijo delicioso
mas não vou a lado nenhum até lhe dar a tal recomendação.
d’annunzio:
não posso comprometer a minha opção
estética só para tu poderes ir para a cama com ela.
aéLis: e porque não? vai-se deixar retratar só para—
d’annunzio:
uma rapariga como a carlotta não devia ir
para paris.
aéLis: ela é boa.
d’annunzio:
a bondade não tem lugar na dança. ela
devia era tornar-se missionária. uma rapariga como ela
devia era andar a tratar dos pretinhos que estão a morrer de fome. não é uma recomendação que ela precisa,
mas sim de uma auréola.
aéLis: Gabri, por favor. a isabelle precisa da sua recomendação.
d’annunzio:
[Levanta-se
da cama, despe o roupão e
25
26
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
veste o casaco]
ah, então é essa a tua obsessão…
isabelle.
aéLis: eu queria dizer—
d’annunzio:
entristeces-me, aélis. pensei que tinhas
deixado de ver a isabelle em cada virgem que entra por
aquele portão.
aéLis: e deixei. há algumas semelhanças físicas, admito,
mas a carlotta é completamente diferente.
d’annunzio: a isabelle morreu. um amor que morre é uma
coisa sagrada; tu deprecias a sua memória confundindoa com a carlotta.
aéLis: eu não a confundo com a carlotta. Foi um lapsus
linguæ…
d’annunzio:
eu não acredito naquilo a que tu chamas
lapsus linguæ porque eles revelam as verdadeiras inclinações. Bom, vou ver essa estúpida dança da rapariga. só
espero que ela tenha o cérebro nas pontas dos pés. [sai
para o saLão, seGuido por aéLis]
aéLis: na verdade o que está é ciumento… tem medo de
lhe dar a recomendação e que eu vá com ela para paris.
d’annunzio:
eu confio em ti. esta é a tua casa.
aéLis: eu sei. não volto com a palavra atrás. são só uns
dias—
t
d’annunzio:
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
e acabou-se?
aéLis: acabou. prometo. [cheGam ao saLão]
d’annunzio:
ora vamos lá então à parte dolorosa. [aéLis
e d’annunzio entram no saLão,
L 57 páG. 49]
27
28
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
K 54 • salão
carLotta • Luisa • tamara
Luisa e carlotta discutem sobre estrangeiros.
[Luisa entra vinda do corredor de J 49 páG 212. tamara
está a Fazer um esBoço em carvão de carLotta Que
Faz exercícios de dança]
tamara: Bonjour.
L uisa: [sorri
para tamara . FaLa para carLotta ]
Levantou-se cedo.
carLotta: para a minha família, cedo significa antes do
sol nascer. ainda estão a pensar ir a Gardone?
Luisa: se o Francesco acordar.
carLotta: o tio Guido também era assim. dormia, dormia, dormia. costumava dizer que dormir era o único acto
verdadeiramente talentoso. o que é que ele quereria
dizer com aquilo? engraçado, o tio Guido. Foi horrível
quando ele morreu. eu pensava que ele estava a dormir.
e eu abanava-o, abanava-o. “acorda, tio Guido, acorda!” pobre tio Guido.
Luisa: [depois
de uma pausa oLha por cima do omBro
de tamara para ver o esBoço]
tem estado a desenhá-la.
madame de Lempicka
t
de
29
L empicKa (acto ii) • Fdc
carLotta: diga-lhe para não o fazer.
Luisa: devia sentir-se honrada. ela é muito boa.
carLotta: diga-lhe para parar!
Luisa: não sei falar francês. [carLotta
saca a FoLha a
tamara e oLha para eLa]
tamara: vous pouvez l'avoir si ça vous plait.
carLotta: não odeia estrangeiros, Luisa? [rasGa
o
papeL]
Luisa: carlotta! rasgou a obra de arte dela.
carLotta: odeio estrangeiros
Luisa: então porque quer ir para paris?
carLotta: para estudar.
Luisa: pensa que pode aprender com pessoas que
odeia?
carLotta: eu odiava o meu professor de ballet —era
judeu.
Luisa: Judeu italiano ou judeu estrangeiro?
carLotta: a Luisa é muito esquisita!
30
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
Luisa: conversou com o Finzi sobre esse assunto?
carLotta: o que é que há para conversar? todos os
judeus são estrangeiros.
Luisa: você é uma criança odiosa. deve ser difícil dançar
com tanto ódio na cabeça. Julgava que as raparigas da
província como você estivessem libertadas disso.
carLotta: eu não sou uma rapariga de província. eu sou
uma mulher moderna.
Luisa: só na aparência. diga-me, signorina Barra, como
é que as mulheres modernas conciliam arte com intolerância? porquê mover o corpo se a cabeça está parada?
[Luisa aGarra carLotta Fazendo-a cair no chão]
carLotta: não compreendo. está zangada. não compreendo.
Luisa: a quem? a mim? à tamara? aos judeus? Quem é
que não compreende?
carLotta: está a gritar comigo.
Luisa: Quer compreender?
carLotta: [perto
das LáGrimas]
mas não é assim? o
papá diz que os judeus baixaram os juros. Que são maus
para os nossos bancos. se o papá só tiver seis por cento
de rendimento não pode mandar-me para paris.
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
Luisa: e o que é que os polacos fizeram aos juros?
carLotta: Luisa, por favor, não se zangue. porque é que
é errado não gostar dos estrangeiros? nós somos italianas. a italia não é o maior país do mundo?
Luisa: césar já morreu.
carLotta: mas il comandante está vivo, e il duce e o
papa.
Luisa: [aGarra num pedaço do esBoço rasGado] nunca
será uma bailarina moderna. pode mexer-se, mas não é
livre. tem um muro à sua volta. não pode aprender ou
comunicar se transformar o mundo em pedaços de papel.
carLotta: [chorando] porque é que tão cruel para mim,
Luisa?
Luisa: Qual é a bondade que a leva a pensar tão mal dos
outros? a das freiras? carlotta, tem uma oportunidade
para ser grande, uma oportunidade que eu também já
tive; agarre-a. tem a sua arte. pare de olhar para deuses
que se adoram e para demónios que se detestam.
carLotta: eu não olho, eu não olho!
Luisa: então não me fale do il comandante ou do
mussolini. se quer dançar, dance. não por italia, ou por
outro país, mas pela dança.
carLotta: il comandante escreve pela italia.
31
32
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
Luisa: o quê? diga-me o que é que ele escreveu nos úlltimos cinco anos? dez anos? é demasiado nova para
perceber. abandonei a minha carreira para seguir o
Gabri em Fiume. os jovens aderem sempre a movimentos,
mas os movimentos continuam a marchar —e um dia
acordamos abandonadas… velhas e sózinhas. hoje em
dia, quando eu toco, há dedos nas teclas… [Baixo] mas
não há música. é demasiado tarde para mim, talvez sempre o tivesse sido. o meu pai era tão italiano que eu não
podia tocar Bach lá em casa. o pobre do Gabri pensa
que eu consigo tocar debussy. eu também quis ir estudar para paris, mas o meu pai arranjou maneira de mo
impedir.
carLotta: o meu papá quer que eu vá.
Luisa: enquanto disser “sou italiana” antes de dizer “sou
bailarina”, não faz sentido ir. pavlova não era uma bailarina russa, era uma bailarina. eu não quis ser uma pianista italiana, ou uma mulher pianista, só quis ser pianista.
[para tamara] concorda comigo? oh! você não percebe.
tamara: comment? (como?)
Luisa: uh. sabe falar francês, carlotta?
carLotta: só os termos de dança.
Luisa: [tentando
FaLar em Francês]
non, est une artiste, si, oui?
une artiste être,
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
tamara: naturellement, oui. (naturalmente, sim.)
Luisa: ce n'est pas un… como é que se diz? ce n'est pas
une questão…
tamara: Question? (Questão?)
Luisa: oui, une question de… nacionalidade.
tamara: La nationalité? non, je suis polonaise. J'habite à
paris. maintenant je suis en italie. pour l'artiste, le monde
entier est sa patrie et sa patrie son art. c'est un pays que
l'on apelle Liberté. vous comprenez? (a nacionalidade?
não, eu sou polaca. habito em paris. agora estou em
itália. para o artista, o mundo inteiro é a sua pátria e a
sua pátria é a sua arte. é um país que se chama
Liberdade. compreende?)
Luisa: oui, non. [indica Que perceBeu um pouco]
carLotta: o que é que ela disse?
Luisa: não sei bem.
carLotta: está a ver, nem consegue falar com os
estrangeiros. o papá diz que eles nos andam a roubar há
demasiado tempo. agora temos de reaver o que é nosso.
Luisa: a cultura não é vestir bonecas, carlotta. não se
pode pedir a Lizt para tirar o sabor italiano às suas
“pelerinages”.
33
34
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
carLotta: às suas quê?
Luisa: o que eu estou a dizer é que a sua principal responsabilidade é dançar.
carLotta: não. primeiro, deus nosso senhor, depois o
papá, e no fim a dança.
Luisa: deixemos a conversa. dance simplesmente. [Luisa
toca aproximadamente Quatro compassos e meio de
“La
marseiLLaise” para homenaGear tamara e continua
com a vaLsa de chopin “op.
dançar com chopin]
cena continua em
70 #2”. carLotta começa a
Frederic chopin. polaco. [esta
L 57 páG. 49]
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
L 55 • Quarto de mario
Finzi • mario
Finzi interroga mario.
[Finzi e mario continuam de K 51 páG. 17]
Finzi: mario, lembras-te da nossa conversa? tentei
ontem à noite contactar com a tua última patroa, a
principessa d'avignon.
mario: ela passa o inverno em capri.
Finzi: parece que não tem telefone. olha lá, mario, é esse
o teu verdadeiro nome, mario?
mario: si.
Finzi: preciso de saber, mario, e tu tens de me responder
com franqueza: és, ou foste, do partido comunista?
mario: no.
Finzi: devias saber, mario, que eu insisto com todos os
meus amigos para me tratarem por capitano. um homem
deve ser sempre identificado pela sua patente… ou pelo
ser partido. volto a perguntar: és comunista?
mario: no, capitano.
Finzi: conheceste algum comunista?
35
36
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
mario: no, capitano.
Finzi: por três vezes negaste. [estende-Lhe um BLoco e
uma caneta]
Quero que me escrevas aqui o teu nome
completo, a morada da tua família, a profissão do teu pai
e qual foi o teu posto na tropa.
mario: eu não sei escrever.
Finzi: não andaste na escola?
mario: no, capitano.
Finzi: Falas bem demais para quem nunca andou na escola.
mario : o meu capitano na tropa era um visconti.
aprendi a falar como ele.
Finzi: a morada da tua família é…
mario: via emanuelle Filiberto, nº 15, perto de santa
scala. conhece roma?
Finzi: a embaixada Britânica é lá perto, não é?
mario: a maior parte das embaixadas são lá perto, mas
da cave não se conseguem ver.
Finzi: profissão do teu pai?
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
mario: era padeiro.
Finzi: ah, já morreu?
mario: há dois anos.
Finzi: a tua mãe ainda vive nesta morada?
mario: si, capitano.
Finzi: o teu posto?
mario: cabo.
Finzi: Quando é que foste desmobilizado?
mario: em 1917, com um ferimento grave.
Finzi: Lutarias outra vez por italia?
mario: eu lutarei sempre para salvar a italia. [pausa]
esteve na guerra, capitano?
Finzi: isso não tem importância. e agora esse visconti…
mario: o meu capitano na guerra.
Finzi: Foi morto?
mario: si.
Finzi: o nome dele era…
37
38
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
mario: mas ainda agora o disse…
Finzi: diz outra vez! [pausa] há quem ache que eu sou
lento: eu não sou lento, mario. confirmo. e então qual é
que era o primeiro nome do capitano visconti? nos
arquivos do exército aparecem três viscontis.
mario: mario.
Finzi: como tu.
mario: Foi por isso que nos conhecemos. alguém chamou “mario” e ambos respondemos. e depois atirámos a
moeda ao ar, e eu perdi. e por isso passaram a chamarme pelo apelido, pagnutti.
Finzi: porque é que eles não lhe chamavam capitano?
mario: ele não deixava.
Finzi: como é que ele morreu?
mario: Foi condenado à morte por um tribunal militar.
Finzi: e foi esse homem o teu modelo?
mario: ele salvou-me a vida!
Finzi: nada em que se possa ter orgulho. ele desobedeceu a uma ordem!
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
mario: estávamos numa posição exposta. ele levou-nos
de volta para as trincheiras.
Finzi: isso não é desculpa para retirar.
mario: a nossa linha caiu! [caLmamente] se tivesse estado na linha da frente, saberia que ele fez a coisa certa.
Finzi: mas então explica-me: como é que esse teu
capitano mario visconti, depois de morto, te recomendou para trabalhares para a principessa d'avignon?
mario: eu fui desmobilizado antes de ele ir a tribunal.
Finzi: não é estranho, mario, que o teu capitano mario
visconti nunca tenha ido a tribunal? terá fugido?
mario: eu chamo-me mario pagnutti.
Finzi: e a polícia anda agora à procura desse mario
visconti, implicado no rebentamento de uma bomba em
padua e no assalto a um banco em turin.
mario: eu tenho que fazer. [vai para sair]
Finzi: o quê?
mario: Já tem os meus dados.
Finzi: Que vão ser confirmados. e quando chegarem,
reconfirmá-los-ei. [saem para o saLão, L 57 páG. 52]
39
40
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
L 56 • cozinha
dante • emiLia
emilia faz a barba a dante e falam da vida deles.
dante: [sai do Quarto de mario com emiLia, K 51 páG. 17,
em direcção à cozinha]
eu vou-me embora, emilia, vais
ver. ou então mato-o. porque é que il comandante o
aceitou? Governávamo-nos muito bem sem ele.
emiLia: o Finzi veio para ficar.
dante: eu não! porque é que não pode ser como em
venezia?
emiLia: e tu a dares-lhe com venezia, dante. os canais
cheiram mal. os ratos são maiores que os gatos. cada
moléstia que acontece na europa começa em venezia. e
o que é que nós lá iamos fazer? aqui ganha-se mais.
dante: eu não. não tenho o teu equipamento. não
posso fazer trabalho extra.
emiLia: il comandante precisa de ti lá em cima.
dante: ele já está acordado?
emiLia: Faz a barba primeiro. [dante
tira os utensíLios
de Fazer a BarBa de uma prateLeira e enche uma púcara de áGua. emiLia arruma a Loiça]
do tu choravas, emilia.
Lembro-me de quan-
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
emiLia: só se foi quando nasci.
dante: o dinheiro não te interessava. Quando chegaste, só tinhas um vestido. aélis não te queria, lembras-te?
mas arranjaste o emprego porque o dante disse a sua
alteza que tu tinhas os olhos de uma grã-sacerdotiza
romana.
emiLia: não me lembres isso.
dante: aqui toda a gente quer esquecer. Bons tempos,
esses.
emiLia: Quem é que se consegue esquecer? estamos
rodeados pelo passado. tu e il comandante vivem-no.
as coisas mudaram, dante. mudaram.
dante: eu só tenho uma devoção, emilia. [corta-se na
cara]
emiLia: toma atenção. estás a fazer a barba.
dante: como é que tu podes deixar que o Finzi te mexa?
emiLia: dá cá isso. [tira a navaLha a dante para o BarBear]
senta-te. preciso do dinheiro.
dante: um fascista.
emiLia: Grande diferença —os homens são todos uns
porcos.
41
42
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
dante: podiamos ter casado.
emiLia: eu sou católica, não sou judia.
dante: houve uma altura em que podias ter-te convertido, antes de teres dado em puta.
emiLia: [mostrando-Lhe
a navaLha]
estás a ver isto? é
uma navalha!
dante: da primeira vez que me barbeaste, quase que me
cortaste a garganta.
emiLia: espirraste.
dante: estava constipado. Foste tu que quiseste que eu
mergulhasse no Grande canal.
emiLia: como il comandante.
dante: tem de ser tudo como il comandante?
emiLia: Quem é que quis que eu lhe rapasse o cabelo?
dante: um bêbado!
emiLia: não estavas nada.
dante: estava sim senhor.
emiLia: Lembro-me dos poemas que me costumavas
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
escrever.
dante: não escrevia nada, emilia!
emiLia: [rindo e recitando] “o teu peito navega tão suavemente como as gondolas de san marco”.
dante: ensinei-te a andar calçada.
emiLia: [continuando] “a minha mão estende-se, tu
foges, eu vomito”.
dante: e vomito outra vez se não parares com isso.
emiLia: eras tão engraçado.
dante: eramos ambos… inexperientes. um homem fica
mais velho. Gostava de ser sensato, como o meu pai.
tornei-me sensato?
emiLia: não.
dante: não, acho que não. se os homens sensatos são
felizes, então eu sou… doido. nessa altura as coisas
pareciam possíveis. pensávamos que nos íamos tornar
num conde e numa condessa.
emiLia: eu continuo a pensar.
dante: a dormir com o Finzi?
emiLia: dante, eu não tinha escolha. ele sabe do mario.
43
44
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
dante: Filho da puta! [pausa] porque é que trouxeste o
mario para cá? il comandante não vai.
emiLia: eu não sei o que é que ele quer. disseram-me que
era só para conversar com ele.
dante: ele quer que il comandante vá para inglaterra.
emiLia: e nós? e eu? o meu emprego.
dante: ajudá-lo a fugir —é uma acusação séria.
emiLia: a defelice disse que era só para conversarem.
dante: a putana privada de il comandante é comunista?
e mais quem?
emiLia: eu não sei de nada. eles disseram que era só para
conversar. il comandante irá, dante?
dante: olha o meu nariz!
emiLia: não sei fazer isto. [pousa a navaLha. dante Limpa
a espuma Que Ficou. emiLia saca uma GarraFa escondida
e BeBe]
o que é que nós vamos fazer?
dante: o que é que tu vais fazer!…
emiLia: se ele se for embora, tu perdes o emprego.
dante: venezia é linda nesta altura do ano. se o Finzi
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
sabe do dinheiro, o mario está lixado.
emiLia: dante, ajuda-me!
dante: calma… o mal já está feito…
emiLia: e se eu contar à Baccara?
dante: estás lixada.
emiLia: vou contar tudo ao Finzi.
dante: desde que o Finzi não saiba do dinheiro, não
acontece nada. nunca acontece.
emiLia: ele não vai deixar passar desta vez.
dante: ele contará à Baccara? essa coisa de tu e o
mario serem amantes?
emiLia: não… eu… não, se eu dormir com ele.
dante: il comandante, o Finzi e quem mais? e se a aélis
descobrir? —também vais para a cama com ela?
emiLia: odeio-os a todos! [BeBe]
dante: com mais um bocado disso passas do ódio ao
esquecimento que é um instante.
emiLia: eu nunca os vou esquecer. como não me esqueço da rapariga que fui. nós nunca fomos felizes, dante.
45
46
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
eu sei o que era: uma rapariga do campo.
dante: e agora és uma mulher do mundo.
emiLia: eu quero que a nossa filha seja uma senhora.
dante: e por isso a puseste num colégio de freiras.
emiLia: si, até eu ter uma vida melhor.
dante: onde é que ela está? nunca me disseste. um
homem tem o direito de saber. [emiLia
não responde]
tivémos uma oportunidade, emilia. as coisas podiam ter
dado certo.
emiLia: …para a filha de um gondoleiro? para que futuro
é que ela podia olhar? pensas que me esqueci da tua
mãe? à espera do teu pai todas as noites? sempre a
rezar para que os fascistas não o apanhassem.
dante: o sindicato tomou conta dela.
emiLia: não me mintas, dante. eu sei que il comandante
lhe manda dinheiro. é por isso que ainda cá estás, não é?
não é por minha causa.
dante: não seria assim connosco.
emiLia: pois não, seria pior. muito pior.
dante: Qualquer coisa seria melhor… do que ser puta.
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
emiLia: hei-de ter uma oportunidade. sim, sofri muito,
mas não me ponho para aqui a chorar. de alguma maneira me hei-de arranjar. hei-de arranjar um homem rico.
dante: e a caterina? se engatares um homem rico, o que
é que fazes dela? ele recebe-a? dá-lhe o nome? nunca
serás a mulher de ninguém. Quem é que aqui vem a não
ser uma meia duzia de velhos fascistas?
emiLia: [chorando] não me interessa a idade dele. se ele
tiver noventa anos, farei de menina.
dante: e quando isto acabar? Quando já ninguém usar o
preto a não serem as viúvas?
emiLia: Fico com o dinheiro.
dante: e a nossa filha? a minha caterina! achas que ela
quer a tua herança? uma herança fascista?
emiLia: pelo menos terá dinheiro.
dante: dinheiro sujo.
emiLia: Faço isto por causa dela.
dante: podes sempre dizer isso.
emiLia: todos somos umas putas, dante. deixa de andar
nas nuvens. olha para il comandante —il duce é o dono
dele. e a tamara —ela vai ter de o gramar se lhe quiser
pintar o retrato.
47
48
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
dante: o teu mundo é feio.
emiLia: só há um mundo.
dante : [corta
um Limão]
toma. Levanta o ânimo.
[amBos mordem o seu Bocado de Limão] amarga?
emiLia: não tanto como eu. [BeiJa-o]
dante: vamos. [dante
e emiLia diriGem-se ao saLão]
hoje vai haver sol?
emiLia: [rindo] Lembras-te? a caterina costumava perguntar-te isso todas as manhãs.
dante: ela pensava que era eu que fazia o truque—
emiLia: [imitando uma criança] papá, faz o sol brilhar.
dante: era um bom truque. ia para a cama de noite e
quando acordava de manhã, já o sol tinha nascido.
emiLia: e depois choveu durante um mês.
dante: mas ela continuou a gostar de mim, mesmo que eu
não fosse lá um grande mágico. [pausa] eu não consigo
fazer o sol brilhar, emilia, mas eu amo-te; casa comigo,
por favor. [emiLia
saLão, para
não responde e amBos entram no
n 61 páG. 59]
t
de
49
L empicKa (acto ii) • Fdc
L 57 • salão
aéLis • carLotta • d’annunzio • de spiGa • Finzi • Luisa • mario • tamara
carlotta dança.
[tamara, carLotta e Luisa continuam no saLão de K 54
páG. 34. de spiGa entra vindo do escritório de Finzi de
K
52 páG. 21. d’annunzio e aéLis entram vindos do Quarto
de d’annunzio de
K 53
páG.
27.
Luisa pára de tocar
Quando d’annunzio entra]
d’annunzio:
então o anjo encantado sempre vai dançar?
carLotta: agora? Quer que eu… posso… agora? Quer
que eu dance? oh! comandante! [aBraça-o] desculpe.
[emBaraçada
peLa QueBra do decoro, Faz uma vénia]
estou tão excitada. Finalmente! o que é que eu faço?
Luisa, toca para mim?
Luisa: sim.
d’annunzio: [para tamara]
et comme orfée, j’ai decen-
du chercher ma euridice dans ce submonde. (e como
orfeu, desci para procurar a minha euridice neste submundo.)
de
spiGa: deduzo que a querias encontrar em lingerie.
d’annunzio:
cala-te, Francesco! sabes bem como odeio
a voz de um homem pela manhã.
50
t
de
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
spiGa: [para Luisa] Que linda blusa…
Luisa: está muito chic.
d’annunzio: [para tamara]
certaines femmes ont laissé
une impression, une image, une trace. vous seriez la première à laisser un portrait. (algumas mulheres deixaram
uma impressão, uma imagem, um traço. você será a primeira a deixar um retrato.)
aéLis: claro, Gabri, ela é pintora.
d’annunzio:
não sejas óbvia, aélis. [para
tamara]
Le
portrait, madame. [d’annunzio e tamara vão para sair]
aéLis: comandante, a dança.
d’annunzio:
sim, claro. [para
tamara]
La petite veut
danser pour moi. (a miúda quer dançar para mim.)
carLotta: Luisa, toca-me “o milagre”?
d’annunzio:
aélis, senta-te ali. Luisa, vai para o piano. e
tu, Francesco, arranja um assento. [seGredando a tamara]
vous avez peut être bien fait de me faire attendre.
(talvez tenha feito bem em me fazer esperar.)
Luisa: dites non.
d’annunzio:
il y a un moment où attendre est le ferment
de l’amour… (há um momento em que esperar é o fermento do amor…)
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
Luisa: dites non.
d’annunzio: …mais il y en a un autre, pas moins évident…
(…mas há outro, não menos perceptível…)
Luisa: dites non.
d’annunzio:
…où attendre peut devenir un enfer. (…em
que esperar pode tornar-se um inferno.) [vai
Luisa, aGarra-Lhe na mão e seGreda-Lhe]
não desistes. [voLtando-se
Junto de
parto-ta se
para carLotta]
pronta,
carlotta?
c arLotta: [Fazendo
um
úLtimo
exercício ]
si,
comandante! [Luisa toca dois compassos de “miLaGre”
de carLos dâmaso]
espere, Luisa.
Luisa: [pára de tocar] não posso tocar isto! [Levantase]
carLotta: a Luisa prometeu-me.
Luisa: não posso.
d’annunzio: Luisa, não nos faças suportar as marteladas
do Francesco.
de
spiGa: [ternamente] vai-te sentar, Luisa; eu trato da
parte díficil. [vai para o piano]
carLotta: mas prometeu.
51
52
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
Luisa: porque é que têm de ser os artistas os únicos a
cumprir promessas?
aéLis: podemos começar?
carLotta: Grazie, signore. Grazie. esta é a história do
milagre de santa catarina de siena.
de
spiGa: [senta-se
ao piano. Finzi e mario estarão a
entrar vindos do Quarto de mario, de
L 55 páG. 39. de
spiGa toca e canta a canção Fascista “Giovinezza, Giovinezza”. todos riem excepto aéLis e carLotta]
Giovinezza, giovinezza…
carLotta: signore de spiga, isto é muito importante
para mim. o senhor pode ter muitas influências, ter muitos amigos importantes…
aéLis: comandante! por favor. Faça alguma coisa.
de
spiGa: desculpe, minha querida carlotta, mas esque-
ci-me que nem todos os eventos culturais têm de começar obrigatoriamente com este hino. [entretanto, Luisa
vai Junto do coGnac e serve-se de uma BeBida. oLhando para tamara, arranca dramaticamente o seu Fio do
pescoço e deita o medaLhão na BeBida. tamara reparou em tudo]
d’annunzio:
une plaisanterie personelle. (uma piada.)
carLotta: muito obrigado. o milagre de santa catarina
t
de siena. [FinaLmente,
“miLaGre”.
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
carLotta começa a dançar o
cerca de dez compassos depois, tamara
Levanta-se e sai do saLão para o corredor em direcção ao átrio. d’annunzio seGue-a. começa m 58 páG. 54.
a dança de carLotta é de uma inGenuidade virGinaL e é
dançada de Forma a dar um eFeito cómico. durante a
dança, Luisa continua a BeBer. a cena continua no
saLão em
n 61 páG. 59]
53
54
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
m 58 • átrio
d’annunzio
• tamara
tamara rejeita d'annunzio.
d ’annunzio:
[seGuindo
tamara Que saiu do saLão
durante a dança de carLotta, de
L 57 páG. 53] Qu’y a-
t-il? Que s’est-il passé? c’est à cause de sa danse? (o
que foi? o que é que aconteceu? Foi a dança dela?)
tamara: Je ne peux pas accepter la manière dont vous
faites souffrir Luisa. (não posso aceitar a forma como
atormenta a Luisa.)
d’annunzio:
c’est elle qui se fait mal. croyez-moi, cela
n’a rien à voir avec nous. (ela é que se atormenta a ela
própria. acredite-me, aquilo não tem nada a ver connosco.)
tamara: elle a laissé son art pour être avec vous et maintenant que vous l’avez utilisée, vous la gardez dans ce…
dans ce musée. (ela deixou a sua arte para estar consigo
e agora que já a usou mantém-na aqui neste… neste
museu.)
d’annunzio:
Je l’ai utilisée? ce n’est pas ce que vous
alliez faire avec moi? vous êtes venue ici paindre le portrait d’un grand homme, dans l’espoir de devenir célebre
à mes dépens. (usei-a? não era isso que ia fazer comigo?
veio cá para pintar o retrato de um grande homem, na
esperança de ganhar fama à custa da minha.)
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
tamara: Je l’admets— non. ce n’est pas la vraie raison.
J’avais l’espoir de trouver en vous quelqu’un avec qui je
puisse partager ma… non, je ne voulait pas dire philosophie— quelqu’un qui comprendrait ce que j’essaie de
peindre, quelqu’un qui— (eu admito— não. não é essa a
verdadeira razão. esperava sinceramente encontrar em
si alguém que pudesse partilhar a minha… não queria
dizer filosofia —alguém que sentisse, que percebesse o
que é que eu tento pintar. Que—)
d’annunzio:
nous n’allons pas inventer une philosophie
de l’art. pour moi il me suffit de dire: l’histoire de la culture se résume à un mot: ouuui! J’adore ce mot. (não
vamos inventar uma filosofia da arte. para mim basta
dizer: a história da cultura pode ser resumida a uma palavra —siiim! adoro esta palavra.)
tamara: non. L’homme est arrivé lá où il est arrivé parce
qu’il a dit non. La civilization a avancé en disant non à
l’obscurité. (não. o homem chegou onde chegou porque
disse não. a civilização avançou dizendo não à escuridão.)
d ’a nnunzio :
oui. sortons de cette pièce obscure.
Laissez-moi vous emmener au lit où nous juirons de notre
aura. (sim. vamos sair desta sala escura. deixe-me levála para a cama onde poderemos gozar da nossa aura.)
tamara: vous n’avez pas entendu ce que j’ai dit? (não
ouviu o que eu disse?)
55
56
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
d’annunzio: si vous n’en aviez pas envie, vous seriez par-
tie la nuit dernière. allors, quelle est la vrai raison? vous
avez peur de tomber enceinte? ne riez pas. en afrique j’ai
appris le secret des pigmés: l’orgasme sans éjaculation.
J’utilise mes fluides vitaux dans mon travail. ouvrez mes
livres, ils sentent le sang et le sperme. (se não quisesse
mesmo tinha-se ido embora a noite passada. então qual
é a verdadeira razão? tem medo de ficar grávida? não
ria. em africa aprendi o segredo dos pigmeus: orgasmo
sem ejaculação. eu uso o meus fluidos vitais no meu trabalho. abra os meus livros, cheiram a sangue e a esperma.)
tamara: Je ne veux pas attrapper la syphilis. (não quero
apanhar sifilis.) [sai para o corredor para m 59 páG. 57]
d’annunzio:
sifilis? ela atreve-se a falar-me em sifilis?
[começa a ter um ataQue de cóLera Que continua em n
60 páG. 58]
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
m 59 • corredor
tamara
tamara auto-justifica-se.
tamara: [sozinha,
páG.
no corredor, vinda do átrio,
m 58
56] pourquoi sommes nous tous si vaniteux? J’ai
blessé son orgueil —et le mien? il ne comprend pas que je
ne puisse coucher dans un lit qu’il est encore tiède —peu
m’importe qu’ils ne soient pas ensemble depuis des
années —je ne peux pas jouir tout en sachent qu’elle
souffre, qu’il souffre et ainsi de suite. J’ai l’impression
d’être dans un opéra italienne. (porque é que somos
todos tão vaidosos? Feri o orgulho dele — e o meu? ele
não percebe que eu não me posso deitar numa cama que
ainda está morna —não me interessa se eles já não estão
juntos há anos —não posso ter prazer sabendo que ela
sofre e ele sofre e por aí fora. sinto-me no meio de uma
opera italiana.) [reentra no saLão para n 61 páG. 59]
57
58
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
n 60 • átrio
d’annunzio
d'annunzio auto-enfurece-se.
d’annunzio:
[Foi
deixado sozinho no átrio depois da
saída de tamara.
m 58
d'annunzio! [Fecha
páG .
56] sifilis —ao Gabriele
a porta]
eu, que com palavras e
obras purifiquei o phallus que era a italia da podridão e
do seu provincianismo que o infectou durante quinhentos anos. eu, que agarrei a italia nas mãos e utilizei o seu
sémen, a sua juventude, o meu semen, a minha juventude
a propagar a nova ordem, fazendo a nova italia, pura e
orgulhosa, voltar a pulsar pela esquecida paixão do
império. eu, que fiz a europa cair de joelhos à vista de
tão terrível membro latejando por tão singular objectivo e
determinação. ela atreve-se a sugerir, a mim, que fui o
progenitor de uma nação, que eu estou infectado?
[chama] aélis! [pausa] Julga ela que eu sou um sultão
árabe fora do harém? eu que sou o modelo do verdadeiro sedutor, o que trouxe dionysos para a secretária e as
mais distintas mulheres da europa para a cama. [chama]
aélis! aélis! [aéLis
entra vinda do saLão,
esta cena continua em
n 62 páG. 67]
n 61
páG.
60.
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
n 61 • salão
aéLis • carLotta • dante • de spiGa • emiLia • Finzi • Luisa • mario • tamara
Luisa obriga Finzi a assumir-se judeu perante carlotta.
[aéLis, carLotta, de spiGa, Finzi, Luisa e mario continuam
no saLão, de
L 57 páG. 53. emiLia e dante entram vindos
da cozinha, de
L 56 páG. 48. carLotta acaBa de dançar.
todos apLaudem. carLotta não aGradece os apLausos]
aéLis: superbe! eu não fazia ideia. a carlotta dança
melhor que a rubinstein.
tamara: [entra
páG.
no saLão vinda do corredor de
m 59
57] monsieur d'annunzio a un mal de tête affreux.
(monsieur d'annunzio tem uma dor de cabeça)
aéLis: uma dor de cabeça? mas ele nunca tem— Je verrai ce que je peux faire. merci, madame. (vou ver o que
posso fazer. obrigado, madame)
carLotta: a aélis disse que ele ia ver— e agora como é
que eu vou ter a minha recomendação para diaghilev?
aéLis: vai tê-la, carlotta, mas primeiro tenho de ir tratar
da dor de cabeça de il comandante.
carLotta: eu sei curá-las com uma massagem!
de
spiGa: não só sabe dançar, como sabe fazer milagres.
59
60
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
aéLis: não quer ir pôr o seu vestido novo? vamos almoçar ao Grande hotel a Gardone. tem cinco minutos para
se aprontar. [sai para ir ter com d’annunzio ao átrio, n
62 páG. 67]
carLotta: vem almoçar connosco, capitano?
Finzi: não posso, tenho um relatório para fazer.
carLotta: Gostava de saber o que é que achou da minha
dança.
Luisa: surpreende-me que lhe interesse a opinião do
Finzi, carlotta.
carLotta: dou mais valor à opinião dos amigos do que à
de estrangeiros.
Luisa: mas segundo si, ele é um estrangeiro.
Finzi: porque é que está a beber, Luisa? [esta não responde]
carLotta: eu só falei das pessoas que—
Luisa: ele é judeu, carlotta. não disse que todos os
judeus são estrangeiros?
de
spiGa: isto é mesmo necessário? anda cá, Luisa…
[Luisa não se move]
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
Finzi: devia ir-se mudar, signorina.
Luisa: [Baixo] diga-lhe. diga-lhe ou eu grito.
Finzi: nunca o neguei. pois não, dante? [dante não responde]
eu sou judeu.
carLotta: [Baixo,
para Finzi]
nós beijámo-nos… por-
quê? porque é que me levou a isso?
Luisa: aquilo que a leva a si é o ódio.
Finzi: Luisa, por favor.
Luisa: eu também era assim, carlotta. mas ainda está a
tempo de mudar. mude, carlotta.
carLotta: [Baixo] tenho de me ir aprontar para o almoço. [carLotta sai para uma mudança rápida de roupa e
reGressa mesmo antes de aéLis e de d’annunzio reentrarem, vindos de
o 63
páG.
70.
a partir daQui, a cena
divide-se em três cenas simuLtâneas: mario, emiLia e
dante Ficam Juntos em
n 61a
páG.
62.
mais coGnac e Finzi diriGe-se-Lhe em
Luisa vai Buscar
n 61B
spiGa voLta-se para FaLar com tamara em
páG.
64.
de
n 61c páG. 65]
61
62
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
n 61a • salão
dante • emiLia • mario
emilia confronta mario sobre inglaterra.
emiLia: [para
dante]
olha a braguilha. [dante
BraGuiLha. emiLia seGreda a mario]
Fecha a
como é que podes
estar tão calmo? [mario não responde] o Finzi sabe mais
do que pensas.
mario: o quê?
emiLia: era melhor ires-te já embora.
mario: traíste-me?
dante: cala essa boca.
mario: Falo com il comandante e vou-me embora esta
noite.
emiLia: mentiste-me.
dante: [aLto] claro que menti. não queria que andasses
a fazer espalhafato por causa do meu aniversário.
emiLia: vais levá-lo para inglaterra.
dante: [aLto] uma camisa de inglaterra.
mario: nós pagámos-te!
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
dante: [aLto] pagaste muito caro.
Luisa: dante, se têm de discutir, façam-no na vossa
zona.
dante: si, signora Baccara.
emiLia: e eu? ainda acabo na prisão.
mario: Faz como eu te disse e ficaremos todos vivos.
dante: se não acabam com isso, quem dá cabo de vocês
sou eu. [d’annunzio
começa
e aéLis entram vindos do átrio e
o 63 páG. 70]
63
64
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
n 61B • salão
Finzi • Luisa
Finzi propõe a Luisa partirem juntos para roma.
Finzi: Luisa, o que é que se passa? nunca a vi assim.
Luisa: [BeBendo Grandes GoLes] somos todos tão horrivelmente educados. il duce fala do caos, mas não é o
caos que nos vai matar… vamos morrer de chá, aldo.
iremos dizer sim signora, um farrapinho de leite e açúcar
e uma bala na cabeça.
Finzi: de que é que está a falar?
Luisa: a carlotta fala de judeus e de estrangeiros como
se estivesse a falar do tempo. ninguém repara nisso. nem
mesmo tamara. ela pensa que é livre, mas o Gabri já a
conseguiu enredar na sua rede… porque é que eu não
posso ir… eu só me queria ir embora.
Finzi: Luisa, tenho um assunto em mãos. um assunto que
vai cortar as asas ao Gabri e que vai fazer de mim coronel. iremos juntos para roma, Luisa. você e eu.
Luisa: Juntos? entre você, o Gabri e o Francesco eu
ainda dou em doida. eu quero-me ir embora… sozinha…
odeio esta casa! estas mãos!
Finzi: tenha calma, Luisa. [d’annunzio e aéLis entram vindos do átrio e começa
o 63 páG. 70]
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
n 61c • salão
de
spiGa • tamara
tamara conversa sobre uma ida a nice.
tamara: Luisa va bien? (a Luisa está bem?)
de
spiGa: un petit contretemps. Bon, et le portrait…
vous avez pensée dans quel position le ferez vous? (uma
pequena contrariedade. Bom, e a respeito do retrato…
Já pensou na pose?)
tamara: non. (não)
de
spiGa: Je suis sûr qu’avec le temps… (estou conven-
cido de que, com o tempo…)
tamara: malheuresement je dois être a nice la semaine
prochaine. (infelizmente tenho de estar em nice na próxima semana.)
de
spiGa: a nice? (em nice?)
tamara: oui, j’y ai du travail. pas aussi important qu’ici, il
ne s’agit pas de peindre un poète mais un médecin, je
crois. il faut bien gagner sa vie. (sim, há a possibilidade
de um trabalho, não tão importante como um poeta; um
médico, acho eu. precisamos de ganhar a vida.)
de
spiGa: parlez-moi avant de partir; j’y ai des amis. Le
duc de milan, par exemple. (Fale comigo antes de ir;
65
66
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
tenho amigos lá. o duque de milano, por exemplo.)
tamara: visconti?
de
spiGa: vous le connaissez? (conhece-o?)
tamara: J’ai fait le portrait de sa femme. (pintei a mulher
dele.)
de
spiGa: avec sa famille? (com o resto da família?)
tamara: non, non, elle était à zurich avec des amis; je n’ai
jamais connu sa famille. (non, non, ela estava em zurique
com pessoas amigas; nunca conheci a família.)
de
spiGa: ah… vous savez ce que vous pouriez faire?
demander à Gabri si mario pouvait vous accompagner à
nice pendant quelques jours, pour être avec ce médecin,
et en suite vous reviendriez. (ah… sabe o que podia
fazer? pedia ao Gabri se o mario a podia levar a nice por
uns dias, para estar com esse médico, e depois voltava…)
tamara: Je ne peux penser qu’á un portrait à la fois,
monsieur. (só consigo pensar num retrato de cada vez,
monsieur.)
de
spiGa: Je vois. (estou a ver.) [d’annunzio
entram e começa
o 63 páG. 70]
e aéLis
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
n 62 • átrio
aéLis • d’annunzio
d'annunzio queixa-se a aélis de tamara.
[d’annunzio
está sozinho no átrio, de
aéLis entra vinda do saLão, de
d’annunzio:
n 60
páG.
58.
n 61 páG. 60]
sabes o que é que ela me disse?
aéLis: Foi muito cruel para a carlotta quando saiu no
meio da dança.
d’annunzio:
nem quero acreditar. ninguém—
aéLis: disse que a via dançar! partiu-lhe o coração,
Gabri.
d’annunzio:
aélis, estás-me a ouvir?
aéLis: estou, estou a ouvir.
d’annunzio:
ela teve a lata de me dizer a mim, Gabriele
d'annunzio, que tinha medo que eu lhe pegasse a sifilis!
eu, que pude escolher de entre todas as mulheres com
título na europa!
aéLis: ela disse-lhe isso?
d’annunzio:
a rubenstein disse? ou a duse?…
67
68
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
aéLis: nenhuma, Gabri, nenhuma.
d’annunzio:
ou a Bernhardt, a nike, a isadora duncan?
a emma visconti?
aéLis: nenhuma, Gabri.
d’annunzio:
e as palavras, aélis. devias ter ouvido as
maravilhosas palavras… os presentes—
aéLis: Já gastou 150.000 liras com ela. a mulher é uma
profissional.
d’annunzio:
não, ela é… ela é… mais do que isso!
aéLis: é perversa!
d’annunzio:
[FeLiz
com a paLavra]
perversa. tenho de
lhe chamar isso. perversa.
aéLis: não vai fazer nada disso. vai voltar ao salão e
dizer à carlotta que ela foi maravilhosa.
d’annunzio:
maravilhosa? a rapariga é uma desgraça.
aéLis: não me interessa, Gabri. a tamara disse que o
Gabri estava com dor de cabeça e a carlotta em vez de
dizer que esperava que a dor de cabeça o matasse, perguntou-me se podia vir fazer-lhe uma massagem. agora
vá ter com ela e diga-lhe que ela foi maravilhosa, para
depois irmos almoçar a Gardone.
t
d’annunzio:
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
o que é que eu faço com a de Lempicka?
aéLis: seja o que for, Gabri, faça-o depressa, por favor.
estou farta de ter a casa em pantanas por causa dos
pelos púbicos dela. [vai a uma Jarra com uma rosa, tiraa e dá-a a d’annunzio]
Bom, se fizer a carlotta feliz…
deixe-me realçar a palavra se… trago uma carta do dottore Barzini a dizer que não está infectado.
d’annunzio:
aélis, tu és maravilhosa.
aéLis: diga isso à carlotta. venha. [saem para o saLão,
o 63 páG. 70]
69
70
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
o 63 • salão
aéLis • carLotta • d’annunzio • dante • de spiGa • emiLia • Finzi • Luisa • mario •
tamara
d'annunzio oferece uma rosa a carlotta.
[d’annunzio, com uma rosa, entra com aéLis, vindos do
átrio, de
de
n 62 páG. 69. continuam dante, emiLia e mario
n 61a páG. 63, Finzi e Luisa de n 61B páG. 64, de spiGa e
tamara de
n 61c páG. 66 e carLotta de n 61 páG. 61]
d’annunzio:
Quem é que sofe de dor de cabeça? é o
mundo que sofre, não eu.
carLotta: está melhor, comandante?
aéLis: emilia, os casacos. mario, o automóvel. [mario sai
para a rua peLa porta do iL vittoriaLe e reentra em
o
64 páG. 72. Finzi seGue e reentra em o 64 páG. 73. emiLa
sai para o átrio,
o 64 páG. 72]
d’annunzio: não teve importância. Fiquei subjugado pela
sua dança, foi tudo.
carLotta: vai recomendar-me?
d’annunzio:
se eu conseguir encontrar as palavras ade-
quadas—
de
spiGa: se eu conseguir encontrar a música adequa-
da…
t
de
71
L empicKa (acto ii) • Fdc
carLotta: Grazie, comandante. o meu papá vai ficar
tão orgulhoso.
d’annunzio:
[para
carLotta, com a FLor]
eis a minha
carta de recomendação para si… devia colocar-lhe isto.
mas onde? [vai para pôr a FLor na oreLha de carLotta]
aéLis: [aGarrando
[dá
na FLor]
a FLor a carLotta]
com licença, comandante.
temos de ir andando. [aéLis
carLotta saem para o átrio, para
e
o 66 páG. 77]
Luisa: sim, vamos. [Luisa sai e tamara seGue-a, para o
64 páG. 72]
d’annunzio: Francesco,
o que é aborreceu a Barracuda?
ela nunca bebe.
de
spiGa: estou surpreendido por teres reparado.
d’annunzio:
Francesco, eu convidei-te para fazeres com
que a Luisa se voltasse a interessar pela música e não
para que ela se tornasse numa alcoólica.
de
spiGa: então deixa-me levá-la para longe daqui, para
longe de ti.
d’annunzio: nunca. Limita-te a levá-la a almoçar. Quero-
a sóbria quando ela voltar. e Francesco, diz ao teu farmaceutico para me arranjar outra dose. [Gesto de inaLar
cocaína. de spiGa sai para o átrio, para
d’annunzio continua com dante, em
o 64
páG.
o 65 páG. 75]
72.
72
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
o 64 • átrio
de
spiGa • emiLia • Finzi • Luisa • mario • tamara
partida para o almoço.
[emiLia aJuda Luisa a vestir o casaco. tamara veste-se
sozinha e vai a uma mesa escrever um BiLhete. vieram do
saLão de
o 63 páG. 71]
emiLia: é muito cedo para começar a beber, signora
Baccara.
Luisa: é muito tarde.
de
spiGa: [entra
vindo do saLão, de
o 63
páG.
71] vai
haver muito para beber no restaurante, Luisa. não tens
de o levar contigo. [aGarra-Lhe no copo e coLoca-o na
mesa onde tamara está a escrever um BiLhete]
Luisa: Quero ir ao aérodromo… Francesco, vamos levar
a tamara ao aérodromo. podíamos voar para longe.
de
spiGa: [mario
entra vindo da rua na seQuência da
sua saída do saLão, de
o 63
páG.
70] duvido que um
avião te consiga levar ainda para mais longe. não é,
mario?
mario: si, signore.
de
spiGa: [pedindo-Lhe as chaves] eu conduzo.
t
de
73
L empicKa (acto ii) • Fdc
mario: tenho de lhe mostrar uma coisa na embraiagem;
está presa. [saem para a rua. mario voLtará a reentrar
na presente cena
o 64 páG. 74. de spiGa voLta a entrar
na seQuência da ida a Gardone, em
Q 77
páG.
111.
Finzi
entra da rua na seQuência da sua saída do saLão, de
o
63 páG. 70]
Luisa: [BeBendo
do seu coGnac Que está na mesinha]
aldo, devolva-me a minha arma.
Finzi: não, a Luisa—
Luisa: não vou sem ela.
Finzi: [tira
para Fora um peQueno revoLver e dá-Lho]
muito bem. agora meta-a na sua bolsa. e largue essa
bebida.
Luisa: [pousa
o copo. para Finzi, antes de sair]
Bang,
bang. [sai para a rua seGuida por Finzi. voLta a entrar
na seQuência da ida a Gardone, em
reentra no átrio em
Q 77
páG.
111.
Finzi
p 69 páG. 90]
tamara: [acaBa de escrever um recado para d’annunzio: “aLLons, mon Frère, cédons à nos Bons instincts et
emBrassons-nous, puisQue nous souFFrons, tous Les
deux, pitoyaBLes… tamara”. (“vamos, meu irmão, cedamos aos nossos Bons instintos e aBracemo-nos, Já Que
amBos soFremos, inFeLizes de nós… tamara) dá o
recado a emiLia. mario reGressa do automóveL]
monsieur d'annunzio.
pour
74
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
emiLia: o quê?
tamara: pour monsieur d'annunzio.
emiLia: ah… si, signora. [aGarra no recado]
tamara: merci… Grazie. [sai
para Gardone. reentrará
em Q 77 páG. 111. mario aproxima-se de emiLia no átrio, em
o 67 páG. 79]
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
o 65 • salão
d’annunzio
• dante
d'annunzio faz perguntas a dante sobre mario.
d’annunzio:
páG.
[continua
com dante no saLão, de
o 63
71] dante.
dante: si, comandante.
d’annunzio:
não me acordaste esta manhã.
dante: eu estive… o mario e eu estivemos a tentar diminuir a quantidade de vodka existente no mundo.
d’annunzio:
embebedaram-se os dois a noite passada?
dante: é a melhor maneira de se ver venezia.
d’annunzio:
Fala-me do mario.
dante: comandante?
d’annunzio:
tu não és tolo, dante. eu sei que tens a
infelicidade de ver a realidade como ela é. por isso, dizme quem é realmente o mario?
dante: isso ele não disse, mas pareceu-me ansioso para
falar consigo.
d’annunzio:
só falar?
75
76
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
dante: ele não lhe quer fazer mal, comandante. peçolhe, per favore, por favor, oiça-o e deixe-o ir embora…
por causa da emilia.
d’annunzio:
da emilia?
dante: si.
d’annunzio:
porquê essa mentira de eles serem primos?
porque é que ela o ajudou?
dante: dinheiro. talvez se lhe tivesse pago os ordenados dos últimos cinco meses, isto não tivesse acontecido.
d’annunzio:
mas nós somos uma famiglia.
dante: eu compreendo, comandante, mas sabe muito
bem como é a emilia, gosta de fazer compras, de comprar
vestidos, quer parecer-se como a signora de Lempicka.
d’annunzio:
uma pavoa de chapéu.
dante: Bella. [Faz
um Gesto sexuaL, indicando as cur-
vas deLa]
d’annunzio: [Batendo-Lhe na cara de uma Forma amiGáveL]
eh! Já chega. agora pira-te para os teus canais… e
dante, vai arrumar o meu quarto. [dante
Quarto de d’annunzio, para
continua no saLão em
p 70
p 68 páG. 80]
páG.
94.
sai para o
d’annunzio
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
o 66 • corredor e átrio
aéLis • carLotta • emiLia
carlota diz a aélis que se quer ir embora.
aéLis: [diriGe-se
saLão de
com carLotta para a rua, vindas do
o 63 páG. 71. no átrio vestem os casacos com
a aJuda de emiLia]
não foi um gesto maravilhoso de il
comandante ter-lhe oferecido a flor?
carLotta: aélis, acha que consegue que ele me passe a
recomendação?
aéLis: Logo que chegarmos. e então—
carLotta: eu só quero ir para casa.
aéLis: então que é isso, carlotta? pensei que ficava feliz
por ter conseguido a sua recomendação.
carLotta: o meu papá é que a quer.
aéLis: e a carlotta?
carLotta: o capitano Finzi é judeu, aélis. sabia?
aéLis: com certeza. o que é que isso tem a ver… ele
disse-lhe alguma coisa que a aborrecesse? eu falo com il
comandante se—
carLotta: não. é… o que estivemos a falar na noite
77
78
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
passada.
aéLis: paixão? amor? é disso que está a falar?
carLotta: eu estou a falar… meu deus, eu não sei do
que estou a falar. é tudo tão confuso. santa catarina,
ajuda-me. [corre para o automóveL]
aéLis: oh meu deus. com tantas freiras neste país, será
que não consigo ao menos uma? [aéLis e carLotta saem
para Gardone. reGressam em
Q 77 páG. 109]
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
o 67 • átrio
emiLia • mario
mario fica com o recado que tamara deu a emilia.
mario: [para
emiLia, de
o 64
páG.
74] emilia! tens um
recado de madame de Lempicka. vi-a a dar-to. dá-o cá.
emiLia: mentiste-me.
mario: emilia, eu menti-te para te proteger. por favor. é
esta a minha oportunidade, eu depois vou-me embora.
emiLia: Leva-me contigo.
mario: não posso.
emiLia: o Finzi obrigou-me a contar-lhe da defelice.
mario: meu deus.
emiLia: [assustada] vamos ser todos presos…
mario: pronto. eu levo-te comigo. mas tens de confiar
em mim se queres sair daqui.
emiLia: será como tu quiseres. [dá-Lhe o recado]
mario: aguenta o Finzi. dá-me cinco minutos com o
d'annunzio. cinco minutos. [BeiJa-a e vai para o saLão,
p 68 páG. 80. emiLia Fica no átrio para p 69 páG. 90]
79
80
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
p 68 • salão
d’annunzio
• mario
mario convida d'annunzio a ir para inglaterra.
mario: [entra vindo do átrio, de o 67 páG. 79 e chama]
comandante.
d’annunzio: [continua no saLão, de
nando aLGuns dos seus Livros]
o 65 páG. 76, exami-
sssh. [Faz sinaL a mario
para se aproximar e se pôr em Frente a eLe. mario oBedece e Fica caLado por aLGuns momentos]
parece que
ela voltou.
mario: está a falar de quê, comandante?
d’annunzio:
há uma traça na minha casa. a espiar-me.
sento-me e agarro na caneta para escrever, e aí está ela.
mario: o Finzi?
d’annunzio:
não. [rindo] uma traça dos livros. [Lenta-
mente diriGe - se a um Livro Fechado numa caixa ]
penetrou no meu catullus, no sextus propertius, no
ovídio… pensei que o petrarca a faria parar, afinal
parou-me a mim. o homem é um cangalheiro… ela atacou-o logo! pensei que a podia confinar aos estudos,
mas agora também anda por aí. mas ela não vai apanhar
o meu maquiavel. está hermeticamente selado… uma primeira edição de il principe, publicado por antonio Baldo,
roma, 1532.
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
mario: e estará a salvo na caixa?
d’annunzio:
achas que não?
mario: e se a traça entrou lá dentro?
d’annunzio:
na caixa? tu não conheces maquiavel.
mario: um livro é para ser lido, não é?
d’annunzio:
os meus foram vividos.
mario: então o que eu pergunto é o seguinte: para que é
que serve um livro que está fechado dentro de uma caixa?
d’annunzio:
é uma primeira edição.
mario: é exemplar único?
d’annunzio:
há trinta e sete.
mario: se eu estivesse fechado numa caixa, acabava por
morrer, não era?
d’annunzio:
pois morrias.
mario: eu acho que esta casa… é uma grande caixa.
d’annunzio:
também o mundo.
mario: tem sorte de só ter de se preocupar com traças
81
82
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
de livros. o meu capitano na guerra gostava de escrever.
uma vez os canhões austríacos bombardearam-nos
durante doze horas seguidas. não conseguia pensar em
mais nada, e por isso escreveu sobre canhões; e os
canhões calaram-se.
d’annunzio: [Que continuou a vaGuear peLa saLa, aGarra noutro Livro]
d'annunzio não escreve sobre traças!
mario: mas se fosse contra alguma coisa—
d’annunzio:
denunciava-a.
mario: a qualquer preço?
d’annunzio:
eu sou “o italiano”.
mario: eu sou o chauffer.
d’annunzio:
só chauffer, mario? sabes porque é que eu
encravei o puglia em frente da casa?
mario: por ter sido um dos barcos que usou no seu
assalto a split?
d ’a nnunzio :
o capitano do puglia era meu amigo.
tommaso Gulli. Foi ferido durante o assalto. no hospital
pediu para ver as feridas. Quando o médico lhe disse que
podia morrer se as ligaduras fossem retiradas, ele resolutamente arrancou-as. deixa que este acto seja um
exemplo para ti, mario, um exemplo para toda a italia,
descobrir as feridas e enfrentá-las sem recuar.
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
mario: e ele sobreviveu?
d’annunzio:
ele não tinha medo de morrer.
mario: morreu.
d’annunzio: [zanGado]
sim. sim, meu idiota, morreu. Foi
um dos que teve sorte.
mario: mas o comandante tem outros amigos. o seu
retrato acompanha sempre il duce. il duce gosta de si.
cita os seus poemas.
d’annunzio:
os meus amigos morreram.
mario: está disposto a descobrir as feridas?
d’annunzio:
[não
responde; aBre o Livro Que traz na
mão; tira a arma Que tem dentro]
estou demasiado
cansado para continuar a saltar sobre as metáforas
como se elas fossem pedras a fazer richiochetes na água
dum ribeiro. [aponta
a arma a mario]
o que é que tu
queres?
mario: comandante, madame de Lempicka pediu-me
para lhe dar este recado.
d’annunzio:
tu não és chauffer. mas não vieste para me
matar. por isso, volto a perguntar, o que é que tu queres?
mario: o meu nome é mario visconti e quero a sua ajuda.
83
84
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
d’annunzio:
o teu pai é o duque de milão?
mario: é.
d’annunzio:
e a tua mãe é a emma?
mario: tenho a certeza de que conhece ambos muito
bem, mas eu tenho pressa. o Finzi sabe.
d’annunzio:
é muito bonita, a emma. sim. sim. consigo
perceber as parecenças. os olhos. [poisa
a arma]
marchese mario visconti. então, o que é que quer que eu
faça?
mario: as pessoas que me mandaram querem que deixe
italia.
d’annunzio:
porquê?
mario : porque tem uma voz. Querem que vá para
inglaterra. o seu amigo, o duque de connaught, pertence à câmara dos Lordes; tem influências no Governo.
Juntos, podem acabar com os empréstimos britânicos
que sustentam o regime de mussolini.
d’annunzio:
a sua mãe é inglesa; você conhece essa
gente. porque é que precisa de mim?
mario: eles não negoceiam com comunistas.
d’annunzio:
então você é comunista?
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
mario: está disposto a juntar-se à nossa luta?
d’annunzio:
pela liberdade, sem dúvida nenhuma. mas
deixe-me dizer-lhe, mario, que a liberdade é um vício
sobreestimado.
mario: em italia é uma virtude subestimada.
d’annunzio:
e quando é que a nossa cruzada pela liber-
dade começa?
mario: esta noite.
d’annunzio:
impossível.
mario: esta noite.
d’annunzio:
as pessoas pedem-me sempre para lhes
indicar o caminho. todos os anos há uma nova causa, um
novo movimento. esta é a minha casa, jovem mario. o
meu palácio de cristal. o ar aqui é limpo.
mario: então porque é que ele me dá vómitos?
d’annunzio: [zanGado]
porque cada homem tem de car-
regar a sua cruz! eu desprezo-o, jovem.
mario: [recuando] tinha intenção de demorar o tempo
que fosse preciso, levá-lo daqui para fora com calma,
mas não há tempo. o Finzi está a escrever o relatório. e
uma vez que me contratou, vai ser deduzido que o senhor
85
86
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
voltou novamente a colaborar com a esquerda.
d’annunzio:
eu não me envolvo em política.
mario: o Finzi saberá convencê-los do contrário.
d’annunzio:
também tenho relações com roma.
mario: é por isso que o fascista Finzi está à entrada
desta casa?
d’annunzio:
um homem da minha posição precisa de
protecção.
mario: de quem? de quem? Lembra-se do 13 de agosto
de 1922? Quatro meses antes de mussolini ter chegado
ao poder, o senhor estava preparado por si só para
avançar para roma. mas os fascistas empurraram-no
daquela varanda abaixo!
d’annunzio:
caí! perdi o equilíbrio.
mario: ou terá perdido a coragem?
d’annunzio:
Já dei o suficiente! não posso dar mais.
mario: o senhor não deu nada. vocês “artistas” fartamse de chorar que não podem dar mais. Qu'est-ce que
vous avez donné? c'est du faux! c'est de la merde! você
inspirou uma nação com palavras, encheu-a com ideias
de grandeza e glória mítica. “Forza italia!” gritava o
senhor. e alimentava-nos com uma exótica dieta que mis-
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
turava a roma clássica com portos modernos e comboios
pontuais. mas a italia continua a morrer de fome. porque
o senhor não deu nada. as suas palavras hipnotizam mas
não alimentam. o que o senhor escreveu, a italia esquecerá.
d’annunzio:
posso sempre dar-lhe um tiro.
mario: [zanGado] o senhor só pode dar aquilo que os
fascistas lhe deram!
d’annunzio:
tenho esta arma.
mario: pois tem. e pode tirar-me a vida, se quiser. mas
não pode tirar-me a consciência. chegou a altura de
escolher. há uma escolha que precisa de ser feita. diga
sim… veja, o antonio Gramsci, no mês passado—
d’annunzio:
outro comunista!
mario: …é um membro do parlamento eleito democraticamente —é meu amigo— o antonio Gramsci foi preso.
todos os dias as liberdades são cerceadas. as únicas
leis que passam são as que restrigem a liberdade. sabe
muito bem estas coisas. esta não é a italia nova com que
sonhou. porque eu estava lá em 13 de maio de 1915, na
véspera do dia em que entrámos na guerra, quando discursou da varanda do capitólio. o senhor desmascarou
o governo. chamou-lhes “palhaços com faixas tricolores,
cujas atoardas desonram o chão sagrado de italia”. não
é isso que o mussolini é?… um palhaço?… e eu aqui a
dar-lhe sermões. não fui cá mandado para isso. eu parto
87
88
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
esta noite. preciso de uma resposta sua.
d’annunzio:
acha que os ingleses me iam ouvir?
mario: acho!
d’annunzio:
depois de todos as coisas insultuosas que
eu disse sobre o Lloyd George?
mario: é o Baldwin que está agora no poder.
d’annunzio:
ai é verdade. [pausa] a eleanora duse
enviou-me um telegrama mesmo antes da guerra, pedindo-me para trocar a arte pela política. eu disse simplesmente: “teria de mudar as asas”. tenho saudades de
voar, mario. pensava fazer uma viagem ao Japão, mas
julgo que inglaterra é um destino melhor.
m ario :
[estendendo
o
recado
de
tamara ]
comandante, vim entregar-lhe este recado da parte de
madame de Lempicka.
d’annunzio:
Lê-o.
mario: [Lê] “allons, mon frère, cédons à nos bons instincts et embrassons-nous, puisque nous souffrons,
tous les deux, pitoyables… tamara”.
d’annunzio:
por italia! [aBraçando mario]
mario: por italia!
t
d’annunzio:
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
até logo à noite, jovem mario.
mario: comandante. [mario
cumprimenta e sai para o
seu Quarto. Quando sai do saLão encontra Finzi no
corredor em
p 76 páG. 107. d’annunzio, depois de ouvir
a discussão deLes, chama Finzi em
p 76 páG. 107]
89
90
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
p 69 • átrio
emiLia • Finzi
Finzi manda emilia revistar o quarto de mario.
[Finzi
veio da rua, de
átrio, de
o 67
páG.
o 64
79.
páG.
73.
emiLia continua no
emiLia aGarra num cesto de
LaranJas e atira uma, convidativa, a Finzi]
Finzi: de que é que tu e o mario estiveram a falar?
emiLia: o dante pediu-me outra vez para casar com ele.
[emiLia encosta-se convidativamente. Finzi BeiJa-a. emiLia acaricia Finzi, dá uma risada e acena para o seu
Quarto. Finzi aGarra-a e, suBitamente, dá-Lhe um pontapé, o Que a Faz cair espaLhando as LaranJas]
Finzi: emilia, o que é que tu disseste ao mario?
contrariamente ao teu comandante, eu não me encolho
quando uma mulher me impressiona.
emiLia: só os homens lhe metem medo.
Finzi: Bom, o que é que tu disseste ao mario?
emiLia: disse-lhe para se ir embora.
Finzi: tu queres desgraçar-me? ele não se pode ir embora! ele é a melhor coisa que me aconteceu. roma! o teu
cérebro é capaz de entender o que eu estou a dizer?
roma.
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
emiLia: roma. venezia. vocês, homens, não me interessam. nem as vossas cidades!
Finzi: roma não é uma cidade, é o meu futuro!
emiLia: se o mario ficar eu não terei futuro.
Finzi: não tens escolha, emilia. eu sou o teu futuro. Quer
ele fique ou vá. tu trouxeste-lo para cá. eu levá-lo-ei…
quando me convier. o que é que te acontece a ti?
depende…
emiLia: e aélis, e a Baccara?… vai pôr-nos a pedir na rua
para pagar a sua passagem para roma?
Finzi: pedi à Luisa para vir comigo.
emiLia: nem ganha para lhe mandar afinar o piano.
Finzi: [apontando
as LaranJas no chão]
Limpa isto!
mussolini tinha dinheiro? o poder traz dinheiro.
d'annunzio tem dinheiro mas não tem poder. ela irá.
emiLia: [apanhando as LaranJas] aqui, ele tem poder.
Finzi: aqui. no jardim.
emiLia: e aélis?
Finzi: será deportada para França.
91
92
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
emiLia: e…
Finzi: tu, emilia? se ficares em liberdade, arranja-te com
o dante. é o que ele quer e o melhor que podes esperar.
emiLia: [Levantando-se] eu não preciso do dante.
Finzi: [empurrando-a contra uma coLuna] o que é que
ele sabe?
emiLia: nada.
Finzi: eu acho que ele sabe mais do que tu.
emiLia: está enganado.
Finzi: embebedaram-se ontem à noite.
emiLia: o dante embebeda-se todas as noites.
Finzi: eu apanhei-os. estavam a conspirar. tenho a certeza. eu depois trato dele.
emiLia: [acariciando
Finzi]
ele não sabe nada. deixe-o
de fora, aldo. ele pensa que o mario é meu amante.
estivemos a discutir por causa dele esta manhã.
Finzi: [empurrando-a
novamente contra uma coLuna]
eu sei como lidar com ele. Quanto tempo é que ele demora a limpar o quarto de il comandante?
emiLia: porquê? [pausa] não sei.
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
Finzi: és demasiado estúpida para te fazeres de ingénua.
Quanto tempo?
emiLia: dez minutos, sei lá.
Finzi: vai revistar o quarto do mario.
emiLia: e se ele aparece?
Finzi: eu fico à espera dele. [cospe-Lhe
LaranJa]
uma casca de
vai.
emiLia: ele deve estar a chegar.
Finzi: podia mandar-te prender por menos do que isto.
[cospe-Lhe nova casca de LaranJa] vai.
emiLia: o que é que eu vou procurar?
Finzi: [cospe-Lhe uma terceira casca de LaranJa] vai!
emiLia: onde é que eu procuro?
Finzi: és tu que és a ladra.
emiLia: eu não esconderia nada de valor no meu quarto.
Finzi: [atira-Lhe com a LaranJa] vai! [emiLia corre para
o Quarto de mario, para
p 72 páG. 99. Finzi, tira outra
LaranJa e sai para o corredor para
p 71 páG. 97]
93
94
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
p 70 • Quarto de d'annunzio e corredor
dante
dante descobre que falta a pistola no quarto de
d'annunzio.
dante: [vem do saLão, de o 65 páG. 76. passa por mario
e Faz-Lhe um sinaL Que pode FaLar com d’annunzio.
Quando passa peLo átrio vê emiLia e Finzi a BeiJarem-se.
FaLa para si próprio enQuanto se diriGe ao Quarto de
d’annunzio]
Quando ela o está a beijar, eu sei que ela
está a pensar no quanto o odeia. e ele beija-a como se
lhe estivesse a bater —e a mim. e eu não faço nada porque a amo. porque é que o mundo ficou de pernas para
o ar? [entra no Quarto de d’annunzio e começa a pôr
em ordem a secretária, aGarrando em FoLhas de papeL
escrito Que Foram amarFanhadas e atiradas ao chão.
Quando coLoca o tinteiro na Gaveta da secretária, Faz
uma pausa]
[procura
a arma de il comandante não está aqui.
na secretária]
há seis anos que arrumo este
quarto, já mudou duas vezes de mobília —os livros vão e
vêm, mas a arma estava sempre carregada e nesta gaveta. onde é que ela estará? estava aqui ontem. porque é
que desapareceu hoje? mario. mario, é o único que a
podia ter levado. il comandante diz que é sagrada e que
não toca nela. diz que pertencia a um general austríaco
derrotado, mas não é essa a verdadeira razão pela qual
ele a guarda… a arma está aqui porque assim ele pode…
como é que é que ele diz… [imitando
d’annunzio]
“porque assim posso escolher o momento de morrer…
quando as palavras já não brotarem… quando as mulheres me voltarem as costas… no dia em que eu não acredi-
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
te nas mentiras que tu me dizes de quão grande eu sou…
nesse dia, carrego no gatilho.” [termina
a imitação]
só
os ricos podem pensar em suicídio. ele quer escolher o
momento de morrer —como é que eu posso alguma vez
saber quando é que as minhas responsabildades terminaram? Quantas vezes já eu pensei que não podia continuar neste sofrimento: vejo a emilia com outro homem,
não posso ver a minha filha caterina… mas eu continuarei, com ou sem elas. tenho de continuar. e quando não
houver outra razão, continua a haver deus, continua a
haver a memória do meu pai. ele nunca desistiu. Quando
apareceram os barcos a motor, lutou contra eles em
nome de todos os gondolieri. e quando os fascistas apareceram lutou contra eles, mesmo sabendo que ia perder,
que uma noite eles haviam de o apanhar. [Faz uma pausa
e vai para Fazer a cama mas senta-se e aBraça uma
aLmoFada] papà, lembas-te do que costumavas dizer: “a
vida é labuta, dante. o sofrimento… a felicidade, vão e
vêm como as marés. o que interessa é o que a gente bebe
do copo que deus nos dá”. il comandante recusa-se a
beber. deita-se nesta cama mole e não sente nada. e
papà, continuo a ver-te nu naquela pedra fria de mármore, o teu corpo moído e inchado pelos dois dias dentro
do canal. o rabi Levi borrifou-te primeiro com água
quente, depois com fria —mas tu não te mexeste.
enrolámos-te num lençol; depois pusemos-te o xaile das
orações… e eu desmanchei um por um os quatro nós;
finalmente ficaste livre das tuas responsabilidades…
perante deus e perante todos nós. mas as minhas continuam. [Breve
pausa]
Basta. hoje vou-me esquecer de
fazer a cama. [sai para o átrio a cantar a canção FoLcLórica “tumBaLaLaiKa”]
95
96
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
tumbala, tumbala, tumbalaika
tumbala, tumbala, tumbalaika
tumbalaika, tumbalaika
shpiel Balalaika, tumbalaika
Fraylach sol zine shate ah Bucher,
shate und tracht,
tracht und tracht ah Gonzor nacht:
vemin tsu nemim une nit Fer shemin?
vemin tsu nemim une nit Fer shemin?
(desafina balalaica,
desafina balalaica,
toca babalaica,
sê alegre. agarra-te a um estudante,
agarra-te e pensa,
pensa e pensa, uma noite inteira:
o que é que eu posso escolher sem vergonha?
o que é que eu posso escolher sem vergonha?)
[continua no corredor, para p 71 páG. 97]
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
p 71 • corredor
dante • Finzi
Finzi e dante falam dos judeus.
[dante está sentado no corredor, vindo de p 70 páG.
96 a cantar. Finzi vem do átrio, de p 69 páG. 93]
Finzi: olhem para o romântico gondoliere a cantar para
os canais de venezia. isso que estás a cantar podia ser a
“tumbalalaika”, si?
dante : e onde é que um fascista aprendeu a
“tumbalalaika”?
Finzi: a minha mãe era judia, dante.
dante: e a mãe do capitano ensinou-o a dançar quando
ele era rapazinho?
Finzi: canta, dante. [dante canta e Finzi dança] isto fazme lembrar um tempo antigo. si, lembro-me. o tempo
antigo, dante. mas o que é que ele nos deu? meia dúzia
de canções folclóricas? nós não pudemos dançar à antiga fora do ghetto em 1848. tivemos de lutar. se os judeus
não tivessem financiado Garibaldi, a italia continuaria a
ser um conjunto de cidades-estado propriedade dos
aristocratas e da igreja. e porque é que lutámos? porque
não devíamos lealdade nem aos aristicratas nem à igreja.
nós fomos os primeiros verdadeiros italianos, dante.
97
98
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
dante: mas para a signorina Barra é simplesmente um
judeu.
Finzi: ela é jovem. embora a igreja tenha conseguido
suprimir a história dos judeus, o fascismo em breve
mudará isso. estamos a entrar numa nova era, dante.
dante: e nesta nova era do capitano, será que ele vê um
fim para o ódio que dividiu o nosso amado país?
Finzi: talvez, talvez quando nos tivermos desembaraçado
dos agitadores.
dante: isso depende de quem está a agitar o quê —de
que lado da trincheira se está.
Finzi: e os que se sentam em cima da trincheira, dante? e
esses?
dante: é o senhor que se senta em cima da trincheira,
capitano, meio fascista, meio judeu. [Finzi
da LaranJa a dante]
para sair]
atira metade
Grazie, capitano. [Finzi
voLta-se
capitano, eu também tenho um presentinho.
[Finzi, cauteLoso, mete a mão à arma] uma coisa para o
lembrar dos velhos dias. [atira a Finzi uma yarmuLKe]
Finzi: [perto das LáGrimas] shalom alechim, dante.
dante: alechim shalom, aldo. [Finzi
de mario, para
sai para o Quarto
p 73 páG. 101. dante recomeça a cantar.
e diriGe-se ao Quarto de mario, para
p 75 páG. 104]
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
p 72 • Quarto de mario
emiLia
emilia revista o quarto de mario e descobre a pistola de
d'annunzio.
emiLia: [entra vinda do átrio de p 69 páG. 93 para revistar o Quarto de mario]
cinco minutos… oh, mario,
nem consegui aguentar o Finzi os cinco minutos que me
pediste. o que é que o Finzi pensará que ele cá tem? eu
não queria… mas tem de ser; desculpa, mario… [começa a procurar]
de que é que eu ando à procura…
meias… cuecas… camisas… [tira
uma camisa do Baú]
está descosida… tenho de lhe coser isto… só me preocupo com roupa e continuo a dizer que me hei-de apaixonar por um homem rico que use camisas de seda e
tenha um alfaiate em milão, como il comandante. [deixa
cair a camisa e na cama, deBaixo da aLmoFada, encontra uma meia preta de senhora]
então foi aqui que eu a
deixei… e ele meteu-a aqui, debaixo da almofada, deve
querer dizer qualquer coisa. [pausa] ele ama-me… bem,
pelo menos uma parte minha. [recomeça
Quarto]
a revistar o
Boa. não há nada aqui. mario, tu és esperto
que chegue para o Finzi. eu sabia que tu não ias esconder nada no teu quarto. Bene. nada. [encontra
arma deBaixo do coLchão]
uma
a arma do comandante!
mario, como é que podes ser tão estúpido? achavas que
o Finzi não acabava por vir revistar? ou obrigar-me a
fazê-lo? disseste “confia em mim”. confiei que fosses
esperto, que me levasses daqui. Quando o Finzi encontrar esta arma eu vou… não, ele não vai encontrá-la…
vou escondê-la… dizer que não havia nada aqui.
99
100
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
[esconde
a arma no BoLso]
oh mario, quem me dera
odiar-te; traía-te e acabava com tudo… ó meu deus, se
isto é o amor, eu odeio-o, odeio-o. [reFaz a cama e continua no Quarto de mario para
p 73 páG. 101]
t
de
101
L empicKa (acto ii) • Fdc
p 73 • Quarto de mario
emiLia • Finzi
Finzi descobre uma caixa com dinheiro no quarto de
mario.
Finzi: [entra vindo do corredor, de p 71 páG. 98] então,
encontraste alguma coisa, emilia?
emiLia: [continua no Quarto de mario, de p 72 páG. 100.
tenta manter-se caLma]
no, capitano. vi em todo o
lado. acabei de revistar e não havia nada.
Finzi: [aBre
o Baú]
viste aqui dentro, emilia? [tira
as
roupas para Fora]
emiLia: si, capitano, vi e não há nada. está a ver?
Finzi: aqui?
emiLia: si.
Finzi: e aqui?
emiLia: si, capitano. vi em todo o lado.
Finzi: viste na cama do mario, emilia?
emiLia: capitano, por favor, deixe a cama em paz. Já a
revistei e não havia nada.
Finzi: [BaLdeia
a cama de uma vez só]
viste debaixo da
102
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
almofada? [empurra-Lhe
a meia contra a cara]
viste
debaixo do colchão, emilia? [Finzi atira o coLchão para
o chão. Levanta a cadeira e vê uma caixa por Baixo do
assento. emiLia JuLGa Que eLe Lhe vai Bater e encoLhese. Finzi mostra-Lhe a caixa, tira-a e aBre-a. está cheia
com notas de miL Liras, contendo cerca de
130.000
Liras]
emiLia: capitano… eu… é as poupanças dele… ele sempre foi muito poupado.
Finzi: podem estar aqui mais de 100.000 liras.
emiLia: talvez a principessa d'avignon lho tivesse dado.
talvez—
Finzi: os comunistas assaltaram o Banco ambrosiano em
turim no mês passado, este dinheiro pode ter vindo de
lá… isto é muito grave, emilia.
emiLia: capitano, eu não sabia nada disto… tem de acreditar em mim.
Finzi: este quarto está desarrumado, emilia. arruma-o!
[Finzi sai para o seu escritório, para p 74 páG. 103. emiLia começa a arrumar e dante cheGa para p 75 páG. 104]
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
p 74 • escritório de Finzi
Finzi
Finzi telefona para confirmar a origem do dinheiro.
Finzi: [vindo do Quarto de mario, de p 73 páG. 102, entra
no seu escritório e põe o dinheiro na secretária.
depois, aGarra no teLeFone e disca para o operador]
Quartel de Garda, por favor. [pausa] cabo tittonni…
tittonni, daqui é o capitano Finzi… os teus homens
continuam escondidos ao portão? óptimo… e puseste a
tua gente à procura da defelice… óptimo… não… eu
vou aí ter. isto significa roma para mim… e uma promoção para ti… Bom, vês se consegues arranjar um lista com
os números de série do dinheiro roubado do Banco
ambrosiano no mês passado… em turim… si… ciao.
[desLiGa. sai para o corredor para p 76 páG. 107]
103
104
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
p 75 • Quarto de mario
dante • emiLia
dante convence emilia a devolver-lhe a pistola de
d'annunzio.
[emiLia continua a arrumar o Quarto de mario, de p 73
páG.
102. dante vem do corredor, de p 71 páG. 98]
dante: [oLhando
em redor]
porque é que estiveste a
revistar este quarto, emilia?
emiLia: porque o Finzi mandou. [continua
Quarto]
a arrumar o
agora vai-te embora antes que ele te apanhe
aqui.
dante: Falta uma arma nos aposentos de il comandante.
encontráste-la?
emiLia: não.
dante: se eu contar ao Finzi isso não te vai ajudar em
nada. onde é que ela está, emilia?
emiLia: não há aqui nada.
dante: onde é que ela está? [Levanta o coLchão]
emiLia: odeio-te! tudo o que eu faço é errado. Faço o
que é melhor para a caterina.
dante: para a nossa caterina? não, deixa a miúda fora
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
disto. não vamos mentir. eu deixo de falar em venezia e
tu da caterina. va bene?
emiLia: é tudo tão complicado. eu não queria dizer
mas… dante, eu contei ao Finzi aquilo da defelice e
agora se ele acha a arma, eu—
dante: a arma vai voltar para o quarto de il comandante!
ninguém vai saber. Quando o mario partir, nós vamos
embora. talvez possamos ir para a palestina. a mamma
conhece gente em Jerusalem.
emiLia: agora é Jerusalem.
dante: para qualquer lado. prá china. só tu e eu e a
caterina. ela vai fazer nove anos no mês que vem.
emiLia: pára de me atormentar com sonhos. não há saída.
Quer o mario vá, quer não, o Finzi lixa-me. ele não me vai
deixar em paz.
dante: Faz com que te despeçam. rouba o medalhão da
Baccara.
emiLia: Já roubei.
dante: então deixa-te apanhar!
emiLia: [rindo] nunca paras, pois não?
dante: um judeu aprende a sobreviver. Bom, onde é que
está a arma?
105
106
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
emiLia: [dá a pistoLa a dante] depressa.
dante: pediu um gondoliere? [aGarra
na pistoLa. BeiJa
emiLia na cara e sai vaGarosamente]
emiLia: depressa! presto!
dante: arruma o quarto. [sai e corre peLas escadas da
saLa de Jantar para o Quarto de d’annunzio onde
coLoca a pistoLa na secretária, depois de Lhe ter tirado as BaLas. voLta novamente ao corredor, em direcção ao átrio, para Q 77 páG. 110. emiLia continua a arrumar o Quarto de mario e este entra para
Q 82 páG. 127]
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
p 76 • corredor
d ’annunzio
• Finzi • mario
Finzi lê o recado de tamara para d'annunzio.
[mario sai do saLão vindo de p 68 páG. 89. encontra Finzi
no corredor, vindo do seu escritório, de
p 74
páG.
103]
Finzi: de que é que vocês os dois estiveram a falar?
mario: [iGnorando Finzi e diriGindo-se para o seu Quarto]
Fui entregar um recado de madame de Lempicka.
Finzi: o que é que ele dizia?
m ario : estava escrito em francês. pergunte a il
comandante. [vai para o seu Quarto e apanha emiLia a
arrumá-Lo, em
Q 82 páG. 127]
d’annunzio: [Que ouviu esta curta conversa do saLão,
de
p 68 páG. 89, Grita para Finzi] Finzi! Finzi! [Finzi espera
por d’annunzio. à medida Que d’annunzio se aproxima,
Finzi repara Que d’annunzio tem o recado Que mario
Lhe deu. Finzi Levanta a mão na expectativa Que d’annunzio Lhe passe o recado]
toma. Lê. [ao
mesmo
tempo, d’annunzio Bate-Lhe com o recado na cara.
d’annunzio ri-se e diriGe-se à suite cantando “ruLe Britannia”. depois de entrar na suite, d’annunzio continua
a cantar enQuanto tira o casaco e veste um Quimono.
estuda depois aLGumas posições para ser encontrado
107
108
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
por tamara na cama até Que, o som de aéLis a Gritar o
Faz reGressar ao átrio para
Q 77 páG. 110]
Finzi: recados amorosos— [rasGa o recado] ele pensa
que eu sou parvo? não vai ser isto que eles vão ler— Já
estou a ver o cabeçalho— “capitano aldo Finzi desmascara organização comunista liderada por Gabriele
d'annunzio”. [vai para se diriGir ao seu escritório mas é
interrompido por carLotta Que irrompe peLa porta
principaL, seGuida por aéLis, em
Q 77 páG. 109]
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
Q 77 • átrio
aéLis • d’annunzio • dante • de spiGa • carLotta • Finzi • Luisa • tamara
regresso do almoço.
[Finzi vai para se diriGir ao seu escritório com o recado de d’annunzio rasGado, de
p 76
páG.
108,
Quando
carLotta irrompe peLa porta principaL, seGuida de
aéLis, vindas de Gardone na seQuência de
o 66 páG. 78]
carLotta: [chorando] capitano! capitano, ajude-me!
[aBraça-o] ela está embriagada! tentou matar-me!
Finzi: Quem? Quem é que tentou matá-la? carlotta, acalme-se.
aéLis: [entra
Finzi]
oFeGante e vê carLotta nos Braços de
carlotta! ele é que é o responsável.
carLotta: [separando-se
de Finzi]
o que é que eu
estou a fazer? você fez com que eu mostrasse os meus
sentimentos.
Finzi: carlotta, tem de perceber—
carLotta: saia da minha vista, judeu! [corre para o seu
Quarto, para
Q 79 páG. 119]
aéLis: [Gritando
carlotta. [vendo
atrás deLa ]
carlotta… espere…
dante Que veio de recoLocar a arma
no Quarto de d’annunzio, de
p 75 páG. 106] dante, ajuda
109
110
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
a signorina Barra a fazer a mala e diz ao mario para a
levar ao Grande hotel. [dante
carLotta,
vai para o Quarto de
Q 80 páG. 120]
Finzi: o que é que ela estava a dizer? Quem é que a quis
matar?
d’annunzio:
[vindo
da suite, de
p 76
páG .
108] aélis, o
que é que se passa? trouxeste-me a carta do dottore
Barzini?
aéLis: Gabri, há soldados no portão… dispararam contra a Luisa—
d’annunzio:
mataram a minha Barracuda?
aéLis: non. a bala passou de raspão.
Finzi: onde é que ela está? [vai para sair peLa porta de
iL vittoriaLe]
d’annunzio:
Finzi, porque é que há soldados lá fora?
Finzi: Foi necessário reforçar a segurança para lidar com
a presente situação.
aéLis: Que situação? estamos em perigo?
d’annunzio:
então tu queres fazer-me frente? acabou-
se por aqui, Finzi… vais morrer como um burocrata, não
como um soldado: morto por telefone.
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
aéLis: porque é que estamos cercados pela tropa?
d’annunzio: aélis, nós não estamos cercados pela tropa,
estamos cercados pelas contigências. hoje —neste
momento, não posso fazer nada.
aéLis: então mande o Finzi para fora desta casa.
d’annunzio:
vou telefonar para roma… mas primeiro,
tamara. o sexo antes da batalha. [sai para a suite, para
Q 84
páG.
135.
de spiGa e tamara, amparando a emBrie-
Gada Luisa, Ferida na mão esQuerda, entram no átrio,
vindos de Gardone na seQuência de
o 64 páG. 73]
Finzi: Luisa! meu deus, Luisa! [corre
empurra tamara para o Lado]
vai para a suite, para
para Luisa e
afaste-se dela! [tamara
Q 84 páG. 135]
aéLis: eu não quero apanhar mais cacos! ouves-me
Luisa? sou eu que dirijo esta casa e assim não é possível.
Foi intolerável o que fizeste. intolerável! tudo! [vai para
o Quarto de carLotta, para
Q 80 páG. 120]
Luisa: voltei! Já cá estamos outra vez! [de
aJudam Luisa a ir para o saLão, para
spiGa e Finzi
Q 78 páG. 112]
111
112
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
Q 78 • salão
de
spiGa • Finzi • Luisa
de spiga e Finzi acompanham Luisa que está ferida.
[vindos do átrio, de Q 77 páG. 111, de spiGa e Finzi entram
no saLão com Luisa, Ferida na mão esQuerda. aJudamna a sentar-se]
Luisa: Francesco, tu disseste que iamos voar para longe.
não me sinto bem.
de
spiGa: descansa, Luisa, iremos em breve.
Finzi: Luisa, o que é que ele quer dizer com isso de irem
em breve?
de
spiGa: a Luisa decidiu-se finalmente a ir viver comigo.
Finzi: ela está embriagada.
de
spiGa: e muito. encomendei uma refeição magnífica:
pasta, vitela—
Luisa: insalata.
Finzi: o que é que se passou?
Luisa: Bang!
de
spiGa: parei no portão para ir buscar o correio.
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
Luisa: vamos embora.
Finzi: esteja calada, Luisa! [aJoeLhando-se
para Luisa]
desculpe… eu… não queria gritar consigo.
de
spiGa: deve haver um regimento inteiro lá fora.
Luisa: não me sinto bem.
Finzi: Feche os olhos, Luisa. encoste a cabeça. [para de
spiGa]
de
Foi uma medida preventiva.
spiGa: não foi autorizado.
Finzi: não havia tempo.
de
spiGa: a Luisa começou a falar com um dos soldados.
o homem parece que era um atirador de élite.
Finzi: [aproximando-se
de de spiGa]
como é que ele se
chama?
de
spiGa: não sei o nome dele.
Luisa: [Levanta-se] vitto, vitto, “sem-dedo”.
de
spiGa: disse que se tinha atingido acidentalmente no
dedo do pé durante a guerra.
Luisa: “à-ledo”, “sem-dedo”, estiveste na guerra?
113
114
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
Finzi: [aproximando-se de Luisa] Luisa!
Luisa: não diga o meu nome nesse tom, “à-ledo”.
de
spiGa: a questão é, e sublinhe isto, seu estúpido, é
que o homem era um atirador de élite. muito bem. óptimo. as coisas começaram “andante con motto”. não
estava com pressa e por isso deixei a Luisa falar com ele.
de repente ela começa a gritar com ele. então a aélis
tentou levá-la para o automóvel com a ajuda da carlotta.
e a seguir passou a “presto vivace”. a Luisa empunhou o
seu brinquedo e—
Luisa: Fortissimo!
de
spiGa: Bang! Julguei que tinha sido o automóvel até
que vi o sangue.
Finzi: o guarda atingiu-a?
de
spiGa: não, ela é que tentou atingir o guarda.
Luisa: tentei atingir-me a mim própria.
Finzi: Luisa, não consigo perceber o que é que lhe aconteceu.
de
spiGa: Foi atingida.
Finzi: isso é evidente!
de spiGa: evidentemente tive de me identificar para impe-
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
dir que ela fosse presa. Felizmente a aélis estava demasiado ocupada a acalmar a carlotta para ter reparado,
mas acho que a tamara—
Finzi: isso não me interessa—
Luisa: [cantando] uma oitava abaixo.
Finzi: porquê, Luisa? porque é que bebeu? [para
spiGa]
de
ela não bebia. [para Luisa] a Luisa nunca bebeu.
daqui a alguns dias podemos partir juntos para roma.
de
spiGa: a Luisa decidiu ir viver comigo. partimos mal a
mão dela esteja cicatrizada.
Finzi: não acredito. Luisa, ouça-me. ele é pior que il
comandante. a Luisa não sabe do que ele é capaz.
pense. dê-me… alguns dias…
de spiGa: estou a ver que il capitano está à espera de ser
promovido. sem dúvida que o será, aldo. você vai acabar
em generale e eu na prisão.
Luisa: eu vou por conta própria.
Finzi: Luisa!
Luisa: se cá ficar mato il comandante, e se partir com
algum de vocês, mato-me a mim.
de
spiGa: tu não consegues sustentar-te sozinha, Luisa.
115
116
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
Finzi: ele tem razão, Luisa.
Luisa: podia ir para a américa. eles adoram os maus pianistas.
Finzi: Luisa, fique cá. por italia.
Luisa: eu não quero tocar por italia.
de
spiGa: então vem comigo para asolo.
Luisa: para me esconder? Já não há nenhum sítio onde a
gente se possa esconder, Francesco. mesmo bêbeda, sei
isso. Quero dormir. não consigo dormir. [para
a mão]
está dormente. [Finzi aJoeLha-se para Luisa]
de
spiGa: [para
Finzi]
vá buscar água. [Finzi
hesita]
água, Finzi. [Finzi sai, devaGar, para o corredor, onde
há um Jarro de áGua e um copo]
Luisa, vamos embora
desta casa. eu tenho uma casa calma com dois pianos de
cauda —podias voltar a tocar. Quando és tu a tocar,
aquilo que eu escrevo soa muito melhor.
Luisa: shhh!
de
spiGa: compus uma música para ti. “canção para
Luisa”. deixa que eu ta toque agora. [de spiGa vai para o
piano e toca
“canção
para Luisa” de carLos dâmaso.
Finzi entra com a áGua, diriGe-se a Luisa. coLoca o
Jarro e o copo perto deLa e tira uma Luva, moLha-a na
aGua e GentiLmente acaricia a testa de Luisa. sai para o
átrio para
Q 85
páG.
143.
de spiGa acaBa de tocar]
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
compu-la em cinco minutos. a melodia inundou-me como
num sonho. e de repente ficou pronta na noite passada.
Luisa: a Luisa é que começou. porque é que a Luisa não
morreu? Francesco, porque é que os guardas não me
levaram? eu devia ter sido presa. é onde eles põem os
homens livres, não é? o que é que tu disseste àquele
guarda? tu mostraste-lhe uma coisa.
de
spiGa: [aFastando-se] nunca deixa de me surpreen-
der como uma nota de 5.000 liras pode induzir uma
cegueira temporária no mais dedicado polícia.
Luisa: não. pára de brincar.
de
spiGa: o que é que queres que eu diga? Luisa, como é
que eu posso responder pelo que fiz, pelo que tu andas
a fazer a ti própria, a mim? amo-te, posso ajudar-te…
Luisa: não. não é a mim. são as minhas mãos que tu queres. não quero ser um macaquinho de realejo. Já não
presto para ti, nem para o Gabri. [Levanta a mão]
de
spiGa: Luisa, tu és a pessoa mais importante—
Luisa: nunca. [esBoFeteia-o] nunca.
de
spiGa: [tira
uma carta do BoLso do casaco]
acho
que vou distribuir o correio. [sai para a suite, para r 87
páG.
151]
Luisa: Gabri, agora é tudo verdade. Lembras-te do teu
117
118
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
poema? [recita]
num sonho
as mulheres mutiladas
continuam a seduzir.
num sonho
erecta e lenta
vive a terrível mulher
da mão severa.
ao seu lado
uma poça vermelha de sangue
e lá dentro
está a mão dela
ainda viva.
imaculada. [aéLis
átrio, para
e dante entram no saLão vindos do
r 86 páG. 146]
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
Q 79 • Quarto de carlotta
carLotta
carlotta reza a santa catarina.
carLotta: [Benze-se
e corre para o seu Quarto, num
estado de pânico, vinda do átrio de
Q 77
páG.
109]
sinto-me toda chamuscada por ter estado demasiado
perto das chamas do inferno. santa catarina, ajuda-me
por favor. porque é que deus me tenta desta maneira?
eu não consigo resistir a tantas serpentes com forma de
gente. catarina, porque é que nosso senhor me fez
apaixonar pelo capitano Finzi? ele parece boa pessoa…
mas lá por dentro não deixa de ser um judeu. não. não
pode ter sido nosso senhor, foi o diabo a tentar-me.
sim. esta casa e toda a sua gente foi uma prova para
mim… mas eu não vou perder a minha fé, catarina. Foi
por isso que o diabo fez com que a Luisa disparasse
contra o meu pé, porque ele ficou zangado por eu não
querer pecar… e foi por isso que deus me salvou… salvou-me para que eu salvasse a minha alma. deus te abençoe, catarina, por teres ouvido as minhas súplicas. [continua em
Q 80 páG. 120]
119
120
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
Q 80 • Quarto de carlotta
aéLis • carLotta • dante
carlotta faz as malas para se ir embora.
dante: [entra vindo do átrio de Q 77 páG. 110. carLotta continua no seu Quarto de
Q 79
páG.
119] signorina
Barra—
carLotta: vai-te embora!
dante: signorina Barra, aélis mandou-me vir ajudá-la.
carLotta: só deus me pode ajudar neste momento… o
diabo tentou matar-me.
dante: aélis, signorina?
carLotta: ela quis atingir-me. chamou-me… eu não sou
odiosa. eu amo italia.
dante: Quem é que a quis atingir?
carLotta: a Luisa!
dante: a signora Baccara?
aéLis: [entra
vinda do átrio, de
Q 77
páG.
111] oh
carlotta, graças a deus… Quando a arma se disparou e
a carlotta fugiu… Fiquei tão assustada… pensei que
estava ferida ou a sangrar… se a Luisa a tivesse atingi-
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
do, eu—
carLotta: não mencione esse nome do demónio… ela
está possessa. é esta casa, é… [indicando a roupa Que
tirou da cómoda]
dante, põe isso na mala!
aéLis: a Luisa não queria—
carLotta: ela apontou a arma ao meu pé!
aéLis: Foi sem querer.
carLotta: e ainda a defende! eu já devia saber que não
se pode confiar numa francesa.
aéLis: eu não a estou a defender, carlotta, não tem
explicação; mas a Luisa não está bem… é uma doença—
dante: isso é verdade, signorina.
aéLis: ela estava a querer atingir-se a si própria.
carLotta: ela fez pontaria ao meu pé.
dante: talvez que a signora Baccara pensasse que o
riconhete da bala a atingisse.
aéLis: cala-te, dante.
carLotta: [tirando a dante uma camisoLa Que eLe está
a emaLar]
não é assim que se dobra. [tenta
camisoLa enQuanto aéLis FaLa]
doBrar a
121
122
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
aéLis: e a sua recomendação?… il comandante está a
escreve-la…
carLotta: Queime-a!
aéLis: a sua recomendação para o diaghilev?
carLotta: o diabo apontou para o meu pé, e isso foi um
sinal para eu renunciar à dança.
aéLis: está a falar a sério? [carLotta,
incapaz de
doBrar a camisoLa, atira-a para a maLa e a tampa
Fecha-se. dante Fica impressionado]
carLotta: estou.
aéLis: carlotta. porque é que não vamos fazer uma viagem juntas, só as duas? verona é maravilhosa nesta altura do ano. a isabelle e eu iamos lá muitas vezes. nós—
carLotta: vou-me embora esta noite.
aéLis: então ao menos fique no Grande hotel por uns
dias. vai poder pensar melhor nisto tudo.
carLotta: tenho de informar a minha família sobre a
minha decisão.
aéLis: mas não há comboio esta noite.
dante: há sim, signora mazoyer.
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
aéLis: não há não senhor.
dante: agora estamos no horário de inverno, por isso…
[vê as horas no seu reLóGio de BoLso] tem de sair imediatamente, signorina Barra. o comboio parte daqui a
vinte minutos.
aéLis: dante! vai buscar o mario e ele que a leve ao
Grande hotel.
carLotta: aélis, eu vou-me embora.
aéLis: dante! vai-te embora! [dante
sai com a maLa de
carLotta para o Quarto de mario e pára para um
peQueno monóLoGo no corredor, em
Q 81
páG.
126] a
carlotta não pode fugir disto.
carLotta: não estou a fugir.
aéLis: isto não tem nada a ver com a Luisa, tem a ver connosco. é isso que lhe mete medo.
carLotta: [conFusa] aélis, eu não tenho medo de si.
aéLis: pois não, tem medo do que é. era como eu, até a
isabelle me ter mostrado, permitido, ajudado a sentir
como o amor é especial entre mulheres.
carLotta: o… quê?
aéLis: a carlotta sentiu-o a noite passada. assuma. a
123
124
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
minha mão na sua perna, a maneira como nos beijámos…
foi isso que me tentou dizer na noite passada, não foi?
carLotta: não… não… aélis. o diabo tomou conta da
sua alma. está a fazê-la pecar duma forma que eu nunca
imaginei. tem de rezar pela sua salvação.
aéLis: eu não quero a salvação, quero-a a si, como a
carlotta me quer a mim.
carLotta: não.
aéLis: páre de o tentar negar. senti-o nos seus lábios
exactamente como a primeira vez com a isabelle… [BeiJa
carLotta. carLotta desLarGa-se]
carLotta: [esBoFeteando
aéLis]
só o amor de deus é
puro, tudo o resto é pecado. [carLotta empunha o seu
cruxiFixo e um retrato de santa catarina de siena e sai
do seu Quarto perseGuida por aéLis]
aéLis: carlotta, eu sei o que estou a dizer. as orações
não a vão livrar das tentações.
carLotta: esta casa está possuída por desejos não
naturais. o papá diz que daqui a poucos anos o
Fascismo libertará a italia do demónio. Foram as influências dos estrangeiros que nos corromperam. até eu
quase me apaixonei por aquele judeu, o Finzi.
aéLis: o Finzi? está a falar a sério? carlotta, é tão
importante para mim. eu não posso… [vai para a tocar]
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
carLotta: não me toques! cuspo-te na alma, aélis
mazoyer, francesa, estrangeira!
aéLis: non, carlotta. eu amo-a. tudo o que eu faço é
porque a amo.
carLotta: tu és um instrumento do diabo. [carLotta
sai para o átrio, seGuida por aéLis, para
Q 85 páG. 143]
125
126
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
Q 81 • corredor
dante
dante monologa sobre ir-se embora.
dante: [vem do Quarto de carLotta, de Q 80 páG. 123,
com a maLa de carLotta. Faz uma pausa para uma BeBida rápida]
sobe as escadas, desce as escadas… toda a
gente grita e chora… a signora Baccara dispara uma
arma… aélis e carlotta já não percebo nada daquilo… é
muita areia. as coisas costumavam ser sossegadas por
aqui… podiamos fechar o portão e deixar o mundo
andar lá fora… mas agora… dante… não vale a pena.
enquanto estás à espera da emilia —é altura de te pirares. [BeBe] tenho de a obrigar a levar-me a sério. vou
dizer-lhe que me vou embora daqui a dois dias —com ou
sem ela. esta é a última hipótese que lhe dou… se eu
fosse capaz de lho dizer… mas as palavras nunca me
saem… fico para ali de boca aberta —e então bebo
outro golo de vodka— Já chega. [sai para o Quarto de
mario, para
Q 83 páG. 132]
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
Q 82 • Quarto de mario
emiLia • mario
mario apanha emila a arrumar-lhe o Quarto.
[emiLia está a arrumar o Quarto de mario, de p 75 páG.
106]
mario: [entra vindo de p 76 páG. 107] o que é que estás
a fazer?
emiLia: mario, eu não pude fazer nada, o Finzi obrigoume.
mario: [Fecha a porta] eu confiei em ti.
emiLia: ele… ele descobriu o dinheiro.
mario: e a arma?
emiLia: Quero fugir daqui.
mario: [procurando] onde é que está a arma, emilia?
emiLia: o dante levou-a.
mario: e quem é que esteve aqui mais? estiveste a fazer
visitas guiadas?
emiLia: se o Finzi tem encontrado a arma aqui, matavanos. ele até pensa que o dinheiro foi roubado num banco
127
128
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
de turim. ele sabe o que tu és, mario. ele só está à espera de descobrir o quanto il comandante está metido
nisto. se il comandante se for embora, ele lixa-te. mario,
ele disse-me que vos quer apanhar aos dois. Que esta é
a sua grande oportunidade. temos de nos ir embora já.
mario: eu vou-me embora esta noite.
emiLia: e eu? tu prometeste-me que—
mario: eu não posso arriscar a minha vida, nem a vida
dos meus camaradas, por alguém que é incapaz de guardar um segredo!
emiLia: e a minha vida? é demasiado? menti para te meter
cá dentro, dei-te uma semana para falares com il
comandante, disse-te quando o Finzi te pôs debaixo de
olho, deixei-te vir para a minha cama.
mario: não, tu é que vieste ter comigo.
emiLia: Foste tu o único mentiroso! se tu e il comandante
se forem embora sem mim, eu vou para a cadeia. é isso
que o comunismo é para mim! tu chamas assassinos aos
fascistas. o Finzi bate-me, mas ao menos sei o que ele
quer.
mario: [ameaça e emiLia recua] é isto o que tu queres?
passei a noite inteira à tua espera, emilia. um clandestino está habituado a esperar. espera por um sinal, por
uma carta, por ordens, mas nunca por amor. passa o
tempo a aprender os códigos, a limpar a arma, a memori-
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
zar uma nova identidade. não há lugar para pensamentos
mornos, a nossa mão está sempre a agarrar o aço. estas
mãos apertaram cordas a pescoços de fascistas, carregaram no gatilho contra traidores, e nunca tremeram. a
noite passada, à tua espera, começaram a tremer.
emiLia: o Finzi obrigou-me.
mario: ele estava a tremer quando te agarrou?
emiLia: não é como nós—
mario: é. porque eu e ele somos iguais. uma causa diferente, mas os homens que lutam são todos iguais.
emiLia: não, eu queria-te a ti.
mario: porquê?
emiLia: eu queria ter alguém. ter. sem ter de me pagar.
não é por isso. si, eles pagam-me. Queria ser uma
senhora mas não passo duma puta, mario. não tenho
instrução, não sei ler os livros de il comandante, tive de
aprender à minha custa. tenho uma filha, caterina. no
mês que vem faz nove anos. é mau querer o bem dela? eu
sei que o que tu fazes é bom. o dante quer casar comigo, talvez isso também seja bom. há dezasseis anos—
trabalho desde os catorze e há dezasseis anos que
sonho com uma recompensa, para mim e para a minha
filha… [pausa] e eu também não sei porque é que te
estou a contar estas coisas…
129
130
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
mario: porquê? porque te faz fraca? sonhar faz-nos
fortes.
emiLia: eu quero estar contigo.
mario: e o dante?
emiLia: tenho de lhe dizer.
mario: não. ele já está demasiado envolvido.
emiLia: mas…
mario: não. diz-lhe que casas com ele.
emiLia: eu não lhe posso mentir.
mario: se ele desconfia que tu te vais embora, vai tentar
impedir-nos de partir.
emiLia: é a filha dele, a caterina, que ele quer, não é a
mim.
mario: onde é que ela está?
emiLia: a salvo… vou buscá-la quando formos para
onde vamos. para onde é que vamos?
mario: no mês passado recebi uma mensagem dum
camarada. Foi preso por ter sido apanhado com uma
arma, mas deixaram-no sair. encontrou o meu pai e ele
disse-lhe duas vezes que ia passar este mês a nice. duas
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
vezes.
emiLia: vamos ter com ele?
mario: emilia, o meu pai é o duque de milão, um fascista.
é ele que dirige o partido em milão e diz às pessoas que
o filho morreu pelo Fascismo.
emiLia: e a tua mãe?
mario: a minha mãe… emma visconti… eu fui criado
pelas criadas, emilia.
emiLia: a tua família é rica?
mario: temos dinheiro, mas somos uma família tão
pobre. em breve seremos todos livres. [BeiJam-se e diaLoGam até dante entrar]
emiLia: então se o teu pai é um duque, tu também és um
duque?
mario: não, só serei duque quando o pai morrer. por
enquanto sou marquês. mas isso não tem importância.
emiLia: e vamos para inglaterra de automóvel?
mario: saímos de il vitorialle com il comandante de automóvel e depois vamos apanhar um barco e um avião.
emiLia: avião?!…
131
132
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
Q 83 • Quarto de mário e corredor
dante • emiLia • mario
dante apanha mario e emilia a beijarem-se.
dante: [entra no Quarto de mario vindo do corredor,
de
Q 81 páG. 126 e encontra mario e emiLia a BeiJarem-se,
de
Q 82 páG. 131] mario, eu—
mario: dante!
dante: [Fixando emiLia] a signorina Barra está de partida. eu… mandaram-me… desculpem ter entrado, eu…
mario: era um beijo de despedida. e, claro, de parabéns. [aperta a mão a dante] parabéns.
dante: por quê?
mario: ela ainda não te disse? Fui eu o primeiro a saber?
emiLia: mario!
mario: a emilia aceitou a tua proposta.
dante: emilia, tu vais casar comigo? vais-te converter?
sabes quanto tempo tive de esperar por esta rapariga,
mario? onze anos!
emiLia: a carlotta vai-se embora?
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
dante: Já me ia esquecendo. isto é muita areia. a
carlotta diz que a Luisa a tentou matar. não percebi
muito bem, mas parece que houve um acidente. mas o
que é que a gente está aqui a fazer? depressa, mario,
tens de a levar ao comboio. ciao. anda, mario. [dante
BeiJa emiLia e sai com mario, Que entretanto pôs o
Boné. emiLia continua no Quarto de mario, para
páG.
r 91
163. dante pára no corredor] mario…
mario: o que é, dante?
dante: mario, tens de ir embora já. o Finzi tem soldados
a guardar o portão. não vais conseguir levar o
d'annunzio daqui. Leva a bailarina ao comboio e mete-te
nele também. esquece il vittoriale. esquece il
comandante.
m ario : voltaste a pôr a arma no quarto de il
comandante?
dante: [mostra-Lhe as BaLas] sem balas.
mario: tu és bom, dante.
dante: contrariamente a ti, eu farei o que for preciso
para proteger a emilia.
mario: não estava previsto que as coisas se passassem
desta forma.
dante: mas passaram. achas que eu fui comido pelo
espectáculo de ainda agora?
133
134
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
mario: dante, nós—
dante: eu conheço-a. eu vi que ela te ama. mas talvez,
com o tempo, o amor dela se volte para mim.
mario: ela nunca deixou de… ela vai ficar contigo.
dante: estás a ver, mario, eu sou judeu. isso nunca significou muito para mim, mas as coisas estão a piorar e
percebo que é a única coisa que me resta. a emilia teria
de se converter. eu—
mario: dante, a caterina precisa de uma família.
dante: si, mario. [pausa] vai com deus. [dante e mario
diriGem-se ao átrio para
Q 85 páG. 143]
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
Q 84 • suite
d’annunzio
• tamara
tamara rompe com d'annunzio.
tamara: [entra vinda do átrio na seQuência do reGresso de Gardone,
Q 77
páG.
sua cama, vindo do átrio,
111
e encontra d’annunzio na
Q 77 páG. 111] Gabriele—
d’annunzio: tamara, je vous ai attendue. (tamara, tenho
estado à sua espera.)
tamara: Luisa s’est tiré une balle dans la main. (a Luisa
disparou contra a mão dela.)
d ’annunzio:
c’est une blessure superficielle. aélis a
appellé le médecin. (Foi só uma ferida de raspão. a aélis
chama o médico.)
tamara: [Fecha
a porta]
êtes-vous au courrant pour
les soldats? pourquoi sont-ils ici? (sabe dos soldados?
porque é que eles aqui estão?)
d’annunzio:
ces soldats au portail me disent que je suis
en vie. (esses soldados no portão dizem-me que eu
estou vivo.)
tamara: Quoi? (o quê?)
d’annunzio:
tamara, chaque jour qui passe j’attends un
signe, quelque chose qui m’assure que je suis encore une
135
136
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
menace. J’ai en moi un vulcan endormi et les fascistes
prient pour que je n’entre pas en éruption comme le
vésuve. (tamara, em cada dia que passa eu espero por
um sinal, alguma coisa que diga que eu ainda sou uma
ameaça. tenho aqui dentro um vulcão adormecido e os
fascistas rezam para que eu não irrompa como o
vesúvio.)
tamara: il vous faut fuir avant qu’il ne soit trop tard. un
an avant que les bolchéviques prennent le pouvoir, ils
sont venus arrêter mon mari, ils l’ont pris au lit, en tran de
boire du champagne. allez-vous-en tout de suite, s’il en
est encore temps. (tem de fugir antes que seja demasiado tarde. um ano antes dos bolcheviques terem tomado
o poder, vieram prender o meu marido e apanharam-nos
na cama, a beberricar champanhe. vá-se embora já, se
ainda puder.)
d’annunzio:
oui, allons-nous-en, pas pour fuir, mais
pour lutter. (sim, partiremos, não para fugir mas para
lutar.)
tamara: nous sommes encerclés par des hommes armés.
(estamos cercados por homens armados.)
d’annunzio:
La voix c’est mon arme. Le stylo, l’epée. a
Fiume ils ont envoyé des régiments pour m’obliger a me
rendre, mais dés que j’ai parlé, les soldats du gouvernement ont baissé les armes et se sont joint a moi. (a voz é
a minha arma, a caneta a espada. em Fiume, eles enviaram regimentos para me obrigarem a render-me, mas mal
abri a boca, os soldados do governo baixaram as armas e
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
juntaram-se a mim.)
tamara: ces soldats là ne vont pas écoutter votre voix,
ils vont tirer et vous tuer. (aqueles soldados não vão
esperar para ouvir um discurso, vão puxar o gatilho. vão
matá-lo.)
d’annunzio:
nous devons avoir le courage de croire que
nous faisons la différence. rapellez-vous de ce que vous
avez dit hier soir: il faut nous lever et dire non aux ténèbres. (temos de ter a coragem de acreditar que nós
fazemos a diferença. Lembre-se do que me disse ontem à
noite: temos de nos levantar e dizer não às trevas.)
tamara: vous avez peut être raison. Quand le monde
deviendra tout a fait sauvage et insensible, nous porterons des poignards et des armes au lieu de livres et portraits. (talvez tenha razão. Quando o mundo se tornar
completamente brutal e insensível teremos de usar
punhais e armas em vez de livros e retratos.)
d’annunzio: non, vous devez peindre et moi écrire comme
si les pinceaux et les stylos étaint des balles et des poignards. nous allons passer le portail et les soldats se metteront au garde à vous. (não, você tem de pintar e eu
tenho de escrever como se os pinceis e as canetas fossem balas e punhais. vamos passar pelo portão e os soldados vão pôr-se em sentido.)
tamara: et Luisa? (e a Luisa?)
d’annunzio:
Quoi Luisa? (a Luisa o quê?)
137
138
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
tamara: nous devons l’emmener avec nous. (temos de a
levar connosco.)
d’annunzio:
ne parlons pas de Luisa. elle a toujours des
accidents. (não falemos da Luisa. ela está sempre a ter
acidentes.)
tamara: non, elle sait trés bien se servir d’une arme. elle
savait exactement ce qu’elle faisait. elle a voulu se faire
éclater la main. (não, ela empunhou a arma como deve
ser. ela sabia exactamente o que estava a fazer. ela tentou esfacelar a mão.)
d’annunzio:
Quel est l’artiste qui veut detruire sa main?
van Gogh a-t-il coupé la siene? non. et pourquoi? parce
couper son oreille était une façon de se couper du
monde, mais mettre sa main en morceaux c’est couper
avec les seules choses qui on vraiment de l’interêt: l’art et
le toucher. (Que artista esfacela a sua própria mão? o
van Gogh cortou a mão dele? não. e porquê? porque
cortar a própria orelha foi uma forma de cortar com o
mundo, mas esfacelar uma mão é cortar com as únicas
coisas que realmente interessam: a arte e tocarmo-nos.)
tamara: elle a voulu se tuer. cela ne vous concerne-t’il
pas? (ela quis-se matar. isso não lhe diz nada?)
d’annunzio:
Francesco prend soin d’elle. (o Francesco
toma conta dela.)
tamara: de spiga est l’un d’eux. Je l’ai vu donner des
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
ordres aux soldats. (de spiga é um deles. eu vi-o a dar
ordens aos soldados.)
d’annunzio: Je sais ce qu’il est: une vermine de mussolini.
(eu sei o que ele é: um verme do mussolini.)
tamara: vous le savez et vous vous laissez espionnier?
(sabe e deixa que ele o espie?)
d’annunzio:
il l’aime. Luisa est en sureté avec lui. (ele
ama-a. a Luisa estará segura com ele.)
tamara: dans les bras de la police secréte. ce n’est pas
uniquement son amour pour vous qui la conduira au suicide. c’est ce monde qui tue tout être qui posséde un
tant soit peu de sensibilité. si elle reste, elle va encore
essayer de se suicider. (nos braços da polícia secreta.
não é só o amor dela por si que a conduzirá ao suicídio.
é este mundo que mata quem tenha alguma sensibilidade.
se ela ficar, ela vai puxar novamente o gatilho.)
d’annunzio:
tous les jours, pendant cinq ans, moi aussi
j’y ai pensé. pendant cinq ans j’ai permis que mussolini
paye mes detes, qu’il achete mon silence. J’ai essayé de
me convaincre que, comme ça, j’étais libre pour créer. et
qu’est ce que j’ai crée? rien! rien! mario me l’a fait comprendre. et c’est pour cela que je pars avec lui en
angleterre. (todos os dias, durante cinco anos, também
eu pensei puxar o gatilho. durante cinco anos deixei que
o mussolini me pagasse as contas —me comprasse o meu
silêncio. tentei convencer-me a mim próprio que era livre
para criar. e o que é que eu criei? nada! nada! o mario
139
140
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
fez-me ver isso. é por isso que vou com ele para
inglaterra.)
tamara: avec mario visconti? (com o mario visconti?)
d’annunzio:
oui. (sim.)
tamara: maintenant vous vous joignez aux comunistes.
ils sont encore pires que les fascistes. soyez vous même.
partez par vos propres moyens. vous dites que vous avez
du pouvoir. ou alors vous vous êtes vendu à ceux qui
paient le plus? (agora está a aliar-se aos comunistas.
eles são piores que os fascistas. vá por si próprio. diz
que tem poder. ou será que se vendeu a quem paga
mais?)
d’annunzio:
tamara, nous pouvons changer l’histoire:
vous vous assyez à la chambre des Lords et vous m’entendez dénoncer mussolini —c’est ça l’histoire. c’est ça
votre portrait. (tamara, nós podemos mudar a história:
você senta-se na câmara dos Lordes e ouve-me a
denunciar o mussolini —é isso a história. é esse o seu
retrato.)
tamara: Quand j’entends les gens parler comme ça, je
sais qu’ils vont mourrir et Luisa sera la première victime.
elle a cru en vos paroles. moi aussi je veux les croire. Je
veux croire que ce sont les mots de quelqu’un qui a compris l’amour. (Quando eu oiço as pessoas a falarem
assim, sei que elas vão morrer e a Luisa vai ser a primeira
vítima. ela acreditou nas suas palavras. eu também quero
acreditar nelas. acreditar que elas são as palavras de
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
alguém que percebeu o amor.)
d ’a nnunzio :
et vous parlez d’amour à Gabriele
d'annunzio? J’ai tout donné par amour a mon pays. mais
qui m’aime? Qui? peut-on dormir dans les bras d’une
nation? dante a idolatrée sa Béatrice et napoleon sa
Joséphine. (está a falar de amor ao Gabriele
d'annunzio? dei tudo por amor ao meu país. mas quem
me ama? Quem? poderei dormir nos braços de uma
nação? dante idolatrou a sua Beatriz e napoleão a sua
Josefina.)
tamara: Je ne veux pas être votre Luisa. (eu não quero
ser a sua Luisa.)
d’annunzio:
un artiste a besoin de son inspiration. nous
les artistes, nous les liders, nous restons isolés au sommet. nous sommes les dieux solitaires de l’olympe. (um
artista precisa da sua musa. nós os artistas, nós os líderes, ficamos sozinhos no topo. nós somos os deuses solitários do olimpo.)
tamara: Je ne suis qu’un être humain. (eu sou só um ser
humano.)
d’annunzio: vous êtes une artiste. notre destin est d’être
sur ce sommet que les gens aimeraient attendre et leur
malheur est de ne pas pouvoir nous rejoindre. si vous
aimez le peuple, il faut vous tourner vers d’autres artistes, comme moi. (você é uma artista. o nosso destino é
sermos aquilo que as pessoas gostavam de ser e a sua
desgraça é não poderem lá chegar. se quer amar o povo,
141
142
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
tem de se juntar aos outros artistas, como eu.)
tamara: vous n’aimez que vous-même. vous me regardez
et vous ne voyez que ma poitrine. J’ai un coeur qui bat,
qui soupire, qui pleure comme celui de Luisa. mais vous
vous ne pensez qu’à le membre impuissant que vous avez
entre les jambes et vous utilisez les mots, le seul don que
dieu vous ait donné, pour votre seul plaisir —un instant
de l’histoire. vous n’êtes pas un lider, vous n’êtes pas un
artiste, vous n’êtes pas un homme. vous voudriez que je
fasse votre portrait? Le voici, monsieur. (você só se ama
a si próprio. olha para mim e só vê o meu peito. eu um
tenho coração; que bate e suspira e chora, como o da
Luisa. mas você só pensa nesse membro impotente que
tem entre as pernas e usa as palavras, o único dom que
deus lhe deu, em benefício próprio… —um momento da
história!… você não é um líder, não é um artista, não é
um homem. Queria que eu pintasse o seu retrato —aqui
está ele, monsieur.) [mostra-Lhe
a teLa em Branco]
Gabriele d'annunzio seul sur ses sommets couverts de
neige. voilá! (Gabriele d'annunzio sozinho no meio da
neve. aqui está ele!) [são
por de spiGa em
suBitamente interrompidos
r 87 páG. 151]
t
de
143
L empicKa (acto ii) • Fdc
Q 85 • átrio
aéLis • carLotta • dante • Finzi • mario
Finzi leva carlotta à estação do comboio.
[Finzi entra vindo do saLão, de Q 78 páG. 116, ao mesmo
tempo Que carLotta cheGa vinda do seu Quarto de
Q
80 páG. 125]
Finzi: está de partida, signorina Barra?
carLotta: si, capitano. o mario vai-me levar à estação
para apanhar o comboio.
Finzi: não vai ser necessário. permita-me ser eu a fazê-lo.
isso dar-me-á oportunidade de esclarecer qualquer mal
entendido.
carLotta: se quiser pode levar-me, capitano, mas eu
não tenho mais nada a dizer-lhe.
Finzi: carlotta… o seu terço. arranjei-lho. [dá-Lho]
aéLis: [entra
páG.
125,
dor, de
vindo do Quarto de carLotta, de
Q 80
seGuida por dante e mario, vindos do corre-
Q 83
páG .
134] carlotta, por favor… não se vá
embora assim…
Finzi: dante, leva a mala para o automóvel. mario, espera
aqui. [mario e dante trocam oLhares. dante sai para o
automóveL, reentrando nesta cena
Q 85 páG. 145. Finzi
144
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
para carLotta ]
o acidente foi muito lamentável,
carlotta.
carLotta: deus quis que ele acontecesse, capitano. ele
quis avisar-me. se eu quero salvar a minha alma, tenho de
deixar a dança e todos os actos não naturais.
aéLis: carlotta, peço-lhe, por favor dê-me só mais um
dia.
carLotta: se queremos uma italia segura, capitano
Finzi, todos os italianos, mesmo os judeus, têm de ajudar
a expulsar estes ímpios estrangeiros. [carLotta
Faz a
saudação Fascista a Finzi, Que Lha devoLve, e sai para
não mais voLtar]
aéLis: Finzi! você não tem autoridade para transformar
esta casa numa prisão.
Finzi: os acontecimentos provarão a minha autoridade.
a defelice acaba de ser presa por actividades subversivas.
aéLis: prostituição?
Finzi: comunismo!
mario: devo informar il comandante, signora mazoyer?
aéLis: oui, oui, vai dizer-lhe imediatamente.
Finzi: [sorrindo] si, mario, vai dizer-lhe. [mario vai para
t
o Quarto de d’annunzio, para
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
r 92 páG. 166]
aéLis: eu não vou deixar que você destrua a minha casa.
il comandante vai fazer um telefonema e o seu trabalho
aqui acabou. acabou!
Finzi: muitos vão estar acabados por aqui, mas eu não
serei um deles. ouvi dizer que há muitas bailarinas jovens
e bonitas em França, signora. talvez tenha melhor sorte
por lá.
dante: [reentra na seQuência da sua saída nesta cena
Q 85 páG. 143] capitano, a signorina Barra pede-lhe que
se apresse. [Finzi sai e voLtará para r 94 páG. 172. aéLis
e dante diriGem-se para o saLão, para
r 86 páG. 146]
145
146
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
r 86 • salão
aéLis • dante • Luisa • tamara
Luisa decide-se a partir com tamara.
aéLis: [entra seGuida de dante, vindos do átrio de Q 85
páG.
se]
145. encontra Luisa de Q 78 páG. 118. dante senta-
nunca mais, nunca mais, nunca mais! nunca mais me
vejo livre dele? ainda mais uma noite. porque é que nós
temos de o aturar? Luisa, tu passaste das marcas!
Quando acordo já o Finzi anda a revolver a casa, a sujar
os tapetes. e agora tu dás-te ao luxo de te embebedares! o Finzi procura espiões dentro do aquário, tu embebedas-te e quase te mataste a ti e à carlotta, o Gabri não
vê mais nada senão as mamas da polaca, o mario infiltrase cá em casa e faz-se misterioso, a emilia não se consegue encontrar e o dante [vendo-o] senta-se… Levantate, dante! [dante
Levanta-se]
Luisa, eu estou-te a avi-
sar, eu vou-me embora. se não começas a dar uma ajuda,
vais ficar cá sozinha. oh, carlotta, carlotta… [Luisa
conForta aéLis com GentiLeza. aéLis readQuire a postura]
dante, não tens nada para fazer?
dante: si, vou-me casar, signora mazoyer. com a emilia.
aéLis: o que é que queres dizer com isso? sabes muito
bem que il comandante nunca o permitirá.
dante: tencionamos ir embora.
aéLis : pensas que eu vou ficar ao serviço do il
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
comandante todas as noites? eu não te deixo ir embora.
ouves-me? não deixo.
dante: veja! [sai para a cozinha, para r 90 páG. 161]
Luisa: Bravo! [Bate as paLmas] ai a minha mão.
aéLis: dante… emilia… carlotta. [pausa] não me deixes, Luisa.
Luisa: aélis, eu faço tudo o que tu quiseres, mas não
comeces com o aldo; eu não vou com ele nem com o
Francesco nem… eu só quero dormir. [aéLis
Junto de Luisa]
senta-se
a bala não resultou. aélis, estou toda
dormente. [chora] às vezes beijo o aldo para conseguir
vomitar. deixo que ele mo faça por trás e aélis, quero
odiar, odiá-lo a ele, odiar-me a mim, mas não sinto nada,
nem sequer nojo! aélis, eu… o Gabri levou tudo. Já não
há mais nada. porque é que ele não pode… aélis! Já não
há mais nada! porque é que eu não consigo sentir nada?
há dois dias que não faço nada na casa de banho. a
menstruação já não vem. Já não há mais nada! aélis, eu
não quero ficar doida, eu só quero sentir. aélis! aélis!
aéLis: [aBraçando
Luisa]
desculpa. desculpa, Luisa,
por favor. eu gosto muito de ti. Luisa, tu não podes
fechar-te…
Luisa: [aGarrando
aéLis]
não percebes? não há nada
para fechar, não há nada dentro de mim. uma freira, uma
puta —o que é que eles querem?
147
148
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
aéLis: pára de falares deles.
Luisa: padrões! padrões! tudo a preto e branco. eu
detesto pianos. eu detesto… se eu ao menos conseguisse detestar… Foram os homens que inventaram os pianos… e as canções, e as músicas, e os jogos e a sua abominável italia. Quero vomitar.
aéLis: [Levanta-se e vai Buscar o Jarro de áGua] Luisa,
por favor; Luisa, acalma-te. toma. [pondo
Frente deLa]
o Jarro à
deita fora.
Luisa: [tenta mas não sai nada] não consigo. não consigo. não há nada.
aéLis: põe os dedos na boca.
Luisa: [tenta.
ainda nada]
não quer sair. [novamente.
aéLis poisa o Jarro. aGarra Luisa e emBaLa-a]
tu és
forte. [pausa] tu não queres render-te. tu não vais
desistir. Lamento, aélis. aquilo com a carlotta.
desculpa.
aéLis: [seGredando] dorme, minha irmã. [emBaLa-a]
Luisa: eu queria que ela tivesse percebido. ela pensa
que é a imagem dela que ela vê ao espelho. é a minha.
envelhecemos, contamos às crianças os nossos contos
de fadas e elas acreditam que o mundo sustem a respiração por italia. cada nova geração traz a chama da anterior, até o mundo inteiro estar em chamas. Gabri, il duce,
são velhos que adormeceram a fumar na cama. e agora o
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
fogo está por toda a parte. aélis, estou em fogo e não há
ninguém para apagar as chamas.
aéLis: Luisa, Luisa. esta casa é o nosso mundo. estamos
seguras aqui. não há nenhuma chama a não ser a do
desejo do Gabri. as coisas seguem o seu próprio caminho, não podemos mudar isso. o que temos de fazer é
tentar ser felizes, aconteça o que acontecer. a carlotta
foi-se embora mas eu hei-de sobreviver… como quando
a isabelle morreu. temos de conservar a esperança para
persistir. olha para o Gabri com La polonaise. Logo que
eles acabem a lua de mel fica tudo resolvido.
Luisa: não. a tamara não é como nós; ela vai-se embora.
aéLis: se ela o fizer, será a primeira mulher a fazê-lo
durante todo o meu tempo de serviço.
tamara: [entra vinda da suite, de r 89 páG. 160] Je dois
partir. (tenho de partir.)
aéLis: ce soir? ne soyez pas si pressée, madame de
Lempicka. Je suis sûre que le comandant veut que vous
restiez. vou n'avez même pas commencé le portrait! (esta
noite? não esteja tão apressada, madame de Lempicka.
estou certa que o comandante quer fique. ainda nem
sequer começou o retrato!)
tamara: ça ne l'interesse pas. (isso não o interessa.)
Luisa: deixa-a ir, aélis.
149
150
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
aéLis: [para Luisa] ela vai quando o Gabri disser para ela
ir e não antes. [aéLis
zio,
diriGe-se ao Quarto de d’annun-
s 99 páG. 180]
tamara: ça vous fait mal? (está a doer?)
Luisa: tamara.
tamara: oui.
Luisa: vá enquanto pode. vá. é demasiado tarde para
mim. vá à procura da liberdade. Libre!
tamara: Liberté. pour vous et pour moi. (Liberdade.
para si e para mim.)
L uisa: sim. pode ir para Londres, paris, zurique,
Berlim…
tamara: oui. Je connais un médecin à zurich pour vous.
(sim. eu conheço um médico em zurique para si.)
Luisa: zurique?
tamara: oui. vien Luisa, vite. (sim. vem Luisa, depressa.)
Luisa: [rindo] hong Kong, tóquio, nova iorque.
tamara: ça ne fait rien, allons-y. (não importa, vamos.)
[Luisa seGue tamara para o corredor, s 97 páG. 177]
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
r 87 • suite
d ’annunzio
• de spiGa • tamara
d'annunzio expulsa de spiga de il vittoriale.
[tamara e d’annunzio continuam na suite, Q 84 páG. 142.
de spiGa entra vindo do saLão,
d’annunzio:
de
Q 78 páG. 117]
sai, Francesco!
spiGa: [para
tamara]
veuillez excuser mon intrusion.
dans le désordre de cet aprés midi j’ai oublié de vous
remettre la lettre que j’ai trouvée dans la boite à lettres.
elle doit être de votre mari. (desculpe a minha intromissão. na confusão desta tarde, esqueci-me de lhe entregar esta carta que estava na caixa do correio. deve ser
do seu marido.)
d’annunzio:
de
eu disse para saires, Francesco!
spiGa: não te zangues, Gabri, olha que começas a
suar.
d’annunzio:
[para
tamara, iGnorando de spiGa]
vous
m’avez humilié, madame. Je vous ai offert mes mots, ma
sensualité. mais vous vous êtes moquée de ma langue,
vous avez blessé mon corps, vous avez craché sur ma
sensibilité et vous avez bafoué mon âme. (humilhou-me,
madame. ofereci-lhe as minhas palavras, o meu corpo.
mas troçou da minha língua, molestou o meu corpo, cuspiu na minha sensibilidade e escarneceu da minha alma.)
151
152
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
Francesco, tu vais-te embora amanhã! tu não usas, tu
abusas da minha hospitalidade. a Baccara fica. repito:
tu vais, ela fica. [peGa
Quarto,
suite,
no seu casaco e sai para o seu
r 93 páG. 168. de spiGa continua com tamara na
r 88 páG. 153]
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
r 88 • suite
de
spiGa • tamara
de spiga obriga tamara a partir para nice com mario.
[de spiGa e tamara continuam na suite, de r 87 páG. 152]
tamara: il me semble que vous êtes capable d’ouvrir
n’importe quelle porte, monsieur. (parece ser capaz de
abrir qualquer porta, monsieur.)
de
spiGa: elle était ouverte. J’espère que vous accepte-
rez mes excuses, non seulement pour m’être introduit
dans votre intimité mais aussi à cause des observations
grossières de Gabri. voici votre lettre. (estava aberta.
espero que aceite as minhas desculpas, não só por me
ter intrometido no que era obviamente um momento privado, mas também pelos reparos mal educados do Gabri.
a sua carta.) [oFerece-Lha]
tamara: Les hommes n’ont rien à me dire. (os homens
não têm nada para me dizer.)
de
spiGa: même votre mari? (nem sequer o seu marido?)
tamara: La seule chose vraiment importante que mon
mari m’a dit a été “oui”. et c’était un mensonge. (a única
coisa realmente importante que o meu marido me disse foi
“sim”. e era mentira.)
de
spiGa: et Gabri? il ment lui aussi? (e Gabri? também
153
154
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
ele mente?)
tamara: [começa
Fecha a porta]
a Fazer as maLas enQuanto de spiGa
monsieur d'annunzio m’étouffe de mots
comme si je n’étais q’un enfant et lui un prêtre sénile en
train de me baptiser. pour lui la verité c’est um langage
mystique et trés confus, mais ce n’est pas vrai. La verité
c’est une ligne droite qui coupe comme un couteau aiguisé. (monsieur d'annunzio inunda-me com palavras como
se eu fosse uma criança e ele um padre senil a baptizarme. para ele a verdade é uma linguagem mística, confusa.
mas não é. a verdade é uma linha a direito que corta
como uma faca afiada.)
de
spiGa: Je trouve votre franchise trés rafraichissante.
(acho a sua franqueza muito refrescante.)
tamara: autre mensonge. Je vous fais peur. vous devez
être vraiment trés faible pour avoir peur d’une femme
aussi lâche que moi. (outra mentira. eu assusto-o. deve
ser realmente muito fraco para ter medo duma cobarde
como eu.)
de
spiGa: J’ai l’impression de parler toujours trop tôt. Je
n’ai pas compris— (dá-me a sensação que falo sempre
cedo demais. não atingi—)
tamara: non. vous avez trés bien compris. ces gardes
qui sont au portail vous connaissent. il y a même un qui
vous a salué. pourquoi? (não. atingiu, sim. aqueles guardas no portão conheciam-no, um deles até o cumprimentou. porquê?)
t
de
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
spiGa: pure formalité. (por pura formalidade.)
tamara: Je pars, monsieur, parce que cette maison et
ceux qui y vivent ont bâtit une prison de mensonges et
d’illusions qui les detruira tous. monsieur d'annunzio
pense qu’il est libre. il est prisonnier, non de ses gardiens,
mais de ses propres mots. et vous, pourquoi faites vous
ceci? c’est par votre carrière? (vou-me embora, monsieur, porque esta casa e os seus ocupantes construiram
uma prisão de mentiras e ilusões que os há-de destruir a
todos. monsieur d'annunzio julga que é livre. ele está
encarcerado. não pelos guardas, mas pelas suas próprias palavras. e você, porque é que faz isto? é pela sua
carreira?)
de
spiGa: c’est une raison. (é uma razão.)
tamara: ce n’est pas parce que vous avez une carrière,
monsieur, que vous arrivez à faire des oeuvres d’art. (Lá
porque tem uma carreira, monsieur, isso não significa que
consiga fazer obras de arte.)
de
spiGa: Jouer les ingénues ne nous va pas trés bien,
madame. mais puisque vous tenez a marmoter des vilaines véritées permettez-moi de vous expliquer que— (a
ingenuidade não lhe assenta bem, madame. mas uma vez
que parece inclinada a sibilar feias verdades, deixe-me
explicar-lhe que—)
tamara: J’ai déjà entendu toutes les explications. J’ai
vécu la revolution russe. J’ai vu comment la populace, une
155
156
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
fois au pouvoir, a sacrifié toute une culture au nom de la
politique. (Já ouvi todas as explicações. eu vivi durante a
revolução russa. eu vi como a ralé atingiu o topo e
sacrificou toda uma cultura em nome da política.)
de
spiGa: La musique n’a rien à voir avec la politique. Je
ne suis qu’un humble compositeur italien. (a música não
tem política. eu sou apenas um humilde compositor italiano.)
tamara: patriotisme et art… attention, vous tendez trop
la peau du tambour, monsieur; un jour elle va se déchirer.
(patriotismo e arte… está a esticar a pele dum tambor,
monsieur; um dia ela vai rebentar.)
de
spiGa: Je n’ai pas de contrainte dans mon travail. (o
meu trabalho é descomprometido.)
tamara: et dans votre vie non plus! (e a sua vida também!)
de
spiGa: Je suis libre de dire et de faire tout ce qui me
plait. (sou livre de dizer ou fazer aquilo que eu quiser.)
tamara: en public? (em público?)
de
spiGa: oui. c’est merveilleux, n’est ce pas? puisque
mon alliance est sécrete, je peux dénnoncer publiquement le gouvernement et ils permetent que des millions de
personnes continuent toujours a écouter ma musique.
(sim. não vê o encanto disso? uma vez que a minha aliança é secreta, posso denunciar publicamente o governo e
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
eles continuam a deixar milhões de pessoas ouvir a minha
música.)
tamara: c’est bien vrai. mais un jour l’histoire ne le permetra plus. (isso é verdade. mas a história saberá tapar
os ouvidos.)
de
spiGa: ça suffit! Le fait d’être obligée de coucher
pour toucher vos honoraires elimine vos pauvres tentatives de moralisation. (Basta. o facto de ter de copular
para conseguir os seus honorários anula as suas frágeis
tentativas de moralização.)
tamara: mon art existe par ele même. (a minha arte existe por si.)
de
spiGa: pas en italie. allez. emportez tous les cadeaux
de Gabri, payés par le gouvernement italien, et allez-vous
en. (não em italia. vá. Leve todos os presentes do Gabri,
pagos pelo governo italiano, e vá-se embora.)
tamara: Je m’en vais! (estou a ir!)
de spiGa: mais… pas tout de suite. vous allez attendre ici
que je revienne vous chercher, vers minuit. il n’y aura pas
d’adieux. mario vous conduira à nice. nous sommes d’accord? (mas… não já. vai esperar aqui até eu a vir buscar
por volta da meia-noite. não vai haver despedidas. o
mario levá-la-á a nice. estamos entendidos?)
tamara: combien faut-il de fachistes pour protéger le
vieux de mario visconti? (Quantos fascistas são precisos
157
158
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
para guardar o velho do mario visconti?)
de
spiGa: de qui? (de quem?) [tamara
de spiGa aGarra-Lhe na mão]
não responde.
vous avez dit un nom.
(disse um nome.)
tamara: Lachez-moi. (Largue-me.)
de
spiGa: comment le connaissez-vous? (como é que o
conhece?)
tamara: Je ne le connais pas. (não conheço.)
de
spiGa: [Fazendo
Força na mão]
refléchissez bien.
(pense melhor.)
tamara: [assustada] il… Je l’ai reconnu à cause d’une
photo. Je l’ai vu quand je faisais le portrait de sa mére à
zurich. (ele… eu reconheci-o por uma fotografia… vi-a
quando estive a pintar o retrato da mãe em zurique.)
de
spiGa: Faire du piano tous les jours donne de la force
aux mains au pianiste, vous ne trouvez pas? il vous a dit
pourquoi il se trouvait ici? (não é interessante como uma
prática constante torna tão fortes as mãos de um pianista? ele disse-lhe porque é que estava cá?)
tamara: non. (não.)
de
spiGa: c’est… curieux. (é… curioso.) [aperta
mais Força]
com
tenez, une femme m’a dit un jour que les
hommes portent des couteaux parce qu’ils n’ont pas
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
reglés comme les femmes. (sabe, uma mulher disse-me
uma vez que a razão porque os homens usam navalhas é
porque não são menstruados.)
tamara: il est communiste. c’est tout ce que je sais. Je
jure que— (ele é comunista. é tudo o que eu sei. Juro
que-)
de
spiGa: ne jurez pas, s’il vous plait. (não jure, por
favor.) [LarGa-Lhe a mão] vous savez certaines choses,
madame. Je vous suggére de les oublier. parce-que
savoir certaines choses est plus dangereux qu’un morceau de verre. on peut se couper plus profondément.
(sabe umas coisas, madame. sugiro que as esqueça.
porque saber uma coisas é mais perigoso do que uma
faca afiada: corta mais fundo…) [de spiGa sai, diriGindose para o Quarto de d’annunzio. perceBendo Que
mario está a FaLar com d’annunzio, Fica à porta à espera de mario,
r 95 páG. 174. tamara continua na suite em
r 89 páG. 160]
159
160
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
r 89 • suite
tamara
tamara monologa sobre d'annunzio e de spiga.
tamara: [continua na suite, de r 88 páG. 159] Je déteste
ces hommes modernes qui affirment aimer son pays, la
politique et le pouvoir. tout cela est abstract.
d'annunzio dit qu’il le fait au nom de l’humanité, et qu’est
ce que c’est l’humanité plus qu’une personne et une
autre e encore une autre?… de spiga voit le monde
comme les notes d’une partition, mais il oublie de jouer
chaq’une a la fois. Jouées ensemble les notes ne sont
plus q’un bruit —un bruit horrible. (odeio estes homens
que dizem amar o seu país, a política e o poder… tudo
aquilo é abstracto —o d'annunzio diz que o faz em nome
da humanidade; e o que é a humanidade senão uma pessoa e mais outra e mais outra?… de spiga vê o mundo
como as notas de uma partitura, mas esquece-se de as
tocar uma de cada vez. tocadas ao mesmo tempo as
notas são só ruído —um horrível ruído.) [vai para arrumar as suas coisas mas deita-as ao chão vioLentamente]
non, Luisa. (não, Luisa) [aGarra
nas maLas e vai
para o corredor, onde as deixa. vai procurar Luisa ao
saLão,
r 86 páG. 149]
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
r 90 • cozinha
dante
dante decide partir.
dante: [vindo
do saLão, de
r 86
páG.
147.
esconderiJo Buscar uma GarraFa de vodKa]
vai a um
emilia…
emilia… [Bate à porta do Quarto] emilia? onde é que
ela está? emilia? [entra na cozinha, aGarra no seu chapéu de GondoLeiro e põe-no]
passei seis anos nesta
casa. isto era a minha venezia, um lugar onde o meu pensamento podia vaguear no tempo, ser sexta-feira na
cozinha da mamma, o cheiro das ervas e da massa, o cheiro a lavado, o som das mulheres a trabalharem na cozinha. a mamma a explicar à emilia como se fazia “challah”,
a caterina a trepar ao balcão… oh, emilia, onde é que
está a minha filha? eu quero a minha menina. [BeBe]
Quando o papá voltava para casa, a mamma acendia as
velas do shabbat e o papá pegava na caterina ao colo e
dizia: “possas tu ser como sarah, rebeca, raquel e
Leah”. emilia! não era uma alegria? o papá recitava o
Kiddush e depois lia a torah e quando eu quis falar, tu
mandaste-me calar e pediste ao papá para continuar.
eramos uma família, emilia. e podia ser assim outra vez.
não é fácil, nunca é quando se é pobre. [BeBe] o mario
diz que luta por nós. o Finzi diz que luta por nós. eles
lutam pelo poder, para poderem mandar em nós. se eles
não se matarem um ao outro, vão acabar como il
comandante, que bate nos criados porque o mundo lhe
bate a ele. não hão-de ir mais longe. há demasiado
tempo que digo “ainda não”. ainda não para o meu deus,
161
162
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
ainda não para o meu povo, ainda não para a liberdade.
[BeBe] Fiquei com il comandante porque ele tomou
conta da mamma, porque tu ficaste; acabou-se, vou
tomar uma atitude. olhas para o mario e julgas que ele é
forte; e eu o que sou? Fraco, medroso e tonto? não.
[BeBe] posso não estar no topo, mas também luto. Luto
pela minha mulher e pela minha filha porque a primeira
responsabilidade de um homem é a sua família. [atira
a
GarraFa para deBaixo da mesa. o vodKa derrama-se]
acabou-se a bebida e os sonhos [atira o chapéu para o
chão]
e o viver no passado! olho para esta cozinha e
digo: acabou-se. esta não é a minha casa. a única coisa
que nos deixaram foi o amanhã. Jerusalém não é para o
ano que vem, é já para amanhã. vou ajudar o mario a
fugir. não pela revolução mas para te pôr a salvo, a ti e à
tua filha. vou buscar a mamma e vamos para a palestina.
Lá estaremos a salvo. [pausa] e o Finzi, se ele falhar
como fascista, talvez aprenda a vencer como judeu. [vai
para o corredor. ouve-se tocar a sineta da porta. vai
aBrir em
r 94 páG. 172]
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
r 91 • Quarto de mario e Quarto de emilia
emiLia
emilia monologa sobre o seu final feliz.
emiLia: [continua no Quarto de mario, de Q 82 páG. 131]
vou com ele. vou-me embora! “temos de trabalhar,
temos de trabalhar até morrer”. não, caterina, isso não é
para nós. nunca mais. se il comandante vier, vamos para
inglaterra. o mario apresenta-nos a todas as pessoas
importantes. até podemos vir a conhecer o rei… oh,
caterina, a primeira vez que a tua mamma se apaixona
calha-lhe logo o filho dum duque, um marquês! Quando
eu tinha a tua idade, o velho pepino sentava-se à porta
da taberna e contava histórias de fadas e toda a gente
fazia pouco de mim porque eu acreditava nelas… mas o
meu coração sempre me disse que eu iria ter um final feliz.
deus não podia ter-me feito só para me ver sofrer. e ele
não fez com que eu te tivesse só para os vizinhos calhandrarem… tudo tem uma intenção… não interessa quão
tonta eu tenho sido, vejo agora isso muito bem… estava
destinado a acabar assim… estás a ver, caterina, há um
deus. [tira
omBros]
um LençoL da cama e põe-no à voLta dos
havemos de ter capas de pele, brancas, enor-
mes… e usar colares de diamantes quando passearmos
pelos canais… parece que os canais em inglaterra ainda
são maiores que os de venezia… e teremos o nosso gondoleiro privativo… [pausa] dante… o que é que eu lhe
digo? o mario diz que ele não pode saber mas eu não
posso ir-me embora assim… tenho de lhe explicar… mas
não posso… enquanto o Finzi acreditar que o dante não
163
164
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
sabia nada do mario e de mim estará a salvo… il mio
dante… [doBra
o LençoL e sai para o seu Quarto.
Quando entra, LiGa o rádio e ouvem-se os úLtimos
seGundos da cena
2
do
2º
acto de
“La
45
traviata” de
verdi. o rádio Ficará LiGado e ouvir-se-á a ópera até
ao FinaL]
dante… lembras-te… não, não comeces,
emilia… eu só tenho de lhe dizer que me vou embora. o
mario ama-me e eu vou-me embora com ele… tu protegeste-me durante toda a vida, dante… Quando eu chorava, tu contavas-me uma história. Quando eu arranjava
chatices, tu mentias para me safar. Quando eu roubava,
tu encobrias-me. acabou-se. [pausa] eu sei que tu sempre tentaste fazer as coisas pelo melhor, mas aprendi
quando estava grávida da caterina, que tenho de fazer
aquilo que é melhor para mim. para mim. uma mulher
sente a filha a mexer e percebe que só ela é que realmente a sente. a barriga cresce, fica cheia, mas em vez de
sentires que há mais alguma coisa lá dentro, sentes-te é
cada vez mais só; porque ninguém pode partilhar aquilo.
ninguém. oh dante, eu gostava tanto de te dizer estas
coisas e sei que tu ias dizer que percebias, como um pai
diria a um filho: “compreendo”… mas eu agora não
estou a sonhar… eu sei que isto não é um conto de
fadas, é o final que eu queria… o mario ama-me…
sinto-o como senti a caterina a mexer-se dentro de
mim… dante, deixa-me ir… nem sequer estás aqui e já te
sinto a segurares-me… nós nunca mais podemos ter o
que tinhamos… morreu… tentei a sério amar-te…
tantas noites que sonhava contigo entre mim e o berço
da caterina… a maneira como seria… mas não pode ser
dessa maneira. eu gosto tanto de ti, dante, mas preciso
de mais… o mario… eu sei que quase não o conheço
t
de
165
L empicKa (acto ii) • Fdc
mas é o tudo ou nada… este medalhão é para ti… [põeno em cima da cama. repara no cruxiFixo. aJoeLha-se e
reza]
meu deus, perdoa-me pelo sofrimento que eu vou
causar ao dante e atende as minhas preces e confortao na sua tristeza… não peço nenhuma graça para mim,
mas peço-te que conserves a caterina com saúde e feliz,
e que o mario a venha a amar. amen. Bom, onde é que
está a minha mala preferida?… [espreita
para deBaixo
da cama e tira uma eLeGantíssima maLa]
há três anos
que está aqui debaixo. o dante dizia que eu nunca a iria
usar porque eu nunca me iria embora, mas uma senhora
precisa de uma mala decente… Quando a marchesa
cassatti cá esteve trouxe vinte e quatro malas… levou
vinte e três… nem deu pela falta desta. Quando se é
muito rico nem é preciso saber contar. [começa a emaLar
roupa]
para que é que eu levo isto? o mario vai tomar
conta de mim a partir de agora… [deita as roupas para
o chão]
talvez eu pudesse contratar a aélis e dizer-lhe,
“arruma isto, aélis”. ainda o melhor era olhar só para
ela… e… [aGarra
numa peça de roupa]
vou levar isto
para não me esquecer… como recordação… [emaLa
a
peça de roupa e aGarra num Livro] vou voltar a pôr este
livro no salão. Quando eu aprender a ler hei-de comprar
livros novinhos em folha encadernados a pele… tenho
de saber se ele sempre vem connosco ou não. pobre
comandante, vai ficar doido quando me vir nos braços
do mario… [emiLia sai com a maLa e diriGe-se ao saLão,
s 97 páG. 177]
166
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
r 92 • Quarto de d’annunzio
mario
mario monologa sobre emilia.
mario: [irrompe
átrio, de
Q 85
peLo Quarto de d’annunzio, vindo do
páG .
145] comandante? provavelmente
está lá em baixo com a tamara. o velho sátiro não podia
resistir a um último beijo. [pausa] e eu? posso ir ter com
a emilia e abraçá-la só mais uma vez? não… nunca mais.
não está previsto levá-la daqui. são só dois os marinheiros que vão para Genova. o que foi isto? onde é que ele
estará? o Finzi precisa de ir até ao topo para ser autorizado a prender um criado do d'annunzio. temos uma
hora, no máximo duas. e se eu falho? ninguém vai saber
que o d'annunzio se juntou à resistência. a ele mantêmno aqui com guardas extra no portão e umas gramas de
cocaína… e a mim fazem-me ter um acidente… e a
emilia… a emilia vai-se lixar. uma mulher inocente irá
para a prisão pelo contributo que deu a isto… se eu ao
menos me convencesse que ela só o fez pelo dinheiro, ou
pela causa, como a defelice… tenho de… ela vai apanhar uns anos de prisão, é tudo… e o dante fica à espera dela. pelo menos assim ela fica viva… ela… meu deus,
ela ama-me. [pausa] pára com isso. a tua tarefa é tirar o
d'annunzio desta casa. Bolas, porque é que ele não se
despacha? odeio esta espera… é como o silêncio antes
da borrasca. em caporetto olhava para a linha da trincheira e pensava: qual deles irá morrer?… não, aquele
não, tem família… meu deus, nem aquele, é tão novo…
nem aquele… nem aquele… até que as bombas começa-
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
vam a cair e todos os pensamentos eram esmagados.
deixava de haver pessoas, companheiros, só morte e
terror… [Fica à espera de d’annunzio para r 93 páG. 168]
167
168
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
r 93 • Quarto de d’annunzio
d’annunzio
• mario
mario recebe uma carta de d'annunzio.
d’annunzio: [entra vindo da suite, vestido com o Quimono e com o casaco na mão, de
r 87 páG. 152. pendura
o casaco. mario está no Quarto de d’annunzio na
seQuência de
r 92
páG.
166] sabes o que é que aquela
mulher me disse?
mario: não há tempo para mulheres! a defelice foi
presa.
d’annunzio:
a defelice? [Fecha a porta] ela é dos vos-
sos?
mario: nós estamos por toda a parte. comandante,
temos de partir imediatamente.
d’annunzio:
carta]
[senta-se
à secretária, a escrever uma
porque é que tu lutas, mario? para libertar os
oprimidos?
mario: Já discutimos esse assunto. vamos.
d’annunzio:
e quem são os oprimidos? as putas! as
emilias e as defelices… não usemos velhas palavras
esterilizadas e gastas! esquerda, direita, esquerda, direita —toda a gente marcha e grunhe a mesma cantiga.
olho para o mundo e vejo que estou sozinho.
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
mario: o senhor fecha os olhos e pensa que está sozinho. a italia está cheia de homens que lutam isolados
contra o Fascismo. eles só estão à espera de um líder.
d’annunzio:
não mais apóstolos.
mario: escolha o caminho e os homens segui-lo-ão.
ainda sabe o caminho para roma. vem comigo? [não há
resposta]
parar, ficar aqui e agora, é abandonar uma
nação.
d’annunzio:
mussolini vai conduzi-los—
mario: em círculos. o governo dele é pior que um senado romano. sabe quando foi? em 10 de Janeiro de 49
antes de cristo, césar atravessou o rubicão.
d’annunzio:
o dia 10 foi ontem. eu estou velho.
mario: agora desculpa-se com a idade. há cinco minutos, dava o seu melhor para seduzir uma mulher vinte
anos mais nova…
d’annunzio:
trinta.
mario: se um homem ainda é sexualmente activo, tem a
obrigação de ser politicamente activo. ame a italia novamente.
d’annunzio:
o que é que eu iria ser em inglaterra?
169
170
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
mario: a voz da verdadeira italia.
d’annunzio: um velho porco. vai-te embora. diz aos teus
chefes o que eu disse ao mussolini. diz-lhes que me deixem morrer! acabou-se.
mario: tudo? as palavras? os livros? as façanhas?
d’annunzio: tudo. acabou-se. o mussolini é o dono das
minhas palavras. pegou nelas e fê-las reflectir como num
espelho. pegou nos meus slogans, nos meus uniformes,
até nos meus homens! o Finzi foi um dos meus apoiantes!
como é que esperas que eu consiga chamá-los quando o
mussolini me tirou a voz? os gestos dele, a forma como
ele atira as palavras como se elas viessem do cálice do
paraíso… isso era meu. mantem-me aqui como se eu
fosse a mitra do rei, e visita-me exclusivamente para se
refrescar, para ter a certeza que usa a entoação correcta nas palavras, que faz as pausas como deve ser. ele até
rapou o cabelo! [aBana-se
raivosamente]
a marcha
sobre roma foi uma ideia minha. ele disse que nunca
resultaria. e eu, eu que fiz a minha carreira por saber ler
o pensamento do povo italiano, dei-lhe ouvidos. cristo
teve o seu Judas, mas o meu não me deixa morrer.
mario: cristo morreu por uma causa. podíamos estar em
inglaterra daqui a três dias. agir é a única forma de
encontrar a salvação.
d ’a nnunzio :
escrevi esta carta para o duque de
connaught… [aGarra
ver]
na carta Que acaBou de escre-
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
mario: o senhor ou nada! [tira uma navaLha e encostaa ao pescoço de d’annunzio]
se não vier, tenho ordens
para o eliminar.
d’annunzio:
por favor, deixe-me morrer fardado. [mario
aFasta a navaLha. d’annunzio tira a pistoLa da Gaveta e
coLoca-a em cima da secretária. despe o Quimono e
veste o casaco. mario vai para sair]
não tinha ordens
para me matar?
mario: [voLta à secretária e Fica como Que hesitante
em peGar na pistoLa. peGa na carta]
Levo isto para a
história saber. [sai do Quarto e é interceptado por de
spiGa, Que está do Lado de Fora,
zio continua no seu Quarto,
r 96 páG. 175. d’annun-
s 99 páG. 180]
171
172
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
r 94 • átrio
dante • Finzi
dante brinca com Finzi.
[dante
cheGa vindo da cozinha, de
r 90
páG.
162.
ouve
tocar a sineta da porta da rua e aBre-a. é Finzi Que
voLta de Levar carLotta ao comBoio, de
Q 85 páG. 145]
dante: Quem é você? o que é que está aqui a fazer?
Finzi: não me provoques, dante.
dante: eles também o hão-de provocar. nome? Quem o
deixou passar? onde é que esteve a noite passada? a
partir de agora sou eu que faço perguntas. não;
melhor… você nem sequer existe. [suBitamente
sur-
preendido] onde é que ele foi? o fascista desapareceu.
[oLhando
para Finzi como se o visse peLa primeira vez]
então quem é que é este simpático judeu? é o aldo Finzi.
agora é que me estou a lembrar de ti… escondias-te lá
ao fundo, na última fila da sinagoga.
Finzi: Já chega de brincadeira, acabou-se, dante. a
defelice assinou o depoimento. mal o mande para
roma… o mario é preso.
dante: e a emilia?
Finzi: Farei o que puder.
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
dante: deixe-me levá-la daqui.
Finzi: tenho de telefonar para roma. [vai para sair mas
diz ainda]
rio,
não prometo nada. [sai
para o seu escritó-
s 101 páG. 188. dante vê mario a diriGir-se para o seu
Quarto e seGue-o, para
s 100 páG. 185]
173
174
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
r 95 • corredor
de
spiGa
de spiga lê a carta do marido de tamara.
de
spiGa: [vem da suite, r 88 páG. 159, e diriGe-se à saída
do Quarto de d’annunzio. depois de conFirmar Que
mario está a FaLar com d’annunzio, examina a carta do
marido de tamara]
o que será que o marido lhe quer?
[aBre a carta e começa a Ler] “minha querida: são três
da manhã e não, não estive a beber. passei a noite sentado no teu estúdio. estavas sempre a dizer que gostavas
de saber o que é que eu pensava do teu trabalho e eu
arranjava sempre desculpas para não o ver —bem, vim
esta noite e na mesa por detrás do teu cavalete estava um
velho livro de poemas do Goethe. abri-o neste: “Gehe,
verschmähe die treve, die reve kommt nach”. [para
si
próprio] Já nem alemão sei. —”Gehe verschmahe” [traduz]
“vai, despreza a fé…” não, não é bem isso, é “vai,
despreza a fidelidade, o remorso seguir-te-á”. [continua
a Ler]
“claro que primeiro pensei nas minhas próprias
imprudências, mas depois pensei apenas no quanto tentei desencorajar-te de pintar, porque queria que te desses a mim e isso tocou-me fundo porque era como se te
estivesse a pedir que perdesses a fé na tua arte. tu
deves pintar, tamara. espero que esta tua visita a esse
tal d'annunzio renove a tua fé pela arte e que esta carta
te renove a tua fé por mim. amo-te. tadeusz.” [para
próprio]
si
ela devia ter lido esta carta. [Guarda a carta e
continua, Quando mario sai do Quarto de d’annunzio,
em
r 96 páG. 175]
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
r 96 • corredor
de
spiGa • mario
de spiga confronta mario.
[mario sai do Quarto de d’annunzio, de r 93 páG. 171. de
spiGa tem estado à espera deLe, de
r 95 páG. 174]
de spiGa : [interceptando mario] mario, estás a perder o
teu tempo com o Gabri. ele não tem mais nada para dizer
ou fazer.
mario: porque é que me diz isso?
de
spiGa: Basta que to diga. Bom, e agora vou salvar-te
a vida.
mario: sabe quem eu sou? [saca a navaLha e ameaça de
spiGa]
de
spiGa: há pessoas, pessoas bem colocadas, que que-
rem que tu, mario visconti, vás para algures, que saias
daqui vivo. não faças perguntas, vai-te simplesmente
embora. o teu pai quer ver-te. está a morrer, mario. vai
ter com ele. está em nice. mussolini garantiu-lhe que te
dava um salvo conduto. arranjei as coisas para tu levares
madame de Lempicka a nice logo à noite… depois de
todos se terem deitado. estamos entendidos? deixas
ficar o d'annunzio e vais-te embora.
mario: a emilia fica em segurança?
175
176
t
de
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
spiGa: nenhum mal lhe acontecerá. e agora afasta
essa navalha. [mario
Guarda a navaLha]
muito melhor.
[mario diriGe-se ao seu Quarto, s 100 páG. 185. de spiGa
diriGe-se ao corredor onde estão tamara, Luisa e emiLia,
s 97 páG. 177]
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
s 97 • corredor
de
spiGa • emiLia • Luisa • tamara
de spiga impede Luisa e tamara de partirem.
[emiLia
vem do seu Quarto, de
r 91
páG.
165.
pousa a
maLa e oBserva tamara e Luisa Que estão a ir-se emBora, vindas do saLão, de
r 86 páG. 150. Luisa traz a BaGa-
Gem de tamara. escorreGa e cai]
emiLia: [indo aJudá-La] aleijou-se, signora Baccara?
Luisa: [rindo] tudo cai em italia. o coliseu, o governo,
até o Francesco. [tamara
tenta aJudar emiLia a Levan-
tar Luisa, mas Luisa puxa-a para o chão]
tamara: Luisa.
Luisa: [aGarra
a cara de tamara com amBas as mãos]
dites non… Gabri.
tamara: oui. oui.
emiLia: eu ajudo-a a ir para o seu quarto, signora.
Luisa: shhh! estamos a fugir.
de
spiGa: [entra vindo da entrada do Quarto de d’an-
nunzio, de
r 96 páG. 176. aJuda com GentiLeza tamara a
Levantar-se e depois atira-a com BrutaLidade contra
a parede]
Je déteste me répéter. J'ai dit à minuit, mada-
177
178
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
me, à minuit. rentrez dans votre chambre! (detesto
repetir-me. eu disse à meia.noite, madame, à meia-noite.
volte para o seu quarto!)
Luisa: [para de spiGa] tu? também tu… meu deus! meu
deus! deixem alguém ser livre.
emiLia: signore, ela não está bem.
de
spiGa: isto não é da tua conta, emilia.
Luisa: nós dantes eramos outras pessoas, Francesco.
mas eramos… pessoas.
de spiGa: [para tamara] allez avec elle, madame. (vá com
ela, madame.) [para Luisa] vai dormir, Luisa. vai dormir.
[para emiLia] emilia, ajuda-a a subir as escadas e depois
vê se a bagagem de madame de Lempicka voltou para o
quarto dela.
emiLia: si, signore. [de spiGa diriGe-se para o átrio, s 98
páG.
179.
desta,
tamara e emiLia Levam Luisa para o Quarto
s 102 páG. 189]
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
s 98 • átrio
de
spiGa
de spiga monologa sobre Luisa.
de
spiGa: [Fica
sozinho no corredor depois de deixar
Luisa, emiLia e tamara, de
s 97
páG.
178] se o Finzi não
tem mandado a tropa para o portão… porque é que
roma me obriga a estar associado a tanta estupidez e a
tanto mau gosto? a Luisa nunca pode vir a saber. tudo
o que tenho feito é para a tentar proteger —protegê-la
disto… talvez ela de manhã já não se lembre de nada. se
não, talvez pudesse convencê-la que isto não aconteceu.
a tamara já terá ido embora e o Finzi já terá prendido a
emilia, por isso este pequeno incidente não deve voltar à
baila. Quanto à aélis, ela estava demasiado preocupada
com a carlotta para ter reparado no que se passou ao
portão— Qual quê! a Luisa costuma dizer, “Francesco,
és demasiado lógico para seres um grande compositor”.
[pausa] ela não se irá esquecer. [sai para o escritório
de Finzi,
s 103 páG. 191]
179
180
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
s 99 • Quarto de d’annunzio
aéLis • d’annunzio
aélis levanta d'annunzio.
d’annunzio: [depois de mario sair, em
r 93 páG. 172, diri-
Ge-se ao Busto veLado de eLeonora duse]
eleonora…
minha testemunha velada. minha mentora e memória.
minha juventude. Lembras-te como costumávamos gritar
não? não! não a tudo o que fosse refugo. prometemos
levantar os nossos martelos e partir a pedra da mediocridade. e agora somos nós essa pedra. rendemo-nos,
dissemos sim… e temos medo. só nos resta um “não”… a
morte. estou tão assustado que se abrisse a boca para
gritar, nem um som se ouviria e as moscas ainda acabavam
por entrar. [BeiJa o Busto e aponta a pistoLa à caBeça]
aéLis: [entra
vinda do saLão, de
r 86
páG.
149] non!
non!
d’annunzio:
deixa-me ir, aélis.
aéLis: assim?
d’annunzio:
disseste esta manhã que ainda não era o
meu tempo. é o meu tempo. deixa-me.
aéLis: não vire as suas frases contra mim!
d’annunzio:
muito bem. não diremos nenhuma palavra.
sai… o suicídio é um acto solitário, exige solidão. sai,
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
sai!
aéLis: [vai
para sair mas pára]
solidão— escreveu um
livro sobre o egoísmo, e até esse o deixou na gaveta! vá,
amaldiçoe-nos a todos, e morra. morra! [vai para sair]
d’annunzio:
não, aélis. espera. não. compreende… eu
faço isto pela italia! por tudo no que ela se tornou por
minha causa. conduzi uma nação “para os lobos e para a
terra de ninguém”. tenho de morrer. se matares a raíz…
matas a árvore.
aéLis: está a fazer isto pela sua caprichosa filha?
d’annunzio:
sim. Finalmente. dizes ao mundo?
aéLis: eu digo-lhes. tenho tudo escrito. durante vinte
anos tenho feito o meu diário dedicado a si, Gabri. eu
digo ao mundo. dir-lhe-ei que sem as suas mulheres não
tinha sido nada. direi ao mundo como penetrou por dentro da “sua amada” eleanora duse e lhe saqueou o coração e a alma como um papão num quarto de criança,
transformando o sofrimento dela num “grande romance”.
direi ao mundo como a sua mulher, a donna maria, se
tentou matar por duas vezes; da nike, cuja fortuna gastou e deixou na miséria. a minha lista não terá fim. direi
ao mundo da Luisa.
d’annunzio:
não! não! todos me acusam! eu nunca quis
que ela me amasse!
aéLis: mas ama! todos em italia o amam. [tenta tirar a
181
182
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
arma a d’annunzio, Que carreGa no GatiLho. nada]
d’annunzio:
eles tapam o nariz e deixam a lepra alastrar.
até o mario se recusou a cumprir o seu dever. Que
fedor, aélis! Que horrível fedor!
aéLis: [suBitamente
interessada]
o que é que quer
dizer com isso do mario se ter recusado a cumprir o seu
dever? o que é que há com o mario?
d’annunzio:
era suposto que ele me matasse se eu não
quisesse ir—
aéLis: para onde?
d’annunzio:
para inglaterra.
aéLis: porquê? porquê?
d’annunzio:
para falar… os comunistas querem a minha
língua.
aéLis: ajudou-o?
d’annunzio:
não.
aéLis: repita!
d’annunzio: eu não lhe dei nada. arriscou tanto e eu não
lhe dei nada.
aéLis: vou ter de contar ao Finzi.
t
d’annunzio:
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
deixa o mario partir.
aéLis: e perder tudo? o Finzi quer que eu seja deportada. se ele descobre isso do mario, estou perdida.
d’annunzio:
ele foi-se embora, aélis. desapontei-o,
desapontei todos os meus amigos. para que é que eu
sirvo? nem consegui convencer a tamara… os jovens
falam de outra maneira—
aéLis: então aprenda a linguagem deles! costumava ser
a sua. pensa que conduz as pessoas? não. Foi o cântico
da multidão que o tornou grande. Foi o Boccaccio deles,
o césar, o da vinci, o Garibaldi. através de si, eles construiram roma, atravessaram os alpes, conquistaram
nações…
d’annunzio:
sim! sim!
aéLis: o senhor era forte e eu não o vou deixar ser fraco.
está-me a ouvir? mussolini destruiu-o mas eu vou fazer
por si aquilo que fez pela italia, vou levantá-lo outra vez.
à maneira de roma. para nos salvar. para salvar a nossa
casa. [escarrancha-se em d’annunzio na cama]
d’annunzio:
dá-me a tua língua.
aéLis : Lembra-se da duse na sua melhor peça,
“Francesca da rimini”? “nos meus sonhos, vejo-a—”
d’annunzio: “nos
meus sonhos, vejo-a como se ela fosse
183
184
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
verdadeira.”
aéLis: “uma mulher nua a correr pela floresta.”
d’annunzio:
“Ferida pelos ramos e espinhos, implorando
misericórdia—”
aéLis: “…dois mastins nos calcanhares… atrás dela,
montado num alasão preto—”
d’annunzio:
“um cavaleiro negro, força e zanga na cara,
espada na mão, ameaçando-a com uma morte rápida em
palavras aterradoras.”
aéLis: “os cães, abocanhando a mulher nua, fazem-na
cair.”
d’annunzio:
“e o cavaleiro, de espada na mão, corre
para a mulher.”
aéLis: “dirige-se a ela, poderoso e atravessa-lhe o peito
com a espada. depois saca o punhal, abre-a pela barriga, arranca-lhe o coração e deixa o resto para os cães.”
[d’annunzio
tenta roLar soBre aéLis ]
non! non!
tamara! tamara! possua-a, como um grande rei que
tivesse conquistado a polónia. [empurra d’annunzio]
d’annunzio:
e o que é que eu digo?
aéLis: nada! nada! possua-a só. [d’annunzio
suite,
t 108
páG.
207.
sai para a
aéLis, exausta, ao ouvir Finzi e
mario a discutir diriGe-se ao corredor,
t 107 páG. 205]
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
s 100 • Quarto de mario
dante • mario
dante explica a mario como pode fugir.
dante: [entra vindo do átrio, r 94 páG. 173. mario veio
da entrada do Quarto de d’annunzio,
r 96
páG.
176.
despe-se e veste roupa de camponês. Guarda a carta
de d’annunzio]
mario… ele vai-se embora contigo?
mario: não… Falhei.
dante: o falhanço não é teu, é dele! e o que é que vais
fazer com a emilia? ela pensa que vai contigo, não
pensa?
mario: tive de mentir… mas foi uma mentira que queria
que fosse verdade.
dante: se gostas dela, pensa na segurança dela. Que
vida seria a da emilia, sempre a fugir de um lado para o
outro…
mario: ela devia casar contigo, dante.
dante: exactamente. tu tens a tua causa, mario; a minha
causa é a emilia.
mario: uma causa, se ao menos fosse uma causa… tu
lutas pela emilia, pelo amor, é o teu dever—
185
186
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
dante: é a mesma coisa.
mario: não para um visconti… si, dante… eu sou um
visconti, o marchese mario visconti.
dante: o filho do duque de milão, o fascista?
mario: si. mas para o pai o meu título é cobarde.
estávamos a ser esmagados em caporetto e eu desobedeci a uma ordem para resistir… a escolha era entre
sacrificar os meus cinquenta homens ou salvar-lhes a
vida e desobedecer a uma ordem formal.
dante: e retirou?
mario: si… fui levado a tribunal militar e fui condenado à
morte. o pai disse que eu tinha desgraçado a família; os
visconti sempre foram militares… e agora ele tem de
fazer uma escolha idêntica à minha.
dante: Que escolha?
mario: o amor ou o dever.
dante: não há escolha.
mario: há, há, não não há… eu não sei é qual deles é
que ele vai escolher… o de spiga acabou de me dizer
que ele está a morrer.
dante: o signore de spiga?
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
mario: surpreendido?
dante: os ricos já não me surpreendem.
mario: o pai está em nice e quer ver-me… o governo
garante-me um salvo conduto. ou está o pai, enquanto
fascista, a ser cúmplice de um plano para me apanharem?
o amor ou o dever… irónico dilema para ambos.
dante: não vá, marchese.
mario: vou… estarei a salvo em nice… e não quero que
os fascistas me levem à fronteira.
dante: o Finzi tem soldados em todas as saídas.
mario: mas tu sabes uma maneira de eu me escapar, não
sabes?
dante: a varanda do segundo andar dá para os ciprestes ao lado da casa. de lá pode chegar a muro da propriedade do conde Leonni. sabe guiar um barco?
mario: si.
dante: o dele, o “maz” é o barco mais rápido do Lago di
Garda. a partir daí fica por sua conta.
mario: Grazie, dante.
dante: avie-se. avie-se. [mario
com dante para
t 107 páG. 203]
sai para o corredor
187
188
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
s 101 • escritório de Finzi
Finzi
Finzi sabe por mussolini quem é mario.
Finzi: [vindo do átrio, de r 94 páG. 173. vai ao teLeFone]
Ligue-me o 3-2-8-6… si… si… com certeza… roma. eu
sei que horas são! sim, o ministro do interior… […]
Generale Foscarini? capitano aldo Finzi! Boas notícias!
o d'annunzio está implicado com um jovem comunista
chamado mario— […] o quê? il duce! ele quer falar…
[põe-se em sentido] capitano Finzi! duce, é uma honra.
sim, duce— […] duce— […] eu sei o que é um imbecil.
mas— […] ele é quem? o filho do duque de milão? […]
eu sei o que é um amigo. […] desculpe, duce, eu não
queria repetir o que me… mas não está a perceber. ele
está implicado em actividades subversivas. […] si, eu
conheço a Libia… muito calor… não, duce, eu não
quero ir para lá… mas se— está? está? duce? [pausa.
desLiGa o teLeFone. continua em
s 103 páG. 191]
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
s 102 • corredor
emiLia • Luisa • tamara
emilia e tamara levam Luisa para o seu quarto.
[emiLia
aJuda tamara a Levar Luisa para o Quarto
desta. vêm de
s 97 páG. 178]
emiLia: não devia beber, signora.
Luisa: emilia, não fiques cá. agarra no dante e vai-te
embora. Foge enquanto podes. vai esta noite. vai-te
embora.
emiLia: eu vou-me embora em breve, signora.
tamara: [apontando para um deGrau] regardez.
Luisa: upa. upa. vou para as estrelas. upa. upa. e
quase que lhes tocava mas não me atrevi. [pára no patamar]
Boa noite. eu agora já me desenvencilho sozinha.
emiLia: eu abro-lhe a cama, signora.
Luisa: não. ajuda a tamara. eu não preciso de ajuda.
[para tamara] Bonne nuit.
tamara: nous avons peur toutes les deux, ma soeur—
mais notre peur nous rend fortes. (ambas temos medo,
minha irmã— mas o nosso medo torna-nos fortes.)
189
190
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
Luisa: vai-te embora, emilia.
tamara: [para Luisa] Bonne nuit.
Luisa: ele quase que lhes tocou, mas não se interessou.
[enQuanto
soBe as escadas, por deGrau]
upa. upa.
[vai para o seu Quarto, t 105 páG. 196. tamara e emiLia
diriGem-se para a suite,
t 106 páG. 198]
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
s 103 • escritório de Finzi
de
spiGa • Finzi
de spiga ordena a Finzi que não intercepte mario.
Finzi: [acaBou de desLiGar o teLeFone Quando de spiGa
entra. Finzi vem de
de
s 101 páG. 188. de spiGa vem do átrio,
s 98 páG. 179] pensam eles que o d'annunzio é fraco?
um discurso, um só, pode fazer rebentar uma revolução.
de spiGa: por amor de deus, Finzi, não percebe quem é o
pai do mario?
Finzi: si, o duque de milano. il duce acabou de me informar. mas a mim não me interessa se ele é filho do rei, continua na mesma a ser um comunista. eles pensam que o
mario é um menino de coro? ele é um operacional; tem de
ser morto antes de voltar a matar.
de
spiGa: não, não tem. esta noite, ele vai levar madame
de Lempicka a nice.
Finzi: e vai também dar-lhe dinheiro para a viagem?
de
spiGa: isso não lhe diz respeito.
Finzi: primeiro tentou raptar a Luisa e agora qual é o seu
plano? Ficar com os méritos da minha operação?
de
spiGa: a palavra é “culpa”, aldo, e eu não tenho
nenhuma. o mario vai em liberdade. il duce está simples-
191
192
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
mente a obsequiar um velho amigo que está a morrer e
que quer ver o seu filho pela última vez. só isso. mal o
duque morra, mario terá um acidente antes de poder
assumir o título.
Finzi: e d'annunzio?
de
spiGa: nada muda. contenção. observação. como
sempre. claro que a emilia tem de ser presa amanhã de
manhã.
Finzi: o aristocrata vai de férias e a desgraçada da camponesa vai para a prisão. vá-se embora. vá! deixe-me
ficar com a Luisa.
de
spiGa: a Luisa não é negociável.
Finzi: você não a ama, deixe-a para mim.
de
spiGa: ela está farta de política.
Finzi: Francesco, deixe-me alguma coisa!
de
spiGa: vou levá-la comigo quando me for embora.
Finzi: eu amo-a. tudo o que eu fiz, ou tentei fazer, voltar
para roma, foi por causa da Luisa.
de
spiGa: Bem, pelo menos o velho duque vai ver realiza-
do o seu último desejo.
Finzi: um passeio à riviera para o comunista!
t
de
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
spiGa: e você vai deixá-lo ir! e isto é uma ordem.
Finzi: isto não é vida, Francesco. vivemos numa sala de
espera. se nada acontecer, apodrecemos.
de spiGa: eu vou dormir e sugiro que você fique por aqui.
entendido? e, como precaução, quero a sua arma…
[Finzi entreGa a arma a de spiGa, Que sai para o saLão,
para s
104 páG. 194. depois de de spiGa sair, Finzi vai Bus-
car uma arma Que tinha escondida e o dinheiro Que
descoBriu no Quarto de mario. sai para o corredor e
encontra mario e dante em
t 107 páG. 203]
193
194
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
s 104 • salão
de
spiGa
de spiga confessa que viciou d'annunzio em cocaína.
de
spiGa: [entra
páG.
193.
vindo do escritório de Finzi, de
s 103
põe a pistoLa Que tirou a Finzi em cima do
piano. senta-se ao piano e toca “canção para Luisa” de
carLos dâmaso]
Luisa… o quê? o que é que eu lhe
posso dizer? a verdade? a questão não é quanto é que
eu amo, é quanto é que eu odeio. Quando me esbofeteaste senti o teu ódio e voltei a senti-lo quando puxaste
o gatilho… Juntei-me a um— sim, suponho que o nosso
movimento é uma espécie de clube—, onde quanto mais
se odeia mais depressa se é admitido. e como eu odeio
os seus membros quase tanto como me odeio a mim, não
tive problemas em entrar. [ri] Quando eles me disseram
para me fazer aqui convidado, vi a minha oportunidade.
eu sabia que o Gabri me iria tratar como um velho amigo
porque ele não se iria lembrar da dor que me causou
quando te roubou de mim… para ele, não foi um roubo;
foi como se ele levasse emprestado um chapéu para não
apanhar chuva. e então, um dia, ele esqueceu-te, e
encontrou outra pessoa. mas eu nunca esqueci nem perdoei. nem tu. para odiar, uma boa memória é essencial. e
do que eu me lembro desde há anos é só da quantidade
de mulheres que se tornaram viciadas no Gabri… sim, ele
é um vício. [tira
um FrasQuinho do BoLso]
Foi aí que a
ideia me ocorreu: cocaína. Quis que ele experimentasse
como era ter um vício. e assim, desde há dois meses que
lho tenho metido no corpo. eu acho que ele nem se dá
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
conta… mas ele já está viciado na cocaína. como eu
estou viciado em ti. como tu estás viciada nele. disseste
ontem que querias vingar-te… pensa no desespero que
ele te causou… agora imagina o que acontecerá quando
ele não tiver a sua dose diária… vem comigo. nós temos
um ódio comum, Luisa. é base suficiente para o amor.
[pausa] porque é que eu não lhe conto tudo? se eu conseguisse separá-la dele, ela depressa se curava. [ao
dar-se conta da discussão entre Finzi e mario, sai para
o corredor,
t 107 páG. 205]
195
196
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
t 105 • Quarto de Luisa
Luisa
Luisa suicida-se.
Luisa: [entra vinda do corredor, s 102 páG. 190] a Luisa
assustou-se tanto que a sua alma ficou livre. e agora, ela
ri-se, para mim. shhh. o Gabri quer que ela vá dormir.
[tira o casaco] a Luisa pensava que ele lhe tinha sugado o sangue todo, mas ele ainda aqui está… estou tão
cansada. Quero dormir. [deita-se] shhh… Luisa vai
para a cama. Luisa dorme… shhh… eles enchem a cabeça dela com silêncio… ela come-o com violência. [sentase. na mesa há um Jarro com áGua e um FrasQuinho de
remédio com conta-Gotas. mete um pouco de áGua no
copo e, enQuanto FaLa, deixa cair Gotas de remédio na
áGua]
o dottore Barzini disse só duas gotas, mas eu
acordo e continuo aqui. “dantes eramos outras pessoas,
mas eramos pessoas.” agora descobri o caminho para
casa e vou para lá, sozinha. e a mulher que eu conheço
melhor é uma que acabei de conhecer. não é quem perde,
mas quem ganha que paga a aposta. não degrau a
degrau, mas gota a gota. upa. upa. tens de encher o
copo. [BeBe
o remédio e depois deita-se]
não estou
deitada num caixão. estou a flutuar numa nuvem.
respira. Fundo. [o
pausa]
corpo começa a contrair - se .
a Luisa começou a partir-se, ela sente-se como
se o gelo que a segurava tivesse começado a derreter; ela
podia mexer os dedos dos pés, ela sente que se ela quisesse levantar-se ou correr ou dançar as pernas dela se
juntariam a ela na risota. mesmo o seu ventre, que sempre
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
desejou ficar cheio, começa a envergonhar-se e a
encher-se de ar. o medo é engraçado e aquilo que me
esmaga está a transformar-me. consigo mexer os dedos.
shhh. há ali música. [diriGe-se para o átrio]
nuvens, nuvens,
nuvens e nevoeiro.
Graças a deus,
com a noite
acaba-se a confusão.
[cheGa ao átrio Quando Finzi dispara contra mario em
u 109 páG. 208]
197
198
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
t 106 • suite
emiLia • tamara
tamara dá os presentes de d'annunzio a emilia.
[tamara e emiLia vieram do corredor, de s 102 páG. 190.
Quando tamara aGarra na sua BaGaGem, aGarra por
enGano na maLa de emiLia. emiLia peGa na seGunda maLa
de tamara e entram na suite]
emiLia: não… não… signora, dê-me licença. esta é a
minha última noite como criada.
tamara: ça ne me dérange pas de porter mes propres
baggages. (a mim não me incomoda levar a minha própria
bagagem.)
emiLia: Qual é a senhora que carrega a sua própria bagagem? Quando eu me for embora contrato pelo menos
três criadas.
tamara: [voLtando-se] comment? (como?)
emiLia: [aBanando
a caBeça]
nada, signora. [para
si
própria] podia chamar-lhe o que eu quisesse que ela não
percebia nada.
tamara: Je m'inquiète pour Luisa. (estou inquieta com a
Luisa.)
emiLia: o quê? [para si própria] tenho de contratar um
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
tradutor para perceber estes estrangeiros.
tamara: [Faz o Gesto de cortar os puLsos] Luisa. peut
être elle va essayer encore ce soir… de se suicider.
(talvez ela tente esta noite… suicidar-se)
emiLia: a Luisa? não, signora… a Luisa não faz isso. eu
vou ter com ela… [Faz Gestos de ir]
tamara: Bien. non… non… moi.
emiLia: ela vai dormir a noite toda. [Faz o Gesto de dormir encostando as mãos à cara]
dormir.
tamara: ah! dormir. moi aussi. (ah! dormir. eu também.) [emiLia
vai para sair. tamara aBre a maLa de emi-
Lia] ce n’est pas la mienne. (não é a minha.) [emiLia reentra na suite e Fecha a porta]
emiLia: é a minha… a minha, a minha roupa. a minha
roupa não é tão bonita como a sua mas eu ainda hei-de
vestir-me como uma senhora.
tamara: Je ne comprends pas. excusez-moi. (eu não
compreendo. desculpe.)
emiLia: a sua roupa… é muito bonita. [aponta
BLusa deLa]
muito bonita.
tamara: ça… vous l'aimez?
emiLia: si.
para a
199
200
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
tamara: [de
repente, despe a BLusa e dá-Lha]
pour
vous. (para si.)
emiLia: para mim? deixe estar, não se incomode.
tamara: non. non. pour vous. (não, não. para si.) [aBre
uma das suas maLas e tira uma camisa Que veste. depois
começa a dar a emiLia toda a roupa, incLuindo o vestido Que d’annunzio Lhe deu]
tenez, prenez tout. (tome,
fique com tudo.)
emiLia: Grazie. Grazie, signora. [aGarra
o vestido]
posso vesti-lo? [Faz o Gesto de vestir] vesti-lo?
tamara: Bien sur, il vous apartient. (com certeza, ele é
seu.)
emiLia: ó meu deus, perdoa-me todo o mal que eu disse
dela.
tamara: [aBotoa
a camisa Que vestiu]
ils étaient tous
les cadeaux de monsieur d'annunzio, mais maintenant je
vous les fait cadeaux. et contrairement à monsieur
d'annunzio, je ne m'attends à rien en recompense. (era
tudo presentes de monsieur d'annunzio, mas agora sou
eu que lhos ofereço. e contrariamente ao monsieur
d'annunzio, não espero nada em troca.)
emiLia: Quando chegar a inglaterra vou usar este vestido
quando for ver o rei e o mario vai ficar orgulhoso de mim.
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
tamara: mario, le nouveau chauffeur? (mario, o novo
chauffer?) [Faz o Gesto de conduzir]
emiLia: si.
tamara: vous et mario, vous êtes amoureux? (você e
mario, têm uma relação?)
emiLia: eu não—
tamara: vous et mario. (você e mario.) [aponta para o
seu aneL]
emiLia: si… mas é segredo. [põe
um dedo na Boca]
segredo.
tamara: Je comprend. (compreendo.)
emiLia: dá-me uma ajuda? [Faz o Gesto e voLta-se]
tamara: oui… vous êtes très belle. (sim… você é muito
bela.)
emiLia: tenho de lhe levantar um bocadinho a bainha…
o que é que eu estou a dizer? eu vou ter costureira.
[pausa.
a entrada súBita de d’annunzio, vindo do seu
Quarto de
s 99 páG. 184, determinará o Fim desta cena.
se eLe não tiver ainda cheGado nesta aLtura, a cena
continuará com as duas a tentarem entender-se]
signora… [LemBrando-se] …Lempicka.
tamara: non, non, apellez-moi tamara. (não, não,
201
202
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
chame-me tamara.)
e miLia: tamara… está… você e signor d'annunzio
amam-se? [aponta
para o aneL de tamara]
você e
d'annunzio?
tamara: [rindo] moi et d'annunzio?… amants? (eu e
d'annunzio?… amantes?) [aponta
para a cama]
ici?
(aqui?)
emiLia: si.
tamara: [continuando
a rir]
impossible. impossible.
(impossível. impossível.)
emiLia: não? [aBana a caBeça]
tamara: non.
emiLia: e mesmo assim teve estes presentes todos. não
percebo.
tamara: comment? (como?)
emiLia: nada… nada. [a
de d’annunzio em
cena continua com a entrada
t 108 páG. 207]
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
t 107 • corredor e átrio
aéLis • dante • de spiGa • emiLia • Finzi • mario
Finzi intercepta mario.
[Finzi, vindo do escritório, de s 103 páG. 193. intercepta
mario e dante no corredor, vindos do Quarto de
mario, de
s 100
páG.
187.
Finzi traz uma pistoLa e o
dinheiro Que descoBriu no Quarto de mario]
Finzi: mario, eu sei quem tu és!
mario: [voLta-se e Faz sinaL a dante para se ir emBora.
dante Fica]
os fascistas sabem sempre “quem” —são
muito bons em nomes. mas é o “porquê” que é importante.
dante: aldo, por favor—
Finzi: não te metas, dante. confiar nos criados, que
grande tolice. um aristocrata como tu devia saber que os
criados falam.
mario: eu sei “porque é que” eles falam! a força encontra respostas, mas nunca a verdade. [encaminha-se para
o átrio. Finzi e dante seGuem-no]
Finzi: [enGatiLha a arma, o Que Faz parar mario, e mostra a caixa do dinheiro]
mario visconti?
e tu, tu nunca usaste a força,
203
204
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
dante: deixe-o ir!
Finzi: dois polícias foram mortos no Banco ambrosiano
para que esta pequena expedição fosse financiada.
[aBre a caixa e mostra o dinheiro] olha para o dinheiro
que o teu herói rouba das poupanças dos trabalhadores. olha para ele, dante!
mario: os trabalhadores não conseguem poupar; os
trabalhadores morrem de fome enquanto os fascistas se
banqueteiam!
Finzi: odeio os da tua laia. ricos que fingem perceber os
pobres, que fingem preocupar-se. vocês só se preocupam quando é conveniente, quando não têm de ir à
ópera.
mario: eu não finjo.
Finzi: é engraçado brincar aos pobres? roubar umas
roupas de camponês e depois andar por aí a falar da
revolta das massas? Quem é que pensas que és, meu
comunista de merda? eu não consegui arranjar emprego
até ter sido aceite no partido Fascista. Quem é que dá a
um desgraçado dum judeu oportunidade para mostrar o
que vale? não os da tua laia. mesmo durante a guerra
puseram-me num serviço de contabilidade porque é
suposto que os judeus sejam bons com os números.
cada um dos degraus que eu subi estava atolado de
merda aristocrata. e agora eu não vou voltar para roma
porque o teu pai é amigo de il duce. Que conveniente
que é para ti ter um pai no partido. ele deixa-te brincar e
t
L empicKa (acto ii) • Fdc
de
depois, se as coisas derem para o torto, tu dás sinal na
corda e ele puxa-te.
mario: o meu pai não me traz à trela. [voLta-se
para
sair]
Finzi: [aponta-Lhe
se]
a pistoLa]
espera. [dante
aFasta-
esvazia os bolsos. [mario tira do BoLso a carta de
d’annunzio]
o que é isso?
mario: uma carta de d'annunzio. [emiLia, vinda da suite,
de
t 108 páG. 207, esconde-se atrás de uma coLuna]
aéLis: [entra
páG.
vinda do Quarto de d’annunzio, de
s99
184] non! il comandante não o ajudou. ele está a
mentir.
Finzi: sou eu que decidirei sobre isso.
aéLis: [correndo para a suite] Gabri! Gabri! depressa,
o Finzi apanhou o mario!
de spiGa: [entra vindo do saLão, de
s104 páG. 195] Finzi,
o que é que está a fazer?
Finzi: [aponta
[seGurando
a arma a de spiGa]
o que está a ver…
na carta Que tirou a mario]
provas.
provas! ele não ia para França. o d'annunzio e o mario
estavam a planear uma revolução. e eu desmascarei-os.
ele é meu prisioneiro. meu! [aponta a arma a mario] vou
levá-lo para roma. [emiLia avança por detrás de Finzi e
aGarra-Lhe na mão Que seGura a pistoLa. Lutam]
205
206
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
dante: emilia, não!
Finzi: Larga-me!
dante: pára! [corre
para a aJudar mas a pistoLa Fica
de repente apontada para eLe e eLe recua]
emiLia: mario, ajuda-me! [mario Faz uma peQuena pausa
e depois voLta as costas a emiLia e FoGe em direcção à
porta da rua. a arma dispara-se por duas vezes e mario
cai atinGido. a cena continua em
u 109 páG. 208]
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
t 108 • suite
d’annunzio
• emiLia • tamara
d'annunzio tenta violar tamara.
[d’annunzio cheGa à suite vindo do seu Quarto, de s 99
páG.
184.
à porta respira Fundo e depois irrompe peLa
suite onde está tamara e emiLia, de
t 106 páG. 202]
tamara: [para d’annunzio] Qu’est-ce que vous voullez?
(o que é que quer?)
d’annunzio:
[emiLia
sai, emilia! a hora da violência soou! vai.
sai para o átrio
t 107
páG .
205] J’ai atteint les
limites du langage. Les pauvres mots ne me suffisent plus
pour m’exprimer… (a minha voz atingiu o limite da linguagem, já não consigo argumentar com palavras débeis…)
tamara: sortez! (saia!) [d’annunzio ataca tamara, Que
o neutraLiza com uma JoeLhada]
allez vous-en, partez,
allez remplir vos livres des noms de toutes les femmes que
vous avez baisé… oui, baisé… parce que vous n’avez
aimé aucune… et moi, vous ne m’aurez jamais. (vá-se
embora, vá-se embora, vá encher os seus livros com os
nomes de todas as mulheres que você fodeu… sim,
fodeu… porque você nunca amou nenhuma… e nunca
me há-de ter. [ouve-se
átrio, para
um tiro]
Luisa! [corre
u 109 páG. 208]
d’annunzio: mario! [corre para o átrio, para
208]
para o
u 109 páG.
207
208
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
u 109 • átrio
aéLis • d’annunzio • dante • de spiGa • emiLia • Finzi • Luisa • mario • tamara
desenlace.
[continuação
de
t 107
páG .
206.
mario acaBou de ser
atinGido por Finzi. aéLis, emiLia, de spiGa e dante Ficam
estarrecidos. d’annunzio cheGa da suite de
t 108 páG.
207. tamara, vinda da suite, de t 108 páG. 207, encontra
Luisa Que veio do seu Quarto, de
t 105 páG. 197]
aéLis: mon dieu!
emiLia: mario? [aproxima-se deLe e aBana-o]
Luisa: oiçam o som da liberdade. [morre. tamara sacode-a e as LáGrimas correm-Lhe peLa cara aBaixo]
de
spiGa: Finzi, porque é que não obedeceu? eu tinha-
lhe dado uma ordem. [aGarra na arma]
Finzi: [deixa Que de spiGa Lhe tire a arma] emilia, porque
é que… porque é que tu… eu não ia matá-lo.
d’annunzio:
uma ordem? aqui quem dá ordens sou eu.
aéLis: não se meta nisto, Gabri.
d’annunzio:
a suite está preparada?
dante: está morto.
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
emiLia: [para dante] está a dormir.
d’annunzio: ah! estou a ver que a emilia pôs o tapete de
rosas.
Finzi: [para de spiGa] está aqui na carta. eles estavam a
preparar uma revolução. e eu desmascarei-os. eu disselhe desde o primeiro dia que ele era comunista. mas você
não me deu ouvidos. ele é meu! de mim… de mim… aldo
Finzi!
d’annunzio:
aélis, arranjaste os presentes todos?
aéLis: [perceBendo
nunzio]
de
o Que se está a passar com d’an-
oh!
spiGa: esta carta é sobre uma dívida de jogo.
Finzi: não… não… eu… eu… está em código. vocês
aristocratas são todos mentirosos. tenho de ir a roma.
eles vão saber a verdade. a Luisa sabe. Luisa! Luisa!
de
spiGa: a Luisa não o pode ajudar. ela é minha.
sempre foi. agora, vá-se embora. o partido já não precisa de si. saia! [Finzi sai peLa porta de iL vittoriaLe]
d’annunzio:
eu não deveria dar-lhe uns brincos?
aéLis: Francesco, faça alguma coisa. Francesco, ajudeo! [de spiGa tira um Frasco de cocaína e espaLha-a peLo
chão até ao pé de mario. d’annunzio, de Gatas, inaLa-a]
209
210
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
dante: emilia, vamos embora.
emiLia: [para d’annunzio] comandante, posso sair?
dante: olha para ele. não temos de pedir autorização
para nada.
d’annunzio: [de JoeLhos] vou-lhe dizer que ler as cartas
dela é como ver uma mulher a despir-se.
dante: [para emiLia] o mario queria que nós nos fossemos embora!
aéLis: [indicando
tamara]
dante, leva-a à estação.
[tamara poisa cuidadosamente Luisa no chão]
dante: [para aéLis] hoje já não há comboio.
aéLis: não me interessa. Leva-me esta mulher para fora
da minha casa!
dante: [para
emiLia]
vamos buscar a caterina. Fora
daqui ainda há esperança.
emiLia: [chorando] Leva-a contigo. ela está no convento de monte cassino.
dante: vem connosco.
emiLia: não posso—
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
dante: eu amo-te, mas eu não posso ficar. [sai
peLa
porta de iL vittoriaLe]
emiLia: dante—
de
spiGa: [para tamara] madame! é livre de partir. tudo
mudou. [perceBendo
Que eLa não perceBe]
pardon,
madame. vous êtes libre. tout a changé.
tamara: oui… tout a changé! Luisa est morte. morte.
(sim… tudo mudou. a luisa está morta. morta.)
de
spiGa: a Luisa morreu? [vendo
Luisa]
Luisa. [corre
para Luisa]
d’annunzio:
mas aélis, eu sonhei tanto com ela que ela
me pode desapontar. os sonhos matam a realidade.
tamara: [para
d’annunzio]
Fasciste! [para
todos]
Fascistes! Fascistes! [sai peLa porta de iL vittoriaLe]
d ’a nnunzio :
[Levantando-se] eu sou o Gabriele
d'annunzio! o sumo-sacerdote dos mistérios divinos…
princípe… princípe… e… e… [continua
a mexer os
LáBios mas perdeu a voz]
aéLis: [aJudando d’annunzio] emilia, fecha a porta.
emiLia: [Gritando para a rua] dante? dante!
aéLis: emilia! [pausa] Fecha a porta! [emiLia
porta de iL vittoriaLe com Força. escuro. Fini]
Fecha a
211
212
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
digestivi • refeitório
tutti
digestivi.
[depois
dos aGradecimentos, dante conduz o púBLico
ao reFeitório para os diGestivos. os intérpretes Juntar-se-ão ao púBLico]
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
posFacio
“t de LempicKa”
uma traGédia cLássica contemporânea
carLos carvaLheiro
referência bibliográfica: couprie, alan — Lire la tragédie, dunod, paris, 1994
213
214
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
i.
“t de LempicKa” de John Krizanc
t de LempicKa (tamara no original) foi escrita pelo canadiano John Krizanc (1956— ) em 1980 e assume a estrutura e as características de uma tragédia clássica a que se
junta um aspecto completamente inovador: cada espectador pode escolher a personagem ou a intriga que quer
seguir, a que se associa o facto de estar prevista, durante o intervalo, a possibilidade do público jantar e, portanto, poder trocar informações sobre o que viu, permite uma melhor compreensão das interligações entre as
personagens e as intrigas.
através de uma multifacetada profusão de sexo, violência e intriga política, t de LempicKa é um retrato fantasiado da italia fascista e decorre no il vittoriale degli italiani,
moradia de Gabriele d'annunzio —o poeta e patriota
que podia ter travado a ascenção de mussolini.
o público observa a acção da peça seguindo os actores
que entram e saem das diversas salas. as cenas acontecem simultaneamente, com os diferentes actores nas
diversas salas, chegando a haver 8 cenas simultâneas.
cada espectador acompanha a personagem ou a trama
que quiser. as escolhas que cada um fizer determinam a
peça que cada um verá.
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
o espectador é iniciado nesta outra forma de estar a
partir do momento em que compra o bilhete, sob a forma
de um passaporte, onde é instado a ler as regras do jogo,
sob a forma de 10 mandamentos, quer pelo mordomo que
o recebe à porta de il vittoriale, quer pelo polícia fascista que lhe barrará a entrada até carimbar um visto válido
por “48 horas”:
1. — Leia o seu passaporte. conheça o seu conteúdo. se
for encontrado sem ele, será deportado.
2. — para melhor compreensão e manutenção da ordem,
os convidados deverão seguir apenas uma ou duas personagens. mas, se a variedade é uma característica da
sua vida, então siga os seus impulsos.
3. — se andar por si próprio, livremente, encontrar-se-á
numa situação ilegal. pior: perderá o sentido da história.
4. — seja corajoso. Faça as suas escolhas com convicção.
5. — seja ousado. dirija-se directamente para um dos
lados das salas. terá um melhor campo de observação.
6. — se vier acompanhado, devia separar-se dos seus
amigos. duas fontes de informação são mais valiosas do
que uma. durante o jantar ou, no final, durante o café,
interrogue quem está à sua volta, compare informações.
7. — observe as histórias ou observe os observadores.
de qualquer modo, deixe-se envolver.
8. — se ficar cansado, poderá consolar-se sabendo que
há sempre uma história no piso térreo.
9. — para sua própria segurança, não fique nunca atrás
de uma porta. nunca abra uma porta fechada. não siga
ninguém que deliberadamente lhe fecha a porta na cara.
10. — ande depressa. ande em silêncio. Fale apenas
quando falarem consigo.
215
216
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
o espectador é introduzido num tempo (10 de Janeiro de
1927) e num lugar (il vittoriale degli italiani) que pertenceu
a Gabriele d’annunzio, um exótico italiano da viragem do
século, poeta e patriota, que viveu uma vida devotada à
sedução. as suas investidas mereceram os favores das
mais notáveis mulheres da europa de então: isadora
duncan, eleanora duse, sarah Bernhardt entre outras.
contudo, a sua maior conquista não foi uma mulher, foi
uma nação: a itália.
os seus homens de campo adoravam-no pelo seu
heroísmo apaixonado e criatividade excêntrica. a força
da sua oratória conduziu a itália à primeira Guerra
mundial. Logo a seguir à guerra, frustrado pelo fracasso
diplomático que não conseguiu reinvindicar para a posse
da itália a cidade de Fiume, d’annunzio, agindo por conta
própria e ajudado por poucas centenas de soldados
desmobilizados, ocupou a cidade durante 18 meses até
que o embaraçado governo italiano o conseguiu expulsar. a sua popularidade e influência eram poderosos instrumentos quando apoiava com as suas palavras os líderes, mas a imprevisível natureza da filosofia política de
d’annunzio faziam dele uma ameaça potencial. por isso
mussolini colocou “il comandante” em virtual prisão
domiciliária no “il vittoriale degli italiani”, em Gardone, no
norte de itália.
são também introduzidos outras personagens, com
maior destaque para tamara de Lempicka, uma bela
expatriada polaca, aristocrata e promissora pintora que,
convidada por d’annunzio, vem a il vittoriale para lhe
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
pintar o retrato. Quando chega de paris, fica surpreendida por o ver mais interessado em seduzi-la do que em
ser retratado.
mas no il vitorialle, os criados e os convidados são também cheios de surpresas. em que cama quer realmente
aélis deitar-se? conseguirá carlotta Barra persuadir
d’annunzio a recomendá-la a diaghilev? porque é que o
ex-subsecretário de estado aldo Finzi está aqui e o que
é que ele quer? Quem é de spiga? convidado?
compositor? espião? porque é que a grande pianista
Luisa Baccara anda com uma pistola? o mario é na verdade primo de emilia?
neste casa, nada nem ninguém é aquilo que aparenta.
o passaporte contem também a lista das dramatis
personæ pela ordem de entrada em cena:
dante Fenzo, mordomo de d'annunzio, ex-gondoleiro
(se os homens sensatos são felizes, então eu sou um
louco.)
aldo Finzi, ex-subsecretário de estado de mussolini
(nunca consegui ter um emprego até o partido Fascista
me oferecer um. Quem mais daria uma oportunidade a um
judeu pobre?)
Gian Francesco de spiGa, diletante, compositor boémio e
amante desprezado (Luisa tornou-se amante de
d’annunzio por algum tempo. e eu… oh meu deus, em
que é que eu me tornei?)
emiLia pavese, criada de d’annunzio, de temperamento
apaixonado (este mundo exige demais. tens de roubar
para recuperar o que é teu.)
217
218
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
Gabriele
d 'annunzio,
il comandante, lendário poeta,
patriota e amante italiano (as pessoas perguntam-me
sempre o caminho a seguir. cada ano, uma nova causa,
um novo movimento. mas esta é a minha casa, o meu palácio de cristal.)
aéLis mazoyer, governanta e confidente de d'annunzio
(as mulheres não são tão boas? não, carlotta, são
melhores.)
carLotta Barra, jovem bailarina à espera da recomendação de d'annunzio para os “Ballets russes” de
diaghilev (porque é que não se pode ser cristão e dizer
sim aos nossos sentimentos?)
mario pagnutti, misterioso novo chauffer de d'annunzio
(sim, tem uma pistola. e pode tirar-me a vida, se quiser.
mas não pode tirar-me a consciência.)
L uisa Baccara, célebre pianista e ex-amante de
d'annunzio (tu não percebes as mulheres. algumas de
nós pensam. algumas sonham. algumas têm esperança e
esperam. mas todas nós queremos, e conseguiremos,
vingarmo-nos.)
tamara de Lempicka, pintora, aristocrata de origem
polaca, a viver em paris (a paixão do artista tem de ser
tão grande como a paixão do modelo.)
a maioria das personagens existiram realmente, embora
em alguns casos Krizanc tenha distorcido a sua biografia
por razões de trama dramática (por exemplo, Luisa
Baccara só virá a morrer por volta de 1990 (e não em 11 de
Janeiro de 1927 como a peça sugere) tendo assumido as
funções de conservadora de il vittoriale degli italiani
depois da morte de d’annunzio em 1939).
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
ii.
dramaturGia de
“t de LempicKa”
motivação, mimésis, assunto, unidade de acção, unidade de tempo, unidade de LuGar, conveniências, verosimiLhança e estrutura
ii.0
motivação
John Krizanc parte para t de LempicKa por proposta de
um orientador de um estágio teatral quando, durante a
discussão sobre uma cena de uma peça de tchekov a
que tinham assistido —e em que os criados, depois de
dialogarem com os patrões, se retiram para a cozinha—,
Krizanc terá dito “o que me interessava era acompanhar
a conversa dos criados na cozinha”; ao que o orientador
terá respondido: “porque não experimenta escrever uma
peça de teatro onde o espectador pudesse escolher se
continuava na sala ou se seguia os criados?” Krizanc
aceitou a sugestão.
a descoberta da temática central surge na confluência
de três circunstâncias:
• no final dos anos 70 é organizada em toronto uma
exposição de pintura de tamara de Lempicka (18981980) que impressionou muito Krizanc, não só pela obra
em si como pela biografia da pintora, nomeadamente o
período que passou no il vittoriale, em 1927.
• também por essa altura, toma contacto com o livro de
219
220
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
memórias de aélis mazoyer, a governanta de il vittoriale
onde esta refere, nomeadamente, a visita de tamara de
Lempicka de forma pouco elogiosa, o que veio a provocar um corte de relações entre ambas.
• por fim, John Krizanc conhecia bem a realidade em italia
durante a ascensão de mussolini uma vez que o pai se
recriminava assiduamente de, no início dos anos 20, ao
tempo um emigrante húngaro de esquerda que estudou
em itália, ter ganho dinheiro a colar cartazes do partido
fascista de mussolini e ter assim colaborado com um regime de que era politicamente contrário.
a partir destas três circunstâncias, Krizanc começa a
debruçar-se sobre a personalidade de Gabriele
d’annunzio. Faz uma visita a il vittoriale degli italiani
(actualmente casa-museu e sede da Fundação Gabriele
d’annunzio) em Gardone, nas margens do lago de Garda
no norte de italia e decide arrancar para a escrita de t de
LempicKa.
ii.1
mimésis
a mimésis inscreve t de LempicKa numa estratégia não de
copiar a vida, mas da sua emulação, ficcionando situações históricas com verosimilhança.
citando Ford maddox Ford, the accuracies i deal in are
the accuracies of my impressions. if you want factual
accuracies go to… but no, don’t go anyone, stay with me
(o rigor com que eu lido é o rigor das minhas impressões.
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
se queres rigor factual tens de ir… não, não vás, fica
comigo). ou aristóteles, na poética, uma vez que a tragédia é uma representação de homens melhores que nós,
é preciso imitar os bons retratistas: dando a forma própria; eles pintam os retratos parecidos mas em melhor.
um resumo possível de t de LempicKa aponta para a visita a il vittoriale degli italiani, em 1927, de uma encantadora jovem pintora polaca, tamara de Lempicka, convidada
pelo proprietário, um eloquente e lascivo poeta em uniforme militar, Gabriele d’annunzio, il comandante, o
célebre escritor-sedutor-patriota-político-militar italiano. ela pensa que está ali para pintar o retrato de um
grande homem. ele, contudo, só pensa em seduzi-la,
como é usualmente o seu dia a dia na prepóstera meio
villa meio bordel meio mausoleu de il comandante. Lá
fora, os fascistas de mussolini ganham força. como que
para o provar, d’annunzio é colocado em prisão domiciliária. a chegada de tamara a esta casa prenhe de intrigas políticas e eróticas, provoca resultados explosivos.
ii.2
assunto
o assunto de t
de
LempicKa é “nobre” como propunha
aristóteles. e é-o de três maneiras que concorrem em
conjunto para a dignidade do género:
primeira: as personagens são de alta condição:
• Gabriele d’annunzio era um dos homens mais famosos
do seu tempo em itália. mussolini dedicou-lhe mesmo a
“marcha sobre roma” que despoletou a sua subida ao
221
222
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
poder.
• tamara de Lempicka era uma retratista apetecida nos
mais altos níveis sociais europeus, para além de ser casada com um aristocrata russo.
• mario, disfarçado de chauffer, era na verdade marquês
e filho do duque de milão e de emma visconti. militante
comunista, era amigo de Gramsci, o dirigente do partido
comunista italiano.
• de spiga, compositor, era herdeiro de uma das famílias
mais aristocratas de veneza.
• Luisa Baccara foi considerada a melhor pianista italiana
do seu tempo e uma das melhores do mundo.
• aldo Finzi foi sub-secretário de estado do governo de
mussolini e foi ele que esteve implicado na morte de
mateoti, o dirigente do partido socialista italiano.
• carlota, jovem bailarina, quer integrar os Ballets russes
de diaghilev, a companhia de dança do seu tempo mais
prestigiada do mundo.
• aélis, dante e emilia, respectivamente governanta, mordomo e criada de d’annunzio, têm o estatuto de trabalhar num local prestigiado.
segunda: a intriga tem consequentemente repercussões
colectivas. através dos destinos individuais joga-se a
sorte de uma nação e do mundo. se…
se d’annunzio tem aceite a proposta de mario para
denunciar na câmara dos Lordes os empréstimos do
Governo Britânico que sustentavam o regime de
mussolini (aparentemente não lhe seria impossível, como
o provou na república Livre de Fiume) e se o parlamento
tem embargado os empréstimos, muito possivelmente a
ascenção do Fascismo em itália (e por consequência a
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
ascenção do nazismo, a Guerra civil de espanha, a ii
Guerra mundial, …) não se teria processado como a
história nos conta e hoje teríamos outra história do
século xx para contar. por isso, o (não) envolvimento
amoroso entre d’annunzio e tamara tem implicações que
ultrapassam o desejo e implicam a neutralização de
todos.
terceira: a localização do assunto num tempo concreto
mas longínquo surge como uma condição de majestade
trágica. como terá dito tacito, major et longinquo reve-
rentia [o respeito é maior ao longe]. o respeito que
temos pelo herói aumenta à medida que ele se afasta de
nós. não trata só de episódios históricos. a questão é
como aumentar as possibilidades da variação dos destinos.
ii.3
unidade de acção
a unidade de acção não significa acção única.
aristóteles evocava prudentemente uma acção com uma
certa extensão. nesse sentido, a teia de acções presen-
tes em t de LempicKa, na perspectiva de um espectador,
tem uma unidade, como terá uma outra unidade para
outro espectador. mas cada uma delas permanece ligada
à intriga principal.
mesmo no caso de uma peça tão complexa como esta, as
acções, mesmo secundárias, têm uma ligação com a
acção principal. em t
de
LempicKa são cumpridas as
regras expostas por J. scherer (La dramaturgie
223
224
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
classique, paris, nizet, 1950, pp. 103-104):
a acção de uma peça de teatro é unificada logo que a
intriga principal tem uma relação com as intrigas acessórias onde se possa constatar:
1º Que não se pode suprimir nenhuma das intrigas acessórias sem tornar parcialmente inexplicável a intriga principal;
2º Que todas as intrigas acessórias nascem no início da
peça e continuam até ao final;
3º Que o desenrolar da intriga principal tal como o das
acessórias depende exclusivamente dos dados expostos, sem introdução tardia de acontecimentos devidos ao
acaso;
4º Que cada intriga acessória exerce uma influência
sobre o desenrolar da intriga principal.
cada um dos dez protagonistas (e cada um deles o será,
dependendo da escolha do leitor e/ou espectador da
peça) tem um ponto de vista a defender, tem “razão”
segundo esse ponto de vista e a acção, para cada um
deles, é una e completa, quer dizer, tem princípio, meio e
fim. vejamos, e por ordem alfabética das personagens:
a francesa aéLis tenta seduzir carlota sem sucesso. no
entretanto precisa de governar uma casa onde se instalou a confusão por causa da chegada de tamara. na verdade foi ela que, para tentar estimular d’annunzio, lhe
propôs convidar a pintora para lhe fazer o retrato.
Quando carlota rompe com aélis, e apesar de ter ficado
destroçada, compreende que é em cima dos seus ombros
que cai a tarefa de manter a casa segura, até por questões de sobrevivência, ameaçada que foi, por Finzi, de
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
ser deportada.
a jovem bailarina carLota é uma fascista convicta que
aceita vir a il vittoriale pedir a d’annunzio uma recomendação para integrar os Ballets russes de diaghilev.
tudo o que se passa na casa é contrário às suas convicções mas não consegue impedir-se de se apaixonar por
Finzi até descobrir que ele é judeu e por isso o renega, tal
como renegou a estrangeira tamara, também por causa
das atenções que todos lhe dispensam, mas principalmente por a achar um modelo de imoralidade. Quando
quase é alvejada num pé por Luisa, decide abandonar a
dança e, consequentemente, desinteressar-se pela recomendação que vinha buscar.
il comandante
d ’a nnunzio
espera ansiosamente que
tamara possa fazê-lo re-experimentar os píncaros da
volúpia. a sua atitude impaciente provocará a recusa de
tamara. a sua obsessão de consumar com esta o acto
sexual é momentaneamente desviada pela proposta feita
por mario, que começa por aceitar, de partir para
Londres para aí denunciar o regime de mussolini. mas
passado o momento de euforia e repetido o fracasso
com tamara desiste de partir e tenta, sem sucesso, suicidar-se. completamente desfeito, é aélis que lhe dá
ânimo para consumar a violação de tamara. novo fracasso. de d’annunzio resta um “farrapo”.
o ex-gondoleiro dante, há vários anos ao serviço de
d’annunzio como mordomo, ama profundamente emilia,
de quem aliás tem uma filha e, por isso, faz tudo o que
pode para a proteger, mesmo que isso signifique enco-
225
226
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
brir mario. o seu ódio a Finzi não o faz esquecer a proximidade de uma religião comum: o judaísmo. Lúcido,
assume uma atitude pouco submissa com Finzi pela
memória do pai assassinado pelos fascistas quando dirigiu uma greve de gondoleiros. o seu grande objectivo é
casar com emilia. Quando percebe, mesmo com mario
morto, que emilia não abandonará il vittoriale, desiste
dela e vai-se embora.
o compositor de spiGa, profundamente apaixonado por
Luisa, sabendo embora que ela continua fortemente ligada a d’annunzio (pelo que, por vingança, vicia este em
cocaína) e tendo de a repartir com Finzi, persiste no seu
objectivo principal: levar Luisa do il vittoriale e viver com
ela uma vida a dois, longe de tudo. e no entanto é um
agente de mussolini, ali colocado secretamente para
vigiar d’annunzio. o homem que tudo controla, acaba
por ser atingido pelo acaso das circunstâncias. as mortes de Luisa e de mario deixam-no sem futuro.
a criada emiLia tem um objectivo de vida claro: casar com
um homem rico. no entanto, como precisa de pagar a
educação da filha (cujo paradeiro insiste em manter
secreto, mesmo para dante, o pai), não só rouba o que
pode como aceita trocar favores sexuais por dinheiro,
nomeadamente com Finzi. também por dinheiro aceita
introduzir mario como chauffer em il vittoriale fazendo-o
passar por um primo. acaba por se apaixonar por ele
para logo o denunciar quando Finzi a ameaça e o paradoxo atinge o auge quando percebe que ele é comunista
(nada podia ser mais perigoso naquele tempo em italia)
mas que também é aristocrata. a morte de mario (provo-
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
cada acidentalmente por Finzi quando emilia tentava
afastar a pistola que estava apontada a mario) e a partida de dante deixam-lhe como alternativa “fechar a porta
da rua” a mando de aélis.
o ex-sub-secretário de mussolini, o capitano Finzi,
assume o protótipo do militante fascista. o seu principal
objectivo é voltar a ter uma posição de poder em roma,
coisa que também acha que lhe permitiria reconquistar
Luisa com quem teve uma fugaz mas marcante relação.
castrado por de spiga, para todos os efeitos seu superior hierárquico, julga encontrar a sua oportunidade ao
descobrir aquilo que pensa ser uma conspiração envolvendo d’annunzio e mario. ao provocar-lhe acidentalmente a morte, percebe que não voltará a ter uma segunda oportunidade e nada mais lhe resta senão uma obsessiva teoria da conspiração.
a pianista Luisa, profundamente ligada a d’annunzio e
ciumenta até à doença, adulada por de spiga e por Finzi,
acaba por ganhar estima pela nova “conquista” de
d’annunzio, tamara. incapaz de se mover no labirinto
afectivo em que se enredou, encaminha-se claramente
para a loucura.
o novo chauffer mario é na realidade um militante comunista que tem como missão ou convencer d’annunzio a ir
para inglaterra para denunciar o regime de mussolini ou,
em caso de recusa deste, eliminá-lo. para isso, precisou
de assaltar um banco e de eliminar o antigo chauffer da
casa. contando com uma missão de rápida resolução,
vê-se no impasse de não conseguir contactar directa-
227
228
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
mente d’annunzio, obcecado que anda pela chegada de
tamara (que por sua vez o reconheceu como o filho de
emma visconti e do duque de milão, um dos dirigentes
do partido Fascista). Quando d’annunzio se recusa a
partir para Londres, não cumpre a ordem de o eliminar.
no entretanto, envolve-se afectivamente com emilia mas
decide abandoná-la em nome da causa. é morto acidentalmente por Finzi quando se prepara para fugir.
a pintora tamara aceita um convite para pintar um retrato de d’annunzio depois de uma troca de correspondência de elevado teor erótico. chegada a il vittoriale, reconhece o marchese mario visconti disfarçado de chauffer,
recusa-se a envolver-se sexualmente com d’annunzio e
ganha uma genuína estima por Luisa, chegando mesmo a
propor-lhe que partam juntas. impedida por de spiga e,
na sequência da morte de Luisa, parte de il vittoriale.
ii.4
unidade de
tempo
a regra da “duração de uma revolução do sol” proposta
por aristóteles é cumprida. t de LempicKa começa em 10
de Janeiro e termina em 11 de Janeiro (de 1927).
as referências no texto são explícitas. Logo no início do
acto i, na cena a1, Finzi, referindo-se a tamara e dirigindo-se a mario, diz: mario, pensei que ias à estação bus-
car a polaca. ao que mario responde: estou a ir,
capitano, estou a ir. esta informação é complementada
por d’annunzio no telefonema que recebe de mussolini e
também referindo-se a tamara, cena B6: vem no com-
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
boio que saiu de verona às 12h45 e que chega a Gardone
às 18h00. no final do acto i as personagens vão-se deitar e a noite decorre durante o jantar que é oferecido ao
público. no final do jantar, na cena J49, Finzi é explícito
na interpelação a uma espectadora: não, signora, isso
era ontem. hoje é 11 de Janeiro de 1927. no acto ii algumas personagens vão almoçar fora e, no retorno, carlota
insiste em ir-se embora. na cena Q80, aélis diz-lhe: mas
não há comboio esta noite (em 11 de Janeiro anoitece
cedo em italia) ao que dante responde agora estamos
no horário de inverno […] o comboio parte daqui a vinte
minutos. Quando na cena r88, tamara quer também partir, de spiga diz-lhe mas… não já. vai esperar aqui até eu
a vir buscar por volta da meia-noite. a peça aproxima-se
do final e a acção passa a desenrolar-se praticamente em
tempo real. desde que a peça começou passaram cerca
de 24 horas.
ii.5
unidade de LuGar
sob pena de incoerência, a tragédia não devia figurar
senão nos locais onde as personagens pudessem estar
nos limites do tempo fictício exigido pela acção.
corneille defendia um lugar teatral como uma antecâmara que dava para várias salas, que tinha dois privilégios:
• por um lado, cada pessoa que ali falasse era presumível
que o poderia fazer tão em segredo como na sua sala
provada;
• por outro, não era preciso ir à sala de ninguém para
encontrar o seu locatário e o encontro podia ser feito
229
230
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
nesta antecâmara.
de espaço único a beco sem saída não é senão um
passo. as personagens vivem um paradoxo: sufocam no
lugar mas não podem escapar sob pena de correrem
para a sua destruição.
Krizanc consuma esta convenção duma forma só concretizável até aí pelo cinema ou televisão: a acção de t
de
LempicKa decorre no il vitoriale degli italiani, a casa de
Gabriele d’annunzio, pelos seus quartos e dependências
(átrio, sala de Jantar, salão, cozinha, suite, Quartos
de d’annunzio, carlota, mario, emilia e Luisa, cozinha,
escritório de Finzi; refira-se ainda a necessidade de um
refeitório para o jantar que é oferecido ao público
durante o intervalo e onde também existe acção cénica.
o público pode realmente deslocar-se no interior da
moradia. mas a moradia é fortemente guardada (os soldados cercam il vitoriale a mando de Finzi) e a porta da
rua é absolutamente policiada. se difícil é entrar, ainda
mais o é sair.
ii.6
conveniências
a conveniência exterior da tragédia visava não chocar
nem a sensibilidade nem os princípios morais do espectador. na origem, terá tido uma justificação tanto ética
como estética. a indignação do espectador conduzi-loia a duvidar da credibilidade da acção, castraria a ilusão
e o prazer que a representação supostamente deveria
fazer nascer. na prática, tornava-se impossível mostrar
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
tudo o que dissesse respeito ao corpo, à alimentação, à
sexualidade e à morte.
John Krizanc rompe com todas estas conveniências exteriores mas nunca utiliza uma forma obscena nem nunca é
plausível que as atitudes das personagens possam indignar os espectadores.
as “inconveniências” relacionadas com o corpo (que o
mesmo é dizer, com a nudez), como seja a mudança de
vestido de tamara (cena F 29), a mudança de vestido de
carlota (cena e 20), a saída do banho de mario (cena K
51), a mudança de roupa de mario (cena s 100) ou a
oferta de tamara a emilia da blusa que traz vestida (cena
t 106) ou são discretas, porque passadas atrás de um
biombo (que naturalmente poderão ser observadas por
espectadores curiosos), ou são decorrentes da acção
que não poderia ser subvertida sob pena dela não poder
avançar (p. ex, na cena s 100, mario tem “mesmo” de
mudar o seu uniforme de chauffer por roupa de camponês para se poder escapar).
as relacionadas com alimentação, idem. além do que,
muitas vezes, ou as personagens já comeram, ou não
querem comer, ou vão comer fora. a necessidade de
várias personagens beberem bebidas alcoólicas volta a
ser uma necessidade de coerência com a acção. claro
que o facto do público de per si ter uma relação directa
com a alimentação (é convidado para os aperitivos antes
da peça começar, para jantar no intervalo e para os
digestivos no final), tal como se tivesse tão simplesmente
sido convidado para jantar em casa de Gabriele
231
232
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
d’annunzio, coisa que é entrecortada pelas diversas
peripécias que vão surgindo, aparentemente não esperáveis ou controláveis, ajuda a que não seja de todo
“inconveniente”, antes conveniente, a relação directa das
personagens com a alimentação.
as relacionadas com a sexualidade, idem. além do mais,
o acto sexual nunca vai longe, quanto mais consumado.
mesmo o sensual beijo de aélis a carlota (cena i 40),
deixa esta perplexa pela novidade, uma vez que, por
ignorância, não lhe atribui qualquer maldade, coisa que
surpreende a própria aélis.
as relacionadas com a morte constituem o desfecho
óbvio da peça. mas não só não é explícito que a verdadeira intenção de Luisa fosse suicidar-se como a morte
de mario foi um acidente que o involuntário autor Finzi de
todo não desejaria.
poderia ainda ser referida uma outra “inconveniência”: o
consumo de cocaína por d’annunzio. mas nunca há verdadeira intenção de utilizar a droga como factor de
dependência. d’annunzio ainda não percebeu que está
“agarrado”. a informação, insuspeita porque dada pelo
seu viciador, de spiga (cena s 104), demonstra isso
mesmo. e no entanto é um facto histórico incontornável:
é sabido que havia distribuição diária de cocaína pelos
visitantes de il vittoriale coisa que, diminuindo embora o
mérito de sedutor de d’annunzio (constatável pelo verdadeiro corropio de visitantes, geralmente femininas mas
também, e posteriormente, de mancebos), ficciona credivelmente a introdução da droga na sua casa.
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
a conveniência interior da tragédia teria por principal
objectivo garantir a coerência das personagens em cena.
aristóteles exigia que os seus hábitos fossem:
• parecidos, quer dizer, idênticos à imagem tradicional
que a história deixou delas;
• coerentes, cada personagem deveria evoluir segundo a
lógica do seu carácter, recusando a intervenção do deus
ex machina;
• convenientes ou representativos dos usos e costumes
dos países descritos (“a cor local”);
• bons, quer dizer, não hábitos irrepreensíveis, sem os
quais a tragédia não seria possível, mas descritos de
“forma honesta”
Krizanc, quer porque fez uma investigação histórica rigorosíssima, quer porque consegue transformar cada uma
das personagens num protagonista, cumpre à risca os
items de aristóteles para todas elas. mesmo a personagem carlota, que aparentemente poderia ser considerada mais “secundária” porque pouco tempo do ii acto
passa em cena (primeiro vai almoçar a Gardone e quando
volta quer logo ir-se embora), é tratada de uma forma
inteira e, do seu ponto de vista, defensável.
ii.7
verosimiLhança
a verosimilhança é a exigência maior do teatro clássico.
não é uma questão de ser confundida com o que é possível ou com o que é verdade —“a verdade, por vezes,
pode ser inverosímil.” (Boileau, art poétique, 1674, chant
233
234
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
iii, v. 48)— mas deve, isso sim, ser avaliável em termos da
sua credibilidade.
é esta também uma das maiores vantagens de t
de
LempicKa. o facto do público poder assumir o seu
voyeurismo, de sentir a respiração das personagens ao
seu lado, de conviver dinamicamente em tempo credivelmente real com os seus muitos dramas e poucas alegrias,
tornam a obra de Krizanc um “milagre” de verosimilhança.
tudo foi pensado para que o leitor/espectador se sinta
deslocado no tempo e no espaço. as inúmeras referências históricas, a coerência da sua relação com a ficção,
fazem crer que as coisas poderiam muito bem terem-se
passado assim.
ii.8
estrutura
uma tragédia clássica costuma estar dividida em 5 actos,
tendo cada um deles de possuir uma unidade orgânica.
no caso de t
de
LempicKa a peça está dividida em dois
actos, num total de 21 secções, de a a u, sendo cada
secção aproximadamente uma unidade de tempo na qual
um dado número de cenas ocorre simultaneamente, pelo
que o número das cenas não tem relação com a ordem em
que elas ocorrem. a duração da peça é de cerca de 2
horas e 10 minutos, metade para cada acto. no intervalo,
o público é convidado para jantar.
embora seja esta a estrutura mais indicada pela simultaneidade das acções, poderia no entanto imaginar-se a
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
peça dividida em 5 actos: o i acto poderia ser dividido em
2, um primeiro quando se espera por tamara (há aliás
uma citação deliciosa do “à espera de Godot” feita por
de spiga na cena a 1: e se tamara nunca chegar?) e
outro depois dela chegar; o ii acto poderia ser dividido
em 3, um durante a manhã, outro durante a hora de almoço e outro durante a tarde.
no início da peça acontece a exposição (cena a 1), contendo as sementes de tudo o que vai acontecer e de
forma a que todas as personagens sejam conhecidas ou
anunciadas. e, tal como mandam as regras de uma boa
exposição, Krizanc evita dois defeitos: o estatismo que
prolongaria uma espera do público prejudicial ao espectáculo e uma demasiada pressa que tornaria difícil compreender as “regras do jogo”.
por definição, a exposição pára quando a acção é “lançada”. é isso que acontece no final da cena a1. e o “lançamento” da acção revela desde logo os principais obstáculos que permitem a existência de um enredo múltiplo.
tal como numa tragédia clássica, t de LempicKa põe em
cena personagens que têm o sentimento, ainda que ilusório, de poder ultrapassar os obstáculos, quer sejam interiores (que terão muito mais interesse) quer exteriores.
será oportuno citar camus: “as forças que se defrontam
na tragédia são igualmente legítimas, igualmente com
razão. no melodrama ou no drama, pelo contrário, só
uma delas é legítima. dito de outra forma, a tragédia é
ambígua, o drama é simplista. na primeira, cada força é
235
236
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
ao mesmo tempo boa e má. no segundo uma é boa e a
outra é má” (albert camus, sur l’avenir de la tragédie”, in
théâtre, récits, nouvelles, paris, Gallimard, 1962, col.
“Bibliothèque de la pléiade”, ed. r Quilliot, p. 1705).
seria moroso descrever a enorme competência e talento
(apetece dizer genialidade) com que Krizanc concretiza
esta hercúlea tarefa. é aqui que é indispensável convocar a leitura (se não puder ser vista) da peça. mas se nos
debruçarmos sobre o desfecho podemos constactar que
também aqui Krizanc cumpre todas as regras (à excepção do desfecho relacionado com a personagem carlota
que aconteceu um pouco antes, na cena Q 85), fazendo
desaparecer os obstáculos que motivaram o enredo e
fixando o destino das personagens.
há três adjectivos que definem em teoria o desfecho:
necessário, rápido e completo. necessário, o desfecho
deve decorrer logicamente da situação. não existe a
intervenção de um qualquer deus ex-machina. deve ser
rápido por uma razão simples: o espectador está impaciente por conhecer o fim. e, aparentemente em contradição com a rapidez, deve ser completo: nenhuma das
questões levantadas deve ficar sem resposta nem o destino de nenhuma personagem ficar incerto.
tradicionalmente, o desfecho duma tragédia confundese com um fim funesto. aristóteles não o tornou obrigatório. o fim feliz ou infeliz de uma tragédia pode medir-se
por dois parâmetros que entram por vezes em contradição: o primeiro, subjectivo e bastante simplista, depende
do grau de simpatia ou de antipatia de que o herói bene-
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
ficia; o segundo, mais fundamental, mais sujeito a controvérsia, da ideia que se faz do trágico.
no caso de t de LempicKa, mario é morto acidentalmente por Finzi quando tentava escapar, tamara derrota
claramente o ímpeto violador de d’annunzio que entretanto entra em delírio, este é ajudado por aélis e de
spiga obriga-o à humilhação de rastejar para cheirar a
cocaína que vai encarreirando pelo chão até ao sapato
de mario, Finzi é expulso do partido Fascista por de
spiga, tamara descobre Luisa morta, pelo que se vai
embora tal como dante o fez, incapaz de suportar mais a
situação, mesmo depois da recusa de emilia o seguir
(embora esta acabe por lhe revelar o paradeiro da filha
de ambos), de spiga ao descobrir que Luisa morreu
acaba destroçado e a peça termina com uma emilia submissa a obedecer à ordem de aélis de fechar a porta da
rua. e tudo isto em cerca de 3 minutos. apoteótico.
237
238
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
iii.
poLítica, amor e sexo em
t
de
“t de LempicKa”
LempicKa é uma peça política por essência. mas
todo o primeiro acto é destinado à intriga amorosa e
sexual, como provocadoras da intriga política.
a peça é sempre cruel para os amantes. mas como seria
de esperar, t
de
LempicKa ignora os amores tranquilos
(o sonho de de spiga de viver longe de il vittoriale com
Luisa —e eventualmente com dante e emilia—, cena F
27, é menos idílico que patético). todo o desenvolvimento da intriga aponta para o amor impossível ou para a
luxúria: dante por emilia, Luisa por d’annunzio, Finzi e
de spiga por Luisa, emilia por mario e mario por emilia,
aélis por carlota, carlota por Finzi, Finzi por emilia,
d’annunzio por aélis e por emilia e, no plano central, por
tamara. deste emaranhado nada restará no final.
a intriga política (e policial) desenvolve-se mais no
segundo acto, quando as questões do eros se tornam
menos incidentes. para além da questão central entre
mario e d’annunzio, todas as outras personagens acabam envolvidas duma forma absolutamente directa e
explícita.
por isso é oportuno convocar a. couprie e o seu Lire la
tragédie:
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
“os detentores da autoridade que fornecem o essencial
do seu elenco, a evocação dos “superiores interesses do
estado” obrigam a que seja desta forma. e se o é por
opção ideológica, também o é por razões estéticas. os
“interesses do estado” aumentam a “parada”, acrescentam “dignidade”. da felicidade ou infelicidade das personagens, da sua vida ou morte, das suas características e
das suas decisões depende a sorte de povos inteiros. a
dimensão trágica é assim muito aumentada. por outro
lado, o ambiente sumptuoso [de il vittoriale] acrescenta
espectacularidade. a política permite assim ao autor dar
a certas cenas uma grandeza extraordinária. a política
confunde-se com a história. é criada uma situação
excepcional onde o homem —o herói [d’annunzio,
mario, Finzi]—, encontrará a matéria para se ultrapas-
sar, quer favorecendo a construção do estado, quer
resistindo a um estado já construído. o herói identificase com o estado com a secreta esperança de que o
estado se identifique com ele, prova que o seu sacrifício
confunde já razão de estado e razão de interesse. o
estado não é uma fatalidade exterior ao heroísmo e por
isso de natureza transcendete. o estado é uma fatalidade interior ao heroísmo e por isso de natureza imanente.
o herói é vítima da sua própria desmesura: o estado é
um efeito da hyubris. a tragédia é política porque a política é trágica. as paixões trágicas e as paixões políticas
são as mesmas.”
assim, o estado designa quer uma forma jurídica abstracta (para Luisa e emilia), quer a expressão de uma
vontade heróica (para Finzi e carlotta), quer o aparelho
de uma usurpação tirânica (para mario e dante), quer a
239
240
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
conciliação
de
interesses
contraditórios
(para
d’annunzio e aélis), quer uma concepção barroca do
poder (para de spiga e tamara). esta polisémia, longe
de criar confusão, permite a Krizanc confrontar valores,
ideias e paixões mostrando como o estado se torna um
ideal ou um alibi.
mesmo do lugar “espectador”, cada um é individual e
directamente confrontado com uma ambiência fortemente politizada quando, logo à entrada, vai ao balcão de
Finzi para este lhe carimbar o visto por 48 horas no seu
passaporte, está a ser visto pelos outros espectadores
que ainda aguardam na fila a sua vez e pelos que, já
depois de terem entrado no il vittoriale, consomem os
aperitivos que estão à sua disposição. e Finzi fará tudo
para “submeter” o espectador. Quer porque lhe exige
autoritariamente que assine o seu passaporte (e nem
todos os espectadores transportam consigo uma caneta), quer pela violência com que apõe o carimbo, quer
pela forma como devolve o passaporte, muitas vezes simplesmente deixando-o cair sobre o tampo mesmo que o
espectador tenha já a mão estendida, tudo concorre
para que este perceba que tem de se submeter a uma atitude autoritária e repressiva, mesmo que seja (e é,
enquanto espectador) inocente.
na exposição (cena a 1) fica clarificado que os espectadores devem considerar-se visitas que poderão ser
expulsas se não cumprirem as “leis” expostas, tornandose portanto indesejáveis, quiçá criminosos. Lançado
assim o “pano de fundo”, a peça desenrola-se com a
omnipresença da política em praticamente todas as
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
cenas, quer implícita quer (mais frequentemente) explícita.
mesmo durante o jantar que é oferecido ao público
durante o intervalo e que, naturalmente informaliza imenso o relacionamento entre os espectadores, permitindo a
instalação de uma “boa disposição” generalizada,
Krizanc tem um achado notável para restabelecer a tensão (cenas J 49 e J 50): Finzi interpela uma espectadora
que esteja acompanhada por um espectador e a propósito do visto do passaporte e da data presente (a resposta correcta, que ninguém acertará, não é nem o dia
corrente nem 10 de Janeiro de 1927, mas o dia seguinte, 11
de Janeiro), pede para ela o acompanhar. Fora da vista
do restante público, interroga-a sobre mario e pede-lhe
para gritar para não causar desconfiança em relação ao
seu acompanhante. dante ainda brinca com a situação,
dirigindo-se ao acompanhante da espectadora com
signore, o que é que a sua signora está a fazer ao
capitano? para a seguir acrescentar como que em aparte reconheceria este gritar onde quer que fosse. Jogo
teatral ou não, Finzi e dante relembram a todo o público
que se vive sob um regime fascista.
há várias cenas que são notáveis pelo incremento de
suspense que produzem na acção. refira-se como exemplo a fabulosa cena p 68, quando mario convence
d’annunzio a partir para inglaterra. por um momento,
tudo parece possível.
mas a lucidez do herói atravessa a peça, demonstrando a
compreensão do outro, a compreensão dos limites, o
241
242
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
beco sem saída onde está atolado. isso é particularmente notório do ii acto, quando a intriga amorosa estagna e
todas as tentativas de rotura com essa estagnação,
mesmo as violentas, fracassam. o herói começa por se
“confessar”.
Finzi, na cena i 42, conversando com emilia diz: não, tu
não percebes. tinha dezoito anos quando finalmente
decidi que ninguém mais me chamaria “kike” e ficava a rirse. se eles me dessem um pontapé com sapatos calçados, o meu pontapé com o pé descalço seria mais forte.
costumava andar aos pontapés às portas até os dedos
sangrarem, depois embrulhava os pés com trapos e continuava aos pontapés, outra vez e outra vez até partir a
porta. Quando entrei para o partido e me disseram para
bater, para bater com força, bati. […] Quando levámos
o socialista matteotti a dar um passeio, disseram-me
para lhe dar um abanão. eu abanei-o e o patife morreu.
disseram que eu era demasiado bruto para roma; ensinam-te a agir e depois mudam as regras. […] o que é
que eu sou? […] um fascista? um judeu? não, sou
pobre. eu sei o que sou e tenho orgulho em dizê-lo. sou
pobre… Quando fui secretário de estado no ministério
do interior, continuava pobre —da mesma forma que
mussolini continua pobre.
na cena i 44 é a vez de mario: e eu… porque é que eu
insisto? o que é que vamos ganhar com o d'annunzio?
aprender a fazer melhor as omeletes? é por essa revolução que eu ando a lutar? o pai ficava furioso quando eu
dizia que para cada pergunta tinha de haver uma resposta… e afinal, onde é que elas estão?
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
na cena K 53 é a vez de d’annunzio: houve uma chispa
em Fiume, talvez mesmo uma pequena chama… mas
agora, é tudo fumo.
esta consciência dos condicionalismos, é depois clarificada com incapacidade de ultrapassar os antagonismos.
Quando, na cena K 54, Luisa tenta demover carlota do
seu ódio aos estrangeiros, que é um dos pressupostos
ideológicos do fascismo, e que continua, ao confrontar
esta com o facto de Finzi ser judeu (e portanto estrangeiro no conceito de carlota) na cena n 61, a consequência não é a aceitação do “outro” mas a obstinação na
recusa do “outro”.
mas a chave da miscegenação entre política, amor e sexo
poderá ser encontrada já no final, no monólogo de de
spiga (cena s 104): Luisa… o quê? o que é que eu lhe
posso dizer? a verdade? a questão não é quanto é que
eu amo, é quanto é que eu odeio. Quando me esbofeteaste senti o teu ódio e voltei a senti-lo quando puxaste
o gatilho… Juntei-me a um— sim, suponho que o nosso
movimento é uma espécie de clube—, onde quanto mais
se odeia mais depressa se é admitido. e como eu odeio
os seus membros quase tanto como me odeio a mim, não
tive problemas em entrar. Quando eles me disseram para
me fazer aqui convidado, vi a minha oportunidade. eu
sabia que o Gabri me iria tratar como um velho amigo porque ele não se iria lembrar da dor que me causou quando
te roubou de mim… para ele, não foi um roubo; foi como
se ele levasse emprestado um chapéu para não apanhar
243
244
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
chuva. e então, um dia, ele esqueceu-te, e encontrou
outra pessoa. mas eu nunca esqueci nem perdoei. nem
tu. para odiar, uma boa memória é essencial. e do que eu
me lembro desde há anos é só da quantidade de mulheres que se tornaram viciadas no Gabri… sim, ele é um
vício. Foi aí que a ideia me ocorreu: cocaína. Quis que ele
experimentasse como era ter um vício. e assim, desde há
dois meses que lho tenho metido no corpo. eu acho que
ele nem se dá conta… mas ele já está viciado na cocaína.
como eu estou viciado em ti. como tu estás viciada nele.
disseste ontem que querias vingar-te… pensa no desespero que ele te causou… agora imagina o que acontecerá quando ele não tiver a sua dose diária… vem comigo.
nós temos um ódio comum, Luisa. é base suficiente para
o amor. porque é que eu não lhe conto tudo? se eu conseguisse separá-la dele, ela depressa se curava.
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
iv.
o tráGico em
“t de LempicKa”
o trágico evoca uma situação onde o homem toma dolorosamente consciência dum fatum (etimologicamente “o
que está dito”), destino ou fatalidade, que pesa sobre a
sua vida, sobre a sua natureza ou sobre a sua condição.
(Le robert)
o conflito trágico baseia-se numa oposição onde os termos opostos reclamam determinações opostas, irreconciliáveis, e por isso não há nem superação nem resolução
do conflito; ainda por cima ambos os polos têm de se
apresentar possuidores duma enorme grandiosidade.
é oportuno convocar ionesco e alain couprie. o primeiro, nas suas “notas e contra-notas” refere:
“o trágico: logo que, numa situação exemplar, todo o
destino é jogado (com ou sem transcendência divina)
o drama: caso particular, condição particular, destino
particular.
o trágico: destino geral ou colectivo; revelação da “condição humana”
participo no drama: vejo refelctido o “meu” caso (o que
acontece de doloroso em cena pode acontecer-me a
mim)
tragédia: o que acontece em cena pode acontecer-nos.
pode dizer-nos (e não dizer-me) respeito.”
245
246
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
e o segundo, no seu Lire la tragédie: “a acção trágica
nasce da luta dum ser contra uma força que o ultrapassa. patética é a representação do sofrimento; dramática
é a espera ansiosa dum desfecho; trágica é a aparição de
uma transcendência esmagadora, qualquer que seja o
nome que se lhe dê.”
a transcendência (o fascismo em t de LempicKa) induz o
trágico porque as personagens têm a consciência que,
ou a desafiam, ou a emulam. e a acção torna-se trágica
porque provoca mudanças radicais em todas as personagens e a situação de cada um acaba clarificada:
carlota desiste da dança; Luisa desiste da vida; dante
desiste de emilia; mario falha a missão; Finzi é expulso do
partido Fascista; de spiga perde Luisa; d’annunzio fica
neutralizado; aélis e emilia ficam com o futuro comprometido: a primeira será deportada e a segunda presa;
tamara, a “visita”, e também por isso mesmo, é afinal
quem sofre menos mudança: afinal acabou “simplesmente” por não pintar o retrato de d’annunzio; e no entanto
foi a sua visita que provocou as avassaladoras consequências que atingiram todos os “residentes” da casa.
e a inevitabilidade da evolução das histórias, enquanto
alegoria da inevitável ascenção do fascismo, traduz-se
na clarificação da evolução da história.
uma tragédia implica um falhanço na realização do
homem.
em t de LempicKa todos falham.
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
repertório
 1. Fatias de cá com nini Ferreira • autores vários, 1979
 2. Fatias de cá no aniversário da naBantina • autores vários, 1979
 3. o con(s)certo • Karl valentim, versão carlos carvalheiro, 1981
 4. Gente séria • autores vários, 1981
 5. hãn? • a partir dos monólogos “a hunGara” de mario Frati, “eu, uLriKe, Grito!”
de dario Fo e Franca rame e do conto “passam os saLtimBancos” de pitigrilli, 1982
 6. a Festa da memória Que é curta • autores vários, versão carlos carvalheiro,
1983
 7. o Farmacêutico
a
cavaLo • a partir de conto de pitigrilli, versão carlos
carvalheiro, 1983
 8. Fatias de cá Bar é… • autores vários, 1984; autores vários, 2009;
 9. a menina inês pereira • a partir de Gil vicente, versão carlos carvalheiro, 1984,
1992, 1996
 10. por trás daQueLa JaneLa • autores vários, versão carlos carvalheiro, 1985
 11. a FuGa de WanG-Fô • a partir do conto de marguerite yourcenar, versão carlos
carvalheiro, 1987
 12. hamLet • a partir da peça de William shakespeare e da peça “a máQuinahamLet” de heiner müller, versão carlos carvalheiro e Graça afonso, 1987; versão
carlos carvalheiro, 2006, 2009
 13. homLet • a partir da banda desenhada de Gotlib e alexis, versão carlos
carvalheiro, 1988
 14. Queremos aprender teatro (sonho de uma noite de verão • William
shakespeare, 1988 e oFicina de teatro, Fatias de nataL, Fatias de carnavaL)
 15. crónica dos Bons maLandros • a partir do romance de mário zambujal, versão
carlos carvalheiro, 1986
 16. a sapateira prodiGiosa • Frederico Garcia Lorca, 1990
 17. carmen • a partir da ópera de mérimée e Bizet, versão ana paula eusébio, 1990
 18. a Fera amansada • William shakespeare, 1990
 19. a comédia da marmita • a partir da peça de plauto, versão carlos carvalheiro,
1991
 20. a FLauta máGica • a partir da ópera de mozart e shikaneder e do romance
“FiLha da noite” de marion z. Bradley, versão carlos carvalheiro, 1991
 21. timor • autores vários, versão carlos carvalheiro, 1991
 22. a menina Feia • a partir da peça de manuel Frederico pressler, versão carlos
carvalheiro, 1992
 23. conFusões • alan ayckbourn, 1994
 24. a comissão de Festas • alan ayckbourn, 1995
 25. as LiGações periGosas • a partir do romance de choderlos de Laclos e da peça
“Quarteto” de heiner müller e com os contributos da peça “the
danGerous
Liaisons” de cristopher hampton e do filme “vaLmont”de milos Forman com argumento de Jean carrière, versão carlos carvalheiro, 1996
 26. taneGashima • a partir das narrativas “pereGrinação”de Fernão mendes pinto
e “teppo-Ki” de nampo Bunshi, versão carlos carvalheiro e isabel passarito, 1997;
taneGashima-hoi! • autores vários, 1998; taneGashima • carlos carvalheiro, 2004
 27. xanana Gusmão - LiBerdade , LiBerdade! • autores vários, versão carlos
carvalheiro, 1997
247
248
t
de
L empicKa (acto ii) • Fdc
 28. t de LempicKa • John Krizanc, 1998
 29. as árvores morrem
de
pé • a partir da peça de alejandro casona, versão
carlos carvalheiro, 1999
 30. tannhäuser • carlos carvalheiro a partir da ópera de richard Wagner e dos
romances “os FiLhos
do
GraaL” de peter Berling e “o Guardião
do
tempLo” de
Gabriela morais e dos contributos de isabel passarito, 1999; tannhäuser -
o
tesouro dos tempLários • carlos carvalheiro, 2003; o tesouro dos tempLários •
carlos carvalheiro, 2007
 31. viriato • a partir do romance “a voz
dos
deuses” de João aguiar, versão
carlos carvalheiro e Filomena oliveira, 1999
 32. sonho de uma noite de verão • a partir da peça de William shakespeare, versão carlos carvalheiro, 2000
 33. corto maLtese - concerto em o’menor para harpa e nitroGLicerina • a partir da banda desenhada de hugo pratt, versão carlos carvalheiro, 2001
 34. a tempestade • a partir da peça de William shakespeare, versão carlos
carvalheiro, 2001
 35. astérix
no
criptopórtico • a partir da banda desenhada de Goscinny e
uderso, versão carlos carvalheiro, 2002
 36. aLcacer KiBir • carlos carvalheiro, 2002
 37. inês • a partir do romance “inês
de
portuGaL” de João aguiar, versão carlos
carvalheiro, 2003
 38. diáLoGo das compensadas • a partir do romance de João aguiar, versão carlos
carvalheiro, 2003
 39. a morte
do
Lidador • a partir da narrativa de alexandre herculano, versão
carlos carvalheiro, 2004
 40. rapariGa com Brinco de péroLa • a partir do romance de tracy chevalier, versão carlos carvalheiro, 2004
 41. o nome
da
rosa • a partir do romance de umberto eco, versão carlos
carvalheiro, 2004
 42. a Festa
de
BaBette • a partir do conto de Karen Blixen, versão carlos
carvalheiro, 2005
 43. o eQuador
passa em
s. tomé
e
príncipe • carlos carvalheiro e ana de
carvalho, 2005
 44. tomar em revista • carlos carvalheiro, 2006
 45. as peGadas dos draGões (contos do Fascínio 3) • a partir do universo de
ursula le Guin, versão carlos carvalheiro, 2006
 46. o perFume • a partir do romance de patrick süskind, versão carlos
carvalheiro, 2007
 47. arthur • carlos carvalheiro, 2008
 48. auto da Barca do inFerno • Gil vicente, 1999
 49. o aneL QueBrado (contos do Fascínio 2) • a partir do universo de ursula le
Guin, versão carlos carvalheiro, 2009
 50. richard iii • a partir da peça de William shakespeare, versão carlos carvalheiro,
2010

Documentos relacionados

John Krizanc acto i

John Krizanc acto i tchekhov. John Krizanc, que pretendia ser autor dramático, argumentava que o que mais lhe interessava eram os criados, as ressentidas criadas russas e os mordomos que diziam uma frase aqui e outra ...

Leia mais