Para quando uma indústria de defesa portuguesa?
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Para quando uma indústria de defesa portuguesa?
2012/12/12 Para quando uma industria de defesa portuguesa? João Franco1 No seguimento do fim do Estado Novo e da descolonização, foi decidido pelos novos poderes que a indústria de defesa portuguesa tinha uma capacidade de produção muito superior às necessidades do país, e como tal essa produção tinha de ser seriamente limitada. Muito material bélico foi deixado para trás em África, e nos anos subsequentes decidiu-se cortar drasticamente o número de efetivos das Forças Armadas Portuguesas. A indústria portuguesa de defesa que produzia abundantes quantidades de fuzis de assalto HK G3, metralhadoras HK 21, granadas, morteiros, e munições, ainda efetuou algumas vendas, nomeadamente para países como a Colômbia, Irão e Iraque, até ficar praticamente ao abandono. Mais de três décadas depois, grande parte do equipamento das Forças Armadas portuguesas está obsoleto, e a pouca capacidade fabril existente está vocacionada para a produção de material para guerras do século passado. Nenhuma aposta clara foi efetuada na indústria nacional de defesa como setor de exportação, tendo em vista a obtenção de receitas que ajudassem a financiar o reequipamento das forças armadas ou a equilibrar a balança comercial externa. Os poderes políticos maltratam e desprezam as Forças Armadas, adiando e cancelando sucessivos provectos de modernização e aquisição de equipamentos, esquecendo que estão a colocar em causa a capacidade operacional das mesmas. Escudam-se com as limitações orçamentais, olvidando e escamoteando que tanto têm esbanjado noutros projetos bem menos importantes. A venda da maioria do capital das OGMA à brasileira Embraer poderá ser uma mais valia que urge aproveitar, especialmente no que respeita à manutenção e reparação de vários tipos de aeronaves. De salientar que o conhecimento tecnológico das OGMA poderia permitir em parceria com a Embraer o desenvolvimento de dois ou três projetos altamente exportáveis: o primeiro seria a construção de um avião de treino simples e barato, mas 1 João Manuel Santana Franco (n. Lisboa 1977) é licenciado em Relações Internacionais pelo ISCSP-UTL e concluiu a parte escolar do curso conducente ao Mestrado em Estratégia pela mesma instituição, equivalente a pós-graduação na área. Exerce atividade profissional como docente no ensino básico, sendo também presidente da mesa da assembleia geral do Instituto de Altos Estudos Geopolíticos e Ciências Auxiliares (IAEG). Colabora com a revista para-académica Finis Mundi e já colaborou com outras publicações como a revista Nova Águia e o Boletim Meridiano 47 do Instituto Brasileiro de Relações Internacionais (IBRI). Página 1 de 3 JDRI • Jornal de Defesa e Relações Internacionais • www.jornaldefesa.pt ainda assim robusto e fiável, dotado de aviónicos muito simples; o segundo um avião de ataque ao solo leve, de velocidade subsónica, com aviónicos recentes e capacidade para disparar modernos mísseis ar-terra e bombas guiadas por laser, uma espécie de Alphajet mais moderno, e o possível terceiro projecto um avião de carga e transporte médio, que pudesse ser utilizado quer militarmente, quer no âmbito civil. No que respeita à capacidade de produção e reparação de meios navais, é essencial que não se perca todo o conhecimento técnico acumulado pelos Estaleiros de Viana e pelo Arsenal do Alfeite, e se garanta no mínimo a capacidade de manutenção dos navios da Armada portuguesa, e se abram estas duas unidades industriais aos navios das potências aliadas. O projeto dos navios de patrulha oceânica, levado a cabo pelos Estaleiros de Viana, do qual o NRP Viana do Castelo é o primeiro representante, poderia ser interessante para muitas outras nações, desde que existisse vontade política para o promover e comercializar. Além disto, este projeto poderia ser a base, com algumas alterações, para outros projetos interessantes e viáveis, como sejam um navio de interdição aérea, para apoio a uma força expedicionária naval, um navio de apoio de fogo a uma força anfíbia de assalto, ou uma corveta vocacionada para a luta anti-submarina. Estes projetos poderiam ser oferecidos a países amigos ou aliados, no mercado internacional. Infelizmente os sucessivos atrasos e cancelamentos no âmbito do projeto não auguram nada de bom nem para os estaleiros nacionais nem para a Marinha portuguesa. No que concerne aos meios terrestres, a situação não tem sido muito animadora, tendo em conta que se a Força Aérea e a Marinha surgem como as protagonistas de uma eventual projeção de forças para além do território nacional, e participação portuguesa em operações de paz e outras no âmbito da OTAN, o Exército é sem dúvida o fulcro da defesa do território nacional e além de capacidade dissuasora de qualquer tipo de agressão, tem de ter capacidade de combate real que permita retardar ao máximo o avanço de quaisquer incursões ou invasões inimigas, permitindo à diplomacia portuguesa solicitar o apoio imediato dos nossos aliados no âmbito da OTAN, OSCE, UE, e outras organizações que integramos. Como tal, o exército português tem de ser capaz de infligir a qualquer inimigo baixas, especialmente nos seus equipamentos mais caros e sofisticados, numa perspetiva assimétrica, ou seja, tem de conseguir com meios baratos, infligir perdas aos meios caros do inimigo. O exército português deve apostar, sempre que adquira novos equipamentos, na construção sob licença, que permite dinamizar a indústria de defesa nacional, veja-se o caso dos blindados Pandur II, que poderia ter sido melhor aproveitado. O sucessivo adiar da substituição da G3 pela G36, que poderia ser construída sob licença em Portugal e até vendida a outros países, vem colocar o exército português numa situação de desvantagem em relação a outras forças aliadas, por um lado porque a OTAN parece estar a apostar na padronização no calibre 5,56mm (no qual o exército português já possui algumas armas, nomeadamente a israelita IMI Galil) em detrimento do calibre 7,62 mm, no qual a G3 se integra, por outro porque armas com cerca de quarenta anos e apesar de manutenção, já estão obsoletas e podem até perder a sua operacionalidade e confiabilidade. É Página 2 de 3 JDRI • Jornal de Defesa e Relações Internacionais • www.jornaldefesa.pt mais uma oportunidade perdida para a indústria de defesa nacional aglomerada atualmente na holding EMPORDEF. A produção de armas ligeiras e de morteiros e respetivas munições garante pouco mais do que o mínimo dos mínimos, mas tal como no passado é de estudar o desenvolvimento de projetos nacionais de armas deste tipo. Contudo o que é indispensável neste século XXI é o desenvolvimento de um projeto português de mísseis, que garanta a Portugal elevada autonomia de dissuasão. Partindo do estudo de diversos projetos de origem soviética e chinesa, pode constatar-se que é possível desenvolver mísseis relativamente eficazes e de baixo custo. Os mísseis de que aqui falamos, seriam na realidade dois projetos, um de um missil anti-tanque portátil nãoguiado, quase um foguete, de baixo custo, que produzido em quantidades suficientes, garantiria uma séria capacidade defensiva do exército português face a unidades inimigas motorizadas e mesmo blindadas, e o outro de um míssil anti-aéreo portátil de curto a médio alcance, guiado por infravermelhos, que dotaria o exército português de uma capacidade significativa de defesa contra aviões a baixa altitude, e especialmente contra helicópteros, que têm um papel cada vez maior na projeção de forças nos ambientes de conflito modernos. Dado o seu alcance e natureza nenhuma potência poderia duvidar do caráter defensivo que este projeto iria assumir, e tais equipamentos poderiam também ser objeto de exportação. O quarto aspeto em que a indústria de defesa nacional deve apostar é no chamado C4 (Comando, Controlo, Computadores e Comunicações). Para além do fabrico de material de comunicações e transmissões, deve-se apostar nos setores da guerra eletrónica ofensiva e defensiva, no estudo da ciberguerra, no desenvolvimento de satélites de comunicações e no setor dos radares, tal como é feito por muitas nações ao redor do mundo. Basta ver por exemplo o que a República Popular da China faz em termos de ciberguerra. Neste setor, tal como nos anteriores da indústria de defesa nacional, existe um grande potencial a aproveitar das eventuais sinergias com universidades e outras unidades de ensino superior e de investigação portuguesas, e um vasto número de profissionais altamente qualificados em várias áreas do saber. Urge alterar o estado em que se encontra a indústria portuguesa de defesa, aproveitando as sinergias que daí podem resultar, bem como os retornos financeiros com a exportação de equipamento militar português, ou produzido sob licença em Portugal. A atual situação, de quase total dependência em relação ao estrangeiro, implica a saída de avultadas somas para aquisição e manutenção dos equipamentos militares das Forças Armadas portuguesas e uma grave vulnerabilidade estratégica neste século de incertezas e de crescentes ameaças à paz e à segurança, potenciadas pelo aumento da escassez de recursos essenciais. Página 3 de 3
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