Uma visão realista da boa-fé no contrato de seguro

Transcrição

Uma visão realista da boa-fé no contrato de seguro
No 5  Julho  2007
Nesta Edição
Uma visão realista da boa-fé
no contrato de seguro Pág. 1
Posicionamento Jurisprudencial atualizado
acerca da Comissão de Permanência Pág. 5
Comentários acerca do recurso cabível em face da
antecipação de tutela ex officio na sentença Pág. 8
Repercussão geral das questões
constitucionais – novo requisito de admissibilidade
do recurso extraordinário Pág. 11
Uma visão realista da boa-fé
no contrato de seguro
N
ão se controverte quanto à importância da boa-fé no contrato de seguro. Seja sob a perspectiva de sua formação,
execução ou até mesmo posteriormente a esta1, a boa-fé exerce
função relevante no relacionamento existente entre o segurado
e o segurador, já que é com base nas informações prestadas por
aquele que este cotará o risco que, caso seja comercialmente
interessante, será subscrito, rendendo ensejo à formação desta
espécie contratual.
Justamente por isto as informações prestadas pelo proponente
deverão ser transparentes, claras, a fim de que o segurador, após
celebrado o contrato, não venha a ser surpreendido em razão de
dados que, caso lhe tivessem sido oportunamente informados,
repercutiriam, eventualmente, ou na não realização do negócio,
ou na cotação de um prêmio em patamares diferenciados.
Com relação às perguntas formuladas pelo segurador, estas,
por seu turno, também deverão ser claras, de fácil compreensão, justamente a fim de evitar divergências de interpretação
Até aqui, nenhuma
novidade.
O problema surge a
partir do momento
em que interpretações distorcidas vêm
Ilan Goldberg*
diminuindo a [email protected]
tância e o significado
que a boa-fé deve ter no seio da formação de um contrato de
seguro.
Com o pretenso propósito de proteger o segurado, parte teoricamente hipossuficiente em cotejo com o segurador, infelizmente
não têm sido poucas as decisões que temperam a boa-fé de
maneira muito branda, quase que desinfluente à formação deste
ajuste, o que culmina com a obrigação de que o segurador tenha que arcar com o pagamento do capital segurado mesmo em
hipóteses nas quais, evidentemente, o segurado tenha deixado
de agir com a necessária boa-fé2.
quanto à informação pretendida.
* Sócio de Chalfin, Goldberg & Vainboim Advogados Associados.
1
Regis Fichtner Pereira, acerca do tema, destaca: “O princípio da boa-fé poderá também ser aplicado para além do que a lei ou o contrato estabelecem, modificando em parte o sentido que resultaria da
interpretação da norma legal ou contratual, considerada em abstrato, ou suprindo lacunas. A função do princípio da boa-fé, nesses casos será a de criar para as partes de um contrato outros deveres, além
daqueles que se encontram nele expressos e que constituem o seu objeto principal. (...) Esses deveres secundários se destinam a criar para ambas as partes da relação jurídica um determinado padrão
de comportamento, cujo conteúdo objetivará, por vezes, evitar que a outra parte sofra um prejuízo, outras vezes exigir uma atitude de cooperação, para que a outra parte alcance em toda a sua plenitude
a finalidade prevista no contrato. Os principais deveres instrumentais decorrentes da boa-fé objetiva consistem em deveres de correção, deveres de cuidado e segurança, deveres de informação, deveres
de prestar contas, deveres de cooperação e deveres de sigilo”. (PEREIRA, Regis Fichtner. A Responsabilidade Civil Pré-Contratual. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 81)
2
“Seguro – Saúde – Contrato de Adesão – Cobertura dos Riscos Assumidos - Recurso Especial – Matéria de Prova – Interpretação de Cláusulas Contratuais – Abusividade reconhecida pelas instâncias
ordinárias – Incidência do enunciado das súmulas 5 e 7 do STJ – Agravo interno improvido. I - A empresa que explora plano de seguro-saúde e recebe contribuições de associado sem submetê-lo a exame,
não pode escusar-se ao pagamento da sua contraprestação, alegando omissão ou má-fé nas informações do segurado. II – Contratos de seguro médico, porque de adesão, devem ser interpretados em
favor do consumidor. III – Análise de matéria de prova e interpretação de cláusulas contratuais refogem ao âmbito do recurso especial, por expressa vedação dos enunciados 5 e 7 das Súmulas desta Corte.
Agravo improvido. (AgRg no Ag 311.830 / SP, 3ª Turma, Min. Castro Filho, DJ 1.4.2002. No mesmo sentido os seguintes acórdãos: RESP 86095-SP , RESP 244841-SP RESP 229078-SP , RESP 272830SE e RESP 198015-GO).
1
Não se pretende escrever de maneira tendenciosa a nenhuma
das partes que formam a relação jurídico-securitária. Pretendese, apenas, enxergar de maneira realista, livre de quaisquer visões preconcebidas, qual será a conseqüência, a médio ou longo prazo, de cada vez mais mitigar a importância da boa-fé no
contrato de seguro. Este é o objetivo que se pretende alcançar.
Quando da regulação do sinistro, a seguradora conclui, divergindo totalmente das informações originalmente prestadas pelo
preponente, o seguinte: o condutor do veículo têm 18 (dezoito)
anos; a utilização do veículo é comercial; o veículo fica estacionado na via pública; não há alarme disponível; quilometragem
anual de 30.000 (trinta mil) km.
Por que a boa-fé é tão importante no contrato de seguro?
Numa hipótese como esta, pergunta-se: as informações prestadas
pelo preponente foram carreadas de boa-fé? Seria aplicável a sanção prevista no art. 766 do CC – perda da garantia securitária?
Anteriormente à celebração de qualquer contrato desta natureza, o preponente presta informações referentes ao seu perfil
ou à sua atividade profissional ao segurador, a fim de que este
possa analisar o risco que subscreverá caso se interesse pelo
negócio em exame.
Estas informações constituem o único alicerce sobre o qual o
segurador realizará a sua análise, favoravelmente ou não à celebração do contrato.
Por isso, não importando o ramo do seguro que se esteja analisando (vida, saúde, automóvel, residencial, acidentes pessoais
ou responsabilidade civil), as informações prestadas pelo segurado ganham grande relevância já que é justamente com base
nestas que será cotado o risco e calculado o prêmio a ser pago
ou, ainda, será recusada a proposta3.
A fim de tornar fácil a compreensão do motivo pelo qual estas
informações são realmente muito importantes, nada melhor do
que observar alguns simples exemplos.
O primeiro deles pode ser colhido no seguro automóvel. O questionário usualmente utilizado para esta espécie de seguro traz
questões relacionadas ao condutor, à utilização do veículo (comercial ou apenas para passeio), à guarda do veículo (garagem
ou estacionamento na rua), à existência de alarme, à quilometragem anual, entre outras.
O preponente, ao responder a estas questões, suponha-se que
tenha informado que seu veículo é guiado por pessoa com 60
(sessenta) anos de idade (reconhecidamente mais prudente do
que um jovem de 18 anos, recém habilitado); a utilização do veículo seria exclusivamente para passeio; a guarda seria feita integralmente em garagem monitorada e vigiada; o veículo dispõe
de alarme; a quilometragem anual seria de 10.000 (dez mil) km.
Apenas com base nestas informações é que o segurador avaliará o risco a que estaria sujeito e, conseqüentemente, o prêmio a
ser pago pelo segurado.
Subscrito o risco e encaminhadas as boletas para pagamento do
prêmio, suponha-se que 6 (seis) meses após o início da vigência
tenha ocorrido sinistro com perda total do veículo. Os documentos são encaminhados à seguradora que, por imposição legal –
Circular Susep nº. 256, de 16.6.2004, art. 334, regulará o sinistro
a fim de identificar se há ou não cobertura técnica.
Adentrando na questão concernente à verificação das informações prestadas pelo preponente, haveria condições de uma
seguradora contratar investigadores para analisar, uma a uma,
todas as informações prestadas pelos milhares de preponentes
que batem as suas portas todos os dias? Seria razoável contratar
um investigador para cada possível contrato a ser celebrado? No
presente caso hipotético, o investigador deveria ficar de tocaia
fotografando o veículo, a fim de constatar que o mesmo teria utilização comercial e não residencial? Deveria checar uma vez por
ano a quilometragem, a fim de saber se os 10.000 (dez mil) km
anuais estariam sendo observados? Além disso, deveria, também, investigar a idade do condutor? Quantas diligências seriam
necessárias para que pudesse ser celebrado um simples contrato
de seguro automóvel? E todos os custos atrelados a estas exigências? Correriam por conta da seguradora? Multipliquem-se os
custos de um contrato por milhares, talvez milhões de contratos,
o que é comum num país de 170 milhões de habitantes, como
é o Brasil. Haveria viabilidade econômico-financeira na continuidade deste negócio – seguro automóvel – ou, ao contrário, esta
espécie de contrato se tornaria privilégio de uma elite abastada e
realmente muito restrita? Nesta ótica, teoricamente protecionista
aos interesses do segurado, seria atendida a finalidade social a
que se destina o seguro, qual seja, distribuir perdas entre o maior
número possível de pessoas, a fim de que cada cidadão, isoladamente, seja menos prejudicado por força do imprevisível?
É importante refletir a respeito de todos estes aspectos antes de
chegar a uma conclusão sensata. Proferir um acórdão e, simploriamente, transferir todos os ônus do negócio ao segurador,
como se todos estes pudessem ser absorvidos sem quaisquer
conseqüências, não soa tecnicamente adequado.
Ainda no campo dos exemplos, considere-se o seguro de saúde
ou o de vida.
Da mesma maneira que se procede com relação ao seguro automóvel, o segurador envia ao preponente um questionário, no
qual formula perguntas afetas ao estado de saúde do mesmo.
Neste formulário, o preponente deve responder afirmativamente
às doenças que contraiu e que, logicamente, sejam do seu conhecimento e, negativamente, caso seja perfeitamente saudável.
Note-se, aqui, que não se trata de discutir o conhecimento de uma
doença que ainda não se tenha manifestado e que, portanto, não
Circular Susep nº. 251, de 15 de abril de 2004. Art. 2º. A sociedade seguradora terá o prazo de 15 (quinze) dias para manifestar-se sobre a proposta, contados a partir da data de seu recebimento, seja
para seguros novos ou renovações, bem como para alterações que impliquem modificação do risco.
4
Circular Susep nº. 256, de 16.6.2004. Art. 33. Deverão ser informados os procedimentos para liquidação de sinistros, com especificação dos documentos básicos previstos a serem apresentados para
cada tipo de cobertura, facultando-se às sociedades seguradoras, no caso de dúvida fundada e justificável, a solicitação de outros documentos.
3
2
seja do conhecimento do preponente. Nesta situação hipotética, se
o preponente não sabe que contraiu a doença, não lhe seria exigível informá-la à seguradora. Questão de lógica, de bom senso.
A situação que se deseja retratar é outra, em que o preponente
sabe ser portador de determinada moléstia e que, mesmo assim, ao ser indagado através do referido questionário, insiste em
sua negativa, ludibriando o segurador.
Tempos depois, já com o respectivo contrato de seguro vigendo, o segurado adoece em razão daquela antiga moléstia que,
convém frisar, era do seu conhecimento mas, por motivos que a
seguradora desconhece, deixaram de lhe ser informadas.
Imagine-se que sobrevenha a morte do segurado, o que faria com
que seus beneficiários (seguro de vida), em regra, tivessem direito à percepção do capital segurado. A seguradora, diante do aviso
de sinistro, o regula e conclui que aquele falecido segurado omitiu
a mencionada doença quando do preenchimento da proposta, o
que motiva a aplicação da sanção prevista no art. 766 do Código
Civil, em razão do que determina o art. 765 do mesmo Código.
À luz destes fatos, o segurador estaria obrigado a pagar o capital
segurado? Com a flagrante omissão de informações por parte
do preponente, que, repita-se, sabia da doença que o acometia
e, propositadamente, deixou de informá-la, o que motivou a contratação deste seguro em condições irreais, caso se considere o
verdadeiro estado de saúde do mesmo, seria ilegal a aplicação
da sanção consistente da perda da garantia securitária?
O simples fato de o segurador ter recebido prêmio sem ter submetido o preponente a um exame médico seria suficiente, por si só, para
forçar a perfeita eficácia do contrato de seguro, independentemente de eventual má-fé do segurado, descoberta posteriormente?
Observe-se que os dois exemplos acima não tem absolutamente nada de fantasiosos. Hipóteses como as ora retratadas ocorrem com freqüência e, justamente por isso, merecem atenção
dedicada, a fim de evitar que em hipóteses nas quais haja clara
má-fé dos segurados os seguradores sejam compelidos a arcar
com pagamentos evidentemente indevidos.
O último exemplo que se deseja cotejar está relacionado ao seguro de responsabilidade civil.
Da mesmíssima forma que se procede com os outros ramos
do seguro – automóvel, vida e saúde – o preponente também
preenche um questionário, relacionado ao seu perfil, à sua vida
pregressa e às suas atividades profissionais.
Suponha-se, a título exemplificativo, um contrato de seguro de responsabilidade civil para escritórios de advocacia ou para médicos.
Ao pretender a contratação deste produto, o escritório ou o médico procuram um segurador que, por sua vez, disponibiliza um
questionário a ser preenchido com a mais estrita boa-fé.
Neste questionário, são apresentadas perguntas relacionadas
à atividade profissional do escritório e do médico. O segurador,
evidentemente, precisa saber se se trata de um escritório ou de
um médico diligente. Precisa ter informações referentes a reclamações apresentadas pelos clientes do escritório (pacientes do
médico), em razão, por exemplo, da perda de prazos, deserção
de recursos, mau atendimento, desídia etc (tratamentos inadequados, cirurgias mal feitas, diagnósticos equivocados etc).
O escritório (o médico), com a mais estrita boa-fé, deve apresentar todas as respostas ao segurador. Caso tenha conhecimento
de alguma reclamação, deverá informá-la. Imagine, por hipótese, que esta reclamação tenha ganhado peso e, assim, tenha se
transformado numa ação em juízo, questionando a conduta do
escritório (do médico). Obviamente esta ação judicial e a respectiva reclamação também deverão ser noticiadas. Imagine-se que,
também por hipótese, este escritório de advocacia tenha em seus
quadros advogado sofrendo representação perante o Tribunal de
Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil, em razão
de conduta ilegal adotada num determinado processo. Claro que
esta informação também deverá ser noticiada ao segurador. (O
mesmo com relação à eventual processo administrativo que tramite no Conselho Regional ou Federal de Medicina).
O motivo pelo qual estas informações deverão ser prestadas à
seguradora, todos relativas a acontecimentos já foi explicado.
Um escritório de advocacia ou um médico, que tenham sido processados por diversos clientes ou pacientes, que questionam a
conduta dos mesmos, deverão ter uma cotação de risco totalmente diferenciada de outro escritório ou médico que não tenham sido processados.
Voltando ao exemplo, o escritório ou o médico interessados informam à seguradora que jamais tiveram qualquer tipo de reclamação, mesmo tendo sido citados, há pouco mais de um ano,
em ação judicial proposta por cliente (paciente) que requer determinada indenização.
O segurador, com boa-fé, acredita no que foi informado acerca de todas as suas indagações pelo preponente e celebra o
contrato. Pouco mais de seis meses após iniciada a vigência, o
segurado procura a seguradora, visando avisá-la de um sinistro
ocorrido naquele período de três anos que antecedeu o preenchimento da proposta. O escritório (médico) segurado afirma
que a cobertura securitária lhe é devida porque ação não é sinônimo de reclamação, que as perguntas constantes do questionário são relativas ao futuro e não aos acontecimentos (como dito,
passados) e a seguradora vê-se obrigada a regular o sinistro.
Nesta ocasião, constata-se, irrefutavelmente, que o escritório (médico) tinha expresso conhecimento da ação judicial que já havia
sido proposta, com cumprimento de citação por oficial de justiça
e outorga de poderes a advogados incumbidos de defendê-lo, em
suma, há prova concreta de que o segurado omitiu informações
relevantes à cotação do risco e, conseqüentemente, do prêmio.
Nesta situação hipotética, o segurado teria direito à indenização?
Mesmo diante de incontestável omissão de informações relevantes à
cotação do risco e do prêmio a cobertura securitária seria exigível?
Em razão de ter confiado nas informações que lhe foram prestadas, sob o manto da mais estrita boa-fé e, assim, ter anuído com
3
a celebração do contrato e, conseqüentemente, recebido o prêmio, seria coerente interpretação no sentido de que o segurado
não deverá ser sancionado em razão de sua conduta omissiva?
O recebimento do prêmio, por si só, importaria numa compulsória assunção de todos os riscos do negócio, independentemente
das informações prestadas pelo segurado? A partir do que dispõem os artigos 765 e 766 do CCB, poder-se-ia cogitar desta
perigosa relativização da boa-fé no contrato de seguro?
Como foi anteriormente colocado, é preciso refletir com muito
cuidado.
Para responder de maneira adequada a estas instigantes indagações, nada melhor do que recorrer à doutrina, iniciando com
as palavras de Sérgio Cavalieri5:
Se o seguro é uma operação de massa, sempre realizada em
escala comercial e fundado no estrito equilíbrio da mutualidade; se não é possível discutir previamente as suas cláusulas,
uniformemente estabelecidas nas condições gerais da apólice;
enfim, se o seguro, para atingir a sua finalidade social, tem
que ser rápido, eficiente, não podendo ficar na dependência
de burocráticos processos de fiscalização, nem de morosas
pesquisas por parte das seguradoras, então, a sua viabilidade
depende da mais estrita boa-fé de ambas as partes. Se cada
uma não usar de veracidade, o seguro se torna impraticável.
Pedro Alvim6:
O contrato de seguro não é somente um contrato bonae fidei,
mas de uberrimae fidei. A celeridade da atividade econômica,
incrementada pela rede de comunicações introduzidas pelo
progresso, não pode ficar na dependência de morosos processos de fiscalização ou pesquisa por parte das seguradoras, às
quais são demandadas coberturas imediatas para vultosos e
sofisticados riscos industriais ou comerciais. Ou confiam nas
declarações do segurado ou tornam difícil e impraticável sua
atividade.
E Rubén S. Stiglitz7:
Iniciadas las tratativas, las partes recíprocamente se deben dar
noticia de todo dato transcendente, pues aun el marco de la
libertad contractual, la reticência o la falsa declaración desnaturaliza la autenticidad de la voluntad declarada, que debe ser
expresada en consideración a las legítimas expectativas de los
contratantes, operadas en función de la confiabilidad que se
dispensan.(...)
Refletindo sob o prisma dos custos que seriam agregados a
esta operação caso fossem contratados investigadores para
se certificarem a respeito de cada informação prestada (aos
milhares, talvez milhões de informações por dia), caso sejam
exigidos os mais completos exames médicos anteriormente à
celebração de cada contrato de seguro de vida/saúde, a fim
de saber se as assertivas ventiladas pelos preponentes são
ou não verdadeiras, cujos custos, notoriamente, são elevadíssimos, fatalmente os preços dos prêmios praticados sofreriam uma majoração impagável para a grande maioria da
população, que é a real beneficiária dos contratos de seguro
de massa.
Ora, conforme se pontuou linhas acima, deve-se realmente ponderar se a ótica teoricamente protecionista dos interesses dos
segurados, que tem como conseqüência condenações em hipóteses nas quais há clara má-fé dos segurados, beneficiam ou
prejudicam o grupo no qual está inserido este segurado.
O raciocínio acerca do contrato de seguro não pode ser feito de maneira individualizada. É preciso, sob a perspectiva da
mutualidade, do grupo no qual se inserem diversos segurados,
ponderar a respeito dos impactos que uma condenação indevida terá sobre os preços praticados em relação a toda esta
coletividade.
Imaginando diversas condenações indevidas, fruto da mencionada interpretação equivocada a respeito da boa-fé, os excessos decorrentes destes pagamentos correrão às expensas dos
seguradores que, por sua vez, para que possam diluí-los, obviamente precisarão aumentar os valores dos prêmios praticados.
Lamentavelmente, trata-se um círculo vicioso, que prejudica, em
primeiro lugar, os seguradores para, na seqüência, prejudicar os
segurados.
Demonstrou-se, desta maneira, que esta relativização da boa-fé
afigura-se ruim para os próprios segurados. O simples fato de
um segurador confiar nas informações que lhe são prestadas
e, a partir disto, celebrar um contrato, recebendo, por conseguinte, o prêmio, não pode de maneira nenhuma representar
a inexistência do dever de que estas informações tenham sido
transmitidas sob a mais estrita boa-fé. Raciocinar em sentido
contrário ao ora exposto afigura-se totalmente contrário à essência do seguro.
La información suministrada con reticencia o falsedad se traduce en una infración al deber de comportarse de buena fe, por
lo que repercute sobre la validez del acto, si ha determinado el
consentimiento.
Juridicamente ilustrando a relevância da boa-fé, colheram-se alguns julgados no Superior Tribunal de Justiça e no Tribunal de
Justiça do Estado do Rio de Janeiro que, por sua força, por seu
senso de realidade, precisam ser destacados:
Os três autores mencionados são unânimes em destacar a importância da boa-fé no contrato de seguro. Os motivos, consoante
exposto, são de compreensão muito tranqüila. Ou os seguradores
confiam nas informações que lhe são prestadas pelos preponentes, ou, simplesmente, não mais serão celebrados os contratos.
Seguro. Doença pré-existente. Dissídio. Precedentes da Corte. 1. Afirmando o Acórdão recorrido, expressamente, que a
segurada sabia da doença e que tinha se internado para tratamento, comprovando a má-fé, não há como revolver a matéria
de fato assim assentada, presente o óbice da Súmula nº 07 da
Corte. 2. O dissídio não tem passagem quando os paradigmas
CAVALIERI, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 5. ed. Rio de Janeiro: Malheiros, 2004, p. 428.
ALVIM, Pedro. O Contrato de Seguro. 3 ed. Rio de Janeiro: Forense, p. 131.
7
STIGLITZ, Rubén S. Derecho de Seguros. Tomo I. 4 ed. Buenos Aires: La Ley, 2004. p. 355.
5
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não guardam a mesma base fática do Acórdão recorrido. 3.
Recurso especial não conhecido. (REsp 431715-PB, Rel. Min.
Carlos Alberto M. Direito, 3ª Turma, DJ 4.1.2002, STJ).
não procedentes. Negado provimento ao recurso. (Ap. Cível 2004.001.37531, Rel. Des. Antônio Saldanha Palheiro, j.
05/04/2005, 2ª. C. Cível, TJRJ)
Civil e processual. Seguro. Ação que postula cobertura indenizatória por morte de segurado. Óbito ocorrido logo após a
contratação. Má-fé reconhecida pelas instâncias ordinárias.
Omissão patente na declaração sobre o estado de saúde. Internação anterior. Matéria de fato. Súmula n. 7-STJ.
Havendo prova segura da omissão de informações relevantes por
parte do segurado e/ou de informações falsas, impõe-se a aplicação da sanção prevista no art. 766 do Código Civil, sendo certo
que esta representou e representa a vontade do legislador.
I. Patenteada a deliberada omissão do segurado quanto à
grande precariedade de seu estado de saúde quando da contratação, ocorrendo o óbito poucos dias após, torna-se indevida a pretendida cobertura indenizatória, pelo reconhecimento
da má-fé.
É sob esta ótica realista, que empresta à boa-fé a sua real importância no que tange ao contrato de seguro, que deverá ser
trilhado um novo caminho, a fim de que o comentado círculo
vicioso possa ser substituído por um círculo virtuoso, amparado
por decisões judiciais que tenham por finalidade prestigiar a boafé, sancionando eventuais condutas que lhe sejam contrárias, o
que, em larga escala, terá como conseqüência a diminuição dos
preços dos prêmios praticados, ante à diminuição do número de
condenações indevidas impostas aos seguradores.
II. “A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial” - Súmula nº. 7-STJ.
III. Recurso especial não conhecido. (REsp 617287 / PR, Rel. Min.
Aldir Passarinho Júnior, DJ 14.11.2005 , 4ª turma).
Contrato de seguro de vida. Relação de consumo. Doença
preexistente e objeto de intervenção cirúrgica. Conhecimento do segurado. Omissão de informação e afirmações falsas.
Relevância. Inexistência do dever de indenizar. Má-fé do
segurado. Em relação ao cerceamento de defesa, também
não deve prosperar. A prova é produzida para o juiz, que
dispõe do discernimento de definir os critérios que aplicará no deslinde da questão controvertida. Teses de apelação
Posicionamento jurisprudencial
atualizado acerca da Comissão
de Permanência
1. Introdução
P
acificadas, quase em sua totalidade, as questões concernentes à limitação da taxa de juros, a Comissão de Permanência,
ilustre desconhecida do grande público, vem, então, chamando
atenção dos juristas e suscitando, inúmeras questões controvertidas quanto à sua natureza, legalidade e aplicabilidade, o que se
pode perceber pelo número de demandas nos tribunais acerca
do tema. Considerando-se que, desde sua introdução no ordenamento jurídico sua cobrança se tornou uma constante nos milhares de contratos bancários celebrados diariamente, envolvendo,
a maioria deles, relações de consumo, toda a sociedade acaba
atingida pelos efeitos da presente discussão.
Pretende-se, neste
artigo, analisar a aplicação da Comissão
Paula Rodrigues*
[email protected]
de Permanência na
prática, através o entendimento jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça, partindo-se, em especial, dos verbetes sumulares nº 30, 294 e 296
daquela Egrégia Corte.
2. Origem, conceito e natureza jurídica
A Constituição Federal de 1988, de forma inovadora, destinou
um inteiro capítulo ao Sistema Financeiro Nacional. No entanto,
com a edição da Emenda Constitucional nº 40, o capítulo limitouse ao caput do artigo 1921, o que acabou por conceder ao Con-
* Advogada associada à Chalfin, Goldberg & Vainboim Advogados Associados.
1
Art. 192. O sistema financeiro nacional, estruturado de forma a promover o desenvolvimento equilibrado do país e a servir aos interesses da coletividade, em todas as partes que o compõe, abrangendo
as cooperativas de crédito, será regulado por leis complementares que disporão, inclusive, sobre a participação do capital estrangeiro nas instituições que o integram.
5
gresso Nacional maior liberdade para a sua regulamentação,
retirando a exigência de observância, por parte da lei complementar, de diversos preceitos previstos pela redação original.
Na trilha do permissivo constitucional, a Lei 4.595/64 (a qual, após
o julgamento da ADI nº 4, ganhou status de lei complementar) continuou a disciplinar o Sistema Financeiro Nacional, sendo que seu
artigo 2º2 instituiu o Conselho Monetário Nacional, com a finalidade
de formular a política da moeda e do crédito, objetivando promover
o progresso econômico e social do país. Dentre as competências
normativas desse órgão está a de deliberar e regrar acerca do funcionamento das instituições financeiras, bem como suas operações.
O Banco Central do Brasil3, por sua vez, é o órgão executivo
das “vontades” do Conselho Monetário Nacional4, sendo suas
Resoluções (concernentes ao funcionamento, procedimentos e
operações) tidas como normas providas de força cogente e de
cumprimento obrigatório por parte das instituições financeiras.
Assim, surge o instituto objeto do presente estudo, de cobrança facultativa dos estabelecimentos creditícios: a Comissão de
Permanência, criada através da Resolução do Banco Central do
Brasil nº 1.1295, de 15 de maio de 1986.
Conceituar e definir a natureza jurídica da Comissão de Permanência, embora não seja tarefa das mais simples, representa o primeiro
avanço em sua devida análise, pois com base no que representa
o instituto para o ordenamento jurídico, pode-se discutir sua cumulatividade com juros compensatórios e moratórios, correção monetária, bem como cláusula penal, definindo os limites legais de sua
aplicabilidade, em especial, nos contratos bancários.
Comissão é remuneração ou paga que se promete à pessoa, a
quem foi conferido encargo de fazer alguma coisa por sua conta. Em um contrato bancário, a comissão seria a porcentagem
que tem direito o banco (comissionário) que trabalha com os bens
do cliente (comitente), em razão do seu valor, podendo-se, então, concluir, tratar-se de instrumento remuneratório, espécie de
contra-prestação aos serviços prestados pela instituição financeira, qual seja, a concessão de crédito, desde o momento em que
ocorrer o vencimento do pagamento de seus créditos.
Por se tratar de remuneração aplicada aos contratos bancários,
nos quais esteja caracterizada a mora dos clientes no cumprimento de suas obrigações, há entendimentos (data vênia equivocados) que equiparam a Comissão de Permanência aos ju-
ros, remuneratórios ou compensatórios, à correção monetária e
à cláusula penal.
2. A Comissão de Permanência e a correção monetária: a
súmula 30 do STJ
Depois de reiteradas decisões no mesmo sentido6, o Egrégio Superior Tribunal de Justiça veio a coibir, através de entendimento
sumulado no verbete de nº 30, a cumulação da Comissão de Permanência com a correção monetária, afirmando: “A comissão de
permanência e a correção monetária são inacumuláveis”.
Tal entendimento teria sido adotado com base na natureza jurídica dos institutos, tendo concluído os Ministros da Corte Superior
que ambas, tanto a Comissão de Permanência como a correção monetária, visariam compensar a desvalorização da moeda,
atualizando-a da data da celebração do contrato à data do efetivo pagamento. Desta forma, cumular sua cobrança implicaria
em bis in idem, prática vedada no ordenamento jurídico pátrio7.
Entretanto, nem sempre foi este entendimento pacífico naquela
Egrégia Corte. Havia divergência entre a Terceira e Quarta Turmas, prevalecendo naquela a tese da inacumulabilidade, e nesta a cumulabilidade, desde que provado o “não embutimento”
da correção monetária na Comissão de Permanência. Na tese
da possibilidade da cumulação, abriam-se duas correntes, a do
ônus do devedor de provar a ocorrência do bis in idem e a do
ônus do credor de demonstrar a inocorrência de tal fato.
Todavia, em prol da uniformização dos entendimentos passouse a inadmitir a cumulação da Comissão de Permanência e da
correção monetária, eis que foi considerado por demais complexa a questão da prova da ocorrência ou não do bis in idem. Em
verdade, não entendeu a Corte Superior acerca da igualdade
na natureza jurídica dos institutos, tendo tão somente afirmado
que tal similitude poderia ocorrer em alguns casos (não sendo a
regra), o que impediria a cumulação.
Com o passar do tempo, a fundamentação do verbete sumular
foi ficando esquecida, limitando-se os julgados a simplesmente
repeti-lo, sem aventar a hipótese da prova pelo credor de não
computar a Comissão de Permanência a correção monetária.
Conclui-se, pois, que Comissão de Permanência e correção monetária são institutos diversos. E, como na fundamentação do
julgado que deu origem ao enunciado inicialmente citado, apenas seriam inacumuláveis se comprovado o englobamento, pela
Lei 4.595/1964. Art. 2º: “Fica extinto o Conselho da atual Superintendência da Moeda e do Crédito, e criado, em substituição, o Conselho Monetário nacional, com a finalidade de formular a política da
moeda e do crédito, como previsto nesta Lei, objetivando o progresso econômico e social do país.
3
MAGALHÃES, Augusto. Os Bancos Centrais e sua função reguladora da moeda e do crédito, A casa do Livro, 1971
4
Lei 4.595/64. Art. 9º: “Compete ao Banco Central do Brasil cumprir e fazer cumprir as disposições que lhe são atribuídas pela legislação em vigor e as normas expedidas pelo Conselho Monetário Nacional”.
5
O Banco Central do Brasil, na forma do artigo 9º da Lei nº 4.595, de 31.12.64, torna público que o CONSELHO MONETÁRIO NACIONAL, em sessão realizada nesta data, tendo em vista o disposto no
art. 4º, incisos VI e IX, da referida Lei, RESOLVEU: I - Facultar aos bancos comerciais, bancos de desenvolvimento, bancos de investimentos, caixas econômicas, cooperativas de crédito, sociedades de
crédito, financiamento e investimento e sociedades de arrendamento mercantil, cobrar de seus devedores por dia de atraso no pagamento ou na liquidação de seus débitos, além de juros de mora na forma
da legislação em vigor, “comissão de permanência”, que será calculada às mesmas taxas pactuadas no contrato original ou à taxa de mercado do dia do pagamento. II - Além dos encargos previstos no
item anterior, não será permitida a cobrança de quaisquer outras quantias compensatórias pelo atraso no pagamento dos débitos vencidos. III - Quando se tratar de operação contratada até 27.02.86, a “comissão de permanência” será cobrada: a) nas operações com cláusula de correção monetária ou de variação cambial - nas mesmas bases do contrato original ou à taxa de mercado do dia do pagamento;
b) nas operações com encargos prefixados e vencidas até 27.02.86 - até aquela data, nas mesmas bases pactuadas no contrato original ou a taxa praticada naquela data, quando se aplicará o disposto
no art. 4 do Decreto Lei n. 2.284/86, e de 28.02.86 até o seu pagamento ou liquidação, com base na taxa de mercado do dia do pagamento; e c) nas operações com encargos prefixados e vencidos após
27.02.86 - com base na taxa de mercado do dia do pagamento. IV - O Banco Central poderá adotar as medidas julgadas necessárias à execução desta resolução. V - Esta Resolução entrará em vigor na
data de sua publicação, ficando revogados o item XIV da Resolução n. 15, de 28.01.66, o item V da Circular n. 77, de 23.02.67, as Cartas-Circulares n.s 197, de 28.10.76, e 1.368, de 05.03.86
6
Precedentes: EResp. 8706/SP; REsp. 10493/SP; EREsp. 4909/MG; REsp. 4443/SP; REsp. 2369/SP
7
EXECUÇÃO. CORREÇÃO MONETÁRIA E COMISSÃO DE PERMANÊNCIA. Inadmissível a cobrança cumulativa da comissão de permanência, quando já vinculada à correção monetária. Constitui
ônus da instituição financeira comprovar devidamente a não ocorrência do bis in idem em tema de atualização compensatória da desvalorização da moeda (STJ - EDIV. Resp 4909-MG, Min.
Rel. Athos Carneiro, j. 12.06.1991)
2
6
primeira, de valor eminentemente atualizatório da moeda, quando se aproximaria, por conseqüência, da correção monetária.
3. Cumulatividade da Comissão de Permanência com os juros remuneratórios: a súmula 296 do STJ
Foi editada a súmula nº 296, do STJ , assim salientando: “Os
juros remuneratórios, não cumuláveis com a comissão de
permanência, são devidos no período de inadimplência, à
taxa média de mercado estipulada pelo Banco Central do
Brasil, limitada ao percentual contratado”.
8
Tal entendimento se, por um lado legitima a cobrança de taxa de
juros com base nas oscilações do mercado, por outro, impede
a aplicação da Comissão de Permanência conjuntamente com
aqueles, colocando como seus substitutivos os juros remuneratórios, como se institutos de mesma natureza jurídica.
Os juros remuneratórios são estipulados no momento da contratação e consistem na remuneração pelo uso do capital, ou seja,
o pagamento efetuado à instituição financeira pelo devedor por
tê-la privado do uso de seu bem por certo período de tempo.
Já a Comissão de Permanência, como bem se depreende da
resolução que a instituiu tem incidência com a mora ou inadimplência. Trata-se de instrumento remuneratório, espécie de contraprestação aos serviços prestados pela instituição financeira,
desde o momento em que ocorrer o vencimento do pagamento
de seus créditos.
A mora e a inadimplência representam fenômeno inesperado. Os
juros remuneram o capital pelo prazo inicialmente contratado enquanto que a Comissão de Permanência passaria a incidir com
o não pagamento, visando remunerar o capital pelo período de
mora, não previsto inicialmente.
Logo, é de se verificar que a natureza jurídica dos institutos é semelhante: remuneratória. Há, no entanto, equívoco no tratamento conferido pelo verbete de súmula ora comentado, pois, em que pese
a análise correta da natureza jurídica dos institutos, acabou-se por
inutilizar a Comissão de Permanência, vez que não foi feita a distinção quanto ao momento de incidência de cada um dos encargos
(tendo a mora como “fronteira”), conferindo aos juros remuneratórios, em período posterior ao vencimento, o desempenho da função
originalmente atribuída à Comissão de Permanência.
4. Cumulatividade com os juros moratórios e a cláusula
penal.
No que tange à cumulatividade da Comissão de Permanência
com os juros moratórios e a cláusula penal, julgados recentes do
STJ entendem pela impossibilidade.
Os juros moratórios, de natureza acessória, refletem pena imposta ao devedor pelo inadimplemento da obrigação na data em
avençada, sendo, portanto, seu pressuposto a culpa no retardamento da prestação. Já a cláusula penal ou multa contratual pode
ter caráter compensatório ou moratório. Também de natureza
acessória, é uma fixação prévia de perdas e danos, dispensando
avaliação de culpa.
Ocorre que, com a devida vênia, deve-se considerar que não há
impedimentos legais para a cobrança da Comissão de Permanência conjuntamente com os encargos moratórios.
Como já abordado, mesmo com a promulgação da Carta Política
de 1988, permaneceu a Lei 4.595/1964 a disciplinar o Sistema
Financeiro nacional, ganhando status de lei complementar. Nesta lei foi criado o Conselho Monetário Nacional, com o objetivo
de formular a política da moeda e do crédito brasileiros, através
de sua autarquia executora, o Banco Central do Brasil. E foi a
Comissão de Permanência instituída nesta ordem, mediante Resolução do BACEN, na forma do artigo 9º da Lei 4.595/1964
cumulado com o artigo 4º9, incisos VI e IX, do mesmo diploma.
Inquestionável sua legalidade.
A Resolução nº 1.129, que instituiu o instituto objeto deste trabalho prevê, em seu primeiro inciso, sua cobrança por dia de
atraso no pagamento do débito, “além de juros de mora na forma
da legislação em vigor”. Há permissão expressa da cumulação
da Comissão de Permanência com os juros de mora.
5. A não potestatividade de cláusula fixando a Comissão de Permanência pela taxa de mercado: a súmula 294 do STJ
Com o advento do Código de Proteção e Defesa do Consumidor,
surgiu nova vexata quaestio relacionada à Comissão de Permanência. Seria a cláusula que a institui, nos contratos que encerram relação de consumo, potestativa?
Neste contexto, há quem afirme que a cobrança da Comissão de
Permanência nos contratos bancários, nos exatos termos da Resolução nº 1.129, isto é, calculada com base na taxa de mercado
no dia do pagamento, refletiria imposição unilateral da instituição
financeira, o que tornaria qualquer cláusula, neste sentido, abusiva, e, logo, nula de pleno direito, na forma do artigo 51, inciso
IV10, do Código de Proteção e Defesa do Consumidor.
Apesar de ainda haver certa controvérsia no âmbito dos Tribunais Estaduais, entendeu o E. Superior Tribunal de Justiça
pela não potestatividade destas cláusulas, editando, assim, a
súmula nº 294: “Não é potestativa a cláusula que prevê a
comissão de permanência, calculada pela taxa média do
Precedentes: REsp. 139.343/RS e REsp. 402.483/RS.
Lei 4.595/64. Art. 4º: “Compete ao Conselho Monetário Nacional, segundo diretrizes estabelecidas pelo Presidente da República (...) VI. Disciplinar o crédito em todas as suas modalidades e as operações
creditícias em todas as suas formas, inclusive aceites, avais e prestações de quaisquer garantias por parte das instituições financeiras; (...) IX. Limitar, sempre que necessário, as taxas de juros, descontos
comissões e qualquer outra forma de remuneração de operações e serviços bancários ou financeiros, inclusive os prestados pelo Banco Central da República do Brasil, assegurando taxas favorecidas
aos financiamentos que se destinem a promover (...).
10
Art. 51 do CPDC: São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que (...) IV. estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas,
que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade. (...) § 1º. Presume-se exagerada, entre outros casos, a vantagem que: I - ofende os princípios
fundamentais do sistema jurídico a que pertence; II - restringe direitos ou obrigações fundamentais inerentes à natureza do contrato, de tal modo a ameaçar seu objeto ou equilíbrio contratual; III - se mostra
excessivamente onerosa para o consumidor, considerando-se a natureza e conteúdo do contrato, o interesse das partes e outras circunstâncias peculiares ao caso.
8
9
7
mercado, apurada pelo Banco Central do Brasil, limitada à
taxa do contrato”11.
Não há que se falar em unilateralidade, pois a Comissão de Permanência é aferida pelo Banco Central do Brasil, com base na taxa
média de juros praticada no mercado pelas instituições financeiras
e bancárias, refletindo realidade do mercado de acordo com seu
conjunto e não isoladamente, pelo que não é o banco mutuante
que a impõe, derivando da política econômica do Estado, cujas
conseqüências são necessariamente experimentadas por todos
os participantes do Sistema Financeiro Nacional. Ademais, a préfixação da taxa relativa ao instituto poderia, em razão da constante
variação do cenário econômico nacional, importar em injustiça para
alguma das partes no negócio jurídico celebrado.
Nestes termos, não há qualquer ilegalidade na cobrança da Comissão de Permanência pela taxa de mercado vez que, além
de aceita pelo STJ, tal prática é expressamente autorizada e
determinada pela Resolução que a instituiu.
6. Conclusão
São inúmeras as questões que circundam o encargo objeto deste estudo, as quais, certamente não foram esgotadas. No entanto, dá-se continuidade a uma discussão que muitas vezes fica
esquecida, em razão da especificidade do tema. Apesar de usualmente utilizada, a Comissão de Permanência continua sendo
uma ilustre desconhecida do grande público e dos próprios operadores do Direito.
Não tendo sido identificados precisamente pela jurisprudência
os institutos aos quais é a Comissão de Permanência equiparada, tem restado bastante dificultada a discussão de sua cumulatividade ou não com os mesmos. Não obstante os verbetes
sumulares editados quanto ao assunto, não estão sedimentadas
as hipóteses de aplicação legal da Comissão de Permanência,
visto que, mesmo com sua devida introdução no ordenamento
jurídico, ainda existem aqueles que a entendem inaplicável.
Concluiu-se, no presente, pela similitude, em verdade, da Comissão de Permanência com os juros remuneratórios, ante o caráter de remuneração do capital. No entanto, diferem-se os dois
institutos quanto ao momento de incidência: enquanto os juros
remuneratórios, fixados quando da contratação, remuneram o
capital pelo período inicialmente avençado entre as partes, busca a Comissão de Permanência suprir o fenômeno imprevisto da
inadimplência ou da mora, remunerando o capital enquanto não
efetuado o pagamento pelo devedor.
Para verificação da correção na cobrança da Comissão de Permanência, deve-se analisar sua instituição de forma casuística,
tendo-se em mente a impossibilidade de ser o devedor cobrado duplamente, observando, então, qual o papel assumido pela
mesma em cada contrato, em cada cobrança.
Precedentes: AgRg no Ag 480269/RS; AgRg no REsp 390196/SP; AgRg no REsp 506650/RS; REsp 139343/RS; REsp 242392/RS; REsp 258682/RS; REsp 271214/RS; REsp 369069/RS; REsp 374356/
RS; REsp 442166/RS e REsp 493315/RS.
11
Comentários acerca do recurso
cabível em face da antecipação
de tutela ex officio na sentença
A leitura do art. 273, do CPC1 deixa extreme de dúvida que o
instituto nele previsto se consubstancia em uma técnica que permite a distribuição racional do tempo do processo.
No tocante à natureza jurídica da decisão que concede ou revoga a tutela antecipada, pode-se afirmar que a mesma possui o
caráter interlocutório, conforme se depreende também dos termos do próprio §5o do dispositivo em epígrafe, o qual declara:
“concedida ou não a antecipação da tutela, prosseguirá o processo até o final julgamento”.
A natureza interlocutória da decisão concessiva ou revocatória da tutela antecipada impõe, necessariamente, e como conseqüência lógica, que sua impugnação ocorra através de agravo de instrumento2.
Ocorre que, por não haver o diploma processual civil brasileiro
fixado expressamente o momento em que o juiz pode ou deve
8
proferir tal decisão,
bem como outras
conseqüências do recurso por ela desafiado, iniciaram diversos
Fernanda Tostes M. de Oliveira*
respeitados e [email protected]
mados juristas pátrios,
como, por exemplo, Luiz Fux, Cândido Rangel Dinamarco, Luiz
Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart, e outros, manifestando seus entendimentos, veiculados nos mais diversos meios,
dentre os quais livros de doutrina de sua autoria, um polêmico
embate acerca das inúmeras possibilidades de prestação da tutela jurisprudencial antecipatória do mérito, no intuito de conferir
efetividade à medida, que vem aos autos primordialmente para
satisfazer as expectativas dos litigantes, em especial os que in-
tegram o pólo ativo da demanda, que são estatisticamente os
mais beneficiados pelo provimento em tela3.
mesmo ato jurisdicional não iguala suas respectivas naturezas
nem os sujeita aos mesmos efeitos6.
Não obstante, a despeito de maiores considerações teóricas sobre
o tema, já é reconhecida a possibilidade de concessão da medida
no momento da prolação da sentença de mérito, finda a instrução
processual, a partir de uma cognição absolutamente exauriente e
não mais sumária dos elementos que compõem a demanda.
A partir da análise da dicção do artigo 520 do CPC7, faz-se possível verificar que da sentença que confirma a antecipação dos
efeitos da tutela cabe tão somente recurso de apelação em seu
efeito devolutivo.
Com efeito, na hipótese da antecipação de tutela concedida na
mesma ocasião da prolação da sentença, existe entendimento
atribuindo ao fenômeno um escopo diverso daquele preceituado no art. 273, do CPC, relacionando a medida ao art. 518, do
CPC4, na medida em que a referida antecipação corresponderia
ao recebimento do recurso de apelação pelo Juízo a quo, no
exame de admissibilidade do mesmo, tão somente no efeito devolutivo, fugindo à regra do duplo efeito.
Outrossim, há os que defendem, nesta hipótese, que o instituto
não se destina a antecipar efeitos meritórios, mas sim garantir a
plena efetividade da tutela jurisdicional, transportando a matéria
para a órbita do interesse público na credibilidade do EstadoJuiz, atendendo ainda ao determinado pela EC n.º: 45/04, a
qual promoveu à categoria de direito fundamental constitucional
a razoável duração do processo e a efetividade da prestação
jurisdicional que o Poder Público “entrega” à sociedade, em interpretação sistemática com o princípio da eficiência dos órgãos
públicos lato senso5.
In casu, a concepção que se faz do direito material objeto da antecipação de tutela é a da possibilidade de execução imediata - apesar
de provisória – do provimento antecipatório específico, a despeito
da interposição de recurso de apelação pela parte contrária.
Entretanto, mesmo no caso de concessão de antecipação de
tutela satisfativa de mérito no bojo da sentença, o instrumento
mais adequado a fim de buscar reverter a medida é o recurso de
agravo, uma vez que o fato de os provimentos constarem de um
Dessa forma, depreende-se que o recurso de apelação não
pode suspender a eficácia ou a “execução” da tutela antecipatória; motivo pelo qual, à vista da ratio legis, no mesmo sentido
quando a própria sentença vem a conceder, em seu bojo, originariamente, a antecipação de tutela, a simples interposição de
recurso de apelação objetivando a reforma de sentença proferida ao final da instrução processual, não obsta a eficácia ou a
“execução” da tutela antecipatória.
E não há que se alegar, nesse caso, a violação ao princípio da
unirrecorribilidade, uma vez que o periculum in mora, indispensável para a concessão da tutela antecipatória prevista no artigo
273, I, do CPC, em nada se coaduna com os fundamentos para
a procedência do pedido, assim como cada recurso desafia uma
decisão, apesar de ambos os provimentos recorridos restarem
apresentados dentro de um instrumento físico único.
Na hipótese sob análise, fala-se, materialmente, na existência,
no mesmo instrumento, de uma decisão interlocutória e uma
sentença; a primeira atacável por intermédio de agravo, e a segunda por meio de apelação.
Ademais, considerando que o agravo de instrumento é a via
adequada nos casos em que a decisão judicial gera imediato
prejuízo irreparável ou de difícil reparação, necessitando reexame imediato pelo tribunal (como é exatamente o caso da tutela antecipatória), mesmo na nova sistemática do processo civil
brasileiro, introduzida pela Lei n.º: 11.187, de 19 de outubro de
2005, afigura-se cabível o recebimento e processamento deste.
* Advogada associada à Goldberg & Vainboim Advogados Associados.
1
“Art. 273. O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança
da alegação e:
I – haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação; ou
II – fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu.
§1º. Na decisão que antecipar a tutela, o juiz indicará, de modo claro e preciso, as razões do seu convencimento.
§2º. Não se concederá a antecipação da tutela quando houver perigo de irreversibilidade do provimento antecipado.
§3º. A efetivação da tutela antecipada observará, no que couber e conforme sua natureza, as normas previstas nos arts. 588, 461, §§ 4º e 5º, e 461-A.
§4º. A tutela antecipada poderá ser revogada ou modificada a qualquer tempo, em decisão fundamentada.
§5º. Concedida ou não a antecipação da tutela, prosseguirá o processo até final julgamento.
§6º. A tutela antecipada também poderá ser concedida quando um ou mais pedidos cumulados, ou parcela deles, mostrar-se incontroverso.
§7º. Se o autor, a título de antecipação de tutela, requerer providência de natureza cautelar, poderá o juiz, quando presentes os respectivos pressupostos, deferir a medida cautelar em caráter incidental
do processo ajuizado.”
2
“A natureza jurídica do pronunciamento judicial (despacho lato sensu) que defere ou indefere, total ou parcialmente a antecipação de tutela vindicada pelo autor (...) é de decisão não-terminativa ou
incidente (interlocutória) – passível, portanto, do recurso de agravo -, uma vez que, como alude expressamente o dispositivo normativo ínsito no §5o do art. 273 do CPC, concedida ou não a antecipação
de tutela, prosseguirá o processo até final julgamento..”
FRIEDE, Reis. Tutela Antecipada, Tutela Específica e Tutela Cautelar, 6a ed. Forense. Rio de Janeiro: Forense, 2002, pp. 73-74. (favor modificar as outras referências. Assim é que a ABNT determina)
“O ato judicial que concede ou nega a tutela antecipada é decisão interlocutória e não sentença. Sequer seria necessária a explicitude do §5o do art.273, para saber-se que concedida ou não a antecipação
de tutela, prosseguirá o processo até o final julgamento’. Como decisão interlocutória que é (CPC, art. 162, §2o), este ato está sujeito ao recurso de agravo (art. 522), sendo manifesta a inutilidade do
agravo retido nesse caso.”
DINAMARCO, Cândido Rangel. A Reforma do Código de Processo Civil, 1a ed., Malheiros Editores, São Paulo, 1995, pp. 147-148.
“A decisão que concede ou denega a tutela antecipada comporta agravo; idem, quanto à que revoga ou modifica a tutela antecipada concedida.”
NEGRÃO, Theotônio. Código de Processo Civil e legislação processual em vigor, 34a ed., Ed. Saraiva, p. 358, nota 25 ao art. 273 do CPC.
“Quer na hipótese de concessão, quer na de denegação, o pronunciamento do juiz (...) é impugnável por meio de agravo (art .522). Naquela, como nesta, prossegue o feito em sua marcha ‘até final
julgamento’, isto é, até a sentença de mérito (...).”
MOREIRA, José Carlos Barbosa. O Novo Processo Civil Brasileiro, 22a ed., Ed. Forense, p. 88.
3
Neste sentido, adotando como base a concessão da tutela antecipada por fundado receio de dano, os posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais os quais buscam definir critérios para solucionar a
questão mencionam quase unanimemente os princípios da efetividade, utilidade e adequação do provimento.
4
“Art. 518. Interposta a apelação, o juiz, declarando os efeitos em que a recebe, mandará dar vista ao apelado para responder.”
5
FRIEDE, Reis. Tutela recursal antecipada. São Paulo, 1998, v. 87, n. 748, pp. 124-131 (Revista dos Tribunais).
6
ALMEIDA, Jose Eulalio Figueiredo de. Concessao do pedido da tutela antecipatoria na propria sentença.
Revista dos Tribunais, Sao Paulo, v. 89 , n.774,p. 94-107, abr. 2000.
7
“Art. 520. A apelação será recebida em seu efeito devolutivo e suspensivo. (...).”
9
Com relação aos requisitos básicos e essenciais à concessão
da medida em destaque, na forma do artigo 273, do diploma processual civil pátrio, tem-se que o dispositivo prevê taxativamente
que o juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou
parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial,
desde que, existindo prova inequívoca, convença-se da verossimilhança da alegação e haja fundado receio de dano irreparável
ou de difícil reparação; fique caracterizado o abuso de direito de
defesa, ou o manifesto propósito protelatório do réu.
No mais, preceitua o parágrafo 2º do mesmo dispositivo que,
não se concederá a antecipação da tutela quando houver perigo
de irreversibilidade do provimento antecipado.
Assim sendo, descabe cogitar-se a concessão de provimento
antecipatório quando não verificados estritamente os pressupostos legais em apreço, ou seja, quando concede o Juízo prolator da sentença de mérito, em primeiro grau, no bojo da própria
sentença, a antecipação de tutela, sem prévio requerimento da
parte, não deve prosperar a medida, tendo em vista que contra
legem, sob alguns aspectos os quais seguem.
A tutela antecipatória não pode ser concedida de ofício, sem que
tal decisão seja precedida de qualquer requerimento expresso
da parte interessada, sob pena de declaração de sua nulidade8.
Certo é concluir que, quando a parte interessada não faz requerimento expresso da concessão da antecipação dos efeitos da
tutela meritória, por óbvio não há que se falar em fundado receio
de dano irreparável ou de difícil reparação para a mesma.
devido processo legal, e muitos outros que norteiam e orientam
o ordenamento jurídico.
Referindo a uma comum justificativa doutrinária daqueles que
defendem a possibilidade de atuação espontânea do Juízo para
provimento antecipado sem o prévio requerimento da parte interessada9, mister se faz afastar o argumento da liberdade na utilização do poder geral, ou genérico, de cautela do magistrado que
atua na lide, sendo certo que, dentro dos limites à atuação estatal autorizados pela própria Carta Magna, tal poder existe para a
proteção do processo, resguardando a efetividade da prestação
jurisdicional, no sentido instrumental do instituto (por exemplo, as
medidas de coerção direta e indireta para efetivar o provimento:
multa, busca e apreensão de coisa, desfazimento de obras, requisição de força policial, etc.), e jamais de direito material/mérito
trazido à apreciação do Poder Judiciário pelas partes.
Diante da breve análise do tema, sem qualquer pretensão de esgotá-lo, observa-se que são várias as formas de interpretação do
instituto em estudo, o qual, a despeito dos pontos controvertidos
que encerra, certamente representa uma das maiores conquistas do direito processual civil brasileiro da atualidade, enquanto
mecanismo de maior agilidade processual de que se pode dispor
para alcançar a coisa litigiosa, denotando uma tendência cada
vez mais patente de abandonar-se a clássica movimentação processual formalista, complexa, burocrática e demorada.
A própria falta de requerimento da antecipação dos efeitos da tutela de mérito denota a ausência dos requisitos à concessão da
mesma, uma vez que a ratio legis, exteriorizando a mens legislatoris, exige a urgência em tal provimento; urgência esta somente
passível de aferição e identificação quando a parte a demonstra
e impulsiona uma célere prestação jurisdicional do órgão julgador
no sentido da proteção do bem jurídico da vida em litígio.
Ao contrário, quando a parte não veicula pedido expresso visando a antecipação de tutela, flagrante se afigura que não se
encontra a mesma em situação crítica, hábil à configuração de
status quo de urgência ou emergência, para a concessão da
medida antecipatória.
Nesta seara, é adequado afirmar que a antecipação ex officio
fere os princípios: dispositivo, da demanda, da correlação ou
congruência, da inércia do órgão jurisdicional, da imparcialidade
do juiz, da isonomia e igualdade processual entre as partes, do
“AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. NÃO O PODE O JUIZ DEFERI-LA DE OFÍCIO, MAS, SOMENTE A REQUERIMENTO DA PARTE. INTELIGÊNCIA DO ART. 273 DO CÓDIGO DE PROC. CIVIL. ALÉM DISSO, SENDO A TUTELA ANTECIPADA UM ADIANTAMENTO DA PRESTAÇÃO JURISDICIONAL DE MÉRITO NÃO PODE SER
CONCEDIDO O QUE NEM ESTÁ CONTIDO NO PEDIDO DA INICIAL. DECISÃO EXTRA PETITA. PROVIMENTO DO RECURSO.”
(Agravo de Instrumento n.º: 2005.002.29007 – Des. Sérgio Lúcio Cruz – Julgamento: 13/02/2006 – 15ª CC). (não se usa espaço entre notas de rodapé – tb. É regra da ABNT
“MEDIDA CAUTELAR OBJETIVANDO CONFERIR EFEITO SUSPENSIVO A RECURSO DE APELAÇÃO INTERPOSTO DE SENTENÇA, QUE CONFIRMOU A ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA. Se a tutela antecipada tivesse corretamente abrangido todo o objeto do processo, seria natural que a regra prevista no inciso VII do art. 520 do estatuto processual se aplicasse à apelação como um
todo, que apresentaria efeito apenas devolutivo. Entretanto, como foi concedida tutela antecipada de ofício quanto à devolução da quantia em dinheiro, referida antecipação de tutela não pode subsistir,
impondo-se que a apelação, conquanto única, tenha’ efeito suspensivo sobre essa parte da condenação. Procedência parcial do pedido.”
(Medida Cautelar Inominada n.º: 2005.014.00141 – Des. Cláudio de Mello Tavares – Julgamento: 26/04/2006 – 11ª CC).
“Tutela antecipada. Deferimento de ofício. Falta de amparo legal. Decisão teratológica. Compreensível o desejo do juiz em dar efetividade à sua decisão, mas isso deve ser feito dentro da legalidade
estrita. Agravo provido.”
(Agravo de Instrumento n.º: 2005.002.09132 – Des. Bernardo Moreira Garcez Neto – Julgamento: 20/09/2005 – 10ª CC).
9
LIMA, George Marmelstein. Antecipacao da tutela de oficio. AJURIS, Porto Alegre, v. 27 , n.86,p. 139-143, jun. 2002.
8
10
Repercussão geral das questões
constitucionais – novo requisito
de admissibilidade
do recurso extraordinário
N
a esteira da tão propagada reforma do Poder Judiciário,
que teve o seu nascedouro na Emenda Constitucional nº
45/2004, sobreveio a Lei 11.418 de 19 de dezembro de 2006,
publicada no DOU de 20 de dezembro de 2006 e com vacatio legis de 60 dias1, a fim de regulamentar o § 3º do art. 102
da Constituição Federal, que versa acerca da necessidade de
demonstração da repercussão geral da questão constitucional
como requisito de admissibilidade à interposição de Recurso
Extraordinário.
Em que pese parecer, à primeira vista, tal requisito de admissibilidade novidade no ordenamento jurídico, em verdade, o mesmo
já esteve presente à época da Constituição de 1969, perdurando
até o advento da Carta de 1988, sob a denominação de “argüição
de relevância”, época em que cabia ao STF, através de seu Regimento Interno, estabelecer limites às causas sujeitas a recurso
extraordinário, mais especificamente limites relativos à sua natureza, espécie ou valor. De toda sorte, tanto na época passada, assim como nos tempos modernos, a identificação da repercussão
geral persiste em manter-se sob o manto do subjetivismo.
Assim, o que ora se impõe ao recorrente não é apenas demonstrar
que determinado preceito constitucional foi contrariado, mas também
demonstrar que o enfrentamento da questão pela Corte Suprema se
impõe porque o reconhecimento da (in)constitucionalidade extrapolará os limites subjetivos da lide, refletindo em várias pessoas fora
dela, despertando, por conseqüência, interesse público.
ARRUDA ALVIM2, objetivando definir o conteúdo da expressão
“repercussão geral”, manifestou-se no sentido de que a mesma se refira a algo que “diga respeito a um grande espectro de
pessoas ou a um largo segmento social, uma decisão sobre assunto constitucional impactante, sobre tema constitucional muito
controvertido, em relação à decisão que contrarie orientação do
Supremo Tribunal Federal; que diga respeito à vida, à liberdade,
à federação, à invocação do princípio da proporcionalidade (em
relação à aplicação de texto ou textos constitucionais)”.
Nessa linha, a respeito da utilização de termos vagos na legislação,
vários doutrinadores compartilham do entendimento de que deve o
legislador outorgar maiores poderes àqueles que aplicam as leis,
através de normas
Andréa Maravilha Duarte*
com vasta possibilida- [email protected]
de de escolhas porque
despidas de definições de conduta, situações ou hipóteses, sendo
meio através do qual se permite afastar o que não é importante,
possibilitando a triagem do que é realmente importante.
Contudo, a Lei 11.418/06, ao definir o que deve ser considerado como repercussão geral, refere-se a questões relevantes do
ponto de vista econômico, político, social ou jurídico, outorgando
aos julgadores do STF faculdade extremamente ampla de dizerem o que é e o que não é questão constitucional relevante.
Nesse ponto, quanto ao aspecto vago da expressão “repercussão
geral”, ARRUDA ALVIM3 sustenta que “o que se passa, com tal noção é que ela deve ser objeto de decantação permanente, de que
resultará, com o tempo, mosaico rico e variegado de matizes”.
Em que pese o imediato inconformismo que vem à mente quando
nos deparamos com expressões, em textos legais, com tamanha
carga de vagüidade, é sabido, por outro lado, que a utilização de
termos de tal gênero pelo legislador não se mostra inédita, como se
extrai de expressões como “função social da propriedade” (art. 5º,
XXIIII, CRFB) ou como as expressões contidas no art. 1.228, §4º
do Código Civil, quais sejam: “extensa área”, “considerável número
de pessoas” e tiverem realizado, essas pessoas, “obras e serviços
considerados pelo juiz de interesse social e econômico relevante”.
Assim, o que poderá ser considerado relevante para o STF?
Poderá, muita das vezes, por motivos óbvios, ser considerada
a vontade do Poder Executivo, ou somente matéria de ordem
tributária, por exemplo.
Dessa forma, o perigo que ora se avizinha é o afastamento de
apreciação do STF de questões que, muito embora possam se
limitar a direitos subjetivos das partes de determinado litígio,
esteja-se permitindo afronta a garantias fundamentais como a
liberdade ou o devido processo legal, considerando-se controvérsias de esfera criminal, ou mesmo ofensa ao contraditório e à
ampla defesa nos demais campos do Direito.
* Advogada associada à Goldberg & Vainboim Advogados Associados.
1
A esse respeito, o Supremo Tribunal Federal, por votação unânime, acompanhando o entendimento do ministro Sepúlveda Pertence, referendou questão de ordem trazida ao Plenário, nos autos do Agravo
de Instrumento nº 664567, pela aplicação da exigência da repercussão geral de questões constitucionais às causas em geral, inclusive às criminais, somente a partir do dia 03 de maio de 2007, data em
que entrou em vigor a Emenda Regimental nº 21 (Regimento Interno do STF), alargando, assim, o prazo de vacância anteriormente previsto na lei.
2
ALVIM, Arruda. A Emenda Constitucional 45 e a repercussão geral. Revista de Direito Renovar, Rio de Janeiro, nº 31, p. 76, jan/abr. 2005.
3
Idem, fl. 92.
11
O que se pode extrair de todo este cenário é que somente com o
avançar do tempo e à medida que os casos sejam julgados, estes
representarão o enriquecimento da expressão e a decantação do
que se alberga sob o conceito vago de repercussão geral.
Diante de tudo que se apresenta, irretocáveis as palavras de J.J.
CALMON DE PASSOS5 ao transmitir sua indignação à exigência
da argüição de relevância à interposição de Recurso Extraordinário vigente até o ingresso da Carta Política de 1988, in verbis:
O que não se pode perder de foco é que qualquer afronta à Constituição da República, por si só, seja ela de que porte for, deve
ser considerada como questão relevante, sob pena de mitigação do direito constitucional de acesso à Justiça e conseqüente
configuração de prestação jurisdicional negativa, considerando,
principalmente, que quase todo o nosso Direito é constitucionalizado4, resultando, por fim, em um Estado ditatorial.
“Se toda má aplicação do Direito representa gravame ao interesse público na justiça do caso concreto (único modo de se
assegurar a efetividade do ordenamento jurídico), não há como
se dizer irrelevante a decisão em que isso ocorre...”
Por fim, existindo esse novo filtro apenas para a interposição de
Recurso Extraordinário, sem qualquer previsão semelhante para
a interposição de Recurso Especial, resulta na incongruente
conclusão de que uma violação a dispositivo constitucional inter
partes pode ser considerado irrelevante, ao passo que eventual
violação a dispositivo federal será sempre questão relevante.
E arremata o ilustre jurista asseverando que “não há injustiça irrelevante! Salvo quando o sentimento de Justiça deixou de ser exigência fundamental na sociedade política. E quando isso ocorre, foi o
Direito mesmo que deixou de ser importante para os homens”.
Esperamos, concluindo este estudo, que o Direito não deixe de
ser relevante em nossa sociedade.
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