2 - Revista Brasileira de Terapia Intensiva
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2 - Revista Brasileira de Terapia Intensiva
Volume 13 • nº 2 Abril/Junho 2001 ISSN 0103-507X NESTA EDIÇÃO Editorial Quão pouco, para tanto! Ventilação Mecânica Valor Preditivo dos Gases Arteriais e Índices de Oxigenação no Desmame da Ventilação Mecânica Pediatria Síndrome do Desconforto Respiratório Agudo em Crianças: Incidência, Mortalidade e Trocas Gasosas Revisão Acidose Metabólica na Insuficiência Renal Crônica Ensaio Um Conflito Onde Doar Não Significa Ganhar Pediatria Troponina I Cardíaca em Pediatria: atualização Artigo Original Prognostic Value of Blood Lactate and Apache II in Septic Patients Volume 13 - Número 2 - Abril/Junho 2001 Fundada em 1980 SUMÁRIO Diretoria para o Biênio 2000-2001 Presidente Cid Marcos Nascimento David Vice-Presidente Norberto Antonio Freddi 1º Secretário Roberto Lúcio de Gusmão Verçoza 2º Secretário José Maria da Costa Orlando 1º Tesoureiro Rosa Goldstein Alheira Rocha 2º Tesoureiro Marcelo Moock Associação de Medicina Intensiva Brasileira Rua Domingos de Moraes, 814 Bloco 2 – Conj. 23 Vila Mariana – CEP 04010-100 São Paulo – SP Tel.: (0xx11) 5575-3832 [email protected] Indexada na base de dados Lilacs Editorial Quão pouco, para tanto! Cleovaldo T. S. Pinheiro 49 Ventilação Mecânica Valor Preditivo dos Gases Arteriais e Índices de Oxigenação no Desmame da Ventilação Mecânica 50 Predictive Value of Blood Gas Analisys and Oxigenation Scores in Weaning of Mechanical Ventilation Anderson José, Elaine Cristina Dias, Vera Lúcia Alves Dos Santos, Paulo Antonio Chiavone Pediatria Síndrome do Desconforto Respiratório Agudo em Crianças: Incidência, Mortalidade e Trocas Gasosas Acute Respiratory Distress Syndrome in Children: Incidence, Mortality Rate and Gas Exchange José R. Fioretto, Giesela F. Ferrari, Sandra M. Q. Richetti, Flávio L. Moreira, Rossano C. Bonatto, Mário F. Carpi Revisão Acidose Metabólica na Insuficiência Renal Crônica Metabolic Acidosis in Chronic Renal Failure 63 William da Silva Neves & Horácio José Ramalho Ensaio Um Conflito Onde Doar Não Significa Ganhar A Conflict Where Donation Doesn’t Mean Profit A REVISTA BRASILEIRA DE TERAPIA INTENSIVA reservase todos os direitos, inclusive os de tradução, em todos os países signatários da Convenção PanAmericana e da Convenção Internacional sobre os Direitos Autorais. Os trabalhos publicados terão seus direitos autorais resguardados pela AMIB, que em qualquer situação agirá como detentora dos mesmos. 58 71 Mauro Luiz Kaufmann Pediatria Troponina I Cardíaca em Pediatria: atualização Antonio Carlos Arruda Souto, Werther Brunow de Carvalho Artigo Original PROGNOSTIC VALUE OF BLOOD LACTATE AND APACHE II IN SEPTIC PATIENTS Desanka Dragosavac, Sania Dragosavac, Elizabeth Bilevicius, Renato G.G. Terzi, Sebastião Araújo Volume 13 - Número 2 - Abril/Junho 2001 77 81 47 NORMAS PARA PUBLICAÇÃO NESTA REVISTA RBTI REVISTA BRASILEIRA DE TERAPIA INTENSIVA Editor Cleovaldo T. S. Pinheiro (RS) Secretário Luciano de Brito Editor Associado Werther Brunow de Carvalho (SP) Conselho Editorial Álvaro Réa Neto (PR) Antonio Nuno da Conceição (BA) Cid Marcos Nascimento David (RJ) Edson Stefanini (SP) Eliezer Silva (SP) Fernando Osni Machado (SC) Flávio de Barros Maciel (SP) Gilberto Friedman (RS) José Luiz Comes do Amaral (SP) José Luiz do Amorin Ratton (MG) José Raimundo de A. Azevedo (MA) Odin Barbosa da Silva (PE) Paulo César Ribeiro (SP) Paulo Gabriel Bastos (RJ) Paulo Sérgio S. Beraldo (DF) Rosane Goldweisser (RJ) Sayonara de Fátima F. Barbosa (SC) Vera Regina Fernandes (SC) Jornalista Responsável Marcelo Sassine - Mtb 22.869 Diretora de Arte Anete Salviano A Revista Brasileira de Terapia Intensiva é publicada trimestralmente (março, junho, setembro a dezembro) em um único volume anual, editada pela Associação de Medicina Intensiva Brasileira (AMIB) e destina-se a publicar artigos originais, conferências, editoriais, notas prévias, resumos selecionados, temas de atualização e de revisão, relatos de casos, notas sobre novas técnicas e novos aparelhos, condensação de teses, cartas ao editor e outras matérias concernentes à terapia intensiva e especialidades correlatas. Os textos devem ser inéditos, escritos preferencialmente em português. Serão aceitos os trabalhos escritos em inglês ou em espanhol, quando os mesmos forem realizados em serviços estrangeiros de língua inglesa ou espanhola, ou quando forem escritos por experts convidados. Todos os trabalhos deverão ser acompanhados de um Abstract (resenha condensada), necessariamente em inglês, com 150 a 300 palavras para artigos maiores, e até 150 para menores, a fim de oferecer aos leitores estrangeiros ampla idéia do tema estudado. O texto deve se fazer seguir de um resumo na língua em que foi escrito (resumo, summary, resumen). O texto deve ser digitado em espaço duplo e apresentado na seguinte ordem: Página de rosto, Título em inglês, Abstract, Key Words, Introdução (deve ser feita, mas o título “Introdução” deve ser omitido), Material e Métodos, Resultados, Discussão, Resumo, Unitermos, Agradecimentos, Referências, Tabelas, Figuras, Legendas das Tabelas e das Figuras. A Página de Rosto deve ocorrer: Título de artigo; Nome(s) do(s) autor(es) e respectivos títulos; Nome do Serviço ou Instituição em que foi realizado o trabalho; Nome e endereço do autor principal para correspondência (a sair publicado); Telefone do autor para contato com o editor de texto; Fonte de patrocínio (bolsas, subvenções, ofertas de produtos). Abaixo do resumo na língua em que foi escrito, enumerar, até um máximo de cinco, as palavras ou expressões indicativas do conteúdo do artigo (Unitermos), de preferência com base no Index Medicus, para maior facilidade na indexação. Os trabalhos deverão ser enviados em três vias e em disquete (sendo o texto salvo em Word, letra Times New Roman, tamanho 12 e espaço 1,5). Não deverão ultrapassar 15 páginas digitadas, salvo casos autorizados pelo Conselho Editorial. Esses trabalhos serão apreciados pelo Conselho Editorial que se reserva o direito de recusá-los e de fazer sugestões quanto à sua estrutura ou à sua redação. As Referências devem incluir o material estritamente necessário, realmente citado no texto. As revistas devem ser referidas de forma abreviada, segundo critérios internacionais. As citações no texto devem ser feitas por números índices, correspondendo às respectivas referências listadas por ordem cronológica, não-alfabética. Os livros devem ser referidos pelo autor, título, cidade-sede da casa editora, nome da casa editora, número da edição (a partir da 2ª), volume, ano da impressão, e páginas inicial e final citadas. Se se tratar de capítulo de livro, fazer constar: autor do capítulo, título do capítulo, a palavra In (grifada), dois pontos, nome dos editores indicando com a abreviação eds., título do livro (grifado), cidade da editora, nome da editora, nº da edição (a partir da 2ª), volume, ano da publicação, páginas citadas. Quando o artigo tiver mais de três autores deverão ser citados os três primeiros seguidos de et al. EXEMPLOS: Referências 1. Leppänieme A,Haapiainen R,Kiviluoto T, et al. Pancreatic trauma: acute and late manifastations. Br J Surg 1988; 75: 165-7. 2. Carter DC. Pancreatitis and the biliary tree: the continuing problem. Am J Surg 1988; 155: 10-7. 3. Buchler M, Malfertheiner P, Berger HG. Correlation of imaging procedures, biochemical parameters and clinical stage in acute pancreatitis. ln: Malfertheiner P, Ditschuneir H. eds. Diagnostic procedures in pancreatic disease. Berlin: Springer-Verlag 1986; 123-9. 4. Crystal RG. Interstitial lung disease. In: Wyngaarden JB, Smith LH. eds. Cecil textbook of medicine. Philadelphia: WB Saunders & Co., 18th ed., 1988; 421-35. Para fim desta Revista, tabelas e quadros correspondem à mesma coisa e são convencionados sob o nome Tabelas, numeradas em arábicos. Figuras, também em arábicos, incluem desenhos, fotografias, esquemas e gráficos. À margem de cada Tabela ou Figura, ou no verso, devem ser grafados a lápis sua numeração, título do trabalho e nome do autor, ou outras indicações que facilitem sua absoluta clareza. Cada Tabela e cada Figura devem estar montadas ou feitas em folhas separadas (uma para cada elemento) e também em disquetes. As legendas das Tabelas e das Figuras devem ser digitadas com claras indicações a que se referem. Esta Revista deve ser referida com as seguintes abreviações: Rev Bras Terap Intens. Capa ImageBank A correspondência para publicação deve ser endereçada para: Projeto Gráfico e Produção Editorial MWS Design Fone: (11) 3399-3028 www.mwsnet.com.br 48 RBTI - Revista Brasileira de Terapia Intensiva AMIB Rua Domingos de Moraes, 814 – Bloco 2 – Conj. 23 Vila Mariana – CEP 04010-100 – São Paulo – SP Tel.: (0xx11) 5575-3832 Email:[email protected] Volume 13 - Número 2 - Abril/Junho 2001 RBTI - Revista Brasileira Terapia Intensiva EDITORIAL Quão pouco, para tanto! E m recente artigo(1), o professor Thomas L. Petty descreve, com brilhante simplicidade e sinceridade, como a Síndrome da Angústia Respiratória Aguda foi descoberta e descrita. Ele e seu colega Dave G. Ashbaugh eram recém egressos de programas de fellowship e iniciaram suas carreiras acadêmicas, juntando-se à Faculdade de Medicina da Universidade do Colorado, através de uma oferta de US$2.500,00 para a compra de um aparelho de gasometria. A eles se juntaram mais dois fellows: Bernie E. Levine e D. Boyd Bigelow. Na ocasião, idos de 1964, receberam como local de trabalho um “laboratório” com pouco mais de oitenta metros quadrados, que possuía como facilidades uma pia, água corrente e a responsabilidade de formar o Serviço de Cuidados Respiratórios do novo Hospital Geral Colorado. Quão pouco, para tanto! Apesar disso, relata Petty ele cantou de alegria: “I can do blood gasses, tee-hee, tee hee”. Esse desafio não foi apenas bem sucedido, mas gerou um dos clássicos da Medicina da segunda metade do século passado.(2) Após ler o relato, lembrei-me da história que um antigo professor de microbiologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul contou-nos há alguns anos. Nas décadas de 30 e 40, quando um microbiologista encontrava suas culturas contaminadas com fungos, ficava enfurecido, pois essa contaminação impedia que suas colônias prosperassem. Flemming, pelo jeito, não se enfureceu, ao contrário, perguntou-se por que os fungos impediam o crescimento bacteriano e, com essa pergunta, descobriu uma nova era: a dos antibióticos. O que afinal esses dois fatos têm em comum? E que relação eles têm com um editorial da RBTI? Explico-me nos parágrafos que se seguem. É fato conhecido a baixa produção intelectual no Brasil, a despeito da proliferação de cursos de graduação e de pós-graduação por todos os lados. Nossas universidades caracterizam-se como formadoras de mão de obra, cuja qualidade pode ser severamente questionada também, e nunca como produtoras de conhecimento. Não é para menos que nunca tivemos indicações para prêmio Nobel em qualquer área científica, e ao que parece, tão cedo não teremos, enquanto a Argentina, nossa vizinha e eterna rival, já abocanhou um em Fisiologia com o Professor Houssay. Esses fatos refletem-se diretamente nas tentativas de publicações técnico-científicas — seus editores que o digam — sempre carentes de material de boa qualidade. O que nos falta? Curiosidade para formulação de questões de pesquisa? Falta de metodologia para tentar resolver nossa curiosidade acadêmica? Timi- Volume 13 - Número 2 - Abril/Junho 2001 dez? Um pouco de tudo? Talvez o déficit seja de um pouco de tudo. Escondemonos atrás da desculpa da eterna falta de recursos, mas como podemos ver, foi com muito pouco que o grupo de Petty conseguiu tanto, e com a observação de um fato banal por todos conhecidos que Flemming descobriu a penicilina. Na realidade a genialidade está em saber formular as perguntas certas e buscar os porquês adequados. Trabalhos epidemiológicos, tão raros em nosso meio, precisam muito pouco mais do que idéias, método, papel, lápis e disposição. Temos recebido para a publicação muitos artigos de revisão e relatos de casos. Não que tais assuntos não sejam relevantes. Às vezes até o são. Os relatos de caso se justificam em situações raras ou exóticas, mas não é o que se tem observado. Às vezes, a raridade fica expressa apenas pela surpresa do autor que desconhecia o assunto anteriormente. Da mesma forma, a publicação de experiência pessoal pouco acrescenta se não for algo muito consistente e de um serviço de ponta. Revisões, por outro lado, são produto — ou pelo menos deveriam ser — de experts, geralmente convidados pelo corpo editorial da revista. Temos recebido revisões realizadas por acadêmicos, todavia... Dizer-se, por outro lado, que os membros da AMIB não possuem produção científica suficiente para a edição de uma revista de bom nível também não é verdade. Inúmeros são professores universitário e professores de pós-graduações, seu orientandos, com certeza, possuem trabalhos, que são subprodutos de suas teses e dissertações que mereceriam ser publicados. Por que não utilizá-los na RBTI? Por ocasião do último exame para obtenção do título de especialista, tive a oportunidade de revisar algumas monografias de postulantes. Algumas são excelentes. Por que não utilizá-las na RBTI? Para esse propósito, já encaminhamos uma solicitação à Comissão de Formação de Intensivistas da AMIB. Concluindo, o que mais precisamos são artigos que testem hipóteses; somente desta maneira teremos uma publicação de peso e que se equipare, na pesquisa, o nível já alcançado na parte assistencial. Dr. Cleovaldo T. S. Pinheiro Editor Chefe CITAÇÕES BIBLIOGRÁFICAS 1. Petty TL. In the cards was ARDS (How we discovered the Acute Respiratory Distress Syndrome). Am J Respir Crit Care Med 2001;163:602-3. 2. Ashbaugh DG, Bigelow DB, Petty TL, et al. Acute respiratory distress in adults. Lancet 1967; 2:319-23. 49 RBTI - Revista Brasileira Terapia Intensiva VENTILAÇÃO MECÂNICA Valor Pr editivo dos Gases Arteriais e Preditivo Índices de Oxigenação no Desmame da Ventilação Mecânica Predictive Value of Blood Gas Analisys and Oxigenation Scores in Weaning of Mechanical Ventilation Anderson José*, Elaine Cristina Dias**, Vera Lúcia Alves Dos Santos***, Paulo Antonio Chiavone**** Abstract Wean is the transitional process between mechanical ventilation and spontaneous breathing. There are specific scores that can be used to indicate the exactly moment for weaning. They are objetive and precise indicating the error possibility related to the moment of weaning. They mesure different physiologic functions, letting you determine the causes of mechanical ventilation dependence. Our goal is to verify if the bood gas analisys and oxigenation scores could predict the sucess in weaning a patient from mechanical ventilation. The data used in the analysis and scores’ calculation are based on arterial blood gases and parameters obtained during the day of extubation. The analyzed data are: oxygen arterial pressure (PaO2), oxygen ideal arterial pressure (PaO2i), difference between PaO2 and PaO2i, carbon dioxide arterial (PaCO2), oxygen arterial saturation (SaO2), alveolus-arterial oxygen difference (P(A-a)O2), FiO2, PaO2/ FiO2 ratio, PaO2/PAO2 ratio and breathing score. 101 subjects were studied, with the average age of 49,5 ± 19 years, 59,4% men and 40,6% womem. The weaning success was 71% in the studied subjects. The sensibility, especificity, positive preditive value and negative predictive value were respectively: PaO2: 0,93; 0,14; 0,73; 0,44; PaO2-PaO2i: 0,89; 0,17; 0,73; 0,39; PaCO2: 0,97; 0,03; 071; 0,33; FiO2: 0,78; 0,21; 0,71; 0,27; P(A-a)O2: 0,14;0,86; 0,71; 0,29; PaO2/FiO2: 0,88; 0,10; 0,71; 0,25; PaO2/PAO2: 0,50; 0,59; 0,75; 0,32; IR: 0,64; 0,28; 0,69; 0,24; SaO2: 0,97; 0,00; 0,71; 0,00. In summary, none of the data and studied scores were associated to the success or unsuccess of weaning. Key Words: Predictive scores, weaning, mechanical ventilation, arterial blood gas, oxigenation scores. *Fisioterapeuta do serviço de terapia intensiva da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, supervisor do curso de especialização livre em fisioterapia respiratória **Fisioterapeuta do serviço de terapia intensiva da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, supervisora do curso de especialização livre em fisioterapia respiratória ***Chefe do Serviço de Fisioterapia Respiratória da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo ****Chefe de clínica adjunto e Diretor do Serviço de Terapia Intensiva da Santa Casa de São Paulo INSTITUIÇÃO: Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo – Serviço de Terapia Intensiva Autor Principal: Anderson José. Rua Porto Sabaúna, 266 – Vila Alpina – São Paulo/SP – CEP 03206-000. E-mail: [email protected] Telefone: (0xx11) 69l2-4142 e 69l1-4620 50 O desmame da ventilação mecânica é o processo em que o suporte ventilatório é retirado do indivíduo, lenta ou rapidamente, até que este possa assumir a sua ventilação normal, sem a necessidade de uma prótese ventilatória. O II Consenso Brasileiro de Ventilação Mecânica, o define como sendo o processo de transição da ventilação mecânica para a ventilação espontânea (1). A maioria dos pacientes submetidos ao suporte ventilatório mecânico pode ser fácil e rapidamente retirada do ventilador assim que a condição responsável pela instituição da ventilação artificial for tratada ou estabilizada. A dificuldade no desmame do ventilador mecânico reside em cerca de 5% a 30% dos indivíduos que não conseguem ser removidos do ventilador numa primeira ou segunda tentativas consecutivas, geralmente correspondendo à um grupo particular de pacientes com patologia pulmonares prévias, cardiopatias, grandes cirurgias abdominais ou torácicas, com tempo prolongado de ventilação mecânica, disfunção de múltiplos órgãos ou ainda doenças neurológicas e debilitantes. É justamente nesses casos que se faz necessário um perfeito entendimento de todos os fatores ligados ao sucesso ou insucesso de um desmame, assim como uma boa familiaridade com as novas técnicas ventilatórias e programas de treinamento muscular (1, 2). O desmame da assistência ventilatória mecânica até a respiração espontânea é um período importante para o paciente, tanto sob o aspecto fisiológico quanto psicológico (3). A monitorização respiratória de pacientes graves à beira do leito é de fundamental importância. Esta dá-se em diversos estágios, dentre eles, na recuperação da insuficiência respiratória e durante o desmame da ventilação mecânica, procurando variáveis fisiológicas que irão prever o sucesso ou não do desmame. No caso de insucesso, a monitorização auxiliará no entendimento da causa da falha do desmame e na proposta de terapêutica adequada para sua boa evolução (4). Volume 13 - Número 2 - Abril/Junho 2001 RBTI - Revista Brasileira Terapia Intensiva Embora exista a possibilidade de profissionais experientes preverem em muitos casos o sucesso de uma tentativa de desmame da ventilação mecânica, é adequada a utilização de índices que possam avaliar de forma objetiva, o mais precoce e com menor possibilidade de erro o momento indicado para isso. Os índices habitualmente utilizados mensuram diferentes funções fisiológicas como a oxigenação, a mecânica ventilatória e a complacência torácica, podendo inclusive oferecer informações sobre as causas da dependência do ventilador (5). A oxigenação arterial pode ser expressa tanto pela pressão arterial parcial de oxigênio (PaO2), como pela saturação arterial da hemoglobina (SaO2). A PaO2 é a medida da pressão parcial do oxigênio dissolvido no plasma do sangue arterial e pode ser medida em mmHg, sendo também o mais importante determinante da saturação da hemoglobina. Valores normais encontram-se acima de 80 mmHg. A PaO2 pode sofrer alterações em função da idade e dos distúrbios entre ventilação e perfusão. Seus valores normais relacionados à idade são dados pela fórmula de Sorbini, onde: PaO2 = 109 – (0,43 x idade) (4,6). A saturação de oxigênio é a medida da quantidade deste gás ligado à hemoglobina. É expressa como valor percentual, sendo que sua faixa normal situa-se entre 90% a 96% (4,6). Para a progressão de um desmame, a PaO2 deve ser > 80 mmHg, para indivíduos respirando com uma fração inspirada de oxigênio (FiO2) de 40% ou menos e com pressão expiratória final positiva (PEEP) menor ou igual à 5 cm/H2O (2,7,8). A pressão parcial de oxigênio no alvéolo (PAO2) é diferente da pressão parcial do oxigênio no ar atmosférico, devido ao fato de a concen- tração de outros gases componentes desta mistura serem também diferentes no ar alveolar. A soma de todas as pressões parciais dos gases presentes no ar alveolar deve igualar-se à pressão atmosférica, que, ao nível do mar é de 760 mmHg. Aumentos na FiO2 resultam em acréscimos na PAO2 e, alterações na PaCO2 afetam diretamente a PAO2. Considerando-se a presença de dióxido de carbono presente no gás alveolar, temos a equação simplificada do ar alveolar: PAO2 = (Pb-PH2O) x FiO2 – (PaCO2/R) (2,6,7,9). Onde: Pb = pressão barométrica (700 mmHg em São Paulo) PH2O = pressão de vapor d’água (= 47 mmHg a 370 ) R = quociente respiratório (=0,8) PaCO2 = pressão arterial de CO2 O gradiente alvéolo-arterial de oxigênio (P(A-a)O2) é uma das medidas capazes de avaliar a eficiência das trocas gasosas ao nível pulmonar. O valor normal da diferença alvéolo arterial de oxigênio após 20 minutos de oxigênio a 100% está situado em que entre 30 e 100 mmHg. A elevação desse gradiente acima de 100 mmHg sinaliza difusão anormal de O2 para o capilar pulmonar. Valores acima de 300 mmHg refletem desvio (“shunt”) pulmonar elevado com grave hipoxemia (3, 6). Em indivíduos normais, o P(Aa)O2 é inferior a 10 mmHg, aumentando até 30 mmHg com a idade. O maior fator limitante desse índice é a sua imprevisibilidade com relação à mudanças na FiO2, limitando a sua aplicabilidade clínica aos pacientes graves (4, 7, 8, 10). Elevações no gradiente alvéolo arterial de oxigênio indicam falência respiratória instalada ou incipiente (11). Pelo fato do gradiente alvéoloarterial de oxigênio não ter uma boa correlação com o grau de shunt pul- Volume 13 - Número 2 - Abril/Junho 2001 VENTILAÇÃO MECÂNICA monar a ser afetada por diversos fatores extra pulmonares, podemos utilizar o índice respiratório, que é traduzido pela seguinte fórmula: IR = P(A-a)O2 / PaO2. Seus valores normais situam-se entre 0,74 e 1,0. Níveis superiores a 2 refletem hipoxemia refratária e shunt pulmonar elevado (6, 7). A relação entre a pressão arterial de oxigênio e a pressão alveolar de oxigênio (PaO2/PAO2) oferece uma abordagem razoável para a estimativa do shunt pulmonar, pois é mais constante que o P(A-a)O2 em condições de FiO2 crescentes. Seu valor normal varia de 0,74 a 0,90. Valores abaixo de 0,6 indicam trocas gasosas ineficazes (6, 7, 8), constituindo um índice preferível no paciente grave, podendo prever a PaO2 esperada quando ocorrem alterações na FiO2 (4). A relação entre a pressão arterial de O2 e a fração inspirada de O2 (PaO2/FiO2), contrariamente ao índice respiratório e relação PaO2/ PAO2, não requer o cálculo do P(Aa)O2, sendo de utilização prática à beira do leito. Em indivíduos normais deve exceder a 200 independente da FiO2 utilizada, valores abaixo de 200 sugerem hipoxemia resultante de distúrbios ventilação/ perfuração e shunt maior que 20% (6, 7, 8). A ventilação mecânica encontra sua indicação na insuficiência respiratória, estabelecia ou profilática, decorrente de alterações da função pulmonar, da mecânica ventilatória e das trocas gasosas; os parâmetros considerados de maior aplicabilidade e os indicadores da falência ventilatória são a PaO2, PaCO2, P(A-a)O2 e PaO2/FiO2 (12). A análise dos gases arteriais e os índices de oxigenação então determinam a condição respiratória insuficiente e, consequentemente, a instituição da ventilação mecânica. Portanto, a normalida- 51 VENTILAÇÃO MECÂNICA de destes dados deveria determinar a falta de indicação da ventilação mecânica e a sua interrupção. A análise dos gases arteriais e os índices de oxigenação são utilizados com o objetivo de verificar se a oxigenação encontra-se ou não em níveis adequados. São utilizados também como indicadores do desmame da ventilação mecânica e como condição de pré desmame (1). Porém permanece controversa esta segunda indicação. Este estudo tem como objetivo verificar se a análise dos gases arteriais e os diversos índices de oxigenação podem prever o sucesso ou o insucesso de um desmame da ventilação mecânica. MATERIAL E MÉTODOS Foram estudados indivíduos internados no Serviço de Terapia Intensiva (STI) da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, no período de janeiro à novembro de 2000, submetidos à ventilação mecânica invasiva através de cânula de intubação orotraqueal ou nasotraqueal. Estes indivíduos necessitam de assistência ventilatória mecânica devido à um quadro de insuficiência respiratório de etiologia diversa. A técnica de desmame utilizada em todos os indivíduos incluídos neste estudo foi a mesma. Após o indivíduo ter sido considerado apto ao desmame, através de uma decisão clínica multidisciplinar, diminuía-se gradativamente a frequência respiratória da ventilação mandatória intermitente sincronizada (SIMV) concomitantemente com a diminuição do platô inspiratório da ventilação por suporte pressórico (PSV). Quando a frequência respiratória encontrava-se menor ou igual a quatro, alterava-se o modo ventilatório para PSV, sempre mantendo-se o nível de PEEP ade- 52 RBTI - Revista Brasileira Terapia Intensiva quado ao indivíduo; o nível da PSV era então diminuído gradativamente de acordo com as condições ventilatórias de cada paciente até atingir o nível de 10 cmH2. A PEEP era então diminuída gradativamente até o nível de 5 cmH2O. O indivíduo que encontrava-se nestes parâmetros e que apresentasse condições clínicas e ventilatórias favoráveis, era extubado. Os pacientes recém-extubados eram colocados em nebulização de oxigênio através de máscara facial ou máscara de venturi, para que SaO2 permanecesse acima de 92%. Caso houvesse indicação clínica, era prescrito inaloterapia com a utilização de soro fisiológico (solução de cloreto de sódio a 0,9%) associada à broncodilatadores e/ou mucolíticos. Caso, após a extubação imediata ou tardia, os indivíduos apresentassem sinais clínicos de desconforto respiratório, como por exemplo: sudorese, traquipnéia, dispnéia, taquicardia, evidência radiológica de áreas de atelectasia, hipoxemia ou hipercapnia constatada por gasometria arterial, tiragem intercostal, uso de musculatura respiratória acessória ou episódios de broncoespasmo, estes pacientes eram submetidos à técnicas de ventilação não invasiva (VNI). Os pacientes, cujo quadro acima descrito, não fosse revertido ou controlado ou que apresentaram instabilidade hemodinâmica ou neurológica, eram prontamente reintubados e novamente submetidos à ventilação mecânica invasiva. O sucesso do desmame foi estabelecido como sendo a não necessidade do indivíduo extubado em ser submetido novamente à ventilação mecânica, até 48 horas após a extubação. O insucesso no desmame foi determinado caso o indivíduo fosse re-intubado, per- manecesse dependente da VNI após a extubação ou fosse submetido à traqueostomia devido à um tempo prolongado de intubação e sucessivas falhas no desmame (13, 14, 15, 16). Os dados utilizados para a análise e para o cálculo dos índices, basearam-se na gasometria arterial e parâmetros ventilatórios obtidos durante o dia de extubação. Caso o indivíduo não tenha evoluído para a condição de extubação, os dados analisados foram obtidos durante o dia da realização da traqueostomia. Os gases arteriais analisados e os índices calculados foram: pressão arterial de oxigênio (PaO2), pressão arterial de oxigênio ideal (PaO2i), diferença entre PaO2 e PaO2i, pressão arterial de dióxido de carbono (PaCO2), saturação arterial de oxigênio (SaO2), gradiente alvéolo-arterial de O2 (P(A-a)O2), FiO2 utilizado na ventilação mecânica, relação PaO2/FiO2, relação PaO2/PAO2 e índice respiratório (IR). Os indivíduos foram incluídos no estudo somente uma vez, mesmo que estes indivíduos tivessem um histórico de várias extubações e re-intubações. Foram excluídos do estudo: indivíduos que apresentavam uma PEEP maior que 5 cmH2O no momento da extubação e indivíduos nos quais se utilizou outras técnicas de desmame, como o “tubo T”, CPAP ou BiPAP. Os ventiladores mecânicos utilizados foram os modelos Bird 6400 (Bird Products Corporation, USA), Puritan Bennett 7200 (Puritan Bennett Corporation, USA), Bear Medical Systems, Inc., USA), Evita S e Evita 2 (Drager Inc., Germany). Foram utilizados para a análise da significância estatística o teste do qui-quadrado e o teste exato de Fisher, estabelecendo-se uma significância de 0,05. Calculou-se um in- Volume 13 - Número 2 - Abril/Junho 2001 RBTI - Revista Brasileira Terapia Intensiva VENTILAÇÃO MECÂNICA Tabelas 1. Resultados Índice Sensibilidade (IC) Especialidade VPP(IC) VPN(I) PaO2 0,93 (0,84-0,97) 0,14(0,05-0,33) 0,73 (0,62-0,81) 0,44(0,15-0,77) PaO2-PaO2i 0,89 (0,79-0,95) 0,l7 (0,07-0,37) 0,73 (0,62-0,81) 0,39 (0,15-0,68) PaCO2 0,97 (0,89-0,99) 0,03 (0,02-0,20) 0,71 (0,61-0,80) 0,33 (0,02-0,88) FiO2 0,78 (0,66-0,86) 0,21 (0,09-0,40) 0,71 (0,59-0,80) 0,27 (0,12-0,50) D(A-a)O2 0,14 (0,07-0,25) 0,86 (0,67-0,96) 0,71 (0,42-0,90) 0,29 (0,20-0,40) PaO2/FiO2 0,88 (0,77-0,94) 0,10 (0,03-0,29) 0,71 (0,60-0,80) 0,25 (0,07-0,57) PaO2/PAO2 0,50 (0,38-0,62) 0,59 (0,39-0,76) 0,75 (0,60-0,86) 0,32 (0,20-0,46) IR 0,64 (0,52-0,75) 0,28 (0,13-0,48) 0,69 (0,56-0,79) 0,24 (0,11-0,42) SaO2 0,97 (0,89-0,99) 0,00 (0,00-0,15) 0,71 (0,61-0,79) 0,00 (0,00-0,80) (IC = intervalo de confiança; VPP = valor preditivo positivo; VPN = valor preditivo negativo) tervalo de confiança de 95% para as estimativas de sensibilidade, especificidade, valor preditivo positivo e valor preditivo negativo. RESULTADOS Foram estudados 101 indivíduos, com a média de idade de 49,5 ± 9 anos, variando entre 14 a 88 anos, sendo 60 (59,4%) do sexo masculino e 4l (40,6%) do sexo feminino. A média de dias de intubação orotraqueal foi de 6 ± 8 dias. O diagnóstico foi diversificado, constituindo-se de 65% de casos cirúrgicos e 35% de casos clínicos. O sucesso do desmame da ventilação mecânica ocorreu em 71% dos indivíduos estudados, e 29% evoluíram com insucesso no desmame. A ventilação não invasiva foi utilizada em 51% dos indivíduos extubados, e não necessitou ser utilizada ou foi contra indicada em 49% dos indivíduos. Nenhum dos dados e índices estudados se mostrou associado estatisticamente ao sucesso ou insucesso do desmame da ventilação mecânica.Os resultados que avaliam a capacidade da análise dos gases arteriais e índices de oxigenação como indicadores do prognóstico de sucesso no desmame podem ser observados na tabela 1. DISCUSSÃO Quanto ao índice de sucessos ou insucessos no desmame, uma breve revisão na literatura, mostra flutuações consideráveis situando os números de insucesso entre 11% a 44% dos pacientes internados em uma unidade de terapia intensiva (14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21). Fazendo-se uma média dos números encontrados por estes autores, obtém-se 28%. Em nosso estudo encontramos um índice de insucesso no desmame em 29% dos indivíduos estudados. Diversos parâmetros, índices e sistemas de pontuações (escores) têm sido analisados com a finalidade de se tentar prever o sucesso ou insucesso de um desmame, porém poucos apresentam poder preditivo satisfatório e a maioria possui falta de acurácia (22, 23, 24, 25, 26, 27). O desempenho destes índices pode ser acompanhado na tabela 2. Os indivíduos que são considerados aptos ao processo de desmame, devem satisfazer algumas exigências gasométricas, como possuírem a PaO2/FiO2>200 mmHg, o P(A-a)O2 em 100% de O2 < 350 mmHg, a SaO2 > 90% com FiO2 < 0.4, e a PaO2 > 60 mmHg com uma FiO2 de 0,4 (1, 2). Porém, estes dados e muitos outros propostos e Volume 13 - Número 2 - Abril/Junho 2001 mostraram muito aquém do desejável como parâmetros para uma predição correta do sucesso ou insucesso de um desmame. Diversos estudos estão demonstrando que a análise dos gases arteriais, incluindo o potencial de hidrogênio (pH) e os índices de oxigenação, não são capazes de preverem o prognóstico de um desmame, tornando-os um mau preditor (18, 20, 27, 28, 29,30). Em nosso estudo esta afirmativa mostrou-se verdadeira. A análise dos gases arteriais e os diversos índices de oxigenação pesquisados não demonstrou capacidade de prever com segurança mínima o prognóstico de um desmame, carecendo de sensibilidade, especificidade e apontando um valor preditivo tanto positivo quando negativo insuficientes. A maioria dos índices por nós estudados, como a PaO2, a PaO2PaO2i, PaCO2, PaO2/FiO2 e a SaO2, comportou-se de maneira semelhante, apresentando uma boa sensibilidade, porém o valor preditivo positivo em nenhum momento superou 73%. Por outro lado, a especificidade destes índices ficaram aquém do esperado, bem como os seus valores preditivos negativos. Isto nos deixa claro que, com as 53 RBTI - Revista Brasileira Terapia Intensiva VENTILAÇÃO MECÂNICA Tabela 2. Índices Preditivos – Revisão Bibliográfica Índice Sensibilidade Especificidade VPP VPN Referência PaO2/FiO2 0,81 0,29 0,59 0,53 (30) F/Vt 0,97 0,64 0,78 0,95 (30) f/Vt 0,92 0,57 0,87 0,67 (40) f/Vt 1,00 0,25 0,60 A/E (53) f/Vt 1,00 0,27 0,69 l,00 (62) f/Vt 0,98 0,59 0,83 0,94 (41) pHi 1,00 1,00 1,00 1,00 (62) Pimáx l,00 0,11 0,59 1,00 (30) Pimáx 1,00 0,09 0,64 1,00 (62) Pimáx 0,90 0,26 0,67 0,60 (41) Score de Gluck 1,00 0,91 0,83 1,00 (53) Espaço Morto (VD/VT) 0,40 0,73 0,40 0,73 (53) Complacência estática 1,00 0,66 0,66 0,89 (53) Complacência estática 0,75 0,36 0,60 0,53 (30) Complacência dinâmica 0,72 0,50 0,65 0,58 (30) Resistência 1,00 0,30 0,50 A/E (53) Volume Minuto 0,79 0,32 0,67 0,48 (41) Volume Minuto 0,78 0,18 0,55 0,38 (30) WOB 1,00 0,80 A/E A/E (23) CROP 0,81 0,57 0,71 0,70 (30) (VPP = valor preditivo positivo; VPN = valor preditivo negativo) modernas técnicas de oxigenoterapia e ventilação não invasiva intensiva, podemos obter sucesso no desmame de indivíduos com os gases arteriais em níveis abaixo do esperado. O mesmo se aplica a outros índices estudados (FiO2, PaO2/PAO2 e IR) com um agravante: nestes índices, ao contrário dos demais, os testes se apresentaram insensíveis. O P(A-a)O2 comportou-se de maneira inversa, apresentando uma baixa sensibilidade, boa especificidade, mas, como os outros índices, sem valor preditivo positivo ou negativo satisfatórios. O diagnóstico da insuficiência respiratória e os critérios para instituição da ventilação mecânica baseiam-se principalmente na análise 54 dos gases arteriais (12). Porém, se pr um lado, a ventilação mecânica é instituída de acordo com uma troca gasosa ineficaz diagnosticada pela gasometria arterial, o sucesso da sua retirada, de acordo com nossas pesquisas e de outros autores, pouco depende dela. A análise da dinâmica ventilatória tem se mostrado como um dos mais importantes dados a serem analisados em um indivíduo dentro de um protocolo de desmame, como pode-se constatar através do índice que relaciona a frequência respiratória e volume corrente (f/Vt), cujos resultados como índice preditor do desmame são satisfatórios (21, 30, 31, 37, 38, 39, 40, 41, 42, 43). A monitorização baseada apenas nos gases arteriais e na avaliação das trocas gasosas, têm sido alvo de diversas críticas. Estas análises não fornecem informações contínuas, e mudanças súbitas podem ser omitidas entre dois resultados. A gasometria arterial e os índices de oxigenação, por si só, não permitem o entendimento da fisiopatologia do processo envolvido. A gasometria arterial sofre influências não só de mudanças na ventilação, como também de fatores extrapulmonares, não possuindo especificidade nem sensibilidade suficientes para medir precocemente as alterações na eficácia das trocas gasosas pulmonares. O fato mais relevante neste caso é que a deterioração dos gases arteriais ocorre relativamente tarde no desenvolvimento da insuficiência respiratória (4). Volume 13 - Número 2 - Abril/Junho 2001 RBTI - Revista Brasileira Terapia Intensiva Particularidades especiais da fisiopatologia da doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) devem ser avaliadas com critério. A aferição da retenção de CO2 em indivíduos portadores de DPOC merece maiores estudos, mas pode ser um interessante preditor do sucesso do desmame, porém sem efeito preditor em outros indivíduos (31, 32, 33). Este entusiasmo não encontrou defensores em outros estudos em que se concluiu que os gases arteriais não demonstravam diferenças entre um grupo que foi desmamado com sucesso e outro com insucesso, todos portadores de DPOC (29). Outros parâmetros que merecem maiores estudos quando se trata do desmame de indivíduos com DPOC é a resistência da via aérea e o PEEP intrínseco (PEEPi), que parecem possuir algum efeito preditivo para estes indivíduos, mas sem este efeito em outros que não são portadores de DPOC (31). A busca por um índice preditor do desmame da ventilação mecânica satisfatório tem sido intensa. A maioria tem se demonstrado ineficaz no seu objetivo, com pouca sensibilidade, especificidade, altos valores de falso positivos e negativos. Dentre os índices e parâmetros pouco eficazes em sua previsão podese citar: • Complacência estática ou dinâmica (27, 30, 34, 46, 53) • Resistência (l8, 46, 53) • taquipnéia avaliada isoladamente (27, 35) • espaço morto (35, 53) • relação entre o tempo inspiratório e o tempo total (Ti/Ttot) (35) • Pressão inspiratória máxima (Pimáx) (20, 30, 31, 36, 37, 41, 62) • Volume Minuto (VE) (30, 37, 41) • Padrão respiratório (29) • CROP (30) Porém, alguns poucos índices tem demonstrado uma capacidade preditiva satisfatória, dentre eles estão: • Relação f/Vt (21, 30, 31, 37, 38, 39, 40, 41, 42, 43, 62) • Trabalho respiratório (WOB) (23, 45, 47, 48) • Pressão de oclusão no primeiro décimo de segundo (PO,1) (18, 29, 35, 49, 50) • Índice pressão-tempo (IPT) (31, 39) • Relação PO,1/Pimáx (18, 37, 43) Há alguns poucos trabalhos que divergem da maioria, como um estudo que não encontrou significância na medida do PO,1 (37), um trabalho que encontrou significância na Pimáx (27), e alguns estudos que não encontraram poder preditivo na relação f/VT (27, 44). Há também uma tendência em se combinar diversos índices e parâmetros para se formar um escore ou uma equação, que, em alguns casos, tem se mostrado eficaz, estes partem do princípio que a utilização de um escore de pontuação pode prever com superioridade o sucesso ou insucesso de um desmame quando comparado aos índices avaliados isoladamente (25, 37, 51, 52, 53) Alguns outros índices tem sua acurácia ainda discutida ou são motivo de polêmica, merecendo maiores estudos: • Consumo de oxigênio (VO2) e custo de oxigênio por respiração (OCB) (44, 54, 55, 56, 57, 58, 59) • Saturação venosa de oxigênio (SvO2) (60) • pH da mucosa gástrica (pHi) (61, 62) • Índice de Nemer (52) • Escore de Gluck (53) • Análise da movimentação tóraco-abdominal (63) • Apache II (27) Concluímos neste estudo que a análise dos gases arteriais e os índices de oxigenação não são preditores satisfatórios para o desmame da ventilação mecânica, nenhum dos dados e índices estudados se mostrou associado estatisticamente ao sucesso ou insucesso do des- Volume 13 - Número 2 - Abril/Junho 2001 VENTILAÇÃO MECÂNICA mame da ventilação mecânica e que modernas técnicas de oxigenoterapia e ventilação não invasiva podem levar ao sucesso o desmame de indivíduos com oxigenação inadequada. RESUMO Desmame é o processo de transição da ventilação mecânica para a ventilação espontânea. É adequada a utilização de índices que possam avaliar de forma objetiva, o mais precoce e com menor possibilidade de erro o momento indicado para a desmame e a sua possibilidade de sucesso. Os índices utilizados mensuram diferentes funções fisiológicas como a oxigenação, podendo oferecer informações sobre as causas da dependência do ventilador. O objetivo deste estudo é verificar se a análise dos gases arteriais e os índices de oxigenação podem prever o sucesso ou o insucesso de um desmame da ventilação mecânica. Os dados utilizados para a análise e para o cálculo dos índices, basearam-se na gasometria arterial e parâmetros ventilatórios obtidos durante o dia da extubação. Os dados analisados foram: pressão arterial de oxigênio (PaO2), pressão arterial de oxigênio ideal (PaO2i), diferença entre PaO2 e PaO2i, pressão arterial de dióxido de carbono (PaCO2), saturação arterial de oxigênio (SaO2), gradiente alvéolo-arterial de O2 (P(A-a)O2), FiO2, relação PaO2/FiO2, relação PaO2/ PAO2 e índice respiratório (IR). Foram estudados 101 indivíduos, com patologias variadas, com a média de idade de 49,5 ± l9 anos, 59,4% do sexo masculino e 40,6% do sexo feminino. O sucesso do desmame ocorreu em 71% dos indivíduos estudados. A sensibilidade, especificidade, valor preditivo positivo e valor preditivo negativo foram respectivamente: PaO2: 0,93; 0,14; 0,73; 0,44; PaO2-PaO2i: 0,89; 55 VENTILAÇÃO MECÂNICA 0,17; 0,73; 0,39; PaCO2: 0,97; 0,03;0,71; 0,33; FiO2: 0,78; 0,21; 0,71; 0,27; P(A-a)O2: 0,14; 0,86; 0,71; 0,29; PaO2/FiO2: 0,88; 0,10; 0,71; 0,25; PaO2/PAO2: 0,50; 0,59; 0,75; 0,32; IR: 064; 0,28; 0,69; 0,24; SaO2: 0,97; 0,00; 0,71; 0,00. Concluímos que a análise do gases arteriais e os índices de oxigenação não são preditores satisfatórios para o desmame da ventilação mecânica, nenhum dos dados e índices estudados se mostrou associado estatisticamente ao sucesso ou insucesso do desmame da ventilação mecânica e que modernas técnicas de oxigenoterapia e ventilação não invasiva podem levar ao sucesso o desmame de indivíduos com oxigenação inadequada. Unitermos: Índices preditivos, desmame, ventilação mecânica, gases arteriais, índices de oxigenação. AGRADECIMENTOS Ao Prof. Manoel C.S.A. Ribeiro, professor instrutor do departamento de medicina social da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo; Carlos O’Hara, residente de terapia intensiva da Santa Casa de São Paulo; à todos os fisioterapeutas e funcionários do serviço de fisioterapia respiratória da Santa Casa de São Paulo; aos médicos, enfermeiras, auxiliares de enfermagem, nutricionistas, escriturários e demais funcionários do serviço de terapia intensiva da Santa Casa de São Paulo. REFERÊNCIAS 1. Goldwasser R; Messeder O; Amaral JLG; et al. Desmame. J Pneumol 26 (Supl. 2):S54-S60,2000. 2. Rothman A; Barbas CSV; Bueno MAS. Desmame da ventilação mecânica. In: eds. Knobel, E. Condutas no paciente grave, São Paulo, Ed . Atheneu, 2ª ed, vol. l, l998, 381-91. 3. Berk LJ; Sampliner JE. Manual de Tratamento Intensivo, Rio de Janeiro, Editora Médica e Científica, 2ª ed., l983. 56 RBTI - Revista Brasileira Terapia Intensiva 4. Meyer EC; Barbas CSV; Filho GL, et al. Monitorização Respiratória. In: eds. 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Patients were submitted to the pre-established protocol while mechanical ventilation was carried out with time cycled, continuous gas flow in an intermittent mandatory ventilation mode. Positive inspiratory pressure was limited up to 35 cm H2O and the fraction of inspired oxygen was kept below 60%. Disease severity and death probability were evaluated by Pediatric Risk of Mortality (PRISM) at admission. In the following 24 hours, death risk and the therapeutic intervention level were also checked by Dynamic Objective Risk Assessment (DORA) and by Therapeutic Intervention Scoring System (TISS), respectively. Results: ARDS incidence was 5.1%, 70.8% of the children were less than 3 years old, lung infection and sepsis were the main associated diseases, multiple organ dysfunction syndrome was observed in 66% and the mortality rate was 50%. Conclusion: Systematic application of the newest diagnoses criteria contributes to show the real incidence of ARDS. Earlier diagnosis, the new ventilatory approach designed to protect the lungs and a wider comprehension of the syndrome pathophysiology may contribute to the reduced mortality rate observed in this study. Key words: pediatrics ARDS: mechanical ventilation; permissive hypercapnia. 1- Professor Assistente Doutor do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina de Botucatu – Universidade Estadual Paulista (UNESP) – Doutor em Cardiologia e Chefe da UTI Pediátrica da Faculdade de Medicina de Botucatu 2- Professora Assistente Doutora do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina de Botucatu – Universidade Estadual Paulista (UNESP) – Doutora em Pneumologia e responsável pela Disciplina de Pneumologia 3- Médica Assist. da UTI Pediátrica da Fac. de Medicina de Botucatu – UNESP 4- Professor Assistente Doutor do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina de Botucatu – UNESP 5- Médico Assistente da UTI Pediátrica da Faculdade de Medicina de Botucatu – UNESP – Mestre em Cardiologia pela UNESP 6- Médico Assist. da UTI Pediátrica da Fac. de Medicina de Botucatu – UNESP Instituição: UTI-Pediátrica – Hospital das Clínicas da Fac. de Botucatu – UNESP Endereço para correspondência: Dr. José Roberto Fioretto – Departamento de Pediatria - Faculdade de Medicina de Botucatu – UNESP Distrito de Rubião Júnior – Botucatu – SP – CEP: 18618-970 [email protected] – Fone: (0XX14) 68026274/6802-6300 58 A shbaugh e colaboradores1, em l967, utilizaram o termo “síndrome da angústia respiratória do adulto” para descrever um quadro agudo de insuficiência respiratória grave que evoluía com elevada taxa de mortalidade. A síndrome foi descrita em 11 adultos e uma criança e foi caracterizada por edema pulmonar não cardiogênico que cursava com traquidispnéia, cianose refratária à administração de oxigênio, presença de infiltrados alveolares bilaterais ao exame radiológico do tórax e diminuição da complacência pulmonar. Desde então, vários estudos vêm sendo publicados2-6 evidenciando as dificuldades relacionadas com a definição da síndrome. Tais dificuldades indicaram a necessidade de uma uniformização de conceitos. Desta forma, em 1992, foi realizada uma Conferência de Consenso Americana-Européia, publicada em l9947, onde foram reavaliados aspectos relacionados com a definição, fisiopatologia, fatores de risco e incidência da síndrome. Julgou-se mais apropriado o termo Síndrome do Desconforto Respiratório Agudo (SDRA) para designar tais casos, dado o caráter agudo da doença e o fato de serem acometidos, indistintamente, adultos e crianças. Além disso, levando-se em conta que os quadros de falência respiratória aguda podem ser a base fisiopatológica em uma grande variedade de agravos e que pequena porcentagem de pacientes com insuficiência respiratória desenvolvem as alterações clássicas da SDRA, foi elaborado um conceito mais amplo, que engloba todos os casos de falência respiratória. A denominação genérica adotada foi Lesão Pulmonar Aguda (LPA). Entendendo-se que LPA e SDRA são fenômenos evolutivos de um mesmo processo patológico, sendo diferenciados apenas pelo fato de que os casos de SDRA encontram-se na fase final do mesmo. Há relatos da associação da SDRA com diversas condições clínicas, sendo os processos sépticos, as pneumonias difusas, o choque, os traumas múltiplos, as transfusões maciças de hemoderivados, as mais freqüentes. No Volume 13 - Número 2 - Abril/Junho 2001 RBTI - Revista Brasileira Terapia Intensiva entanto, permanece controverso se as crianças com SDRA causada por doença pulmonar primária (lesão pulmonar direta) têm a mesma evolução que aquelas nas quais a síndrome associa-se à doença sistêmica, tal como a sepse (lesão pulmonar indireta ou secundária). A incidência exata da SDRA não está estabelecida. Os dados disponíveis na literatura referem-se , principalmente, à pacientes adultos. Murray8, em l977, observou incidência de l50.000 casos/ano e Villar & Slutsky 3, em estudo mais amplo, observaram incidência anual de 1,5 casos/100.000 habitantes. Em crianças, os dados são ainda mais escassos e relatam incidência que varia de 0,8 a 4,4% entre todas as admissões em Unidades de Terapia Intensiva Pediátrica9,l0. Em trabalho anteriormente realizado em nosso serviço11, foram estudados, retrospectivamente, 12 prontuários de crianças com diagnóstico de SDRA no período de janeiro de 1990 a julho de 1994 e observou-se que a incidência foi de SDRA de 1%, que os quadros sépticos foram as principais causas da síndrome e que a taxa de mortalidade foi de 75%. O presente estudo foi realizado com o objetivo de rever a incidência, taxa de mortalidade, doenças associadas e o curso clínico da SDRA utilizando-se os novos critérios diagnósticos estabelecidos pela reunião de consenso de 19947, assim como avaliar o efeito dos novos métodos de proteção contra lesão pulmonar induzida pela ventilação pulmonar mecânica empregados nos tratamento desses pacientes. Casuística e Métodos Foram incluídas crianças de um mês a 12 anos de idade admitidas na Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica (UTIP) do Hospital das Clínicas da UNESP-Botucatu no período de agosto de 1996 a agosto de 1998 e que preencheram os critérios diagnósticos de SDRA à admissão ou durante a evolução. Estes pacientes foram submetidos a protocolo preestabelecido que incluiu: identificação; fatores predisponentes; sinais e sintomas; medidas terapêuticas; escore de lesão pulmonar, escore de SDRA, análise seqüencial dos gases arteriais e de outros exames laboratoriais. O suporte ventilatório pulmonar mecânico foi efetuado com ventiladores pressométricos, ciclados a tempo e com fluxo constante, no modo de ventilação intermitente. A pressão inspiratória positiva (Pip) foi limitada em 35 cm H2O e a fração inspirada de oxigênio (FiO2) foi mantida, preferencialmente, abaixo de 60%, aceitandose saturação arterial de oxigênio (SaO2) entre 88-90%. O diagnóstico de SDRA foi efetuado com base nos critérios divulgados pela reunião de consenso (escore de SDRA), publicada em l9947, sendo caracterizada por quadro de insuficiência respiratória de início agudo, acompanhado pelos seguintes elementos: a) PaO2/FiO2< 200 mmHg, não considerando a pressão expiratória final positiva (Peep) utilizada; b) infiltrados bilaterais ao exame radiológico do tórax em posição frontal e c) pressão de encravamento capilar pulmonar (PcpP) < l8 mmHg, quando medida, ou nenhuma evidência clínica de hipertensão atrial esquerda. A intensidade da lesão pulmonar foi avaliada seqüencialmente utilizando-se o escore de Murray12. Este escore é baseado numa escala que avalia quatro variáveis: exame radiológico do tórax; complacência pulmonar; relação PaO2/FiO2 e nível da Peep. A cada uma destas variáveis atribuí-se valores de 0 a 4, representando o grau da anormalidade. O valor final do escore é obtido pela divisão da soma destes valores pelo número de variáveis utilizadas, considerando-se o diagnóstico de SDRA Volume 13 - Número 2 - Abril/Junho 2001 PEDIATRIA quando o valor é maior ou igual a 2,5. Todas as variáveis fisiológicas e bioquímicas habitualmente usadas para o manejo de crianças gravemente enfermas foram coletadas diariamente ou quando as necessidades de avaliação assim o exigiram, por exemplo: a) medidas das trocas gasosas: pressão parcial de oxigênio (PaO 2) e pressão parcial de gás carbônico (PaCO2), medidas em milímetros de mercúrio, freqüência respiratória por minuto, FiO2, freqüência respiratória mecânica por minuto, Peep e Pip, medidas em centímetros de água e diferença alvéolo-arterial de oxigênio (D A-a O2), assumindo pressão barométrica de 760 mmHg e quociente respiratório de 0,8; b) medidas hemodinâmicas: freqüência cardíaca, pressão arterial média (PAM), pressão venosa central (PVC), oferta hídrica em ml/Kg/ dia e lactato sérico em milimoles/litro e c) outras medidas: equilíbrio ácido-básico, função hepática e renal, hematológico completo e coagulograma. Também foi avaliada a gravidade da doença e a probabilidade de óbito à internação por meio de Pediatric Risk of Mortality (PRISM)13, o risco de óbito nas próximas 24 horas, pelo Dynamic Objective Risk Assessment (DORA)14 e o grau de intervenção terapêutica utilizada, pelo Therapeutic Intervention Scoring System (TISS)15. Em todos os pacientes foi verificada a ocorrência concomitante de Síndrome de Disfunção de Múltiplos Órgãos, cujo diagnóstico foi estabelecido de acordo com os critérios descritos por Wilkinson e colaboradores16, em 1987. Para definir sepse foram adotados os critérios publicados pelo American College of Chest Physicians/Society of Critical Care Medicine17. Foram excluídos do estudo os pacientes portadores de doença pul- 59 PEDIATRIA monar crônica, cardiopatias descompensadas ou não, aqueles com evidência clínica de sobrecarga hídrica e as crianças maiores de 12 anos. RESULTADOS No período eleito para o estudo foram admitidos na UTIP 462 pacientes. Destes, 24 pacientes (5,1%) preencheram os critérios diagnósticos de SDRA, sendo l4 (58%) do sexo masculino e 10 (42%) do sexo feminino, com taxa de mortalidade de 50%. Observou-se que 17 crianças (70,8%) tinham entre 1 mês e 3 anos de idade, uma criança (4,2%) estava na faixa de 3 a 7 anos e seis crianças (25%) eram maiores de 7 anos de idade. A gravidade com que os pacientes se apresentaram à internação foi demonstrada pelos valores do PRISM à admissão (21,5 ± 10%; risco de óbito= 31 ± 22,3%) DORA (11 ± 20%) e durante a evolução: PRISM = 30,2 ± 8,9%; DORA= 25,4 ± 19%). O grau de intervenção terapêutica avaliado pelo TISS à admissão foi de 43 ± 7,4% e durante a evolução foi de 58,7 ? 4,1%. A síndrome de disfunção de múltiplos órgãos e sistemas foi diagnosticada em 16 pacientes (66,7%). As infecções pulmonares foram as principais formas de agressão direta aos pulmões, aparecendo isoladamente em 8 crianças (33,3%) e em associação com sepse em outras 12 (50%). Dos 8 pacientes com diagnóstico isolado de pneumonia, 2 (25%) evoluíram para o óbito e das 12 crianças nas quais a pneumonia esteve associada com sepse, 8 (66,7%) evoluíram para o óbito. Os quadros de sepse foram as causas secundárias mais importantes, estando presentes, isoladamente, em 4 pacientes (16,7%). Também associaram-se secundariamente à SDRA, quadros de choque em 3 pacientes, politransfusão em 7 e contusão pulmonar e trauma em um paciente. Com relação aos parâmetros 60 RBTI - Revista Brasileira Terapia Intensiva ventilatórios utilizados, observou-se que em 16 casos (66,7%) a FiO2 foi mantida em níveis menores ou iguais a 60%. Nas outras oito crianças a FiO2 manteve-se igual a 100%, porém por tempo não superior a 12 horas. A Pip atingiu valores menores ou iguais a 30 cm H2O em 18 pacientes (75%), permaneceu em níveis entre 30 e 35 cm H2O em 5 casos (20,8%) e foi maior que 35 cm H2O em apenas um caso (4,l%). A Peep esteve entre 8 e 10 cm H2O em 41,7% (10 casos) e foi maior que 10 cm H2O em 14 crianças (58,3%). O tempo médio de utilização do suporte ventilatório pulmonar mecânico foi de 10 dias. Utilizando o escore de SDRA e o escore de Murray, houve coincidência no dia do diagnóstico da síndrome em 20 casos (83,3%). Nos outros quatro casos nos quais não houve coincidência diagnóstica pelos dois escores, o escore de SDRA possibilitou o diagnóstico 24 horas mais cedo que o escore de Murray. A avaliação dos valores da relação PaO2/FiO2, à admissão, demonstrou que em 19 crianças (79,1%) esta relação estava entre 100 e 174, sendo que 7 evoluíram para o óbito. Após 2 dias de internação, verificouse que 8 de 9 pacientes nos quais a relação PaO2/FiO2 estava abaixo de 100 evoluíram para o óbito. A taxa de mortalidade por SDRA (50%) observada foi significantemente maior (p<0,05) quando comparada à taxa de mortalidade (12,8%) da população geral atendida pela UTIP. DISCUSSÃO Inúmeros foram os relatos que procuraram avaliar a SDRA em seus mais diversos aspectos1,3,5,8,9,10. No entanto, devido as dificuldades em se definir e entender sua fisiopatologia os resultados obtidos nem sempre traduziam o real comportamento dos pacientes pediátricos portado- res desta doença. Somente após a reunião de consenso publicada em 19947 é que os novos critérios diagnósticos da SDRA foram firmados, uma nova terminologia foi adotada e aspectos da fisiopatologia e tratamento foram revistos. A partir de então, outros estudos abrangendo estes novos enfoques foram publicados18-21. Em trabalho anteriormente realizado em nosso serviço11, em 1995, observou-se incidência de SDRA de 1% e foi levantada hipótese de que a incidência real da síndrome pudesse ser maior do que a verificada, considerando que no primeiro semestre de 1994, quando foi feita analise prospectiva utilizando os novos critérios diagnósticos em parte da amostra estudada, a incidência foi de 2,5%. No presente estudo a incidência foi de 5,1%. Esta maior incidência está de acordo com os relatos da literatura20,21 e pode ser explicada pela aplicação sistemática do escore de Murray e do escore de SDRA em todos os pacientes ventilados mecanicamente por mais de 24 horas, o que possibilita firmar o diagnóstico em um grupo maior de pacientes. A taxa de mortalidade de 50% verificada nesta série, significantemente menor que a observada em estudo anterior11, está em acordo com alguns relatos de SDRA18,21 e pode relacionar-se, não apenas, com a baixa idade da maioria das crianças e com a gravidade dos quadros clínicos à admissão, atestada tanto pelos índices prognósticos avaliados, mas também com a presença de disfunção de múltiplos órgãos e sistemas, como descrito na literatura5,18,21 . A diminuição da mortalidade observada parece seguir a tendência atual observada na literatura18,21, sendo tal fato explicado principalmente, pelo melhor entendimento da fisiopatologia da SDRA que determinou modificações em atitudes terapêuticas19,21. Volume 13 - Número 2 - Abril/Junho 2001 RBTI - Revista Brasileira Terapia Intensiva Em três trabalhos do grupo de Gattinoni22-24 foi observado, por meio de estudo tomográfico dos pulmões, que o comprometimento parenquimatoso pulmonar não era homogêneo na SDRA. Paralelamente, diversas publicações25,26 alertaram para a lesão pulmonar induzida pela ventilação pulmonar mecânica (VPM) ao se utilizar elevados valores de volume corrente (10-15 ml/Kg) e de pico de pressão inspiratória (> 40 cm H2O), até então empregados rotineiramente. A lesão pulmonar determinada pelo contínuo estiramento e colabamento de unidades alveolares e induzida pela VPM com altos volumes correntes foi denominada de volutrauma26-29. A idéia que predomina, atualmente, é a de que o emprego desses altos volumes correntes, que geram altas pressões inspiratórias durante a VPM de pacientes com SDRA, determina lesão inflamatória e estrutural em áreas de pulmão até então sadias, agravando a hipoxemia e piorando a evolução dos pacientes. A recomendação atual para VPM em SDRA é a de que se utilize volumes correntes de até 8 ml/ Kg, limitando a Pip em 35 cm H2O e permitindo que a saturação arterial de oxigênio fique entre 88-90% (hipoxemia permissiva) e a PaCO2 atinja valores de 50 a 100 mmHg (hipercapnia permissiva) 25,28-30. A hipoxemia e a hipercapnia permissivas foram marcos na VPM de pacientes com SDRA e têm contribuído para diminuição da mortalidade29-31. No presente estudo, esforços foram feitos com a intenção de minimizar a lesão pulmonar induzida pela VPM, de forma que em 16 pacientes (66,6%) a FiO2 foi mantida em níveis menores ou iguais a 60% e em apenas um caso a Pip atingiu valores acima de 35 cm H2O, assim mesmo, por período menor que 12 horas. Por ser a SDRA condição clínica que se associa à importante diminuição da complacência pulmonar, im- põe-se a utilização da Peep para normalizar a relação ventilação/perfusão e aumentar a capacidade residual funcional, promovendo, assim, melhora da oxigenação sem aumento da FiO2. Neste estudo o melhor nível da Peep foi obtido seguindo-se a sistematização apresentada por Nichols e colaboradores4. Procedendo desta forma a Peep atingiu valores tão elevados quanto 10-15 cm H 2O. As condições clínicas que estiveram associadas com a SDRA, neste estudo, foram similares àquelas relatadas em estudo prévio11, sendo as infecções pulmonares, as principais causas primárias e, a sepse, a principal causa secundária. Dada a associação entre pneumonia e sepse em metade dos casos não foi possível estabelecer diferença na evolução destes pacientes. Igualmente ao relatado por diversos estudos9-11, verificou-se baixa associação da SDRA com trauma nesta série de pacientes. A utilidade da relação PaO2/FiO2 como índice preditivo em pacientes com SDRA, quando avaliada após 48 horas da admissão, foi descrita por Bone2, em 1989 e por Bernard7 e colaboradores, em 1994. Além disso, Landry32 e colaboradores verificaram que valores abaixo de 150, à admissão, podem indicar a necessidade de intervenções terapêuticas mais agressivas ou não convencionais. Fioretto e colaboradores11, apesar da pequena casuística, observaram que a permanência da relação PaO2 / FiO2 abaixo de 100 por mais que 48 horas associou-se a mau prognóstico, fato este que se repetiu no presente estudo, quando de 9 pacientes em que tal relação ficou abaixo de 100, 8 foram a óbito. Novamente, não foi observada correlação dos valores da relação PaO2 / FiO2 à admissão com a sobrevida, como observado nos estudos anteriores. Os resultados observados, neste estudo, indicam que a SDRA é uma doença que deve merecer especial Volume 13 - Número 2 - Abril/Junho 2001 PEDIATRIA atenção do intensivista pediátrico pela crescente incidência dos quadros de insuficiência respiratória com evolução para hipoxemia grave e refratária. Ressalvado o fato de que é difícil a comparação entre dois estudos em momentos distintos, a redução de 25% na taxa de mortalidade verificada no presente estudo nos parece importante e pode indicar o efeito benéfico das novas técnicas protetoras durante a VPM em crianças. Contínuos esforços devem ser empreendidos para estimular mais estudos da SDRA em nosso meio, o que possibilitará melhor entendimento desta doença em pacientes pediátricos gravemente enfermos. Síndrome do Desconforto Respiratório Agudo (SDRA) em Crianças: Incidência, Mortalidade e Trocas Gasosas. RESUMO Objetivo: Rever a incidência, mortalidade, doenças associadas e tratamento da SDRA em crianças e comparar os resultados com estudo anteriormente publicado. Métodos: Foram incluídas crianças de um mês a 12 anos de idade, admitidas na UTI-Pediátrica de agosto de 1996 a agosto de 1998 e que preencheram os critérios diagnósticos de SDRA. Os pacientes foram submetidos a protocolo preestabelecido e o suporte ventilatório pulmonar mecânico foi efetuado com ventiladores pressométricos, ciclados a tempo e com fluxo constante, no modo de ventilação intermitente. A pressão inspiratória foi limitada em 35 cm H2O e a fração inspirada de oxigênio foi mantida abaixo de 60%. A gravidade da doença e a probabilidade de óbito à internação foram avaliados pelo Pediatric Risk of Mortality (PRISM), o risco de óbito nas 24 horas pelo Dynamic Objetive Risk Assessment (DORA) e o grau de intervenção terapêutica pelo Therapeutic Intervention Scoring 61 RBTI - Revista Brasileira Terapia Intensiva PEDIATRIA System (TISS). Resultados: A incidência de SDRA foi de 5,l%, 70,8% das crianças eram menores de 3 anos, infecção pulmonar e sepse foram as doenças mais freqüentemente associadas, 66% dos pacientes desenvolveram disfunção de múltiplos órgãos e a taxa de mortalidade foi de 50%. Conclusão: A aplicação sistemática dos novos critérios diagnósticos contribui para detecção mais precoce de um número maior de pacientes com SDRA, traduzindo melhor a incidência da doença. Diagnóstico precoce, as novas estratégicas ventilatórias de proteção pulmonar e o melhor entendimento da fisiopatologia da síndrome contribuíram para redução da mortalidade observada nesta série de casos. Palavras-chave: síndrome do desconforto respiratório agudo; ventilação mecânica; hipercapnia permissiva. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. ASHBAUGH DG, BIGELOW DB, PETTY TL et al. Acute respiratory distress in adults. Lancet 1967; 12:319-22. 2. BONE RC. An early test of survival in patients with the adult respiratory distress syndrome: the PaO2 FiO2 ratio and its response to conventional thepary. Chest 1989; 96:849-51. 3. VILLAR J & SLUTSKY AS. The incidence of the adult respiratory distress syndrome. Am Rev Respir Dis 1989; 140:214-9. 4. NICHOLS DG, MCCLOSKY JJ, ROGERS MC. In: ROGERS MC ed. 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Volume 13 - Número 2 - Abril/Junho 2001 RBTI - Revista Brasileira Terapia Intensiva REVISÃO Acidose Metabólica na Insuficiência Renal Crônica Metabolic Acidosis in Chronic Renal Failure William da Silva Neves1 & Horácio José Ramalho2 ABSTRACT In this review are presented the physiological mechanisms of urinary acidification correlated to the pathogenesis of the chronic renal failure acidosis. Strutural aspects of the nefron are aproaching in its relation to the metabolic desequilibrium of the chronic renal failure. Keywords: Chronic renal failure; metabolic acidosis; urinary acidification. 1 Acadêmico da 6ª Série do Curso de Medicina da FAMERP 2 Docente Chefe da Disciplina de Nefrologia da FAMERP William da Silva Neves. Rua José Picerni, 440 – apto. 31 – bairro São Manoel São José do Rio Preto – SP Fone: (017) 421-1302 / 9111-7657 P ara manter o balanço ácido-básico do organismo, o rim deve funcionar com uma taxa de excreção de ácido igual à taxa de produção extrarrenal de ácido, ou seja, 0,3 a 1,0 –mEq/Kg/dia. o rim normalmente regula o pH sangüíneo dentro de limites estreito através da reabsorção (túbulo proximal) e regeneração (túbulo distal) do bicarbonato por secreção de prótons para o fluído luminal (Warnock – 1993). A taxa de excreção de ácido é dada pela fórmula: UNH4V + UTac – UHCO3V, sendo que U = concentração urinária; V = volume urinário e Tac = ácido total excretado. Na evolução da insuficiência renal crônica, a concentração plasmática de bicarbonato permanece normal até que haja uma redução da TFG em mais de 50%. No entanto, a acidose permanece compensada mantendo a concentração plasmática de bicarbonato em torno de 12 a 15 mEq/L (Riella – 1988). A quantidade total de ácido que pode ser excretada depende de quanto tampão é excretado e da secreção final de prótons. Os tampões excretados podem ser filtrados ou gerados; o mais importante tampão filtrado é o fosfato (derivado da formação tecidual de NaHrPO 4 como produto final da degradação de aminoácidos) e o mais importante tampão gerado no rim é a amônia (a partir do aporte do transportador de nitrogênios glutamina, que entra na via metabólica do ciclo da uréia podendo formar uréia ou radicais NH4) (Warnock - 1993). O túbulo proximal, um dos principais segmentos do néfron no processo de acidificação renal da urina, leva o pH do lúmen de 7,3 para aproximadamente 6,7 e assim reabsorve a maioria do HCO-3.O ducto coletor cortical, o segundo mais importante segmento do néfron na acidificação renal, providencia a acidificação urinária final (pH em torno de 5,5) através da titulação da amônia, PO-4 e outros tampões tituláveis (Zatz & Malnic - 2000 e Alpern & Rector - 1999). Com uma diferença de potencial transmenbrana de -70mV nas células do Túbulo Contornado Proximal (TCP) e um pH celular de 7,15 a 7,30; o H + pode entrar passivamente vinda do interstício pela membrana basolateral na célula. Já a extrusão do H+ para o lúmen através da membrana apical se dá contra um gradiente eletroquímico e requer uma forma de transporte ativo (Radda e cols - 1980; Adarn e cols - 1986; Sasaki e cols - 1985; Yoshitorni - 1984; Alpern - 1985). Portanto, conclui-se que defeitos no TCP podem comprometer seriamente o processo de acidificação renal, já que esta porção do néfron é responsável por reabsorver cerca de 80% do HCO-3 filtrado e assim, causar a secreção ativa de H+ (Zatz & Malnic - 2000). Embora observando-se o gráfico 1, tenha-se a impressão de que a grande acidificação urinária ocorra nas porções terminais do néfron, sabe-se, pela curva de dissociação do HCO-3 a p CO2 de 40 mmHg que a redução no pH Volume 13 - Número 2 - Abril/Junho 2001 63 RBTI - Revista Brasileira Terapia Intensiva REVISÃO Gráfico 1: Acidificação urinária de 7,4 para 6,8 ocorre com uma redução de cerca de 8 vezes na concentração luminal do íon HCO -3 (Zatz & Malnic - 2000). Utilizar marcadores plasmáticos pode auxiliar na quantificação da função renal intimamente dependente da TCP e um deles é a atividade plasmática da glutationa peroxidase extracelular, cuja produção ocorre em sua maioria na TCP. Pacientes com IRC dializados apresentam cerca de 40% da atividade desta enzima em indivíduos controles, ao passo que pacientes em IRC terminal ou anéfricos apresentam apenas de 2 a 22% de atividade da glutationa peroxidase em comparação com controles (Whitin e cols - 1998). A presença da anidrase carbônica é fundamental para que as reações de reabsorção de HCO - 3 ocorram de maneira eficaz para manter a taxa de acidificação renal, pois seu papel fundamental é facilitar a hidratação do CO 2 a HCO-3 ou a desidratação do HCO-3 a CO2, levando assim a uma maior permeabilidade transmembrana dos compostos apolares (FIG. 1). Sua inibição provoca desequilíbrios no pH, não só do TCP onde paralisa cerca de 80% da absorção de HCO-3, como de todo o néfron (Burg & Green - 1977; Lucci e cols - 1980; Cogan e cols - 1979). A anidrase carbônica destas células do TCP está também em contato com o fluído luminal, para que seja possível a catalização das duas fases destas reações acima mencionadas, mas a porção distal do TCP não a possui (Rector e cols - 1965; Vieira & Mainc - 1968; DuBose e A) Secreção de prótons cols - 1981; Lucci e cols - 1980). Mudanças na atividade da anidrase carbônica tem estado associada a distúrbios metabólicos como o diabetes mellitus, hipertensão a anemia. A hemoglobina, diminuída em seu pool total na maioria dos pacientes com IRC (comumente anêmicos) pode funcionar como uma receptora de prótons do sítio ativo da anidrase carbônica eritrocitária durante a hidratação do CO 2 (e vice-versa), sendo que assim, o aumento da atividade da anidrase carbônica pode facilitar, via efeito de Bohr, a transferência do oxigênio para os tecidos periféricos. Sabe-se que pacientes diabéticos com IRC e hipertensos tem esta atividade significativamente aumentada em relação a pacientes sem hipertensão, juntamente com alterações do influxo de sódio 22 (Squarzoni e cols 1990; Parui e cols -1992). Analisando a fig.1 pode-se visualizar que todo H+ excretado acaba sendo contrabalançado por outro que retorna indiretamente do lúmen para a célula sob outras formas que não como próton (CO2 por B) Absorção Direta de Bicarbonato Fig. 1: Mecanismos da acidificação do fluído luminal: Secreção de H+ (a) e a absorção direta de HCO-3 (Torffvit e cols – 1998). 64 Volume 13 - Número 2 - Abril/Junho 2001 RBTI - Revista Brasileira Terapia Intensiva ex.). Um mecanismo adicional e fundamental de excreção de H+ é a bomba de contraporte Na/H+, cuja estrutura foi demonstrada estar presente na membrana apical em borda de escova das células do TCP por vários autores, sendo responsável por transportar íons H+ para o lúmen em resposta a um bombeamento para o interior da célula de íons Na + advindos do lúmen (Murer e cols - 1976; DuBose e cols - 1981). Esta estrutura molecular também está presente na membrana apical da parte ascendente espessa da alça de Henle, onde é responsável por uma grande parte da reabsorção dos 50 a 70% do HCO - 3 que aí chegam, mantendo a concentração de HCOe o pH na saída da alça iguais aos 3 seus valores na entrada do fluído luminal da alça de Henle (Buerkert e cols - 1983; Good - 1985). Esta bomba de contraporte Na+/ + H tem sido funcionalmente dividida em amilorida-sensível a amilorida-resistente. A amilorida-sensível está geralmente na membrana basolateral, sendo codificada pelo gene NHE-1 e sabe-se que sua expressão é aumentada em situações de acidose crônica. Já a amilorida-resistente está na membrana apical e seu aumento de atividade observado em situações de acidose crônica não se correlaciona com o aumento de sua respectiva expressão gênica (Moe e cols 1991; Krapf e cols - 1991; Igarashi e cols - 1992). Outros dados, baseando-se na abilidade da célula do TCP de manter seu pH contra uma carga ácida na ausência de Na + e na eletrogenicidade do processo de acidificação, sugerem a existência de uma H+-ATPase eletrogênica, independente de Na+ a amilorida-insensível, a qual participa de um mecanismo de transporte transepitelial de H + (Kinne-Saffran & Kinne - 1974; Silva e cols - 1987). Mas este último transportador de membrana parece ser apenas responsável por uma pequena fração do transporte de reabsorção do HCO-3 dependente de H + sendo que a bomba de contraporte Na+/H+ discutida inicialmente é a responsável pela maioria da reabsorção do HCO -3 no TCP. No néfron distal, esta H + ATPase eletrogênica e Na +-independente exerce fundamental importância no mecanismo de acidificação distal (Alpern, RJ & Rector – 1999). As adaptações que ocorrem durante a evolução de uma IRC poderiam ser assim descritas: com a destruição inicial dos néfrons, haverá uma redução transitória na excreção de H+ e reabsorção de bicarbonato. Com a retenção de H+ ocorre uma redução do bicarbonato plasmático. Simultâneamente, ocorre uma retenção de fosfato, que eventualmente, acarreta um aumento do PTH, o qual por sua vez aumenta a excreção de fósforo 6. Estudos através de clearance mostraram que a diminuição da concentração plasmática de PO-34 inibe a absorção de HCO -3 no TCP. Além disso, existem dados que indicam que altos níveis de PTH agudamente também inibem a reabsorção de bicarbonato, mas a permeabilidade ao HCO-3 não é afetada e sim a secreção de íons H+ para o lúmen, sendo que o PTH inibe a atividade da bomba de contraporte Na+/H+ além de inibir a bomba de co-transporte Na+-3HCO-3, sendo esta última devida provavelmente a uma inibição primária da Na +/ K+ATPase, o que foi suposto após a constatação de aumentos no Na+ intracelular quando da inibição da bomba de co-transporte Na+HCO-3 (Cogan - 1983; Bichara e cols 1984; Mercier e cols - 1985; Puschett & Zurbach - 1976; Bank & Aynedjian - 1976; Kahn e cols - Volume 13 - Número 2 - Abril/Junho 2001 REVISÃO 1985; Pollock e cols - 1986; Pastoriza-Munoz - 1992). Com este aumento da excreção de PO -3 4 , o efluxo de íons H + excretados como ácido titulável (íons H+ tamponados pelo fosfato) também aumenta até o nível original, mas só restaura parcialmente a excreção de H+ e a síntese de bicarbonato. Dessa forma, na IRC, a excreção de amônia precisa aumentar, para servir de tampão no lugar do bicarbonato (Riella - 1988; Warnock - 1988). Enquanto aumentos agudos de PTH inibem a acidificação tubular renal proximal e levam a acidose metabólica, aumentos crônicos no PTH tem se demonstrado estimular a acidificação renal e causar alcalose metabólica não só em humanos como também em cães e ratos (Mitnick e cols - 1982; Hulter & Peterson - 1985) e isto se deve a uma estimulação da bomba de contraporte Na+/H+ pelo PTH via AMPc quando agindo cronicamente. Estes estudos sugerem que os hormônios que trabalham única a exclusivamente através do AMPc podem funcionar com efeitos bifásicos (ou seja, agudos ou crônicos antagônicos) sobre a atividade da bomba de contraporte Na+/ H+. (Cano e cols - 1993 (a) e (b); Alpern, RJ & Rector - 1999). Mas sabe-se que na IRC o PTH está aumentado e a acidose metabólica se mantém, configurando-se assim, um ponto de divergências sobre o papel do PTH na Acidose Metabólica da IRC. Outros hormônios também agem na reabsorção tubular proximal de HCO-3. A angiotensina II estimula a bomba de contraporte Na+/H+ pela inibição da adenilato ciclase, possivelmente através de uma proteína G inibitória além de estimular a bomba de co-transporte Na+HCO-3, basolateral (Woodcock & Johnston - 1982; Douglas - 1987; Liu & 65 REVISÃO Cogan - 1987; Liu & Cogan - 1988; Liu & Cogan - 1989; Saccomani e cols -1990; Geibel e cols - 1990). Além disso, as catecolaminas exercem o mesmo efeito via ?-receptores (Guder & Rupprecht - 1975; Chan - 1980; Nord e cols - 1987). Já a dopamina inibe a atividade da bomba Na +/H + e inibe a ATPase Na + /K + provavelmente mediada pela ativação da adenilato ciclase (Aperia e cols - 1987; Cheng e cols - 1987; Felder e cols - 1990). O óxido nítrico (NO), gerado pela enzima óxido nítrico sintase (NOS) a partir da arginina, exerce uma variedade de efeitos na fisiologia e na fisiopatologia renal: o NO regula a ultrafiltração glomerular, a reabsorção tubular e a secreção intrarenal de renina, e muitos destes efeitos são mediados pelas interações da angiotensina II com a atividade adrenérgica alfa 2. O NO é vital principalmente para a manutenção da TFG e Fluxo Sangüíneo Renal do feto em proteção aos estresses fisiológicos do rim imaturo, bem como agindo na contraregulação do SRAA no desenvolvimento do feto (Solhaug e cols - 1996). A diminuição da atividade da NOS observada na Insuficiência Renal Crônica aumenta o feedback de atividade tubuloglomerular, o qual pode contribuir para a vasocontrição renal, retenção de NaCI e pressão arterial elevada. Estudos sobre o impacto da uremia no óxido nítrico sugerem que: há dois tipos de NOS, uma constitucional e de rápida atividade e outra induzível por mediadores como citocinas e de início de atividade-resposta mais lento. Na uremia esta NOS induzível (iNOS) poderia estar sendo cronicamente estimulada enquanto que a NOS constitucional estaria sendo inibida (Blantz e cols -1996; Arese e cols - 1995). Existem toxinas acumuladas na urêmia que agem como 66 RBTI - Revista Brasileira Terapia Intensiva potentes inibidores da síntese NO, como por exemplo a dimetil-Larginina (Horl - 1998). A iNOS produz o óxido nítrico em muito maior quantidade que a NOS constitucional, além de não haver regulação pelo cálcio, e esta grande produção é tida como citotóxica por mecanismos ligados a proteínas que contém ferro (Ignarro - 1996). Na alça de Henle, outros hormônios agem alterando a reabsorção do HCO-3. São eles a Arginina-Vasopressina, Glucagon e PTH, que estimulam a absorção de NaCI e, por esse motivo, inibiriam a acidificação do fluído tubular, já que as altas concentrações intracelulares de Na+ inibem a atividade da bomba de contraporte Na+/ H+ desta segmento (Bichara e cols 1987; Mercier e cols - 1989; Good - 1990). O fluído que chega ao néfron distal é normalmente pobre em HCO-3 (5 a 7 mEq/L) e com baixo pH (6,5 a 6,7). Sendo assim, é papel do Túbulo Contornado Distal (TCD) reabsorver o remanescente de HCO-3, baixar ainda mais o pH e titular os tampões filtrados e secretar NH + 4. O néfron distal é composto de 3 distintas partes no que se refere à acidificação: o TCD; o Túbulo Conector e o Túbulo Coletor Cortical Inicial, além do Ducto Coletor Cortical, que juntos são capazes de absorver ou secretar HCO-3 dependendo do balanço endógeno de produção/ingesta (Alpem & Rector - 1999). O mecanismo de acidificação, como já foi mencionado, depende de uma H+-ATPase eletrogênica e Na+ independente e a reabsorção de HCO-3 se dá via um trocador na membrana basolateral de CI-/HCO-3. A depleção de K+ normalmente tem 2 efeitos sobre a acidificação no ducto coletor. Ela suprime a secreção de aldosterona, a qual inibe a secreção de H+ e estimula diretamente a amoniogênese no TCP, levando a mais amônia disponível no TCD, o que aumenta a secreção de H+. Sob condições normais, estes efeitos se anulam em humanos (Alpern & Rector - 1999). Aqui também, certos marcadores podem ser úteis para avaliar a função do néfron distal. A taxa de excreção da proteína de Tamm-Horsfall e do Fator de Crescimento Epidermal, cuja secreção se dá basicamente no TCP, assim como a Taxa de Absorção Distal Absoluta de Na+ estão fortemente correlacionadas com a função renal global e com a função tubular distal em pacientes com IRC (Torffvit e cols - 1998). É papel do néfron distal promover a titulação do principal tampão gerado que é a amônia. Ela é sintetizada em sua maioria no TCP, por onde entra no fluído luminal devido à difusão não-iônica de NH3 por um desequilíbrio luminal ácido de pH, e na alça de Henle a amônia deixa o lúmen, difunde-se pelo interstício por mecanismos pouco conhecidos, mas provavelmente por difusão não-iônica devido à alcalinização luminal que ocorre no segmento descendente da alça de Henle, até o ducto coletor, onde é titulada a excretada. (Sajo e cols 1981; Buerkert e cols - 1978). Assim, qualquer mecanismo que lese ou rompa com o interstício em sua função, altera a chegada de NH3 no TCD. Na acidose metabólica crônica há estimulação de 3 principais vias metabólicas de síntese da amônia: a de conversão da glutamina citoplasmática a glutamato mitocondrial (1); conversão do glutamato mitocondrial a alfa-cetoglutarato e a de conversão do oxaloacetato citoplasmático a fosfoenolpiruvato citoplasmático por mecanismos aparentemente dependentes do pH intracelular que ocorre na Volume 13 - Número 2 - Abril/Junho 2001 RBTI - Revista Brasileira Terapia Intensiva acidose metabólica e não na acidose respiratória alterando a expressão de mRNA para enzimas destas vias (Hwang & Curthoys 1991; Kaiser & Curthoys - 1991). Na doença renal crônica há uma redução progressiva da secreção de amônia. Embora o pH urinário possa ser extremamente ácido na Insuficiência Renal Crônica, a secreção total de ácido é reduzida devido à limitação da oferta de tampão ao túbulo distal (Warnock 1993). Aumentos do pH luminal levam à estimulação da acidificação a vice-versa. Como na IRC há uma grande diminuição do pH luminal devido a diminuição da oferta de tampões, pode ser que a diminuição de secreção de ácido (por feedback negativo da diminuição do pH) leve à diminuição da reabsorção de HCO-3 contribuindo para acentuar a acidose metabólica (Malnic & deMello-Aires - 1971; Ullrich e cols - 1975; Alpern e cols -1982; Sasaki e cols - 1982). Além disto, Aronson e cols (1991) encontraram que H+ em excesso do lado externo da membrana apical de borda em escova compete com o Na+ pelo contraporte Na/H+ (FIG. 2). Esta diminuição da excreção de ácidos acarreta uma acidose metabólica com tendência a estabilizar-se, o que parece dever-se a um sistema tampão auxiliar: reservas de carbono do osso. Com isso, ocorre descalcificação óssea adicional que parece contribuir para a osteodistrofia urêmica juntamente com o aumento do PTH (Riella 1988; Warnock - 1988). É importante enfatizar que tais perdas de reservas de tampão ósseo, além contribuírem para o desenvolvimento da osteomalácia e a osteodistrofia renal, também contribui para um tipo de osteodistrofia renal chamada doença óssea adnâmica, que parece ser um estágio transitório onde há diminuição da resistência óssea ao PTH (Warnock - 1993; Warnock - 1988; Coen e cols - 1996). Já a principal via de efluxo celular do HCO-3 reabsorvido do lúmen para o interstício se dá via uma bomba de Na+-HCO -3 REVISÃO na membrana basolateral, onde são necessários 3HCO-3 para cada Na+, juntamente com um questionado contraporte Na/H+, onde o Na+ seria transportado para dentro da célula e o H+ para fora da célula num sistema, provavelmente, de manutenção das concentrações iônicas da célula (Alpern, RJ & Rector 1999). Vários investigadores tem encontrado que a acidose metabólica, inclusive a crônica, leva à estimulação adaptativa da bomba de co-transporte Na+-3HCO-3, aumentando sua atividade juntamente com aumento da atividade do contraporte Na/H+. (Cohn e cols 1983; Tsai e cols - 1984; Akiba e cols -1987). Com exceção do estado de alcalose metabólica crônica, em que o aporte de HCO-3 ao TCP já é alto, a taxa de reabsorção de bicarbonato aumenta à medida em que a TFG aumenta e o mecanismo mais cotado pelo qual o fluxo luminal tubular regularia a absorção de HCO-3 é pela alteração dos Fig. 2: Mecanismos de secreção de H+ no néfron distal. Volume 13 - Número 2 - Abril/Junho 2001 67 RBTI - Revista Brasileira Terapia Intensiva REVISÃO perfis de concentração luminal distal de HCO - 3 . (Barfuss & Schafer - 1981; Wright - 1982). Na IRC sabe-se que a TFG está diminuída e assim, esta poderia ser mais uma causa contribuinte para a menor reabsorção de HCO -3 e manutenção do estado de acidose metabólica. A acidose metabólica desenvolve-se ou descompensa-se quando a ingestão exógena e a produção endógena de ácido excedem a excreção de ácido, como por exemplo após uma ingesta de 2g de carne por kg de peso corporal - embora os mecanismos compensatórios promovam um aumento intenso na TFG (de Santo e cols 1997). Na acidose metabólica crônica são envolvidos os mecanismos extra-renais de tamponamento, como os sais ósseos e tampões intracelulares já mencionados. Estes mecanismos de tamponamento permitem a manutenção de concentrações sangüíneas de bicarbonato relativamente estáveis, mas reduzidas quando a excreção urinária de ácido não pode acompanhar a produção endógena de ácido. Quando a TFG cai abaixo de 10 mL/min, há retenção de vários ânions orgânicos e uma elevação progressiva no “hiato aniônico” plasmático [Na + - (CI- + HCO-3)] para cerca de 20 a 24 mEq/L, com uma redução recíproca da concentração plasmática de bicarbonato (“acidose urêmica”) geralmente não inferior a 12 - 15 mEq/L. Esta acidose metabólica crônica é bem tolerada pela maioria dos pacientes com IRC, provavelmente refletindo seu lento desenvolvimento e a compensação respiratória (Warnock - 1988). Uma outra forma de acidose renal, distinta da acidose urêmica descrita acima é a acidose tubular renal (ATR) tipo IV, ou hipoaldosteronismo hiporreninêmico 68 com hipercalemia e acidose hiperclorêmica. Esta condição pode ocorrer nos estágios iniciais da Insuficiência Renal Crônica quando há apenas redução moderada da TFG. Neste estágio o rim ainda possui a capacidade de excretar vários ácidos orgânicos, e, portanto os pacientes com ATR tipo IV, ao contrário daqueles com acidose urêmica, possuem hiatos aniônicos normais e o que ocorre é uma redução recíproca de bicarbonato plasmático à medida que aumenta a concentração de cloreto. A ATR tipo IV freqüentemente é observada em todas as formas de Insuficiência Renal Crônica inicial, mas é mais característica de pacientes diabéticos com doença renal progressiva (Warnock -1988; Batle e cols - 1988; Schambelan e cols - 1980). RESUMO Nesta revisão são apresentados os mecanismos fisiológicos da acidificação urinária correlacionando-os com a patogenia da acidose metabólica da insuficiência renal crônica. São abordados aspectos estruturais do néfron e suas relações com o desequilíbrio metabólico da falência renal crônica. Unitermos: Insuficiência renal crônica; acidose metabólica; acidificação urinária. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Adam WR, Koretsky AP, Weiner MW: ‘P-NMR in vivo measurement of renal intracellular pH: Effects of acidosis and K, depletion in rats. Am J Physiol 25 1:17904-F910, 1986. Akiba T, Rocco VK, Warnock DG: Parallel adaptation of the rabbit renal cortical sodium/proton antiporter and sodium/bicarbonate cotransporter in metabolic acidosis and alkalosis. 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Even the laws, reviewed recently in Brasil, and the market and technology interests, with better structure and vigilance, don’t allow a filtered communication by a public legitimate space and a consensual decision by rational and ethics criteria. They act like modernity strange elements on social actors. Key Words: Organ Donation; Ethics; Medical Sociology *Médico Intensivista e Mestrando em Sociologia Universidade Federal do Rio Grande do Sul Instituto de Filosofia e Ciências Humanas Programa de Pós-Graduação em Sociologia Enderço: Rua Ciro Gavião, 124/202 – Bela vista – Porto Alegre/RS – CEP 90470-020 Fone: (51) 332.9779 – E-mail: [email protected] A s manifestações acerca da doação de órgãos para transplante procuram reforçar a idéia de solidariedade, altruísmo e elevado espírito fraterno para promover o aumento do número de doadores. Frases encontradas em recente campanha, em folheto distribuído durante as eleições municipais do Rio Grande do Sul, servem de ilustração destas idéias quando dizem “Doação de órgãos. Um gesto de amor à vida. Esse é um ato de civismo. Esse é um ato de amor. Seja um salvador de vidas”. Mas essas afirmações e estratégias representam um comportamento daqueles que autorizam a doação no nosso meio? Possivelmente sim. E podem atingir toda a complexidade de motivações que esses indivíduos vivenciam frente ao processo de autorizar ou não a doação? Mais provavelmente que não. Mesmo os profissionais que trabalham na assistência ao potencial doador e à família relacionam um conjunto mais amplo de fatores que permeiam as situações entre apoiar ou não apoiar o processo de doação. Enfermeiras da Inglaterra relataram que o valor da contribuição do doador, a idéia de ter outro órgão/tecido em seu próprio corpo, a moral individual, a mutilação do corpo pósmorte e o potencial desconforto que poderia ocorrer com os familiares” influenciavam sua atitude 1. Na Alemanha, estudantes de medicina que não eram doadores, relatavam maior medo da destruição física do corpo e reservas com a doação, com significância estatísticas em comparação com aqueles que tinham cartões do doadores 2. Então, um conjunto maior de atores sociais, para além dos usuais alvos das campanhas educacionais e públicas, apresenta mais elementos que a solidariedade pura e simples. Também os relacionamentos desses atores e campanhas temáticas se fazem em campos sociais e sistemas especializados que atendem a determinados interesses. Quando inúmero artigos e estudos afirmam algo como o que se segue, é possível pensar em uma maior amplitude para o problema da doação de órgãos. A falta de motivação e participação das equipes médicas que trabalham nos serviços em que se produzem os potenciais doadores, reafirma a necessidade de melhor informação e coordenação, ...” 3. No México a consciência médica e pública a favor da doação e do transplante de órgãos é muito deficiente 4. ... na cidade de São Paulo existem 5 potenciais doadores de órgãos por dia, número suficiente para saturar as equipes de transplante em atividade, e que a recusa da doação por parte dos familiares não é o principal motivo que leva a escassez de doadores, mas sim a falta de estruturação das equipes que dão atendimento médico no sentido de reconhecê-los e promover a manutenção adequada para que se viabilize a doação dos órgãos 5. As taxas de doação de órgãos poderiam ser aumentadas por melhoras na qualidade dos cuidados hospitalares e assegurando que a requisição por doação esteja de alguma maneira reunindo as necessidades de in- Volume 13 - Número 2 - Abril/Junho 2001 71 ENSAIO formações e emocionais das famílias 6. ... resultados indicam que informações culturais-específicas acerca das taxas de falência orgânica e doação de órgãos, quando apresentados por indivíduos conhecedores da cultura, poderiam aumentar doação dentre a população americana nativa 7. Sim, vamos pagar por órgãos. Não dos vivos, que é degradante. Mas com os mortos a história é diferente 8. REALIDADE E DEBATE São muitos os elementos, complementares ou concorrentes que compõe o cenário da doação de órgãos e transplante. A doação de órgãos é um tema no qual vários fatores participam para torná-lo difícil em nosso meio, começando pela própria centralidade da perda, com morte freqüentemente violenta e inesperada, aspectos psicológicos da família, as condições de sua assistência e do potencial doador, bem como das condições das equipes e instituições que atendem ao processo. As previsões estatísticas estabelecem que 2% das pessoas falecidas ou 45 indivíduos por milhão de habitantes por ano são doadores em potencial. As notificações de morte encefálica no Rio Grande do Sul representam cerca de 16 notificações por milhão de habitantes por ano, com 23 % de negativa familiar em 1997, ficando muito abaixo do sistema espanhol, que detém os melhores resultados com 33,3 doadores/milhão hab./ano em 1999, onde a recusa familiar responde por 18% dos casos de não doação e onde a campanha de motivação diz “Piensa en ti. Sea donante!” A Central de Notificação, Captação e Distribuição de Órgãos (CNCDO), órgão responsável a nível estadual, vinculada à Secretaria Estadual de Saúde do Estado do Rio Grande do Sul, recebeu 239 notifica- 72 RBTI - Revista Brasileira Terapia Intensiva ções de morte encefálica no ano de 1999, resultando em 72 (30%) doações. Dados parciais do ano de 2000, janeiro a 19 de junho, mostram 144 notificações e 18 (12%) autorizações para doação, mostrando uma tendência a queda de doações. Nos EUA estima-se a presença em 13.700 doadores potenciais por ano, com uma taxa de 21,2 doadores/milhão de habitantes/ano, efetivando cerca de um terço de doadores – 299 de 916 pacientes em 1990, resultados similares aos encontrados para o ano de 1993. São apontados três principais problemas na doação de órgãos: a ausência de identificação adequada dos pacientes como potenciais doadores pelas equipes assistenciais; falha em interrogar a família sobre a intenção de doar; e a recusa da família em consentir com a doação justificada primeiramente por receio e pouco crédito nos métodos de diagnóstico da morte encefálica; por vislumbrar a retirada dos órgãos como mutiladora, trazendo-lhes mais sofrimento; e por fim, por entenderem que os beneficiados com os transplantes poderão ser pessoas com maior poder econômico. As normas e regras do sistema político e os valores tradicionais do sistema econômico já não dão conta em promover completa segurança nessa nova interação social. Recentemente, a sociedade brasileira reviu alguns desses aspectos normativos, quando a Lei n.º 9.434, votada no Congresso Nacional em 04 de fevereiro de 1997, aprovou nova legislação sobre o tema de doação de órgãos. Dentre os inúmeros encaminhamentos legais do processo - da notificação dos casos de morte encefálica, captação dos órgãos, do transplante em si e estrutura coordenadora e pagadora – a nova lei aceitou como mudança substancial a premissa da doação presumida, o que significa que todo brasileiro tornava-se doador compulsório até sua manifestação expressa em contrário. Essa mudança fez frente à legislação anterior que legalizava uma posição de doação consentida ou informada (Lei n.º 8.489, de 18 de Novembro de 1992), onde a família sempre era argüida para autorizar a doação ou não 9, 10. Contudo, frente ao debate social – matérias na mídia, pesquisas e pareceres técnicos contrários - foi editada a Medida Provisória Presidencial n.º 1.718, de 06 de outubro de 1998, que reinstituiu a consulta aos familiares responsáveis, permitindo-os a autorização ou a negação da doação de órgãos para fins de transplante 11. É nesse cenário conflituoso entre atores, sistemas e campos sociais, permeado por intersubjetividades, que um olhar sociológico, não sob a perspectiva da promoção da doação em si, no campo do assistencialismo, mas como tentativa de compreensão da sociedade moderna, pode contribuir para superar equívocos e inconsistências desse processo. No século XX, a sociedade moderna caracterizou-se pelas grandes migrações: migrações populacionais dos campos para as cidades, da Europa para demais continentes; migração da força de trabalho da área rural para industrial e tecnológica, mais recentemente; migração das mulheres para fora do lar, com novos enfrentamentos no mercado de trabalho; migração econômica e beliscista eurocêntrica para americana (EUA, Canadá) e asiática (Japão, China e ex-União Soviética). Também caracterizou-se por desintegrações de antigos padrões de relacionamento social humano, como a quebra de elos entre gerações, emancipação da mulher, preocupações ecológicas, espaço de vida cada vez mais criado e urbanizado – em contraste ao natural ou intocado – enfim, com valores ocidentalizados na maior parte do mundo: da individualidade, liberdade e liberalismo, no modelo consumista e capitalista. Reconstruir a história do século Volume 13 - Número 2 - Abril/Junho 2001 RBTI - Revista Brasileira Terapia Intensiva XX passa por reaprender os padrões de convivência e tolerância interpessoal a nível mundial, de uma sociedade moderna que, em aproximação a conceituação de Giddens, “refere-se a estilo, costume de vida ou organização social que emergiram na Europa a partir do século XVII e que ulteriormente se tornaram mais ou menos mundiais em sua influência.” 12. Giddens formula seu conceito de modernidade a partir da soltura da presilha dos tipos tradicionais de ordem social pré-modernos, com mudanças (tensões) em um plano “extensional”, representando a cobertura global das novas interconexões e outro plano “intensional”, isto é, não somente alterações estruturais mas também ação e relacionamentos íntimos e cotidianos de nossas vidas – vivemos assim em um mundo criado. Ao evolucionismo de Marx, que enxerga nas mudanças uma governança e orientação histórica, inexorável e dinâmica, os caminhos, porém, que Giddens localiza para esses passos não são de uma evolução contínua, mas sim de descontinuidades: Desconstruir o evolucionismo social significa aceitar que a história não pode ser vista como uma unidade, ou como refletindo certos princípios unificadores de organização e transformação. Mas isto não implica que tudo é caos ou que um número infinito de “histórias” puramente idiossincráticas pode ser escrito 12 (p. 15). Algumas características são apresentadas para identificar essas descontinuidades. Uma delas é a velocidade das mudanças ocorridas, ultrapassando as civilizações tradicionais antecedentes, garantidas pelo acréscimo de tecnologias comunicativas. Outras dessas caraterísticas são os resultados das mudanças, daquilo que Weber entendia como a previsibilidade do sentido de sua ação, onde uma vez interconectados, “ondas de transformação social penetram através de virtualmente toda a superfície da Terra”. E como terceira característica, a “natureza intrínseca das instituições modernas”, demonstrando a diversidade de estágios históricos das estruturas sociais em diferentes áreas e seus sistemas institucionais formais – o estado-nação – e informais, através dos novos movimentos sociais. Mesmo para registros utópicos e idealistas como de Tomás Mórus, publicado pela primeira vez em 1516, não se conseguiu alcançar a objetividade multifacetada e dinâmica da sociedade do futuro. Cuida-se que nada referente ao Estado seja decidido sem ter sido levado à deliberação do senado três dias antes de um decreto ser votado. Discutir interesses públicos fora do senado e das assembléias constituídas é passível da pena capital 7 (p. 77). DEBATE E CONSENSO Mas como passar pela formalidade do Estado tudo que diz respeito a sociedade moderna? Como dinamizar os mundos do Estado e do Mercado sem outro recurso que não o da política formal, mesmo democrática e representativa? Como sonhar é preciso, pensamos que os verdadeiros interesses públicos utópicos que em Mórus se restringem ao mundo do Estado, melhor estariam expressos pelo mundo da vida, da figura 1. Mesmo tendo emergido do século XIX uma sociedade industrialista e capitalista, onde o sistema produtivo compra a força de trabalho, mercadorizando-a, excluindo os trabalhadores da propriedade e conseqüente bem-estar, ou seja, uma sociedade resumida aos Estados-nação, Giddens ressalta que não se deve encarar tais caracterizações como exclusivas: “A modernidade, sugiro, é multidimensional no âmbito das instituições, e cada um dos elementos Volume 13 - Número 2 - Abril/Junho 2001 ENSAIO especificados por estas várias tradições representam algum papel” 12. Mas à modernidade não bastam direitos civis e políticos desses Estados, não se limita ao processo representativo e eleitoral de um governo, de uma estrutura multipartidária – duradoura e sem censura. Direitos também ao acesso ao conhecimento e à prosperidade desafiam a modernidade. Corresponder a essas novas demandas e conflitos é o desafio dos Estados-nação. Quando novos grupos sociais, antes excluídos das ofertas do mercado e do Estado passam à frente de novos movimentos, isso faz mover-se um bloco de forças e lutas no caminho da geração de novos produtos e do desenvolvimento, da eficácia da instalação atual, de mobilidade social e pressão política. O reconhecimento indentitário dos indivíduos perante esses mundos - do mercado, do Estado e da vida – através de grupos familiares ou gerais (escola, país, língua, cultura, etc.), antecipa sua participação em movimentos coletivos. Porém, não é um movimento individual, sim público e privado, real, conflituoso, informal e latente. Habermas interfere radicalmente com uma crítica aos fundamentos de uma razão iluminista quando fala: Ora, se a modernidade é descrita como um contexto de vida reificado e explorado, tecnicamente controlado ou totalitariamente dilatado, submetida a relações de poder, homogeneizado e encarcerado, as denúncias são sempre inspiradas por uma especial sensibilidade para ferimentos complexos e violações sutis. Nessa sensibilidade inscreve-se uma imagem de uma intersubjetividade ilesa que, de início, o jovem Hegel tivera em mente como totalidade ética. 14 (p. 468). 73 RBTI - Revista Brasileira Terapia Intensiva ENSAIO Mundo da Vida Mundo do Mercado Mundo do Estado FIGURA 1. Dimensões dos Mundos da Modernidade. Nas setas os movimentos sociais. Portanto, para Habermas, os atores sociais constróem sua intersubjetividade não por referências normativas, como graça e iluminação. Também não por uma consciência de sua práxis, de uma conexão falsamente presente entre as forças produtivas e as relações de produção, que não atendem a subjetividade e autoreflexão. Mas os atores sociais movimentamse para superar as crises conseqüentes das modernas relações tecnicizadas – orientadas racionalmente para estratégias, eficiência e qualificação, representações dos sistemas econômico e políticos, em outras palavras mercado e Estado – através dos recursos da linguagem. São elementos de um agir comunicativo que proporcionam a criação e sustentação de um mundo da vida 15. As crises de motivação e legitimação do capitalismo tardio poderiam ser superadas por um consenso, 74 por ações interconectadas entre vários sujeitos autoreflexivos e transformadores, capazes de passar seus próprios motivos privados por um filtro público e crítico no sentido da transformação dessas crises. Este debate argumentativo da força do seu modelo societal não é consenso, logicamente, como demonstra o próprio Giddens em suas críticas, mas esta polêmica fica além dos objetivos deste artigo 16. Mas é no campo da ciência que verdadeiramente concentramos nosso foco e, para especial análise ante o conflito que estabeleceram as falas empíricas do início deste texto que temos pretensão de nos questionarmos: Como podem os atores sociais familiares responsáveis pela decisão de autorizar ou não a doação de órgãos – que verdadeiramente não são convidados a participar desse cenário, mas sim exigidos a que se apresentem, usarem de seus recursos racionais e comunicativos para participar ou conservar, de fato, do mundo da vida? Como que envolvendo os dois princípios – identidade e oposição – o princípio de totalidade enseja o conjunto de valores e ideais a que se propõe causa do movimento. Algo como diz Habermas em sua análise sobre movimentos de cidadania: As associações livres formam o ponto nodal de uma rede comunicacional que nasce no entrelaçamento de espaços públicos autônomos. Tais associações são especializadas na produção e na difusão de convicções práticas, logo especializadas em descobrir temas capazes de ter uma ressonância social global, de contribuir para eventuais soluções, de interpretar valores, de Volume 13 - Número 2 - Abril/Junho 2001 RBTI - Revista Brasileira Terapia Intensiva produzir boas razões, e desmontar outras. Elas só podem tornar-se eficientes de maneira indireta, ou seja, modificando, através de uma ampla mudança de atitude e valores, os parâmetros da formação da vontade constituída 17 (p. 13). Encontramos, portanto, movimentos sociais historicamente situados e objetos de interesse dialeticamente formulados. Se os temas são livres, o processo de desenvolvimento é não controlado e não limitado, então desafiadoramente, os próprios movimentos sociais não estão circunscritos em suas representações, não como respostas ao menos, quiçá, como expressão. PARA UM MUNDO DA VIDA Se a sociedade moderna é uma sociedade da informação, da tecnologia, do dinamismo, da comunicação, enfim, da mudança frenética, é ao próprio homem como elemento social – porque já reconhecemos que a natureza ou seu mundo natural está recriado – que cabe papel ativo quanto ao reconhecimento de sentido da vida, de identidades e comportamentos. Seu comportamento frente a opções sexuais, raça ou cor da pele, religião, ecologia, do modo de vida urbana, da violência, da manipulação genética, do militarismo, das igualdades ou diferenças, etc., são amostras de quão diverso, complexo e intercambiável pode ser a participação do homem moderno. Mas os atores do momento, deste espaço de diálogo – os familiares responsáveis – encontram-se fragilmente situados e confrontados com o espaço da racionalidade técnica e das forças do espaço do consumo. Pode-se dizer, em um campo alienado? E podemos supor que, no conflito decisório entre autorizar uma doação de órgãos ou negá-la, qualquer destes movimentos poderia representar uma tentativa emancipatória, de racionalidade intersubjetiva em defesa de um mundo vivido? É possível que sim: quem nega faz um esforço no sentido de levar suas próprias críticas discursivas, justificando uma não adesão às forças do mercado, que exigem mais doadores para manter sua produção transplantadora em ordem. É um esforço de não adesão ao industrialismo de medicamentos e tecnologias, que pouco relaciona-se com seu mundo, exceto quanto ao “consumo” da solidariedade e do altruísmo. Ou como no modelo espanhol – pensando em um futuro em ti mesmo, doador? Mas o movimento dos que concordam também pode ser representativo de um caráter emancipador desses atores. Também seus esforços reconstituem o mundo da vida, procurando romper com as esferas do consumo individualista da sociedade moderna. Também encerra elementos verdadeiros no campo discursivo, partilhados com seu próprio grupo social e campo de valores – não do consumo, do saber científico ou jurídico, de uma razão instrumental – mas, cultural e religioso, étnico ou estético, isto é, do seu mundo da vida. Por fim, há lógica entre as decisões de doar ou não doar órgãos que podem colocar esses atores em situação de acordo com outros sistemas sociais, junto às forças representadas na figura 1. Não são tipos racionais puros, construídos no modelo weberiano explicativo do controle instrumental dos processos sociais e naturais. São mais esferas de ação, mediadas pelos recursos da comunicação, que sistematicamente dialoga com outras esferas e campos do conhecimento, buscando legitimação consensual. Como entende Honneth: O pano de fundo para este pensamento encontra-se na reflexão segundo a qual cada ato da fala em busca de entendimento já se movimenta a priori no contexto de uma situação reconhecida intersubjetiva- Volume 13 - Número 2 - Abril/Junho 2001 ENSAIO mente. As contribuições dadas para a interpretação cooperativa de cada processo de entendimento não pressupõe sempre uma nova definição de todos os elementos integrantes da situação; essas contribuições, pelo contrário, procuram, por sua vez, reconectar-se em um número infinito de convicções já vividas e rotineiras. Esse horizonte de pressuposições partilhadas intersubjetivamente, no qual cada processo comunicativo encontra-se embutido, é denominado por Habermas de “mundo vivido”. Ele compreende como sendo o resultado de ações comunicativas, ou seja, o produto histórico de esforços interpretativos de gerações passadas 15 (p. 22). Mesmo diante dessa terminologia diferenciada para o interagir social do nosso cotidiano não acadêmico, o que permanece como incógnita é de quanto o homem pode ser sujeito de sua história, construtor consciente de suas ações – até para os riscos inimagináveis de Giddens. É pensar um poder legítimo enquanto fonte de opiniões filtradas neste espaço público do mundo da vida, com suas também autênticas forças intervenientes, com soluções de problemas técnicos da vida moderna consensualizadas pela competência comunicativa 18, 19. Concluo com algumas falas sobre o tema da doação de órgãos, que nos moldes da nossa sociedade atual não deixa claro se quem doa é quem ganha o mundo da vida. Doar não é ganhar, ao menos para si como faz a campanha da Espanha. Recupero, finalmente, algo que realmente se aproxima culturalmente da nossa sociedade brasileira, onde o mais relevante seja compartilhar com a família esse debate, onde realmente uma rede de valores e referências possam ser consensuais: Seja doador, fale com a família! 75 RBTI - Revista Brasileira Terapia Intensiva ENSAIO A AMB [Associação Médica Britânica] fará pressão junto ao governo para introduzir um sistema de ‘consentimento presumido’para doação de órgãos, sob o qual os médicos terão permissão para assumir que todos os pacientes estão de acordo a terem seus orgãos removidos após a morte, a menos que eles tenham registrado sua objeção anteriormente 20. Médicos da cidade de Bangalore, sul da Índia, removeram um rim de um homem de 36 anos, surdo e mudo, e transplantaram-no em seu irmão que tinha insuficiência renal em estágio final. À operação seguiuse um debate ético de seis semanas, sobre a retirada de um órgão de um doador incapaz de comunicar-se ou dar consentimento para a operação 21. A decisão para doar é em última instância tomada por membros da família do provável candidato à doação, visto que cerca de metade daqueles que desejam doar não tornam seus desejos conhecidos. Intervenções voltadas para indivíduos em diferentes estágios de envolvimento precisam entender que são as famílias que mais podem responder em concordância com os desejos de seus entes queridos 22. Em geral, então, eu poderia argüir que a questão de responsabilidade corporativa é tão relevante no contexto do sistema de cuidados à saúde estatal quanto no contexto do comércio e indústria privada. As capacidades e limitações morais das organizações são similares tanto para as privadas quanto as públicas [estatais], e o quanto elas são independentes ou partes de um sistema mais amplo 23. 76 RESUMO O tema da doação de órgãos ocupa um espaço que vai além do conhecimento médico. O processo de doação mantém profundas interações com os valores individuais e sociais, implicando, nos seus encaminhamentos, em uma intromissão colonizante nas esferas do “mundo da vida” dos atores sociais – potenciais doadores e familiares. Mesmo o conjunto jurídico, recentemente revisto na legislação brasileira, e os interesses do mercado e da tecnologia, por mais estruturados e vigiados se encontram, não permitem que a comunicação seja filtrada por um espaço público legítimo e as decisões sejam consensualizadas por critérios éticos e racionais. Provocam, sim, um estranhamento dos atores socais com os aparatos da modernidade. Unitermos: Doação de Órgãos; Ética; Sociologia Médica BIBLIOGRAFIA 1. 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Finally we reviewd some articles that describe the use of TiC in pediatric patients, studies that determine the pediatric reference ranges, some case reports and studies of cardiac sugery in congenital diseases. The purpose of this up-to-date review is to present a laboratorial test that can be an important tool to investigate cardicac disease patient, mainly in pediatric which the treatment of these diseases are always difficult situations. *Médico Responsável – UTI pediátrica do Hosp. São Domingos, Catanduva/SP Médico diarista – UTI Pediátrica do Hospital Padre Albino / Faculdade de Medicina de Catanduva, Catanduva/SP Pós-graduado do Dep. de Pediatria da Universidade Federal de São Paulo / EMP Endereço: Rua Avai, 100 – Parque Iracema – Catanduva/SP – CEP 15800-000 Tel: 0 (xx) 17 – 523-1247 – [email protected] **Professor Livre Docente da Disciplina de Especialidades Pediátricas Departamento de Pediatria da UNIFESP/EPM Chefe da UCI Pediátrica do Hospital São Paulo – UNIFESP/EPM Volume 13 - Número 2 - Abril/Junho 2001 A utilização de marcadores bioquímicos de lesão miocárdica iniciou-se com Karmen, em 1954(1), demonstrando o aumento da atividade da enzima transaminas glutamato oxaloacética (TGO) em pacientes com infarto agudo do miocárdio (IAM). Desde então, vários pesquisadores têm procurado o marcador ideal, o qual deveria: ser encontrado em grande quantidade no miocárdio; não ser encontrado em outros tecidos, mesmo em quantidades desprezíveis, ou seja, ter alta especificidade; ser liberado rapidamente e completamente após lesão miocárdica; ser liberado proporcionalmente a extensão da lesão; permanece no plasma por um intervalo de tempo que permita um diagnóstico tardio, mas não por tanto tempo que não permita o diagnóstico de lesões recorrentes; alta sensibilidade; permitir uma mensuração quantitativa, rápida, fácil e com baixo custo.(2,3) Um marcador ideal que, isoladamente, preencha todos os requisitos apresentados acima até o momento não foi identificado, porém, vários marcadores têm sido utilizados na prática clínica diária, entre eles destacamos a creatina fosofocinase (CK), CK total, CK-MB, a desidrogenase lática (DHL) e a mioglobina. O uso desses marcadores, ao lado de outros métodos diagnosticados como eletrocardiograma e ecocardiograma, tem sido o padrão utilizado para o diagnóstico de lesão miocárdica no IAM, no entanto, apesar de uma boa sensibilidade, não apresentam a especificidade desejada, sendo difícil a sua interpretação em situações onde coexiste lesão muscular esquelética e disfunção renal, além de não permitir um adequado diagnóstico retrospectivo e nem uma definição prognostica.(2,3,4) As troponinas formam um complexo de proteínas regulatórias, presente somente nos músculos estriados, que modula a interação actina-miosina mediada pelo cálcio. O complexo é formado por três polipeptídeos, a troponina T (TnT), responsável pelo ancoramento do complexo à tropomiosina, a troponina C (TnC), que se liga ao cálcio regulando a contração muscular e a troponina I (TnI), que evita a contração muscular, na ausência de cálcio, inibindo a enzima actinomiosina ATPase. A TnI pode ser encontrada em três isoformas determinadas por três genes distintos, cada uma apresentando seqüência de aminoácidos própria. Duas estão presentes 77 PEDIATRIA na musculatura esquelética slowtwich (ssTnI) e fast-twich (fsTnI). A terceira, presente no coração, troponina I cardíaca (TiC), apresenta uma seqüência de aminoácidos diferente das outras isoformas em 40% da seqüência tendo 31 adicionais na porção N-terminal. Esta heterogeneidade entre as isoformas da TnI confere alta especificidade à TiC.(5,6,7,8) A determinação dos níveis séricos de troponinas, TnT e TiC, vem sendo utilizada como método auxiliar no diagnóstico de lesão miocárdica. O desenvolvimento de métodos laboratoriais que permitem uma dosagem rápida, automatizada, com boa sensibilidade, alta especificidade e baixo custo relativo, fez com que inúmeros trabalhos surgissem, investigando a aplicabilidade clínica desses marcadores.(9,10,11,12) Alguns dos testes comercializados para detecção de TiC baseiam-se em ensaios imunoenzimo flurogênicos que utilizam anticorpos policlonais, de origem animal, direcionados a diferentes segmentos proteicos, exclusivos da TiC, o que lhe confere grande especificidade. A análise é feita em sangue periférico, o resultado é obtido em 20 minutos e o valor referencial de normalidade é menor que 0,4 ng/ml.(10) O primeiro a demonstrar a possibilidade do uso de TiC sérica foi Cummings e cols., em 1987(13), para se diagnosticar infarto agudo do miocárdio (IAM). As diversas pesquisas publicadas, a partir de então, têm encontrado resultados semelhantes, definindo a TiC como um marcador de lesão miocárdica tão sensível quanto os outros marcadores, com evolução temporal que lhe confere a possibilidade de ser usada na definição de um diagnóstico retrospectivo e, como principal característica, praticamente 100% de especificidade, não apresentando elevação em patologias onde coexiste lesão muscular esquelética e, ou, 78 RBTI - Revista Brasileira Terapia Intensiva disfunção renal. Além dos fatos positivos colocados acima, destaca-se o resultado de algumas pesquisas que demonstram relação dos níveis séricos de TiC com a gravidade do quadro, ou seja, possui valor prognóstico, uma importante possibilidade de uso para esse marcador.(15,16,17,18,19,20) Apesar da maioria das pesquisas relatarem o uso da TiC em pacientes com IAM, vários estudos têm demonstrado a sua aplicabilidade também em situações onde a lesão não se relaciona a um evento isquêmico como em pacientes com miocardite, depressão miocárdica associada ao choque séptico, insuficiência cardíaca de causa não isquêmica e contusão cardíaca.(21,22,23,24,25) O diagnóstico de lesão em pacientes pediátricos não é um evento comum na prática clínica diária. São poucas as patologias onde se identifica este tipo de lesão, talvez por isso, o número de publicações relatando o uso de TiC em crianças é muito pequeno. Um estudo de Hirsch, em 1997(26), analisando 275 pacientes, de 0 a 228 meses de idade, divididos em grupos com e sem patologias cardíacas, determinou os valores séricos de TiC através de métodos imunoenzimáticos, demonstrando que pacientes pediátricos, têm valores séricos de TiC similares aos dos adultos e um padrão semelhante de elevação ao longo do tempo após lesão miocárdica. Quivers, em 1999(27), estudando o efeito da idade gestacional e do peso de nascimento nos níveis de TiC no primeiro ano de vida e Soldin, em 1999(28), com o objetivo de determinar referências pediátricas para CK, CK-MB, TiC, ferro e cortisol, encontraram valores elevados de TiC no primeiro ano de vida, principalmente em pacientes neonatais prematuros, o que foi associado possivelmente a presença de apoptose. A maioria das pesquisas publicadas apresentam a utilização de TiC em pacientes submetidos a correção cirúrgica de cardiopatias congênitas (CC) e, nesses estudos, os resultados obtidos vão de encontro aos obtidos nos adultos. Immer, em 1998(29), publicou estudo onde compara TiC, TnT, CK e CK-MB em pacientes pediátricos submetidos a cirurgia cardíaca com diferentes graus de complexidade. Os resultados levaram a conclusão que a TiC e TnT se mostraram marcadores mais sensíveis específicos para determinação da extensão da lesão miocárdica do que a CK e CK-MB. Além disso, a TiC não foi influenciada por comprometimento da função renal, o que não se observou com relação a TnT, a qual se manteve elevada nos pacientes que apresentaram essa complicação. Os dados levaram o autor a afirmar que a dosagem de TiC sérica é o marcador ideal de lesão miocárdica. Taggart, em 1996(30) e em 1997(31), Hirsch, em 1998 (32) e Grant, em 1994(33) também utilizando a dosagem de TiC em pacientes portadores de cardiopatias e submetidos a vários tipos de cirurgias cardíacas, inclusive transplante cardíaco, encontraram resultados semelhantes aos encontrados em pacientes adultos e por Immer(29). Esses resultados levaram os autores a concluírem que a dosagem sérica de TiC em pacientes pediátricos permitirá a avaliação da efetividade de novas técnicas de proteção miocárdica e de novas estratégias terapêuticas. Permitirá a determinação da presença e extensão, de lesão miocárdica no pós-operatório, auxiliando na diferenciação entre lesão causada pelo ato cirúrgico e aquela relacionada a outros fatores perioperatórios. Além disso, também permitirá uma melhor seleção de doadores, com um, conseqüente, maior sucesso dos transplantes. Lipshultz, em 1997(34), estudou o Volume 13 - Número 2 - Abril/Junho 2001 RBTI - Revista Brasileira Terapia Intensiva valor prognóstico de TnT em pacientes pediátricos com risco de lesão miocárdica incluindo, em seu grupo de estudo, pacientes submetidos a cirurgia cardíaca, pacientes submetidos a cirurgias que não envolvem o sistema cardiovascular e pacientes oncológicos recebendo quimioterapia. Seus resultados levaram-no a concluir que elevações nos níveis séricos de Tnt relacionaram-se com a gravidade da lesão miocárdica e tiveram poder prognóstico com relação à morbi-mortalidade. A possibilidade do uso de TnT como fator prognóstico em pacientes submetidos a cirurgia cardíaca também é referida por Taggart(30). A TiC, por similaridades com a TnT, possivelmente tem uma importante relação com o prognóstico nos pacientes pediátricos, o que foi apresentado por Hirsch(32), que demonstrou em seu trabalho uma relação entre níveis séricos elevados de TiC, na primeira hora após correção cirúrgica de CC, e dificuldade de recuperação pós-operatória. Além dos estudos em pacientes cardiopatas, submetidos a cirurgia, outras situações têm surgido onde a dosagem de TiC vem sendo usada para se diagnosticar uma possível lesão miocárdica. Kim, em 1999(35), estudou 45 pacientes pediátricos com diagnóstico de doença de Kawasaki. Neste estudo dosou-se TiC e CK-MB nos pacientes antes da infusão de gamaglobina intravenosa (GGIV). Os resultados levaram o autor a concluir que a TiC auxiliou no diagnóstico precoce de miocardite, o que permitiu o uso de GGIV em uma fase inicial do processo reduzindo a incidência de alterações cardiovasculares em seus pacientes. Briassoulis, em 2000(36), relata o caso de uma paciente de 10 anos de idade com diagnóstico de meningococcemia que evoluiu com disfunção cardíaca e, após vários exames laboratoriais, entre eles a dosagem sérica de TiC, demonstrou-se apresentar um IAM não-Q. Os resultados dos estudos demonstram que a dosagem de TiC sérica apresenta várias das características apresentadas, no início desta revisão, como ideais para um marcador de lesão miocárdica. Somamos a estas a baixa invasividade na coleta do material para a dosagem, que deve ser feita em sangue periférico, e a facilidade de interpretação dos resultados. Todos os dados apresentados nos levam a inferir que a dosagem de TiC sérica deve fazer parte, quando possível, de todos os protocolos de diagnóstico e, ou, investigação de patologias caracterizadas por lesão miocárdica ou aquelas que se apresentam com depressão da função cardíaca de causa não esclarecida, inclusive na população pediátrica. RESUMO Nesta atualização revemos vários estudos que descrevem a utilização da dosagem sérica de troponina I cardíaca (TiC). Inicialmente descrevemos algumas importantes características bioquímicas da TiC e de sua dosagem laboratorial. A seguir apresentamos estudos onde se utilizou a dosagem de TiC em várias situações diferentes, em pacientes adultos, onde esta se mostrou uma importante ferramenta na prática clínica diária. Finalmente, revemos os poucos artigos que descrevem o uso de TiC em pacientes pediátricos, estudos com o objetivo de determinar valores de referência, relatos de casos e estudos em pacientes submetidos a correção cirúrgica de cardiopatias congênitas. O objetivo desta atualização é apresentar um exame laboratorial que pode ser uma importante ferramenta na abordagem de pacientes com doenças cardíacas, principalmente em pacientes pediátricos, onde estas doenças freqüentemente nos colocam em situações difíceis. Volume 13 - Número 2 - Abril/Junho 2001 PEDIATRIA REFERÊNCIAS 1. Kanncm A, Wroblewski F, Ladue JS. Transaminase activity in human blood, J Clin Invest 34:126-133, 1954 2. Adams III je, Abendschein DR, Jaffe AS. Biochemical markers of myocardial injury. Is MB Creatine Kinase the choice for the 1990S?. Circulation 88(2): 750-763, 1993. 3. Mair J, Puschendorf B, Michel G. Clinical significance of cardiac contractile proteins for the diagnosis of myocardial injury. Adv Clin Chem 31:63-98, 1994. 4. Keffer JH. Myocardial markers of injury. Evolution and insights. Am J Clin Pathol 105:305-320, 1996. 5. Wilkinson JM, Grand RJA. Comparison of amino acid sequence of tropnnin I from defferent striated muscle. Nature 271(5):31-35, 1978. 6. EI-Saleh SC, Warbe KD, Potter JD. The role of tropomyosin-troponin in the regulation of skeletal muscle contraction. J Muscle Res Cell Motil 7:387-404, 1986. 7. Sasse S, Brand NJ, Kyprianou P, Dhoot GK, Wade R, Arai M, Periassamy M, Yacoub MH, Barton PJR. 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Glypressin® Informações para prescrição: Indicações: Glypressin® é indicado para o tratamento de hemorragias de varizes esofagianas. Contra-indicações: Glypressin® é contra-indicado durante a gravidez e em casos de choque séptico. Precauções: O produto deve ser mantido na embalagem original (à temperatura ambiente de aproximadamente 25°C). Durante o tratamento com Glypressin® a pressão sangüínea, freqüência cardíaca e o balanço de fluídos devem ser monitorados cuidadosamente. Especial atenção deve ser dispensada a pacientes com hipertensão e doenças cardíacas. Para evitar necrose local, a injeção deve ser realizada estritamente intravenosa. Devido a experiências limitadas, cuidados especiais devem ser tomados durante o tratamento de crianças e idosos. Uso durante a gravidez e a lactação: O tratamento com Glypressin® durante a gravidez é proibitivo. Pois a terlipressina causa contrações uterinas e o decréscimo do fluxo sangüíneo uterino. Abortos espontâneos e má formação do feto têm sido relatados em estudos com ratos após a administração de Glypressin® . Qualquer informação sobre a transferência de Glypressin® para o leite materno é insuficiente, embora o aleitamento seja muito pouco provável em vista da condição médica da paciente. Idade : Em casos de idosos cuidados maiores devem ser tomados. Interrupção abrupta : A interrupção abrupta não tem demonstrado causar maiores conseqüências. Interações: O efeito hipotensivo dos bloqueadores não seletivos sobre a veia porta é incrementado pela terlipressina. A redução da freqüência e do rendimento cardíaco causado pelo tratamento pode-se atribuir a uma inibição reflexogênica da atividade cardíaca através do nervo vago como um resultado do aumento da pressão sangüínea. Tratamento concomitante com drogas que são reconhecidamente indutoras de bradicardia (por exemplo propofol, sufentanil) poderá causar bradicardia severa. Reações adversas: As mais comuns reações adversas para uma dose de 2 mg de Glypressin® são: Palidez, aumento da pressão sangüínea, dor abdominal, náusea, diarréia e dor de cabeça causadas pelo efeito vasoconstrictor da droga. Efeitos colaterais : O efeito colateral mais comumente relatado é a bradicardia (0,4%).Foram relatados casos isolados de efeitos mais sérios, tais como, necrose local, infarto do miocárdio, falência do ventrículo esquerdo e aflição respiratória. Cuidados de armazenamento: O produto deve ser mantido ao abrigo da luz, à temperatura ambiente ± 25ºC. Prazo de validade: Glypressin® armazenado da forma descrita anteriormente é valido pelo prazo de três anos à partir da data de sua fabricação. Posologia: Inicialmente uma dose intravenosa por injeção em bolus de 2,0 mg de Glypressin® com o controle da pressão sangüínea e da freqüência cardíaca; as subseqüentes injeções de 2,0 mg de Glypressin® devem ser administradas a cada 4 horas. O tratamento é continuado até que o sangramento tenha sido controlado por 24 horas ou por um período máximo de 48 horas. Após a dose inicial, as doses subseqüentes podem ser reduzidas para 1,0 mg de Glypressin® para os pacientes pesando menos que 50 Kg ou a 1,5mg para pacientes entre 50-75 kg, ou ainda, quando necessário devido a reações adversas. O pulso, a pressão sangüínea, o equilíbrio hidro-eletrolítico devem ser freqüentemente controlados durante o tratamento com Glypressin®. 80 Volume 13 - Número 2 - Abril/Junho 2001 RBTI - Revista Brasileira Terapia Intensiva ARTIGO ORIGINAL PROGNOSTIC V ALUE OF BLOOD LACT ATE VALUE LACTA AND AP ACHE II IN SEPTIC P ATIENTS PA APACHE Desanka Dragosavac**, Sania Dragosavac*, Elizabeth Bilevicius*, Renato G.G. Terzi**, Sebastião Araújo** INTRODUCTION Septic patients in ICU have high risk of developing multiple organ failure (MOF) and high mortality rates, in spite of modern technologies used nowdays. Various prognostic methods have been suggested in order to evaluate patient’s state and possible evolution, such as APACHE, SAPS, SOFA, blood lactate levels, intragastric mucosal pH etc. Surgery Department, Intensive Care Unit UNICAMP - University of Campinas, Brazil * Students ** Professors Desanka Dragosavac – Rua Lopes Trovão 336, apto 112 – CEP 13090-090 Campinas/Brazil e-mail: [email protected] Tel/Fax (019) 32530192 Volume 13 - Número 2 - Abril/Junho 2001 OBJECTIVE The objective of our study is to evaluate prognostic value of blood lactate and APACHE II in septic patients. PATIENTS AND METHODS We performed a retrospective analysis of 54 septic patients out of 249 critically ill patients admitted to the ICU of our University Hospital in 4 months period during 1999. There were 37 men and 17 women with age ranging from 15 to 81 years. Twenty four patients were clinical, 9 had elective surgery and 21 emergency surgery. APACHE 11 was calculated an admission to the ICU. Blood lactate values were taken for the first five days of the stay at the ICU. MOF and mortality were also recorded. Sepsis was diagnosed according to ACCP/SCCM criteria, while MOF was diagnosed according to Marshall and Meakings criteria. Blood lactate was measured by gasometric method (Radiometer-Kopenhagen BL3, normal value < 2,4 mmol/ 1). Statistical methods used: Spearman’s correlation coefficient, Mann-Whitney and Student t-test, p value < 0,05 were considered significant. RESULTS Twenty four patients survived and thirty died (total mortality 55,5%). The mean value ± SD of APACHE II for survivors was 21,11 ± 18,49, while for non-survivors it was 41,70 ± 25,81 (p<0,001). Blood lactate on the first day (BL1): survivors 3,72 ± 3,35 mmol/1; non-survivors 5,81 ± 4,75 mmol/1 (p<0,031). Blood lactate on the second day (BL2): survivors 2,39 ± 1,55 mmol/1; non-survivors 4,45 ± 3,83 mmol/1 (p<0,009). Blood lactate on the third day (BL3): survivors 1,86 ± 1,03 mmol/1; non-survivors 4,37 ± 3,46 mmol/1 (p<0,001). Blood lactate on the fourth day (BL4): survivors 1,76 ± 0,82 mmol/ 1; non-survivors 4,73 ± 4,76 mmol/1 (p<0,002). Blood lactate on the fifth day (BL5): survivors 1,86 ± 0,82 mmol/ 1; non-survivors 3,03 ± 2,20 mmol/1 (p<0,014). MOF on the first day (MOFI): survivors 1,96 ± 1,10 ; non-survivors 2,96 ± 1,48 (p<0,008). MOF on the second day (MOF2): survivors 1,96 ± 1,34; non-survivors 3,18 ± 1,44 (p<0,003). MOF on the third day (MOF3): survivors 1,88 ± 1,33; non-survivors 3,12 ± 1,15 (p<0,001). MOF on the fourth day (MOF4): survivors 1,79 ± 1,35; non-survivors 3,31 ± 81 RBTI - Revista Brasileira Terapia Intensiva ARTIGO ORIGINAL 1,46 (p<0,001). MOF on the fifth day (MOF5): survivors 1,65 ± 1,23; non-survivors 3,35 ± 1,50 (p<0,003). CONCLUSION There was significant statistical correlation in daily values of APACHE II, blood lactate and MOF between survivors and non-survivors, so we conclude that APACHE II and blood lactate have a good prognostic value in ICU patients with sepsis. Sepsis remains an important cause of morbidity and mortality in ICUs [1,7,8,9,11]. Septic patients present high risk of developing multiple organ failure (MOF), possibly due to tissue hypoxia. In ischaemic tissues, lactate is produced by anaerobic metabolism and it is believed that levels of blood lactate could have prognostic value in septic patients [26]. However, it is not yet clear whether occult tissue hypoxia or some other mechanisms related to sepsis, such as direct cell alterations, result in lactic acidosis observed in critically ill patients [3,4,6,22,23,24]. It has also been suggested that persistent mild hyperlactatemia in stable septic patients is a sign of altered lactate clearance rather than evidence of lactate overproduction and, therefore, should not be considered a reliable indicator of anaerobic metabolism [14,15,17]. Whichever the case, in sepsis, a high lactate concentration should be interpreted as a marker of disease and a prolonged acidemia should predict a poor outcome according to different authors [10,12,13,16,18,191. Several methods have been suggested in order to evaluate patient’s state and predict the outcome, such as APACHE I, II and III, SAPS I and II, SOFA, gastric intramucosal pH (pHi), blood lactate etc. They should help the physician to recognise patients with higher risk of developing MOF and also give the insight in physiological alterations that might lead to such condition. In this study, we examine the prognostic value of blood lactate and APACHE II in septic patients. PATIENTS AND METHODS We performed a retrospective analysis of 54 septic patients out of 249 critically ill patients admitted to ICU in our university teaching hospital during January, February, July and August 1999. There were 37 men and 17 women with age ranging from 15 to 81 years. Twenty four patients were clinical, 9 had elective surgery and 21 emergency surgery. APACHE II [21,30] was calculated on admission to the ICU. Blood lactate values were taken for the first five days of the stay at the ICU. MOF and mortality were also recorded. Sepsis was diagnosed acording to ACCP/SCCM criteria, that is, when two or more of the following were present temperature >38°C or < 36ºC, heart rate >90 beats/ min; respiratory rate >20 breaths/min; white blood cell count >12000 cells/ mm3, <4000 cells/mm3 or >10% immature cells and/or identified focus of infection or positive culture. MOF was diagnosed according to Marshall and Meakins criteria [26] (table 1). Blood lactate was measured in all patients by gasometric method, using Radiometer-Copenhagen BL3 machine. Statistical methods used: Spearman’s correlation coefficient to compare variables (APACHE II x MOF, APACHE II x lactate and lactate x MOF) and Mann-Whitney test to compare APACHE II, blood lactate and MOF between surviving and the non-surviving groups; p value < 0,05 was considered significant. RESULTS The incidence of sepsis in our ICU during the four months period was 21,68%. All septic patients presented high levels of blood lactate on the first day, but these levels decreased to normal values in the surviving group on the third day, while they remained high in the non-surviving group of patients (graph 1). There was good statistical correlation between lactate Table 1. Marshall and Meakins criteria for organ dysfunction SYSTEM/ORGAN DYSFUNCTION 1. Respiratory lung injury score ≥ 1 2. Kidney serum creatinine>1,8mg/dl (160umol/L) 3. Hepatic total bilirubin>2,5mg/dl (40umol/L) and elevation of transaminase or alkaline phosphatase more than twice normal 4. Cardiovascular PCWP>16mmHg and requirement for dopamine, dobutamine, epinephrine and/or norepinephrine to maintain pressure >80mmHg 5. CNS Glasgow coma scale <10 in the absence of sedation 6. Coagulation platelet count <60000 and elevation of the prothrombin or partial thromboplastin time greater than 1,5 times the control value in tire absence of the anticoagulation 7. Metabolic insulin requirements>5U/h 8. Gut nasogastric drainage>300ml/d and an ileus (not due to gut surgery) upper gut bleeding 82 Volume 13 - Número 2 - Abril/Junho 2001 RBTI - Revista Brasileira Terapia Intensiva ARTIGO ORIGINAL survivors non- survivors Graph 1. Blood lactate levels (mmol/l) in septic patients during the first five days of the stay at the ICU (p-values can be seen in table 1 - difference between the two groups was statistically important all days). survivors non- survivors Graph 2. Multiple Organ Failure (MOF) in septic patients during the first five days of the stay at the ICU (p-values can be seen in table 2 – difference between the two groups was statistically important all days) values for each day compared between surviving and non-surviving groups (table 2). Multiple organ failure affected more systems in non-surviving patients (graph 2) and the difference between survivors and non-survivors reached statistical importance for each day (table 3). Blood lactate levels were predictive for MOF from the second day of the stay at the ICU for the whole group of septic patients. However, separately for the surviving and the non-surviving groups the levels of blood lactate didn’t have correlation to number of organs affected by sepsis (table 4). The mean value ± SD of APACHE II for the surviving group was 21,11 ± 18,49 and for the non-surviving group it was 41,70 ± 25,81 (p-value 0,001). Mortality for septic patients in our ICU was 55,55%. DISCUSSION Different mechanisms could be responsible for raise in concentration of blood lactate in septic patients, such as: tissue hypoxia, increased glycolysis, transamination from alanine, Volume 13 - Número 2 - Abril/Junho 2001 down-regulation of pyruvate dehydrogenase, reduced lactate clearance etc [2,3,4,5,6]. However, there is no evidence that any of these mechanisms should be the main cause for hyperlactatemia and further investigations are necessary. In our study, blood lactate levels were initially high for all patients but they were more likely to decrease in those patients who survived. The difference between the levels of lactate for the two groups, survivors and non-survivors, was statistically important from the first day. In a study by Marik [26], the arterial lactate concentrations were higher in those patients who developed MOF and in those patients who died, but the differences, however, didn’t reach statistical importance. It has been suggested that septic patients demonstrate less hyperlactatemia since hepatic perfusion in patients with sepsis is usually better than in patients with hypovolemic or cardiogenic shock. Vitek and Cowley [13] examined lactate levels in patients with various forms of shock and found that in survivors group the average level was 4,5 mEq/I while it was 8,1 mEq/ I in the non-survivors group. In a study by Bakker et al. [12] the duration of lactic acidosis was the best predictor of survival in patients with septic shock. This was confirmed for patients with circulatory shock by Vincent et al. [20].They suggested that repeated lactate measurements are more reliable than an inital value taken alone. We observed that blood lactate levels decreased in surviving group of patients reaching the normal values on the third day and these findings also confirm that persistence of acidemia predicts a poor outcome. Weil and Afifi [16] demonstrated that the likelihood of survival for patients with circulatory shock decreases from 90% to 10% as blood lactate increases from 2,1 to 8 mmol/I. In our study, the number of organs 83 RBTI - Revista Brasileira Terapia Intensiva ARTIGO ORIGINAL Table 2. Values of blood lactate for septic patients during the first five days of the stay at the ICU Days Group Mean value SD BL1 survivors 3,72 3,35 non-survivors 5,81 4,75 survivors 2,39 1,55 non-survivors 4,45 3,83 survivors 1,86 1,03 non-survivors 4,37 3,46 survivors 1,76 0,82 non-survivors 4,73 4,76 survivors 1,86 0,82 non-survivors 3,03 2,2 BL2 BL3 BL4 BL5 p-value 0,031* 0,009* 0,001* 0,002* 0,014* * there was statistical importance affected was also related to outcome, being a more serious MOF related to worse prognosis. Blood lactate had statistical correlation with MOF from the second day when considering the whole group of septic patients. On the first day, its levels were equally high in all patients, but they failed to decrease to normal values only in patients more likely to develop MOF. However, when the groups of survivors and non-survivors were considered separately, there was no correlation between blood lactate levels and MOF, showing that blood lactate doesn’t have good prognostic value for morbidity in sepic patients. It has also been sugested that gastrointestinal system should be among the first affected by sepsis and ischemia and consequently bacterial translocation might be the motor for MOF [26]. Therefore, gastric intramucosal pH (pHi) should be an early indicator of inadequate tissue perfusion [26,27,28,29]. Joynt G. M. et al. [29] reported that, for septic patients, blood lactate was a better predictor at 48h than pHi. Besides that, it is less invasive, much cheaper and easier measurment than pHi. Marik [26] found that low pHi is a better predictor of MOF and death than hemodynamic and oxygen-derived variables obtained by invasive hemodynamic monitoring [25] in patients with sepsis. In the same study, APACHE II was a poorer predictor of MOF than indices of tissue oxygenation. APACHE II in the surviving group of patients (21/11) was the half of its value in the non-surviving group (41/ 70), so in our study APACHE II showed to be a good predictor of MOF and mortality. Whichever the reasons that lead to hyperlactemia in septic patients, Table 4. Statistical correlation between blood lactate (BL) and MOF for septic patients during the first five days of the stay at the ICU. Variables – total p-value BL1 and MOF1 0,156 BL2 and MOF2 0,10* BL3 and MOF3 0,002* BL4 and MOF4 0,00* BL5 and MOF5 0,039* Variables p-value Table 3. Multiple organ failure in septic patients during the first five days of the stay at the ICU BL1 and MOF1 0,548 Days Group Mean value SD BL2 and MOF2 0,224 MOF1 survivors 1,96 1,1 BL3 and MOF3 0,402 non-survivors 2,96 1,48 BL4 and MOF4 0,016* survivors 1,96 1,34 BL5 and MOF5 0,283 non-survivors 3,18 1,44 survivors 1,88 1,33 non-survivors 3,12 1,15 survivors 1,79 1,35 non-survivors 3,32 1, 46 survivors 1,65 1,23 non-survivors 3,35 l,5 MOF2 MOF3 MOF4 MOF5 * there was statistical importance 84 p-value 0,008* 0,003* Variables p-value non-survivors 0,001 * 0,001 0,003* BL1 and MOF1 0,558 BL2 and MOF2 0,284 BL3 and MOF3 0,058* BL4 and MOF4 0,254 BL5 and MOF5 0,938 *there was correlation Volume 13 - Número 2 - Abril/Junho 2001 RBTI - Revista Brasileira Terapia Intensiva blood lactate is the indicator of disease and persistence of high concentrations predict a poor outcome. Serial measurements should help the physician to evaluate patients’ state and when lactate levels fail to decrease, changes in treatment should be considered. In conclusion, APACHE II and blood lactate have prognostic value in patients with sepsis. There is difference between values of APACHE II and blood lactate in survivors and non-survivors, and in survivors blood lactate levels reach normal values until the third day of the stay at the ICU. REFERENCES 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. Knaus WA, Sun X, Nystrom P-O, et al: Evaluation of definitons for sepsis. Chest 101:1656-62, 1992 Gutierrez G: Cellular energy metabolism during hypoxia. Crit Care Med 19:619, 1991 Mizock BA, Falk JL: Lactic acidosi in critical ilness. Crit Care Med 20:80, 1992 Gutierrez G, Wulf ME: Lactic acidosis in sepsis: a commentary. Int Care Med 22:6-16, 1996 Shoemaker WC, Appel PL, Kram HB: Role of oxygen debt in the development of organ failure sepsis an death in high-risk surgical patients. 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