Tonelli, um lição de modéstia e coerência *Paulino Motter Aos
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Tonelli, um lição de modéstia e coerência *Paulino Motter Aos
Tonelli, um lição de modéstia e coerência *Paulino Motter Aos 65 anos, Pedro Irno Tonelli vai se aposentar. Esta segunda-feira, dia 1º de agosto, será o seu último dia de trabalho na Itaipu, encerrando uma colaboração que se estendeu por mais de 13 anos. Seu primeiro “compromisso” já como aposentado está marcado para a próxima quintafeira: uma pescaria. É muito provável que Tonelli saia de cena sem ser notado, sobretudo se depender da sua proverbial discrição. Eu creio, no entanto, que vale a pena dizer três ou quatro coisas sobre a sua trajetória, especialmente sobre o período dedicado à Itaipu. O fato de conhecê-lo há 30 anos e de já estar fora da empresa há mais de um ano me deixam muito à vontade para dar um depoimento bem pessoal. Digo desde já que considero Tonelli um exemplo de modéstia e coerência. Fui seu assessor parlamentar por sete anos, entre 1987 e 1994, até ser demitido por ele em outubro daquele ano, faltando poucos meses para o fim do seu mandato de deputado federal. Sobre Itaipu, o primeiro reconhecimento a ser feito é que Tonelli desempenhou um papel institucional e executou tarefas bem mais relevantes do que sugerem os cargos que ocupou e as atribuições desempenhadas. Ele foi uma referência importante para além da DC. Atuou discretamente com pará-raio e bombeiro num área sujeita a constantes descargas elétricas. Tonelli deu uma contribuição notável tanto na mediação e resolução de conflitos internos, no âmbito da sua diretoria, como na construção de um novo paradigma de relações institucionais com os movimentos sociais na BP3. Discreto, arguto e absolutamente leal à instituição, sempre que chamado, ofereceu importantes “insights” e sugestões. Embora não tenhamos vivido nada parecido com a revolução cultural chinesa – que expurgou Deng Xiaoping, o arquiteto da China moderna, e o enviou para tomar conta de uma vara de porcos no interior do país – Tonelli se sujeitou a desempenhar atividades que nem de longe correspondiam às suas experiências pregressas e às suas capacidades, testadas e comprovadas. Ele foi incumbido da implantação de um programa de aquicultura em tanque-rede no reservatório de Itaipu. Quase sem equipe e com escassos recursos destinados ao projeto “Mais Peixes em Nossas Águas”, Tonelli logrou estruturar a demarcação, licenciamento e regularização dos primeiros parques aquícolas do país, no Lago de Itaipu. Dedicou-se incansavelmente à capacitação e à organização dos pescadores. Ninguém jamais ouviu dele uma única queixa reclamando mais apoio ao programa. Sempre procurou fazer o seu trabalho da melhor forma possível, mesmo sem dispor dos meios correspodentes. E apresentou resultados bastante satisfatórios. Com estoicismo e disciplina, cumpria todas as missões que lhe eram delegadas, fiel ao ideário ao qual se dedicara durante toda a vida. Com seu estilo bonachão e hábitos simples, Tonelli estava sempre disponível para um bom papo, acompanhado de um chimarrão. Ele trouxe para Foz do Iguaçu o mesmo estilo de vida que levava em Capanema. Conseguiu a proeza de criar um ambiente semi-rural em plena Vila A, residindo numa casa com um amplo quintal, um pomar que se expandiu para além do seu lote e espaço “silvestre” para as suas colméias. Certa feita, eu procurei a Aliança Francesa para propor uma parceria na realização de um evento do Diálogos de Fronteira, creio que com a poeta Alice Ruiz. O Celson estava incomodado com um enxame de abelhas que havia se instalado na varanda da frente. Não tive dúvida de ligar para o Tonelli, que imediatamente se prontificou de passar lá para capturar a colméia. Em outra ocasião, avisei a ele que na rua Tarobá, numa árvore bem em frente ao restaurante Cheiro Verde, tinha o que me parecia ser uma colméia de Jataí. Tonelli foi ao local apenas para constatar que de abelha eu não entendia nada. A colméia no tronco da árvore era de outra subespécie, que não produzia mel com a qualidade da Jataí. Depois que já havia me mudado para Madri, soube que suas colméias de abelha, instaladas no matinho atrás da sua casa, localizada ao final da rua Suindara, às margens do arroio Jupirá, foram dizimadas pelas equipes de combate à dengue da prefeitura. O “fumacê” aplicado se mostrou mais eficaz para matar as abelhas do Tonelli do que o mosquito transmissor. Uma vez em que apareci sem avisar na sua sala, na DC, ele estava saboreando uma frutinha que eu não via desde que havia saído de Brasília: Ciriguela. Indaguei onde ele havia conseguido aquela apreciada fruta e se espantou com a minha ignorância. Disse que havia plantas de Ciriguela espalhadas por toda cidade, inclusive no pomar logo atrás da DC, onde ele havia acabado de colher os frutos maduros que agora eu compartilhava. Tonelli fez questão de me levar até os três pés carregados de Ciriguela, que passei a visitar com certa regularidade, até o fim da temporada. Eu tinha para mim que era uma planta típica do Cerrado e da Caatinga. Fui verificar depois que isso era verdade, mas que a espécie se adaptava muito bem a regiões de baixa altitude, com Foz do Iguaçu, onde o seu cultivo foi introduzido pelos nordestinos que vieram ajudar a construir Itaipu. Mais uma lição do mestre Tonelli, a quem conheci em 1986, recém-eleito deputado estadual. Então com 35 anos, ele interrompeu a profissão de apicultor, nas barrancas do Rio Iguaçu, em Capanema, para assumir o cargo na Assembléia Legislativa do Paraná. Marcaria o seu mandato pela luta implacável e solitária que empreendeu contra as benesses e privilégios da classe política. Ele não fez, porém, da moralização da ALEP uma bandeira demagógica. Deu exemplo, abrindo mão da aposentadoria parlamentar especial e de outros privilégios. Teve a coragem de denunciar os desmandos e falcatruas que desde aquela época estavam entranhadas no legislativo e no sistema político como um todo. Mas a causa à qual dedicaria o seu mandato – coerente com os compromissos assumidos com os movimentos sociais que garantiram a sua eleição – foi a luta pela reforma agrária e em defesa dos direitos dos trabalhadores rurais e do fortalecimento da agricultura familiar. Em 1991, Tonelli foi eleito deputado federal, com expressiva votação. Sua campanha foi frugalmente financiada com recursos arrecadados por meio de pequenas contribuições de sipatizantes e, sobretudo, da venda de mel em feiras livres em grandes cidades do Sul e Sudeste. Eram outros tempos, quando a militância dos partidos de esquerda fazia toda a diferença. O seu mandato na Câmara federal coincidou com os tumultuados anos do governo Collor. Tonelli teve atuação destacada no Núcleo Agrário da bancada do PT. Levou para Brasília a mesma combatividade que já tinha demonstrado na ALEP. Mas sua voz acabaria quase inaudível em meio à polifonia de meio milhar de deputados. O que pesou mais, no entanto, na sua decisão de não disputar novo mandato, em 1994, foi um certo desencanto e frustração com a atividade parlamentar, diante dos parcos resultados alcançados. Bastante a contragosto, no entanto, aceitou o apelo do partido para compor a chapa majoritária, como candidato a Senador. Derrotado, retornou a Capanema, voltando a ser um simples militante de base. Nos anos seguintes, participou ativamente da política local, ocupando inclusive cargo de secretário municipal de Indústria, Comércio, Agricultura e Desenvolvimento. Tonelli só voltaria a participar de outra eleição estadual em 2010, como segundo suplente de Gleisi Hoffmann, que seria eleita Senadora da República. A suplência do Senado, porém, não alteraria em nada a sua rotina. Passadas as eleições, reassumiu as mesmas funções em Itaipu. Seu último gesto político significativo aconteceu em 2012. Contrariado pelas irreconciliáveis disputas internas para definir a posição do partido na eleição municipal daquele ano, Tonelli renunciou à presidência do Diretório Municipal do PT de Foz do Iguaçu e pendurou a chuteira. Aliás, desde que ele havia se mudado para a cidade, em 2003, em razão do trabalho assumido na Itaipu, Tonelli se tornara um cidadão participativo e atuante. Mas engana-se quem pensa que a política é a sua grande e única paixão. Na verdade, a sua paixão de toda a vida é Neli, sua esposa, e com ela, a dança. A dupla Tonelli-Neli fez história no CTG Charrua. Este é o espaço social que o casal frequenta regularmente desde que optou por morar em Foz do Iguaçu. Não tem baile ou janta no CTG que não conte com as suas ilustres presenças. Este é o seu modo de vida, que nunca mudou, nem durante os oito anos em que foi parlamentar, nem depois. Nos tempos estranhos em que vivemos, Tonelli se destaca pela exemplaridade da sua trajetória. Nunca cedeu ao canto de sereia do poder. Jamais se afastou das suas raízes. Pautou sua vida pública e privada pela modéstia, humildade e coerência. Colhe como frutos o direito a uma aposentadoria tranquila e segura. Deixa Itaipu exemplarmente, sem qualquer privilégio. Ter sido demitido por ele não me envergonha, nem provoca qualquer ressentimento. Desejo-lhe que os anos à frente sejam os mais felizes. Que o seu exemplo de dignidade e desapego sirva de inspiração para a emrgência de novas lideranças. *Paulino Motter, 51, jornalista auto-exilado em Madri.