Dissertação

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Dissertação
UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA SOCIAL
LUÍS PAULO SILVA
VARÍOLA E VACINA: Antiqualhas e coetâneas em São Luís (1854-1876)
São Luís - MA
2014
LUÍS PAULO SILVA
VARÍOLA E VACINA: Antiqualhas e coetâneas em São Luís (1854-1876)
Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação em História Social (Mestrado
Acadêmico) da Universidade Federal do
Maranhão, como requisito para a obtenção do
grau de Mestre em História Social.
Orientadora: Prof.ª Dr.ª Antonia da Silva
Mota.
São Luís - MA
2014
Silva, Luís Paulo.
VARÍOLA E VACINA: Antiqualhas e coletâneas em São Luís (18541876)/ Luís Paulo Silva. – São Luís, 2014.
240 f.
Orientadora: Profa Dra. Antonia da Silva Mota.
Dissertação (Mestrado em História Social) - Universidade Federal do
Maranhão, 2014.
1. Varíola 2. Vacina 3. Higiene 4. Discurso médico
CDU 981.21
LUÍS PAULO SILVA
VARÍOLA E VACINA: Antiqualhas e coetâneas em São Luís (1854-1876)
Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação em História Social (Mestrado
Acadêmico) da Universidade Federal do
Maranhão, como requisito para a obtenção do
grau de Mestre em História Social.
Orientadora: Prof.ª Dr.ª Antonia da Silva
Mota.
Aprovado em:____/_____/________.
BANCA EXAMINADORA
_______________________________________________________
Prof.ª Dr.ª Antonia da Silva Mota- Orientadora
Universidade Federal do Maranhão
_____________________________________________
Prof. Dr. Marcelo Cheche Galves
Universidade Estadual do Maranhão
_____________________________________________
Prof. Dr. Josenildo de Jesus Pereira
Universidade Federal do Maranhão
Dedico este trabalho à memória daqueles que
já foram: Rosalina Silva Gomes (minha mãe) e
Militão Alves Silva (meu avô), mas, que
continuam sendo minha bússola sempre a
procura de um horizonte melhor em minha
vida. Aqui desde já meus agradecimentos pelo
legado de simplicidade, honestidade, coragem
e luta.
AGRADECIMENTOS
Agradeço primeiramente a Deus pelo amparo em cada passo da minha vida.
Ao meu querido filho Gael que em boa parte deste texto chorou, engatinhou e depois
subia a mesa próxima ao computador sempre com um sorriso e expressão da graça de
criança abençoada iluminando meu dia e minha vida.
À minha esposa Raimunda Anésia pelo seu carinho, zelo e dedicação.
À minha família, em especial a minha mãe Rosalina Silva Gomes e ao meu avô Militão
Alves Silva por me mostrarem que lutar é preciso.
Aos meus irmãos Paulo Henrique, Nazaré e Raimunda Nonata que tanto amo e torço
pelo sucesso de cada um.
Agradeço à generosa orientação da Prof.ª Dr.ª Antonia da Silva Mota, que acreditou em
minha potencialidade como historiador.
Aos colegas do Mestrado em História Social da Universidade Federal do Maranhão.
A todos os professores vinculados ao Programa de Pós-Graduação em História Social
da Universidade Federal do Maranhão, que contribuíram direta ou indiretamente para o
resultado final deste trabalho.
À Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado do Maranhão (FAPEMA) pelo apoio nas
pesquisas para a conclusão deste trabalho.
Ao setor administrativo do Arquivo Público do Estado do Maranhão (APEM) por
sempre me receber e auxiliar em minhas pesquisas acadêmicas.
E a todos que colaboraram de alguma forma para a conclusão desta dissertação, grato a
todos.
RESUMO
Este trabalho tem por objetivo analisar o impacto da varíola e da prática da vacinação
em São Luís durante o período de 1854 a 1876. Apesar da existência de órgãos que
visavam à propagação da vacina no país desde o início do século XIX, identifica-se pela
documentação relativa às autoridades de saúde pública da Província do Maranhão uma
constante resistência da população em submeter-se à vacina antivariólica mesmo em
tempos epidêmicos. Por isso, discutir os motivos do receio ou medo da vacina, remetese a uma questão dramática e central dentro do imaginário social do século XIX. Neste
sentido, a varíola e suas vacinas possuem elementos significativos que permitem
nuançar aspectos do cotidiano dessa sociedade. Identifica-se também uma série de
problemas de natureza administrativa e estrutural que dificultaram a implementação de
um sistema de vacinação coeso e eficiente na Província do Maranhão.
Palavras chave: varíola, vacina, higiene, discurso médico.
ABSTRACT
This work aims to analyze the impact of smallpox and vaccination practice in St. Louis
during the period from 1854 to 1876. Despite the existence of bodies that sought the
spread of vaccine in the country since the early nineteenth century, is identified by
documentation relating to public health authorities of the Province of Maranhão
constant resistance of the population to submit to the smallpox vaccine even in epidemic
times. Therefore, discussing the reasons for fear or fear of vaccine, the reader is referred
to a dramatic and central issue within the social imagination of the nineteenth century.
In this sense, smallpox and its vaccines have significant elements that allow nuanced
aspects of daily life that society. Also identifies a number of administrative and
structural problems that hindered implementation of a system of cohesive and efficient
vaccination in the Province of Maranhão.
Keywords: smallpox, vaccination, hygiene, medical discourse.
LISTA DE QUADROS
Quadro 01: Total de vítimas pela febre amarela em 1851 ..................................................... 102
Quadro 02: Balanço de óbitos da cidade de São Luís entre outubro de 1854 a março de
1855 ....................................................................................................................................... 119
Quadro 03: Proporção de vítimas ocasionadas pela varíola entre agosto de 1854 e abril
de 1855 .................................................................................................................................. 120
Quadro 04: Comparativo dos estragos das epidemias de 1854-1855 e 1864-1865-1866 ..... 132
Quadro 05: Estatística da mortalidade variólica na capital do Maranhão, 1875 ................... 139
LISTA DE MAPAS
Mapa 01: Mapa de vacinação praticado na Província do Maranhão em 08 de junho de
1820 até 15 de abril de 1826.................................................................................................. 147
Mapa 02: Mapa de vacinação praticado na Província do Maranhão entre 1838 a 1841 ....... 151
Mapa 03: Mapa de vacinação praticado na Província do Maranhão entre 1854 a 1855 ....... 166
LISTA DE FIGURAS
Figura 01: Varíola benigna ou discreta.................................................................................. 28
Figura 02: Varíola confluente ou grave ................................................................................. 28
Figura 03: Pústulas variólicas em processo de secamento .................................................... 29
Figura 04: Pústulas variólicas em processo de secamento .................................................... 29
Figura 05: Crostas remanescentes nas palmas das mãos e dos pés ....................................... 29
Figura 06: Crostas remanescentes nas palmas das mãos e dos pés ....................................... 29
Figura 07: Sequelas da varíola .............................................................................................. 30
Figura 08: Método de variolação praticado na China............................................................ 45
Figura 09: The cow-pockor thew onderful effects of the new inoculation. James Gilray
(1802) .................................................................................................................................... 159
Figura 10: Gravuras publicadas por George Kikland em 1806 ............................................. 175
LISTA DE SIGLAS
APEM - Arquivo Público do Estado do Maranhão
FAPEMA - Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado do Maranhão
NM - Nanômetro
Kbp - Quilobase (em algumas obras kilobase) é a unidade de medida em biologia
molecular significando 1000 pares de bases de DNA ou RNA.
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO ................................................................................................................. 12
2. UMA PÁGINA NA HISTÓRIA PARA A VARÍOLA E SUAS VACINAS ................... 17
2.1. Notas sobre a história da varíola..................................................................................... 17
2.2. Etiologia da varíola ......................................................................................................... 25
2.3. Considerações sobre a varíola e suas vacinas ................................................................. 36
2.4. Da vacina para a imunidade ........................................................................................... 47
2.5. Contágio, infecção e miasmas ........................................................................................ 52
3. A LEGISLAÇÃO SANITÁRIA NA PROVÍNCIA DO MARANHÃO ........................... 65
3.1. Da inspetoria da saúde pública: regulamentação e normas do Conselho de Saúde
Pública da Província do Maranhão e da Junta Central de Hygiene Pública .......................... 65
3.2. Da inspetoria de saúde do porto: regulamentação e a normatização do porto de São
Luís ........................................................................................................................................ 76
3.3. Da política de isolamento: o hospital dos lázaros, o lazareto da Ponta d’ Areia e o
hospital dos bexiguentos........................................................................................................ 84
3.4. Da Repartição da Vacina na Província do Maranhão ..................................................... 93
3.5. A febre amarela e a cólera morbus na reconfiguração da política sanitária da
Província do Maranhão .......................................................................................................... 100
4.
A
CIDADE
E
A
MORTE:
ESTATÍSTICAS
MÉDICAS
SOBRE
A
MORTALIDADE VARÍOLICA EM SÃO LUÍS NA SEGUNDA METADE DO
SÉCULO XIX ....................................................................................................................... 107
4.1. 1854 – 1855 a varíola reina em São Luís ....................................................................... 107
4.2. 1864-1865-1866 novamente a varíola reina em São Luís .............................................. 126
4.3. Varíola: um caso endêmico em São Luís ....................................................................... 136
4.4. O tráfico de escravos e as condições insalubres dos portos como vetores para as
ocorrências das epidemias intertropicais ............................................................................... 141
5. A VACINA É A DOENÇA? VACINA E VACINOPHÓBICOS..................................... 146
5.1. Os primórdios da vacinação sistemática no Maranhão .................................................. 146
5.2. A vacinação em São Luís em tempos epidêmicos .......................................................... 154
5.3. Dos gargalos da vacinação aos vacinofóbicos ................................................................ 173
5.4. Remédios contra a varíola em tempos epidêmicos ......................................................... 188
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................ 205
Referencias ............................................................................................................................ 207
Anexos ................................................................................................................................... 225
“Aceita o conselho dos outros, mas nunca
desistas da tua própria opinião”.
William Shakespeare.
1. INTRODUÇÃO
Descrever o caminho desta pesquisa significa antes de tudo apresentar as
escolhas feitas durante minha trajetória acadêmica no curso de Graduação em História
pela Universidade Federal do Maranhão - UFMA. O fascínio em trabalhar com o
discurso médico no século XIX me impulsionou a concluir minha monografia “Os
doutores não sabem? Armas e armadilhas do discurso médico no Brasil do século XIX”
em 2011, neste trabalho analisei a penetração do discurso médico-higienista dentro da
sociedade brasileira durante o século XIX.
O anseio em dar continuidade a essa pesquisa me levou a considerar viável o
desenvolvimento de um projeto de pesquisa voltado ao Programa de Pós-Graduação em
História Social da Universidade Federal do Maranhão que justificase uma interpretação
crítica sobre a recusa da vacina antivariólica no Maranhão durante o século XIX. A
princípio minha intenção era privilegiar ao máximo o debate sobre a distribuição e
aplicação da vacina antivariólica na Província do Maranhão na segunda metade do
século XIX.
Entretanto, ao longo das pesquisas tal perspectiva mostrou-se cada vez mais
desafiadora, pois mesmo que a Repartição da Vacina do Maranhão levasse os
progressos da vacina a várias partes da Província do Maranhão, a varíola sempre
reaparecia em caráter epidêmico e mortífero. Sequencialmente esse problema é
registrado nas seguintes datas 1854-1855, 1864-1865-1866, 1874-1875-1876 e 18821883.
A busca pela problematização de novas fontes de pesquisa juntamente com as
orientações da professora Antonia da Silva Mota impulsionou novos arranjos para este
trabalho. Em primeiro lugar, percebemos que não iríamos historicizar de maneira
precisa à epidemia variólica ocorrida em 1882-18831. Por isso sentimos a necessidade
de restringir a pesquisa somente aos anos de 1854 a 1876. Este novo horizonte tem um
peso significativo em nossas pretensões, isto porque de fato nossa vontade inicial era de
1
Ao que tudo indica entre as quatro epidemias variólicas vivenciadas em São Luís durante a segunda
metade do século XIX, a ocorrida entre os anos de1882-1883 provavelmente foi a mais devastadora. No
entanto, existe uma carência sobre o índice real ou próximo das vítimas feitas pela varíola nesses anos. O
que podemos extrair de veridico sobre a varíola em 1882 e 1883, é que o discurso médico e as atitudes de
caridade e doações aos variolosos foram muito mais frequentes do que as percebidas durante as epidemias
variólicas anteriores. De acordo com Jeronimo Viveiros o jornal O Paiz de 1883 descreve essa epidemia
variólica como “peste de horrorosas proporções”. Cf. VIVEIROS, Jerônimo de. História do Comércio
no Maranhão (1612-1895). V. 2. São Luís: Coleção Academia Maranhense de Letras, 1992, p. 359.
12
realizar uma análise comparativa entre o quadro de obituários e da vacinação ocorrentes
durante as quatro epidemias variólicas citadas acima. Em segundo lugar, sentimos a
necessidade de restringir os dados da pesquisa somente à cidade de São Luís, tendo em
vista que neste momento dar conta das informações sobre o estado sanitário de toda a
Província do Maranhão seria inviável para o resultado final do trabalho.
Com este novo cenário, nossa caminhada tornou-se menos tortuosa e mais
enriquecedora em relação às fontes utilizadas nesta dissertação, pois, verificamos a
existência de um verdadeiro contraponto entre as autoridades de saúde do Império e as
autoridades de saúde da Província do Maranhão. Os códices e ofícios relativos à saúde
pública da Província do Maranhão, por exemplo, sugerem que entre os anos de 1854 a
1876 havia uma verdadeira falta de consentimento sobre as leis, decretos e
normalizações de medidas higiênicas e profiláticas no combate aos surtos epidêmicos. A
administração local era grotescamente vacilante em seu comportamento e empenho no
combate as doenças perniciosas ao homem.
Sendo a varíola um dos nossos objetos centrais de reflexão, partimos do
princípio que sua história foi construída pelo homem, neste sentido um dos nossos
objetivos será o desenvolvimento de uma análise interpretativa sobre as estratégias de
cura em relação à varíola. Nesta perspectiva de análise iremos verificar não apenas a
ação do discurso médico higienista2 em São Luís, mas também o modo de como
médicos e autoridades maranhenses adotaram medidas higiênicas e profiláticas visando
maior controle sobre as doenças e os espaços considerados como “insalubres”.
É importante destacar que a motivação primordial para as medidas higiênicas
era o controle sobre o corpo, tornando este dócil e mensurável. Neste enredo, a vacina
antivariólica acenava como a possibilidade real de ser o elemento positivo do conjunto
das inovações médicas científicas que ocorreram durante os séculos XVIII e XIX, não
apenas no controle e diminuição das moléstias perniciosas ao homem, mas no próprio
controle sobre o corpo.
2
Em meados do século XIX surge no Brasil o discurso médico higienista, suas propostas residiam na
defesa salvacionista da nação e na preocupação com a higiene, e sua transformação em um conjunto de
normas e leis particulares e coletivas com objetivo de conter doenças e de melhorar a vida em sociedade.
Segundo Lilia Schrwarcz foi a partir de 1870 que os médicos emergiram no Brasil como uma nova elite
intelectual em defesa da vida e da ordem pública do país. Cf. SCHRWARCZ, Lilia Moritz. O espetáculo
das raças: cientistas. Instituições e questão racial no Brasil (1870-1930). São Paulo: Companhia das
Letras, 1995, p. 28; Entretanto, autores como Gilberto Hochman e Nízia Lima consideram que o discurso
médico higienista surgiu no Brasil de fato entre 1910 e 1920 com as primeiras campanhas nacionais de
salubridade pública. Cf. HOCHMAN, Gilberto & LIMA, Nízia. Condenado pela raça, absolvido pela
medicina: o Brasil descoberto pelo Movimento Sanitarista da Primeira república. In: Raça, ciência e
sociedade. Rio de Janeiro: Fiocruz, 1996.
13
Sendo assim, a vacina antes de ser um preservativo para a vida era um atestado
do poder legítimo dos médicos e da medicina oficial sobre a sociedade3. Dessa forma a
prática da medicina oficial constituía-se como uma verdadeira arena de disputas pelo
discurso legítimo, interpolando os médicos em um misto de intelectual e missionário no
domínio das mentes e corpos hígidos.
Por isso temos como proposta central discutir os argumentos positivos e
negativos em relação à vacina contra a varíola, analisando, sobretudo falas e discursos
de médicos e autoridades da saúde contemporâneas à questão4. Entender este problema
no período que se estende aos anos 1854 a 1876 torna-se mais desafiador, pois como já
foi dito, neste intervalo a capital da Província do Maranhão fora assolada
sequencialmente por três epidemias variólicas. Esta pesquisa também tem por objetivo
abordar o impacto mortuário causado pelo ciclo das epidemias variólicas vivenciadas
em São Luís5, pois tendo em vista que mesmo a varíola sendo uma moléstia de natureza
peculiar, por dar imunidade ao indivíduo após sua primeira infecção, ainda assim a
mesma foi uma das moléstias que mais ceifou vidas em São Luís na segunda metade do
século XIX. Para constatar tal suspeita, iremos analisar os registros anuais de óbitos da
cidade de São Luís. Visamos também abranger as condições de higiene e salubridade
pública durante o período citado, demonstrando a inter-relação das atitudes
governamentais frente aos problemas de ordem higiênicos e sanitários enfrentados pela
população de São Luís.
Para o alcance de tais fins, optamos por dividir o trabalho em quatro capítulos.
No primeiro capítulo “Uma página na história para a varíola e suas vacinas”,
realizamos apontamentos sobre a história da varíola e suas vacinas, descrevendo os
3
Segundo Eliézer Cardoso a vacina antivariólica era uma prática médica inovadora em relação à
medicina popular e às práticas médicas pré-pasteurianas. Segundo o mesmo antes do século XIX, a
medicina oficial preocupava-se mais em expulsar humores do corpo do que colocar nele substâncias
estranhas, com o advento da vacina antivariólica o método da técnica da escarificação foi sendo
aperfeiçoado ao longo do tempo. Cf. OLIVEIRA, Eliézer Cardoso de. A epidemia de varíola e o medo da
vacina em Goiás. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v.20, n.3, jul.-set. 2003, p.
955.
4
Segundo Eliézer Cardosoo poder curativo da vacina antivariólica não era a mesmo desde os anos 1830.
Cf. OLIVEIRA, Eliézer Cardoso de. A epidemia de varíola e o medo da vacina em Goiás. História,
Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v.20, n.3, jul.-set. 2003, p. 954; Anny Jackeline Torres
Silveira e Rita de Cássia Marques sugerem uma resistência popular contra a vacina. Cf. SILVEIRA, Anny
Jackeline Torres; MARQUES, Rita de Cássia. Sobre a varíola e as práticas da vacinação em Minas
Gerais (Brasil) no século XIX. Ciência & Saúde Coletiva, 16(2), 2011, p. 393.
5
De acordo com Georges Duby durante a Idade Média a população européia foi reduzida pelo menos em
um terço em virtude da peste, o que livrou segundo o autor a Europa de um substancial aumento de sua
população. Cf. DUBY, Georges. Ano 1000, ano 2000 na pista de nossos medos. São Paulo: Editora
UNESP, 1999, p. 89.
14
diferentes tipos de virulência da varíola e suas ocorrências, bem como a identificação
desta como doença de caráter infecto-contagionista. Neste capítulo, também apontamos
que a vacina antivariólica a ser analisada e discutida ao longo do texto, será a “vacina
jenneriana ou humanizada”.
No segundo capítulo “A legislação sanitária na Província do Maranhão”,
promovemos uma discussão sobre as bases epistemológicas do discurso médico
higienista da sociedade ocidental na segunda metade do século XIX, onde a influência
da higiene era a principal característica nas reflexões e decisões médicas deste período.
Por isso refletir sobre as estratégias de convencimento, em que somente a higiene com o
auxílio da medicina cuida dos corpos e do espaço citadino, torna-se uma prerrogativa
importante e necessária para o entendimento das ideias de transmissibilidade,
adoecimento e cura nesta sociedade.
No terceiro capítulo “A cidade e a morte: estatísticas médicas sobre a
mortalidade variólica em São Luís na segunda metade do século XIX” analizamos o
impacto mortuário causado pelas epidemias de varíola em São Luís, verificando suas
trajetórias e as condições topográficas e sociais que favoreceram a proliferação da
moléstia, a ponto desta ser considerada endêmica em São Luís durante o século XIX.
No quarto capítulo “A vacina é a doença? Vacina e vacinophóbicos”
procuramos realizar um debate sobre a constituição e durabilidade da vacina, assim
como sua rejeição por grande parte da população e pelos próprios médicos e
comissários vacinadores. A suspeita de que o método utilizado na inoculação da vacina
antivariólica poderia facilitar a transmissão da sífilis ou “avacalhar” os vacinados,
produzia colorações cinzentas a respeito de sua eficácia. Neste capítulo, também iremos
realizar apontamentos sobre outras possibilidades de tratamento e cura da varíola em
épocas epidêmicas que não fosse à vacina.
Quanto à documentação consultada6, esta é extensa e diversificada, o que acaba
por ter um peso positivo no resultado final do trabalho. Foram consultados ofícios,
relatórios e, sobretudo mapas de vacinação de autoridades da saúde pública ligadas à
Secretária de Governo da Província do Maranhão com vistas a se obter informações
sobre as condições de saúde e salubridade urbana da cidade de São Luís na segunda
metade do século XIX. A documentação citada também fornece dados que contribuem
para um estudo do comportamento social da população em relação à vacina.
6
Em relação à documentação consultatda optamos por manter a escrita original de algumas fontes e
referencias.
15
Infelizmente alguns mapas de vacinação e relatórios sobre a vacina encontramse completamente corroídos e danificados pela ação do tempo. Mas a ausência de alguns
dados não compromete de forma alguma a eficácia da pesquisa e a familiaridade com as
questões. Para isso, utilizaremos os relatórios provinciais como alternativa de viabilizar
projeções e cruzamentos entre hipóteses políticas e sociais da época. O uso desse tipo de
documentação tem outra vantagem, como iremos tratar especificamente de informações
sobre a vacinação e salubridade, é perfeitamente cabível o uso de cálculos percentuais
como auxílio no levantamento final dos dados.
A legislação provincial do Maranhão não poderia ficar de fora nesta análise,
decretos e regulamentos da Província constituem um excelente acervo sobre os atos
obrigatórios impostos tanto à sociedade quanto para as autoridades públicas
competentes, determinando quais as regras a seguir dentro da sociedade de forma a não
perturbar o bem-estar público. Os Códigos de Postura de 1842 e 1866 são outra fonte de
pesquisa imprescindível para este trabalho, os mesmos compõem um valiosíssimo
mecanismo institucional para o entendimento do controle social por meio da higiene.
Jornais e periódicos médicos do século XIX também serão usados em nossa
análise metodológica. Por meio deles podemos contemplar a sequência dos fatos e as
atitudes tomados pelas autoridades de saúde frente aos problemas oriundos das
epidemias variólicas. Faremos uso de notícias e artigos científicos sobre a varíola e suas
vacinas. Destaco em especial a coletânea de 22 artigos científicos do Dr. Pedro Franco
Affonso publicados pelo jornal O Paiz em 1887. Nestes artigos o Dr. Pedro Franco
Affonso expõe questões fundamentais sobre a varíola, a origem das vacinas contra a
varíola, assim como seus progressos e degeneração.
Sobre a estrutura do texto, esta se fez por pura investigação empírica, estratégia
que tem suas vantagens e desvantagens. A vantagem é que o leitor poderá acompanhar
simultaneamente o processo de descoberta do tema, seus problemas e suas soluções. A
desvantagem consiste na sensação frequente de incompletude de algumas lacunas
existentes no texto em decorrência do estilo narrativo ancorado na fragmentação das
fontes.
16
2. UMA PÁGINA NA HISTÓRIA PARA A VARÍOLA E SUAS VACINAS
2.1 Notas sobre a história da varíola
Segundo os registros históricos as primeiras vítimas humanas pela varíola
provavelmente viveram nas áreas de concentração agrícola na Ásia ou na África, há
aproximadamente 10.000 anos a.C. Após este episódio a varíola espalhou-se pelo
mundo sempre acompanhando o ritmo das migrações humanas7. O historiador
americano William McNeill destaca que em 500 a.C. os patógenos virais começaram a
ter influencia no crescimento das populações da Ásia e da Europa. Os microparasitários
da difteria, influenza, caxumba e da varíola começaram a ser transmitidas rapidamente
entre os humanos, sem necessidade de hospedeiros intermediários.8
Estudos indicam que as marcas na face mumificada do faraó egípcio Ramsés V
(1160 a.C.) da décima oitava dinastia egípcia são consequência da varíola, quanto ao
registro do primeiro surto epidêmico variólico provavelmente este aconteceu no ano de
1700 a.C. na China, com o nome de “tai-tu”.9
Tucídides descreve a ocorrência da varíola em Atenas por volta de 430 a.C.,
Diodorus Siculus descreve uma doença similar atacando o exército cartaginês no cerco a
Siracusa em 396 a.C. No ano 312 de nossa era, a varíola foi registrada em caráter
epidêmico na cidade de Roma. Historiadores e epidemiologistas parecem concordar
que, ao fim do século VI, a varíola tenha se tornada epidêmica na Arábia, espalhando-se
pelo mediterrâneo indo até a Europa, as epidemias relatadas na Itália e França, em 570,
por Marius, bispo de Avenches, e por Gregório de Tours em 581, ratificam esta
hipótese. A partir do ano de 675, ela é registrada na Irlanda e, posteriormente, na
Espanha, onde a introdução da doença é atribuída aos invasores sarracenos.10
7
LEVI, Guido Carlos; KALLÁS, Esper Georges. Varíola, sua prevenção vacinal e ameaça como agente
do bioterrorismo. In. Revista da Associação Medica Brasileira, 2002; 48(4), p. 357.
8
No início das primeiras áreas de concentração agrícola na Ásia e na África os humanos compartilharam
algo em torno de 65 doenças infectocontagionistas com cachorros, 50 com os bovinos, 46 com ovelhas e
cabras, 42 com porcos, 35 com cavalos e 26 com aves domésticas. Esses animais se juntaram aos
humanos na disseminação das doenças. Cf. McNeill WH. Plagues and peoples. New York: Anchor
Books, 1971, p. 12.
9
LEVI, Guido Carlos; KALLÁS, Esper Georges. Varíola, sua prevenção vacinal e ameaça como agente
do bioterrorismo. In. Revista da Associação Medica Brasileira, 2002; 48(4), p. 357.
10
Id. Ibid., p. 357.
17
De acordo com Carlos Guido Levi e Georges Kallás o bispo Marius foi quem
citou a palavra varíola, possivelmente derivada do latim varius (moteado, salpicado) ou
varus (granilho), ou simplesmente pintado, pontilhado11. O tratado de “Razes Abu Barrk
El Razi” do início do século X foi o primeiro a caracterizar os aspectos clínicos e a
evolução da doença de maneira empírica12. Na Inglaterra o termo poc ou pocca
descrevia a varíola. Daí por diante o termo pockes foi utilizado para designar a
incidência da moléstia. O prefixo small foi adicionado no final do século XV para
diferenciar a varíola da sífilis, que era denominada na época como greatpox. Na França,
a varíola foi chamada de petite vérole, e na Alemanha de pocken.13
Durante o século XVII a varíola começou a ser reconhecida puramente como
doença de caráter epidêmico, a Inglaterra foi à primeira nação a admitir por meio de
boletins de mortalidade impressos em Londres que a enfermidade era distinta, com certa
regularidade nos registros de obituário médico, e com crescente gravidade. Estima-se
que na Europa durante o século XVIII morreram por varíola mais de 60 milhões de
pessoas, somente em Paris no ano de 1707 morreram 14 mil pessoas sobre sua
influencia.14
De acordo com as estatísticas apresentadas por Wilhelm Von Drigalski entre
1707-1709 a Irlanda sofreu sucessíveis ataques epidêmicos da varíola, nessa mesma
época, Roma também sentiu os efeitos nefastos da varíola. Em 1796 houve um terrível
surto mortífero da moléstia na Rússia e entre 1790-1800 foi a vez da Alemanha sofrer
com a incursão constante da varíola.15
A varíola também foi recorrente em toda a França durante a Guerra FrancoPrussiana em 1870. Entre 1893 e 1897, um ciclo de epidemias variólicas custou à soma
de mais de 275 mil vidas na Rússia. Em 1900 nos Estados Unidos, a varíola teve que ser
encarada como doença de caráter epidêmico com ocorrência de 700.000 casos, em 1919
e 1920 a varíola foi reinante na Itália e Portugal. E ainda no século XX, apareceram
muitos casos na União Soviética, 102 mil casos em 1919, 57.590 casos em 1920, 71.605
11
Id. Ibid.
NUTTON, Vivian. Ascenção da Medicina. In. PORTER, Roy. Cambridge História da Medicina. Rio
de Janeiro: Editora REVINTER Ltda, 2006, p.60.
13
LEVI, Guido Carlos; KALLÁS, Esper Georges. Varíola, sua prevenção vacinal e ameaça como agente
do bioterrorismo. In. Revista da Associação Medica Brasileira, 2002; 48(4), p.357.
14
BARRETO, João de Barros. Tratado de Higiene: Saneamento e higiene. Rio de Janeiro, Volume II:
Imprensa Nacional do Rio de Janeiro, 1956, p. 243.
15
DRIGALSKI, Wilhelm Von. O homem contra os micróbios. Belo Horizonte: Itatiaia, 1959, p. 22.
12
18
casos em 1921 e 25.047 casos em 192216. Também em 1920 a varíola era considerada
endêmica na África, Ásia (Índia, Paquistão e, sobretudo Burma e Indochina), América
(México, Venezuela, Colômbia, Bolívia, Peru, Paraguai e Brasil).17
Historiadores apontam que a varíola foi fundamental no processo de conquista
das Américas, tendo em vista que a mesma ainda não era conhecida no continente antes
da chegada dos europeus, quando apareceu, provocou devastadoras epidemias,
chegando a exterminar por completo tribos inteiras. Crosby sugere que a varíola teria
cruzado o Atlântico no final de 1518 ou no início de 1519, e durante os quatro séculos
seguintes desempenhou um papel tão essencial quanto à pólvora no avanço do
imperialismo ultramarino18. Na opinião de Jeanette Farrel o isolamento do continente
teria contribuído para a ausência de imunidade dos nativos em relação à varíola,
explicando assim sua rápida expansão e a alta taxa de mortalidade.19
Segundo Junior Toledo provavelmente a varíola foi introduzida nas Américas
em 1507, quando ocorreram os primeiros casos na ilha de Hispaniola, a partir desse
caso, a moléstia se alastrou por todo o território, ceifando mais da metade da população
indígena de todo o arquipélago20. O exército liderado por Hernán Cortez teria
reintroduzido a varíola na América logo no início da conquista espanhola em 1520.
Toledo explica que na América, a varíola foi uma das piores heranças dos
colonizadores, estima-se que mais de três milhões de nativos morreram da doença, o
que certamente facilitou a conquista dos espanhóis.21
De acordo com Cristina Brandt Gurgel e Camila Pereira da Rosa há
controvérsias sobre os dados estatísticos oficiais ocasionados em decorrência da varíola
no período da conquista da América. Segundo as mesmas, diferentes estudos defendem
uma redução de 25% até fastigiosos 96% no número de habitantes indígenas na
América Central entre 1492 a 165022
23
. Luís Felipe Alencastro explorou esta questão
16
BARRETO, João de Barros. Tratado de Higiene: Saneamento e higiene. Rio de Janeiro, Volume II:
Imprensa Nacional do Rio de Janeiro. 1956, p. 244.
17
Id. Ibid., p. 244.
18
CROSBY AW. Imperialismo ecológico: a expansão biológica da Europa (900-1900). São Paulo:
Companhia das Letras,2000, p. 192.
19
FARREL, Jeanette. A assustadora história das pestes e epidemias. São Paulo: Ediouro, 2003, p. 48.
20
TOLEDO JR., Antônio Carlos de. Varíola: a morte da grande assassina. In: TOLEDO JR., Antônio
Carlos de. (org.). Pragas e epidemias: histórias de doenças infecciosas. Belo Horizonte: Folium, 2006, p.
22.
21
Id. Ibid., p. 22.
22
GURGEL, Cristina Brandt Friedrich Martin; ROSA, Camila Andrade Pereira da. História da Medicina:
A Varíola no Brasil Colonial (Séculos XVI E XVII). In. Revista de Patologia Tropical, Vol. 41 (4), 2012,
p. 390.
19
em torno das conexões entre as margens do Atlântico e do fortalecimento de regiões
localizadas ao sul da América Portuguesa, reservando espaço importante para o estudo
da mortalidade e das doenças nas margens do atlântico. Uma das variantes utilizadas
pelo autor é a existência de uma “unificação microbiana do mundo”.24
De verdade, a vulnerabilidade dos índios ao choque epidemiológico
resultante da união microbiana do mundo completada pelos descobrimentos
constituiu um fator restritivo à extensão do cativeiro indígena e,
inversamente, facilitou o incremento da escravidão negra.25
Contudo é errôneo responsabilizar apenas a varíola pelo tenebroso quadro de
redução da população nativa das Américas. Sem dúvida alguma ela exerceu um papel
importante, colaborando com sucessivas tragédias epidêmicas em todo o continente
americano. Entretanto, é sabido, que a frequência epidêmica das febres perniciosas, do
escorbuto, da cólera morbus, da febre amarela e até mesmo da fome também
contribuíram para este cenário desolador.
Em 1640, a varíola penetrou na América do Norte, durante esse período os
índios de Massachusetts e de Narragansett, que somavam cerca de 40 mil em 1633,
sofreram grande redução em virtude da presença da varíola. O México foi um dos países
da América Central que mais sofreu com ataques mortíferos da varíola. As principais
epidemias aconteceram nos anos de 1763, 1779 e 1797, sendo que em 1802 toda a
América Central sofreu com violentos ataques da moléstia.26
As epidemias variólicas mais mortíferas que atingiram as Américas em seu
período colonial foram às observadas na parte sul do continente, pelo fato de ali se
concentrar a maior população indígena da época. A varíola penetrou na parte sul da
América por volta do ano de 1588, no Peru as epidemias que assolaram os anos de 1720
23
William McNeill correlaciona a incidência das doenças à história política e cultural de populações
específicas, demostrando que a circulação de determinadas doenças como a varíola afetaram as relações
humanas. Este autor destaca, sobretudo, o papel das doenças infecciosas (cólera, febre amarela, peste,
sífilis e varíola) sobre os processos de natureza histórica. Em seu entendimento, as doenças infecciosas
seriam um dos parâmetros fundamentais e determinantes da história da humanidade. Como exemplo, ele
aponta que a história da conquista da América seria incompreensível sem a percepção do papel que as
epidemias de varíola sempre estiveram por dizimar as populações nativas e propiciando a vitória dos
espanhóis. Cf. McNeill WH. Plagues and peoples. New York: Anchor Books, 1971, p. 13.
24
A época das grandes navegações e consequentemente o descobrimento do novo mundo fomentou a
proliferação patogênica das doenças infectocontagiosas em todo o globo. Cf. ALENCASTRO, L.F. O
trato dos viventes. São Paulo: Companhia das Letras, 2000, p.133.
25
ALENCASTRO, L.F. O trato dos viventes. São Paulo: Companhia das Letras, 2000, p. 133.
26
BARRETO, João de Barros. Op. Cit., 1956, p. 244.
20
e 1729 são consideradas as mais arrasadoras, supõe-se uma mortalidade de 30% a 50%
entre os nativos dos Andes somente nos primeiros meses após o contágio.27
Em relação ao Brasil, provavelmente a varíola chegou em 1555, introduzida
pelos calvinistas franceses que haviam ali fundado um pequeno núcleo populacional no
Rio de Janeiro28. Em 1561, a doença teria chegado à Bahia através de uma nau que
trazia bexiguentos a bordo, dois anos mais tarde em 1563 ocorreu o primeiro surto
variólico de grande escala. Este surto surgiu por uma ocasião inesperada, isto porque
um surto variólico iniciado em Portugal em 1562 teve repercussões trágicas atingindo a
costa brasileira. O primeiro local atingido foi a ilha de Itaparica na Bahia, em menos de
um ano, a doença foi reintroduzida em Ilhéus. Dali se espalhou por toda a costa
brasileira propagando-se para as capitanias de Pernambuco e de Piratininga, em especial
nos aldeamentos e missões fundadas pelos jesuítas, fazendo grandes estragos em 156429.
Calcula-se que entre 1563 a 1564 esse surto epidêmico tenha vitimado cerca de 30.000
índios.30
Em 1597, novamente a varíola fez enormes estragos entre a população indígena
da Bahia. Em 1617, a varíola apareceu em Olinda, em 1641 novamente na Bahia,
também em 1641 o Rio de Janeiro conhece as primeiras notícias de que a varíola teria
originando-se pela importação de escravos do quilombo dos Corvos, lugar de
importação de escravos da África para a costa brasileira, a partir desse ocorrido a
varíola passa a ser associada ao tráfico de escravos31. Em 1666 a varíola se fez presente
em Salvador, e no ano de 1695 a varíola foi epidêmica no Rio Grande do Sul.32
O século XVII testemunharia outros desastrosos surtos variólicos em diversas
partes do Brasil, como os de 1621, 1631, 1642, 1662-1663, 1665-1666 e 1680-1684,
todos iniciados nas capitanias ao norte, então principal pólo econômico do país33. A
varíola teria sido ainda objeto do primeiro livro escrito sobre a medicina no país, “O
27
Id. Ibid., p. 244.
GURGEL, Cristina Brandt Friedrich Martin; ROSA, Camila Andrade Pereira da. História da Medicina:
A Varíola no Brasil Colonial (Séculos XVI E XVII). In. Revista de Patologia Tropical, Vol. 41 (4), 2012,
pp. 390-391.
29
Na época este surto epidêmico ficou conhecido como o açoite do Senhor, nome dado à epidemia
segundo os relatos do padre Leonardo do Valle. Cf. GURGEL, Cristina Brandt Friedrich Martin; ROSA,
Camila Andrade Pereira da. História da Medicina: A Varíola no Brasil Colonial (Séculos XVI E XVII). In.
Revista de Patologia Tropical, Vol. 41 (4), 2012, pp. 387-399.
30
GURGEL, Cristina Brandt Friedrich Martin; ROSA, Camila Andrade Pereira da. História da Medicina:
A Varíola no Brasil Colonial (Séculos XVI E XVII). In. Revista de Patologia Tropical, Vol. 41 (4), 2012,
p. 392.
31
Id. Ibid., p. 393.
32
Id. Ibid.
33
Id. Ibid., p. 394.
28
21
Tratado Único das Bexigas e Sarampo”, de Simão Pinheiro Mourão, publicado em
Lisboa em 168334. Para Stefan Ujvari nos tempos coloniais a varíola foi utilizada com
propósitos de conquista e expansão pelos portugueses, segundo este autor tribos
indígenas de origem goitacá, foram quase que varridas do mapa por repetidos surtos
variólicos:
Os goitacás moravam em palafitas nas áreas pantanosas da região dos rios
Paraíba do Sul e Itabapoana. Extremamente violentos, constituíam tribos
difíceis de ser combatidas e permaneceram na região do campo de Goitacás
por muitos anos. Até o dia em que os portugueses descobriram um meio de
vencer os 12 mil índios resistentes usando a varíola como arma
bacteriológica. No final do século XVIII, esses nativos foram dizimados por
uma epidemia da doença espalhada entre eles de maneira proposital pelos
portugueses.35
Von Martius descreve que a varíola sempre se apresentou em caráter
devastador entre os índios das terras brasílicas. Para ele a varíola era completamente
desconhecida pelos gentios antes do povoamento português tendo por isso se alastrado
com grande virulência e pestilência entre as sociedades indígenas de todo o Brasil, não
discriminando sexo e idade. Valendo-se disso, os colonizadores portugueses utilizaramse das bexigas36 como uma verdadeira “arma bacteriológica” para a conquista do
território.37
Narrativas semelhantes, também podem ser verificadas no Maranhão. De
acordo com Mércio Pereira Gomes em 1815 os índios Canelas Finas que habitavam
regiões próximas a Caxias foram atacados por um surto variólico, a origem do surto
seria a manipulação de brindes e roupas contaminadas por varíola e distribuídas aos
nativos da região38. Jairo Nascimento da Silva aponta que as bexigas eram
popularmente conhecidas entre os índios do Pará pelo termo “mereba-ayba”39, sendo
muitas vezes utilizadas para fins nefastos. Para Mário Martins Meireles entre as
moléstias infecto-contagionistas foi à varíola que mais ceifou vidas nesse período no
34
FILHO, Lycurgo Santos. História geral da medicina brasileira. Volume 2.São Paulo: Hucitec/EDUSP,
1991, pp. 157-158.
35
UJVARI, Stefan Cunha. A história e suas epidemias: a convivência do homem com os microorganismos. 2 ed. Rio de Janeiro: Senac, 2003, p. 107.
36
Durante os séculos XVII, XVIII e XIX a varíola era conhecida populamente como doença das
“bexigas”, em algumas situações a expressão “mal da bicha” também era utilizada para designar a
varíola.
37
MARTIUS, Von. Natureza, Doenças, Medicina e Remédios dos Índios Brasileiros (1844). In.
MARTIUS, C. F. & SPIX, J.B. Viagem pelo Brasil. 2. ed. São Paulo: Melhoramentos, 1861.
38
GOMES, Mércio Pereira. Os índios e o Brasil. Petrópolis: Vozes, 1988, p. 34.
39
SILVA, Jairo de Jesus Nascimento da. Da Mereba-ayba à Varíola: isolamento, vacina e intolerância
popular em Belém do Pará, 1884-1904. 148f. Dissertação (Mestrado em História)-Universidade Federal
do Pará, 2009, p. 14.
22
Maranhão40. Raimundo Palhano enfatiza que a varíola foi uma das doenças mais
mortíferas da história do Maranhão Colonial41. Infelizmente os registros primários e
literários que relatam a densidade real do impacto demográfico causado pelas epidemias
variólicas no Maranhão no período Colonial são escassos, o que se supõe, é que as
epidemias variólicas dos tempos coloniais causaram estragos principalmente entre os
índios da região.
Sequencialmente a varíola é registrada no Maranhão nos anos de 1621, 1661,
1662, 1695, 1703, 1724, 1725, 1730, 1776, 1784, 1785, 1787, 1788, 1799, 1805, 1813,
1820, 1821, 1837, 1838, 1854, 1855, 1864,1865, 1874, 1875, 1876, 1883 e 188442
43
.
Teodorico Constantino Chermont em suas Memórias dos mais terríveis contágios de
bexiga e sarampo deste Estado, aponta que nada mais nada menos houve uma sucessão
de pelo menos dez aparições do “mal da bicha” no Maranhão entre 1724 a 1776.44
O Dr. Manuel Rodrigues de Oliveira (primeiro cirurgião-mor da Capitania do
Maranhão) escrevera na Folha Medicinal do Maranhão45 de 1822 que a varíola tem
40
MEIRELES, Mário Martins. História do Maranhão. São Paulo: Siliciano, 2001, p. 196.
PALHANO, Raimundo N. A produção da coisa pública, serviços públicos e cidadania na primeira
República: a realidade loduvicense. São Luís: IPES, 1988, p. 147.
42
As datas referentes aos surtos variólicos de 1621, 1662, 1695, 1703, 1724, 1730, 1776, 1785, 1787,
1799 e 1813 ocorridos no Maranhão foram obtidas junto às informações fornecidas por MEIRELES,
Mário M. Dez estudos históricos. São Luís: Alumar, 1994, pp. 201-236; os surtos variólicos de 1661,
1724 e 1725 foram obtidos junto as informações fornecidas por CHAMBOULEYRON, Rafael et al.
‘Formidável contágio’: epidemias, trabalho e recrutamento na Amazônia colonial (1660-1750). História,
Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v.18, n.4, out-dez. 2011, p. 987-1004; os surtos variólicos
de 1838, 1855 e 1884 foram obtidos junto as informações fornecidas por MARQUES, César Augusto.
Dicionário histórico–geográfico da Província do Maranhão. Rio de Janeiro: Fon-Fon e Seleta, 1970, p.
486; os surtos variólicos de 1805, 1820 e 1821 foram obtidos junto a PALHANO, Raimundo N. A
produção da coisa pública, serviços públicos e cidadania na primeira República: a realidade
loduvicense. São Luís: IPES, 1988, p. 146; os surtos variólicos de 1784, 1788, 1837, 1854, 1855, 1864,
1865, 1874, 1875, 1876, 1883 foram obtidos junto aos resultados provenientes desta pesquisa.
43
Nos anos de 1743, 1744, 1747, 1748 a varíola reinou no Pará em caráter epidêmico, no entanto, até o
momento não existem fortes evidencias de que a mesma reinou no Maranhão em caráter epidêmico nestes
respectivos anos. Cf. CHAMBOULEYRON, Rafael et al. ‘Formidável contágio’: epidemias, trabalho e
recrutamento na Amazônia colonial (1660-1750). História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de
Janeiro, v.18, n.4, out-dez. 2011, pp. 987-1004; Segundo César Marques a varíola também reinou em
caráter epidêmico em São Luís nos anos de 1867, 1868, 1870, 1871. Cf. MARQUES, César Augusto.
Dicionário histórico–geográfico da Província do Maranhão. Rio de Janeiro: Fon-Fon e Seleta, 1970, p.
486. No entanto, de acordo com as pesquisas realizadas para este trabalho, nestes respectivos anos a
varíola não se fez presente em caráter epidêmico ou em sua forma maior “varíola confluente”, apenas há
indícios de casos pontuais de varicela, sem citação de epidemia.
44
MEIRELES, Mário M. Dez estudos históricos. São Luís: Alumar, 1994, p. 212.
45
Segundo Joffre Marcondes de Rezende a Folha Medicinal do Maranhão foi o primeiro periódico
médico do Brasil editado em São Luís. O primeiro número data de 11 de março de 1822, cinco meses
após a chegada da primeira tipografia ao Maranhão que fora importada diretamente da Inglaterra pelo
governador da província, Bernardo da Silveira Pinto da Fonseca. Neste número, o Dr. Oliveira anunciava
o seu propósito de “definir e descrever cada uma das principais moléstias desta província, que mais a
afligiam e a despovoavam e indicar os métodos curativos”. A Folha Medicinal do Maranhão teve
duração efêmera. Foram publicados ao todo catorze números, o último dos quais em 10 de junho de 1822,
sem que se cumprisse o ambicioso projeto de seu fundador. Foi a mesma acerbamente criticada pelo
41
23
sido a moléstia mais recorrente no Maranhão desde os tempos coloniais46. Meireles
relata o descaso das autoridades em relação à saúde pública durante seu período
colonial. O autor relata os pedidos da Câmara de São Luís em 1719 para a Coroa
portuguesa, solicitando “pelo amor de Deus a remessa de médico, boticário e de um
cirurgião aprovado47”. De fato não existia um serviço regular de atendimento e de
transferência de médicos no Maranhão Colonial. Entre o primeiro cirurgião da capitania
do Maranhão e o segundo, passaram-se praticamente meio século.48
Referindo-se a epidemia de varíola de 1621, que grassou sobre toda a
população de São Luís, Meireles relata o seguinte:
Inúteis os tiros de bombardas com que, do forte para o céu, se pretendia
defender a vila, purificando-lhe os ares empestados com a fumaça de muita
pólvora, os fogachos de alcatrão e as fogueiras de lenha de mangue que se
acendiam nos quintais e nos chãos vazios para afugentar os miasmas que
andavam nos ventos, os banhos de cheiro, com ervas aromáticas, com que se
procurava refrescar, nos pestosos, a crosta de lixa das peles em fogo.49
A epidemia variólica de 1621 foi tão severa que as classes mais ricas dos
habitantes da capital, se sentindo ameaçadas pela doença, prometiam construir igrejas
no intuito de apaziguar o que segundo eles seria um “surflágio da ira de Deus”.
O Capitão-Mor Diogo da Costa Machado (1619/22) teve que apelar para
maior graça divina, prometendo à Santíssima Virgem erguer, à sua própria
custa, um templo, sob sua invocação, se mais uma vez acudisse aos
maranhenses, debelando a epidemia que ameaçava dizimá-los. E, como
forma de cumprir esta promessa, foi construída, em 1677, a igreja de Nossa
Senhora da Vitória, a primeira matriz da cidade.50
Raimundo Palhano ao referir-se sobre as epidemias variólicas de 1787 e 1788
que assolaram a cidade de São Luís acaba por descobrir o mesmo comportamento.
padre José Gonçalves Ferreira da Cruz Tezinho, em uma publicação satírica intitulada Palmatória
Semanal, em virtude da pobreza de conteúdo do jornal, que pouco ou nada continha de assuntos médicos.
Por não haver cumprido com seu propósito inicial Lycurgo Santos Filho e outros historiadores da
medicina do Brasil não consideram a Folha Medicinal do Maranhão como o primeiro periódico médico
brasileiro, conferem este título simbólico ao “O Propagador das Sciencias Medicas ou Anaes de
Medicina, Cirurgia e Pharmacia; Para o Império do Brasil e Nações Estrangeiras, Seguidos de um
Boletim Especialmente Consagrado às Sciencias Naturaies, Zoologia, Botânica etc.”, jornal fundado no
Rio de Janeiro por José Francisco Xavier Sigaud em 1827. Cf. REZENDE, Joffre Marcondes de. À
sombra do plátano: crônicas de história da medicina [online]. O primeiro periódico médico do Brasil.
São Paulo: Editora Unifesp, 2009, pp. 385-387.
46
MEIRELES, Mário M. Dez estudos históricos. São Luís: Alumar, 1994, pp. 220-221.
47
Id. Ibid., p. 214.
48
De acordo com Mário Martins Meireles o primeiro cirurgião de São Luís foi o Dr. Thomas de Lestre, o
segundo cirurgião de São Luís foi o Dr. Antônio Carvalho. Cf. MEIRELES, Mário Martins. Op. Cit., pp.
199-203.
49
Id. Ibid., p. 209.
50
Id. Ibid.
24
Ao longo do período de 1787 e 1788 as epidemias de varíola se tornaram
muito frequentes. Em 1787-88, chegou tão violenta a epidemia que a Câmara
recorreu ao Governador, solicitando um médico para a Capital, oferecendolhe a elevada soma de 400$000 réis por um ano de trabalho. O Governador,
vendo que o mal não se debelava, em 25 de abril de 1788, pediu à Câmara
Municipal que recorresse à misericórdia divina, através do bispo diocesano, a
quem solicitava três dias de preces e uma procissão a São Sebastião.51
O apelo a Providencia divina será perceptível em outras oportunidades em que
a varíola foi reinante em São Luís, mais especificamente nos anos de 1855, 1865 e
1883, datas em que novamente a varíola reapareceu em caráter epidêmico e para combatê-la, recorria-se às preces e até as promessas de construção de igrejas.
2.2 Etiologia da varíola
Entre os séculos XVIII e XIX a varíola foi considerada uma das doenças
infecto-contagiosas mais difundidas em todo o mundo. Somente no século XVIII ela
vitimou mais de 60 milhões de vidas. Antes da época da introdução da vacina
jenneriana, 95% dos expostos contraiam a doença, com letalidade de 30% (em algumas
situações sua letalidade alcançou 80% das vítimas).52
Os números ratificam que a varíola foi uma das doenças mais mortíferas na
história da humanidade. Ela geralmente ocorria na forma epidêmica, sua
transmissibilidade poderia dar-se por meio das secreções das vias respiratórias, das
mucosas do enfermo, por roupas e objetos contaminados e da própria exposição das
lesões da pele do enfermo ao ar livre53. A varíola apenas poderia ser transmitida pelo ar
a curtas distâncias, sobretudo em ambientes fechados, sabia-se ainda que o período de
51
PALHANO, Raimundo N. A produção da coisa pública, serviços públicos e cidadania na primeira
República: a realidade loduvicense. São Luís: IPES, 1988, p. 146.
52
A mortalidade alcançada pela varíola em seus surtos epidêmicos era comparável à mortalidade
apresentada pelos surtos da cólera morbus e da peste. Estatisticamente sabe-se que a varíola foi uma das
doenças mais mortíferas do século XIX, sua ocorrência neste século dava-se principalmente em sua forma
mais aguda “varíola maior ou confluente”. Essa realidade mudou no século XX, neste século
predominou a varicela que tinha um índice de mortalidade bastante inferior aos casos de varíola aguda.
Cf. ÂNGULO, Juan. Varíola, In: VERONESI, Ricardo. Doenças infecciosas e parasitárias. 7a ed., Rio de
Janeiro: Guanabara Koogan, p. 55.
53
Ainda no século XIX estudos foram realizados em Copenhagen (Dinamarca) utilizando as listas anuais
de obituários. Entre 1749 até 1798, ou seja, um intervalo de cinquenta anos, a varíola vitimou
aproximadamente 210. 158 mil indivíduos. Entre 1802 (época da introdução da vacina jenneriana no país)
até 1819 foram 73.000 indivíduos mortos pela varíola. Cf. GAZETA MÉDICA DA BAHIA, Publicada
por uma associação de facultativos, 2° série, Volume II. A vaccinação e a revaccinação como fonte de
grandes benefícios para a humanidade. Bahia, Officina litho-typographia de J.G. Tourinho, 1877, p. 270.
25
incubação era de 7 a 16 dias, podendo existir variações de 7 a 19 dias ou de 10 a 14 dias
dependendo do grau de virulência da moléstia.54
Etimologicamente ela caracterizava-se por uma súbita febre, passando por
calafrios, cefalagia, raquialgia, e intensa prostração, que perduravam por três ou quatro
dias. Após o termino desses sintomas, ocorria uma queda da temperatura dando início às
erupções até o aparecimento das crostas variólicas que secavam e se destacavam, ao
término da terceira semana. As erupções variólicas eram generalizadas, porém sua
frequência era mais intensa na costa, peito, braço, antebraço e principalmente no rosto.55
Carlos Machado salienta que a transmissibilidade da varíola se dá
predominantemente entre a primeira semana de incubação, porém este prazo pode se
estender para as quatro primeiras semanas de infecção. De acordo com esse
pesquisador.
A transmissão da varíola dá-se por contato direto. Ao findar o período
padrâmico e ao iniciar-se o período exantemático, o vírus passa a estar
presente nas secreções das vias respiratórias superiores; a concentração do
vírus na orofaringe é máxima nos primeiros dias do período exantemático. O
agente infeccioso encontra-se também nas lesões cutâneas, inclusive nas
crostas. Além da transmissão através das gotículas de Flügge, deve também
ser considerada transmissão indireta, por intermédio de partículas veiculadas
pelo vento.56
Apesar de ser popularmente conhecida como “bexigas” nos séculos XVIII e
XIX, existiam de fato três tipos de ocorrências variólicas distintas. O primeiro deles era
a varíola clássica, também conhecida como varíola maior ou confluente e que se
constituía como doença grave com letalidade de 20% a 30%57. O segundo tipo seria a
varíola hemorrágica, a qual era mais letal e perigosa do que a varíola confluente,
caracterizando-se pelo aparecimento de manchas púrpuras e hemorragias cutâneas,
vitimando o indivíduo em três ou quatro dias após a infecção e contágio (geralmente
antes que se manifeste a erupção típica). O terceiro tipo era a varicela também
conhecida como varíola menor ou varioloide, era entendida como a forma benigna da
54
LEVI, Guido Carlos; KALLÁS, Esper Georges. Op. Cit., p. 358.
Id. Ibid.
56
MACHADO, Carlos Gonçalves. Varíola. In: NETO, Vicente Amato; BALDY, José Luís da Silveira.
Doenças transmissíveis. 3. ed. São Paulo: Sarvier, 1989, p. 876.
57
Em 1970 a varíola maior ou confluente foi considerada extinta. Entre os séculos de sua maculação
sobre as populações ela chegou a computar de 10 a 15% de todas as mortes em alguns países. Cf. KIPLE,
Kenneth F. História da doença. In. PORTER, Roy. Cambridge História da Medicina. Rio de Janeiro:
Editora REVINTER Ltda, 2006, p. 33.
55
26
doença, com letalidade inferior a 1% dos casos, apresentava sintomas brandos, erupções
discretas com febres de pouca intensidade, a evolução de suas lesões era mais lenta.58
Pedro Luiz Chernovicz, autor do Dicionário de Medicina Popular59, assim
referia-se as bexigas: “Uma erupção geral ou parcialmente de borbulhas pelo corpo que
se convertem em grandes pústulas redondas e purulentas; acabam pela dessecação e
deixam nodoas vermelhas às quais sucedem cicatrizes mais ou menos aparentes”
60
.
Chernovicz distinguia apenas duas espécies de varíolas, classificadas em benignas (ou
discretas), e graves (ou confluentes), estas ultimas eram conhecidas como “pele de lixa
e olho de polvo”, pois, deformavam o corpo da vítima por inteiro.
Na primeira espécie de pústula variólica Pedro Chernovicz as descreve como
isoladas umas das outras, na segunda espécie, as pústulas variólicas são tão numerosas e
concentradas que chegam a se confundir umas com as outras. Segundo ele a varíola
benigna ou discreta manifesta-se com calafrios seguidos de temperatura, náuseas, sede,
perda de apetite, dores de cabeça, cansaço e por vezes acompanhada de delírio.
Principia sua erupção no quarto dia, inicialmente no rosto, alastrando-se depois pelo
pescoço, peito e membros. As borbulhas que levantam na pele são avermelhadas e
dolorosas, provocando reações específicas como a dormência do rosto, inchaço das
pálpebras, pés e mãos.
Ao terceiro ou quarto dia contados do principio da erupção, sétimo ou oitavo
da data da moléstia, as pustulas do rosto começam a empallidecer a
branquear na ponta a serosidade que ellas contem torna-se purulenta fazem-se
depois amarellas e deixam sahir o pus.61
Este fenômeno ocorre com as outras partes do corpo. Somente no décimo
primeiro dia aproximadamente o rosto desincha, as pústulas secam formando crostas
que caem no décimo quarto ou décimo quinto dia. À proporção que as nódoas vão
desaparecendo, deixam em seu lugar pequenas cicatrizes, havendo também bexigas que
não deixam sinais.
58
ARCHIVOS RIO GRADENSES DE MEDICINA. Ano III n° 9, 03 de junho de 1922, Sobre o alastrim,
pp. 202-207.
59
O Dicionário de Medicina Popular de Pedro Luiz Chernovicz foi uma das obras mais lidas e difundidas
entre os médicos brasileiros durante o século XIX. Cf. GUIMARÃES, Maria Regina Cotrim. Civilizando
as artes de curar: Chernovitz e os manuais de medicina popular no império. 101f. Dissertação de
Mestrado apresentada ao Programa de Pós-graduação em História das Ciências da Saúde da Casa de
Oswaldo Cruz/Fiocruz. Rio de Janeiro, 2003; CHALHOUB, Sidney. Cidade febril: cortiços e epidemias
na corte imperial. Rio de Janeiro: Companhia das Letras, 2006, p. 169.
60
CHERNOVICZ, Pedro Luís Napoleão. Dicionário de medicina popular. Volume 2. Paris: A. Roger &
F. Chernovcz, 1890, p. 325.
61
Id. Ibid., p. 326.
27
Na varíola grave ou confluente todos os sintomas apresentam-se com maior
intensidade.
A febre persiste durante todo o curso da moléstia; as borbulhas são tão
multiplicadas e tão conchegadas que às vezes é difícil ver os interstícios; no
rosto parecem formar uma só pústula com superfície desigual. Depois da
erupção não diminue a violência dos symtomas; quasi sempre pelo contrario
a febre aumenta. As crostas quando cahem deixam cicatrizes que desfiguram
os mais bellos semblantes.62
A varíola grave ou confluente assim que aparece torna-se chata no centro
assemelhando-se a um umbigo, a pele fica áspera e enrugada com a aparência de pele de
peixe ou de uma lixa, desenvolve-se principalmente no rosto, ela sempre tem um fim
funesto, provocado pela violência da inflamação. Quando a morte não acontece, deixa
vestígios como a perda da visão, deformidade, surdez, e males desse porte. O perigo é
extremo, pois nas pústulas em vez de pus contêm serosidade ou sangue negro. Neste
caso ê conhecida como “bexiga preta, negra ou hemorrágica”
63
. Já a varíola benigna
geralmente isenta a pessoa ao delírio, disenteria e outros contratempos, a mesma tem
grande virulência que duram de 14 a 21 dias64. As imagens seguintes ilustram diferentes
sequelas ocasionadas pela varíola nas suas diversas incidências.
Figura 01.
Varíola benigna ou discreta.
Figura 02.
Varíola confluente ou grave.
62
Id. Ibid.
Id. Ibid.
64
Id. Ibid., p. 327.
63
28
Fonte: VERONESI, Ricardo. Doenças infecciosas e parasitárias. 7a ed., Rio de Janeiro: Guanabara
Koogan, pp. 88-89.
Figura 03.
Figura 04.
Pústulas variólicas em processo de secamento.
Fonte: VERONESI, Ricardo. Doenças infecciosas e parasitárias. 7a ed., Rio de Janeiro: Guanabara
Koogan, p. 86.
Figura 05.
Figura 06.
Crostas remanescentes nas palmas das mãos e dos pés.
Fonte: VERONESI, Ricardo. Doenças infecciosas e parasitárias. 7a ed., Rio de Janeiro: Guanabara
Koogan, p. 87.
29
Figura 07.
Sequelas da varíola.
Fonte: VERONESI, Ricardo. Doenças infecciosas e parasitárias. 7a ed., Rio de Janeiro: Guanabara
Koogan, p. 90.
Utilizando-se da narrativa do historiador norte-americano Sander Gilman, Roy
Porter chama atenção para as representações e os aspectos de impureza que as doenças
infectocontagionistas exercem na sociedade. Segundo ele, determinadas moléstias criam
e recriam verdadeiros esquemas de repreensão social, onde o “eu”, o “nós” e os “outros”
30
são definidos por estereótipos desqualificado o outro como perigoso65. A este respeito
Jeanette Farrel sublinha que a história da varíola em parte é contada pela sensibilidade
de suas cicatrizes, principalmente aquelas deixadas na face humana, estigmatizando
suas vítimas.
Essa doença, em um dia, atacava um rosto de pele macia, que depois se
avermelhava de febre de origem desconhecida, durante quatro ou cinco dias,
até que as reveladoras pústulas, ou espinhas, parecidas com catapora,
começavam a surgir e, depois, inchavam, estouravam e secavam. [...] Os
felizardos que sobreviviam podiam esperar um rosto coberto de concavidades
rasas, como a superfície da lua, ou uma praia salpicada pela chuva. As
cicatrizes, indisfarçáveis, marcavam os sobreviventes, e deixavam claro que,
uma vez contraída a doença, eles agora estavam imunizados – nunca mais
seriam infectados. Pessoas do mundo inteiro, ávidas por proteção,
começaram a refletir sobre isso.66
Para Erving Goffman a maculacão de doenças da pele como a hanseníase, a
sífilis e a própria varíola supõe o afloramento do medo e das tensões entre os ditos
“normais” e, consequentemente, a exclusão e o afastamento dos indivíduos
estigmatizados por essas doenças, que deixam profundas marcas na autoestima,
proporcionando um sentimento de inferioridade em seus afetados e o “ostracismo
social”.
Enquanto o estranho está à nossa frente, podem surgir evidências de que ele
tem um atributo que o torna diferente de outros que se encontram numa
categoria em que pudesse ser incluído, sendo, até, de uma espécie menos
desejável – num caso extremo, uma pessoa completamente má, perigosa ou
fraca. Assim, deixamos de considerá-lo criatura comum e total, reduzindo-o a
uma pessoa estragada e diminuída. Tal característica é um estigma,
especialmente quando o seu efeito de descrédito é muito grande – algumas
vezes ele também é considerado um defeito, uma fraqueza, uma desvantagem
– e constitui uma discrepância específica entre a identidade social virtual e a
identidade social real.67
Em artigos publicados em 03 de junho de 1922 pelos Archivos Rio-Grandenses
de Medicina os doutores Thomaz Mariante e Tudy de Godoy caracterizaram
patologicamente varíola e varicela como doenças distintas. Para eles a varicela seria o
mesmo que alastrim68, sendo que esta era mais constante no século XX, enquanto que a
varíola clássica foi percebida com maior frequência e intensidade no século XIX.
Segundo eles em ambas os sintomas são muito parecidos, com exceção da letalidade
65
PORTER, Roy. O que é a doença? In. PORTER, Roy. Cambridge História da Medicina. Rio de
Janeiro: Editora REVINTER Ltda, 2006, p. 91.
66
FARREL, Jeanette. A assustadora história das pestes e epidemias. São Paulo: Ediouro, 2003, p. 31.
67
GOFFMAN, Erving. Estigma: notas sobre a manipulação da identidade deteriorada. 4. ed. Rio de
Janeiro: LTC, 2008, p. 12.
68
Alastrim é o tipo brando da varíola, conhecido popularmente como catapora. Cf. ARCHIVOS RIO
GRADENSES DE MEDICINA. Ano III n° 9, 03 de junho de 1922, Sobre o alastrim, pp. 202-207.
31
produzida por cada uma. A varíola era de extrema letalidade com procedência
epidêmica de até 30% em óbitos de seus infectantes, já o alastrim era diferente, sua
letalidade no século XIX era de apenas 1%, na virada para o século XX, este índice cai
para 0,5% de óbitos em vítimas infectadas pelo vírus.69
Toda essa diferença explica-se pelo fato da varíola ser de origem do vírus
Poxvirus officinale que pertence a sub-famíla do grupo viral Chordopoxvirinae e ao
gênero Orthopoxvirus. De acordo com Bremam e Henderson o vírus que provoca a
varíola é um dos maiores e mais resistentes já estudados, ele é completamente visível ao
microscópio medindo aproximadamente 302-350nm por 244-270nm, sua forma é
retangular com as bordas ligeiramente arredondadas, possuindo dois envelopes, um
externo (extracelular) que rodeia o núcleo do vírus e outro interno presente no vírus. No
núcleo se concentra seu genoma que tem 186 kbp, que consiste numa molécula de DNA
de cadeia dupla, com um loop70 em forma de gancho em cada ponta.71
Por outro lado o alastrim seria uma doença causada pelo vírus Milk-pox,
também chamado de Karfin-pox menos letal, outra diferença entre as doenças seria sua
fase de incubação e desenvolvimento. O alastrim caracteriza-se por ter um período de
incubação entre 16 a 19 dias, tendo por preferência as pústulas a aparecerem no tronco e
abdome e parte próximas a estes membros. A varíola por sua vez, teria um período de
incubação menor, variando entre 07 a 16 dias, sendo a regra considerada apenas de 12
dias de incubação, o surgimento de suas pústulas dava-se, sobretudo na face, pescoço e
peito. Além disso, as feridas produzidas pelo alastrim eram rapidamente cicatrizadas,
enquanto que as da varíola poderiam permanecer por toda vida.72
Henrique Aragão também expõe a diferença entre varíola e alastrim, segundo
ele a associação microbiana nas duas moléstias são completamente distintas, isto porque
no alastrim são predominantes os estafilococos, enquanto que na varíola os
estreptococos são predominantes73. Magarinos Torres e Castro Teixeira esclarecem que
nas células epidérmicas das lesões provocadas pelo alastrim se evidenciam pústulas
69
ARCHIVOS RIO GRADENSES DE MEDICINA. Ano III n° 9, 03 de junho de 1922, Sobre o alastrim,
p. 202.
70
Loop é uma palavra inglesa, que originalmente significa “aro”, “anel” ou “sequência”, e que
no contexto da língua portuguesa é usada com este último significado. Cf. BREMAN, J.G.;
HENDERSON, D. A. Diagnosis and Management of Smllpox. In. ENGL. J. Med., Vol. 347, 2003, pp.
690-691.
71
BREMAN, J.G.; HENDERSON, D. A. Diagnosis and Management of Smllpox. In. ENGL. J. Med.,
Vol. 347, 2003, pp. 690-691.
72
ARCHIVOS RIO GRADENSES DE MEDICINA. Ano III n° 9, 03 de junho de 1922, Sobre o alastrim,
p. 203.
73
Ibidem.
32
isoladas ou em pares, enquanto que na varíola a ação é muito mais violenta, sendo as
pústulas reunindo-se em grupos numerosos às vezes em um único local do corpo.74
As condições de higiene e salubridade pública, sempre eram lembradas como
fatores preponderantes na origem e proliferação da varíola, isto porque, mesmo sanada a
cura de um ou outro indivíduo acometido por ela, sabia-se que a contaminação
miasmática poderia ser realizada caso o local em que determinado(s) varioloso(s) não
fosse devidamente isolado e desinfetado.
De acordo com Downie o vírus variólico penetra no ser humano pela via
respiratória, ele é encontrado nos elementos eruptivos da pele (até nas crostas em que se
mantem vivo por muito tempo), também é presente no sangue do virulento e nas lesões
naso-bucofaringéas, existindo uma viremia em período pré-eruptivo mesmo depois da
morte do indivíduo acometido por varíola, ou seja, a transmissibilidade da doença ainda
pode ocorrer mesmo à pessoa estando em óbito. Por isso, assevera Downe, que a
assepsia dos locais infectados pelo varioloso, é de suma importância, para conter o
avanço epidêmico ou endêmico da moléstia.75
O vírus variólico era tão intenso que o mesmo poderia ser passado da mãe para
o feto, tendo como consequência nefasta quase sempre o aborto. Em princípio de
dezembro de 1870, encontramos o seguinte relato:
Caso singular de varíola - Uma peça pathologica muito interessante foi
apresentada era julho a Academia de Medicina de Pariz pelo Sr. Zabbe e em
nome do Sr Dr. Alberto Vidal, de Grasse. Trata-se de um feto vindo ao
mundo, vivo e coberto de pústulas variólicas, sem que a mãe, vaccinada,
jamais tivesse tido varíola. Tem-se assignalado casos, e o Sr. Depaul o fez
recentemente de varíola sobrevinda em fetos em consequência das mães
acharem-se affectadas desta moléstia; mas o facto do Sr. Vidal é o único até
hoje conhecido. O que tem uma grande importância neste facto é que a
criança foi concebida no fim do mez de Novembro ou no principio de
Dezembro de 1870, sendo o pai accommettido de varíola semi-confluente nos
primeiros dias do mez de Dezembro de 1870. O pai procriando o filho
transmitteria o gérmen da varíola e a criança teria contaminado a mãe.76
A contaminação também poderia ser possível mesmo após a cura de um doente
há duas semanas. Por estes e outros motivos a varíola manteve seu alto índice de
contagiosidade em todos os períodos da vida humana ao longo do século XIX, sendo
assim, ela não respeita a influência do meio externo, tanto a criança como o adulto eram
74
Ibidem.
DOWNIE, R. S. Health Promotion; Models and Values. Secund Edition. Oxford: University Press.
Apud. BARRETO, João de Barros. Op. Cit., 1956, p. 246.
76
GAZETA MÉDICA DA BAHIA, Publicada por uma associação de facultativos, 2° série, Volume V.
Caso singular de varíola. Bahia, Officina litho-typographia de J.G. Tourinho, 1880-1881, p. 99.
75
33
vulneráveis. João de Barros Barreto sugere que a faixa etária menos propensa à doença
era a velhice, isto porque a maioria das pessoas dessa faixa etária possivelmente já havia
contraído a varíola anteriormente adquirindo imunidade biológica contra a varíola.77
Em relação à distribuição geográfica da varíola, sabia-se que sua proliferação
não era uniforme, há registros de simples casos e outros de grandes ciclos epidêmicos
com proporções catastróficas. Em algumas situações, a frequência da varíola era
constante, por isso a mesma era reconhecida em certos lugares como doença endêmica.
No entanto, sua frequência variava muito, devido à dependência da importação infectocontagiosa pelos portos e do grau de imunidade da população de cada região afetada.
Os médicos higienistas do século XIX consideravam que a varíola teria
condições topográficas de se desenvolver melhor nas regiões tropicais, principalmente
no período chuvoso, que acaba por influenciar no aumento da umidade relativa do ar.
Em outras palavras os médicos higienistas da segunda metade do século XIX
caracterizavam a varíola por ser uma “doença estacional”, isto é, intimamente ligada ao
pensamento miasmático do final século XVIII e início do século XIX, onde médicos
europeus aproximaram a noção da ameaça representada pelas regiões de clima tropical
(sua falta de saúde e a pobreza do solo dessas regiões) com o aparecimento de surtos
epidêmicos. Segundo eles esta seria a recíproca manifestada pelas temperaturas
elevadas com rápida putrefação da atmosfera.
Essas características seriam vetores para a proliferação de doenças perniciosas
ao homem, o que intimamente reforçou a ideia de desvalorização não somente do
espaço físico e geográfico das regiões tropicais, mas também a noção de degeneração de
sua gente. De fato por muito tempo os médicos atribuíram aos trópicos um número
significativo de doenças, por considerá-los locais patogênicos por excelência. As febres
intermitentes e catarrais, a febre tifoide, a febre amarela, a malária, a cólera e a varíola
foram os flagelos não somente temidos pelos europeus, mas circunscritos a uma posição
geográfica no globo. O clima quente, a umidade excessiva do ar, o excesso da flora e
fauna, bem como a imundície da população foram atributos utilizados para distinguir os
trópicos de outras regiões do mundo, introduzindo uma noção de “tropicalidade das
doenças”.78
77
BARRETO, João de Barros. Op. Cit., 1956, p. 248.
Durante o século XIX a medicina cresceu internacionalmente, em 1864 em Genebra na Suíça aconteceu
a primeira grande reunião de nível global reunindo diversos profissionais da medicina moderna, em 1867
novos congressos médicos são realizados em Paris e a partir de 1870 a medicina tropical é
institucionalizada. Este ramo da medicina se dedica ao estudo de doenças estreitamente ligadas às
78
34
A transmissibilidade e virulência dos surtos epidêmicos variólicos de 18541855, 1864-1865, 1874-1875-1876 que serão analisadas neste trabalho, deram-se, tal
como os médicos da época explicavam, com maior frequência entre os meses de janeiro
a junho acompanhando o ritmo frenético das chuvas que se estendiam até o mês de
julho. Os médicos também consideravam que a transmissibilidade da varíola poderia se
estender aos meses de julho a agosto, período de estiagem das chuvas. Nesses meses a
varíola também poderia ocorrer de forma epidêmica, pois na estiagem acontecia o
fenômeno de maior erupção miasmática dos pântanos e charcos alagados que entravam
em estado de vaporização pelas altas temperaturas do clima da região.
Todavia, o aparecimento de surtos variólicos não tinha origem com as copiosas
chuvas ou com a umidade do ar, estes fatores poderiam ser facilitadores para a
proliferação do mal variólico, isto porque, a mesma já havia grassado em caráter
epidêmico em regiões com climas temperados e com agradáveis temperaturas e também
em diferentes estações do ano.
Idade, sexo, raça e clima não evitam nem favorecem a aquisição da varíola.
Entretanto, parece que, no hemisfério norte, a varíola era mais frequente no
inverno e na primavera, estações coincidentes, no hemisfério sul, com o
verão e outono, onde parecia também aumentar a incidência da varíola
quando esta era endêmica.79
Estudos realizados por Clare Oswald Stallybras apontam ser negativas as
correlações da incidência da varíola com a temperatura, parecendo ser mais perspicaz
relacionar o aparecimento de surtos epidemiológicos de varíola com os índices de
imunidade absoluta da população80. Will Rogers calcula que a varíola declina nos
períodos de umidade e chuva absoluta na Índia e em outras partes do Império Britânico.
No que diz respeito ao Brasil, estudos realizados nas cidades de Belém, Rio de Janeiro e
São Paulo durante o quinquênio de 1940 a 1944, apontam que o domínio da varíola
menor (varicela) não foi predominante somente no semestre da estação de verão
(período das chuvas intensas no Brasil).81
características das regiões tropicais, consideradas na época verdadeiro túmulo para o homem branco
europeu. Cf. Porter, Roy. Ciência Médica. In. PORTER, Roy. Cambridge História da Medicina. Rio de
Janeiro: Editora REVINTER Ltda, 2006, pp. 267-268.
79
ÂNGULO, Juan. Varíola. In: Ricardo Veronesi. Doenças infecciosas e parasitárias. 7a ed., Rio de
Janeiro, Guanabara Koogan, 1982, p. 55.
80
STALLYBRAS, Clare Oswald. The principles of epidemiology and the process of infection, 1930.
Apud. BARRETO, João de Barros. Op. Cit., 1956, p. 245.
81
Id. Ibid.
35
2.3 Considerações sobre a varíola e suas vacinas
Os conhecimentos sobre a epidemiologia das doenças e suas virulências eram
ligeiramente escassos durante os séculos XVIII e XIX, os médicos desse período não se
preocupavam em apreciar a origem e as manifestações das moléstias na espécie
humana. Em outras palavras, preocupavam-se, sobretudo, em perceber o grau de
distribuição de determinada moléstia sobre a população. Os avanços no campo da
pesquisa e inovação técnica eram tímidos, resumiam-se a meia dúzia de experimentos,
dentre os quais se destacam a criação do estetoscópio82 pelo médico francês Laennec em
1816 e a descoberta da vacina antivariólica em 1796 por Edward Jenner.
De acordo com Pedro Franco Affonso pesquisas sobre uma possível vacina
antivariólica vinham sendo realizadas desde 1768, quando Pritton Sutton e Fewster
coletavam informações sobre uma possível inoculação do cow-pox83 (vírus variólico
com incidência nos bovinos) em seres humanos, os dois haviam notado que os criados
camponeses empregados nos estábulos de criação de vitelos se tornavam imunes ao
contágio das bexigas.84
Alguns anos mais tarde em 1781, Rabon Pommier de Montpellier e o
dinamarquês Plett da aldeia de Nackendorf fizeram as mesmas observações sobre o
cow-pox e sua possível inoculação em seres humanos. Em 1774 o inglês Benjamin
Jesty85 inoculou o cow-pox em sua mulher e em seus dois filhos, para preservá-los dos
ataques da varíola. Esta tentativa obteve resultado satisfatório, porém não encontrou
imitadores, isto porque a comunidade médica local acusou Benjamin Jesty de ter feito
seus ensaios científicos sem os devidos cuidados médicos.86
82
O estetoscópio possibilitava ao médico diagnosticar com maior exatidão doenças pulmonares, como
bronquite, pneumonia e principalmente a tuberculose. Este aparelho sofreu aperfeiçoamentos ao longo do
século, o primeiro deles foi em 1852, quando o americano George P. Cammann transformou o aparelho
em biaricular, aumentando sua capacidade de diagnósticos. Cf. Porter, Roy. Ciência Médica. In.
PORTER, Roy. Cambridge História da Medicina. Rio de Janeiro: Editora REVINTER Ltda, 2006, p.
158.
83
A palavra cow-pox significa pústula de vaca, o cow-pox também era popularmente chamado na
Inglaterra do século XVIII de grease (borbulha). Cf. AFFONSO, Pedro Franco. In. O PAIZ, São Luís, 21
de outubro de 1887. Descoberta da vaccina II, p. 02.
84
AFFONSO, Pedro Franco. In. O PAIZ, São Luís, 21 de outubro de 1887. Descoberta da vaccina II, p.
02.
85
Benjamin Jesty faleceu em 16 de abril de 1816 aos 79 anos de idade na cidade de Yetminster. Há
poucos registros históricos sobre Benjamin Jesty, as informações ao seu respeito não o colocam como
médico diplomado apenas como um simples cultivador da cidade de Gloucestershire. Cf. AFFONSO,
Pedro Franco. In. O PAIZ, São Luís, 21 de outubro de 1887. Descoberta da vaccina II, p. 02.
86
Id. Ibid.
36
O cirurgião inglês Edward Jenner87 descobriu a vacina contra a varíola
utilizando-se da mesma estratégia que outrora Pritton, Fewster, Rabon Pommier, Plett e
Benjamin Jesty utilizaram. Quando esteve em Glocestershire servindo ao exército inglês
Jenner, observou que era possível obter resultados positivos com a inoculação do cowpox em seres humanos, ele percebeu que camponeses ingleses que trabalhavam na
ordenação das vacas e vitelos desenvolviam nas mãos pústulas variólicas semelhantes
ao cow-pox, após o desenvolvimento e secagem desta pústula variólica os camponeses
adquiriam imunidade do sistema imunológico em relação à varíola.
No ano de 1776, Jenner realizou a primeira inoculação com a vacina
antivaríolica, esta foi feita no menino Phipps, de oito anos de idade. Edward Jenner
empregou o seguinte método: “primeiro Jenner retirou o vírus vacínico das mãos de
Sarah Nelms, que havia acidentalmente sido infeccionada pelo cow-pox, inoculou esse
vírus no braço do menino Phipps, que após alguns dias havia adquirido imunidade
contra as bexigas”
88
. Para certificar-se de sua descoberta, Jenner sujeitou o menino a
novas inoculações variólicas e viu que todas as tentativas obtiveram bons resultados.
Em 1788 Edward Jenner publicou seu primeiro trabalho sobre a vacina antivariólica,
que não conseguiu atrair a atenção do grande público.89
Apenas em 14 de maio de 1796 Edward Jenner conseguiu divulgar sua
descoberta inoculando pela primeira vez o cow-pox em várias cobaias humanas, obtendo
resultados satisfatórios. Em um curto espaço de tempo suas experiências multiplicaramse na Inglaterra e para fora do canal da Mancha, países como a França, a Holanda e a
Alemanha também realizaram experimentos com o cow-pox.
Anos depois Bouvier estudando sobre o assunto, descobriu que o mesmo
processo acontecia com tratadores de cavalos acometidos por bexigas, a estas pústulas
Bouvier atribuiu o nome de “hose-pox” 90 (vírus variólico com incidência nos equinos).
O eventual sucesso da vacina de Edward Jenner logo trouxe benefícios à população, em
02 de dezembro de 1799, fundava-se em Londres um instituto destinado à propagação
87
Edward Jenner nasceu em 1749 na cidade Berkeley (Inglaterra) concluiu seus estudos em Londres,
recebendo o grau de doutor em cirurgia, era discípulo de Daniel Ludlow, falecendo em 1823. Cf.
AFFONSO, Pedro Franco. In. O PAIZ, São Luís, 21 de outubro de 1887. Descoberta da vaccina II, p. 02.
88
Id. Ibid.
89
Id. Ibid.
90
Estudos realizados por Chauveau e Warlomont ratificam que a vacina original deferia ser extraída dos
cavalos e não das vacas. Em 1863 Leblanc sugere que as pústulas variólicas também poderiam
apresentar-se em cabras e porcos e a partir desses animais poder-se-ia extrair a linfa vacínica. Cf.
AFFONSO, Pedro Franco. In. O PAIZ, 26 de outubro de 1887. Origem da vaccina III, p. 01.
37
da vacina e somente em seu primeiro ano de existência foram inoculados com a vacina
mais de 18.000 indivíduos.91
Entretanto, na mesma época da descoberta de Jenner, o italiano Aloysio Sacco,
de Piza atribuía a ele a descoberta da vacina contra a varíola. Sacco afirmava que havia
obtido resultados positivos, vulgarizado seu método por toda a Itália frente à epidemia
variólica que escandalizava aquele país92. Aloysio Sacco não foi considerado o criador
da vacina antivariólica, tampouco Benjamin Jesty, que de fato teria sido o primeiro a
inocular indivíduos com o cow-pox, teve seu nome reconhecido. Atribui-se, portanto a
Edward Jenner a descoberta científica da vacina contra a varíola, sendo o nome de
Jenner até hoje lembrado nos anais da medicina moderna como o descobridor desse
valioso método profilático e propulsor do agente patogênico da vacina antivariólica.
A vacina de Jenner ficou conhecida mundialmente por três nomes, o primeiro
era a uma homenagem ao seu criador, “vacina jenneriana”, o segundo diz respeito ao
método da aplicação da vacina, pois se retirava a linfa vacínica do braço de um
indivíduo bifurcando-se este mesmo pus no braço de outro individuo, por esse motivo a
vacina também era conhecida como “vacina de braço a braço”, o terceiro nome
também diz respeito ao método da aplicação da vacina, por isso também ficou
conhecida como “vacina humanizada ou humana”.
A vacina jenneriana (ou linfa vacínica)
93
era extraída do liquido das pústulas
de indivíduos previamente vacinados, geralmente após o quarto dia da primeira
inoculação, no geral a vacina jenneriana caracterizava por ser um liquido seroso, incolor
e viscoso. Exposto ao ar este líquido seca-se rapidamente, mas mesmo depois de seco o
material pode ser reaproveitado com simples dissolução em água clorada. A aplicação
da vacina antivariólica deveria ser realizada por indivíduos gabaritados, no geral eram
médicos especializados na aplicação da linfa vacínica. O método utilizado para a
aplicação do cow-pox era cientificamente chamado na época de “método endérmico”
(ou método por incisão), e dava-se da seguinte forma:
Na ponta de uma lanceta de vacinação recolhem-se algumas gotas do liquido
previamente derramado em um vidro de relógio bem limpo, e as introduzia
na pele, por meio de cinco a seis picadas, demorando a ponta do instrumento
o mais possível, para assegurar a absorção. O ponto escolhido para as
91
AFFONSO, Pedro Franco. In. O PAIZ, 21 de outubro de 1887. Descoberta da vaccina II, p. 02.
Id. Ibid.
93
Na documentação consultada tanto a expressão vacina jenneriana, vacina de braço e vacina humana
eram utilizadas, porém era muito comum rotular a vacina antivariólica pelos termos: “linfa vacínica, pus
ou fluído vacínico”, por isso utilizarei algumas destas terminologias ao longo do texto.
92
38
inoculações era a região do braço e antebraço. A vacina deveria vir em
pequenos frascos de vidros de 04 a 05 gramas, frascos previamente
esterilizados pelo calor e fechados com rolo de esmeril.94
A linfa vacínica poderia ser aplicada no indivíduo também por via oral, para
este procedimento o médico inglês Robert Landell sugere que tal método poderia dar
bons resultados quanto ao aproveitamento da vacina. Landell havia realizado alguns
ensaios com a vacina jenneriana em 1854 utilizando o referido método:
Dissolve-se a vacina em uma lâmina ou em tubo capilar em 04 ou 06 onças
d’ agua fria e da-se uma colher de sopa de duas em duas ou de três em três
horas; seguindo-se esse tratamento, ao segundo ou terceiro dia erupção ficam
as bexigas como se fossem varioloides ou cataporas, a epiderme torna-se
entaboado e grosso, e no quinto secam sem secreção. Sendo aplicado o
mesmo tratamento no quarto ou quinto dia de erupção as bexigas tomam a
forma de verdadeiras vacinas, incham, estouram, e secam no décimo dia.95
Desde sua descoberta a vacina de Jenner não parou de se difundir, nos
primeiros anos do século XIX o Sr. Rochefoucaul de Liancourt96 procurou promover
simultaneamente e com zelo a propagação da vacina jenneriana na Alemanha, Áustria,
Suíça, Holanda, Itália e França. Em 1807 a pratica da vacina jenneriana torna-se
obrigatória na Baviera, anos mais tarde os governos da Alemanha, França e Inglaterra
também adotaram esta medida profilática como sendo de fundamental na ajuda ao
combate às epidemias variólicas.
Em todos esses países o cow-pox foi utilizado na vacinação humana contra a
varíola, porém já em 1820 notou-se o aumento gradativo da falha da vacina jenneriana
transmitido de braço a braço, questionava-se muito a respeito da imunidade
proporcionada pela vacina, isto porque a linfa vacínica rapidamente mostrou-se
degenerada, a varíola começou a atacar os vacinados previamente imunizados com
vacina jenneriana. Em termos proporcionais de cada três indivíduos vacinados pelo
menos um havia contraído varíola depois de ter sido imunizado. Como de costume a
França foi a nação que mais questionou a ação imunológica da vacina jenneriana,
demostrando com exemplos a fraqueza da linfa vacínica.
94
AFFONSO, Pedro Franco. In. O PAIZ, 26 de outubro de 1887. Origem da vaccina III, p. 01.
CORREIO DA VICTORIA, 22 de novembro de 1856. Publicações a pedido, p. 04.
96
O francês François Alexander Fréderic de La Rochefoucaul duque de Liancourt nasceu em 11 de
janeiro de 1747, falecendo em 27 de março de 1827. Ele foi um dos primeiros promotores
da vacinação na França, estabeleceu um dispensário em Paris, além disso, era um membro ativo das
placas centrais da administração de hospitais, prisões e agricultura. Sua oposição ao governo na Câmara
de Paris levou ao seu afastamento em 1823 onde o comitê de vacinação, da qual ele era presidente, foi
suprimido. Cf. AFFONSO, Pedro Franco. In. O PAIZ, 26 de outubro de 1887. Origem da vaccina III, p.
01.
95
39
1° O número cada vez maior casos de varíola nos vacinados;
2° A grande diferença de caracteres gerais e locais da vacina de então,
comparados ao da antiga vacina;
3° A diferença das cicatrizes deixadas pela vacina.97
Na Inglaterra (berço da vacina jenneriana) a vacina também se encontrava em
estado de degeneração, constatações semelhantes foram feitas em Copenhagen e Berlim.
Sendo que a ideia do enfraquecimento da linfa vacínica findava-se em três simples
observações, muito comuns às realizadas na França.
1° A maior frequência de assaltos de varíola grave em indivíduos vacinados;
2° Os caracteres de maior desenvolvimento de pústulas falsas, da maior
reação febril;
3° Da dificuldade crescente de transmissão da vacina de braço, de modo a ter
pouco o nenhum sucesso nos inoculados.98
Após essas acusações admitiu-se a ideia de ser necessária a busca de uma
técnica na produção de uma nova vacina com maior potencialidade e mais duradoura.
Em 1830 é publicado na Inglaterra o livro Observações sobre a varíola e vaccina de
autoria do médico inglês Ceely um entusiasta nos estudos experimentais de Edward
Jenner. Ceely acreditava ser possível inocular o cow-pox dos bovinos diretamente no
homem, sem a ajuda da vacina de braço ou humanizada. Em 1836 o médico russo
Kasau realizou procedimentos semelhantes acreditando ter encontrado um novo método
de criação da vacina antivariólica, na mesma época o médico francês Thiélè diz ter
obtido vacina de boa qualidade sem o uso da vacinação de braço.99
Admitiu-se até mesmo a criação de uma “retro-vacina” que consistia na ideia
da reintrodução da vacina humana no organismo dos vitelos e das vacas, a fim de se
obter uma cultura vacênica mais duradoura, porém todos os experimentos e esforços
fracassaram100. A este respeito Tânia Maria Fernandes101 em estudos sobre a produção e
aplicação da vacina jenneriana, fez importantes observações sobre o assunto. Segundo a
autora, com a disseminação da vacina no mundo, a técnica original de Jenner sofreu
várias alterações, e a partir de 1840 os médicos Negri e Gabiati implantaram uma nova
cultura na produção da vacina em Nápoles na Itália. Esta nova técnica na produção da
97
AFFONSO, Pedro Franco. O PAIZ, 29 de outubro de 1887. Varíola e vaccina IV, p. 01.
AFFONSO, Pedro Franco. O PAIZ, 09 de novembro de 1887. Degeneração da vaccina do homem VI,
p. 01.
99
Id. Ibid., p. 01.
100
AFFONSO, Pedro Franco. O PAIZ, 03 de novembro de 1887. Retro-vaccina V, p. 01.
101
Os trabalhos de Tania Maria Fernandes são considerados referencias sobre a varíola e suas vacinas no
que diz respeito ao Brasil.
98
40
vacina antivariólica também consistia na extração diretamente do cow-pox dos bovinos
e implantando-o em seguida no homem. Essa vacina passou a ser chamada na época de
“vacina animal”. A autora continua argumentando que a implantação da revacinação
como garantia dos resultados satisfatórios da vacina jenneriana também foi outra
mudança significativa na pratica da vacinologia.102
No entanto, mesmo que a comunidade médica europeia da segunda metade do
século XIX considera-se a aplicação da vacina animal mais segura do que a vacina
jenneriana (humanizada), ainda assim ela sofreu inúmeras críticas sobre a comprovação
de sua verdadeira eficácia, demorando mais de vinte anos para que a mesma fosse
difundida na Europa. Até 1864 seu uso restringia-se à apenas a Itália, esta circunstância
se explica pelos insucessos das primeiras experiências promovidas coma vacina animal.
A França mais uma vez seria o palco principal dos discursos difamatórios e eloquentes
contra a nova técnica de produção da vacina, para piorar a situação entre 1870 e 1871 o
país foi assolado por uma terrível epidemia variólica.103
No intuito de demonstrar os progressos e a longevidade da ação imunológica
obtida pelas inoculações da vacina animal, os defensores da nova vacina recorreram ao
uso da estatística, citando que: “Em 1868 os insucessos da vacina animal eram de 268
por mil, em 1869 de 183 por mil. De 72 a 79 de 16 por mil e em 1880 de 03 por mil”
104
. Apenas em 1882 a vacina animal achou entrada no cenário científico europeu, neste
referido ano, Leonardo Voigt publicou em Hamburgo seu famoso livro Vaccina e
Varíola, nesta obra Voigt atesta que estar comprovada à criação e eficácia da vacina
antivariólica de origem animal sem sustentação na vacina humanizada.
Ora, a cultura simultânea do vírus variólico e do vaccinico sobre o mesmo
animal, repetida um certo número de vezes, pode dar lugar a uma
modificação do variólico ou à substituição pelo vaccinico, visto que sabemos
que, enquanto o vírus variólico tende a extinguir-se na vacca, o vaccinico
nunca perde sua energia nesses animais.105
Mesmo com a demora da propagação da vacina animal pelo mundo, essa nova
técnica de produção da vacina logo tomou posição de destaque. A partir de 1880 países
como a Alemanha, Bélgica, Inglaterra, Prússia, Rússia, Áustria, Suíça, Holanda,
Espanha e Portugal estabeleceram a cultura de produção da vacina baseada na vacina
102
FERNANDES, Tania. Vacina Antivariólica: ciência, técnica e o poder dos homens. Rio de Janeiro:
Editora Fiocruz, 1999, p. 16.
103
AFFONSO, Pedro Franco. O PAIZ, 29 de outubro de 1887. Varíola e vaccina IV, p. 01.
104
Id. Ibid., p. 01.
105
Id. Ibid.
41
animal106. Em Nápoles o Dr. Lanoix realizou alguns procedimentos com a vacina
animal, chegando a seguinte conclusão:
1° Proceder à revaccinação ao cabo de um período de dez anos subsequentes
à primeira vaccinação. D’este modo, uma criança vaccinada no berço seria
revaccinada no começo de seu undécimo anno; e, chegando à idade adulta, a
fará novamente com utilidade aos 22 ou 25 annos. As estatísticas tem
demostrado que passados 35 annos, a operação dá resultado apenas
apreciáveis.107
Em 1870 se acenava no Brasil a possibilidade de substituição da vacina
jenneriana pela vacina animal, um dos principais defensores para essa mudança era o
Dr. Uchoa, que baseava-se nos seguintes preceitos:
l. A vaccinação animal é um progresso; neste sentido que sua eficácia é maior
do que a da vaccinação de braço á braço; 2. Ella é isempta da censura que se
pode fazer á vaccinação humana de transmittir vicios diathesicos, e em
particular a syphilis; 3. Chega-se, por este processo, e unicamente por elle, a
obter o vírus vaccinico puro, certo e abundante, isto é nas condições em que
elle deve achar-se; 4. O methodo de Galbiati é o único que permitte vaccinar
em um só dia com uma fonte dada de vaccina, milhares de indivíduos; 5. A
experiência tem provado que ella é a única capaz de produzir revaccinações,
e que os resultados obtidos por ella são infinitamente superiores aos
resultados dados pela antiga vaccina; 6. As experiências instituídas com o
fim de reconhecer o valor da vaccinação animal são todas a seu favor e
reclamam sua propagação; 7. É do dever das Faculdades e das authoridades
médicas sustentar e animar a vaccinação animal.108
A vacina animal chegou ao Brasil apenas em 1887, pelos zelosos esforços do
Barão Pedro Affonso Franco109. A implantação sistemática da vacina animal no Brasil
deu-se pelo Decreto de n° 105-15/09 de 1894 que estabeleceu a criação do Instituto
Vacínico Municipal do Rio de Janeiro, em 30 de novembro, no mesmo ano é assinado
um contrato de validade de dez anos do Instituto Vacínico Municipal sobre orientação
de Pedro Affonso Franco.
Segundo Tania Maria Fernandes em 1866 o Instituto Vacínico de Berlim
adotou o uso da glicerina como forma de se obter uma vacina mais pura a fim de
minimizar seus possíveis efeitos colaterais. No final do século XIX, o vírus da vacina
foi isolado e desenvolvido em tecido celular através de um ovo embrionado e em células
106
Id. Ibid.
A REFORMA, 20 de dezembro de 1871. A varíola e a vaccina, p. 02.
108
GAZETA MÉDICA DA BAHIA. Publicada por uma associação de facultativos, Volume IV.
Vaccinação animal; modo de obtê-la e aplica-la. Bahia, Officina litho-typographia de J.G. Tourinho,
1870, p. 185.
109
Pedro Affonso Franco era médico-cirurgião, no final do Império aos primeiros anos do século XX
atuou como conselheiro dos assuntos referentes à saúde pública. Cf. FERNANDES, Tania. Vacina
Antivariólica: ciência, técnica e o poder dos homens. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 1999, p. 26.
107
42
de coelho, essa nova técnica começou a ser utilizada no início do século XX, juntamente
com a técnica do cow-pox dos bovinos110. Na passagem do século XIX para o XX
técnicas de filtração da vacina animal foram realizadas, fazendo parte deste rol de
experimentos o uso da glicerina, caldo glicosado, éter, caulim, roccal e a penicilina
todas essas substancias foram empregadas junto à vacina animal para obter-se maior
controle na contaminação bacteriana e na produção de uma vacina mais limpa.111
Entretanto, é necessário deixar claro que já existia um método profilático de
combate à varíola e suas epidemias, anterior à descoberta da vacina jenneriana e da
vacina animal. Este método era conhecido vulgarmente como variolação112, sua origem
provêm dos povos do Oriente Antigo (chineses, persas e indianos113). A variolação
consistia basicamente na inoculação de uma pessoa em boas condições de higiene e
saúde com o pus retirado das pústulas variólicas, em outras palavras extraia-se o pus
variólico do braço de uma pessoa acometido por varíola, inoculando este pus
contaminado no braço de um individuo sadio. Esperava-se desenvolver neste indivíduo
inoculado uma espécie de varíola benigna, mas esta não se desenvolveria a ponto de se
converter em varíola maligna, por fim o indivíduo inoculado estaria imune aos efeitos
da varíola.
Tanto a variolação quanto a vacina jenneriana consistiam basicamente na
aplicação do método endérmico114, porém havia um grande receio da comunidade
médica da época na utilização destes métodos, principalmente no método que envolvia a
variolação, isto porque a inoculação muitas das vezes se mostrava ineficaz. Era
extremamente comum a inoculação ser falha e ao invés de adquirir imunidade, a pessoa
fosse acometida pela varíola e às vezes na sua pior incidência. Este era um risco
calculável, pois ambas as técnicas deveriam ser feitas por intermédio da disponibilidade
de “bons braços”. Os médicos do século XIX consideravam como bons braços para
110
Id. Ibid., p. 17.
BARREDO João de Barros. Tratado de Higiene: Saneamento e higiene. Volume II. Imprensa
Nacional do Rio de Janeiro. 1948, p. 251.
112
Tania Maria Fernandes e Sidney Chalhoub utilizam o termo variolização em seus trabalhos para
designar o método profilático anterior à vacina jenneriana, entretanto pela documentação consultada o
termo recorrente para designar este método era chamado de “variolação”. Cf. FERNANDES,
Tania. Vacina Antivariólica: ciência, técnica e o poder dos homens. Rio de Janeiro, Editora Fiocruz,
1999, p.31; CHALHOUB, Sidney. Cidade febril: cortiços e epidemias na corte imperial. Rio de Janeiro:
Companhia das Letras, 2006, pp. 102-106.
113
KIPLE, Kenneth F. História da doença. In. PORTER, Roy. Cambridge História da Medicina. Rio de
Janeiro: Editora REVINTER Ltda, 2006, p. 35.
114
O método endérmico consistia basicamente na bifurcação da epiderme pela escorificação geralmente
por meio de uma lacenta.
111
43
realizar as inoculações, as crianças, pois nelas a vacina jenneriana teria melhores
condições de obter resultados satisfatórios.
Por se tratar de um método que envolvia a introdução de substâncias e
organismos de um indivíduo a outro, a variolação e também a vacina antivariólica foram
amplamente reprimidas por vários médicos e esculápios da época, que diziam ser muito
perigoso o uso desse tipo de contraceptivo, pois poderia ocorrer a contaminação por
sífilis ou outras doenças.
Guardadas as devidas conclusões sobre a questão, fato era que a variolação foi
introduzida na Europa muito antes do advento da vacina jenneriana. Provavelmente o
método da variolação, chegou a Europa no século XVII. Sendo amplamente
disseminada em todas as classes sociais. No ano de 1716 em Constantinopla, Lady
Montagne115 relata que ela mesma teria sido testemunha dos bons resultados da prática
da variolação em sua própria filha. A técnica da variolação foi amplamente adotada na
Inglaterra, Prússia, França, Portugal, Espanha e depois importada para a África e para as
Américas116. A proxima ilustração é uma representação do método da variolação
praticado na China.
115
Lady Wortley Montagne foi embaixatriz do Império Britânico em Constantinopla entre os anos de
1716 e 1718. Cf. AFFONSO, Pedro Franco. In. O PAIZ, 26 de outubro de 1887. Origem da vaccina III,
p. 01.
116
Id. Ibid.
44
Figura 08.
Método de variolação praticado na China.
Fonte: CHALHOUB, Sidney. Cidade febril: cortiços e epidemias na corte imperial. Rio de Janeiro:
Companhia das Letras, 2006, p. 158.
Na obra “A primeira página da história da vaccina no Brasil” de 1881,
Alfredo Piragibe enfatiza que o método jenneriano já estaria em curso no Brasil desde
1798117. Lycurgo Santos Filho concorda com a hipótese lançada por Piragibe 118. No
entanto José Vieira Fazenda, em “Antiqualhas e Memórias do Rio de Janeiro”, tem
117
PIRAGIBE, Alfredo. A primeira página da história da vaccina no Brazil. Rio de Janeiro. 1881.
FILHO, Lycurgo Santos. História geral da medicina brasileira. Volume 2. São Paulo:
Hucitec/EDUSP, 1991, pp. 270-271.
118
45
opinião contrária, para este autor apenas a variolação era praticada no Brasil desde
1798, a vacina jenneriana seria implantada em terras brasílicas apenas em 1804 pelo
marquês de Barbacena, na Bahia.119
Tania Maria Fernandes destaca que pelo despacho de 29 de dezembro de 1781
Francisco Mendes Ribeiro120 inaugurou no Brasil os trabalhos profiláticos da vacinação
antivariólica em 1798 por meio da variolação, isto é, empregando a linfa vacínica
retirado da secreção da pústula variólica e inoculando-a de braço a braço em alguns
indivíduos.
Segundo esta autora a vacina jenneriana, procedente do cow-pox, foi
introduzida no país por volta de 1804, pelo marquês de Barbacena, na Bahia.121
Vale a pena ressaltar que a vacina antivariólica era importada da Inglaterra ou
da Holanda por isso em alguns casos nota-se os nomes de “vacina inglesa ou vacina
holandesa”. A vacina procedia diretamente à Junta da Instituição Vacínica da Corte e
posteriormente ao Instituto Vacínico do Império órgão subordinado a Junta Central de
Hygiene, que por fim era encarregada de distribuir a vacina para as províncias do
Brasil.122
É preciso ressaltar que mesmo os médicos do século XIX considerando a
vacina jenneriana como o método eficaz de prevenção contra a varíola verdadeira, seria
um erro ou pelo menos um equivoco em considerar a existência de apenas um método
contraceptivo contra a varíola em solo brasileiro ao longo do século XIX. Isto porque a
variolação e a vacina jenneriana foram inseridas na população quase que
simultaneamente. Infelizmente não disponho de uma proporção real que me certifique
qual método era mais utilizado pela população neste período.
119
FAZENDA, José Vieira, Antiqualhas e memórias do Rio de Janeiro. 1998; Cf. também LOPES,
Myriam Bahia e POLITO, Ronald. Para uma história da vacina no Brasil – um manuscrito inédito de
Norberto e Macedo. In: Revista História Ciências Saúde – Manguinhos, Vol. 14, nº 2, Abril/Junho 2007,
pp. 595-605.
120
Francisco Mendes Ribeiro é natural de Canavezes, bispado do Porto (Portugal), lá exerceu o cargo de
cirurgião militar, obtendo dispensa do serviço militar português, vindo para o Brasil. Aqui, ele serviu no
Rio de Janeiro como cirurgião-de-número da Casa Real e só em 1821 foi nomeado cirurgião-mor do
Primeiro Regimento de Milícias do Rio de Janeiro. Cf. FERNANDES, Tania Maria. Vacina
Antivariólica: ciência, técnica e o poder dos homens. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 1999, p. 19.
121
FERNANDES, Tania. Op. Cit., 1999, p.19; Cf. também ARAÚJO, Carlos da Silva. A imunização
antivariólica no Brasil colonial e nos primórdios da sociedade de medicina (1830), 1979, pp.151-156;
FILHO, Lycurgo de Castro Santos. Op. Cit., 1991, pp. 270-272.
122
A respeito da importação da vacina jenneriana Cf. CHALHOUB, Sidney. Cidade febril: cortiços e
epidemias na corte imperial. Rio de Janeiro: Companhia das Letras, 2006, pp. 102-114.
46
2.4 Da vacina para a imunidade
A descoberta de Edward Jenner foi baseada puramente em tentativas empíricas,
seus estudos tinham como foco a implantação da doença benigma no indivíduo, na
possibilidade de evitar a varíola no homem pelo contato com o cow-pox. Em suas
observações realizadas em 1798, Jenner desenvolveu sua vacina inoculando no homem
o pus variólico retirado das pústulas dos vitelos. A partir das primeiras erupções
formava-se uma cadeia de imunização entre os homens inoculados com o cow-pox
retirado dos vitelos, funcionando como uma espécie de primeiro agente imunizante.
No entanto, é preciso destacar que a caracterização da imunidade da vacina
como conceito ainda não possuía matriz cientificamente comprovada. Jenner não havia
construído hipóteses racionais sobre a imunidade de sua vacina, isto porque seus
experimentos resumiam-se a reprodução de fatos observados a posteriore. Sobre esta
questão Pierre Darmon acrescenta que em seu tempo Edward Jenner não dispunha de
condições técnicas para analisar a verdadeira ação imunológica da vacina, pois a havia
criado em condições naturais e não em artificiais, ou seja, em laboratório 123. Em outras
palavras, Jenner considerava que o vírus da vacina era um produto estreitamente natural.
De acordo com Luiz Antônio Teixeira o desenvolvimento de uma vacina e sua
eficácia está intimamente ligado à possibilidade da possível variação viral e suas
funestas consequências124. Seguindo essa linha de raciocínio, é preciso especificar que a
mudança na técnica da produção da vacina antivariólica humana para animal a partir de
1840 apenas eliminou o homem dos primeiros processos de produção da vacina, o cowpox ainda era o axioma para ambas.
Estas lacunas perduraram por longos anos, sendo a vacina jenneriana uma das
pautas centrais das discussões da Academia de Medicina Européia. No inicio da década
de 1860 o professor Henri Bouley125, realizou vários experimentos que comprovariam
que o vírus vacínico contra as bexigas poderia dar-se em três formas distintas na
natureza. A primeira nos vitelos (cow-pox), a segunda nos equinos (horse-pox) e a
123
DARMON, Pierre. A cruzada antivariólica. In: LE GOFF, Jacques. (org.). As doenças têm história.
Lisboa: Editora Terramar, 1991.
124
TEIXEIRA, Luiz Antônio. Vírus, ciências e homens. História, Ciências, Saúde - Manguinhos, Rio de
Janeiro, 2003, p. 758.
125
Henri Marie Bouley (1814-1885) foi um médico francês pioneiro na veterinária e patologia. Bouley foi
professor de patologia cirúrgica na École nationale d'Alfort Veterinário (Escola Nacional de Veterinária
de Alfort), e em 1885, foi eleito presidente da Academia Francesa de Ciências.
47
terceira em humanos (a varíola comum), porém em cada um seu desenvolvimento seria
diferente.
Bouley comunicou a Academia de Medicina os resultados de suas pesquisas
sobre as bexigas, mostrando as diversas formas pelos quais a vacina animal extraída dos
vitelos e dos cavalos poderiam se manifestar no organismo humano. Os estudos do
professor Bouley foram à centelha para que Depaul pudesse realizar severas críticas à
descoberta de Edward Jenner. Para ele as erupções do cow-pox e do hose-pox126 tinham
características diferentes, podendo imunizar ou não o indivíduo inoculado com a vacina.
1° Não há vírus vaccinico.
2° O pretendido vírus vaccinico, considerado antagonista e neutralizador do
vírus varioloso, é o próprio vírus varioloso.
3° As erupções pustulosas do cavalo e da vacca são a varíola desses animais.
4° As diferenças das manifestações dependem da estrutura diversa da pelle e
127
da abundância dos pelos.
Nas seções de encontro da Academial de Medicina de 27 de julho, 03 e 10 de
agosto de 1869 o professor Depaul finaliza seu discurso da seguinte forma:
1°. A vaccina conservada de braço á braço soffre, depois de um certo numero
de gerações, um enfraquecimento que parece-me incontestável.
2°. Esta degenerescencia verifica-se pela diminuição progressiva dos
phenomenos locaes e geraes que produz a inoculação do cow- pox que possue
toda sua actividade, pelo apparecimento mais frequente da varíola nos
indivíduos vaccinados e pelos successos consideráveis obtidos pelas
revaccinações.
3°. A syphilis produzida pela vaccinação, desde muito tempo desconhecida e
systematicamente repelida, é hoje um facto que não se pode negar, e a
observação clinica sabiamente interpretada concedeu-lhe um lugar perfeitamente distinto no quadro nosológico.
4°. O cow-pox conservado sobre a espécie bovina, isto, é, sobre sua terra
natal, guarda durante, numerosas gerações, uma energia e uma actividade que
são indispensáveis para manter suas propriedades preservativas quando for
inoculado sobre a espécie humana.
5°. A inoculação do cow-pox assim perpetuada é um meio certo de abrigar-se
da syphilis vaccinal e de dar á vaccina todo o prestigio de que ella necessita
para poder ser útil.
6°. Parece pouco mais ou menos demonstrado pelas experiências já
numerosas, que a vaccina que se enfraqueceu no organismo humano,
recupera vantajosamente suas propriedades por uma germinação nova na
128
espécie bovina.
126
O hose-pox também era conhecido na Inglaterra pelo nome de “grasse”.
AFFONSO, Pedro Franco. O Paiz, 28 de outubro de 1887. Vaccina e Varíola, p. 01.
128
GAZETA MÉDICA DA BAHIA. Publicada por uma associação de facultativos e sob a direção do
Dr. Antônio Pacífico Pereira, 1870. Vaccinação animal, modo de se obtê-la e de applica-la. Por J. R.
Souza Uchôa, estudante de medicina em Paris, 31 de março de 1870. Bahia, Volume IV, impresso na
Typ. J. G. Tourinho, 1870, p. 185.
127
48
Bousquet, adversário de Depaul e Bouley na Academia de Medicina, propôs
que as dúvidas levantadas por Depaul, fossem postas a prova. Estabeleceu-se então em
30 de maio de 1865 uma comissão fiscalizadora, denominada na época de comissão
Lyoneza, composta pelos doutores Chauveau, Viennois, Meynet, Bondet, Delore,
Dupuis, Gallenton, Honrad e Lontet, esta comissão além de experimentar
cientificamente os efeitos da vacina deveria dar um parecer final sobre o pleito em
questão.129
A dita comissão Lyoneza realizou ao longo do processo investigativo três
experimentos em vitelos, cavalos e seres humanos, afim se saber a origem,
desenvolvimento e efeitos da vacina. A primeira experiência consistiu na inoculação
simultânea do mesmo indivíduo, por picadas distintas do vírus variólico e da vacina. O
resultado foi que cada uma das inoculações deram-se erupções completamente
diferentes, e que não houve sequer a modificação do vírus variólico do estágio benigno
para o estágio maligno. A segunda experiência foi feita inoculando simultaneamente no
mesmo indivíduo, por picadas distintas tanto do vírus variólico quanto da vacina
colhidos sobre um só animal. O resultado mais uma vez foi satisfatório, novamente se
observou que o vírus da varíola e o da vacina possuem características diferentes. A
terceira experiência consistiu na mistura dos dois vírus, e na inoculação por picadas
dessa mistura, o resultado foi que quando se experimenta a vacina sobre vitelos e
cavalos, obtém-se uma linfa vacínica pura como se as bexigas não tivessem se
desenvolvido.130
O relatório final da comissão Lyoneza concluiu que a vacina não é a varíola da
vaca ou do cavalo, vacina e varíola são dois vírus completamente diferentes, sendo o
primeiro introduzido na pele humana e o segundo desenvolvido no organismo humano
por meio de infecção.
1° A varíola humana inocula-se no boi e no cavalo, do mesmo modo que a
vacina.
2° O efeito da inoculação dos dous vírus difere absolutamente.
3° A vacina preserva da varíola e esta daquela.
4° Cultivada methodicamente sobre os animais, isto é, transmittida de boi
para bovino e de cavalo para cavalo, a varíola não se aproxima da erupção da
vacina. Ella fica o que é ou extingue-se.
5° A varíola assim cultivada sendo transmitida ao homem dá varíola.
6° Tomada assim do homem e passando para a vacca ou cavalo, não há cow131
pox.
129
AFFONSO, Pedro Franco. O Paiz, 28 de outubro de 1887. Vaccina e Varíola, p. 01.
Id. Ibid.
131
Id. Ibid.
130
49
Convencido de que a vacina jenneriana era a prova concreta de um
experimento que punha em risco a vida dos inoculados por ela, Henri Bouley não
satisfeito com os resultados apresentados pela comissão sugeriu que imediatamente
fosse feita uma contra prova dos resultados apresentados pela comissão, em seus
argumentos, Bouley não cansava de repetir que a vacina desenvolvida por Jenner já se
encontrada em estado de degeneração.
Á qui vous donnez la varriole ne rend pas la vaccine. L’ enfaut à qui vous
avez inoculé le prétendu cow-pox, isso de la vache variolée, ne rend pus la
vacinne; il rend la variole. Voila le criterium sur, contre lequel tontes les
132
argumentations du monde ne sauraient prévaloir.
Novas experiências foram realizadas com a vacina jenneriana, no entanto o
parecer final da comissão continuou sendo favorável à vacina. A comissão rezumia os
fatos da seguinte maneira: a vacina produzia uma pústula em tudo muito semelhante a
da varíola, embora um pouco mais grossa. A partir desses estudos, aceitou-se a ideia
que o vírus variólico e o vírus da vacina antivariólica eram distintos ao serem
introduzidos no organismo humano. A mudança na produção da vacina baseada na
cultura animal não resolveu a procedência real do agente etiológico da doença,
tampouco o baixo princípio ativo do processo imunizante da vacina. Indubitavelmente
essas dúvidas arrastaram-se por anos, sendo respondidas apenas no final do século XIX.
Pauster foi um dos primeiros a indicar o mecanismo imunológico que existia
no método vacínico de Jenner, diz ele que “a vacina jenneriana é um vírus que produz
uma doença benigna; uma vez que a tivermos, ela preserva de uma doença mais grave,
frequentemente mortal, que é a varíola”.133
Para Juan Ângulo a vacina jenneriana produzia um vírus denominado Poxvirus
officinale, que em sua estrutura biológica era totalmente distinto do vírus originário da
varíola.
Consiste em suspensão de tecidos animais, geralmente pele de vitela ou
membrana corio-alantóide de embrião de galinha, contento o vírus ativo
(vivo) da vacina. Esse vírus, o Poxvirus officinale é mutante, obtido no
laboratório pela passagem seriada do vírus da varíola da vaca (cow-pox), ou
ainda, do vírus da varíola humana, em pele de vitela e de coelho.134.
132
Id. Ibid.
FERNANDES, Tania. Vacina Antivariólica: ciência, técnica e o poder dos homens. Rio de Janeiro:
Editora Fiocruz, 1999, p. 30.
134
ÂNGULO, Juan. Varíola. In: Ricardo Veronesi. Doenças infecciosas e parasitárias. 7a ed., Rio de
Janeiro: Guanabara Koogan, 1982, p. 56.
133
50
De acordo com Downie o vírus da varíola e o da pústula vacínica produzem
lesões diferentes. Na prática a imunização pela linfa vacínica não acarretaria lesões e
gânglios graves, no máximo a pessoa imunizada pela vacina antivariólica teria algum
tipo de febre, resultante de efeitos colaterais135. Jayme Reis Bertoldi descreve em sua
tese a diferença entre varíola e vacina através do sangue dos variolosos, dizendo que:
O sangue dos variolosos é cheio de bactérias como é todo o sangue nas
moléstias sépticas graves. Já as bactérias são corpos orgânicos infusorios
mycrophytas especie de algas de filamentos delgadíssimos tem os cylindricos
de 4 a 12 milésimos, 3 se movimentam de forma espontânea e que se
propagam por segmentos e que se dissolvem nos líquidos em que se
examinam.136
Contudo, nenhum desses experimentos ou teses realizados com a vacina
jenneriana e animal tinham por meta avaliar o grau de resistência das vacinas e da
própria varíola. Este fato apenas foi consumado em 1930, data que consiste na
Campanha de Erradicação Mundial da Varíola. E. S. Horgan e Mansour Ali Haseeb
desenvolveram novos estudos sobre a varíola e sua vacina. Os mesmos sugerem que o
vírus da vacina seria uma variante ao da varíola, degradado de modo definitivo com
baixa virulência para o homem. O antígeno básico do vírus vacínico é um bom agente
imunizante, o vírus da varíola tem, ademais, um antígeno específico com fraco ou nulo
poder imunizante, mas dotado de virulência para o homem.137
Descobriu-se ainda que o vírus variólico era filtrável, isto é, resiste à maioria
dos germes patogênicos, ao dessecamento e aos desinfetantes. Tamanha resistência
provém do fato de que a varíola teria surgido primeiro entre os animais domesticados
pelo homem, e quando as populações humanas começaram a praticar a agricultura e as
trocas culturais passaram a ser as bases do comércio, acredita-se que ela evoluiu, e se
adaptou gradualmente aos humanos. Para Gilberto Hochman a vacina antivariólica
impulsionou em todo mundo a chamada “cultura da imunização”.138
Convém destacar ainda que a descoberta de Edward Jenner proporcionou
mudanças significativas no conceito e uso de alguns termos científicos. A palavra
“vírus”, por exemplo, que antes indicava uma espécie de veneno (um gente etiológico
135
BARRETO, João de Barros. Tratado de Higiene: Saneamento e higiene. Volume II. Imprensa
Nacional do Rio de Janeiro. 1956, p. 246.
136
BERTOLDI, Jayme Reis. Vaccina, variola e varioloide. Dezenove de Dezembro, Curityba, 29
nov.1873, n°1458, p. 3.
137
BARRETO, João de Barros. Op. Cit., 1956, p. 246.
138
HOCHMAN, Gilberto. Vacinação, varíola e uma cultura da imunização no Brasil. Ciência & Saúde
Coletiva, 16(2), 2011, pp. 375-386.
51
da doença) que se julgava estar presente em algumas doenças, passou a ser considerada
como um grupo de microrganismo com características semelhantes a determinadas
doenças. O termo “virulência” passou a indicar a força do vírus originário de
determinada epidemia. A “linfa vacínica” era utilizada para designar o líquido extraído
da pústula vacinal, a “revacinação” passou a ser reconhecida como uma espécie de
segunda dose de reforço da vacina. A “vacina verdadeira” indicava a reação positiva do
organismo ao receber a vacina, a “vacina regular” indicava o uso da revacinação e a
“vacina falsa” era utilizada na indicação da falência desta.
2.5 Contágio, infecção e miasmas
Etimologicamente, os médicos do século XIX pouco sabiam a respeito da
epidemiologia das doenças de sua época, de acordo com John Snow139 (considerado o
pai da epidemiologia médica moderna), os conhecimentos médicos e científicos no
século XIX resumiam-se basicamente a higiene preventiva, os médicos não se
preocupavam em apreciar a origem e manifestações das doenças na espécie humana140.
Em outras palavras, preocupavam-se, sobretudo, em perceber o grau de distribuição de
determinada moléstia na população. A medicina clínica ainda não era em todo seu
conjunto técnica, seus avanços iniciais iriam se consumar apenas no final do século XIX
com as descobertas de Robert Koch e Louis Pauster e o advento da microbiologia.141
A palavra vírus existia nos dicionários médicos desde o século XVI, no entanto
os estudos sobre a virologia ainda era uma incógnita na segunda metade do século XIX.
Por isso, será necessário caracterizar o uso dos principais termos utilizados na medicina
do século XIX, no que diz respeito ao combate e conhecimento das moléstias
pestilentas.
139
De acordo com George Rosen, John Snow (1813-1858) praticava o ofício de medicina em Londres e
era mais conhecido como anestesista do que como epidemiologista. Sua carreira e nome ganharam status
quando em 1831 e 1832 ele observou a origem e desenvolvimento da cólera em Newcastle-on-Tyne. Sua
primeira comunicação sobre o assunto apareceu em 1849, em um panfleto intitulado “Sobre a maneira de
transmissão da cólera”. Em 1855 John Snow publicou a versão estendida de seu primeiro trabalho que
continuou a receber o mesmo título. Cf. ROSEN, George. Uma história da Saúde Pública. São Paulo:
Hucitec/Rio de Janeiro, 1994, p. 221.
140
PORTO, Celmo Celeno. Exame Clínico: Bases para a prática médica. Rio de Janeiro: Editora
Guanabara Koogan S.A, 2000, p. 12.
141
A microbiologia era uma nova versão de entendimento da relação entre saúde e natureza, isso se deve
em muito aos efeitos causados pelas descobertas de Louis Pauster, impulsionada pelo uso dos
microscópios e da medicina clínica que impulsionaram um olhar cirúrgico sobre as doenças em todo o
globo. No que diz respeito ao Brasil a microbiologia logo ganhou fôlego com as pesquisas de Oswaldo
Cruz e Guilherme Guinle. Cf. ROSEN, George. Uma história da Saúde Pública. São Paulo: Hucitec/Rio
de Janeiro, 1994, pp. 231-255.
52
O primeiro deles era a inspiração contagionista das doenças, que por muito
tempo foi considerada o referencial teórico a ser seguido nos estudos acadêmicos sobre
o assunto. Historicamente a teoria contagionista iniciou-se na Europa em 1530 com a
publicação da obra “Syphilis, Sive Morbus Gallicus” de Girolamo Fracastoro (14781553), médico italiano responsável por disseminar a ideia do contágio por meio de
sementes pútridas espalhadas sobre o corpo enfermo. Em 1546 Fracastoro publica o
primeiro tratado científico sobre o contágio: “De Contagione, Contagiosis Morbis et
Eorum Curatione (Sobre contágio, doenças contagiosas e suas curas).142
Fracastoro considerava a existência de três modos de contágio: o primeiro era o
contato direto de pessoa a pessoa; o segundo era o contato por agentes transmissíveis; e
o terceiro era o contato à distância, ou seja, pelo ar. Apesar de considerar que a
atmosfera infecciosa poderia ser propulsora de epidemias Fracastoro faz referencias
apenas à teoria contagionista em seus trabalhos143. De acordo com George Rosen os
médicos contagionistas possuíam uma reflexão curta e direta. Para eles o surgimento de
uma doença era fruto de um veneno específico, que uma vez produzido poderia se
multiplicar diante do contato com os indivíduos144. A varíola, por exemplo, foi
entendida por muito tempo como doença tipicamente contagiosa, até mesmo sua vacina
entrava no enredo dos médicos contagionistas. As interpretações contagionistas iam
desde a influência dos astros, do envenenamento das águas, indo até a bruxaria.
Pedro Napoleão Chernoviz, um dos autores mais lidos pelos médicos
brasileiros durante o século XIX entendia que o contágio seria: “Propriedades que
apresentavam certas doenças pestilenciaes de se comunicar de um a outro indivíduo
diretamente pelo contato físico, ou indiretamente, através do contato com objetos
contaminados pelos doentes ou pelo ar envenenado” 145. A inspiração contagionista das
doenças continuou a desabrochar nos séculos seguintes, tanto que suas ideias orientaram
por um longo período a elaboração de normas e leis sobre os padrões técnicos e
argumentativos para a prática da higiene preventiva.
João de Barros Barreto esclareceu com vasta documentação que para haver
doença contagiosa apenas por proximidade; esta só poderia acontecer num raio de
142
PORTER, Roy. O que é a doença? In. PORTER, Roy. Cambridge História da Medicina. Rio de
Janeiro: Editora REVINTER Ltda, 2006, p. 89.
143
ROSEN, George. Uma história da Saúde Pública. São Paulo: Hucitec/Rio de Janeiro, 1994, p. 90.
144
Id. Ibid., p. 90.
145
CHERNOVICZ, Pedro Luís Napoleão. Dicionário de medicina popular. Volume 2. Paris: A. Roger &
F. Chernovcz, 1890. Apud CHALHOUB, Sidney. Cidade febril: cortiços e epidemias na corte imperial.
Rio de Janeiro: Companhia das Letras, 2006, p. 168.
53
transmissão de 60 a 90 cm em torno da fonte de infecção. Para ele o “olfato” seria o
meio mais eficaz de comprovar que a transmissibilidade por contágio independe da
aproximação física com a fonte infectante, isto porque o contágio pode ser realizado
pela infecção perniciosa do ar envenenado. Barreto continua seu argumento explicando
que apenas a ideia vaga de contágio não explicaria a origem e proliferação das doenças.
As mesmas dependem de “vetores sociais e geográficos” para propagar-se, desta forma
a varíola seria um exemplo de doença pulverizadora da teoria contagionista.146
Os médicos anti-contagionistas acreditavam que ela não se transmitia apenas
de pessoa a pessoa pelo simples contato e sim em áreas de regiões pantanosas, quentes e
úmidas e por infecção147. O termo infecção seria o mais adequado no entendimento das
moléstias perniciosas, isso porque o mesmo se referia à ação exercida por miasmas
mórbidos. A medicina aplicada no século XIX passou a caracterizar a pessoa acometida
por varíola, como o próprio reservatório por excelência para a proliferação da doença,
por isso, o varioloso era concebido como a fonte direta não mais apenas do contágio,
mas também da infecção, neste sentido, a pratica por isolamento era a mais aconselhada
para evitar-se a proliferação das moléstias perniciosas ao homem.148
A esta nova explicação os médicos chamavam de “teoria miasmática ou
infeccionista”, que nascera no ano de 1717, quando Giovanni Maria Lancisi (16541720) médico romano, publicou “De Noxiix Paludum Effluviis” (Sobre as emanações
nocivas dos pântanos), segundo Lancisi as emanações miasmáticas oriundas dos pântanos seriam capazes de gerar duas espécies de efluídos, os animadas (mosquitos) e os
inanimadas (ar envenenado), capazes de originar surtos epidêmicos149. Refletindo sobre
a suspeita insólita, ou presença acidental de algum princípio gasoso pernicioso, Roberto
Martins assim sugere as compilações miasmáticas:
146
BARRETO, João de Barros. Op. Cit., 1956, p.118.
O termo infecção não possuía significado médico quando começou a ser usados na Antiguidade.
Infectar significava primitivamente tingir, colorir, impregnar de alguma substância visível. O ar infectado
seria, portanto, uma atmosfera colorida, tingida ou impregnada de algo visível (vapores, bruma, poeira).
Mas daí veio, por analogia, a concepção de que o ar carregado de substâncias ou germes nocivos estaria
também infectado. Cf. MARTINS, Roberto de Andrade. Contágio: história da prevenção das doenças
transmissíveis, São Paulo: Moderna, 1997, p. 52; De acordo com João de Barros Barreto o termo infecção
historicamente é ligado a Louis Pauster, que comprovou cientificamente a infecção por gases
atmosféricos; substituía-se a doutrina de Max Von Pettenkoffer que fazia as doenças dependerem de
emanações do solo através do ar [...]. Estudos de John Snow e Filippo Pacini (1812-1883) com o cólera
deram a água, a responsabilidade da transmissão das doenças intestinais; surgiu depois, um nítido o grupo
de doenças transmitidas por insetos, ou seja, o termo infecção fora ganhando cada vez mais espaço sobre
o antigo termo contagionista. Cf. BARREDO, João de Barros. Tratado de Higiene: Saneamento e
higiene. Volume II. Imprensa Nacional do Rio de Janeiro. 1956, p. 248.
148
ROSEN, George. Da polícia médica à medicina social. Rio de Janeiro: Graal, 1980, pp. 81-82.
149
ROSEN, George. Uma história da Saúde Pública. São Paulo: Hucitec/Rio de Janeiro, 1994, p. 86.
147
54
[...] até o século XVIII, as ideias sobre os miasmas e sobre a transmissão de
enfermidades pelo ar eram apenas hipóteses. Na verdade, pouco se sabia a
respeito da própria natureza do ar. Datam dessa época os primeiros estudos
de caráter científico moderno sobre a composição do ar e seu papel na doença
150
e na manutenção da vida [...].
Pedro Luís Napoleão Chernoviz, em seu dicionário de medicina popular, assim
definia os miasmas;
Tomando a palavra em sua acepção lata, consideram-se sob este título todas
as emanações nocivas, que corrompem o ar, e atacam o corpo humano. Nada
há mais obscuro do que a natureza íntima dos miasmas: conhecemos muitas
causas que os originam; podemos apreciar grande número de seus efeitos
perniciosos, e apenas sabemos o que eles são. Submetendo-os a investigação
dos nossos sentidos, só o olfato nos pode advertir de sua presença: não nos é
dado tocá-los nem vê-los. A química mais engenhosa perde-se na sutileza das
doses e combinações miasmáticas; de ordinário, nada descobre no ar
insalubre ou mortífero que deles esteja infectado, e quando consegue
reconhecer nela uma proporção insólita, ou presença acidental de algum
princípio gasoso, não nos revela senão uma diminutíssima parte do
151
problema.
Importa salientar a perspectiva geográfica da teoria miasmática nos pontos
elencados acima e nas fontes pertinente ao assunto. Cronologicamente Hipócrates (460370 a.C.) é considerado o marco nos estudos miasmáticos, o mesmo já mencionava a
questão da proximidade dos pântanos em relação a saúde humana na Antiguidade
Clássica. Pela concepção hipocrática, o ar poderia produzir epidemias quando houvesse
um desequilíbrio de calor, frio, umidade e secura, atuando sobre os humores corporais.
A concepção hipocrática das doenças ficou conhecida na história como a perspectiva
“humoral”, onde para ser realizada a cura do corpo enfermo seria preciso a eliminação
ou expelição de humores venenosos para fora do corpo.152
O poeta romano Titus Lucretius Carus (cerca de 98-55 a.C), também é
considerado uma referência nos estudos miasmáticos sobre as doenças, assim como o
arquiteto romano Vitrúvio (70 - 25 a.C), que sugeria em seus tratados que todas as ruas
pequenas ou vielas da cidade fossem orientadas no sentido de conter os desagradáveis
150
MARTINS, Roberto de Andrade. Contágio: história da prevenção das doenças transmissíveis. São
Paulo: Moderna, 1997, p.111.
151
CHERNOVICZ, Pedro Luís Napoleão. Dicionário de medicina popular. Volume 2. Paris: A. Roger &
F. Chernovcz, 1890. Apud Sidney Chalhoub. Cidade febril: cortiços e epidemias na corte imperial. Rio
de Janeiro: Companhia das Letras, 2006, p. 169.
152
MARTINS, Roberto de Andrade. Op. Cit., 1997, p. 48.
55
ventos frios e os infecciosos ventos quentes para assim evitar-se o desequilíbrio
humoral.153
Samuel Pepys ao explicar a origem das doenças concorda com a perspectiva
humoral. Para ele o resfriado torna-se perigoso porque este pode se desenvolver e
alcançar o estágio perigoso da pneumonia, por isso a melhor opção a se fazer seria
expêli-lo para fora do corpo, assim gradativamente o indivíduo iria recuperar seu
equilíbrio imunológico.154
O “Dictionnaire Encyclopédique des Sciences Médicales”, lançado em 1873
traz o verbete “miasme”
155
assinado por Léon Colin, médico do hospital militar de
Bicêtre. Na obra, Colin diferencia contágio e miasmas, mas, de qualquer forma,
reconheceu a influência do meio no desenvolvimento dos germes e advertiu para a
generalidade da concepção miasmática. Provavelmente, por questionar a generalidade
da questão fez a distinção dos miasmas em quatro categorias: “as emanações pútridas,
os miasmas humanos, os provenientes do solo e aqueles relacionados por analogia às
influências telúricas”.156
Na primeira categoria, as emanações pútridas foram associadas à matéria
orgânica em decomposição e seriam provenientes dos esgotos, pântanos, cemitérios e
matadouros. Para a segunda categoria dos miasmas humanos, relacionou-as aos pontos
de aglomeração populacional, tipicamente urbano, como habitações coletivas e
hospitais. Na terceira e quarta categorias, entende-se o caráter geográfico, na terceira
importaria as emanações originárias do local, e na quarta, as condições topográficas e
climáticas do ambiente seriam determinantes.157
Com o propósito de contribuir para os esforços de desinfecção de lugares
contaminados por miasmas pútridos, um farmacêutico português “desconhecido”
publicou um estudo acerca do tema em 1848 no Jornal da Sociedade das Ciências
Médicas de Lisboa instituição similar à Academia Brasileira de Medicina da Corte. O
autor reportava-se a germes e miasmas contagiosos que seriam, até então,
153
Id. Ibid., p. 51.
PORTER, Roy. O que é a doença? In. PORTER, Roy. Cambridge História da Medicina. Rio de
Janeiro: Editora REVINTER Ltda, 2006, p. 87.
155
Segundo Martins a palavra “miasma” tem sua origem do grego “miasme”, que significa “mancha” ou
“nódoa”. A palavra foi utilizada inicialmente nos textos teatrais gregos para simbolizar uma “mancha de
sangue” originada de um assassinato ou um sinal de impureza ou morte. A palavra miasma aparece de
fato na obra de Giovanni Maria Lancisi. De acordo com Martins Lancisi utilizou o termo miasma para
representar algo que contamina ou infecta o ar. Cf. MARTINS, Roberto de Andrade. Contágio: história
da prevenção das doenças transmissíveis. São Paulo: Moderna, 1997, p. 91.
156
MARTINS, Roberto de Andrade. Op. Cit., 1997, p. 91.
157
Id. Ibid.
154
56
imperceptíveis aos sentidos, mas cuja existência era demonstrada pelos seus efeitos. Em
sua obra começou a esmiuçar outras ideias sobre o assunto. Para o ele, o ar em
condições de putrefação era composto por vários gases mefíticos que desenvolveriam
um foco de putrefação específico, cujo contato bastaria para a origem das enfermidades
pútridas e contagiosas, sendo assim, cada novo indivíduo afetado por uma dessas
enfermidades era um novo foco de putrefação piorando cada vez mais a condição do ar
e o aumento dos males. Desse modo justificava a origem mais frequente das epidemias
pestilentas.158
Em 860, a Academia brasileira, sob a influência da “teoria miasmática”
promoveu uma discussão sobre a diferença entre os termos contágio e infecção. O
médico Francisco Portella ressaltou que essas questões eram as que mais vivamente
tinham atraído à atenção dos médicos. Portella destacava a aproximação entre os termos
buscando estabelecer uma distinção entre eles. Para o médico, o contágio:
Subentendia, necessariamente, um doente do qual parte uma moléstia que
contagia. Justificava-se afirmando que ninguém diria que os miasmas e
eflúvios, eram contagiosos, porque não se poderia dizer com precisão se eles
realmente foram produzidos por uma pessoa, assim, classificava as doenças
contagiosas como as que poderiam ser transmitidas pelo contato imediato ou
por inoculação direta, cujo, elemento morbífico é engendrado no organismo e
159
une-se ao mucus ou pus das erupções do corpo.
De acordo com Portella, as doenças infecciosas, por outro lado, constituíam-se
como moléstias que se transmitiam por contato imediato em espaços insalubres, em
virtude de um produto morbífico, produzido fora do organismo humano, mas uma vez
infectado no homem poderia se reproduzir dentro do organismo com facilidade,
difundindo assim a infecção160. Corrêa de Azevedo exemplifica a diferença entre
infecção e contágio, indicando que a primeira nada mais era do que o resultado dos
miasmas, emanações e decomposições orgânicas. Por outro lado caracterizava a
segunda pela transmissão de indivíduo a indivíduo, que se correlacionaria em questões
158
PINTO, A. J. de Souza. Sobre as desinfecções dos hospitais, cadeias e mais lugares infectados pelos
miasmas pútridos, por meio das fumigações ácidas do cloro e dos cloretos e da aplicação destes nas
chagas gangrenadas da tísica e na cólera morbus. Jornal da Sociedade das Ciências Médicas de Lisboa,
v.III, pp. 65-84. Apud FERNANDES, Tania. Vacina antivariólica: seu primeiro século no Brasil (da
vacina jenneriana à animal). História, Ciências, Saúde - Manguinhos. Mar./Jun. 1999, vol. 6, n°1, pp. 2951.
159
PORTELLA, F. Contágio e infecção nas moléstias. Annaes Brasilienses de Medicina, fev. 1860 vol.
13, ano 13, p. 233-238. Apud FERNANDES, Tania. Vacina antivariólica: seu primeiro século no Brasil
(da vacina jenneriana à animal). História, Ciências, Saúde - Manguinhos. Mar./Jun. 1999, vol. 6, n°1, pp.
29-51.
160
Id. Ibid., p. 30.
57
climáticas e condições orgânicas161. Edwin Chadwich e Southwood Smith se reportam
as duas teorias com as mesmas características feitas por Corrêa Azevedo.
Os surtos epidêmicos por doenças infecciosas são o resultado de uma
atmosfera local em estado de putefração, devido ao mau cheiro e os locais
pantanosos, já os surtos epidêmicos por doenças contagiosas resumiam-se
162
pelo contágio limitado de pessoa para pessoa.
Nota-se uma preocupação na busca exata por definições terminológicas acerca
das doenças epidêmicas, com definições específicas para cada uma delas. Vários artigos
publicados pela Academia de Medicina da Corte tentam se posicionar frente a essas
discussões. Faz-se importante registrar que opiniões contrárias à teoria contagionista e
miasmática já vinham sendo registradas desde o século XVI, mas no geral a teoria
contagionista ou microbiana e a anticontagionista ou miasmática dominavam o centro
das atenções.
Para George Rosen a concepção miasmática sustentou os argumentos dos
higienistas que queriam convencer as autoridades públicas da eminência de uma
intervenção em nível de políticas de saneamento básico, educação higiênica, prevenção
e atendimento médico. Na opinião deste autor a influência da concepção atmosféricamiasmática perdurou por muito tempo, essa concepção desempenharia um importante
papel no avanço da Saúde Pública no século XIX, tendo nas medidas de quarentena de
mar sua fiel bandeira163. Rosen explica que de fato não houve evolução significativa na
comprovação científica das ideias da teoria miasmática. Todavia, essa teoria
permaneceu hegemônica e persuasiva, por longo período, com vários defensores e
colaboradores em diferentes áreas. Pode-se até mesmo ratificar a hegemonia da
concepção miasmática pelos mecanismos de intervenção sanitária urbana ou ainda fazer
a analogia que “medicina urbana” esteve por longa data sobre a influência
miasmática.164
Segundo Roberto Martins a teoria miasmática é um interessante caso de uma
concepção equivocada que foi extremamente útil à humanidade. Segundo ele a teoria
miasmática impulsionou medidas sanitárias adotadas nos séculos XVIII e XIX que
trouxeram grande melhoria à saúde pública165. Para Johnson os preceitos que
161
Id. Ibid., p. 31.
ROSEN, George. Uma história da Saúde Pública. São Paulo: Hucitec/Rio de Janeiro, 1994, p. 222.
163
Id. Ibid., p. 89.
164
Id. Ibid., p. 89.
165
MARTINS, Roberto de Andrade. Op. Cit., 1997, p. 91.
162
58
sustentaram a teoria miasma por tanto tempo eram em grande medida feito de meias
verdades e de correlações equivocadamente tomadas como suas causas.166
Ademais, observa-se o caráter geográfico desta concepção, visto que os
eflúvios maléficos eram provenientes, na maioria das vezes, de elementos de interesse
da geografia física, como o ar, o solo, a água e os pântanos; ou de interesse da geografia
humana, como o matadouro, o mercado, a periferia da cidade e seus cortiços, dentre
outros pontos de circulação da população urbana.
Erwin Ackerkneeht ao retomar o problema preferiu não dedicar-se ao estudo
das terminologias usadas em cada caso de surto epidêmico. O ponto de partida de
Ackerkneeht é tentar compreender, por que essas teorias eram dominantes entre os anos
de 1821 a 1867. Norteando apontamentos interessantes sobre o assunto, Ackerkneeht
chegou a seguinte conclusão:
Neste período as concepções infecto-contagionista passam a ter voz cativa
em países como Estados Unidos, França e Inglaterra. A explicação para a
aceitação era induzida por motivos políticos e econômicos. O miasma era
167
tanto uma cria da biologia quanto política.
Roger Cooter inclina-se na mesma direção, pois de concreto, as quarentenas
representavam os maiores símbolos da presença dos médicos infecto-contagionistas,
estabeleciam a harmonia entre os anseios dos comerciantes e o controle dos burocratas
do estado168. George Rosen explica que neste cenário não haveria espaço para relações
de cumplicidade e trocas pessoais, em contrapartida, haveria espaço suficiente para
considerar que marginalizados e indigentes também fossem interpolados nesta
atmosfera infecciosa. Ele também dá pistas que os médicos infecto-contagionistas
estavam em sintonia com a conjuntura política da época, pois suas teorias médicas eram
uma clara referência às mudanças da sociedade capitalista, além de uma tentativa de
reformular os saberes populares sobre doenças, corpo e cura, jogando estes em um nível
subalterno de conhecimento.169
166
JOHNSON, Steven. O mapa fantasma: como a luta de dois homens contra o cólera mudou o destino
de nossas metrópoles. Tradução. Sérgio Lopes. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2008, p. 128.
167
ACKERKNECHT, Erwin H. “Anticontagionismbetween 1821 and 1867”, Bulletin of the History of
Medicine, vol. 22, 1948, pp. 562-593. Apud CHALHOUB, Sidney. Cidade febril: cortiços e epidemias na
corte imperial. Rio de Janeiro. Companhia das Letras, 2006, pp. 170-171.
168
COOTER, Roger. Anticontagionism and history’s record. In: Wright, Peter, e Treacher, Andrew. The
problem of medical knowledge: examining the social construction of medicine, Edinburgh, 1982, pp. 87108. Apud CHALHOUB, Sidney. Cidade febril: cortiços e epidemias na corte imperial. Rio de Janeiro:
Companhia das Letras, 2006, pp. 171-172.
169
ROSEN, George. Uma história da Saúde Pública. São Paulo: Hucitec/Rio de Janeiro, 1994, pp. 213214.
59
Preocupar-se com estas questões significava efetivamente, para os médicos
infecto-contagionistas atuar no esquadrinhamento do espaço público. Instituições como
hospitais,
prisões,
matadouros,
cemitérios,
foram
interpoladas
como
fatores
determinantes do crescimento das cidades e, portanto indispensáveis ao seu
funcionamento. Poderiam, no entanto, estar servindo como focos de doenças,
representando um perigo para o perímetro urbano, não poderiam nem deveriam ser
abolidas, entretanto era necessário, afastá-las do centro citadino. Neste contexto os
portos também foram interpolados como locais por excelência de contágio e infecção.
Bourel-Roncière elucida inúmeros exemplos de como tripulações de “navios
estrangeiros” poderiam evitar a contaminação e proliferação de certas doenças
pestilentas ao atracarem na costa brasileira. Suas sugestões eram:
Evitar as comunicações fora do ambiente da embarcação, as saídas para terra
eram proibidas, a não ser em casos indispensáveis, os passeios ou trabalhos
em dias de intenso calor eram desaconselhados à tripulação, a fim de poupála dos efeitos da insolação. Durante a noite, as saídas deviam ser evitadas por
causa dos cabarés que margeavam as praias, onde os marinheiros podiam
170
procurar, a baixo preço, doenças venéreas.
As medidas preventivas sugeridas por Bourel-Roncière em suma restringiam-se
às embarcações estrangeiras, os cuidados com as embarcações locais resumiam-se a
dois pontos básicos. O primeiro seria a limpeza da embarcação e segundo seria a
aeração das embarcações, mesmo assim, estas duas medidas, revelam a definição de
higiene gestada durante os séculos XVIII e XIX não apenas como um conceito, mas
como uma prática da medicina oficial, que no fundo remonta ao modelo de intervenção
que vigorava sobre a vida pública e privada, chamada na época de “aerismo”
171
, isto
porque ao final do século XVIII e início do século XIX, a questão dos cheiros e odores
dos corpos constituía um dos quadros teórico-metodológico das preocupações
higiênicas.
170
BOUREL-RONCIÈRE. Paul Marie Victor. ‘La station navale du Brésil et de la Plata’. Archives de
Médecine Navale, Paris, v.19, 1872a, p.114. Apud MORAIS, Rosa Helena de S.G. de. A geografia
médica e as expedições francesas para o Brasil: uma descrição da estação naval do Brasil e da Prata
(1868-1870). História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v.14, n.1, p. 39-62, jan.-mar. 2007.
171
O aerismo necessariamente não preocupa-se apenas com a boa ventilação e circulação do ar em
ambientes fechados. De acordo com Roasenau o termo também remete-se a concepções atmosféricas, já
que esta é a reguladora da temperatura da terra, servindo-lhe de guarda-sol durante o dia e de coberto
durante a noite. Para Haldane o aerismo fundamentalmente tem a ver com as potencialidades de trabalho
do ser humano, segundo o mesmo, o ser humano trabalha em condições normais e atenues, com a
temperatura até 23-25°C, nessas condições vê-se reduzir-se em ¾ a cota de suor que ele elimina e se a
umidade relativa do ar passar de 60 a 80% o acréscimo de temperatura ao corpo sob gradativamente de
0°5, a 0°7, podendo atingir até a elevação de 1°. Cf. BARRETO, João de Barros. Tratado de Higiene:
Saneamento e higiene. Volume II. Imprensa Nacional do Rio de Janeiro. 1956, p. 252.
60
Importante para os médicos higienistas do século XIX era garantir a circulação
do ar, a fim de escapar da “estagnação mórbida”. A ventilação garantia a circulação do
ar, resguardava a qualidade do ar, a própria agitação das águas também favorecia a
purificação e asseguravam a salubridade do ambiente. Por isso navios, hospitais e
prisões funcionavam como verdadeiros laboratórios, onde se instituíram técnicas de
ventilação e desinfecção.172
Lavar, aerizar, ventilar, secar e fazer penetrar o ar em todos os lugares e
constantemente, é um procedimento que deve ser sempre seguido pelo
comandante-chefe dos navios da estação naval; estas medidas podem ser
consideradas como uma primeira condição para manter a saúde da tripulação.
Uma boa ventilação e a existência de fortes correntes de ar são um meio
173
eficaz contra o calor excessivo.
Vê-se aqui, todo um quadro teórico e metodológico acerca da concepção
miasmática, projetando-se sobre a análise geográfica. Pois, assim compreendiam os
médicos higienistas do século XIX o binômio, saúde e doença. Fazia-se necessário
atentar para as condições de insalubridade do ambiente, principalmente o urbano, que
era um iminente objeto de intervenção pública.
Entende-se, portanto que a teoria miasmática contribuiu para as concepções
sociais das doenças, no momento em que se viam nos ambientes espaciais os efeitos de
uma possível insalubridade. Neste sentido, concorda-se em parte com as perspectivas
traçadas por George Rosen em seu clássico livro “Uma História da Saúde Pública”,
onde o mesmo, refere-se ao papel primário da teoria miasmática sobre a constituição da
saúde pública no século XIX. Rosen chega a admitir as incoerências da própria teoria,
assim como a definição exata do termo miasma, porém, afirma:
E, embora não estivesse certa, essa ideia forneceu um terreno para a ação
profícua da política sanitária. Muitas vezes, portanto, as coisas não são completamente claras ou completamente escuras, e ideias erradas podem ser
174
usadas de modo frutífero.
Em suma entende-se que as ideias infecto-contagionistas serviram de base
teórica para a concepção miasmática, onde a importância dada ao ambiente físico e
172
CORBIN, Alain. Saberes e odores: o olfato e o imaginário social nos séculos dezoito e dezenove. São
Paulo: Companhia da Letras, 2006, pp. 105-118.
173
BOUREL-RONCIÈRE. Paul Marie Victor. ‘La station navale du Brésil et de la Plata’. Archives de
Médecine Navale, Paris, v.19, 1872a, p. 114 Apud MORAIS, Rosa Helena de S.G. de. A geografia
médica e as expedições francesas para o Brasil: uma descrição da estação naval do Brasil e da Prata
(1868-1870). História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v.14, n. 1, pp. 39-62, jan.-mar.
2007.
174
ROSEN, George. Da polícia médica à medicina social. Rio de Janeiro: Graal, 1980, pp. 81-82.
61
social foi estendida aos arautos da saúde e da doença, mesmo mergulhada nos
malgrados das limitações científicas da própria teoria miasmática. A premissa desta
teoria foi crucial no entendimento da projeção das questões urbanas no século XIX, no
momento em que percebia os elementos naturais como, o ar, o solo, a água, como meios
de disseminação das doenças pestilentas.
São recorrentes em vários trabalhos historiográficos os embates entre os
médicos contagionistas e infectologistas do século XIX. No meu ponto de vista, creio
que estas discussões apenas restringiam-se ao uso correto do termo a ser utilizado no
aparecimento e proliferação de uma epidemia, não penso que havia de fato um conflito
entre ambas as teorias, pelo contrário, o que houve foi uma bifurcação do termo
contágio pelo termo infeção, que trouxe maior dinamismo às interpretações
contagionistas, isso porque o termo infecção quebra a paridade hierárquica das leis da
natureza, assim as epidemias poderiam ser interpoladas diretamente a grupos ou classes
subalternas.
Pelo exposto acima, não é de se estranhar, que os médicos maranhenses do
século XIX comungassem com essa perspectiva. As fontes para o envenenamento do ar,
que incluíam os pântanos com suas águas estagnadas, os vapores que emanavam dos
corpos humanos e dos animais em decomposição, as excreções e as emanações pútridas
das latrinas eram constantemente lembradas em discursos da câmara municipal de São
Luís.
Na seção da câmara municipal de 03 de maio de 1839, Manoel Felizardo de
Sousa e Mello presidente da Província do Maranhão, assim discursava sobre a questão.
As febres intermitentes, que assaltão principalmente os moradores do
interior, sendo devidas à visinhança dos pântanos, dos terrenos alagadiços &
tem de persistir nos lugares acostumados, em quanto não se modificar a
natureza, e disposição do seu solo: o que por sem duvida não se verificará em
os nossos dias, sim quando braços numerosos ajudados por fortes capitaes
dessecarem os charcos, roteiarem os campos saturados de agoas estagnadas,
derrubarem mattas insalubres, e em uma palavra extinguirem todos os focos
175
de malignos, effluvios, causadores ordinários das endemias.
Esta mesma concepção miasmática é reforçada, 15 anos mais tarde pelo então
secretário da Província do Maranhão José Maria Farias de Matos, que assim discursava
em 01 de maio de 1854;
175
MARANHÃO, Presidência da Província. Discurso que recitou o Exm. presidente da Provincia do
Maranhão, Manoel Felisardo de Sousa e Mello na occazião da abertura da Assemblea Legislativa
Provincial, no dia 03 de maio de 1839. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1839,
pp. 41-42.
62
Mandai secar esses imensos e imundos charcos, a que chamamos de
pântanos, sobretudo os do Bacanga, onde nascem, vivem e morrem animais e
vegetais de toda a espécie, e acabareis com essas febres de mau caráter, que
se hão tornado endêmicas na nossa Capital, e suas funestas consequências
tais como irritação do aparelho digestivo, hipertrofias do baço e fígado,
176
hidropisias de que é vítima talvez a terça parte de nossa população.
Em 1863 a assertiva miasmática novamente é colocada em pauta, desta vez no
relatório geral da Assembleia a respeito das condições do estado sanitário da Província
do Maranhão, neste relatório fica claro a interface existente entre a frequência das
doenças e as estações do ano: “[…] deduz-se também que as condições atmosphericas
têm influído grave e fatalmente sobre as molestias, principalmente sobre as lesões thoraxicas, hydropesia, dentições e diarrhea” ou “as dysenterias proprias de nosso
clima”.177
Higienizar os pântanos sempre foi uma preocupação constante na legislação
sanitária de São Luís, especificamente porque o ambiente natural da cidade era
favorável à constituição de miasmas pútridos. César Augusto Marques sublinha que os
esforços para conter os avanços miasmáticos sobre a capital maranhense eram tardios,
referindo-se especificamente ao início das obras do Cais da Sagração, em 1841. Para
Marques a construção do Cais da Sagração beneficiaria a saúde pública, considerando
que uma vasta área em torno do centro comercial seria aterrada e acabaria com as emanações venenosas provenientes dos pântanos que circundavam a capital.178
O segundo Código de Postura de São Luís datado de 1866 é mais um exemplo
da assertiva miasmática sobre a origem das doenças. De acordo com o Art. 175 “os
possuidores de terrenos pantanosos e alagados, dentro desta cidade, são obrigados no
prazo de seis mezes, depois de intimados pelos fiscaes, a aterra-los e bem feitorisa-los
de modo a tornarem-se enxutos e salubres”.179
Carlos Lacaz ressalta que a hegemonia da concepção miasmática das doenças,
influenciaram os intelectuais do século XIX em diferentes partes do Brasil 180. Um
176
MARQUES, César Augusto. Dicionário histórico–geográfico da Província do Maranhão. Rio de
Janeiro: Fon-Fon e Seleta, 1970, p. 196.
177
MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório com que o Exm. Snr. Presidente da Provincia, Dr.
Ambrósio Leitão da Cunha, passou a administração da mesma ao Exm. Snr. Miguel Joaquim Ayres do
Nascimento, No dia 24 de novembro de 1863. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira,
1863, p. 24.
178
MARQUES, César Augusto. Op. Cit., 1970, pp. 282-283.
179
MARANHÃO. Edital da Câmara Municipal de São Luís. Maranhão, Re-impresão na Typographia da
Temperança. Anno, 1866, p. 95.
180
LACAZ, Carlos S. Introdução à geografia médica do Brasil. São Paulo: Edgard Blucher/Editora da
Universidade de São Paulo, 1972, p. 39.
63
enfoque semelhante foi adotado entre os maranhenses, principalmente entre os médicos
e seus pares. Pode-se confirmar tal fato nos registros literários, testemunhos da relação
próxima entre saúde e ambiente, que alcançou grande visibilidade ao longo da
sociedade oitocentista.
Entre teses de doutoramento, livros, artigos para jornais e revistas destaco as
seguintes obras: Breve memória sobre o clima e moléstias mais frequentes da Província
do Maranhão, apresentada em 29 de novembro de 1854, na Faculdade de Medicina da
Bahia pelo médico maranhense Cesar Augusto Marques; Dicionário HistóricoGeográfico da Província do Maranhão, 1870 também de autoria de César Augusto
Marques; Hemato-Chyluria endêmica dos paizes quentes, tese de doutoramento de
Antenor C. Coelho de Souza, médico maranhense, que se graduou pela Bahia em 1886;
e Geograhia Medica e Climatologia do Estado do Maranhão, escrito por Nosôr Galvão
e apresentado ao 4º Congresso Médico Latino Americano, no Rio de Janeiro em 1909.
Em todas essas obras nota-se a parecença da interpretação miasmática e a produção
científica nesse campo de estudo, reiterando ainda mais a importância da matriz
ambiental da saúde no Brasil e no Maranhão.
64
3. A LEGISLAÇÃO SANITÁRIA NA PROVÍNCIA DO MARANHÃO
3.1 Da inspetoria da saúde pública: regulamentação e normas do Conselho de
Saúde Pública da Província do Maranhão e da Junta Central de Hygiene Pública
No século XIX a medicina legitimava-se por meio de novas descobertas
científicas, conferindo aos médicos diferentes bases de fundamentação teórica e
espistemiológica, caracterizado a profissão, como fundamental para os problemas
encontrados na vida cotidiana. Os médicos seriam um misto de intelectual e missionário
uma vez que “eram os médicos que planejavam as reformas urbanas, dividiam a
população entre sãos e enfermos, e administravam remédios em alta escala”.181
Michel Foucault resalta que ao longo do século XIX os médicos foram
interpolados em uma dimensão de suma importância na sociedade. Segundo Foucault
eles não eram apenas os esculápios de cura do corpo adoecido, eles significavam antes
de tudo a consolidação da episteme médica sobre a família medicalizada.182
Fazendo uso das estatísticas populacionais183 como categoria de uso e análise
os médicos higienistas contribuíram para o florescimento de novas áreas como a
microbiologia, a bioquímica e a medicina clínica, que tiveram efeitos substanciais na
produção e conservação de alimentos, na farmacologia e na higiene, representando um
passo decisivo para o prolongamento da vida da espécie humana. Foucault define essa
circunstância, como o nascimento em massa do bio-poder184 e da episteme médica na
181
SCHRWARCZ, Lilia Moritz. O espetáculo das raças: cientistas. Instituições e questão racial no
Brasil (1870-1930). São Paulo: Companhia das Letras, 1995, p. 277.
182
FOUCAULT, Michel. O nascimento da clínica. 6 ed., tradução de Roberto Machado. Rio de Janeiro:
Forense Universitária, 2008, pp. 49-50.
183
De acordo com Michel Foucault os termos população e família medicalizada referem-se a uma
apropriação das ciências sociais por parte da biologia, que costumeiramente usa-o no entrecruzamento de
grupos formados por seres humanos. A população e a família medicalizada em uma extremidade
expressam a complexibilidade da espécie humana. Assim população e família medicalizada constituem
um novo elemento coletivo para a história, recaindo sobre elas novos instrumentos de segurança e
persuasão. Cf. FOUCAULT, Michel. A política da saúde no século XVIII. In. Microfísica do poder. 25
ed. São Paulo: Graal, 2012, pp. 296-317.
184
Michel Foucault sugere que a partir da segunda metade do século XVIII novas tecnologias e
mecanismos de poder haviam surgido, com o advento do bio-poder, para ele, nossas sociedades são
vinculadas constantemente aos mecanismos de segurança. Foucault atribui o mesmo sentido do bio-poder
à bio-política, entendendo esta como “o conjunto de mecanismos pelos quais, na espécie humana,
constitui seus traços biológicos para uma estratégia política geral de poder, dito de outra forma o
elemento biológico, ou seja, a espécie passar a ser primordial na esfera do domínio”. Cf. FOUCAULT,
65
sociedade ocidental. Foucault ressalva, que para se tornar um almagro de saberes e
verdades a medicina oficial que conhecemos hoje, antes de tudo embebedou-se na fonte
de virtude do direito penal, civil e, sobretudo no discurso eclesiástico da igreja 185. Para
ele ao longo do século XIX a medicina camuflou-se sobre a égide do cuidado e do
controle dos corpos, fazendo disto não apenas sua função, mas sua especialidade. A
primeira tarefa do médico é, portanto, política, a luta contra a doença deve começar com
uma luta contra os maus governos; o homem só será definitivamente curado se for
liberto, nesta sociedade reinará a concórdia, onde a figura do médico transborda com o
ato de legislar sobre decisões do corpo de seus pacientes.186
Foucault continua explicando que a tradição médica do século XVIII, apresenta
a doença como um “código de saberes” constituído de “sintomas e signos”
distinguindo-se pelo seu valor semântico e morfológico187. Segundo Roberto Machado
no século XIX o médico procura não apenas encontrar elementos que ilustre as
concepções de cura. A doença na medicina passa a ser entendida como um conjunto de
sintomas que são perceptíveis, por outro lado, o sintoma é transformado pela medicina
moderna em signo da doença. A partir, da conceituação de doença e sintomas, bem
como, a percepção de ambos no corpo dos sujeitos, é que surge a figura do médico e a
necessidade da cura sistematizada nos procedimentos terapêuticos da medicina
oficial.188
Entre as inovações médicas do século XIX, potencializam-se as práticas de
controle sobre o corpo, aproximando assim, as descobertas científicas ao cotidiano. A
demografia, o controle populacional, a vigilância e a salubridade urbana passam a ser
pauta constante dos assuntos burocráticos de governo.
Naturalmente, a medicina desempenhou o papel de denominador comum.
Seu discurso passava de um a outro. Era em nome da medicina que se vinha
ver como eram instaladas as casas, mas era também em seu nome que se
189
catalogava um louco, um criminoso, um doente.
Michel. O dispositivo da sexualidade. In. História da sexualidade I: A vontade de saber. 13ª ed., Rio de
Janeiro: Graal, 1988, pp. 75.
185
Id. Ibid., pp. 73-123.
186
FOUCAULT, Michel. O nascimento da clínica. 6ª ed., tradução de Roberto Machado. Rio de Janeiro:
Forense Universitária, 2008, p. 36.
187
Id. Ibid., p. 97.
188
MACHADO, Roberto. Danação da norma: medicina social e a constituição da psiquiatria no Brasil.
Rio de Janeiro: Graal, 1978, p. 156.
189
FOUCAULT, Michel. Poder-corpo. In. Microfísica do poder. 25ª ed. São Paulo: Graal, 2012, p. 243.
66
Será a higiene como conceito e prática que irá dar os tons e contornos da
medicina aplicada nos séculos XIX e XX, ela era entendida como arte de conservar a
vida, indicava os rumos para sua utilização, fosse pelos que afirmavam as
responsabilidades individuais no processo de adoecer e morrer ou para aqueles que a
utilizavam como conceito para alardear a determinação social do processo saúde e
doença.
Em meados do século XIX surge no Brasil o discurso higienista, suas propostas
residiam na defesa salvacionista da nação e na preocupação com a higiene e sua
transformação em um conjunto de normas e leis particulares e coletivas, com objetivo
de conter doenças e de melhorar a vida em sociedade.
Analisando o nascimento da medicina social, Michel Foucault identificou três
modelos distintos da aplicação do discurso médico na sociedade. Segundo ele, na
Alemanha desenvolveu-se uma “medicina para o Estado”; na Inglaterra, aplicou-se
uma “medicina para a força do trabalho e controle dos pobres” e na França, em fins do
século XVIII, aplicou-se uma medicina pautada no fenômeno da urbanização,
configurando-se em uma verdadeira “medicina urbana”, que no fundo seria o resultado
de um longo processo histórico.
A medicina urbana não é verdadeiramente uma medicina dos homens, corpos
e organismos, mas uma medicina das coisas: ar, água, decomposições,
fermentos; uma medicina das condições de vida, do comportamento humano
e do meio de existência. [...] A relação entre organismo e meio será feita
simultaneamente na ordem das ciências naturais e da medicina, por
intermédio da medicina urbana.190
De acordo com Foucault dos três modelos citados acima, a medicina urbana
francesa foi a que mais encontrou adeptos ao redor do mundo, isto por que ela se
preocupava em atender três objetivos básicos: O primeiro seria a necessidade de analisar
e intervir nos locais considerados insalubres e perigosos, com maior atenção para os
cemitérios, matadouros, hospitais e prisões. Estes locais eram vistos como geradores de
odores pútridos, que poderiam ocasionar ciclo epidemicos. O segundo objetivo refletiu
na necessidade da garantia da circulação do ar e da água, estes dois elementos eram
considerados fatores patogênicos para a proliferação das moléstias exteriores e
interiores. O terceiro objetivo refletiu na capacidade da medicina urbana em atender os
anseios da administração pública e dos cidadãos. Na realidade a medicina urbana
190
FOUCAULT, Michel. O nascimento da medicina social. In. Microfísica do Poder. 25ª ed., São Paulo:
Graal, 2012, pp. 162-163.
67
francesa em muito usufruía da concepção miasmática das doenças, por isso, no século
XIX nota-se uma intensa preocupação dos médicos higienistas em realizar intervenções
cirúrgicas no espaço citadino. Longas e largas avenidas foram construídas, para que o ar
circulasse e se renovasse no arejamento das casas e ruas das cidades.191
Segundo Roberto Machado a higiene se institucionalizou, produzindo práticas
e profusos discursos, os quais encontraram eco e visibilidade na atuação dos médicos do
século XIX192. Contribuiu também para uma melhor compreensão sobre a saúde e
doença, fazendo-se mister seu reconhecimento e divulgação. Saiu-se das explicações
mágico-religiosas e do silêncio fisiológico para o conceito de nosologia médica.193
Portanto, ao se valer da vigilância dos espaços e dos indivíduos a higiene
afirma-se como um discurso competente preocupado em impedir o surgimento de surtos
e ciclos epidêmicos. As intervenções médicas se justificariam acima de tudo em prol da
salubridade pública. Ao longo da história, os maiores problemas de saúde que a espécie
humana enfrentou estiveram relacionados à natureza em vida comunitária, por isso a
maioria das soluções médicas no século XIX era de ordem da sobrevivência da espécie.
Discutia-se muito a respeito das condições da água e das comidas, melhoria do
ambiente físico e das condições climáticas. Em termos de Brasil as questões higiênicas
apenas começaram a ser discutidas de fato, no ano de 1827, quando o farmacêutico
Francisco Xavier Ferreira deputado estadual pela Província do Rio Grande do Sul fez
severas criticas ao monopólio do saber médico no Brasil194. No ano seguinte a
Fisicatura-mor195 e o cargo de físico-mordo Império foram extintos, deixando a classe
médica sem apoio nas questões burocráticas do governo.
Tânia Salgado Pimenta destaca que a Constituição de 1824 e a lei de 1828
estabeleceram a criação e as atribuições das câmaras municipais, onde foi extinta a
Fisicatura-mor, e os exíguos serviços de saúde, até então a ela vinculados, passaram a
ser da competência das câmaras municipais. Essa alteração não trouxe mudança
substancial aos serviços, pois atendia, na realidade, à proposta de descentralização do
191
Id. Ibid., pp. 145-170.
MACHADO, Roberto. Danação da norma: medicina social e a constituição da psiquiatria no Brasil.
Rio de Janeiro: Graal, 1978, p. 155.
193
O termo nosologia médica diz respeito não apenas ao conhecimento das doenças, mas também ao meio
físico e social. Cf. LACAZ, Carlos. Introdução à geografia médica do Brasil. São Paulo, 1972, p. 39.
194
SIGAUD, Jean François Xavier. Do clima e das doenças do Brasil ou estatística médica deste
império; tradução de Renato Aguiar. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2009, p. 309.
195
Entre 1808 e 1824 as atribuições da Fisicatura-mor eram, até então, de fiscalizar a medicina oficial e
os ofícios de cura dos ditos “terapeutas populares”. Cf. PIMENTA, Tânia Salgado. Transformações no
exercício das artes de curar no Rio de Janeiro durante a primeira metade do Oitocentos. História,
Ciências, Saúde - Manguinhos, vol. 11 (suplemento 1), 2004, pp. 67-92.
192
68
poder estatal em função da consolidação das relações locais regidas pela ascendente
“classe senhorial”.196
Jean François Xavier Sigaud salienta que essa discussão abriu a possibilidade
para que em 1830 a câmara municipal do Rio de Janeiro colocasse em pratica um edital
que submetia a Sociedade de Medicina por intermédio da Comissão de Salubridade
Geral a realizar um projeto sobre posturas de higiene e salubridade para a cidade do Rio
de Janeiro. Após a leitura e discussão desse projeto as questões higiênicas e profiláticas
rapidamente se transformaram em modismo, adentrando em várias áreas da sociedade,
além da saúde, tanto que em 1832 ganharam força de lei, nos Códigos de Postura da
cidade do Rio de Janeiro.197
A partir de 1834, foi instituída, para cada Província, uma Assembleia Legislativa Provincial, cuja função era legislar em sua área de competência. O referido
órgão, instalado em 1835, era responsável pela aprovação dos Códigos de Posturas, que
por natureza jurídica eram instrumentos normativos que estabeleciam parâmetros gerais
para o convívio em sociedade.198
De acordo com Heitor Ferreira de Carvalho os Códigos de Posturas foram
instrumentos disciplinadores no intuito de educar o uso e ocupação do espaço urbano,
ao mesmo tempo em que representaram a promulgação das primeiras leis sanitárias que
nortearam os hábitos e as atividades consideradas insalubres. Foram instrumentos de
caráter punitivo quando havia infrações às leis e normas pré-estabelecidas.199
Os Códigos de Postura eram propostos pelas Câmaras Municipais, que desde a
Carta Constitucional de 1824 possuíam natureza exclusivamente administrativa.
Segundo o artigo 66, o inciso dois, da lei de 01 de outubro de 1828, diz que: “é dever da
câmara municipal de São Luís promover posturas sobre a salubridade do município,
assim como forçar a todos os seus moradores a cumprirem suas exigências”
200
. Em
1842 a câmara municipal de São Luís sanciona o estabelecimento do primeiro Código
196
PMENTA, Tânia Salgado. Transformações no exercício das artes de curar no Rio de Janeiro durante
a primeira metade do Oitocentos. História, Ciências, Saúde - Manguinhos, vol. 11 (suplemento 1), 2004,
pp. 67-92.
197
SIGAUD, Jean François Xavier. Do clima e das doenças do Brasil ou estatística médica deste
império; tradução de Renato Aguiar. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2009, p. 310.
198
Id. Ibid., p. 310.
199
CARVALHO, Heitor Ferreira de. Urbanização em São Luís: entre o institucional e o repressivo. 177f.
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais – PPGCS da Universidade
Federal do Maranhão – UFMA, 2005, pp. 21-22.
200
MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório que á Assembléa Legislativa Provincial da
Província do Maranhão appresentou ao Exm. Presidente da mesma Província, Jerônimo Martiniano
figueira de Mello, Na Sessão de 03 de maio de 1843. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J.
Ferreira, 1843, p. 12.
69
de Posturas da cidade de São Luís com 113 artigos 201, sob o jugo deste Código de
Posturas a salubridade do perímetro urbano da cidade esteve sobre total
responsabilidade da câmara municipal até 1849, que na prática obedecia a um sistema
de saúde descentralizado.
Os serviços de saúde pública no Império de 1828 a 1850 ficaram a cargo dos
municípios que nada fizeram senão organizar alguns regulamentos para
tentativas de saneamento do meio; de 1850 a 1889, a centralização fez-se
pela criação de órgãos centrais de saúde pública, seguidos, posteriormente, de
órgãos provinciais e municipais, subordinados a um órgão central, tendo as
municipalidades direito de legislar sobre a saúde pública.202
Durante o decênio de 1840 e 1850 a cidade de São Luís gozou de relativo
estado de saúde, os serviços higiênicos e profiláticos oferecidos à sua população foram
timidamente melhorados, em 29 de janeiro de 1843 a legislação sanitária do Brasil foi
regulamentada203. Desse modo, não é de se estranhar que o discurso higienista deixa de
ser teoria passando a existir em ações práticas, o primeiro exemplo dessa transmutação
foi à própria instituição do Código de Posturas de 1842 e da legislação sanitária de
1843.
Por meio destes mecanismos, os médicos procuravam resolver o lócus do
processo civilizador na Província do Maranhão, avaliando a possibilidade de forjar uma
possível “civilização nos trópicos” 204. O médico José Antônio da Silva Maia205, talvez
seja o maior expoente dessa concepção em terras maranhenses, o mesmo escrevera em
1845, no jornal da Sociedade Philomatica Maranhense206um litigioso artigo a respeito
201
Durante o século XIX foram instituídos três códigos de postura em São Luís, referentes aos anos de
1842, 1866 e 1893. Cf. CARVALHO, Heitor Ferreira de. Urbanização em São Luís: entre o institucional
e o repressivo. 177f. Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais –
PPGCS, da Universidade Federal do Maranhão – UFMA, 2005.
202
IYDA, Massako. Cem anos de saúde pública: a cidadania negada. São Paulo: Ed. da Universidade
Estadual Paulista, 1994, p. 30.
203
SIGAUD, Jean François Xavier. Op. Cit., 2009, p. 311.
204
O termo civilização nos trópicos é usado rotineiramente dentro da historiografia brasileira para
designar o projeto evolucionista europeu, da criação de uma nação pautada aos moldes eurocêntricos. Os
trabalhos pioneiros do IHGB ratificam esta postura. Cf. KURY, Lorelai Brilhante. O império dos
miasmas: a Academia Imperial de Medicina (1830-1850). Dissertação de mestrado, UFF, 1990, p. 29.
205
José da Silva Maia, natural de Alcântara doutor em medicina pela Universidade de Paris. Em 1821
com dez anos de idade, Silva Maia foi para a França, estudou ali as primeiras letras e um ano depois
adentrou no Colégio Real de Caen, onde ficara até 1826, neste mesmo ano Silva Maia regressou a São
Luís, voltando pra a França em 1829, ingressou no curso de medicina em 1830 ficando por lá até o ano de
1838, ano em que recebeu a outorga em doutor em medicina pela Universidade de Paris, neste mesmo ano
Silva Maia regressou a São Luís. Cf. MARQUES, César Augusto. Dicionário histórico–geográfico da
Província do Maranhão. Rio de Janeiro: Fon-Fon e Seleta, 1970, pp. 903-904.
206
O jornal da Sociedade Philomatica Maranhense foi editado no Maranhão entre os anos de 1845 a 1847
tinha como presidente Joaquim Vieira da Silva e Sousa e como editor chefe Raimundo Joaquim
Cantanheide. Sua publicação era anual, trazia artigos com especialistas nos mais variados ramos da
medicina oficial dissertando a respeito da saúde, da prevenção das moléstias (simples e agudas), da
70
da higiene urbana e sobre os surtos epidêmicos da varíola que outrora ceifavam vidas na
capital maranhense. Para ele a emergência de uma higiene urbana deveria ser crucial na
tentativa de retirar as pessoas do estado famigerado da imundice que contaminava até a
alma.
No Maranhão a hygiene pública é ignorada até no nome, para o que não tem
pouco contribuído para os nossos governantes, cujo espírito parece achar-se
inteiramente oposto a tudo o quanto é salubridade pública, e aperfeiçoamento
de seus administradores, pois que nada se tem feito na nossa infeliz Província
a favor de tão importante objeto, e o pouco que nos legarão nossos
antepassados, se ainda existe, não é observado, ou está em véspera de
desaparecer completamente, como todas as cousas úteis do Paiz.207
Silva Maia conclui que somente através da higiene, o Maranhão sairia de seu
estado de inércia, passando a constituir uma sociedade dinâmica e eficaz, dizia também
que a higiene era o único preservativo correto na preservação da vida.
Espalharemos pelas diversas classes da Sociedade noções de hygiene e
instruções convenientes, procurando conciliar os nossos concidadãos em
todas as phases de sua existência; examinaremos as causas que tendem a
favorecer a reprodução, afim de determinarmos os meios mais adequados à
imprimir-hes modificações salutares, e alias compatíveis em nosso estado
social; bem como as circunstâncias e perigos que precedem, acompanhão e
seguem o nascimento do homem [...] para que o homem possa chegar são e
forte a mais avançada velhice, e ter um termo isento de sofrimentos [...]
envidaremos enfim todos os esforços para ensinar-mos aos nossos
comprovincianos à evitarem as causas prejudiciais, e à fazerem bom uso das
uteis. Si o conseguirmos serão cumpridos todos os nossos desejos, e os da
Sociedade Philomatica Maranhense.208
Apesar de ser adversário político de Silva Maia, Cesar Augusto
Marques
209
projeta-se na mesma direção, segundo o próprio, somente pela higiene o
Maranhão poderia se ver livre dos surtos epidêmicos das doenças pestilentas210. O
relatório entregue em 1856 pelo vice-presidente da Província do Maranhão José
aplicação dos remédios além das descobertas científicas. Cf. MARANHÃO. Secretaria de Estado da
Cultura. Biblioteca Publica Benedito Leite. Serviço de Apoio Técnico. Catálogo de jornais maranhenses
do acervo da Biblioteca Pública Benedito Leite: 1821-2007. São Luís: Edições SECMA, 2007, pp. 26-27.
207
JORNAL DA SOCIEDADE PHILOMATICA MARANHENSE. Hygiene Publica, 1846, p. 13.
208
Ibidem, p. 12.
209
César Augusto Marques (1824-1900), natural de Caxias-MA, foi médico do Corpo de Saúde do
Exército, no mesmo ano de sua graduação na Província da Bahia, servindo ainda no Maranhão, Pará e
Amazonas. Dentre os muitos cargos e funções que exerceu, destacam-se os de Médico da Província,
Comissário Vacinador, da Saúde do Porto, Consultor da Santa Casa, Cirurgião da Guarda Nacional,
Médico da Companhia de Aprendizes Marinheiros e dos Educadores Artífices, membro da Junta de Saúde
Militar e secretário da Comissão de Higiene Pública; foi professor do Liceu do Piauí e do Seminário das
Mercês, em São Luís. Cf. MEIRELES, Mário. Dez estudos históricos. São Luís: Alumar, 1994, p. 225.
210
MARQUES, César Augusto. Dicionário histórico–geográfico da Província do Maranhão. Rio de
Janeiro: Fon-Fon e Seleta, 1970, pp. 597-599.
71
Joaquim Teixeira Vieira Berford também ratifica a hipótese da emergência da higiene
pública.
Se um dos fins a que se propões a hygiene publica, é, como acredito,
extinguir e remover as cauzas, que, directa ou indirctamente podem influir
para a alteração da saúde pública, fora, entretanto, demasiado exigir que ella
pudesse afastar de nós todas as enfermidades que flagellão a humanidade. As
cauzas, se não estou em erro, do aparecimento e do desenvolvimento das
queixas que soffremos na saúde, a maior parte das vezes, permanecem, a
despeito dos esforços da sciencia, ocultas ao homem, e na generalidade dos
cazos de moléstias endêmicas, esporádicas, ou epidêmicas, são elles
duvidosas cauzas telluricas ou atmosfhericas.211
A relativa estabilidade do estado sanitário da Província do Maranhão alcançada
entre os anos de 1840 a 1850 parecia que continuariam por longa data, os ânimos
higiênicos ganhavam cada vez mais ares de esperança. Em 1849 foi instituída a lei de
criação do Conselho de Saúde Pública da Província do Maranhão. Em 11 de janeiro de
1850 Azevedo Coutinho pôs em circular as normas de cunho pessoal e de organização
do Conselho de Saúde Pública da Província do Maranhão212. Segundo o artigo 4° do
Conselho de Saúde Pública da Província do Maranhão:
As medidas profiláticas deveriam se estender da capital ao restante das
comarcas, por isso ficara estabelecido que em cada cabeça de comarca da
Província, haverá um médico facultativo que ser considerado como delegado
da respectiva comarca (Grifo meu), tendo gratificação assistida pela
Assembleia Legislativa Provincial.213
O artigo 5° do regulamento do Conselho de Saúde Pública da Província do
Maranhão outorgava aos médicos facultativos, a permissão de inspecionar, vigiar e
promover sobre todos os assuntos administrativos à higiene pública. Para tal objetivo os
médicos poderiam contar com o auxílio dos delegados de saúde e da polícia sanitária, a
fim de:
Visitar prisões, inspecionar estabelecimentos industriais e matadouros
públicos, examinar a planta das cidades, vilas e povoações, vigiar os
cemitérios, tutelar sobre as medidas preventivas de cura contra as doenças
contagiosas, reprimir os efeitos do charlatanismo, examinar a sanidade dos
211
MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório com que o vice-presidente da Província do
Maranhão José Joaquim Teixeira Vieira Berford, entregou á Presidência da Província do Maranhão ao
Ilum. e Exm. Snh. Commendador Antônio Candido da Cruz Machado, 21 de dezembro de 1856.
Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1856, p. 07.
212
Pelas normas da Câmara Municipal de São Luís o Conselho de Saúde Pública da Província do
Maranhão teria como previsão de inicio de suas atividades apenas em 18 de dezembro de 1851, sendo
presidido na própria casa da Câmara Municipal, contudo o Conselho de Saúde Pública da Província do
Maranhão começou seus serviços ainda em 1850. Cf. O PUBLICADOR MARANHENSE, 11 de janeiro
de 1850, Governo da Província, p. 02.
213
O PUBLICADOR MARANHENSE, 11 de janeiro de 1850, Parte Official, Governo da Província, p.
02.
72
alimentos e bebidas, visitar as boticas, fazer corpo delito e autópsias
devidamente registrados pelo Conselho de Saúde Pública da Província.214
O Conselho de Saúde Pública da Província do Maranhão atuou com vigor e
praticidade no ano de 1850. O objetivo pretendido pelo Conselho era levar a emergência
da higiene pública para toda dimensão da Província do Maranhão, e mesmo que isto,
não pudesse ser feito em curto prazo, essa atitude revela que os médicos da época
sabiam que o aparecimento de surtos epidêmicos não dependia única e exclusivamente
do controle da entrada e saída de embarcações do porto da capital. As moléstias
poderiam ser importadas pela região do Turiaçu, ou por Caxias, passando por Pastos
Bons e Itapecuru chegando por fim a São Luís.215
A polícia sanitária216era responsável por resguardar a posição da política
sanitária da Província do Maranhão, havendo ordens do governo no intuito de prevenir
o aparecimento de epidemia na capital ou para diminuir a gravidade dos males
ocasionados por determinada epidemia. Por essa prerrogativa os citadinos obedeciam às
posturas municipais sobre a saúde pública a fim de evitarem multas ou outros processos
penais217. Em especial, a câmara municipal de São Luís constantemente relembrava a
população local, sobre duas posturas:
Postura n° 34. Todos os que tiverem em sua loja, ou armazém géneros
corrupitos, que prejudiquem a saúde pública, serão condenados a pagar a
pena de seis mil reis; e nesta proporção, pelas reincidências até o máximo.
Postura n° 83. Todos os gêneros corrupitos que forem encontrados quer em
terra, ou a bordo de qualquer embarcação, conforme a postura 34, serão de
depois julgados tais pela Comissão de Saúde, inutilizados ou jogados ao mar,
como melhor convier; sendo este trabalho feito à custa dos donos de taes
gêneros.218
214
Ibidem, p. 02.
Médicos e autoridades públicas sabiam que a região de Turiaçu possuía uma intensa movimentação de
embarcações fluviais, já a região de Caxias e Pastos Bons estavam próximas ao Piauí.
216
De acordo com Michel Foucault a polícia médica sanitária foi instituída de fato na Alemanha no
século no século XVIII. Ela fazia parte de um sistema amplo de controle social; se estendendo a registros
de obituários, nascimentos, controle sobre produtos alimentícios, espaços públicos e privados, há
fenômenos epidêmicos e pandêmicos em longa escala. Cf. FOUCAULT, Michel. O nascimento da
medicina social. In. Microfísica do Poder. 25 ed. São Paulo: Graal, 2012, pp. 148-149.
217
A polícia sanitária foi instituída pelo decreto de 29 de janeiro de 1843, cujo qual prescrevia as
obrigações do Provedor da Saúde ocupado por mais de 30 anos pelo cirurgião Verissimo dos Santos
Caldas, depois pelo cirurgião Silvestre Marques da Silva Ferrão que exerceu o cargo por alguns meses,
depois pelo Dr. Luís Miguel Quadros. Vale ressaltar que as obrigações da policia sanitária foram
reestruturadas pelo Decreto de n° 828, de 29 de dezembro de 1851 cujo qual o Ministério do Império
mandou executar o Regulamento da Junta de Hygiene Pública em conformidade do disposto no Decreto
de n° 598, de 14 setembro de 1850. Por este ultimo foi criado às normas de institucionalização da Política
Sanitária da Província do Maranhão em 1850. Cf. MARQUES, Cesar Augusto. Dicionário histórico–
geográfico da Província do Maranhão. Rio de Janeiro: Fon-Fon e Seleta, 1970, p. 598.
218
O PUBLICADOR MARANHENSE, 16 de Abril de 1850, Repartição da Polícia, p. 02.
215
73
Em 15 de abril de 1850 as respectivas posturas foram adotadas com veemência
entre os comerciantes de couros da capital. Estes se queixavam das peticionárias
propriedades de armazenamento de couro. Queriam eles, que o local conhecido como
pátio de São Thiago219 fosse usado na preparação de seus produtos, porém, o Conselho
de Saúde considerava tal manipulação de carnes e couros a céu aberto, imprópria à
saúde dos citadinos, pois poderia facilitar a entrada de moléstias oriundas das vísceras
dos animais mortos, por isso proibiu que no pátio de São Thiago fosse realizada
quaisquer operação semelhante que pudesse colocar em risco a saúde da população.
O decreto imperial de nº 598 de 14 de setembro de 1850 estabeleceu as normas
e institucionalização da Junta Central de Hygiene Pública com jurisdição sobre todo o
território nacional. Nas províncias a Junta Central de Hygiene Pública, atuaria através
de Comissões de Higiene Pública, estabelecidas na capital de cada uma delas220. Em
São Luís a Comissão de Higiene Pública iniciou suas funções no ano seguinte e assim
era subscrita pelo seu próprio regulamento.
Ar. 1° A Junta de Hygiene Pública, creada por Decreto de 14 de Setembro de
1850, será denominada Junta Central de Hygiene Pública – Seu assento será
na Corte; e no município desta e na Província do Rio de Janeiro exercitará
imediatamente a sua autoridade.
Ar. 2° Nas Províncias do Pará, Maranhão, Bahia e Rio Grande do Sul haverá
Comissões de Higiene Pública, compostas de três membros, nomeados pelo
governo que dentre as mesmas designará seu Presidente; nas outras
Províncias haverá somente Provedores de Saúde Pública. Os Presidentes
tanto da Junta como das Comissões, tem voto de qualidade.
Ar. 3° Farão parte das Comissões de Hygiene Pública os Comissários
Vacinadores Provínciaes, os Provedores de Saúde dos Portos, e Delegados,
Cirurgião-mor do Exército, onde os houver. Os Provedores de Saúde Pública
serão escolhidos destas três classes, segundo o Governo entender.221
O decreto nº 828 de 29 de setembro de 1851 estabeleceu o regulamento da
Junta Central de Hygiene Pública222, que prescrevia acima de tudo:
Propor ao governo todas as medidas, que julgar necessárias ou convenientes a
bem da salubridade pública, e informar sobre as que lhe forem indicadas pelo
governo. Entender na efetiva execução das Posturas da Câmara Municipal
relativas ao objeto de salubridade pública, e indicar-lhe as medidas que julgar
219
O pátio de São Thiago ficava em frete a capela de São Thiago, localizada noatual bairro das
Cajazeiras. Cf. MARQUES, César Augusto. Dicionário Histórico-Geográfico da Província do
Maranhão. Rio de Janeiro: Fon-Fon e Seleta, 1970, p. 851.
220
MEIRELES, Mário M. Dez estudos históricos. São Luís: Alumar, 1994, p. 229.
221
O PUBLICADOR MARANHENSE, 11 de dezembro de 1851, Parte Official, Governo Central,
Ministério do Império, p. 01.
222
Sobre o Decreto nº 828 - de 29 de setembro de 1851. Manda executar o Regulamento da Junta de
Hygiene Publica. Cf. O PUBLICADOR MARANHENSE, 11 de dezembro de 1851; SENADO
FEDERAL. Portal Legislação. Online. Capturado em 15 set. 2013. Disponível na Internet:
http://legis.senado.gov.br/legislação/ListaPublicaçoes. Acesso em 15 de setembro de 2013.
74
necessárias ou convenientes para que se convertam em Posturas, recorrendo
para o governo (...) quando não for atendida; Exercer polícia médica nas
visitas das embarcações até agora encarregadas à inspeção da Saúde do Porto,
e nas que devem fazer-se nas boticas, lojas de drogas, mercados, armazéns, e
em geral em todos os lugares, estabelecimentos, e casas donde possa provir
dano à Saúde Pública.223
Com a regulamentação da Junta Central de Hygiene Pública, os médicos
higienistas passaram a ter um grande monopólio na vida pública e política do país, suas
influências seriam sentidas nas mais diferentes instâncias de poder da vida pública,
sobretudo em assuntos urbanos224. As normas da Junta de Higiene Pública dão fé a essa
questão, as mesmas balizavam-se, em oitos itens.
O primeiro deles diz respeito aos empregados da repartição de saúde pública,
ficou estabelecido que cada repartição de saúde pública das províncias deveria ter no
mínimo três médicos permanentes formados em medicina legal e conhecedores assíduos
das medidas higiênicas no combate ao desenvolvimento de surtos epidêmicos. Sendo
que o primeiro seria o presidente do conselho, o segundo ficaria incumbido ao cargo de
secretário do conselho e o terceiro ficaria em vogal. Além desses três médicos deveria
existir um médico assistente em vogal para substituir qualquer um destes, caso fosse
necessário.225
O segundo item, diz respeito à inspeção de saúde dos portos. A Junta de
Hygiene Pública substituiria o decreto de n°. 268 de 29 de janeiro de 1843, com as
seguintes alterações:
Os provedores de saúde dos portos ou qualquer membro das Comissões de
Saúde das Províncias terão que entrar em contato imediatamente com a Junta
Central de Higiene sobre o aparecimento ou não de alguma moléstia, e onde
não houvesse comissões os provedores de saúde darão parte das notícias ao
presidente da Província, que automaticamente as repassará à Junta Central de
Higiene Pública.226
O terceiro item refere-se à inspeção da vacina, onde ficou igualmente acertado
que a Junta Central de Hygiene continuaria a dar vigor ao decreto de n°. 461 de 17 de
agosto de 1846 com apresentação de exames, mapas e relatórios sobre o estado de
223
BRASIL. Decreto nº 598 de 14 de setembro de 1850. In: COLLEÇÂO DE LEIS DO BRASIL, 1850,
Tomo XI, parte I. Rio de Janeiro: Typ. Nacional, 1951.
224
A respeito da criação e função da Junta Central de Hygiene Cf. DELAMARQUE, Elizabete Vianna.
Junta Central de Higiene Pública: vigilância e política sanitária (antecedentes e principais debates).
187f. Dissertação de mestrado apresentada ao Curso de Pós-Graduação em História das Ciências e da
Saúde da Casa de Oswaldo Cruz-Fiocruz, como requisito para obtenção do Grau de Mestre. Área de
Concentração: História das Ciências. Rio de Janeiro, 2011.
225
O PUBLICADOR MARANHENSE, 11 de dezembro de 1851, Parte Official, Governo Central,
Ministério do Império, p. 01.
226
Ibidem.
75
vacinação em cada Província do Império, os governos das províncias ficaram
incumbidos de regular o serviço de vacinação, assim como os dias e locais a serem
aplicadas as vacinas.227
O quarto item diz respeito ao exercício da medicina legal, onde ninguém
poderia exercer o ofício da medicina ou qualquer uma de suas ramificações sem ter
título conferido pelas Escolas Médicas do Brasil ou do exterior e com devida habilitação
dada pela Junta Central de Higiene Pública. O quinto item diz respeito à polícia médica
sanitária, que dava autorização às comissões de higiene a realizarem normas de
vigilância sanitária em ruas, praças, estabelecimentos públicos e particulares. O sexto
item, refere-se especificamente aos procedimentos corretos a serem feitos durante as
visitas sanitárias, o sétimo item posicionava-se, sobre as vendas de medicamentos nas
boticas e o oitavo item ratificava as disposições gerais que deveriam ser feitas caso
houvesse alguma irregularidade durante as visitas sanitárias.228
A regulamentação e as normas da Junta de Hygiene Pública e do Conselho de
Saúde Pública da Província do Maranhão ratificam que os preceitos da higiene se
transformaram em um conjunto de normas e leis particulares e coletivas, com objetivo
de controlar doenças e de melhorar a vida em sociedade. Isto ocorreu não por acaso,
mas, porque, cada vez mais a higiene tornou-se “regra”, seja no cuidado com a
atmosfera, mantendo suas condições normais e livrando-a de causas de poluição, seja
pela água, evitando-se sua contaminação, no cuidar do solo, já que é nele que o homem
assenta sua morada ou na distribuição espacial do lar demarcando os locais para
determinadas relações sociais.
3.2 Da inspetoria de saúde do porto: regulamentação e a normatização do porto de
São Luís
A vinda da Família Real Portuguesa e sua corte, em 1808 para o Brasil
possibilitou uma série de mudanças e melhorias na saúde pública da ainda então
Colônia. Nesse processo seguiu-se uma série de ações político-administrativas que iriam
alterar o panorama geral do Brasil. Em 1809 o Príncipe D. João regulamenta os serviços
227
228
Ibidem.
Ibidem, p. 02.
76
prestados pelo provedor da saúde do porto229, suas funções passam a ser privativas a
médicos diplomados, sobretudo na vigilância dos portos. Sobre este assunto, Mário
Martins Meireles assinala:
Nas capitais regionais que fossem portos de mar, teria a coadjuvação de um
guarda-mor da Saúde, que teria, às suas ordens, uma Política de Saúde do
Porto, de modo a que houvesse uma permanente vigilância nos navios
chegados, e para evitar que desembarcassem pessoas com moléstias infectocontagiosas ou mercadorias já inaproveitáveis para o consumo.230
Segundo George Rosen o século XIX tem como característica principal a
normatização administrativa dos portos espalhados pelos continentes, a fim de
garantirem um livre transito entre as mercadorias mundiais, para este autor as
quarentenas, tinham por objetivo conter o surgimento dos surtos epidêmicos de doenças
pestilentas, melhorando assim o escoamento e distribuição das mercadorias231. A corte
portuguesa contribuiu para o salto substancial no que diz respeito aos serviços sanitários
disponíveis em São Luís. Por suas condições geográficas a capital maranhense seria um
ponto estratégico de comunicação com os portos da Europa, Ásia e África, entendia-se
que a distância entre São Luís e a Europa era menor do que a de São Luís com Rio de
Janeiro232. Esta situação é comprovada pelo porto de São Luís ser majoritariamente
ocupado por ingleses no início do século XIX.233
Fato que ligeiramente motivou o governo imperial a desenvolver uma política
que pudesse enquadrar a Província do Maranhão nas devidas linhas de salubridade e
higiene pública da nação. Dentro do contexto econômico, o Maranhão já desempenhava
um importante papel. Matthias Assunção destaca que desde o inicio do século XIX São
Luís despontou como uma das principais cidades portuárias do Brasil.234
229
O cargo de provedor da saúde do porto era exercido anteriormente por vereadores sem especialização
médica, auxiliado por outros funcionários. Em 1655, o Senado da Câmara de São Luís criou o cargo de
Juiz da Saúde, que tinha como função informar sobre o aparecimento de moléstias importadas por navios
que chegavam com negros. Cf. MEIRELES, Mário M. Dez estudos históricos. São Luís: Alumar, 1994, p.
207.
230
Id. Ibid., p. 221.
231
ROSEN, George. Uma história da saúde pública. São Paulo: Hucitec/Rio de Janeiro: Abrasco, 1994,
pp. 210-212.
232
GALVÃO, Manuel da Cunha. Melhoramento dos portos do Brasil. Rio de Janeiro: TypographiaPerseverança, 1869, pp. 87- 112.
233
A respeito da presença inglesa em São Luís entre os séculos XVIII e XIX, Cf. VIVEIROS, Jerônimo
de. História do Comércio no Maranhão (1612-1895). V. 2. São Luís: Coleção Academia Maranhense de
Letras, 1992.
234
ASSUNÇÃO, Matthias Rohrig. Exportação, mercado interno e crises de subsistência numa província
brasileira: O caso do Maranhão, 1800-1860. In. BOTTCHER, Nikolaus; HAUSBERGER, Bernd.
Dinero y negócios em la historia de América Latina. Frankfurt & Madri: Vervuert - Iberoamaricana,
2000, pp. 291-192.
77
A regulamentação dos serviços do porto da cidade de São Luís é datada do ano
de 1843, a mesma obedece às orientações do decreto imperial de nº 268 de 29 de
Janeiro de 1843, que sublinhava as inspeções de saúde dos portos da nação. Por este
decreto nenhuma embarcação poderia atracar em qualquer porto do Brasil sem a
apresentação da carta de saúde da dita embarcação.235
De acordo com Sigaud, o Dr. José Antônio da Silva Maia (conselheiro do
Império) foi peça fundamental na elaboração dos doze artigos sobre a saúde e vigilância
dos portos da nação do decreto imperial de nº 268 de 29 de Janeiro de 1843.236
Art. 1°. As câmaras municipais não terão doravante nenhuma intervenção nas
inspeções sanitárias dos portos, nem tampouco na nomeação dos empregados
que serão escolha do governo.
Art. 2°. O posto e a função do professor de saúde serão exercidos pelo
inspetor da saúde, o qual será médico ou cirurgião.
Art. 3°. Haverá no Rio de Janeiro um inspetor e dois secretários-interpretes,
um agente, um porta-estandarte, e dois guardas.
Art. 4°. Na Bahia, Pernambuco e Maranhão haverá o mesmo número de
empregados, menos um secretário, o agente, o estandarte e o guarda.
Art. 5°. Nos outros portos providos de alfândega só haverá um inspetor e um
guarda, o qual preencherá as funções de escrivão e secretário.
Art. 6°. Os secretários-interpretes deveram saber falar francês e inglês.
Art. 7°. Nos portos em que a saúde terá um barco a sua disposição, este
servirá também para as visitas da polícia do porto; nos outros, este serviço
será feito no barco da alfândega.
Art. 8°. O inspetor tem direito de visitar todos os navios declarados em
quarentena, de inspecionar os serviços dos empregados, de examinar as
patentes de saúde, de empreender e fazer cumprir todas as medidas de polícia
sanitária e, nos casos difíceis e imprevistos, de reclamar a autoridade do
ministro de Império.
Art. 9°. Aos secretários pertence a tarefa de intérpretes, a visita aos navios, a
expedição de escrituras, a manutenção de arquivos e o teor e a assinatura das
patentes de saúde.
Art.10° O agente tem obrigação de entregar os pareceres ao inspetor, de
receber do Tesouro o salário dos empregados, de abastecer os navios em
quarentenas de todos os objetos e provisões que reclamem, de vigiar a
limpeza da casa de saúde, etc.
Art. 11°. Os guardas devem acompanhar os secretários em suas visitas de
inspeção, etc.
Art. 12°. Um local conveniente será escolhido em cada porto para a casa de
saúde.237
.
Em 1849 o terrível flagelo da febre amarela grassou a cidade do Rio de Janeiro
por completo, o impacto da moléstia foi tamanho que levou o Estado Imperial a
235
SIGAUD, Jean François Xavier. Op. Cit., 2009, p. 311.
Disponível em: www.camara.gov.br/Internet/InfDoc/conteudo/colecoes/Legislacao/Legimp-29_12.
pdf. Acesso em 12 de novembro de 2013.
237
SIGAUD, Jean François Xavier. Op. Cit., 2009, p. 311.
236
78
rediscutir as questões de saúde pública de maneira incisiva238. Segundo Lycurgo Santos
Filho foi somente a partir do episódio do flagelo da febre amarela em 1849 que se
passou a discutir com veemência o controle das epidemias mortíferas no Brasil 239. A
própria criação da Junta Central de Hygiene Pública foi um reflexo dessa situação.
Sobre esta questão Flávio Edler cita a criação da Junta Central de Hygiene
Pública no centro do debate científico em 1850 e os conflitos que por ela perpassaram.
A cooptação de importantes quadros das elites médicas, brindados com
cargos públicos em instituições médicas estratégicas, com as faculdades de
medicina e a Junta central de Higiene Pública; um forte controle do ensino
médico, que corrompia a formação técnico-científica através das cartas de
empenho, viabilizando, assim a constituição de uma burocracia estatal
conformada ao sistema de patronagem política e o esvaziamento das
propostas de organização de um sistema de instituições médicas, seja através
de um sistema de instituições médicas, seja através de respostas parciais ou
efêmeras às reivindicações defendidas pelas principais lideranças, médicas ou
mesmo pela postergação das medidas por elas preconizadas visando o
controle e regulamentação do exercício da medicina e melhoria na formação
profissional.240
Tânia Salgado Pimenta acrescenta que a criação da Junta Central de Hygiene
Pública foi um marco para a medicina acadêmica e para as pretensões médicas no
controle e monopolização dos saberes de cura. Contudo, segundo a autora, após a
criação da Junta Central de Hygiene Pública nunca se tinha visto antes tantos súbitos da
febre amarela e de outros flagelos como a cólera morbus e a varíola no Rio de
Janeiro.241
Gabriela Sampaio e Luiz Otavio Ferreira sugerem que a criação da Junta
Central de Hygiene Pública em 1850 não constituiu um corpo institucional coeso para
os médicos e seus pares, isto porque a mesma foi gestada em momentos de conflitos e
pretensões políticas. Muitos médicos reclamavam abertamente sobre os equívocos da
238
Para aprofundar a questão da epidemia de Febre amarela que assolou o Rio de Janeiro em 1849, Cf.
REGO, José Pereira Rego. História e descrição da febre amarela epidêmica que grassou no Rio de
Janeiro em 1850. Rio de Janeiro, Typographia de F. de Paula Brito, 1851; RODRIGUES, Claudia. A
cidade e a morte: a febre amarela e seu impacto sobre os costumes fúnebres no Rio de Janeiro (18491850). In: História, Ciência e Saúde. Vol. 6, nº 1, 2000. FRANCO, Odair. História da febre amarela no
Brasil. Rio de Janeiro, 1969.
239
FILHO, Lycurgo Santos. História geral da medicina brasileira. Volume 2. São Paulo:
Hucitec/EDUSP, 1991, p. 499.
240
EDLER, Flávio Correa. As Reformas do Ensino Médico e a Profissionalização da Medicina na Corte
do Rio de Janeiro, 1854-1884. 275f. Dissertação (Mestrado em História). Faculdade de Filosofia, Letras e
Ciências Humanas, USP, São Paulo, 1992, p. 38-39.
241
PIMENTA, Tânia Salgado. O exercício das artes de curar no Rio de Janeiro (1828 a 1855). 256f.
Tese de doutorado, UNICAMP: Campinas SP, 2003, p. 176.
79
Junta Central de Hygiene Pública, principalmente no controle e distribuição de
remédios e na distribuição da linfa vacínica contra a varíola.242
Circunstancia similar é percebida em São Luís em 1850, quando o Dr. José
Antônio da Silva Maia preocupado com a importação do flagelo da febre amarela ao
porto da Ponta d’ Areia estabeleceu normas sobre as quarentenas de mar ao porto de
São Luís. No mesmo ano Silva Maia postulou um documento identificado: Medidas
sanitárias adoptadas na Província do Maranhão para evitar a epidemia da febre
amarela. Neste documento Silva Maia aponta seu parecer oficial sobre a febre amarela.
Quanto á origem da epidemia pretendião muitos medicos que ella fôra
importada da Nova Orleans, onde estava fazendo grandes estragos, por um
navio que apportára à Bahia, com direcção à California, ou da Costa d’Africa
pelos numerosos navios que andão no trafico da escravatura. Outros, porém,
sustentavão que o mal tinha alli mesmo a sua origem, e que provinha das
emanações pantanosas, verdadeiras envenenamentos pelos miasmas vegetais
e animaes que exhalão dos alagadiços, das agoas estanques, dos charcos, e
mesmo do solo d’aquella Província.243
O parecer de Silva Maia vai de encontro aos pressupostos da medicina urbana
francesa que exemplificava a origem da doença no século XIX ao controle dos espaços
públicos e centros urbanos em busca de possíveis focos endêmicos e epidêmicos. O
relato do Dr. Silva Maia caracteriza-se como de suma importância, pois, oficialmente a
regulamentação oficial da saúde dos portos brasileiros passou a ser vigente desde 29 de
janeiro com o Decreto Imperial de nº 268, no entanto as discussões sobre a tutelada e as
quarentenas dos portos da nação foram realizadas somente em 1851, e isto somente fora
feito devido aos efeitos do terrível flagelo da febre amarela que atacou o Rio de Janeiro
em 1849.
Em 1851 foram realizadas reuniões em Paris, onde foram discutidas as medidas
profiláticas das quarentenas244 de mar nos portos de todo o mundo.
242
Cf. SAMPAIO, Gabriela dos Reis. Nas trincheiras da cura: as diferentes medicinas no Rio de Janeiro
Imperial. 192f. Dissertação de mestrado UNICAMP. Campinas SP, 1995; FERREIRA, Luiz Otávio. O
nascimento de uma instituição científica: os periódicos médicos da primeira metade do século XIX. Tese
de doutorado, USP: São Paulo, 1996.
243
MAIA, José da Silva. Medidas sanitárias adoptadas na Província do Maranhão para evitar a
epidemia da febre amarella, com o regulamento de saúde dos portos. São Luís, Typ. Ferreira, 1850, p.
10.
244
Segundo Michel Foucault as medidas de quarentenas já haviam por existir em várias parte da Europa
desde a Idade Média, em alguns países como a França, por exemplo, existia até mesmo um regulamento
em caso de aparecimento de surto epidêmico de qualquer natureza. Segundo Foucault este regulamento
possuía cinco itens básicos: 1° cada família deveria permanecer em sua casa e se possível cada pessoa em
seu compartimento, 2° a cidade deveria ser dividida em distrito ou bairros para facilitar o controle sobre a
epidemia; 3° deveria haver inspetores de saúde para observar e enviar relatórios, se possível diários sobre
o desenvolvimento da epidemia, 4° os inspetores deveriam diariamente passar em revista em todas as
80
O poder contagioso desta moléstia não pode jamais ser contestado. Se em
outras épochas a influencia prestigiou o comércio, o poder dominador do
século, pode, para aniquilar as medidas de quarentenas que prejudicar a seus
interesses, levantar uma phalagede anti-contagionistas, que, nos congressos
sanitaristas de 1851 a 1853 resolveram os govemos da França e da Inglaterra
a reduzi-las a meras formalidades que não impedissem a liherdade do
comercio, muito severa foi de certo a lição que soffreram aquelles povos.
Depois da epidemia de febre amarella de Saint Nazaire, sobre a qual versou o
brilhante relatório do senhor Héfíer, e uma extensa e importante discussão na
Academia de Medicina de Paris, em que ficou claramente definida acerca da
transmissibilidade da moléstia pelos doentes, e pelos carregamentos dos
navios, e especialmente a formação do foco de infecção no porão dos
mesmos; o Governo francês, reformando suas medidas sanitárias de accordo
com estas ideias, determinou o isolamento dos navios, seu arejamento e
desinfecção cuidadosa do carregamento, e além d'isto o lazareto para os
passageiros; e no caso de não ter havido doentes a bordo, e sim ter o navio
somente carta suja isto é, ser de procedência contaminada pela epidemia,
ainda assim, determina o decreto de 1851 o isolamento do navio, seu
arejamento a desinfecção, bem como a do carregamento.245
Ainda assim, havia aqueles a considerar as quarentenas como percalços para
uma atividade portuária dinâmica, por isto não era difícil burlar-se a lei mediante a não
apresentação da carta de navegação. Discussões como esta voltaram a acontecer nos
anos subsequentes a 1851. Artigos científicos da Gazeta médica da Bahia apontam que
as autoridades da França e da Inglaterra ratificavam os benefícios das quarentenas, mas
mesmo assim ainda havia por existir contrários a essa obrigação.
As leis francezas punem com a pena de morte o indivíduo que por transgredir
os regulamentos sanitários, é causa d'uma invasão' pestilencial. E será
irresponsável a authoridade que, incumbida de fazer observar estes
regulamentes, os despreza por ignorância ou por incúria, causando assim
enorme dano á saúde publica? A historia das epidemias nos mostra as
terríveis devastações que fazem elas quando encontram em sua recepção um
conjuncto de más condições hygienicas. Basta vê-las para estremecer-se de
boas medidas quarentenarias que devem ser observadas rigorosamente, com
especialidade nos lugares ainda não atacados. Não reputamos necessária a
quarentena tão longa como era de rigor outrora: com o auxilio dos meios de
desinfécção hoje empregados, que tendem a salubrificar o foco da moléstia, a
quarentena pôde ser menos longa e não menos efficaz. A communicação com
os lugares atacados da molestia, devem ser feitas com toda a precaução, com
a desinfécção dos navios, mercadorias, etc, vindas d'esses lugares. Na cidade
devem ser tomadas rigorosas providencias sanitárias, em relação ao asseio e
desinfecção das ruas, casas, pateos, latrinas, canos, etc. As dejecções e roupas
dos indivíduos atacados devem ser desinfetadas e lançadas ao mar, longe da
costa, ou enterradas; e a policia deve fornecer às casas pobres os meios de
effectuarem esta desinfecção. Os cadáveres dos fallecidos da epidemia não
casas do distrito ou do bairro, 5° em casa por casa deveria se praticar a desinfecção. Cf. FOUCAULT,
Michel. O nascimento da medicina social. In. Microfísica do Poder. 25 ed. São Paulo: Graal, 2012, pp.
155-156.
245
GAZETA MÉDICA DA BAHIA. Publicada por uma associação de facultativos e sob a direção do
Dr. Antônio Pacífico Pereira 1870. Hygiene Publica. A hygiene n’esta cidade; a proposito da invasão da
febre amarela. 15 de maio de 1870. Bahia, Volume III, impresso na Typ. J. G. Tourinho, 1870, p. 218.
81
devem ser enterrados sem certas precauções. Dever-se-hia proceder como nos
hospitais da França em relação aos colericos: Logo que sucumbia o doente
espalhava-se ácido phenico em torno da cama; no caixão se assentava o corpo
em cloreto de cal, e enchia-se o espaço restante de serradura impregnada de
ácido phenico; e além d'isto, quando o caixão descia á sepultura, deitava-se
sobre a cova uma camada de cloreto de cal, e fazia-se por cima uma aspersão
com água cloruretada. E todas estas medidas não são demais para aniquilar a
246
influencia contagiosa da moléstia.
Em “Medidas sanitárias adoptadas na Província do Maranhão para evitar a
epidemia da febre amarela” essa orientação já havia por existir na cidade de São Luís.
Além disso, o Conselho de Saúde Pública da Província do Maranhão era atuante em São
Luís desde 1850.
O relatório geral do estado sanitário da Província do Maranhão do ano de 1850
presta contas à boa atuação do Conselho de Saúde Pública. Segundo o Conselho de
Saúde Pública, o porto e o lazarento da Ponta da Areia encontram-se em bom estado de
salubridade, os mesmos funcionavam na melhor oferta possível, seus empregados
executam com zelo e inteligência as medidas sanitárias e higiênicas para abstrair a
introdução de qualquer mal que por ventura pudesse colocar em risco a saúde coletiva.
As quarentenas de mar eram feitas regularmente tanto de dia, quanto a noite, por
sentinelas postadas a cinco beiras da praia, vigiados também por uma barca da
alfandega e por uma lancha comandada por um guarda da saúde.247
A fora todas essas preocupações o diretor do lazarento da Ponta d’ Areia
ronda em horas incertas na noite, nas ditas embarcações de vigilância,
entrando nas embarcações sob custódia de quarentena averiguando o estado
de saúde tanto da tripulação quanto da embarcação, também fora vetada
quaisquer comunicação entre tribulações em quarentenas é citadinos. Sendo
que os próprios funcionários do lazarento são obrigados a tomar diariamente
banhos salgados com cloro afim de evitar-se quaisquer contágio.248
O estado sanitário da cidade de São Luís era satisfatório em 1850, parecendo
que nas atuais circunstâncias não havia moléstia alguma por reinar em longos anos em
São Luís, elogiava-se com prazer e zelo os serviços prestados pelo Conselho de Saúde
Pública da Província do Maranhão, principalmente no anseio e limpeza das ruas, casa,
quintais e salubridade dos portos da cidade. Sendo que nunca fora tão grande tamanha
246
Ibidem.
MARANHÃO, Presidência da Província. Falla dirigida pelo Exm. presidente da Província do
Maranhão, Honório Pereira de Azevedo Coutinho, á Assembléa Legislativa Provincial, por occasião de
sua installação no dia 7 de setembro de 1850. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J.
Ferreira, 1850, p. 12.
248
O PUBLICADOR MARANHENSE, 30 de abril de 1850, Parte Official, Governo Central,
Ministério do Império, p. 03.
247
82
satisfação da câmara municipal com as posturas higiênicas adotadas na cidade de São
Luís.249
As medidas sanitárias aplicadas aos portos do Brasil foram postas no porto da
Ponta d’ Areia. Por elas entende-se toda a preocupação infecto-contagionista das
moléstias perniciosas ao homem.
Art.1°. São consideradas moléstias pestilenciaes. O cholera-morbus
epidêmico, a febre amarela e a peste.
Art.3°. As medidas aqui estabelecidas se resumem: 1. Em desinfecção das
casas e das pessoas; 2. Em quarentenas de observações e quarentenas de
rigor; 3. Em socorros médicos à pessoas afectadas ou ameaçadas; 4. Em
expedientes que facilitem o commercio entre os portos do Império, deste com
os portos estrangeiros;
Art.4°. As medidas sanitárias preventivas deveram variar conforme os
seguintes casos: §1. Quando os navios forem de portos onde reinara qualquer
das 3 molestias pestilenciaes, e chegarem ao porto com viagem de 15 até 25
dias, sem ter durante ella ter apparecido caso algum de taes moléstias. §2.
Quando durante esta viagem houver tido lugar algum caso de moléstia
pestilencial. §3. Quando os navios dos portos procedentes dos portos
infectados chegarem com menos de 15 dias de viagem, sem ter havido a
bordo caso algum de moléstia pestilencial. §4. Quando durante esta viagem
houver sucedido algum caso de taes moléstias. §5. Quando, qualquer que seja
a procedência do navio, quaisquer que sejão os dias que trouxer de viajem,
chegar a ele com hum ou mais doentes afectados de alguma moléstia
pestilencial.
Art.5°. Quando entrar algum navio procedente de portos onde reine alguma
das três molestias pestilenciaes, trazendo de 15 até 25 dias de viagem, sem
que tenha durante ella a bordo nenhum caso de moléstia pestilencial; logo
que ele ancorar, ou ainda sobre a vela, a autoridade sanitária, por se ou por
seus delegados médicos, dirigindo a seu bordo procederá sucessivamente à
inquirição e inspeção do artigo 45.250
O artigo 45 da política de segurança dos portos de São Luís refere-se as
disposições gerais do regulamento dos portos do Império do Brasil. Segundo este artigo
logo que ancorados os navios nacionais ou estrangeiros deveriam apresentar as devidas
cartas de saúde atestando boas ou más condições da embarcação e de sua tripulação.
Art. 45°. Haverá duas espécies de informações a respeito dos navios quando
chegarem aos portos do Império. A primeira constando de inquirição verbal,
a segunda se procederá logo a chegada do navio ao porto, se for possível
estando ainda sobre vela: formulada nos requisitos seguintes.
1. De onde vem?
249
Apenas uma reclamação, havia a se fazer, tratava-se da limpeza dos canos cobertos da Praia Grande e
de sua circunvizinhança, pois desde que foram construídos aqueles canos, os mesmos ainda não haviam
sido foram devidamente limpos. Cf. MARANHÃO, Presidência da Província. Falla dirigida pelo Exm.
presidente da Província do Maranhão, Honório Pereira de Azevedo Coutinho, á Assembléa Legislativa
Provincial, por occasião de sua installação no dia 7 de setembro de 1850. Maranhão, impresso na Typ.
Constitucional de I.J. Ferreira, 1850, p. 13.
250
O PUBLICADOR MARANHENSE, 20 de junho de 1855. Parte Official, Rio de Janeiro. Medidas
sanitárias. Regimento sanitário dos portos do Império contra a importação de moléstias pestilenciaes, p.
02.
83
2.
3.
4.
5.
6.
7.
8.
9.
10.
Traz cartas de saúde?
Qual o nome, nação, ou lotação do navio?
Que carta traz?
Quantos dias de viagem?
Qual o estado de saúde a partida?
Teve moléstia, ou perdeu algum doente na viagem?
Chegou com as mesmas pessoas com quem sahio?
Comunicou com algum navio ou porto durante o trajecto?
Precisa de algum socorro medico ou de outra natureza? 251
Por estes exemplos, nota-se que a partir de 1850 o porto de São Luís foi
categoricamente marcado por posturas de normatização, reflexo da política sanitária
adotada pela Província do Maranhão, com a criação da Junta de Hygiene e do Conselho
de Saúde Pública da Província do Maranhão.252
3.3 Da política de isolamento: o hospital dos lázaros, o lazareto da Ponta d’ Areia e
o hospital dos bexiguentos
A história das cidades pode ser contada através da experiência corporal de seus
habitantes, homens e mulheres num mesmo espaço, circuncidados por olhares, cheiros,
odores e curvas arquitetônicas, linhas que definem não o homem mais a pessoa citadina,
seus comportamentos, sua moral, seus costumes, tudo circunscrito pela higiene e pelos
médicos253. Portanto ao se valer da vigilância dos espaços, dos indivíduos e dos
fenômenos da natureza a medicina urbana afirmava-se como um discurso legítimo e
competente preocupado em impedir o surgimento de surtos e ciclos epidêmicos.
Segundo Roberto Machado as intervenções médicas se justificariam acima de
tudo em prol da salubridade pública. Ao longo da história, os maiores problemas de
saúde que os seres humanos enfrentaram estiveram relacionados à natureza da vida em
comunidade, por isso a maioria das soluções médicas no século XIX era de ordem da
sobrevivência da espécie, aplicadas nos centros urbanos254. Ou seja, pode-se dizer que a
251
Ibidem.
A atuação do Conselho de Saúde Pública da Província do Maranhão foi tamanha em 1850 que
praticamente todas as praias da capital estavam sobre vistoria dos agentes de saúde que retiravam animais
mortos e imundices que pudessem ser focos de miasmas pútridos. Cf. MARANHÃO, Presidência da
Província. Falla dirigida pelo Exm. presidente da Província do Maranhão, Honório Pereira de Azevedo
Coutinho, á Assembléa Legislativa Provincial, por occasião de sua installação no dia 7 de setembro de
1850. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1850, p. 13.
253
SENNET, Richard. Carne e Pedra: O corpo e a cidade na civilização ocidental. 3ª edição. Rio de
Janeiro: Editora Record, 2003, pp. 180-209.
254
MACHADO, Roberto. Op. Cit., 1978, pp. 155-156.
252
84
medicina instituída com viés na higiene foi, sobretudo, uma medicina preventiva. João
de Barros Barreto assim ratifica os argumentos da higiene preventiva.
Há, assim, a distinguir nitidamente, na esfera da ação da higiene: uma tarefa
de saneamento, ou seja, do cuidado conveniente com o ambiente; uma outra,
em que esse cuidado é com o organismo humano, para possibilitar-lhe o
funcionamento normal-tarefa propriamente da higiene, a se dizer assim
individual, mas que dentro do mesmo critério e com a mesma orientação,
ampara com cuidados especiais o homem nos diversos períodos etários da
sua vida, e, com estas normas estende os seus benefícios às coletividades- é a
chamada higiene pública; uma terceira tarefa é a da medicina preventiva, que
se propõe a reduzir ou a erradicar as doenças removendo ou modificando os
seus fatores etiológicos, agindo sobre elementos e condições que facilitam
sua ocorrência e expansão, ou ainda imprimindo alteração à suscetibilidade
individual graças a recursos e práticas que alicerçam e reforçam a resistência
255
orgânica.
De acordo com Vigarello o cuidar de si, já ajudaria em muito na superação de
muitas doenças perniciosas ao homem. A própria história da higiene corporal ilustra
bem essa realidade, lentamente foram sendo adicionadas as exigências higiênicas ao
cotidiano do ser humano. A limpeza passou a refletir o processo civilizador de uma
sociedade, as sensações corporais sobre sabores, odores e prazeres passaram a ser
moldadas gradativamente.256
Comportamentos foram aos poucos refinados, desencadeando sutilmente um
“polimento social”. Este polimento social é perceptível nas ações de isolamento social
por moléstias infecto-contagiosas. Leprosários e lazarentos eram locais com histórias
conhecidas na sociedade oitocentista, sua finalidade maior seria a garantia da
salubridade e purificação do espaço urbano, através da boa circulação do ar e da
comercialização de alimentos, por isso qualquer pessoa acometida por um mal
pernicioso ao homem e que fosse infecto-contagioso deveria ser isolado em lugares
como estes.
Em tese leprosários e lazarentos possuem a mesma função de isolamento, no
entanto suas estruturas são diferentes. Os leprosários eram locais de isolamento
destinados a pessoas acometidas por lepra257 (hanseníase), lazarentos ou casas de saúde
255
BARRETO, João de Barros. Tratado de Higiene: Saneamento e higiene. Rio de Janeiro, Volume I:
Imprensa Nacional do Rio de Janeiro, 1948, p. 12.
256
VIGARELLO, G. O limpo e o sujo: uma história da higiene corporal. São Paulo: Martins Fontes,
1996, pp.15-21.
257
A lepra ficou conhecida na história como mal de São Lázaro, a pessoa acometida por lepra também era
chamado de “morfético ou pestoso”. Cf. NASCIMENTO, Heleno Braz do. A lepra em Mato Grosso:
caminhos da segregação social e do isolamento hospitalar (1924 - 1941). 178f. Dissertação apresentada
ao programa de Pós-Graduação em História do Instituto de Ciências Humanas e Sociais da Universidade
Federal de Mato Grosso. Cuiabá-MT, abril de 2001, pp. 24-41.
85
do porto eram locais de isolamento destinados às tripulações acometidas pelas moléstias
pestilentas como a cólera morbus, a febre amarela e a peste. Para Fernando Bissaya
Barreto a lepra seria “sinônimo do mal” sujo e imundo, reminiscência do antigo mundo
medieval, ele situa a ocorrência e a disseminação da lepra nas camadas populares
portuguesas, sobretudo nas rurais, identificando o leprosário como um local de exclusão
social.258
Em São Luís o Hospital dos Lázaros259 foi edificado em um terreno concedido
pelo acórdão da câmara municipal em 23 de novembro de 1830. Em 1833 este local
começou a receber os morféticos, sendo desativado em 1869. O hospital estava sobresponsabilidade da Santa Casa de Misericórdia situado junto à necrópole do cemitério
do Gavião.260
Anterior ao leprosário, o primeiro lazarento da cidade de São Luís foi
construído em 1785 no Bonfim, para servir de local de isolamento para os pestosos261.
O vice-almirante Paulo José da Silva Gama por ofício de 15 de junho de 1813
recomendaria à câmara da capital que fizesse recolher ao lazarento do Bonfim todos os
bexiguentos a fim de se evitar-se uma possível epidemia variólica em São Luís.
Entre 1849 e 1850 circulava em todo o império notícias de uma violenta
epidemia de febre amarela, locais como Bahia, Rio de Janeiro, Pernambuco, Alagoas,
Paraíba e Pará sentiram a força mortífera do rastro deste flagelo. Ciente dos eventuais
problemas que estavam por vir, Eduardo Olímpio de Machado então presidente da
Província do Maranhão estabeleceu uma comissão de saúde composta pelos doutores
José Da Silva Maia, José Miguel Pereira Cardozo e Veríssimo dos Santos Caldas262. A
258
BARRETO, Fernando Bissaya. Acudamos aos leprosos: a lepra, o mal sujo e imundo dos antigos.
Coimbra, 1938, p. 4. Apud XAVIER, Sandra. Em diferentes escalas: a arquitetura do Hospital-Colônia
Rovisco Pais sob o olhar do médico Fernando Bissaya Barreto. História, Ciências, Saúde – Manguinhos,
Rio de Janeiro, v. 20, n. 3, jul.-set. 2013, pp. 983-1006.
259
O Hospital dos Lázaros era considerado na época como um cancro no seio da cidade de São Luís
constituindo um flagelo de semimortos. Em várias descrições da época era visto como a porta para o
inferno “Per me si va ne la città dolente, per me si va ne l’etterno dolore”. Após ser desativado o lugar
foi ocupado por gente pobre que por lá construíram algumas casa de taipa cobertas por palha. Cf.
MARQUES, César Augusto. Dicionário histórico–geográfico da Província do Maranhão. Rio de
Janeiro: Fon-Fon e Seleta, 1970, p. 608.
260
Id. Ibid., pp. 332-334.
261
Segundo Georges Duby a lepra era considerada como sinal distintivo do desvio sexual, nos corpos
desses infelizes reletia-se a podridão de seu pecado e alma. Duby também aponta que chamava-se de
lepra muitas doenças de erupções cutâneas da pele. Cf. DUBY, Georges. Ano 1000, ano 2000 na pista de
nossos medos. São Paulo: Editora UNESP, 1999, p. 81; a assertiva apontada por Georges Duby
assemelha-se as em muito ao isolamento praticado em São Luís no século XIX, pois até o ano de 1833
pessoas enfermas de qualquer natureza contagiosa eram isolados no lazarento do Bonfim.
262
Em 1850 o Dr. José Da Silva Maia ocupava o cargo de inspetor geral da polícia de saúde, José Miguel
Pereira Cardozo ocupava o cargo de comissário vacinador provincial, enquanto que Verissimo dos Santos
86
dita comissão entendeu que seria de bom grado estabelecer artigos de posturas contendo
medidas sanitárias, além da criação de um segundo lazarento localizado no igarapé do
Forte da Ponta da Areia, a fim fiscalizar as quarentenas de mar.263
Em 26 de março de 1850 o lazarento do Forte da Ponta da Areia264 foi
instituído, tendo como seu primeiro diretor Veríssimo dos Santos Caldas, que na época
também exercia o cargo de provedor da saúde. O lazarento do Forte da Ponta da Areia
teve ainda como seu diretor o Dr. Luiz Muniz Barreto. Este lazarento disponibilizava
duas enfermarias, uma destinada aos brancos e outra para as pessoas de cor, obedecia às
regras do regulamento dos portos brasileiros, que em tese prescrevia a aplicação de
rígidas medidas sanitárias no combate às moléstias consideradas pestilentas ao
homem265. O jornal o Publicador Maranhense de 20 de junho de 1855 retrata bem essa
realidade.
Embarcações que chegavam dos portos infectados retornavam rápido,
forneciam os mantimentos e não tinham comunicação com a população da
cidade, e se trouxessem algum doente, esse seria repassado para o hospital do
lazarento, afim de receber atendimento médico.266
O sexto capítulo do regulamento das medidas sanitárias aplicáveis aos portos
do Império do Brasil ratifica bem essa postura. Diz este capítulo que as medidas
aplicadas aos artigos 4° e 5° deste regulamento somente valeriam aos casos de moléstias
pestilenciais.
Art.20°. qualquer que seja a procedência do navio, quaisquer que forem os
dias que trouxer de viagem, se ella chegar com hum ou mais doentes afctados
de alguma das três moléstias pestilenciaes, se procederá a seu respeito pela
forma seguinte.
§1. As pessoas sãs, depois de desinfectadas a bordo pela maneira que for ahi
possível, serão desembarcadas ao lugar por ellas destinado, ou, se assim
entender a autoridade sanitária necessária para salvar a saúde pública, serão
Caldas ocupava o cargo de provedor da saúde. Cf. MARANHÃO, Presidência da Província. Falla
dirigida pelo Exm. presidente da Província do Maranhão, Honório Pereira de Azevedo Coutinho, á
Assembléa Legislativa Provincial, por occasião de sua installação no dia 7 de setembro de 1850.
Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1850, pp. 11-15.
263
Ibidem, p. 12.
264
Além de contar com um diretor geral, o lazarento do Forte da Ponta da Areia dispunha de um
empregado do correio, dois guardas da Alfandega, dois remadores e a força militar para executar as
ordens e medidas higiênicas aos navios em quarentena. Cf. MEIRELES, Mário M. Dez estudos
históricos. São Luís: Alumar, 1994; MARQUES, César Augusto. Dicionário histórico–geográfico da
Província do Maranhão. Rio de Janeiro: Fon-Fon e Seleta, 1970.
265
MARANHÃO, Presidência da Província. Falla dirigida pelo Exm. presidente da Província do
Maranhão, Honório Pereira de Azevedo Coutinho, á Assembléa Legislativa Provincial, por occasião de
sua installação no dia 7 de setembro de 1850. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J.
Ferreira, 1850, p. 12.
266
O PUBLICADOR MARANHENSE, 20 de junho de 1855. Parte Official. Rio de Janeiro. Medidas
sanitárias. Regimento sanitário dos portos do Império contra a importação de moléstias pestilenciaes, p.
01.
87
conservadas essas pessoas não afectadas a bordo do navio somente durante a
remoção deste para o lazarento;
§2. Toda roupa suja, da tripulação dos passageiros e dos colonos e em geral
todos os tecidos e substancias orgânicas absorventes de miasmas ou
susceptíveis de infecção, serão imersos em dissolução chloruleto; ou
fumigadas pelo chloro ou pelo gaz acido sulfuroso, aquelles que se podem
deteriorar pelos chloruletos, e por fim arejados. Este processo será feito
durante o transporte e remoção do navio ao lazarento, se for possível e
sempre antes do desembarcar pessoa alguma tenha que levar consigo taes
objectos.
§3. Chegando o navio ao ancoradouro do lazarento, serão todos os
passageiros e mesmos os marinheiros (desde que o capitão designar)
desembarcados; os sãos ocuparam os aposentos que lhes são destinados; ou a
juízo de autoridade depois de purificados regressarão ao próprio navio, no
caso que este tenha de vir completar sua descarga dentro do porto, e outro
seja o lugar destinado aos sãos em quarentenas de observação; os doentes
serão recebidos no hospital do lazarento.267
Na tentativa de impedir a importação da cólera morbus a São Luís, em 1855 o
governo provincial mandou construir mais dois lazarentos. O primeiro localizava-se na
Ponta da Guia, próximo ao antigo lazarento do Bonfim, o segundo foi construído na ilha
do medo. Estes dois lazarentos possuíam uma estrutura física bastante rústica, o
lazarento da Ponta da Guia era um grande galpão, dividido apenas por quatro
compartimentos de diferentes dimensões, sendo em um deles o pavimento revestido de
cimento e nos outros o assoalho e as paredes eram de tábua de pinho branco com
cobertura de pindoba (palha). O lazarento da ilha do medo era composto por duas casas
pequenas revestidas de tábuas de pinho branco e cobertas com pindoba, uma das casas
era destinada ao tratamento dos enfermos, a outra era destinada ao processo de
desinfecção, o lazarento ainda contava com um pequeno cemitério.268
Ao que tudo indica as regras impostas aos navios e embarcações atracadas
nestes lazarentos eram constantemente burladas. Em uma inspeção de vistoria aos
lazarentos os engenheiros Raymundo Teixeira Mendes, João Nunes Campos e o doutor
Sergio Mendes Ferreira membro da então comissão de higiene, atestam o estado
deplorável de funcionamento dos lazarentos:
1°. Que o estado das casas é péssimo não só pela falta de solidez na
construção, principalmente a casa destinada para o lazarento, que além de ser
coberto de palha, tem as paredes entaipadas de barro argiloso ou tabatinga,
amassado com agua do mar, tornando-se assim muito humidades pelas
quantidades de saes, que contem e absolvem a humidade da atmosphera e
mantem as paredes naqulle estado.
267
Ibidem, p. 02.
MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório que á Assembléa Legislativa Provincial da
Província do Maranhão appresentou ao Exm. Presidente da mesma Província, Antônio Candido da Cruz
Machado, Na Sessão de 09 de junho de 1856. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira,
1856, p. 15.
268
88
2°. O local não foi bem escolhido e não é o mesmo indicado pelos médicos
encarregados desta commissão. O terreno em que as casas foram construídas
é inclinado; ellas se acham na falda de um morro 10 a 20 braças da pancada
do mar; as aguas pluviais não tem fácil escoamento, inconveniente este que,
por meio de uma vala, ainda poderá ser removido;
3°. Os ventos açoitão para os matos do morro que fica por detraz do
lazarento, onde não chegão, de maneira que os miasmas que ordinariamente
existem nos hospitais permaneceram para sempre ou por muito tempo
naquelle lugar;
4°. A natureza chimica do solo pertence a formação do grão vermelho; as
casas assentão sobre uma camada de tabatinga cheia de pedras da mesma
composição, mas sobrecarregadas de oxidos de ferro; é humido e
inconsistente;
5°. Os commodos da casa destinados a enfermaria são nenhum; outra casa
construída para armazem das mercadorias, com quanto seja coberta de telha,
rebocada e caiada, podendo ainda servir em caso de necessidade, é acanhada
e não oferece as acommodações precisas para desenfardamento e desinfecção
das mercadorias;
6°. Não existe água corrente, e sim de poço, a qualidade della não é má, mas
é preciso filtra-la.
7°. O ancoradouro é com quanto de diffícil acesso pelo lado de N. E e do S.
O., dá em oito braças d’agua, fundo d’ areia encourando de dous a três navios
de 200 toneladas.269
Entre 10 e 21 de agosto de 1884 os mesmos problemas foram notificados pelo
Dr. José Eduardo Teixeira270, em seu parecer oficial prestado a comissão do Ministério
do Império, Teixeira ratifica que ambos os lazarentos não possuem qualquer condição
de funcionamento, pois não tinham estrutura física adequada para tal fim e também por
não haver fiscalização dos portos em ambos os lazarentos, por estarem geograficamente
mais distantes do centro urbano de São Luís.271
De acordo com o artigo 100 do Código de Posturas da cidade de São Luís de
1842, a pessoa que fosse acometida por varíola ou qualquer doença contagiosa deveria
269
MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório com que o vice-presidente Joaquim Teixeira
Vieira Beford, entregou a presidência da Província do Maranhão ao Ilum. e Exm. Shr. Commendador
Antônio Candido da Cruz Machado, Na Sessão de 21 de dezembro de 1855. Maranhão, impresso na Typ.
Constitucional de I.J. Ferreira, 1856, pp. 8-9.
270
O Dr. José Eduardo Teixeira era conselheiro do Império nos assuntos de saúde e saneamento. Após
seu parecer oficial sobre os lazarentos da cidade, ficou estabelecido que em 27 de setembro de 1855 o
lazarento localizado na Ponta da Guia passaria por reformas estruturais, sobre a quantia de 8. 500§000
rés, ecom a supervisão do engenheiro Manoel Jansen Pereira. Cf. O PAIZ, 28 de fevereiro de 1885. Falla
que o Exm. Sr. Dr. José Leandro de Godoy e Vasconcellos, Presidente da Província, dirigiu á Assembléa
Legislativa Provincial da Província do Maranhão por occasião da installação da 2° seção da 25°
legislatura em 24 de fevereiro de 1885.
271
O PAIZ, 28 de fevereiro de 1885. Governo da Província. Falla que o Exm. Sr. Dr. José Leandro de
Godoy e Vasconcellos, Presidente da Província, dirigiu á Assembléa Legislativa Provincial da Província
do Maranhão por occasião da installação da 2° seção da 25° legislatura em 24 de fevereiro de 1885, p.
01.
89
ser prontamente isolada e afastada com urgência para o hospital do Bonfim272, longe do
perímetro urbano da cidade a fim de evitar-se a contagiosidade da moléstia.
Toda a pessoa infectada de bexigas, qualquer que seja a sua condição, e
estado será obrigada a retirar-se para o Hospital do Bonfim, para ali se curar,
sob pena de trinta mil reis, e na reincidência sessenta mil reis, para o cofre da
Câmara, e 15 dias de prisão; sendo, todavia obrigado a retirar-se para aquelle
lugar a expenças suas entendendo-se o mesmo com as pessoas escravas por
quem seus senhores, ou administradores ficam responsáveis. Aquellas
pessoas, pois que seu estado de pobreza, e indigência se não possão
transportar para o dito Hospital, fica, todavia ao cuidado da Câmara
Municipal o concorrer grátis com toda a despesa, com o seu curativo, e
transporte, devendo fazer sciente à mesma Câmara por hum atestado do seu
respectivo Vigário, e na sua falta do Juiz de Paz do seu Districto a sua
pobreza, e que não tem meios alguns para se curar.273
Contudo, em todas as situações que a varíola confluente grassou em São Luís
no século XIX, a câmara municipal da cidade recorria sempre ao aluguel de um imóvel
para servir como hospital dos variolosos ou bexiguentos274. Por meio das fontes de
pesquisa utilizadas neste trabalho, sabe-se que este hospital localizava-se geralmente na
Rua de Santa Rita, o mesmo não dispunha de boa estrutura física para o socorro dos
variolosos.
O pequeno hospital da Rua de Santa Rita era destinado aos socorros dos
variolosos, sua clientela era composta por os negros e indigentes, que sem sombra de
dúvidas eram as vitimas mais frequentes da varíola. Este hospital contava com o auxílio
de três médicos responsáveis pelos cuidados dos enfermos, um enfermeiro, um
cozinheiro, além de uma comissão destinada a promover os socorros públicos. Vale a
pena ressaltar que tanto no lazarento da Ponta da Areia, quanto no hospital dos
variolosos havia uma separação de atendimento entre as pessoas brancas e as pessoas de
cor. Essa característica de separação social dos corpos até mesmo no momento da dor e
sofrimento revela os reflexos de exclusão da sociedade oitocentista.
Para Foucault a medicina e a higiene não teriam por objeto apenas o estudo e
combate às doenças, elas apresentavam fortes relações com a organização social.
272
A carta de Lei de 20 de outubro de 1823 informava que havia muitos morféticos por andarem no
perímetro urbano da cidade, a partir disso foi estabelecido a criação de um pequeno hospital no Bonfim,
consignado pelos rendimentos da Província. Cf. MARQUES, César Augusto. Dicionário históricogeográfico da Província do Maranhão. Rio de Janeiro: Fon-Fon e Seleta, 1970, p. 608.
273
MARANHÃO. Edital da Câmara Municipal de São Luís. Maranhão, Re-impresão na Typographia da
Temperança. Anno, 1842, p. 16.
274
Este hospital era temporário e também era chamado de enfermaria dos bexiguentos. Cf.
MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório que á Assembléa Legislativa Provincial da Província
do Maranhão appresentou ao Exm. Presidente da mesma Província, Eduardo Olímpio Machado, Na
Sessão de 05 de maio de 1855. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1856.
90
Foucault, conclui que a medicina e a higiene foram usadas no processo de
“medicalização da sociedade”, a qual se caracteriza, sobretudo pelo esquadrinhamento
do espaço social reprimindo as condutas e comportamentos275. João de Barros Barreto
tem opinião semelhante, segundo ele o isolamento utilizado durante o século XIX,
possuía um caráter estreitamente excludente, ou melhor, promovia a separação citadina
dos corpos pela hierarquização social.
No seu propósito de proteger e melhorar a saúde, a higiene compendia e
aproveita fatos doutrinários e ensinamentos práticos colhidos em vários
campos dos conhecimentos humanos. E aprimorando esses ensinamentos,
cuida de sanear o ambiente em que vive o homem, cuida de favorecer na sua
plenitude o ótimo funcionamento do organismo, ajustando-o ao meio, cuida
de impedir e combater as doenças que trazem estorvo a esse perfeito
funcionamento; e assim se esforça por manter íntegra, a saúde, elevar o
padrão de bem estar, prolongar a duração da vida e aprimorar a raça, mesmo
276
que seja pelo isolamento.
Gilberto Freyre foi um dos pioneiros nas análises dos tipos físico-biológicos
dos escravos representados nos anúncios de fuga e venda nos jornais e periódicos
brasileiros no século XIX, expõe de maneira original os aspectos depreciativos que
emergiam aos olhos da sociedade oitocentista em relação aos negros. Freyre sintetiza
que frases como “escravos rendidos, quebrados, cheios de bicho-de-pé, efeitos de
raquitismo, erisipela, escorbuto, bexiguentos, sífilis e oftalmia” e tantas outras eram
cunhadas e relacionadas aos negros.277
Lílian Mortiz Shwartz em Retrato em branco e negro percebe a mesma ação
pejorativa. Segundo Shwartz os jornais paulistas do século XIX retratam toda a
hierarquização social e as representações negativas sobrepostas no corpo negro e como
este foi interpolado como a própria doença em instância de degeneração. A análise
critica da autora ajuda a entender como operava a mentalidade de boa parte da elite
brasileira durante o século XIX e o processo de mestiçagem, pois, se ocorresse infecção
por doença venérea ou degeneração dos corpos, a medicina preventiva pairava para
proteger a raça e quando falha a persuasão, age drasticamente proibindo até o casamento
com pessoas de cor, segregando a pessoa em pleno período de sua capacidade
275
FOUCAULT, Michel. O nascimento da medicina social. In. Microfísica do Poder. 25ª ed., São Paulo:
Graal, 2012, p. 154.
276
BARRETO, João de Barros. Op. Cit., 1948, p. 17.
277
FREYRE, O escravo nos anúncios de jornais brasileiros do século XIX, São Paulo: Companhia
Editora Nacional, 1979, p. 39.
91
produtiva, fazendo-lhes às vezes até a esterilização, a este campo recorre à medicina
preventiva baseada na higiene social.278
Sidney Chalhoub argumenta que durante a segunda metade do século XIX,
surgiu no Rio de Janeiro as explicações higienistas que alimentavam acima de tudo a
representação política e social da separação dos corpos e das “classes perigosas”,
interpolando os negros e as classes subalternas como verdadeiras fontes do contágio e
da infecção de moléstias perniciosas.279
Josenildo de Jesus Pereira percebe a mesma estratégia de depreciação do corpo
negro nos jornais abolicionistas do século XIX. De acordo com ele a imprensa
abolicionista retratava o negro como uma espécie de cancro mole, um verdadeiro câncer
na sociedade que deveria ser amputado. A respeito do aspecto depreciativo do corpo
negro, Josenildo Pereira destaca a fala do jornalista Themístoceles Aranha: “o mal é
crônico e só como a doença crônica devia ser tratada”.280
A mesma situação é percebida em 04 de maio de 1851 quando o Conselho de
Saúde Pública da Província do Maranhão sugeriu uma postura de separação entre
brancos e negros, a justificativa usada pelo Conselho de Saúde Pública para tal postura,
seria que os negros eram em grande número na capital e a maior parte deles circulava
com roupas imundas e com chagas nas pernas.
Lembro a vossa segurança que seria bom organizarem a semelhante respeito
uma postura, visto como as roupas imundas, o calor do corpo e o mau cheiro
das chagas necessariamente hão de produzir exalações fétidas que devem
causar grande prejuízo às pessoas que de perto comunicar-se com os feridos
indivíduos e até aos que de passagem o encontrarem.281
Por este exemplo, nota-se que parte da sociedade oitocentista via os negros
como “incorrigíveis”, proibindo que estes circulassem em determinados locais.
278
SHWARTZ, Lilia Moritz. Retrato em branco e negro: jornais, escravos e cidadãos em São Paulo no
fim do século XIX. São Paulo: Companhia das Letras, 1987, pp.111-113.
279
CHALHOUB, Sidney. Op.Cit., 2006, p. 29.
280
PEREIRA, Josenildo de Jesus. “Vão se os anéis e ficam os dedos”: Escravidão, cotidiano e ideias
abolicionistas no Maranhão do século XIX. In. GALVES, Marcelo Cheche, COSTA, Yuri (Orgs.). O
Maranhão oitocentista. Imperatriz: Ética / São Luís: Editora UEMA, 2009, p. 253.
281
O PUBLICADOR MARANHENSE, 09 de maio de 1851, Parte Official, Governo Central, p. 03.
92
3.4 Da Repartição da Vacina na Província do Maranhão
Em 1802, o conde de Anadia, ministro da Secretaria de Estado dos Negócios
da Marinha e Domínios Ultramarinos, recomendou ao vice-rei do Brasil e aos
governadores das capitanias a propagação da vacina jenneriana, a mesma foi introduzida
na colônia em 1804282. Existe um impasse em relação à data correta da introdução da
vacina jenneriana no Brasil, diferentes autores sugerem datas distintas, por exemplo,
Tania Maria Fernandes e Sidney Chalhoub consideram que esta foi introduzida em
1804, José Vieira Fazenda sugere que a vacina foi introduzida um ano antes em 1803,
José Murilo de Carvalho considera que as primeiras experiências com o método
jenneriano ocorreram em 1801 no Rio de Janeiro.283
Em termos de Maranhão, César Marques aponta que os primeiros registros da
vacina jenneriana no Maranhão são datados de 17 de janeiro de 1805, quando D.
Antônio de Saldanha da Gama governador da Capitania do Maranhão recomendou à
corte portuguesa a introdução da vacina no Maranhão já que as bexigas estavam por
fazer estragos no Maranhão. Em 27 de fevereiro de 1805, D. Antônio de Saldanha da
Gama reforçou o pedido a corte, prevenindo para que a mesma lhe envia-se linfa
vacínica de qualidade da Inglaterra.284
Em 24 de abril de 1805 o governo da Capitania da Bahia, obedecendo ao ofício
de 10 de novembro de 1804 expedido pela Secretaria de Estado dos Negócios da
Marinha e Domínios Ultramarinos, enviou ao Maranhão Francisco da Cunha Meneses
com a missão de propagar a vacina na região. As notícias das primeiras inoculações da
vacina no Maranhão são datadas de 24 de junho de 1805, quando o fluido vacínico foi
aplicado em alguns escravos vindos do brigue Tibério.285
Ilmo. Exmo. Sr. – Por ocasião de virem de Lisboa no navio Bom Despacho
07 negrinhos daqui mandados para conduzir o humor da vacínico a esta
282
FERNANDES, Tania Maria. Vacina Antivariólica: ciência, técnica e o poder dos homens. Rio de
Janeiro: Editora Fiocruz, 1999, pp. 44-45.
283
Sobre a introdução da vacina jenneriana no Brasil, Cf. FERNANDES, Tania Maria. Vacina
Antivariólica: ciência, técnica e o poder dos homens. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 1999;
CHALHOUB, Sidney. Cidade febril: cortiços e epidemias na corte imperial. Rio de Janeiro: Companhia
das Letras, 2006; FAZENDA, José Vieira, Antiqualhas e memórias do Rio de Janeiro. 1998;
CARVALHO, José Murillo de. Os bestializados: o Rio de Janeiro e a República que não foi. São Paulo:
Companhia das Letras, 1987; ARAÚJO, Carlos da Silva. “A imunização antivariólica no Brasil colonial
e nos primórdios da sociedade de medicina (1830)”, futura academia imperial. Rio de Janeiro: Editorial
R. Continental, 1979; FILHO, Lycurgo Santos. História geral da medicina brasileira. Volume 2. São
Paulo: Hucitec/EDUSP, 1991.
284
MARQUES, César Augusto. Op. Cit., 1970, p. 885.
285
Id. Ibid.
93
cidade, afim de se poder adotar aqui o método da vacinação como o único
preservativo das bexigas; recebi um ofício expedido pela Secretaria de Estado
dos Negócios da Marinha e Domínios Ultramarinos em data de 10 de
novembro do ano passado, em qual o Príncipe Regente de nosso Senhor é
servido determina-me promova com todas as forças da persuasão o uso deste
específico nesta capitania, e procure com toda a diligência introduzir nas
mais do Brasil, pelo que, Matias Antônio Álvares, mestre do brigue Tibério,
que presentemente segue para essa capitania, remeto a V. Exa o referido
humor guardado em vidros. “Como”, porém talvez não produza por este
modo conduzido o seu desejado efetivo, e no mesmo brigue se transportam
vários escravos que ainda não tiveram bexigas, persuadi ao sobredito mestre
a que viesse assistir à vacinação que ontem se fez na minha presença, para se
adestrar no modo de se ir vacinando sucessivamente durante a viagem alguns
dos ditos escravos com o fim de que se consiga chegar desta maneira a esta
cidade a vacina em todo o seu vigor. Deus guarde a V. Exa. Bahia, 27 de
abril de 1805. Sr. Antônio de Saldanha da Gama / Francisco da Cunha
Maneses.286
Não satisfeito com essas medidas em 07 de agosto de 1805 Antônio de
Saldanha da Gama pediu para João Lourenço Marques cirurgião-mor propagar a vacina
em todo o território do Maranhão. Os esforços para a introdução da vacina em solo
maranhense enfim eram conquistados. Em ofício de 07 de novembro de 1805, Antônio
de Saldanha da Gama presta homenagens ao governo da Bahia pelos bons resultados
que a vacina obteve em seus primeiros inoculados.
Cheio de maior gosto participou a chegada da vacina da Bahia a esta
capitania, havendo os efeitos dela correspondido à sua expectativa, e dos
habitantes que a esperavam com ânsia incrível e tinham esperança de ver
anualmente diminuir o número de mortos por bexigas, até que de uma vez se
extinguisse este avassalador mal.287
Rapidamente a vacina foi transposta para o interior da Capitania do Maranhão,
Cesar Marques aponta que o ofício de 20 de novembro de 1805 ratifica a vacinação em
Alcântara e Guimarães por dois cirurgiões. Entretanto, ao que parece a linfa vacínica
aplicado junto à população local não era de boa qualidade ou pelo menos não fora
inoculado da maneira apropriada, tanto que o próprio Antônio de Saldanha da Gama em
ofício de 20 de dezembro de 1805 assim reportava-se:
Participou vários casos que tinham derramado a desconfiança contra a
vacina, e que o povo estava desanimado vendo serem atacados por bexigas e
até morrerem pessoas vacinadas e confessou que ele também estava da
mesma maneira a ponto de aconselhar o povo que não continuasse a vacinarse.288
286
Id. Ibid., p. 886.
Id. Ibid.
288
Id. Ibid.
287
94
Mesmo com a reprovação de parte da população, a vacina jenneriana continuou
a ser propagada na então Capitania do Maranhão. Em 11 de agosto de 1806 o
governador da Capitania do Maranhão D. Francisco de Melo Manuel da Câmara
participou ter recebido o aviso de n° 14 de 29 de março de 1806, o qual dizia ter
recebido quarenta exemplares do papel escritos pelo governo e capitão-general da Índia
e físico-mor daquele país sobre as observações e a maneira correta de inocular-se as
pessoas com a vacina.289
Pelo decreto de 04 de abril de 1811, sob a inspeção do físico-mor e
do intendente-geral da polícia, é criada a Junta da Instituição Vacínica da Corte, esta
tinha por atribuição a propagação da vacina antivariólica. Em 04 de dezembro de 1811
estabeleceu-se um novo decreto290, este prescrevia as gratificações dos empregados da
Junta Vacínica291. A Junta Vacínica da Corte funcionava no Rio de Janeiro, no entanto
havia diversas repartições espalhadas pelas províncias.292
Pelo aviso de 24 de dezembro de 1819 em 12 de fevereiro de 1820 foi
estabelecida em São Luís e por toda a Capitania uma Repartição da Vacina, o Dr. José
Antônio Soares de Sousa foi nomeado vacinador e inspetor da vacina293. Faziam parte
da Repartição da Vacina do Maranhão um escrivão com vencimentos de 8$000 réis
mensais, um porteiro com vencimentos de 6$000 réis mensais, um servente com igual
valor e alguns cirurgiões encarregados de promover a vacina pelo interior da Capitania
do Maranhão.294
Em 28 de março de 1821 a câmara municipal relata à corte portuguesa os
primeiros resultados satisfatórios alcançados pela vacina oferecida em escala no
Maranhão.
289
Id. Ibid.
O decreto de 04 de dezembro de 1811 foi publicado na Coleção das leis do Brasil, encontrando-se sob
a forma de documentação manuscrita no acervo do Arquivo Nacional. Para inspetor geral da Junta foi
nomeado Teodoro Ferreira de Aguiar, cirurgião-mor do Exército e médico da Real Câmara, além do
escrivão Bernardo Francisco Monteiro e de três vacinadores: Francisco Bonifácio, Hércules Octaviano
Musi e Florêncio Antônio Barreto. Este documento informa, ainda, que pelo decreto de 14 de abril de
1821 foi nomeado inspetor Joaquim da Rocha Mazarem, no lugar de Teodoro Ferreira de Aguiar, que
acompanhou d. João VI em sua volta a Lisboa. Cf. FERNANDES, Tania Maria. Vacina Antivariólica:
ciência, técnica e o poder dos homens. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 1999.
291
FERNANDES, Tania Maria. Op. Cit., 1999, p. 45.
292
Id. Ibid., p. 45.
293
O Dr. José Antônio Soares de Sousa não recebia nenhuma gratificação pelos seus serviços, pois o
mesmo se ofereceu gratuitamente para este serviço. José Antônio Soares de Sousa ocupou o cargo de
inspetor da vacina durante os anos de 1820 a 1837. Cf. MARQUES, César Augusto. Dicionário
histórico–geográfico da Província do Maranhão. Rio de Janeiro: Fon-Fon e Seleta, 1970, pp. 885-887.
294
MARQUES, César Augusto. Op. Cit., 1970, p. 886.
290
95
Havendo a moléstia das bexigas assolando e desbastando tanto esta cidade
como as vilas e lugares mais florescentes da Capitania, hoje tinha diminuído
este flagelo pelo prestantíssimo remédio da vacina, que o previdente governo
tinha mandado liberalizar até pelos lugares mais remotos de sua jurisdição,
enviando hábeis cirurgiões e aniquilando desta forma a enfermidade pela
descoberta que mais honrava o gênio do homem.295
Em 1827 a câmara municipal de São Luís regulamentou o serviço de vacinação
da Repartição da Vacina no Maranhão, e em conformidade com o Art. 69 da Lei de 01
de outubro de 1828, a vacina antivariólica passa a ser prática constante nos assuntos
profiláticos da Província do Maranhão296. O Código de Posturas de 1832 da cidade do
Rio de Janeiro foi quem estabeleceu pela primeira vez no Brasil a obrigatoriedade da
vacina, promovendo multa para aqueles que inflingissem sua autoridade.297
Toda pessoa do termo da cidade do Rio de Janeiro que tiver a seu cargo a
educação de uma criança de qualquer cor que seja, será obrigada a mandá-la
à casa da vacina para ser vacinada, até pagar ou fazê-la vacinar em casa,
podendo-o dentro de três meses de seu nascimento, e de um, depois que tiver
a seu cargo, passado desta idade e estando com saúde para receber o remédio.
Os que se acharem em contravenção serão multados em 6$000 réis. As
criadeiras encarregadas da criação dos expostos são também compreendidas
nesta disposição, levando-os ao depósito da Santa Casa para este fim.298
Em 1834 foi aprovada uma postura municipal semelhante em São Luís
tornando a vacina obrigatória, de acordo com Cesar Marques o livro mais antigo da
Repartição da Vacina ressalta em sua primeira página um edital datado de 27 de
fevereiro de 1834, neste o vereador da câmara municipal Raimundo Nunes Cascaes, nas
forças do inspetor da vacina, fez saber ao público a obrigatoriedade da vacina por
postura proposta pela câmara e aprovada pelo presidente da Província.
Todo chefe de família deve enviar seus filhos, fâmulos e escravos para se
vacinarem logo que fossem avisados pelo agente da repartição da vacina ou
pelos juízes de paz, sendo na falta multados pela primeira vez em 4$000 réis,
e na reincidência 8$000 réis para as despesas da câmara.299
Esta mesma postura foi novamente regulamentada em 17 de agosto de 1846
como a obrigatoriedade da vacina para todas as pessoas do império300, porém
prescrevia-se por regra que a vacina fosse aplicada na infância, por isso as multas na
295
Id. Ibid.
MARANHÃO, Edital da Câmara Municipal de São Luís. Maranhão, Re-impresão. Typographia da
Temperança. Anno, 1842, p. 14.
297
SIGAUD, Jean François Xavier. Op. Cit., 2009, p. 370.
298
FERNANDES, Tania Maria. Op. Cit., 1999, p. 47.
299
MARQUES, César Augusto. Op. Cit., 1970, p. 886.
300
O PUBLICADOR MARANHENSE, 28 de setembro de 1847. Parte Official, Governo da Província,
p. 01.
296
96
maioria das vezes eram aplicadas em sua maioria aos chefes de família, àqueles que por
ventura fossem contra a vacinação em seus filhos deveriam pagar multa de 5$000 réis,
caso fosse residente a multa a ser pagar seria o dobro do valor inicial, como explica
Meirelles: “[…] sujeitando os chefes de famílias que não a cumprissem, a uma multa de,
que seria cobrada no dobro em caso de reincidência”.301
Segundo Raimundo Palhano a obrigatoriedade da vacina antivariólica em São
Luís em 1834 foi falha, pois o serviço de vacinação só funcionava uma vez por
semana302. De fato, o uso da vacina como instrumento profilático era desacreditado, sua
propagação era muito tímida no seio da população. Apenas por meio de ofícios e
publicações específicas a vacina era requisitada em tempos epidêmicos e ainda assim
com grandes fracassos. A crescente no valor das multas sobre a vacinação revela isto.
Ao longo dos anos as posturas da obrigatoriedade da vacina303 ficaram mais rígidas em
São Luís, passando a multa de 4$000 réis para 5$000 réis e por fim 6$000 réis.
N° 01 – Todos os chefes de família e mais pessoas, que recusarem mandar
seus filhos, fâmulos ou escravos para se vaccinarem, quanto para isso sejam
avizados pelo agente da repartição da vacina ou pelos juízes de paz, serão
multados pela primeira vez em quatro mil réis para as despesas da câmara, e
na reincidência em oito mil réis.
Postura 103. Toda a pessoa, depois de vacinada será obrigada a comparecer
na sessão seguinte da vacina na repartição competente, ainda que para isso
não seja avisada, para se verificar se ella produzio, ou não efeito; sob pena de
pagar a multa de cinco mil réis pela primeira vez, e na reincidência de dez
mil réis e cinco dias de prisão, se a pessoa for de menor de idade, seu pai, ou
quem por ella responda, e se for escravo o seu senhor ou administrador.
Maranhão, 29 de agosto de 1865. Dr. Cesar augusto Marques, comissário
vaccinador provincial.304
Entre 1820 a 1835 a Repartição da Vacina funcionava na Casa dos Expostos, a
mesma oferecia os serviços de vacinação apenas uma vez durante a semana, geralmente
aos sábados ou domingos das 07 às 09 horas da manhã. Por ordem da câmara municipal
de São Luís, em 15 de outubro de 1835 os serviços da vacinação passaram a ser
ministrados duas vezes na semana já que o flagelo das bexigas estava por se
desenvolver na capital. Em 17 de dezembro do mesmo ano a câmara municipal teve que
301
MEIRELES, Mário M. Op. Cit., 1994, p. 224.
PALHANO, Raimundo N. A produção da coisa pública, serviços públicos e cidadania na primeira
República: a realidade loduvicense. São Luís: IPES, 1988, p. 150.
303
A variação entre as multas foram extraídas de acordo com os números apresentados pelo jornal “O
Publicador Maranhense” entre 1855 a 1883.
304
O PUBLICADOR MARANHENSE, 11 de julho de 1854. Parte Official, Governo da Província, p. 02.
302
97
nomear um médico auxiliar para dar conta dos serviços de vacinação na capital, já que o
vacinador local não supria a demanda da população.305
Em 1837 após a morte do Dr. Soares, o cirurgião-mor Veríssimo dos Santos
Caldas foi nomeado para o cargo de vacinador e inspetor da vacina, este recebia
anualmente a quantia de 150$000 contos de réis pelos seus serviços, neste mesmo ano
Raimundo Nonato Nunes foi nomeado para a função de escrivão recebendo anualmente
200$000 contos de réis. O porteiro Joaquim Raimundo de Moraes e Santos recebia os
mesmo 200$000 contos de réis306. Ainda assim, mesmo com essas gratificações o
serviço de vacinação parecia capengar, tanto que em 02 de março de 1839 a câmara
municipal decidiu que os serviços da vacinação deveriam ser realizados na própria
câmara municipal a fim de se estabelecer maior controle sobre o mesmo.307
Em 1846 a Junta Vacínica da Corte é reestruturada pelo Ministério do Império
que se valendo do § 30 do artigo 2° da lei de n° 369 de 18 de setembro de 1845, baixou
o decreto de n° 466, de 17 de agosto de 1846 decretando a criação do Instituto Vacínico
do Império308 e extinguindo o cargo de inspetor da vacina em seu lugar é criado o cargo
de comissário vacinador provincial cabendo a este fiscalizar a aplicação da linfa
vacínica, emitir relatórios e mapas trimestrais e anuais sobre as estatísticas das pessoas
vacinados e não vacinados, sendo que em cada mapa de vacinação deveria constar o
nome, o sexo, a idade, a naturalidade, a filiação e a condição de cada pessoa vacinada.
O decreto de n° 466, de 17 de agosto de 1846 também prescrevia a criação dos
cargos de comissário vacinador municipal e paroquial, os quais tinham as mesmas
obrigações do comissário vacinador provincial, porém estes atuariam no interior das
províncias não havendo obrigatoriedade de pagamentos ou gratificações pelos seus
serviços309. Para o cargo de comissário vacinador provincial foi designado o Dr. José
Miguel Pereira Cardoso, o qual foi nomeado em 01 de junho de 1847, exercendo esta
função até 28 de julho de 1865, data de seu falecimento. No dia seguinte foi nomeado
305
MARQUES, César Augusto. Op. Cit., 1970, p. 887.
Id. Ibid., p. 887.
307
Id. Ibid.
308
O Instituto Vacínico do Império sofreu importantes alterações ao longo da segunda metade do século
XIX, até sua extinção em 1886, quando a vacinação passou a ser pauta da Inspetoria Geral de Higiene.
Cf. FERNANDES, Tânia Maria. Vacina Antivariólica: ciência, técnica e o poder dos homens. Rio de
Janeiro: Editora Fiocruz, 1999, pp. 50-55.
309
MARQUES, César Augusto. Op. Cit., 1970, p. 887.
306
98
para este cargo o Dr. Cesar Augusto Marques que entrou em exercício de função em 01
de agosto de 1865.310
O decreto imperial de 14 de setembro de 1850 que estabeleceu as normas e
institucionalização da Junta Central de Higiene Pública, também representou um passo
decisivo no emprego da vacina jenneriana nas províncias do Brasil, a criação da Junta
Central de Higiene Pública reitera quão eram engenhosos os serviços de vacinação na
corte311. O Código de Postura da cidade de São Luís de 1865 reconhecia a necessidade
de um inspetor da vacina, sendo este cargo criado novamente pelos artigos 180, 181 e
182 do referido código, este receberia anualmente 200$000 contos de réis enquanto que
o comissário vacinador provincial receberia 400$000 contos de réis.312
Quanto aos serviços de vacinação, sabe-se que a Repartição da Vacina do
Maranhão oferecia esporadicamente a linfa vacínica à população de São Luís, pois a
mesma dependia da importação ou do Instituto Vacínico do Império localizado no Rio
de Janeiro, ou importada diretamente da Inglaterra ou da Holanda, em ambas as
situações geralmente a vacina recebida era de péssima qualidade, pois a mesma era
distribuída em tubos de vidros ou em tubos capilares e mal acondicionada aos longos
dias de transporte.
Em São Luís a vacinação era realizada na câmara municipal desde 1839,
geralmente aos sábados e domingos das 07 às 09 horas da manhã, porém em épocas de
epidemias realizava-se a vacinação na própria residência do comissário vacinador, ou
nas residências das pessoas. Pelos relatórios emitidos pelos presidentes da Província do
Maranhão, sabe-se que a Província do Maranhão contava com 23 comissários
vacinadores em 1847, em 1850 este número sobe para 30, decresce para 28 em 1854,
em 1856 o número aumenta para 34, chegando a totalizar 43 comissários vacinadores
em 1863. O aumento proporcional no número de comissários vacinadores ratifica a
hipótese que mesmo diante de tamanhas dificuldades as autoridades locais
identificavam a vacina antivariólica como o principal contraceptivo da época contra a
varíola.
A aplicação da vacina era feita pelo vacinador local em duas fases, a primeira
era chamada de vacinação com aplicação do fluído vacínico no braço da pessoa, a
segunda deveria ser feita oito dias após a primeira inoculação, era chamada de
310
Id. Ibid.
O PUBLICADOR MARANHENSE, 08 de outubro 1850. Parte Official, Governo Central, p. 02.
312
MARQUES, César Augusto. Op. Cit., 1970, p. 887.
311
99
revacinação ou reforço. Porém sabia-se que para a vacina ser boa ou pelo menos regular
no indivíduo inoculado, este deveria comparecer às duas seções de vacinação, caso
contrário a vacina perderia seus efeitos de imunidade.
3.5 A febre amarela e a cólera morbus na reconfiguração da política sanitária da
Província do Maranhão
Durante a primeira metade do século XIX, o Brasil ficou isento de ataques
mortíferos proporcionados por epidemias, apenas se viu alguns casos pontuais da
varíola, sarampo, gripe, disenterias, e das febres intermitentes e catarrais. Na própria
história das epidemias reinantes no Brasil os documentos inscritos nas obras dos
primeiros exploradores assinalam o bom estado da colônia, mesmo em tempos
epidêmicos. José Pereira Rego louvava os bons ares que respirava o Brasil por não
sofrer assaltos da febre amarela e da cólera morbus.313
José Francisco Xavier Sigaud, por exemplo, afirma categoricamente em 1844
que “não havia nenhum exemplo de desenvolvimento do vômito preto no hemisfério
austral” 314. O mesmo Sigaud nos da outro exemplo anterior a 1844, segundo ele não há
registro de moléstias pestilenta ou perniciosa em solo brasileiro anterior a 1832.
Entre a linha do Equador e o trópico em Pernambuco e Bahia, vós não
encontrais nenhum indício desses flagelos contagiosos da América do Norte,
a febre amarela, o vômito negro, os quais precisam desenvolver condições
análogas de clima e as continuadas continuações do comércio. Debaixo do
trópico sul apresentam-se as febres intermitentes perniciosas, e acompanha ao
longe os grandes rios São Francisco, doce e Paraíba, assim como os pequenos
rios menos rápidos que se lançam na baía do Rio de Janeiro. O litoral do mar
até os areais do Rio Grande do Norte, desde Campos até além de Santa
Catarina, é cercado por uma cinta de febres intermitentes e Paranaguá,
reclama por sua parte, a disenteria como afecção característica. No centro e
para o sul, o antraz no Rio Grande, o papo em São Paulo e a elefantíase em
Minas formam um triunvirato endêmico e que não pode escapar o vosso
espírito de observação.315
A relativamente tranquilidade do Brasil em relação às doenças pestilentas
durante a primeira metade do século XIX ocorreu em certa medida graças à proibição da
metrópole portuguesa impedindo a entrada de navios estrangeiros nos portos brasileiros.
Entretanto os navios portugueses navegavam por muito tempo de Macau ao Rio de
313
REGO, José Pereira Rego. História e descrição da febre amarela epidêmica que grassou no Rio de
Janeiro em 1850. Rio de Janeiro, Typographia de F. de Paula Brito, 1851, pp. 5-6.
314
SIGAUD, Jean François Xavier. Op. Cit., 2009, p. 257.
315
Id. Ibid., p. 20.
100
Janeiro à Bahia, passando pelos portos da Índia, onde a cólera reinava de forma
pandêmica, e desde 1807 os navios norte-americanos eram bem vindos ao Brasil sem
uma vistoria sanitária bem realizada.316
Essa circunstancia possibilitou a entrada da febre amarela em 1851 no porto de
São Luís, fazendo com que a cidade fosse assolada pelo ataque mortífero de febre
amarela317. O crescimento da moléstia sobre a população foi tão grande, que deliberou
pontuais dúvidas sobre as medidas higiênicas tomadas pela Junta de Hygiene e pelo
Conselho de Saúde Pública principalmente no controle da entrada e da saída de
embarcações estrangeiras ao porto da capital. Os meses de março e julho do respectivo
ano foram sumariamente alarmantes para a população local, tendo em vista que a febre
amarela nunca antes havia ceifado tantas vidas no Maranhão com tamanha intensidade.
As proporções tomadas pela epidemia da febre amarela foram tão eloquentes
que no intervalo do mês de maio de 1851, a moléstia chegou a vitimar 230 pessoas,
superando com facilidade o índice de 90 óbitos por mês, considerado normal para a
mortalidade ordinária dos meses de 1850318. De acordo com o movimento dos
cemitérios da Misericórdia, dos Passos e dos Ingleses chega-se a uma extraordinária
soma de 730 óbitos em São Luís por febre amarela entre os meses de março e julho de
1851. Desse total, 235 vítimas eram da faixa etária de 19 a 11 anos de idade, 71 vítimas
eram da faixa etária de 10 a 01 ano de idade, 288 vítimas variavam de 20 anos a 50 anos
de idade, e 136 vítimas tinham de 50 anos de idade para cima.319
Os dados impressionam, até porque a febre amarela não era uma doença
recorrente no Maranhão, tanto que não há registros epidêmicos da mesma antes de
1851, é provável que o surto que aconteceu neste ano tenha sido o primeiro de natureza
316
Em relação às rotas comerciais marítimas entre Brasil, Portugal e outras nações, Cf. ALENCASTRO,
L.F. O trato dos viventes. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
317
Durante o século XVIII e XIX a febre amarela também era conhecida como o vômito negro, e a partir
da segunda metade do século XIX ela passou a ser considerada a principal moléstia a ser combatida no
Brasil, tendo em vista que sua ocorrência se dava principalmente entre os estrangeiros. Cf. REGO, José
Pereira Rego. História e descrição da febre amarela epidêmica que grassou no Rio de Janeiro em 1850.
Rio de Janeiro, Typographia de F. de Paula Brito, 1851; CHERNOVICZ, Pedro Luís Napoleão.
Dicionário de medicina popular. Volume 2. Paris: A. Roger & F. Chernovcz, 1890; FRANCO, Odair.
História da febre amarela no Brasil. Rio de Janeiro, 1969.
318
MARANHÃO, Presidência da Província. Falla que o Exm. Dr. Eduardo Olímpio de Machado,
Presidente da Província, dirigiu á Assembléa Legislativa Provincial da Província do Maranhão por
occasião de sua installação no dia 07 de setembro de 1851. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional
de I.J. Ferreira, 1851, p. 51.
319
Ibidem.
101
mortífera da doença no Maranhão. A tabela abaixo demostra o quão foi esmagadora a
proporção dos estragos feitos pela febre amarela no ano de 1851.
Quadro 01. Total de vitimas pela febre amarela em 1851.
Cemitérios
Misericórdia
Passos
Ingleses
Total
Em março
103
07
01
111
Em abril
118
09
0
157
Em maio
201
20
06
230
Em junho
110
13
10
133
Em julho
82
06
11
99
Soma total
730
Fonte: MARANHÃO, Presidência da Província. Falla que o Exm. Dr. Eduardo Olímpio de Machado,
presidente da Província, dirigiu á Assembléa Legislativa Provincial da Província do Maranhão por
occasião de sua installação no dia 07 de setembro de 1851. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional
de I.J. Ferreira, 1851, p. 52.
As criticas que recaíram sobre os ombros do Conselho de Saúde Pública da
Província do Maranhão somam-se a sua incapacidade de conter o aparecimento e
proliferação da moléstia, mesmo já sabendo que esta, estava por circunvizinhar em
outros portos do Brasil.
Com o cessar gradativo da epidemia durante o mês de agosto, ainda assim o
Conselho de Saúde Pública mostrou-se incapaz de controlar o aparecimento da moléstia
em São Luís, principalmente no porto da Ponta da Areia, pois, o intenso movimento de
embarcações portuguesas abriu novamente a possibilidades para que a febre amarela
vitimasse 77 vidas a mais no mês de agosto.
O índice oficial de óbitos para esse mês registrava 01 vítima por febre amarela
para cada 10 óbitos. Dessas 77 vítimas, 71 foram sepultadas no cemitério da
Misericórdia, 05 no cemitério de Passos e 01 no cemitério dos Ingleses. Ao todo a febre
amarela alcançou a incrível cifra de 807 óbitos em seis meses320. Sendo que fora da
capital, a epidemia da febre amarela foi igualmente perturbadora, atingindo a cidade de
Alcântara e as vilas de Guimarães, São Bento, Icatu, Mearim, Rosário, Itapecuru-mirim
e Viana (nesta a febre amarela se manifestou com muita brutalidade, diziam os médicos
320
Ibidem.
102
que este fato seria propiciado pelas condições topográficas de Viana já que a mesma
seria circuncidada por lagos e lagoas).321 322
O ano de 1851 deixou como lembrança a traumática perda de 807 vidas e a
ineficiência das medidas higiênicas adotadas pela Política Sanitária da Província do
Maranhão. Passado os estragos realizados pela febre amarela, restava ao Conselho de
Saúde Pública reforçar o controle sobre a entrada e saída de embarcações no porto da
Ponta da Areia, chegando a lançar em edital de 05 de setembro de 1851 a informação
que nenhuma embarcação atracaria no porto sem antes ter verificado seu estado
sanitário pela Estação de Saúde em Belém.323
O então presidente da Província do Maranhão, o Dr. Eduardo Olímpio
Machado324 adotou diversas medidas sanitárias na tentativa de pulverizar o
aparecimento e proliferação das moléstias pestilentas. A primeira medida higiênica
adotada por Eduardo Olímpio Machado foi comunicar por meio da Comissão de
Higiene Pública a todas as freguesias e localidades do interior da Província afetadas por
algum tipo de moléstia a emitir por meio de exemplares e informativos seu estado de
saúde325, também foram adotadas medidas do tipo:
As medidas adotadas quanto à limpeza das ruas, praças e praias, foram
emitidas como normas de combate a insalubridade. E mediante a ordem do
Presidente da Província fora criada uma comissão, composta por uma
autoridade policial e um facultativo, com a função de fiscalizar os anseios
dos districtos. E também era confiada a Câmara Municipal a responsabilidade
pele limpeza e higiene da cidade, como inspeção dos açougues, currais,
carnes e manter a qualidade da água.326
Convicto de suas obrigações burocratas Eduardo Olímpio Machado também
combateu com energia e vigor o costume dos enterros dentro do recinto das igrejas,
321
Ibidem.
Segundo Raimundo Palhano em 13 de junho de 1851 pelas estimativas do Diretor-Geral da Polícia de
Saúde a epidemia de febre amarela havia atingido incríveis 27.000 pessoas em toda a Província e dessas,
255 faleceram em consequência da moléstia até 13 de junho de 1851. Cf. PALHANO, Raimundo N. Op.
Cit., 1988, p. 147.
323
O PUBLICADOR MARANHENSE, 21 de setembro de 1851. Edital, p. 04.
324
Eduardo Olímpio Machado médico por formação que governou a Província do Maranhão entre 05 de
junho de 1851 a 14 de agosto 1855. Cf. MEIRELES, Mário Martins. História do Maranhão. São Paulo:
Siliciano, 2001.
325
O PUBLICADOR MARANHENSE, 21 de setembro de 1851, Falla que o Exm. Dr. Eduardo Olímpio
de Machado, presidente da Província, dirigiu á Assembléa Legislativa Provincial da Província do
Maranhão por occasião de sua installação no dia 07 de setembro de 1851, p. 02.
326
MARANHÃO, Presidência da Província. Falla que o Exm. Dr. Eduardo Olímpio de Machado,
presidente da Província, dirigiu á Assembléa Legislativa Provincial da Província do Maranhão por
occasião de sua installação no dia 07 de setembro de 1851. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional
de I.J. Ferreira, 1851, p. 52.
322
103
obedecendo às normas da Lei provincial de n° 225. Já que esta era uma prática que
colocava em risco a saúde dos fiéis, por estarem em contato com os possíveis miasmas
pútridos oriundos dos defuntos, por isso era de bom grado que a população em geral
extirpar-se este mau hábito.
As igrejas brasileiras serviam como sala de aula, de recinto eleitoral, de
auditórios para tribunais de júri e discussões políticas. Ali se celebravam os
momentos maiores da vida urbana, batismo, casamento e morte, ali no
interior daquelas altivas construções coloniais, os mortos estavam integrados
a dinâmica da vida.327
Por esta lei as punições para quem não cumprisse as determinações se
estenderiam não só aos populares, mas também a todas as autoridades, sendo elas
eclesiásticas ou de outra ordem. Eduardo Olímpio Machado estava cumprindo as ordens
da lei municipal de 1843 que dizia: “Fica proibido, depois de construído os cemitérios o
enterramento de pessoas no recinto das igrejas”, reforçada pela lei de nº 598, de 14 de
setembro de 1850, estabelecida um ano antes no governo de Honório Pereira de
Azeredo Coutinho. Fato é, que inciso 4§ do Artigo 5º da respectiva lei deu a Junta de
Hygiene à faculdade de atender e efetivar a execução das posturas e, de expedir ordens
aos fiscais da câmara municipal. Sendo assim, a Junta de Hygiene Pública tinha
autonomia caso a câmara municipal não lhe desse recurso.328
As medidas adotadas por Eduardo Olímpio surtiram relativo efeito nos anos de
1852 e 1853, porém, o estado sanitário da Província do Maranhão não se mostrou
tranquilo, mesmo não sendo atacada por nenhuma epidemia mortífera entre 1852 e 1853
a população da capital da Província do Maranhão sofrera severamente com a carestia
dos gêneros de primeira necessidade. Durante esses anos foi à população da capital e de
alguns pontos do interior da Província flagelada pela fome, resultante da falta e carestia
da farinha de mandioca.
Nunca havia se visto antes no Maranhão tamanha preocupação em relação aos
perigos das doenças pestilentas. Em 1854, a Província do Maranhão novamente tem
327
REIS, João José. A morte é uma festa, ritos fúnebres e revoltos populares no Brasil do século XIX. São
Paulo: Companhia das letras, 2001, p.172.
328
MARANHÃO, Presidência da Província. Falla que o Exm. Honório Pereira de Azeredo Coutinho,
presidente da Província, dirigiu á Assembléa Legislativa Provincial da Província do Maranhão por
occasião de sua installação no dia 07 de setembro de 1850. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional
de I.J. Ferreira, 1850, pp. 8-9.
104
suas atenções voltadas para as moléstias pestilentas, o abaixo assinado de 05 de
novembro de 1854, dava como certa as medidas profiláticas para evitar-se a possível
importação da cholera morbus asiática ao porto de São Luís.
Estabeleceram-se nos lazarentos apenas aqueles com títulos de observação,
que será na ponta d’ areia com o título provisório e na ilha do medo. O
facultativo encarregado da saúde do porto dirá em observação, e vizitará os
navios fazer compreendido entre estes e São Marcos. Este facultativo depois
de examinar a carta e informar-se dos dias de viagem, e moléstias que
durante ela se tenham moléstias a bordo, quais os seus sintomas, tempo de
aparecimento e duração, e numero de vítimas infectadas e falecidas dentro do
navio e seus seguintes destinos. O navio que vier do porto de que não tiver
suspeita, e nemhum cazo dela se estendendo a bordo será adimittido a livre
hora, se suspeito de epidemia e nenhum cazo dela tenha dado a bordo durante
a viagem desta maior que vinte e cinco dias será impedido de livre pratica. O
navio que estiver no estado insalubre terá que contar menos de vinte e cinco
dias de viagem mais de quinze do ultimo infectado será conduzido para o
lazarento em observação, e ali dezinfeccionado e ter a livre pratica. O navio
que tiver tido doentes de cholera morbus será conduzido para o lazarento em
observação e ali perfeitamente sequestrados no mais o navio será
dezinfeccionado e permanecerá neste lazarento por quantos dias forem
precisos para completar na ponta d’ areia de São Marcos se for possível
obriga-lo a ir ao lazarento provisório. O navio que não estiver em nenhuma
destas hypoteses procedidas será obrigado a uma quarentena de dezinfecção
se assim o entender o encarregado da saúde do porto. A correspondência
official e praticamente as gavetas uma vez dezinfectadas seram remetidas
para a administração dos correios. A dezinfecção farse há com receita e
numero com notas fixadas que devem estar estendidas aos mercadores e
clientes. Os navios serão bem lavados e os mais que for possível: os objetos
mais suspeitos serão camas, coxões e roupas lavadas ou mergulhadas em
agua e solução preparadas conforme a receita e as medidas. Esta mesma agua
usada na lavagem não pode ser exposta e reutilizada. Receitas de numero um
Sal ordinário ou comum nove onças, Bioxido de manganês três onças, Agua
comum seis onças. Misture bem e junte, sendo a mistura feita em vazilha
com ácido sulfúrico com seis onças, agite bem com uma epistola. Receitas de
numero dois Cloreto de cal huma libra, Agua comum entre quatro libras.
Misture bem em vasilha apropriada.329
Estarrecidos ainda pelas 807 mortes que a febre amarela ocasionou em 1851,
médicos e autoridades locais promoveram uma nova redefinição da política sanitária
para a Província do Maranhão no intuito de impedir a importação da cólera morbus ao
porto de São Luís. Essa nova redefinição sanitária foi instituída em 27 de agosto de
1855, pelo relatório geral do referido ano, o vice-presidente da Província do Maranhão,
José Joaquim Teixeira Vieira Belford impôs à cidade de São Luís um regulamento
contendo 18 artigos sanitários. Por esse regulamento os médicos higienistas da cidade,
329
MARANHÃO, Secretaria do Governo da Província. Correspondências. Autoridades da Saúde
Pública. Ofícios da Comissão de Hygiene Pública ao presidente da Província do Maranhão, 1854. Setor
de avulsos. APEM.
105
deveriam desenvolver estratégias higiênicas para impedir o aparecimento e proliferação
da cólera morbus em São Luís.
Art. 14. A comissão de hygiene publica, convida todos os médicos desta
capital, que se recusarem a este serviço, fará proceder a organização de um
programa que contenha as bases gerais do tratamento da epidemia, o qual
será publicado pelos jornaes, e se observará nas estações médicas, quando
outro não seja o plano do tratamento dos médicos respectivos.
Art. 15. Todos os facultativos da capital e do interior são convidados, no
caso de epidemia, a enviar a comissão de hygiene publica, ou a secretaria do
governo, o tratamento que sua pratica houver mostrado mais vantajoso,
acompanhados de todas as observações que julgarem convenientes.330
A capital seria dividida em quatro departamentos sanitários e em cada um
desses departamentos deveria haver uma estação médica, com quatro ou mais leitos,
uma farmácia e um médico que seria encarregado por prestar os primeiros socorros às
pessoas acometidas pela cólera. Este médico era responsável por emitir e assinar
relatórios diários com mapas da movimentação da enfermaria a qual fora responsável,
dividir e empregar as dietas e medicamentos aos enfermos e fiscalizar os socorros
públicos de sua estação. Deveria haver um veículo para recolher os doentes ao devido
hospital de isolamento, um escrivão responsável por anotar as informações pessoais de
cada enfermo em um livro geral de anotações, um agente encarregado por fornecer e
garantir as necessidades de cada estação e os inspetores de quarteirão teriam a
incumbência de informar a polícia sanitária o estado sanitário dos hospitais, estações
médicas, casas, matadouros públicos além da possível proliferação da cólera morbus
entre os indigentes e escravos.331
Segundo o regulamento aos primeiros sinais de qualquer indisposição devia-se
recorrer aos cuidados médicos, fugindo de todos os conselhos indicados pela
especulação, mantendo o paciente sobre boa ventilação em local fresco e arejado,
desinfetar as roupas suadas ou sujas, tanto do leito como do doente, desinfetar os
excretos, por meio de água fenicada ou cloretada, lançada sobre eles, remover os
doentes para enfermarias e hospitais e realizar desinfecções rigorosas nas habitações
depois de removido o doente.332
330
MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório com que o vice-presidente da Província do
Maranhão José Joaquim Teixeira Vieira Berford, entregou á Presidência da Província do Maranhão ao
Ilum. e Exm. Snh. Commendador Antônio Candido da Cruz Machado, 21 de dezembro de 1856, Anexo
01. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1856.
331
Ibidem.
332
Ibidem.
106
4. A CIDADE E A MORTE: ESTATÍSTICAS MÉDICAS SOBRE A
MORTALIDADE VARIÓLICA EM SÃO LUÍS NA SEGUNDA METADE DO
SÉCULO XIX.
4.1 1854 – 1855 a varíola reina em São Luís
O início de 1850 foi categoricamente marcado pela institucionalização da
legislação sanitária na Província do Maranhão, a criação da Junta de Hygiene e o
Conselho de Saúde Pública da Província do Maranhão aplicavam com zelo as medidas
profiláticas e higiênicas a fim de sanar qualquer problema de natureza epidêmica que
pudesse aterrorizar a Província do Maranhão. Os portos e as praias da capital eram
vistoriados pelos agentes de saúde que removiam animais e imundices que pudessem
ser focos de miasmas pútridos.
Entretanto a legislação sanitária aplicada na cidade de São Luís não passava de
uma letra morta. Ademais, a administração pública, tal como os médicos higienistas e
seus meios profiláticos pareciam incapazes de conter os avanços das doenças pestilentas
ao homem. Essa situação fora posta a prova em 1851, ano em que o terrível flagelo da
febre amarela grassou em São Luís de maneira epidêmica, ceifando 807 vidas na
capital.
A saúde sanitária da cidade não se recuperou nos anos seguintes, em 01 de
novembro de 1853 os deputados da Assembleia Legislativa Provincial discutiam o
estado famigerado da Província do Maranhão decorrente da falta de gêneros
alimentícios de primeira necessidade que sofreram carestia entre os anos de 1852 e
1853, sobretudo a farinha de mandioca, a fome se generalizou entre a população
relembrando o ano sombrio de 1851.333
Contudo, tudo isso foi pequeno ao ocorrido entre os anos de 1854 e 1855.
Médicos e autoridades maranhenses estavam estarrecidos com a possibilidade da
importação do terrível mal da colera morbus asiático pelos portos do Pará para a
333
O PUBLICADOR MARANHENSE, 12 de dezembro de 1855. Governo Central, p. 02; Cf. também
MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório do presidente da Província do Maranhão com que o
Dr. Eduardo Olímpio de Machado, apresentou na abertura da Assembléa Legislativa Provincial no dia
01 de maio de 1853, Acompanhado do Orçamento das Despeças para o anno de 1854. Maranhão,
impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1853, p. 27.
107
Província do Maranhão, por este motivo a política de segurança dos portos da capital foi
intensificada ao máximo.
Entre janeiro a agosto de 1854, os cuidados com as embarcações que
atracavam no porto da Ponta d’ Areia eram quase que totais. Infelizmente as normas de
segurança sobre a contagiosidade foram desobedecidas, não por conta da colera morbus,
mais sim pela varíola, isto porque, o regulamento das medidas sanitárias dos portos do
Império do Brasil erroneamente, considerava como moléstias pestilentas apenas “o
cholera morbus, a febre amarela e a peste”. A varíola, o sarampo, a typho, a
escarlatina, o carbúnculo, a hydrophobia, a syphilis e certas febres intermitentes eram
consideradas meramente doenças de natureza contagiosa com pouca gravidade.
O fato da varíola não ser considerada moléstia pestilenta, reside na
circunstancia da mesma possibilitar imunidade aos indivíduos que eventualmente a
adquirirem em uma primeira ocasião e também por haver vacina contra a mesma. Por
estas prerrogativas, grotescamente levaram o serviço de saúde dos portos a dar-se o luxo
de permitir o contato de uma tripulação afetado por varíola com o continente.
Sobre este aspecto o artigo 49 do regulamento do estado sanitário dos portos do
Brasil é enfático:
Art. 49. Quando os navios procedentes dos portos não infectados chegarem
com doentes que não forem das 3 moléstias pestilenciaes, serão admitidos à
livre pratica, e os doentes poderão desembarcar para onde melhor lhes
convier. Contudo, relativamente a estes doentes, se houver suspeita da
autoridade sanitária de que a moléstia possa comprometer a saúde pública ou
ao menos os lugares onde tem de ser os doentes admitidos, esta autoridade
participando, e de acordo com o governo do município neutro, e nas
províncias com a primeira autoridade civil do lugar, resolverá o que cumpri
fazer em tal emergência. He particularmente recomendado em taes
conjuncturas muita circunspecção quando esta emergência for ocasionada por
diarrheas epidêmicas, typho, ou varíola.334
Em novembro de 1854, em correspondência direta com o presidente da
Província, Eduardo Olímpio Machado, o Dr. José Sérgio Ferreira ressalva que a varíola
já estava em pleno processo de desenvolvimento na capital causando devastadores
estragos, e que seria de bom grado aplicar com maior firmeza a linfa vacínica o quanto
antes a fim de conter possíveis consequências nefastas. Segundo o relatório geral do
estado sanitário da Província do Maranhão de 1854 as bexigas teriam chegado pela
334
O PUBLICADOR MARANHENSE, 20 de junho de 1855. Parte Official, Rio de Janeiro. Medidas
sanitárias. Regimento sanitário dos portos do Império contra a importação de moléstias pestilenciaes, p.
03.
108
primeira vez a São Luís no inicio do mês de agosto importadas pela barca Linda335,
tendo afetado apenas uma pessoa durante o dito mês, a varíola passou despercebida em
setembro, vitimando apenas um soldado de linha no final do mês de outubro.
Curiosamente naquele momento, os médicos consideravam que seria muito
difícil a varíola ter sido importada pelos portos, já que o intervalo dos casos de agosto
para outubro era de dois meses336. Segundo os médicos eram remotas as chances da
manutenção da força de contágio do germe variólico sem que este pudesse se
desenvolver em uma escala de dois meses, apresentando apenas dois registros de
ocorrências neste intervalo de tempo. Para reforçar seus argumentos, os médicos
higienistas consideravam que o período que vai de agosto para dezembro seria
impróprio para o surgimento da varíola, pois a capital não estaria em seu ciclo chuvoso
tampouco o de estiagem.
Demais, aqueles colonos, que, aliás, tiveram uma viagem de 27 dias não só
estiveram em permanente contato com os operários do canal do Arapapahy,
mas foram em grande parte distribuídos por particulares em diversos portos
do interior, sem que nenhum dos lugares, em que residirão, fosse
enfeccionado; o que de certo não aconteceria, se o mal se se origina deles.
Assim, a não dar-se o absurdo, de crer que o germe da varíola pôde
conservar-se inoculado por mais de dous mezes sem desenvolver-se.337
Ocorre que os médicos maranhenses do século XIX, ainda não sabiam que o
vírus variólico338 era um dos mais resistentes, podendo permanecer inoculo por dois ou
três meses sem perder sua força de infecção e contágio. Este fato logo se concretizou, a
devastação causada pela varíola foi tão rápida que em um curto período a moléstia
ceifou muitas vidas na capital. Em novembro de 1854 o mal variólico já estava
completamente generalizado.
335
Não encontramos registros da procedência da barca Linda, o que sugerimos é que a mesma não
apresentou carta atestando seu estado de saúde. Sendo que as informações dão como certa o contato
permanentimente da tripulação da referida barca com o continente. Outro fato curioso é que a epidemia
variólica sentida na Província do Maranhão em 1855 reapareceu na vila de Guaratuba, procedente da
Freguesia de Itajaí, da Província de Santa Catarina em 1856-1857, através de uma canoa de cabotagem,
que trazia gêneros alimentícios. Cf. GURGEL, Cristina Brandt Friedrich Martin; ROSA, Camila Andrade
Pereira da.História da Medicina: A Varíola no Brasil Colonial (Séculos XVI E XVII). In. Revista de
Patologia Tropical, Vol. 41 (4), 2012, pp. 390-394.
336
MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório do presidente da Província do Maranhão, o Dr.
Eduardo Olímpio de Machado, apresentou na Assembléa Legislativa Provincialno dia 03 de maio de
1855, Acompanhado do Orçamento das Despeças para o anno de 1856, e mais documentos. Maranhão,
impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1855, p. 60.
337
Ibidem.
338
Em relação à resistência do vírus variólico Cf. ÂNGULO, Juan. Varíola, In: Ricardo
Veronesi. Doenças infecciosas e parasitárias. 7a ed., Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, p. 55.
109
Contudo, grotescamente as autoridades públicas estavam mais preocupadas
com a possível importação da cólera morbus asiática do que o combate ao mal variólico
e aos anseios aos pobres, classe numericamente mais afetada pela varíola. A sessão de
25 de novembro de 1854 da câmara municipal de São Luís liderada pelos vereadores
Vieira, Antônio Rego e Nogueira Souza ratifica a necessidade da criação de uma
comissão de higiene pública que em tese substituiria o Conselho de Saúde Pública da
Província do Maranhão.
Essa comissão exerceria um triplo papel: o primeiro deles seria a investigação,
mantendo o governo central informado sobre os movimentos de qualquer epidemia em
curso na cidade de São Luís; segundo, a comissão também teria um papel de elaborar e
comparar medicações empregadas em algum tipo de tratamento; terceiro a comissão
teria um papel na prescrição e autorização de médicos e agentes de saúde a realizarem
vistorias nas casas e locais considerados insalubres.
1°, de 20 do corrente, comunicado que, afim de que tenha um lugar com toda
a brevidade à limpeza desta capital, tem resolvido dividir o trabalho em
tantas secções quanto forem os districtos de paz encarregando cada uma desta
a uma comissão composta da seguinte forma: 1°, que conprehende o 1°
districto de paz o Dr. Chefe de polícia, e o Dr. em medicina Antonio Rego;
2°, que comprehende o segundo districto o Dr., delegado de polícia, e o Dr.
em medicina José Sérgio Ferreira, 3°, que comprehende o terceiro districto o
subdelegado de polícia da Freguesia de Nossa Senhora da Victoria, e o Dr.
em medicina Thomaz Hall; 4°, finalmente que comprehende o quarto
districto o subdelegado de polícia da freguesia da Nossa Senhora da
Conceição e o Dr. em medicina José Carlos Jauffret.339
Em 29 de novembro, Eduardo Olímpio de Machado dava por assegurada às
obrigações das comissões de saúde340 nos quatro distritos da capital, ratificando
novamente que seria de bom grado as comissões atuarem na limpeza pública da cidade a
fim de se evitar a importação da cólera morbus ao porto da capital, esquecendo-se de
implantar medidas mais eficazes para conter o desenvolvimento da varíola que se
encontrava em pleno estágio mórbido na capital.
339
O PUBLICADOR MARANHENSE, 18 de janeiro de 1855. Maranhão. Câmara Municipal. Sessão
ordinária de 29 de novembro de 1854. Liderada pelos vereadores Vieira, Antônio Rego e Nogueira
Souza, p. 02.
340
Ao que tudo indica as Comissões de Saúde Pública substituíram o Conselho de Saúde Pública da
Província do Maranhão, Cf. MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório do presidente da
Província do Maranhão, o Dr. Eduardo Olímpio de Machado, apresentou na Assembléa Legislativa
Provincialno dia 03 de maio de 1855, Acompanhado do Orçamento das Despeças para o anno de 1856, e
mais documentos. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1855, pp. 60-63.
110
A atitude passiva ou pelo menos reativa de Eduardo Olímpio Machado
demonstra como as autoridades médicas locais, enfrentavam o problema das epidemias.
Logo que se desencadeava algum surto epidêmico de qualquer natureza a máquina
administrativa era prontamente posta em ação, sob o comando de um médico
especialista, as cartas de saúde nos portos tornavam-se obrigatórias, sendo obrigados os
respectivos vistos, visitas de saúde, inspeções e se necessário impedimentos de
comunicação e desinfecções coercivas. Além de promover as medidas de isolamento e
quarentenas, desenvolvendo na cidade o aprimoramento da higiene e as normas de
vigilância epidemiológica.
A todas essas medidas os médicos higienistas seriam os responsáveis por
resguardá-las, assim como esclarecer os obituários, programar notificações e respeito
das doenças perigosas, registrar eventuais surtos de doenças, acompanhar a evolução da
mortalidade na Província. Proceder a estudos topográficos a respeito das doenças
infecto-contagionistas e realizar a assistência médica às classes menos abastadas.
Neste sentido a análise de uma epidemia não pode se impor apenas como uma
tarefa pura e simples de reconhecer a forma geral da doença e sua gravidade. É preciso
compreender a estrutura perceptível no curso da epidemia, o contágio, por exemplo, tem
grande importância, entretanto, o mesmo é apenas uma modalidade da ação epidêmica,
desta forma as medidas de controle sobre este são ainda mais relevantes. Daí a
necessidade de institucionalizar uma polícia sanitária, a fim de zelar pela salubridade
dos portos, das quadras de cada bairro da cidade, dos cuidados com a inumação e
incineração dos cadáveres, do controle dos matadouros, e sobre o comércio de vinho,
pão e carnes da cidade.
O problema era que nem todas essas atribuições eram realizadas por completo,
no geral os médicos higienistas e as comissões de saúde apenas prestavam os serviços
de socorros públicos aos pobres e indigentes, realizando sempre a pratica do isolamento
ou das quarentenas apenas após a incursão da moléstia no seio da população. De acordo
com Michel Foucault o “isolamento ou internação” é uma criação institucional própria
do mundo moderno, ele assumiu desde o início uma amplitude que não lhe permite uma
comparação com a prisão, mas sim como medida econômica e social.341
Erwin Ackerknecht destaca que o conhecimento das causas da existência e do
desenvolvimento de uma epidemia deriva única e exclusivamente da especialização dos
341
FOUCAULT, Michel. História da Loucura na Idade Clássica. São Paulo: Editora Perspectiva S.A.,
1972, p. 78.
111
hospitais de controlede doenças infecto-contagionistas342. Para Patrice Pinell a
especialização clinica e hospitalar de determinadas doenças demanda um processo de
introdução de novas técnicas, modificando a configuração da doença e do
prosseguimento de uma epidemia.343
Em outras palavras, esses autores advogam a ideia de que toda e qualquer
doença deve ser compreendida como uma unidade natural e que sua cura articula etapas
de conhecimentos especializados em áreas distintas. O hospital deve ser um lugar nessa
configuração em que as instâncias da clínica são múltiplas, para melhorar e assegurar
uma vigilância contínua. Ele é necessário para o doente sem família e ainda mais
necessário nos casos de doenças infecto-contagiosas e de doenças complexas ou
“extraordinárias”, portanto a primeira tarefa do hospital é a proteção.
Segundo Jacques-René Tenon o hospital necessariamente deve ter um caráter
assistencialista de proteger o povo de seus próprios males, orientando-se por dois
princípios básicos: a “formação”, que destinaria cada hospital a uma categoria de
doentes ou a uma família de doenças; e a “distribuição”, que define, no interior de um
mesmo hospital, a ordem de seguir, para nele dispor os enfermos que se tiver achado
oportuno a receber344. Assim, concebido o hospital permite classificar e agrupar os
doentes a partir de sua condição de saúde, sem difundir o contágio no hospital ou fora
dele.345
Para Samuel Tissot a tarefa de classificar e agrupar os enfermos no leito
hospitalar não é apenas uma tarefa quantitativa, ela deve atender natureza e o modo de
manifestação da doença e sua relação com o doente e com a própria comunidade346.
Neste sentido o artigo de n°100 do Código de Posturas de São Luís de 1842 prescreve
que toda pessoa acometida por moléstia contagiosa de qualquer natureza deveria ser
isolada no hospital do Bonfim para que assim se pudessem tomar as devidas medidas
profiláticas e terapêuticas. E que nenhuma pessoa poderia deixar de comunicar a
existência de algum doente acometido de mal contagioso e epidêmico que, por ventura
342
ACKERKNECHT, E. H. La Médicine Hospitalière à Paris. Paris: Payot, 1986, p. 12.
PINELL, Patrice. Análise sociológica das políticas de saúde. Tradução de Irene Ernest Dias e Vera
Ribeiro. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2010, p. 179.
344
TENON, Jacques-René. Mémoires sur les hôpitaux, Paris, 1788, p. 359. Apud. FOUCAULT, Michel.
O nascimento da clínica. 6ª edição. São Paulo: Editora Forense Universitária, p. 45.
345
Id. Ibid., p. 354.
346
TISSOT, Samuel. Mémoire pour la construction d’ un hôpital clinique, in Essai sur les études
médicales, Lausanne, 1785, p. 120. Apud. FOUCAULT, Michel. O nascimento da clínica. 6ª edição. São
Paulo: Editora Forense Universitária, p. 64.
343
112
estivesse em sua casa, bem como não poderia receber em seu domicílio, caso contrário
estaria sujeito à multa e retaliações.347
No entanto, somente no final do mês de novembro de 1854 as autoridades
perceberam a gravidade da contagiosidade apresentado pelas bexigas, ficando
estabelecido que na capital houvesse um hospital provisório e emergencial de
isolamento localizado na Rua de Santa Rita exclusivo para as pessoas de cor acometidas
por varíola. Neste hospital havia duas enfermarias onde os bexiguentos eram recolhidos
e tratados gratuitamente, em uma ficaria os bexiguentos livres e na outra os bexiguentos
escravos. As pessoas desvalidas de ambos os sexos eram socorridas em uma enfermaria
do hospital da Casa de Expostos da Misericórdia, enquanto que as pessoas abastadas
eram socorridas no hospital de São Sebastião ou em domicílio.348
Os socorros públicos eram realizados quase que diariamente, porém muitos
variolosos eram tratados em suas casas, ou sequer recebiam a visita dos médicos e da
comissão dos socorros públicos. Esta circunstância foi determinante para o alto índice
de mortalidade alcançado pela epidemia variólica no ano de 1855, tendo em vista que o
procedimento padrão deveria ser feito primeiro com o recolhimento do enfermo,
isolando-se qualquer foco de infecção que pudesse agravar o estado famigerado de
saúde da capital, e não atendendo a pessoa em domicílio ou deixando-a por lá.
O motivo para haver socorros públicos em caráter domiciliar era que, o mesmo
Código de Postura que autorizava o isolamento do doente, outorgava a possibilidade de
tratamento em domicílio, caso o paciente não fosse morador do perímetro urbano da
cidade.349
Fran Paxeco denuncia o estado de miserabilidade dos hospitais e
estabelecimentos de caridade de São Luís, argumentado que “chocava a qualquer um as
condições de saúde nada merecedoras de lisonja, que apresentava a capital”
350
. As
fontes indicam que esse problema foi constante na cidade de São Luís ao longo do
século XIX.
347
MARANHÃO. Edital da Câmara Municipal de São Luís. Maranhão, Re-impresão. Typographia da
Temperança. Anno, 1842, p. 16.
348
MARANHÃO. Relatório do presidente da Província do Maranhão, o Dr. Eduardo Olímpio de
Machado, apresentou na Assembléa Legislativa Provincial no dia 05 de maio de 1855, Acompanhado do
Orçamento das Despeças para o anno de 1856, e mais documentos. Maranhão, impresso na Typ.
Constitucional de I.J. Ferreira, 1855, p. 61.
349
MARANHÃO. Edital da Câmara Municipal de São Luís. Maranhão, Re-impresão. Typographia da
Temperança. Anno, 1842, p. 16.
350
PAXECO, Fran. O trabalho maranhense. São Luís: Imprensa Oficial, 1916, p. 79. Apud CORREIA,
Maria da Glória Guimaraes. Nos fios da trama: Quem é essa mulher? Cotidiano e trabalho do operariado
feminino em São Luís, na virada do século XIX. São Luís: Edufma, 2006, p. 75.
113
A cidade não possuía um conjunto de instituições na área da saúde que pudesse
suprir os anseios de sua população estimada em 30.000 habitantes351. Em 1854-55 e
1864-55 períodos em que a varíola confluente grassou em São Luís, a população apenas
poderia contar para sua assistência médica, com o Hospital da Santa Casa de
Misericórdia, o Hospital de São Sebastião, os lazarentos do Bonfim e da Ponta da Areia,
uma enfermaria militar e a enfermaria temporária destinada ao isolamento dos
bexiguentos localizada na Rua de Santa Rita.352
Além disso, a quantidade de médicos que prestavam serviços de vacinação à
população era pífia, além do comissário vacinador provincial, cargo ocupado pelo Dr.
José Miguel Pereira Cardoso, a população de São Luís poderia contar com o auxílio do
Dr. José Coelho Moreira de Sousa e os cirurgiões Antônio Henriques Leal, João Diogo,
José Sérgio Ferreira, José Ricardo Jauffret, Silvestre Marques da Silva Ferrão e Thomaz
Wright Hall. Levando-se em consideração a margem de 30.000 almas, a cidade de São
Luís tinha em média um vacinador para cada 3.750 habitantes entre 1854 e 1855.
Comparando o número de médicos por habitantes novamente iremos nos
deparar com um algarismo negativo. Lê-se no Almanack do Maranhão de 1849 a
351
De acordo com José Ribeiro do Amaral é extremamente complicado assegurar o índice populacional
da Província o Maranhão e da cidade de São Luís durante os anos do século XIX. Para justificar seu
posicionamento José Ribeiro do Amaral reporta-se ao exemplo dado pelo Dr. Antônio Henriques de Leal
em seu Almanack do Maranhão de 1860, diz o Dr. Antônio Henriques de Leal que “a população é o
centro para qual convergem todos os materiais de uma estatística e donde partem os esclarecimentos que
iluminam e dão-lhe o cunho da verdade e exatidão. Um país cuja população não é conhecida em suas
condições sociais, diferenças de idades, de sexo, estado civil, classes, profissões, movimento e
desenvolvimento, não pode ser administrado (...). Nestas condições infelizmente estamos nós”.
AMARAL, José Ribeiro. O Maranhão histórico – Artigos de jornal (1911-1912). São Luís: Instituto
Geia, 2003, p. 59; SegundoMário Martins Meireles em Viagem pelo Brasil os viajantes naturalistas
bávaros Spix e Martius consideraram São Luís como a quarta cidade em importância do Império
estimando ser a população local de 30.000 habitantes em 1819. Em 1832 o percentual de 30.000 mil
habitantes novamente é catalogado pelo naturalista francês Alcide d’Orbigny em seu livro Viagem
pitoresca pelo Brasil. No entanto, acrescenta Meireles “nessas circunstancias, e conquanto os algarismos
não sejam todos confiáveis, embora sejam os únicos de que dispomos, não é de admirar que, para São
luís, o Censo de 1872 apontasse uma população de 31. 664 e que o de 1890 diminuiu para 29. 308 almas,
enquanto setenta anos antes já fora estimada em 30.000 mil”. Cf. MEIRELES, Mário M. Dez estudos
históricos. São Luís: Alumar, 1994, pp. 219-231; Regina Faria cita o relatório do presidente da Província
do Maranhão de 1878, que estimava a população local de São Luís na margem de 34.966 habitantes. Cf.
FARIA, Regina Helena Martins de. Mundo do trabalho no Maranhão Oitocentista: os descaminhos da
liberdade. São Luís: EDUFMA, 2012, p. 242; Segundo o relatório do presidente da Província de 1863 a
população local de São Luís girava em torno de 30.000 almas. Cf. MARANHÃO, Presidência da
Província, Relatório com que o Exm. Snh. Presidente da Província o Dr. Ambrósio Leitão da Cunha
passou a administração da mesma ao Exm. Snh. Miguel Joaquim Ayres do Nascimento, 2° vicepresidente, no dia 24 de novembro do último. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira,
1863, p. 27. Considerando todas estas estimativas e possíveis variações, iremos adotar a margem de
30.000 mil habitantes para a cidade de São Luís entre os anos de 1854 a 1876.
352
A respeito dos hospitais e estabelecimentos de profilaxia e caridade em São Luís no século XIX, Cf.
MARQUES, César Augusto. Dicionário histórico - geográfico da Província do Maranhão. Rio de
Janeiro: Fon-Fon e Seleta, 1970, pp. 605-614.
114
quantia de 25 doutores para esse ano, sendo médicos propriamente 12 na capital e 05 no
interior e mais 08 cirurgiões em São Luís353, o que nos dá uma média de um médico
para cada 1.500 habitantes.
Vale lembrar que somente em 21 de setembro de 1861 pela Lei provincial de
n° 609 foi estabelecido o cargo de médico da Província, o qual foi interinamente
ocupado pelo Dr. César Augusto Marques até 18 de junho de 1866, quando o mesmo foi
extinto354. Além disso, a capital da Província poderia contar ainda com o auxilio de 05
boticas355. Sendo que apenas uma delas estava credenciada para a aplicação da vacina
em 1855. Por esses dados imaginamos que a vida em épocas de epidemias reinantes em
São Luís, deveria ser uma mescla de rusticidade, angústia e medo.
Maria da Glória Correia identifica que em 1847 apenas existia neste referido
ano a proporção de “um médico para curar a pobreza” de toda a gente da cidade de São
Luís. A autora sinaliza que este quadro inoperante de socorros públicos perdurou pelo
menos até 1893.
Quando, sob o nome de Repartição de Higiene Pública, passaram a constar da
folha de despesas do município 01 inspetor, 01 ajudante e 01 secretário como
sendo efetivo da referida repartição. Contudo, indica uma indefinição ou
absoluta falta de diretrizes para uma política de saúde pública, pela Lei n° 15,
de 06 de junho de 1896, foi a referida repartição extinta, ao mesmo tempo em
que era criado o cargo de “médico da municipalidade”.356
Voltando ao problema das vítimas da varíola, esta se fez por preferência em se
concentra na capital, pois a mesma dispunha do maior contingente populacional da
época. Foi justamente em São Luís que ela ceifou mais vidas, no interior da Província a
varíola não se prolongou e tampouco se apresentou em caráter mortífero ou epidêmico.
A única exceção foi na vila do Rosário, um ponto depois de São Luís, onde foram
registrados no total 28 mortes desde novembro até fevereiro de 1855.357
Em novembro de 1854 a varíola já era percebida em todas as extensões de São
Luís, as únicas exceções em que os relatórios médicos atestavam bom estado de saúde
353
LEAL, Antônio Henriques de. Almanack do Maranhão, 1849. Apud MEIRELES, Mário M. Dez
estudos históricos. São Luís: Alumar, 1994, p. 226; A relação de médicos e cirurgiões da cidade de São
Luís também pode ser encontrada em MARQUES, César Augusto. Dicionário histórico–geográfico da
Província do Maranhão. Rio de Janeiro: Fon-Fon e Seleta, 1970, pp. 738-756.
354
MEIRELES, Mário M. Dez estudos históricos. São Luís: Alumar, 1994, p. 230.
355
VIVEIROS, Jerônimo de. História do comércio do Maranhão (1612-1895). V. 2. São Luís: Coleção
Academia Maranhense de Letras, 1992, pp. 321- 338.
356
CORREIA, Maria da Glória Guimaraes. Nos fios da trama: Quem é essa mulher? Cotidiano e
trabalho do operariado feminino em São Luís, na virada do século XIX. São Luís: Edufma, 2006, p. 75.
357
MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório do presidente da Província do Maranhão, o Dr.
Eduardo Olímpio de Machado, apresentou na Assembléa Legislativa Provincial no dia 03 de maio de
1855, Acompanhado do Orçamento das Despeças para o anno de 1856, e mais documentos. Maranhão,
impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1855, p. 61.
115
eram as prisões, os conventos, o recolhimento, a casa dos educando, o seminário e os
colégios, nesses locais o mal variólico ainda não havia penetrado. O que demonstra que
nem todas as medidas higiênicas aplicadas pelo Conselho de Saúde da Província foram
ineficazes. Entretanto no Campo de Ourique, por exemplo, a varíola já havia ceifado
dois corpos de linha, e no dia 31 de novembro de 1854 existiam infectadas no hospital
de Santa Rita oito praças.358
Na sua grande maioria os indivíduos afetados pela varíola eram indigentes
ou escravos, isso se repetia em sequencia, pois, os mesmos entravam em contato com as
fontes de infecção constantemente, no entanto, a moléstia não escolhia classe social, a
cada dez vítimas de varíola, pelo menos duas não eram escravos, indigentes ou
pobres359. Este baixo índice de mortalidade entre as pessoas ricas ou com algum bem, se
explica pelo fato, de que os escravos deveriam ser tratados apenas no hospital de Santa
Rita, local de escassos recursos e assistência médica e terapêutica.
Segundo os relatórios emitidos por José Miguel Pereira Cardoso, o hospital de
Santa Rita não atendia as mínimas exigências para o amparo aos desvalidos, sua
estrutura era rústica, não dispondo de locais de arejamento, as enfermarias eram
abarrotadas de variolosos, o médico responsável pelo hospital não conseguia ao menos
cumprir com as necessidades básicas dos enfermos, não por incompetência sua, mas
pela falta de recursos técnicos disponíveis no local.
Para termos noção do problema, temos as seguintes situações: primeiro era de
conhecimento geral que a luz solar poderia auxiliar na secura e cicatrização das pústulas
variólicas; segundo, os banhos terapêuticos deveriam ser dados diariamente e com
frequência nos variolosos, à água morna poderia auxiliar no processo de relaxamento
das pústulas variólicas na epiderme facilitando o uso de medicamentos. De acordo com
o Dr. Darut os banhos terapêuticos podem repelir ou atrair o sangue estancado corpo:
Ele atrai o sangue para a periferia, bem como todos os humores, a
transpiração e todos os líquidos úteis e nocivos. Com isso os centros vitais se
veem desertos, o coração funciona e o organismo se esfria. Esse fato é
confirmado por essas síncopes, essas lipotimias, a fraqueza, o abandono, o
cansaço.360
358
Ibidem.
Ibidem.
360
DARUT, Les bains froids sont-ils plus propres à conserver la santé que les bains chauds? Tese 1763,
Gazette salutaire, n° 47. Apud. FOUCAULT, Michel. História da Loucura na Idade Clássica. São Paulo:
Editora Perspectiva S.A., 1972, p. 315.
359
116
No entanto, a situação era tão vexaminosa no hospital destinado ao isolamento
dos bexiguentos em São Luís, que os variolosos não poderiam sequer tomar banho de
sol, por falta de local adequado, tampouco realizar banhos terapêuticos diariamente por
pura e simples falta de água no local. O resultado final foi o aumento gradativo no
número de acometidos pela varíola.
Em novembro de 1854 a média dos socorros públicos realizados em
decorrência da varíola era de 60 pessoas, esse percentual só foi aumentando nos meses
seguintes. O balanço oficial dos socorros públicos em decorrência da epidemia variólica
para este ano foi o seguinte:
(...) de 24 de dezembro de 1854 até 15 de abril de 1855 entraram somente
nesta enfermaria 241 pessoas infectados por varíola, saíram curadas apenas
139 pessoas, faleceram 81 e ainda existiam em tratamento 21 pessoas. A
Santa Casa da Misericórdia atendeu ao todo 328 variolosos, além desses,
foram socorridos em domicilio por vários bairros da cidade 741 pessoas
acometidas por varíola.361
Em 1855 os socorros públicos decaíram consideravelmente até 31 de janeiro
haviam sido registradas 50 ocorrências de entradas de variolosos, 30 no hospital de São
Sebastião, 20 no hospital de Santa Rita, em compensação 206 ocorrências foram
realizadas em domicílio, sendo 163 do sexo feminino e 93 do sexo masculino. De toda
essa gente apenas 18 escravos foram tratados no hospital de Santa Rita, totalizado 256
socorros públicos em janeiro de 1855362. Em março do mesmo ano 121 pessoas foram
recolhidas no hospital dos variolosos, 180 pessoas foram atendidas em domicílio, destas
107 foram atendidas pela Santa Casa da Misericórdia e 73 pelo boticário Vidal.363
Em abril de 1855, 79 pacientes deram entrada no hospital dos variolosos,
saíram curados 45 indivíduos, receberam atendimento domiciliar 194 pessoas. Nas
contas do jornal O Publicador Maranhense de cinco de maio de 1855, no mês de abril o
Dr. Coelho de Sousa realizou 22 socorros domiciliares, os cirurgiões Silvestre Marques
da Silva Ferrão 28, Thomaz Wright Hall 08, José Ricardo Jauffret 04, José Sérgio
Ferreira 03, João Diogo 02 e Henriques Leal 127 socorros domiciliares.364
361
MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório do presidente da Província do Maranhão, o Dr.
Eduardo Olímpio de Machado, apresentou na Assembléa Legislativa Provincial no dia 03 de maio de
1855, Acompanhado do Orçamento das Despeças para o anno de 1856, e mais documentos. Maranhão,
impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1855, p. 61.
362
Ibidem.
363
Ibidem.
364
O PUBLICADOR MARANHENSE, 05 maio de 1855. Publicações a pedido, p. 02.
117
Ou seja, a escala de crescimento dos índices de mortalidade ocasionados pela
epidemia variólica de 1854 e 1855 está intimamente ligada ao alto índice dos socorros
domiciliares realizados entre dezembro de 1854 a abril de 1855. Em outubro a varíola
vitimou apenas 01 pessoa, em novembro foram 12, e nas primeiras semanas de
dezembro foram 52 mortes. No total a varíola havia vitimado 62 pessoas em menos de
três meses, ou seja, um crescimento de mais de 100% para cada mês.365
As expectativas para o ano de 1855, não eram animadoras, tendo em vista que
a tendência era o aumento gradativo do índice de contagiosidade, virulência apresentado
pela epidemia. Fato que se concretizou pela manutenção dos socorros domiciliares que
não isolavam a fonte de infecção (neste caso o varioloso). O resultado foi o aumento
gradativo do índice de mortalidade. Em janeiro de 1855 foram 152 vítimas de varíola,
sendo que o número de escravos enterrados no mesmo período foi de 93, todos por
varíola.366
Durante o mês de fevereiro a mortalidade apresentada pela moléstia continuou
prevalecendo, somente no início de fevereiro foram registrados 73 óbitos, dos quais
pouco mais da metade eram decorrentes da varíola. O número final de óbitos por varíola
neste mês foi de 147. Em março a epidemia continuou reinante, falecerão em São Luís
108 pessoas vítimas da moléstia, 31 delas eram escravas.367
A mortalidade foi tamanha que em 11 de junho de 1855 o jornal O Publicador
Maranhense foi forçado a lançar nota explicativa sobre o aumento vertiginoso alcançado
pela epidemia. O cenário era tão avassalador que o mal variólico acabou por ganhar as
primeiras páginas dos jornais cariocas, os índices de mortalidade foram considerados
alarmantes pelo jornal o Globo, que destacava a soma de 371 óbitos entre os meses de
outubro de 1854 a março de 1855.
365
MARANHÃO, Presidência da Província, Relatório do presidente da Província do Maranhão, o Dr.
Eduardo Olímpio de Machado, apresentou na Assembléa Legislativa Provincial no dia 05 de maio de
1855, Acompanhado do Orçamento das Despeças para o anno de 1856, e mais documentos. Maranhão,
impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1855, p. 61.
366
Ibidem, p. 61.
367
O PUBLICADOR MARANHENSE, 11 abril de 1855. Publicações a pedido, p. 02.
118
Quadro 02. Balanço de óbitos da cidade de São Luís entre outubro de 1854 a março de 1855.
Falecceram
Óbitos
De bexigas
Outras moléstias
De 01 dia a 07 annos
164
57
107
De 7 a 50
380
288
92
De 50 a 80
66
23
43
De 80 para cima
08
03
05
Somma
618
371
247
Fonte: O PUBLICADOR MARANHENSE, 28 de abril de 1885. Notícias diversas, p. 03.
Em tempo algum a varíola fez antes tantos estragos em São Luís, os dados
trimestrais dos relatórios de salubridade de 1855 apontam que o tipo de vírus que
atingiu a cidade de São Luís foi de natureza aguda. A varíola “confluente” não perdeu
de vista seu curso, permanecendo com um elevado índice de mortalidade entre janeiro e
março do respectivo ano. Além de tudo as medidas sanitárias adotadas para conter o
avanço da doença pareciam ser ineficazes. Quanto ao sexo, não houve distinção, a
varíola ceifou vidas em proporção igual a homens e mulheres. Em relação à idade, teve
ela por fazer preferência em adultos entre 15 a 50 anos de idade, vitimando em menor
escala crianças e idosos.368
No inicio de abril de 1855 o Dr. Henriques Leal em correspondência direta
com o presidente da Província Eduardo Olímpio de Machado, constata que a epidemia
variólica havia dado sinais de desgastes, porém o mesmo resguarda que a varíola foi
benigna entre 03 e 18 março, contudo logo reinou na capital ainda em março com a
mesma malignidade apresentada no inicio de fevereiro. Henriques Leal previa que as
copiosas chuvas e o intenso calor do mês de abril poderiam ser facilitadores para uma
nova virulência na cidade.369
Ao fim do mês de abril de 1855 médicos e autoridades públicas sentiram-se
anestesiados devido aos rumos tomados pela epidemia nos meses seguintes, isto porque,
era esperado por todos que o índice de mortalidade variólico se mantivesse estável,
tendo em vista o aumento da pluviosidade métrica neste período, porém é justamente
neste intervalo que a epidemia variólica apresenta claros sinais da perda de sua
virulencia.
368
369
Ibidem.
Ibidem, p. 02
119
Na realidade, a lógica seria essa, pois, sendo a varíola uma moléstia por
característica peculiar quanto à imunização do indivíduo contaminado na sua primeira
infecção, a mesma teria por tendência natural enfraquecer-se em uma escala de dois a
três meses no raio de sua ação epidêmica. Essa hipótese é reiterada com os 517 registros
de óbitos pela varíola até 15 de abril de 1855. Os números sobre proporção de
mortalidade alcançada nos meses em que a varíola grassou em São Luís são
assustadores para uma moléstia que poderia contar com o auxílio de uma vacina como
forma de prevenção. Em novembro do ano de 1854 a proporção de mortalidade era de
01 vítima para cada dois dias, em dezembro de 1854 era de pouco mais 1/2 por dia, em
janeiro de 1855 mais de 05 por dia, em fevereiro 04 vítimas por dia, em março 1/2 por
dia, e menos de 01 vítima a cada dois dias no mês de abril. A tabela abaixo demonstra a
proporção de vítimas feitas pela varíola entre novembro de 1854 a abril de 1855 em São
Luís.
Quadro 03. Proporção de vítimas ocasionadas pela varíola entre agosto de 1854 e abril de
1855.
Meses / ano
Vítimas
Quantidade
Total
distribuída por dias
Agosto 1854
01 a cada
30
Setembro 1854
0
30
Outubro 1854
02 a cada
30
Novembro 1854
01/ a cada
02
Dezembro 1854
1/2 a cada
01
Janeiro 1855
05 a cada
01
Fevereiro 1855
04 a cada
01
Março 1855
1/2 a cada
01
Abril 1855
-1 a cada
02
517 vítimas
Fonte: MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório do Presidente da Província do Maranhão, o
Dr. Eduardo Olímpio de Machado, apresentou na Assembléa Legislativa Provincial no dia 03 de maio de
1855, Acompanhado do Orçamento das Despeças para o anno de 1856, e mais documentos. Maranhão,
impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1855, p. 61.
120
A varíola ainda iria ceifar mais 166 vidas até dezembro de 1855, totalizando ao
todo incríveis 683 óbitos em sua decorrência. Infelizmente não encontramos um
referencial exato sobre a proporção real do número de vítimas feitas pela epidemia nos
meses de abril, maio, junho, julho, agosto e setembro de 1855. Os dados nos permitem
apenas supor que entre esse intervalo de tempo a epidemia variólica tenha perdido sua
força de virulência e mortalidade. Sendo que as 166 vítimas citadas acima referem-se ao
total somado a partir da segunda quinzena de abril de 1855 a setembro de 1855. Este
número não representa a distribuição proporcional da mortalidade feita pela varíola em
cada um desses meses, apenas apontam a soma dos mesmos.
É importante esclarecer que o percentual real das vítimas que a varíola
ocasionou no período de 1854-1855, é discutível, isto porque algumas fontes relatam
que apenas 517 pessoas foram mortas pela moléstia, já outras apontam para 614 óbitos
entre 1854-55370. Sendo que pouquíssimas fontes se referem ao percentual de 683
óbitos, estipulado para este trabalho.371
É possível que o número inexato das vítimas feitas pela varíola seja fruto da
compilação de óbitos pela moléstia apenas no período de observação de sua maior
virulência e contagiosidade quando esta alcançou 614 mortes, não sendo observados os
casos de óbitos por varíola no segundo semestre de 1855. Outra possibilidade que
reforça a hipótese de que o número de vítimas ocasionadas pela varíola entre 1854 e
1855 seja o percentual de 683 óbitos (ou o mais próximo disso), era o antigo hábito que
muitas pessoas tinham por realizar enterros em seus quintais.
De fato, há uma grande margem de acerto para isso ter acontecido entre os
anos de 1854 e 1855, pois, tendo em vista que a varíola era contagiosa mesmo que o
indivíduo estivesse morto, presumia-se que este não poderia ter um velório
acompanhado de seus parentes e familiares, por essa razão é bem possível que muitas
famílias optassem por enterrar o corpo do varioloso em seus quintais, como forma de
370
O percentual de 614 vítimas por varíola entre os anos de 1854 e 1855 pode ser encontrado em
MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório do presidente da Província do Maranhão, o Dr.
Eduardo Olímpio de Machado, apresentou na Assembléa Legislativa Provincial no dia 03 de maio de
1855, Acompanhado do Orçamento das Despeças para o anno de 1856, e mais documentos. Maranhão,
impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1855, pp. 61-62; Cf. também MARQUES, César
Augusto. Dicionário histórico-geográfico da Província do Maranhão. Rio de Janeiro: Fon-Fon e Seleta,
1970, pp. 760-761.
371
MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório com que o Exm. Snh. Presidente da Província do
Maranhão, Dr. Lafaiette Rodrigues Pereira, apresentou à Assembleia Legislativa Provincial, por ocasião
de sua abertura no dia 03 maio de 1866. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira,
1866, p. 29.
121
assegura pelo menos uma boa morte ao defunto, regada de melancolia, preces e cânticos
religiosos.
Segundo Philippe Ariès o homem cristão sempre aceitou a morte como um
fenômeno dramático, pessoal e coletivo e por isso não tem possibilidade de esquivar-se
dela, porém para essa aceitação, é de extrema importância que a morte fosse
acompanhada de solenidades, especulações e preces para conforto familiar da memória
daquele que se foi.372
Em 1847, o Dr. José da Silva Maia cita exemplos sobre essa questão, segundo
ele:
O numero dos enterramentos no Cemitério da Mizericordia, sendo alias o
unico que temos, não representa o numero exacto dos obitos, por quanto
todas as crianças que nascem mortas, ou que morrem logo depois que nascem
sem o sacramento do baptismo, são enterradas nos quintaes das cazas, o que
mostra o grande atraso das nossas leis policiaes, hygiênicas, e
administrativas. E isto basta para provar igualmente que nossa Cidade não é
possível actualmente conhecer-se o número exacto dos nascimentos.373
Mesmo diante de algumas dúvidas, os números são verdadeiramente
catastróficos. Conclui-se então, que a epidemia variólica de 1854-1855 foi um dos
piores episódios já registrados pela varíola no Maranhão, o movimento dos cemitérios
da cidade revela essa triste realidade. Em 1853 foram sepultados 937 cadáveres no
Cemitério da Santa Casa da Misericórdia e 41 no da Santa Cruz dos Passos, somando-se
ao todo 978 sepultamentos em todo ano de 1853. Já em 1854 apenas os dois últimos
meses foram suficientes para alavancar os sepultamentos na capital, até os fins de
dezembro de 1854 foram registrados 954 sepultamentos de cadáveres, sendo 908 no
cemitério da Santa Casa de Misericórdia e 46 no cemitério de Santa Cruz dos Passos, a
diferença de sepultamentos de um ano para o outro foi apenas de 24 sepultamentos.374
372
ARIÈS, Philippe. Sobre a história da morte no Ocidente: desde a Idade Média. 2ª edição. Rio de
Janeiro: Teorema, 1998, p. 31.
373
JORNAL DA SOCIEDADE PHILOMÁTICA MARANHENSE, Estatística, 1847, p. 86.
374
As estatísticas sobre o número de sepultamentos nos cemitérios de São Luís entre 1854 a 1858 podem
ser encontradas em MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório do presidente da Província do
Maranhão, o Dr. João Lustosa da Cunha Paranaguá, apresentou na Assembleia Legislativa Provincial
no dia 03 de maio de 1859. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1859, p. 11; No
entanto informações mais completas também podem ser encontradas em MARANHÃO, Presidência da
Província. Relatório com que o Exm. Snh. Presidente da Província do Maranhão, o Dr. Ambrósio Leitão
da Cunha, passou a administração da mesma ao Exm. Snh. Desembargador Miguel Joaquim Ayres do
Nascimento, 2° vice-presidente, apresentou na Assembleia Legislativa Provincial no dia 24 de novembro
de 1863. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1863, p. 26; MARQUES, César
Augusto. Dicionário histórico–geográfico da Província do Maranhão. Rio de Janeiro: Fon-Fon e Seleta,
1970, pp. 331-338.
122
Entretanto, esse percentual sofre um considerável aumento de 710 mortes a
mais em 1855, contabilizando ao todo 1666 óbitos, sendo que apenas no primeiro
trimestre deste ano foram sepultados 618 cadáveres375. De acordo com as normas
higiênicas aos sepultamentos, os cadáveres dos falecidos por epidemia de qualquer
natureza deveriam passar antes por um processo de desinfecção:
Logo que succumbia o doente espalhava-se ácido phenico em torno da cama;
no caixão se assentava o corpo em chlorureto de cal, e enchia-se o espaço
restante de serradura impregnada de ácido phenico; e além d'isto, quando o
caixão descia á sepultura, deitava-se sobre a cova uma camada de chlorureto
de cal, e fazia-se por cima uma aspersão com água chloruretada.376
Em uma inspeção ao cemitério da Santa Casa da Misericórdia, o Conselho de
Saúde Pública da Província do Maranhão constatou ser impossível o cemitério continuar
a funcionar normalmente devido ao alto índice de cadáveres em detrimento e
empilhados uns sobre os outros sem quaisquer normas higiênicas. A maior parte do sítio
do cemitério encontrava-se neste estado. Por este motivo o Conselho de Saúde Pública
da Província do Maranhão determinou que fosse suspensa qualquer atividade funerária
no cemitério da Misericórdia, passando os sepultamentos a serem feitos no cemitério
dos Passos.
Segundo o relatório geral de 1855, a Comissão de Saúde Pública assim atestava
sobre as condições físicas e higiênicas do cemitério da Misericórdia:
Aquele primeiro cemitério, por falta da capacidade requerida para receber o
grande número de cadáveres, que nelles se sepultavão todos os anos, tornavase constantemente revolvido em seu solo saturado de massa orgânica em
decomposição incompleta. Um verdadeiro foco de emanações pestilenciaes
com que cumpri acabar o quanto antes. Com uma área que apenas contém
2.471 sepulturas compreendidas as catacumbas tem ele servindo de depósito,
desde 1831, em que forão prohibidos os enterramentos nas igrejas, até o fim
do anno passado a 25.833 cadáveres, ou mais de 1.000 por anno, e desde
1805 até a mesma época ou menos de meio século, ao total de 41.200
cadáveres. [...] não se achando, pois o número das sepulturas em relação com
o dos cadáveres anualmente recebidos, erão ellas, por efeito da necessidade,
novamente abertas antes de 03 annos, ou antes, do tempo exigido do nosso
clima para a perfeita decomposição desses, cujos restos, em fermentação
pútrida, empestavão em taes ocasiões o ar ambiente, resultando dahi
375
O PUBLICADOR MARANHENSE, 30 de junho de 1856. Relatório com que o Exm. Snh.
Commendador Antônio Candido da Cruz Machado abriu a Assembleia Legislativa Provincial, no dia 09
de junho de 1856, Saúde Pública, p. 02; Cf. também O PUBLICADOR MARANHENSE, 20 de abril de
1858. Relatório com que o Exm. Snh. Presidente, Dr. Francisco Xavier Paes Barreto, passou a
administração da Província ao Exm. Snh. Vice-presidente, Dr. João Pedro Dias Vieira, Saúde Pública, p.
02.
376
GAZETA MÉDICA DA BAHIA, Publicada por uma associação de facultativo, Anno IV, n° 91.
Hygiene Publica. A Hygiene n’esta cidade a propósito da invasão da febre amarella. Bahia, Officina
litho-typographia de J.G. Tourinho, 15 de maio de 1870, p. 220.
123
converter em asylo dos mortos, nos subúrbios desta capital, em um sitio
eminentemente prejudicial à saúde dos vivos.377
Agostinho Holanda Coe aponta que a interdição do cemitério da Santa Casa da
Misericórdia foi consequência da epidemia varíola de 1854-55, segundo ele era preciso
haver o triplo de sepulturas utilizadas para atender a demanda de cadáveres ocasionados
pela varíola378. Em uma cidade que pedia por socorros no que diz respeito ao
arejamento de ruas, praças e matadouros a solicitação do pedido da interdição do
cemitério da Misericórdia pela Comissão de Saúde Pública era uma mescla de alívio e
desespero para os médicos higienistas no combate ao mal variólico e a possível
importação da cólera morbus.
O que de fato podemos crer, é que as 683 mortes ocasionadas pela varíola
deixavam cair novamente dúvidas pontuais sobre a eficácia e aplicação da linfa vacínica
contra a varíola. Desde a institucionalização da legislação sanitária na Província do
Maranhão com a criação do Conselho de Saúde Pública da Província do Maranhão e da
Junta de Hygiene em 1850, a cidade de São Luís esteve coberta sobre um manto de
morte, iniciando-se em 1851 com a febre amarela e depois em 1854 e 1855 com varíola.
O estado sanitário de São Luís nunca havia sido tão insatisfatório, os registros
de óbitos neste respectivo período dão fé sobre o aumento da mortalidade ano após ano
na cidade de São Luís. Em 1851 os cemitérios da cidade registraram a cifra de 953
sepultamentos, destes, 807 foram provenientes somente por febre amarela379. Em 1852
o movimento nos cemitérios chegou a 929 sepultamentos380. Em 1853 foram registrados
377
MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório do presidente da Província do Maranhão, o Dr.
Eduardo Olímpio de Machado, apresentou na Assembléa Legislativa Provincial no dia 03 de maio de
1855, Acompanhado do Orçamento das Despeças para o anno de 1856, e mais documentos. Maranhão,
impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1855, p. 62.
378
COE, Agostinho Holanda. Questões de higiene pública? Debates acerca de um bom cemitério nos
periódicos ludovicenses do século XIX. In. GALVES, Marcelo Cheche, COSTA, Yuri (Orgs.). O
Maranhão oitocentista. Imperatriz: Ética / São Luís: Editora UEMA, 2009, p. 91.
379
A estimativa de 953 sepultamentos para o ano de 1851 foi retirada junto as seguintes fontes:
MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório do presidente da Província do Maranhão, o Dr. João
Lustosa da Cunha Paranaguá, apresentou na Assembleia Legislativa Provincial no dia 03 de maio de
1859. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1859, p. 11; MARANHÃO. Relatório
com que o Exm. Snh. Presidente da Província do Maranhão, o Dr. Ambrósio Leitão da Cunha, passou a
administração da mesma ao Exm. Snh. Desembargador Miguel Joaquim Ayres do Nascimento, 2° vicepresidente, apresentou na assembleia Legislativa Provincial no dia 24 de novembro de 1863. Maranhão,
impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1863, p. 26; MARQUES, César Augusto. Dicionário
histórico–geográfico da Província do Maranhão. Rio de Janeiro: Fon-Fon e Seleta, 1970, pp. 331-338.
380
O cálculo de 929 sepultamentos para o ano de 1852 foi óbito pelo somatório de sepultamentos no
Cemitério da Santa Casa de Misericórdia, Cemitério dos Passos e Cemitério dos Ingleses. Cf.
MARQUES, César Augusto. Dicionário histórico–geográfico da Província do Maranhão. Rio de
Janeiro: Fon-Fon e Seleta, 1970, pp. 333-338.
124
978 sepultamentos381. Em 1854 os cemitérios da cidade registram 954 sepultamentos382,
no entanto, esse percentual alcança incríveis 1688 sepultamentos em 1855, sendo 683
provenientes pela varíola.383
O alto índice de mortalidade perdura nos anos seguintes, em 1856 os
cemitérios de São Luís registraram 1127 sepultamentos, 214 dessas mortes foram
ocasionadas por uma epidemia de disenteria, soma-se a este alguns casos por varíola384,
e em 1857 o índice de sepultamentos novamente subiu para 1151 óbitos, em virtude de
um surto de febres intermitentes neste respectivo ano.385
381
A estimativa de 978 sepultamentos para o ano de 1853 foi retirada junto as seguintes fontes:
MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório do presidente da Província do Maranhão, o Dr. João
Lustosa da Cunha Paranaguá, apresentou na Assembleia Legislativa Provincial no dia 03 de maio de
1859. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1859, p. 11; MARANHÃO,
Presidência da Província. Relatório com que o Exm. Snh. Presidente da Província do Maranhão, o Dr.
Ambrósio Leitão da Cunha, passou a administração da mesma ao Exm. Snh. Desembargador Miguel
Joaquim Ayres do Nascimento, 2° vice-presidente, apresentou na assembleia Legislativa Provincial no
dia 24 de novembro de 1863. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1863, p. 26;
MARQUES, César Augusto. Dicionário histórico–geográfico da Província do Maranhão. Rio de
Janeiro: Fon-Fon e Seleta, 1970, pp. 331-338.
382
A estimativa de 954 sepultamentos para o ano de 1854 foi retirada junto as seguintes fontes:
MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório do presidente da Província do Maranhão, o Dr. João
Lustosa da Cunha Paranaguá, apresentou na Assembleia Legislativa Provincial no dia 03 de maio de
1859. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1859, p. 11; MARANHÃO,
Presidência da Província. Relatório com que o Exm. Snh. Presidente da Província do Maranhão, o Dr.
Ambrósio Leitão da Cunha, passou a administração da mesma ao Exm. Snh. Desembargador Miguel
Joaquim Ayres do Nascimento, 2° vice-presidente, apresentou na assembleia Legislativa Provincial no
dia 24 de novembro de 1863. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1863, p. 26;
MARQUES, César Augusto. Dicionário histórico–geográfico da Província do Maranhão. Rio de
Janeiro: Fon-Fon e Seleta, 1970, pp. 331-338.
383
O PUBLICADOR MARANHENSE, 30 de junho de 1856. Relatório com que o Exm. Snh.
Commendador Antônio Candido da Cruz Machado abriu a Assembleia Legislativa Provincial, no dia 09
de junho de 1856, Saúde Pública, p. 02.
384
A estimativa de 1127 sepultamentos para o ano de 1856 foi retirada junto as seguintes fontes:
MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório do presidente da Província do Maranhão, o Dr. João
Lustosa da Cunha Paranaguá, apresentou na Assembleia Legislativa Provincial no dia 03 de maio de
1859. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1859, p. 11; MARANHÃO,
Presidência da Província. Relatório com que o Exm. Snh. Presidente da Província do Maranhão, o Dr.
Ambrósio Leitão da Cunha, passou a administração da mesma ao Exm. Snh. Desembargador Miguel
Joaquim Ayres do Nascimento, 2° vice-presidente, apresentou na assembleia Legislativa Provincial no
dia 24 de novembro de 1863. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1863, p. 26;
MARQUES, César Augusto. Dicionário histórico–geográfico da Província do Maranhão. Rio de
Janeiro: Fon-Fon e Seleta, 1970, pp. 331-338.
385
A estimativa de 1151 sepultamentos para o ano de 1857 foi retirada junto as seguintes fontes:
MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório do presidente da Província do Maranhão, o Dr. João
Lustosa da Cunha Paranaguá, apresentou na Assembleia Legislativa Provincial no dia 03 de maio de
1859. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1859, p. 11; MARANHÃO,
Presidência da Província. Relatório com que o Exm. Snh. Presidente da Província do Maranhão, o Dr.
Ambrósio Leitão da Cunha, passou a administração da mesma ao Exm. Snh. Desembargador Miguel
Joaquim Ayres do Nascimento, 2° vice-presidente, apresentou na assembleia Legislativa Provincial no
dia 24 de novembro de 1863. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1863, p. 26;
MARQUES, César Augusto. Dicionário histórico–geográfico da Província do Maranhão. Rio de
Janeiro: Fon-Fon e Seleta, 1970, pp. 331-338.
125
4.2 1864-1865-1866 novamente a varíola reina em São Luís
A escala de crescimento no quadro mortes entre os anos de 1851 e 1857
prescrevem a hipótese da ineficiência da legislação sanitária na Província do Maranhão
e sua incapacidade de manter estruturas sanitárias mínimas para conter o avanço de
flagelos mortíferos à população. Essa situação, pois em xeque a eficácia do Conselho de
Saúde Pública da Província do Maranhão, que encontrou dificuldades em realizar suas
atividades.
A limpeza das praias não era mais constante, as normas sobre os matadouros
públicos eram burladas e a podridão nos charcos estava por se espalhar por todo o
perímetro urbano de São Luís. Próprio Conselho de Saúde Pública alegava falta de
verbas e de pessoal qualificado para enfrentar problemas de tal envergadura, tanto que o
mesmo foi dissolvido ainda em 1854, sendo substituído por Comissões temporárias de
Higiene Pública.
Para piorar a situação, em 1858 a Junta Central de Hygiene386 e suas comissões
regionais foram extintas. Neste cenário o índice de sepultamentos nos cemitérios de São
Luís não parou de crescer entre os anos de 1858 a 1868. Em 1858, foram sepultados na
capital da Província do Maranhão 1121 cadáveres, deste total 13 pessoas foram vítimas
da febre amarela que havia reaparecido em São Luís387. Em 1859 foram sepultados mais
1152 cadáveres, 118 por febres intermitentes e catarrais e 30 por febre amarela388. No
inicio da década de 1860 foram mais 1382 sepultamentos389, em 1861 este índice
386
A Junta Central de Hygiene foi substituída anos mais tarde pela Inspetoria de Saúde Pública em 1886
que no Maranhão inicialmente foi confinada ao Dr. José M. Augusto Bayma.
387
MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório com que o Exm. Snh. Presidente da Província do
Maranhão, o Dr. Ambrósio Leitão da Cunha, passou a administração da mesma ao Exm. Snh.
Desembargador Miguel Joaquim Ayres do Nascimento, 2° vice-presidente, apresentou na assembleia
Legislativa Provincial no dia 24 de novembro de 1863. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de
I.J. Ferreira, 1863, p. 26.
388
De acordo com o anexo de n° 05 emitido em 03 de maio de 1860, o mapa patológico e mortuário
estatístico da cidade de São Luís do Maranhão do ano de 1859, expedido pelo senhor Ovídio da Gama
Lobo indica que dos 1152 óbitos ocorridos em 1859, morreram por febre amarela em São Luís 30
indivíduos, 03 no mês de janeiro, 02 em fevereiro, 04 em março, 04 em abril, 03 em maio, 05 em junho,
05 em julho, 02 em setembro e 02 em dezembro, não foram registrados óbitos por febre amarela nos
meses de outubro e novembro. Cf. MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório com que o Exm.
Snh. Presidente da Província do Maranhão João Silveira de Souza abriu a assembleia Legislativa
Provincial no dia 03 de maio de 1860. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1860.
389
De acordo com o anexo de n° 02 emitido em 03 de julho de 1861 dos 1362 óbitos registrados em 1860,
784 óbitos foram de pessoas livres e 598 óbitos foram de escravos, sendo que 170 óbitos foram de
crianças de até dois anos de idade, provavelmente o grande número de mortes entre as crianças tenha
haver com um surto de sarampo que se alastrou em toda a Província por volta de setembro de 1859
findando-se em julho de 1860. Cf. MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório apresentado à
assembleia Legislativa Provincial pelo Exm. Snh. Presidente da Província do Maranhão, Major
126
decresce um pouco atingindo a cifra de 1078 sepultamentos390, entretanto, volta a subir
em 1862 com 1044 sepultamentos391 e em 1863 novamente sofre acréscimo para 1245
sepultamentos.392
Durante esse período a cidade de São Luís rotineiramente sofreu a influencia
de moléstias no obituário de seus cemitérios, o que levou a uma média de mais de 03
mortes por dia393. Levando-se em consideração o índice populacional de 30.000
habitantes da cidade de São Luís, entre as décadas de 1850 a 1860, a cidade apresentou
um acréscimo de 1/6 nos números da mortalidade nos cemitérios da cidade394. Esse
aumento é considerado significativo em relação aos anos anteriores a 1850, isto porque,
até 1850 a média de sepultamentos nos cemitérios da cidade de São Luís não passava de
900 cadáveres por ano. Após 1851, ano em que grassou a febre amarela em São Luís, a
média subiu para mais de 1000 sepultamentos por ano.
Ou seja, os números comprovam que mesmo com a institucionalização da
legislação sanitária no Maranhão em 1850 e a criação da Junta de Hygiene Pública e do
Conselho de Saúde Pública da Província do Maranhão, a cidade de São Luís esteve a
mercê da falta de condições salutares de higiene.
Em agosto de 1864 a varíola novamente grassou em São Luís, José Miguel
Pereira Cardoso admitiu a entrada e o contato de uma embarcação portuguesa acometida
por varíola, com a população local. Logo, a varíola se fez presente entre a população da
Francisco Primo de Sousa Aguiar, no dia 03 de julho de 1861, acompanhado do Relatório que lhe foi
transmitida a administração da mesma. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira,
1861.
390
MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório com que o Exm. Snh. Presidente da Província do
Maranhão, o Dr. Ambrósio Leitão da Cunha, passou a administração da mesma ao Exm. Snh.
Desembargador Miguel Joaquim Ayres do Nascimento, 2° vice-presidente, apresentou na assembleia
Legislativa Provincial no dia 24 de novembro de 1863. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de
I.J. Ferreira, 1863, p. 26.
391
Ibidem.
392
O percentual de 1245 sepultamentos não é oficial, apenas uma probabilidade. Cf. MARANHÃO,
Presidência da Província. Relatório com que o Exm. Snh. Presidente da Província do Maranhão, o Dr.
Ambrósio Leitão da Cunha, passou a administração da mesma ao Exm. Snh. Desembargador Miguel
Joaquim Ayres do Nascimento, 2° vice-presidente, apresentou na assembleia Legislativa Provincial no
dia 24 de novembro de 1863. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1863, p. 25.
393
A estimativa de 03 mortes por dia foi retirada junto a seguinte fonte: MARANHÃO, Presidência da
Província. Relatório com que o Exm. Snh. Presidente da Província do Maranhão, o Dr. Ambrósio Leitão
da Cunha, passou a administração da mesma ao Exm. Snh. Desembargador Miguel Joaquim Ayres do
Nascimento, 2° vice-presidente, apresentou na Assembleia Legislativa Provincial no dia 24 de novembro
de 1863. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1863, p. 26.
394
A estimativa de acréscimo de 1/6 no quadro de mortalidade dos cemitérios da cidade de São Luís foi
retirada da seguinte fonte: MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório com que o Exm. Snh.
Presidente da Província do Maranhão, o Dr. Ambrósio Leitão da Cunha, passou a administração da
mesma ao Exm. Snh. Desembargador Miguel Joaquim Ayres do Nascimento, 2° vice-presidente,
apresentou na assembleia Legislativa Provincial no dia 24 de novembro de 1863. Maranhão, impresso na
Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1863, p. 26.
127
cidade, a primeira infectada teria sido uma mulher, que teve contato direto com a
tripulação. Dai por diante a contagiosidade da moléstia se deu em ritmo lento, quase
despercebido pelas autoridades de saúde.395
A virulência da moléstia se fez presente a partir de 03 de outubro de 1854, dois
meses após a primeira infecção ocorrida por varíola. Nestas circunstâncias, o governo
provincial, apenas pôde fazer como medida de conter o avanço da varíola a nomeação
urgente do Dr. Antônio Henriques Leal, como encarregado geral da enfermaria
destinada ao socorro dos variolosos. Esta enfermaria começou a funcionar em 24 de
novembro de 1864. Antônio Henriques Leal também foi prontamente nomeado como
inspetor de saúde e comissário vacinador interino, tendo como auxiliares nestes dois
últimos cargos os doutores Jauffret e Saulnier.396
Em termos comparativos, houve um decréscimo no número de vacinadores em
São Luís entre os anos de 1864 a 1866. Além de José Miguel Pereira Cardoso
comissário vacinador provincial eram responsáveis por aplicar a vacina na população de
São Luís os já citados médicos Antônio Henriques Leal, Jauffret e Saulnier, o que nos
leva a uma margem negativa de um vacinador para cada 7.500 habitantes. Outra
semelhança entre as duas epidemias é que o surto variólico que atingiu a cidade de São
Luís em 1864 apresentou as mesmas características da epidemia desencadeada entre
1854-1855. Nos primeiros meses de contágio a virulência apresentada pela moléstia foi
mínima.
Porém o movimento dos socorros públicos realizados pela enfermaria dos
bexiguentos demonstra um aumento gradativo no número de contagiosidade e vítimas
da varíola. Entre 24 de novembro de 1864, dia em que começou a funcionar a
enfermaria destinada ao socorro dos bexiguentos até 15 de março de 1865, haviam
entrado na enfermaria 563 variolosos, deste total, 405 eram homens e 158 eram
mulheres. Saíram curados desta enfermaria 477 pessoas, 358 homens e 119 mulheres397.
A cifra de óbitos feitos pela varíola neste período foi considerada baixa. Entre
novembro de 1864 a março de 1865 a varíola vitimou 86 pessoas, destas 47 eram
homens e 39 mulheres.398
395
MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório com que o Exm. Snh. Presidente da Província do
Maranhão, o Dr. Ambrósio Leitão da Cunha, passou a administração da mesma Província ao Exm. Snh.
1° vice-presidente tenente–coronel, José Caetano Vaz Junior, no dia 23 abril de 1865. Maranhão,
impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1865, p. 15.
396
Ibidem.
397
Ibidem.
398
Ibidem.
128
Em comparação com o primeiro semestre de 1855, os 92 óbitos registrados em
decorrência da varíola entre novembro de 1864 a março de 1865 foram bem inferiores à
cifra de 514 vítimas feitas pelo surto variólico que atingiu São Luís entre o final do ano
de 1854 e o primeiro semestre do ano de 1855. Em janeiro de 1865 ela somou 34 óbitos,
em fevereiro 22 e em março 40 totalizando 92 mortes no primeiro trimestre de 1865399.
Números que poderiam ser considerados satisfatórios, se os comissários vacinadores
tivessem intensificado o uso do contraceptivo da vacina. É possível, que por ter a
epidemia apresentado baixo índice de mortalidade no primeiro trimestre de 1865 os
comissários vacinadores não tenham aplicado com êxito a vacina antivaríolica.
Este erro custou caro, a epidemia variólica ganhou contornos cinzentos já em
abril de 1865, neste respectivo mês a contagiosidade variólica foi bem mais aguda do
que a apresentada no primeiro trimestre de 1865. Mais uma vez as autoridades de saúde
da Província do Maranhão mostraram-se em descompasso no resguardo à sua
população. Ao recompormos o cenário em que a varíola surgiu em São Luís em 1864 é
possível perceber que a moléstia apenas foi considerada epidêmica quando passou a
atingir outras dimensões geográficas e populacionais.
Em setembro de 1864 a varíola já se fazia presente na vila do Codó em caráter
benigno, expandindo-se e logo reaparecendo com intensidade em dezembro de 1864 em
Alcântara, Itapecuru-mirim, Miritiba e Rosário. Em janeiro de 1865 a contagiosidade do
vírus continuou a se espalhar pelo interior da Província atingindo com intensidade Icatu
e no mês de abril de 1865, Guimarães, Anajatuba e São Bento. Em junho de 1865 a
varíola chegou a Pinheiro, Viana, Santa Helena e São José dos Índios, atingindo
também Vargem Grande e Caxias em julho. Em agosto a varíola se fez presente em São
Luís do Gonzaga do Alto do Mearim, Brejo, Barreirinhas, Pastos Bons e vila do Paço
do Lumiar, e em dezembro de 1865, ela se prolongou a São Vicente Ferrer, Turriaçu,
São José de Penalva, Cururupu, Barra do Corda, São Bernado e Carolina.400
Pela primeira vez no século XIX a varíola havia grassado em todo o território
da Província do Maranhão, este fato não havia ocorrido nos surtos variólicos de 18371838 e 1854-1855. A varíola também foi consecutiva por três anos, pois esta havia se
iniciado em agosto de 1864 com alguns casos, entre abril de 1865 ela reapareceu em
399
Ibidem, p. 18.
MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório com que o Exm. Snh. Presidente da Província do
Maranhão, Dr. Lafaiette Rodrigues Pereira, apresentou à Assembleia Legislativa Provincial, por ocasião
de sua abertura no dia 03 maio de 1866. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira,
1866, p. 28.
400
129
São Luís e em toda a Província na sua forma mortífera. A intensidade do surto variólico
foi tamanha, que até o mês de maio de 1866 ela ainda se fazia presente na Província do
Maranhão, entretanto, neste último ano sua letalidade era mínima, apenas fazendo-se
sentir por alguns casos pontuais de sua ocorrência.
Há duas hipóteses para tamanha longevidade do vírus variólico. A primeira, diz
respeito a uma possível evolução do vírus através da contagiosidade, passando de sua
forma benigna, para sua forma maligna (varíola confluente). A segunda diz respeito, a
uma possível nova entrada da varíola confluente a partir do mês de abril de 1865. Das
duas possibilidades, a mais provável seria a primeira, isto porque as chances de
evolução do vírus variólico da forma benigna para a maligna eram consideráveis e
provavelmente o alto índice de contagiosidade e virulência ajudaram na longevidade
desde surto epidêmico.
A este respeito Mayor Greenwood explica que as mutações infectantes de um
micróbio ou vírus pode trazer grandes modificações no caráter de uma epidemia, para
mais ou para menos401. Segundo John Snow o percurso de uma epidemia não é
constante, ao estudar a cólera, este autor chamou atenção para o movimento descontínuo
nos casos de virulência e contagiosidade de uma moléstia, apontando as diferenças na
patogenidade das culturas de uma determinada amostra de germe ou vírus nos períodos
pré-epidêmico, epidêmico e pós-epidêmico ou nos intervalos da epidemia.402
A intensidade com que a varíola confluente grassou em 1865 foi tamanha que a
epidemia logo tomou proporções catastróficas. Em abril do referido ano, a virulência
apresentada pela moléstia, fez com que o Dr. Antônio Henriques Leal transferisse o
local da enfermaria de socorro aos variolosos para o sobrado do senhor Raymundo
Lamignère Muniz, o qual oferecia o espaço para a criação de mais 60 leitos para os
variolosos403. Contudo, mesmo recebendo uma nova enfermaria muitos variolosos
401
GREENWOOD, Mayor. Epidemics and crowd diseases: introduction to the study of
epidemiology. North Stratford: Ayer Company Publishers; 1935. In. TERRIS, Milton. La Epidemiologia
y la salud Publica: origenes e impacto de la segunda revolucion epidemiológica. Revista San. Hig. Pub.
1994, volume 68, pp. 5-10.
402
SNOW, John. Sobre a maneira de transmissão da cólera. 2 ed. São Paulo/ Rio de Janeiro: Hucitec/
Associação brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva (Abrasco), 1990. In. SILVA, Jarbas Barbosa
da; BARROS, Marilisa Berti Azevedo. Epidemiologia e desigualdade: notas sobre a teoria e a história.
Revista Panam Salud Publica/Pan Am J Public Health 12(6), 2002, pp. 375-383.
403
MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório com que o Exm. Snh. Presidente da Província do
Maranhão, Dr. Lafaiette Rodrigues Pereira, apresentou à Assembleia Legislativa Provincial, por ocasião
de sua abertura no dia 03 maio de 1866. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira,
1866, p. 27.
130
preferiam tratar-se por conta própria do que receber o curativo da enfermaria dos
bexiguentos.
Para resolver esta situação, uma comissão de caráter urgente foi estabelecida.
A referida comissão chegou a receber 4:471$000 contos de réis num intervalo de quatro
meses, como ajuda de custo para os primeiro socorros aos variolosos e era composta
pelo presidente da câmara municipal Manoel Gonçalves Ferreira Nina, pelo presidente
da praça de comércio Luiz da Serra Pinto e pelo negociante Joaquim José Domingues
Lima, estes senhores foram incumbidos de percorrer os diversos bairros da capital e
distribuir para os variolosos os socorros primários e dietas.404
De janeiro a dezembro de 1865, a varíola vitimou ao todo 473 pessoas405, um
índice considerado altíssimo para uma moléstia que poderia ser combatida pelo
contraceptivo da vacina. Infelizmente, não disponho de dados estatísticos sobre o índice
de virulência e mortalidade ocasionado pela epidemia variólica em todos os meses de
1865, sabemos apenas, que o número de sepultamentos no cemitério da Misericórdia no
mês de julho de 1865 atende a seguinte proporção: 24 homens livres, 24 mulheres
livres, somando-se assim 48 sepultamentos por varíola de pessoas livres. Foram
sepultados neste cemitério no referido mês, 35 homens escravos e 28 mulheres escravas,
uma soma de 58 sepultamentos de escravos vítimas da varíola.406
O mês de setembro de 1865 teve o movimento de 106 sepultamentos, sendo
que desta totalidade 32 mortes foram ocasionadas por varíola confluente407. No mês de
agosto de 1865 a varíola vitimou 17 pessoas a mais do que setembro de 1865, isto
significa dizer que a mortalidade ordinária por varíola em agosto de 1865 foi de 49
óbitos.408
Ao que parece a intensidade da virulência da epidemia variólica começa a cair
exatamente no final do mês de agosto de 1865, entretanto seus súbitos são percebidos
404
MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório com que o Exm. Snh. Vice-Presidente da Província
do Maranhão, José Caetano Vaz Junior, passou a administração da Província ao Exm. Snh. Presidente
Dr. Lafaiette Rodrigues Pereira, no dia 11 junho de 1865. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de
I.J. Ferreira, 1865, p. 10.
405
MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório com que o Exm. Snh. Presidente da Província do
Maranhão, Dr. Lafaiette Rodrigues Pereira, apresentou à Assembleia Legislativa Provincial, por ocasião
de sua abertura no dia 03 maio de 1866. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira,
1866, p. 29.
406
Ibidem.
407
O PUBLICADOR MARANHENSE, 02 de outubro de 1865. Estatística da cidade, p. 02.
408
MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório com que o Exm. Snh. Presidente da Província do
Maranhão, Dr. Lafaiette Rodrigues Pereira, apresentou à Assembleia Legislativa Provincial, por ocasião
de sua abertura no dia 03 maio de 1866. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira,
1866, p. 29.
131
até o final de maio de 1866. Segundo os dados estatísticos da mortalidade dos anos de
1864 a 1866, a epidemia variólica ceifou ao todo 505 vidas, em comparação com a
epidemia de 1854 e 1855, que ceifou ao todo 683 vidas, houve um decréscimo de 178
óbitos para menos. A tabela abaixo mostra o comparativo entre as duas epidemias.
Quadro 04. Comparativo dos estragos das epidemias de 1854-1855 e 1864-1865-1866.
Meses
Homens
Mulheres
Soma
dezembro de 1855
334
349
683
Outubro de 1864 a
244
261
505
Outubro de 1854 a
maio de 1866
Diferença para menos
178
Fonte: MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório com que o Exm. Snh. Presidente da
Província do Maranhão, Dr. Lafaiette Rodrigues Pereira, apresentou à Assembléa Legislativa
Provincial, por ocasião de sua abertura no dia 03 maio de 1866. Maranhão, impresso na Typ.
Constitucional de I.J. Ferreira, 1866, p. 29.
As estatísticas sobre as moléstias que lastimaram a população de São Luís entre
os anos de 1864 a 1866 colocam a varíola no topo da tabela com 505 óbitos em menos
de três anos409. Vale destacar ainda que a virulência apresentada pela epidemia variólica
foi tamanha que as cidades de Brejo e Caxias foram sumariamente castigadas por este
surto variólico. As despesas com a epidemia variólica de 1864, 1865 e 1866 chegou a
cifra de 25:224$152 conto de reis todas pagas pelo ministério do império410. Mesmo
com toda essa despesa, mais uma vez a varíola contribuiu para a manutenção do alto
índice de mortalidade nos cemitérios de São Luís, os números abaixo mostram esse
percentual.
Entre 1861, a 1866 a média anual de sepultamentos na cidade foi de 1210
cadáveres por ano. Em 1861, foram sepultados nos cemitérios de São Luís 1078
cadáveres, em 1862 este índice decresceu para 1044 sepultamentos, em 1863 sobe para
1213 sepultamentos, no ano seguinte a média de sepultamentos é mantida com 1125
enterros, porém em 1865, ano em que a varíola grassou com severa intensidade em toda
409
As moléstias interiores ocupam o segundo lugar das moléstias que mais ceifaram vidas em São Luís
entre 1864 a 1866 com 214 óbitos, em terceiro lugar estão às complicações do tubo gastro intestinal com
187 óbitos, em quarto, os casos de derramamento seroso com 115 óbitos e em quinto as febres
intermitentes com 112 casos de óbitos. Cf. MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório com que o
Exm. Snh. Presidente da Província do Maranhão, Dr. Lafaiette Rodrigues Pereira, apresentou à
Assembléa Legislativa Provincial, por ocasião de sua abertura no dia 03 maio de 1866. Maranhão,
impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1866, pp. 29-30.
410
Ibidem, p. 29.
132
a Província do Maranhão, foram registrados 1590 sepultamentos nos cemitérios de São
Luís411, destes, 473 foram decorrentes da varíola.
Mesmo diante de tamanha calamidade o governo provincial considerava que o
surto variólico que atingiu a cidade de São Luís entre 1864, 1865 e 1866 não foi de
natureza mortífera, por isso não classificava a ocorrência da varíola nesses anos como
epidêmica.
De acordo com o relatório do presidente da Província do Maranhão referente
ao ano de 1866 a proporção entre o número daqueles que deram entrada na enfermaria
dos bexiguentos e que por ocasião morreram de varíola foi de 16% entre os anos de
1864 a 1866. Entretanto o mesmo relatório entra em contradição ao assegura que a
estimativa da mortalidade da cidade de São Luís no período de 1861 a 1865 foi de 01
morte para cada 25 habitantes, percentual considerado negativo e comparável ao dos
países mais insalubres, que era de 01 morte para cada 26 habitantes412. Sendo superior
também à estimativa de 01 morte para cada 38 habitantes cifra estimada para épocas de
grandes epidemias na França no século XIX.413
É possível que o governo provincial não tenha considerado a existência de
epidemia variólica nos anos de 1864-65-66 devido ao decréscimo dos 178 óbitos a
menos em comparação com a epidemia de 1854-55. César Augusto Marques, por
exemplo, em seu conceituado Dicionário Histórico e Geográfico da Província do
Maranhão, não menciona os anos de 1864, 1865 e 1866, como épocas de epidemias
variólicas, o mesmo se reporta a ocorrência da varíola no Maranhão no século XIX
apenas aos anos de 1837-1838, 1854-1855, 1867-1868, 1870-1871.414
411
Ibidem, p. 30.
A estimativa de 01 morte para cada 25 habitantes entre os anos de 1861 a 1865 foi encontrada levando
em consideração a média da população anual de 30.000 mil habitantes e a média de sepultamentos entre
esses anos. Cf. MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório com que o Exm. Snh. Presidente da
Província do Maranhão, Dr. Lafaiette Rodrigues Pereira, apresentou à Assembleia Legislativa
Provincial, por ocasião de sua abertura no dia 03 maio de 1866. Maranhão, impresso na Typ.
Constitucional de I.J. Ferreira, 1866, p. 30; Informações semelhantes podem ser encontradas também em
MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório com que o Exm. Snh. Presidente da Província o Dr.
Ambrósio Leitão da Cunha passou a administração da mesma ao Exm. Snh. Miguel Joaquim Ayres do
Nascimento, 2° vice-presidente, no dia 24 de novembro do último. Maranhão, impresso na Typ.
Constitucional de I.J. Ferreira, 1863, p. 28; e no jornal O PUBLICADOR MARANHENSE, de 12 de
maio de 1866. Governo da Província, Relatório lido pelo Exm. Snh. Presidente da província por ocasião
da abertura da assembleia legislativa provincial. Saúde Pública, p. 01.
413
MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório com que o Exm. Snh. Presidente da Província o
Dr. Ambrósio Leitão da Cunha passou a administração da mesma ao Exm. Snh. Miguel Joaquim Ayres
do Nascimento, 2° vice-presidente, no dia 24 de novembro do último. Maranhão, impresso na Typ.
Constitucional de I.J. Ferreira, 1863, p. 27.
414
MARQUES, César Augusto. Op. Cit., 1970, p. 761.
412
133
É provável que tenha acorrido uma constatação equivocada dos fatos pelos
médicos higienistas da época, já que a virulência e contagiosidade do vírus variólico de
1864, 1865 e 1866 obedecia todas as características de uma epidemia mortífera em
curso.
l. As moléstias epidêmicas tem em seu progresso ou desenvolvimento uma
marcha especial. Geralmente se lhes reconhecem períodos de ascensão,
estacionários, e de declinação ou terminação. Esses períodos não apresentam
muita vez nem os mesmos syinptomas, nem as mesmas lezões, nem a mesma
gravidade.
2. Durante uma moléstia epidêmica, as outras molestias são menos numerosa,
e recebendo o cunho ou impressão da affecção dominante.
3. Quando reina uma moléstia, epidêmica, não é muito raro que as pessoas
que gozara de saúde não experimentem, mais ou menos, d'aquella influencia
geral.
4. As moléstias epidêmicas reapparecem e cessam muitas vezes na mesma
estação, e tem, em geral, a mesma duração.
5. Uma moléstia epidêmica é muitas vezes precedida de outras affecções
mais ou menos graves, mais ou menos generalizadas, que lhe servem, de
alguma sorte, de precursoras.415
Para se compreender as possibilidades que levaram os médicos higienistas de
São Luís a não considerar o surto variólico de 1864-1865-1866 como mortífero, é
necessário recuar ao conceito de epidemiológica médica utilizado no século XIX. Dina
Czeresnia, por exemplo, propõe-se a discutir a dimensão epistemológica e cultural das
doenças, examinando as relações entre o conceito de transmissão e a constituição da
epidemiologia enquanto disciplina. Segundo esta autora embora seja certa a definição
etimológica sobre epidemiologia como a ciência ou doutrina das epidemias, ou o acervo
de conhecimentos sobre as doenças epidêmicas. É preciso que se entenda a
epidemiologia como a unidade científica destinada à observação das doenças na espécie
humana em várias épocas e em lugares diferenciados.416
Mausner e Bahn sugerem que o problema se concentra na análise da
epidemiologia tradicional, que consiste no:
Estudo da distribuição e dos determinantes de doenças e agravos à saúde em
populações humanas. (...) Como a distribuição das doenças e agravos é
irregular, mas não por azar, (...) precisamos ordenar cadeias de inferências
que ultrapassem os limites da observação direta.417
415
GAZETA MÉDICA DA BAHIA. Publicada por uma associação de facultativo e sob a direção do Dr.
Dirgilio Climaco Damazio. Volume I. Relatório acerca do estado sanitário d’esta Província, durante o
anno de 1866, apresentado à Junta Central de Hygiene Publica pelo Dr. José de Goês Siqueira. Bahia,
Officina litho-typographia de J.G. Tourinho, 1867, p. 190.
416
CZERESNIA, Dina. Do contágio à transmissão: ciência e cultura na gênese do conhecimento
epidemiológico. Rio de Janeiro: FIOCRUZ, 1997, pp. 71-78.
417
MAUSNER, J. S. & BAHN, Α. Κ. Epidemiologia. México: Nueva Editorial Interamericana, 1977. In.
SAMPAIO, José Jackson Coelho. Epidemiologia da imprecisão: Processo saúde/doença mental como
objeto de estudo da epidemiologia. Rio de Janeiro: FIOCRUZ, 1998, p. 17.
134
Goldberg explica que a epidemiologia tem como característica principal o
esforço para identificar o modelo etiológico e linear de cada grupo epidêmico
destacando-se as análises estatísticas das doenças418. Para Almeida Filho a visão
tradicional da epidemiologia induz ao erro dedutivo, pois tem como característica
principal apenas a distinção dos fatos419. Autores como Breilh e Granda citam as
análises epidemiológicas como.
Uma ciência social empírica e prática que estuda a distribuição e a
determinação do modo de expressão, para fins de prevenção e planejamento e
produção de conhecimento, de qualquer elemento do processo saúde/doença
hierarquizando valores (que permitem diferentes possibilidades de saúde e
sobrevivência) e contra valores (que permitem diferentes possibilidades de
doença e morte) em relação ao momento histórico e população
significativa.420
Greenwood sugere que no século XIX existia pouco discernimento sobre o que
era e o que não era epidemia, segundo ele os doutores do século XIX consideravam
moléstia de ação epidêmica, apenas aquelas que em um curto e reduzido tempo tivesse
feito grande número de óbitos, constatação que segundo ele estaria extremamente
equivocada, isto por que:
A epidemia independe do número de vítimas, o que defini se uma doença
apresenta ou não caráter epidêmico é o seu aparecimento brusco em mais de
um ponto da localidade ou região afetada, proporcionando um desequilíbrio
na saúde e nas condições de salubridade.421
No entanto os relatórios de saúde pública, emitidos entre 1864 e 1866 tentam
ao máximo amenizar a situação, destacando que a varíola sempre esteve sob controle,
frisando a atuação da comissão de socorro aos desvalidos e dos comissários
vacinadores. O governo provincial do Maranhão chega até mesmo a demonstrar mais
418
GOLDBERG, M. Cet obscur objet de l’ epidemiologie . Sciences Sociales Et Santé . V. I Toulouse:
Érès, 1982. Apud. SAMPAIO, José Jackson Coelho. Epidemiologia da imprecisão: Processo
saúde/doença mental como objeto de estudo da epidemiologia. Rio de Janeiro: FIOCRUZ, 1998, p. 17.
419
ALMEIDA FILHO, N. Bases históricas da epidemiologia. Apud. ROUQUAYROL, Μ. Z. (Org.)
Epidemiologia & Saúde. 3 ed. Rio de Janeiro: Medsi, 1988, p. 15.
420
BREILH, J. & GRANDA, E. Investigação da Saúde na Sociedade. Guia Pedagógico sobre um Novo
Enfoque do Método Epidemiológico. São Paulo: IS/ Abrasco, 1986. Apud. SAMPAIO, José Jackson
Coelho. Epidemiologia da imprecisão: Processo saúde/doença mental como objeto de estudo da
epidemiologia. Rio de Janeiro: FIOCRUZ, 1998, p. 18.
421
GRENWOOD, Mayor. Epidemics and crowd diseases: introduction to the study of
epidemiology. North Stratford: Ayer Company Publishers; 1935. Apud. BARRETO, João de Barros.
Tratado de Higiene: Saneamento e higiene. Rio de Janeiro, Volume II: Imprensa Nacional do Rio de
Janeiro, 1956, p. 19.
135
uma vez maior preocupação com a importação da cólera morbus vinda da Europa do
que propriamente com a varíola.
Esta situação é comprovada quando em meados de 1865, os doutores Antônio
Henriques Leal, Luiz Quadros e Jauffret são incumbidos de formar uma comissão de
saúde, a fim de evitar a importação da cólera morbus pelo porto da cidade. A dita
comissão logo deu-se com presa a se reunir, sugerindo ao governo da Província do
Maranhão medidas profiláticas de caráter de urgência para conter a importação da
moléstia. Uma clara tentativa de retirar o foco da epidemia variólica que havia se
alastrado na cidade.
4.3 Varíola: um caso endêmico em São Luís
Mesmo não considerando o surto variólico de 1864, 1865 e 1866 de natureza
mortífera os médicos admitiram a intensidade da virulência do vírus, o surto foi
considerado como extinto em maio de 1866, entretanto a varíola reapareceu ainda em
dezembro do mesmo ano. Entre 1867 a 1871 a varíola foi considerada pelos médicos
como benigna, ou seja, apenas fez-se presente na sua forma menos letal a “varicela”,
mesmo assim ela não deixou de ceifar vidas na capital.
Em 08 de janeiro de 1867 a primeira página do jornal O Publicador
Maranhense expõe o pedido do Dr. Tolentino Augusto Machado cirurgião-mor da
guarda nacional ao presidente da Província salas do edifício do hospital da Madre Deus
para o estabelecimento de uma enfermaria especial destinada ao tratamento de praças do
exército, da guarda nacional e o corpo de polícia que fossem acometidas pela varicela.
Em março de 1867 a varíola também era presente na vila de Vargem Grande.422
No ano seguinte a varíola novamente fez-se presente em São Luís, e não parou
de reaparecer. Em ofício expedido em 22 de setembro de 1870, o vice-presidente da
Província do Maranhão sabendo que a varíola estava por reinar novamente em São Luís
resolveu instituir duas enfermarias com a conveniente separação dos sexos, no edifício
do hospital regimental essas duas enfermarias ficariam sobre diligencia do Dr. Fabio
Augusto Bayma, nelas seriam tratados os indigentes, os presos de justiça, praças do
exército da armada e o corpo de polícia que por ventura tivessem contraído a
422
O PUBLICADOR MARANHENSE, 08 de janeiro de 1867. Governo da Província. Expediente do dia
29 de dezembro de1866, p. 01.
136
moléstia423. O mesmo ofício dava como certo a abertura de 2:000$000 contos de réis
para as despesas das enfermarias destinadas aos variolosos, este valor era prescrito pelos
termos do §1 do art. 5° do decreto, n° 2884, de 1° de fevereiro de 1862.424
No final de 1871, César Marques registra a ocorrência da varíola em São Luís,
com alguns casos em 1872425. Tudo indica que a varíola neste período não foi de
natureza epidêmica, tratando-se de casos de varicela e não da varíola confluente ou
hemorrágica. Em 1874 a varíola confluente novamente se desenvolveu em São Luís,
tudo indica que a importação da moléstia deu-se mais uma vez por meio do porto da
cidade.
Os ofícios entre os presidentes de Província relatam que em 1873 a varíola
confluente estava por se desenvolver na freguesia do Iguaçu na Província do Paraná, na
freguesia de Indaiatuba na Província de São Paulo, na Bahia, no Rio de Janeiro e no
Pará e no inicio de 1874 no Amazonas426·. Em 28 de setembro de 1874 o vicepresidente da Província do Maranhão José Francisco de Viveiros, ressalva que a varíola
vinha fazendo estragos significativos em diversas localidades do Brasil. O mesmo
advertia que a varíola já se fazia presente em São Luís, demonstrando preocupação
sobre uma possível ação mortífera do vírus em São Luís427. Seguindo estes argumentos
foi estabelecida uma comissão de socorro aos desvalidos, assim como a intensificação
da vacina como medida profilática para conter a possível ação mortífera da varíola.
Estabeleceu-se também a aplicação da vacina durante todos os dias da semana em
diferentes partes da cidade. Foram designados para este serviço na capital, cinco
médicos, cada um deles teriam um dia da semana para inocular à vacina na população.
Na segunda-feira o Dr. Jauffret aplicaria a vacina no Seminário Episcopal, na
terça-feira o Dr. Tolentino Augusto Machado aplicaria a vacina no quartel do
Campo de Ourique, na quarta-feira o Dr. Julio Mario Serra Freire aplicaria a
vacina no Seminário das Mercez, na quinta-feira Dr. Afonso Soulnier
aplicaria a vacina em São Pantaleão e na sexta o comissário vacinado local o
Dr. Cesar Marques aplicaria a vacina na câmara municipal.428
423
O PUBLICADOR MARANHENSE, 07 de outubro de 1870. Governo da Província. Expedido do dia
22 de setembro de 1870, p. 01.
424
O§1 do art. 5° do decreto, n° 2884, de 1° de fevereiro de 1862 prescrevia a abertura de créditos
emergenciais com o propósito de socorrer a população em épocas de epidemias.
425
MARQUES, César Augusto. Op. Cit., 1970, p. 761.
426
O PUBLICADOR MARANHENSE, 17 de janeiro de 1874. Secção Official. Governo Central, p. 01.
427
O PUBLICADOR MARANHENSE, 09 de outubro de 1874. Secção Official. Relatório com que o
Exm. Snh. Vice-presidente Dr. José Francisco de viveiros passou a administração da província em 28 de
setembro ao Exm. Snh. Dr. Augusto Olympio Gomes de Castro. Salubridade Pública, p. 01.
428
O PUBLICADOR MARANHENSE, 09 de outubro de 1874. Secção Official. Relatório com que o
Exm. Snh. Vice-presidente Dr. José Francisco de viveiros passou a administração da província em 28 de
setembro ao Exm. Snh. Dr. Augusto Olympio Gomes de Castro. Vaccina, p. 01.
137
Também foi criada uma enfermaria destinada as praças do quinto batalhão de
infantaria do corpo de polícia da armada e da esquadra de pedestres que fossem
acometidos pela varíola. Já os bexiguentos desvalidos seriam tratados em uma
enfermaria sob os cuidados da Santa Casa da Misericórdia429. Foram tratados nesta dita
enfermaria 81 pacientes acometidas por varíola em dezembro de 1874, deste total 58
saíram curados e 19 faleceram, até janeiro de 1875 ainda existiam 25 pacientes em
tratamento por decorrência da varíola430. Os socorros públicos também eram feitos em
domicílio, porém, mesmo socorrendo e tratando um número considerável de pessoas
acometidas por varíola. O relatório de 1874, assinado pelo então presidente da Província
do Maranhão o Sr. Augusto Olímpio Gomes de Castro, indica que os esforços dos
facultativos médicos Jauffret, Tolentino Augusto Machado, Júlio Mario Serra Freire,
Afonso Soulnier e Cesar Marques não impediram o progresso da varíola na capital.
Ao todo a varíola vitimou 96 indivíduos em 1874, porém esse percentual de
óbitos é decorrente do intervalo de 28 de setembro de 1874 a 31 de janeiro de 1875,
neste respectivo período sepultaram-se nos cemitérios da cidade 334 cadáveres, 96 deles
por varíola431. O movimento dos cemitérios da cidade de São Luís dá pistas que o
caminho a ser percorrido pela varíola seria novamente marcado pela agonia e pelo
medo. Isto porque desde 28 de setembro de 1874, data do inicio dos sepultamentos por
varíola, até 30 de novembro haviam sido sepultados nos cemitérios da cidade 45
pessoas em decorrência da varíola, em dezembro do mesmo ano foram sepultados mais
1485 cadáveres, destes 50 foram por varíola, números que sugerem uma projeção
crescente da mortalidade variólica para o ano de 1875.432
Para piorar a situação, a virulência apresentada pelas bexigas neste período não
foi circunscrita apenas a São Luís. Em 1874 a varíola fez estragos nas comarcas de
Alcântara, Caxias e São Bento. O governo provincial utilizando dos termos do §1 do art.
5° do decreto de n° 2884, de 1° de fevereiro de 1862 logo abriu carta de crédito no valor
de 300$000 contos de réis para socorrer a população ceifada pela moléstia433. Mesmo
429
Ibidem.
O PUBLICADOR MARANHENSE, 02 de março de 1875. Secção Official. Governo da Província.
Relatório com que o Exm. Snh. Dr. Augusto Olympio Gomes de Castro, presidente da província, passou a
administração ao 2° vice-presidente o Exm. Snh. Conselheiro José Pereira da Graça, no dia 22 de
fevereiro de 1875. Saúde Pública, p. 01.
431
Ibidem.
432
O PUBLICADOR MARANHENSE, 05 de janeiro de 1875. Noticiário. Estatísticas da cidade, p. 03.
433
O PUBLICADOR MARANHENSE, 02 de março de 1875. Secção Official. Governo da Província.
Relatório com que o Exm. Snh. Dr. Augusto Olympio Gomes de Castro, presidente da província, passou a
430
138
assim a varíola continuou a se espalhar pelo interior da Província a passos largos,
atingindo São Vicente Ferrer, Cajapió, Itapunhenga, Ilha Grande, Monção, São Bento
de Bacurituba, Icatu e Anajatuba em 1875434. Em São Luís a varíola não apresentou
sinais de desgastes, ao todo ela ceifou 291 vidas em 1875, a tabela abaixo exemplifica o
quão fora implacável a varíola neste ano.
Quadro 05. Estatística da mortalidade variólica na capital do Maranhão, 1875.
Meses / ano
Óbitos
Janeiro de 1875
58
Fevereiro de 1875
44
Março de 1875
45
Abril de 1875
39
Maio de 1875
34
Junho de 1875
20
Julho de 1875
14
Agosto de 1875
10
Setembro de 1875
05
Outubro de 1875
08
Novembro de 1875
06
Dezembro de 1875
08
Total
291
Fonte: O Paiz, 29 de junho de 1878. O estado sanitário da capital, p. 01.
No primeiro semestre de 1875 a varíola vitimou ao todo 240 pessoas, no
segundo semestre a cifra decresceu consideravelmente para 51 vitimas, os médicos
esperavam que a epidemia perdesse de vista seu curso de contagiosidade e virulência,
administração ao 2° vice-presidente o Exm. Snh. Conselheiro José Pereira da Graça, no dia 22 de
fevereiro de 1875. Saúde Pública, p. 01.
434
Ibidem.
139
no entanto, os constantes socorros em domicilio e os erros provenientes na vacinação
facilitaram a manutenção da epidemia, tanto que em março de 1876 novamente a varíola
da seus primeiros sinais de ressurgimento na capital. Neste referido mês ela vitimou 13
pessoas, em abril foram registrados mais 12 casos, em maio este índice começa a
crescer novamente com 21 registros de óbitos e em julho de 1876 a varíola apresenta-se
novamente com intensidade em São Luís, os cemitérios da cidade sinalizam a faixa de
63 sepultamentos por sua ocorrência, em agosto de 1876 foram mais 54 óbitos e em
setembro 35.435
Ao todo a varíola registrou 198 óbitos em 1876, somando-se as cifras de 1874,
1875 e 1876 temos o registro de incríveis 585 mortes ocasionadas pela varíola em
menos de três anos. Mais uma vez a varíola contribuiu negativamente para o aumento
das estatísticas da mortalidade registrada em São Luís. Em 1874 os cemitérios da cidade
registraram 1257 sepultamentos, 99 destes por varíola, em 1875 sepultaram-se ao todo
1428 cadáveres, destes 291 foram vítimas da varíola e em 1876 foram 1374
sepultamentos com 198 vítimas oriundas da varíola.436
Estes dados levam a crer que a varíola infelizmente estava por se tornar uma
moléstia de natureza endêmica437 no Maranhão, ou seja, típica de uma região, na qual se
manifesta constantemente. Esta suspeita pode ser confirmada na seguinte comparação:
entre 1864 a 1876, ou seja, por doze anos consecutivos a varíola esteve por guarnecer a
São Luís em varias incidências. Apenas os intervalos de 1869 e 1873 não constam
indícios de óbitos sobre sua influencia na capital.
É claro que a intensidade da virulência e contagiosidade da varíola não foram
constantes, variando muito, apresentando inclusive um decréscimo no obituário de cada
surto epidêmico. Em 1854-1855, por exemplo, foram registrados 683 óbitos por
incidência da varíola, em 1864-1865 e 1866 foram 505 e entre 1874- 1875 e 1876 mais
585 óbitos. Mesmo que exista uma pequena variação entre os números de mortes
ocasionados pela varíola nesses períodos, é preciso reconhecer que a mesma sempre se
435
O Paiz, 29 de junho de 1878. O estado sanitário da capital, p.01.
Ibidem.
437
Alguns trabalhos acadêmicos também apontam a mesma incidência endêmica da varíola em outras
partes do Brasil no século XIX. Cf. BARROS, Karla Torquato dos Anjos. “A varíola ficou morando na
capital”: Ideias e práticas médicas representadas mediante manifestação da doença em Fortaleza (18911901). 185f. Dissertação submetida ao Programa de Mestrado Acadêmico em História do Centro de
Humanidades da Universidade Estadual do Ceará, como requisito para a obtenção do grau (mestre) em
História. Fortaleza, 2011; OLIVEIRA, Carla Silvino de. Cidade (in) salubre: ideias e práticas médicas
em Fortaleza (1838 -1853). 156f. Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação
em História Social da Universidade Federal do Ceará, para a obtenção do grau de mestre em História
Social, 2007.
436
140
manteve presente em São Luís, tanto que entre o final de 1883 e o primeiro semestre de
1884 ela novamente irá aparecer em São Luís em caráter mortífero.438
4.4 O tráfico de escravos e as condições insalubres dos portos como vetores para as
ocorrências das epidemias intertropicais
José Pereira Rego associa a ocorrência dos surtos variólicos e da febre amarela
com tráfico de escravos. Para este autor a incidência da varíola no Rio de Janeiro nos
anos de 1834, 1835, 1836, 1838 e 1839 tem íntima relação com a frequente chegada de
cativos da África para o Brasil. Pereira Rego ainda explica que os escravos seriam
excelentes atravessadores do vômito negro (febre amarela), pois segundo ele os mesmos
eram mais resistentes a essa moléstia.439
Dauril Alden e Joseph Miller em investigação sobre o assunto sugerem que as
suspeitas de Rego possuem certo fundamento teórico, pois sendo os portos as artérias da
corte brasileira era inegável que a chegada dos tumbeiros fosse um foco de contágio por
excelência para as bexigas.
[...] haveria uma relação entre os períodos de seca em regiões da África,
ocorrência de epidemias de varíola nestas regiões, e transmissão da doença
para o Brasil por meio de um aumento do contingente de africanos sujeitos ao
comércio negreiro que seriam provenientes destas regiões deflagradas pela
440
seca [...].
Segundo Luiz Felipe de Alencastro é possível fecundar o debate acerca da
origem das epidemias na América do Sul com a questão da colonização europeia e o
tráfico de escravos441. O médico francês Mathieu François Maxime Audouard enfatiza
que a febre amarela não é oriunda de nenhuma região particular. Audouard crê que a
438
Sobre a erradicação da varíola. Cf. CHAGAS, Daiana Crús. Erradicando doenças: De projeto
internacional ao Sistema de Vigilância Epidemiológica - a erradicação da varíola no Brasil (1900-1970).
152f. Dissertação de Mestrado apresentada ao Curso de Pós-graduação em História das Ciências e da
Saúde, da Casa de Oswaldo Cruz - FIOCRUZ, como requisito para obtenção do Grau de Mestre. Área de
Concentração: História das Ciências. Rio de Janeiro, 2008; GAZÊTA, Arlene Audi Brasil. Uma
Contribuição à História do Combate à Varíola no Brasil: do Controle à Erradicação. 218f. Tese de
Doutorado apresentada ao Programa de Pós-graduação em História das Ciências e da Saúde da Casa de
Oswaldo Cruz como requisito parcial à obtenção do título de Doutor em História das Ciências da Saúde,
2006.
439
REGO, José Pereira. História e descrição da febre amarela epidêmica que grassou no Rio de Janeiro
em 1850. Rio de Janeiro, Typographia de F. de Paula Brito, 1851, p. 22.
440
CHALHOUB, Sidney. Op. Cit., 2006, p. 109.
441
ALENCASTRO, L.F. Op. Cit., 2000, p. 133.
141
moléstia era uma infecção, cuja causa específica seria um ambiente inóspito, neste caso
os tumbeiros usados no tráfico de escravos.
A febre amarella não é originaria de nem um paiz. Os climas quentes
favorecem a causa que a produz, e está ao alcance do homem fazer cessar
esta causa, porque ella reside em uma infecção própria dos navios negreiros.
Para dar ideia desta infecção basta lembrar que em muitas ocasiões se tem
apreendido navios negreiros, nos quais os escravos viviam no meio de suas
porcarias. Dahi vem a podridão da madeira do alcatrão e de tudo que está no
interior do navio, e producção de um foco de infecção que não se extingue
senão depois de ter percorrido todos os grãos de decomposição pútrida.
Ajuntaremos que para esta extincção não bastam nem dias nem meses:
também as duas ultimas epidemias de febre amarella que tem afflingido a
Hespanha, e de que o autor deste escripto foi testemunha, a de Barcelona em
1821, e a do Porto da Passagem em 1823, tiveram origem de navios que
serviram ao trafico de negros antes de serem carregados de mercadorias
coloniaes na Havana. Em sua partida deste porto a febre amarella não reinava
ahi; portanto elles não exportavam uma produção morbífica deste paiz.
Entretanto attribuiam a febre amarella à Barcelona e à Passagem; e o que
demonstra bem claramente que elles tinham a causa em seus costados, é que
os carpinteiros, que empregaram-se em calafetalos, pereceram quasi todos da
febre amarella em muito poucos dias, e foram as primeiras victimas destas
duas epidemias. Elles sentiram grande fedor quando tinham entre mãos a
operação da crena, porque então o esterco que estava contido entre os forros,
foi posto a descoberto, e o calor dos mezes de agosto e setembro contribuiu
poderosamente para desprender emanações as mais mortíferas. Este único
facto – de navios partidos de um ponto do novo continente, em que a febre
amarella não reinava, fazerem apparecer esta moléstia em dois portos da
Europa, lança por terra todas as ideias que se tinham sobre a origem e a
natureza da febre amarella; porque esta moléstia não é devida aos climas da
América, pois que tem sido levada à Europa por navios partidos de Havana,
quando ela não reinava neste lugar. Ella não é originaria da Europa, pois que
a Hespanha não soffria antes do descobrimento da América, e a América
mesmo não soffreu senão ha 200 annos depois, visto que a moléstia chamada
hoje febre amarella foi apelidada a princípio mal de Siam, visto ter sua
aparição na Martinica em 1694, coincidido com a presença de navios, vindos
do golfo de Siam, nos portos desta ilha: denominação esta que o correr dos
annos tem mostrado ser errônea. O mais provável é que se começou nesta
época a ressentir os effeitos do trafico dos negros, porque então se activou
muito esta negociação, e os governos a fomentaram, autorizando mesmo por
títulos ou cartas regias certas companhias a fazê-la em grande escalla.
Entretanto estas companhias, entregando-se a um commercio que as leis
protegiam, e dispondo de grandes capitais, esclarecidas pela experiência,
poderam fazer logo as despesas necessárias para o estabelecimento dos
escravos a bordo, de modo que perdessem o menor numero possível na
viagem: seu interesse levou-os a fazer observar certas medidas hygienicas.
Tendo a revolução trazido a guerra entre a França e a Inglaterra estas
companhias cessaram seus trabalhos, e o trafico foi feito por navios do
commercio que não eram construídos para este fim. Os mesmos que depois
desta época foram construídos de proposito eram talvez ainda piores, porque
para escaparem aos corsários deviam ser muito bons veleiros, dispostos, por
consequência, de um modo muito differente do dos navios de transporte. Em
um outro caso os piratas, querendo ganhar muito dinheiro, entulharam de
escravos o porão, não lhes permittindo mesmo subir sobre a cuberta para
satisfazer as suas necessidades, e os prenderam ou encadeiraram de modo
que, se um homem morria os que sobreviviam tinham muitas vezes de ficar
um dia ou mais, juntos ao cadáver. Tal foi o trafico durante a guerra
marítima; também partindo de 1793, os focos de infecção que a guerra trouxe
mais num rosos e mais mortíferos tornaram a febre amarella mais frequente
142
na América, e principalmente em Hespanha, onde ella tinha sido apenas
conhecida até então. Partindo de 1800, data da grande epidemia que roubou
61.362 habitantes à Andalusia, a febre amarella reinou quasi todos os annos
em Hespanha até 1823, data da febre amarella da Passagem, e foi em 1824
que o autor desta memoria veio sustentar perante a academia das sciencias
que a febre amarella da Barcelona e da Passagem tinha provindo de navios
que acabavam de servir ao trafico dos negros, navios que elle designava
como os focos de uma infecção especial, produzindo uma moléstia especial,
que é a febre amarella. Donde concluía que os climas de um e outro
continente tinham apenas uma acção secundaria que se limitava a dar mais
actividade aos focos de infecção criados pelo trafico. O acaso tem justificado
estas asserções; porque desde 1824 a Hespanha não soffreu mais da febre
amarella; enquanto que nos vinte e quatro annos anteriores da moléstia
roubara 140.000 de seus habitantes. Mas cumpre saber que se está de sobre442
aviso contra os navios que tem servido ao trafico.
Em estudo sobre a ocorrência da febre amarela no Rio de Janeiro em 1850 a
pesquisadora Kaori Kodama deu início a uma série de exemplos sobre a origem da
moléstia. Utilizando-se da narrativa produzida pelos redatores do jornal “O
Philantropo” a autora explica que em 29 de março de 1850 foi publicado no referido
jornal o artigo “Os contrabandistas de carne humana e a epidemia reinante” que
acusava o tráfico de escravos como causa principal das doenças epidemicas na cidade.
Em 31 de maio de 1850, o mesmo jornal publica “O exemplo do caráter infectante da
febre amarela da Costa da África”, advertindo sobre o caso de um vapor de guerra
inglês que em 1846 teria sido infectado por uma febre “maligna e contagiosa” após ter
estado na Costa da África, insinuando que tal enfermidade contagiosa seria a febre
amarela.443
Magali Romero Sá levanta a hipótese que a oncocercose444 era restrita até fins
do século XIX a apenas o continente Africano. Na virada do século XIX para o XX
diversos casos da moléstia começam a ser notificados em outros continentes, o que
implica a suspeita da importação da doença por meio dos portos.445
Em relação à importação de moléstias perniciosas a São Luís, Mário Meireles
aponta que o Senado da Câmara da cidade por vereação de 14 de junho de 1865 criou o
442
AUDOUARD. Mathieu François Maxime. In. O PHILANTROPO, 27 de setembro de 1850. O
tráfico dos negros considerado como a causa da febre amarela. Tradução do extrato de uma memória do
Mr. Audouard, p. 02.
443
KODAMA, Kaori. Antiescravismo e epidemia: “O tráfico dos negros considerado como a causa da
febre amarela”, de Mathieu François Maxime Audouard, e o Rio de Janeiro em 1850. História, Ciências,
Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v.16, n.2, abr.-jun. 2009, pp. 515-522.
444
A oncocercose também é chamada "cegueira dos rios" ou "mal do garimpeiro", é uma doença
parasitária causada pelo “nematódeo Onchocerca volvulus”. Cf. SÁ, Magali Romero. Doença de alémmar: estudos comparativos da oncocercose na América Latina e África. História, Ciências, Saúde,
Manguinhos. Rio de Janeiro, 2003, pp. 251-256.
445
SÁ, Magali Romero. Doença de além-mar: estudos comparativos da oncocercose na América Latina e
África. História, Ciências, Saúde, Manguinhos. Rio de Janeiro, 2003, p. 252.
143
cargo de Juiz de Saúde: “e o que fez haver muitas moléstias castigando quase
permanentemente a população e para visitar os navios que chegavam com negros”
446
,
para que assim se pudesse evitar a possível importação de doenças perniciosas à cidade.
Entretanto, acrescenta Meireles: “em 1730 mais uma vez a varíola se fez presente, e na
sua pior espécie – a bexiga de lixa, importada por um navio negreiro da Costa da Mina
na África” 447. Raimundo Palhano cita a mesma ocorrência:
As autoridades justificavam sua impotência diante das epidemias,
principalmente as de varíola, afirmando serem aquelas moléstias
“importadas”. E as fontes do contágio, apontadas por todos, eram os negros
escravos, portadores, principalmente, da “bexiga pele de lixa”, Não foi por
outra razão que homens pretos escravos ficavam em quarentenas, em locais
como a ilha do Boqueirão, o Bonfim e a Ilha do Medo.448
Como foi demonstrado neste trabalho, as ocorrências da varíola que ocorreram
no período de 1854 a 1876 foram importadas a São Luís por meio do porto da cidade,
por isso a insalubridade deste era fator primordial para a proliferação das moléstias
pestilentas. Diana de Carvalho não foge a regra das analises tradicionais, considerando
também que o tráfico negreiro inegavelmente facilitou sim o transporte de vírus e
bactérias e o contato entre diferentes povos, o que levou a diversificação das doenças e
epidemias no Brasil. Porém isso não seria o bastante para atribui aos africanos
escravizados no Brasil a responsabilidade pela transmissão das doenças pestilentas neste
período.
A autora mostra que o preconceito de vincular os escravos como os
responsáveis por transmitir doenças consideradas perniciosas é um tema ultrapassado.
Segundo a mesma, tem-se de ir além dos dados e perceber o contexto histórico e social
em que se processam cada doença, bem como as suas condições de proliferação.
A própria aproximação entre historiadores e epidemiologistas aumenta a
densidade das discussões sobre as doenças do passado, principalmente das
relações entre doenças e escravidão. Assim será possível desconstruir
preceitos raciais e claramente baseados no senso comum, que sustentaram a
ideia de raças humanas como fator biológico. O tráfico de escravos foi uma
446
MEIRELES, Mário M. Dez estudos históricos. São Luís: Alumar, 1994, p. 207.
Além da varíola que constantemente flagelava a população do Maranhão, o impaludismo, as disenterias
ou diarreias de sangue, a tísica pulmonar (tuberculose) e, sobretudo as febres intermitentes, renitentes,
catarrais e pseudocontínuas rotineiramente flagelavam a classe pobre do Maranhão. Cf. MEIRELES,
Mário M. Dez estudos históricos. São Luís: Alumar, 1994, pp. 207-211.
448
PALHANO, Raimundo N. Op. Cit., 1998, p. 147.
447
144
fonte introdutória de novos parasitas para a América, mas o mesmo fez a
449
penetração dos espanhóis e dos portugueses no continente.
Pelos exemplos citados acima, supõe-se a existência de uma verdadeira
representação negativa sobre os trópicos, onde muitos médicos higienistas do século
XIX inseririam a região dos trópicos como locais por excelência para o aparecimento e
proliferação de doenças nocivas ao homem europeu, sentenciando o clima quente
Brasileiro e o tráfico de escravos como os propulsores das epidemias intertropicais que
atingiam o Brasil em seu período colonial e Monárquico.
449
CARVALHO, Diana Maul. Doenças dos escravizados, doenças africanas? In: PÔRTO, Ângela (org.).
Doenças e Escravidão: sistemas de saúde e práticas terapêuticas. Simpósio Temático do XII Encontro
Regional de História – ANPUH/ Rio- 2006. Rio de Janeiro: Casa de Oswaldo Cruz, 2007.
145
5. A VACINA É A DOENÇA? VACINA E VACINOPHÓBICOS
5.1 Os primórdios da vacinação sistemática no Maranhão
Apesar de algumas discordâncias a provável data da introdução da vacina
jenneriana no Brasil foi em 1804. Fruto da dedicação e empenho de Felisberto Caldeira
Brant, futuro marquês de Barbacena, que mandou de Lisboa sete crianças de sua
propriedade como cobaias para a propagação da técnica de vacinação de braço. Esta
técnica foi reproduzida na Bahia e no Rio de Janeiro. De acordo com Hercules Octavio
Muzzi médico responsável por coordenar a aplicação da linfa vacínica na corte, a vacina
foi recebida com grande energia e entusiasmo na Bahia e no Rio de janeiro.450
Narrativas semelhantes às de Hercules Octavio Muzzi foram constantemente
reproduzidas ao sabor dos tempos. Em 1909 Plácido Barbosa e Cassio Resende
publicam “A historia Monumental dos Serviços de Saúde Pública do Brasil”, nesta obra
a imagem da aceitação positiva da vacina jenneriana junto à população foi cristalizada.
De fato, a corte portuguesa sempre demostrou empenho da veracidade da vacina
antivariólica como um valiosíssimo preservativo contra as bexigas.
D. João VI foi o primeiro a dar exemplo, ao mandar seus filhos D. Pedro e D.
Miguel a serem vacinados pouco tempo depois de a vacina jenneriana ter chegado a
Lisboa. O mesmo D. João VI ordenou a tradução e publicação imediata das obras de
Edward Jenner em Portugal, em 04 de abril de 1811 ele estabeleceu a Junta da
Instituição Vacínica do Rio de Janeiro iniciando oficialmente os serviços profiláticos da
vacinação em escala em terras brasileiras.451
Em relação a São Luís, a municipalidade local desde o princípio demonstrou
simpatia com a vacina. Em 17 de janeiro de 1805, D. Antônio de Saldanha da Gama
governador da Capitania do Maranhão recomendou à corte portuguesa a introdução da
vacina no Maranhão. Em 12 de fevereiro de 1820 foi estabelecida em São Luís e por
toda a extensão da capitania uma Repartição da Vacina. Em 1827 a câmara municipal
de São Luís dá um passo decisivo para o progresso da vacina na Província do Maranhão
450
451
CHALHOUB, Sidney. Op. Cit., 2006, p. 107.
Id. Ibid., p. 108.
146
regulamentando pela primeira vez o serviço de vacinação, em 1834 foi aprovada uma
postura municipal tornando a vacina antivariólica obrigatória em São Luís.452
De acordo com Raimundo Palhano, desde 1828 os gestores públicos de São
Luís, ainda que timidamente, criaram um aparato técnico burocrático que garantisse a
aplicação da vacina. O uso de relatórios, mapas de vacinação e intervenção policial para
garantir a metodização e obrigatoriedade do serviço de vacinação e isolamento foram
ações que aos poucos revelam o endurecimento das municipalidades em relação à
varíola.453
O mapa de vacinação mais antigo que encontrei durante as pesquisas revelam
que os resultados obtidos pela Repartição da Vacina da Província do Maranhão
impressionam e ratificam a hipótese da aceitação positiva da vacina junto aos populares.
De acordo com o Dr. José Antônio Soares de Sousa454 a vacina obteve extraordinário
sucesso no seio da população local. No período de 08 de junho de 1820 até 15 de abril
de 1826 foram vacinados 12.889 pessoas. Em todas as pessoas vacinadas havia se
desenvolvido a vacina verdadeira, ou seja, um saldo positivo de 100% nos resultados da
vacinação.
Mapa de vacinação praticado na Província do Maranhão em 08 de junho de 1820 até 15 de abril de
1826.
Maranhão
Paço
Alcântara
Guimarães
Itapecuru
Viana
Caxias
Total
Qualidade
do
Lumiar
2.342
396
678
304
1.486
627
476
6.173
Livres
2073
67
1.213
194
598
129
182
5.455
Escravos
710
_
203
114
98
_
_
1.125
Soldados
6125
463
2.094
611
2.182
756
658
12.889
Soma
Vacinados em casas particulares que não forem escritos para mais de 2.000 pessoas
Fonte: MARANHÂO, Secretaria do Governo da Província. Correspondências. Autoridades da Saúde
Pública. Ofícios do inspetor da vacina ao presidente e Governador das armas do Maranhão, 20 de abril
de 1826. Setor de avulsos. APEM.
452
MARQUES, César Augusto. Op. Cit., 1970, p. 886.
PALHANO, Raimundo N. Op. Cit., 1998, pp. 149-151.
454
José Antônio Soares de Sousa era natural de Portugal, foi o primeiro inspetor da vacina no Maranhão
servindo gratuitamente seus serviços desde 1820 até 1831, ano em que faleceu.
453
147
Há de se duvidar dos dados emitidos pelo Dr. José Antônio Soares de Sousa,
isto porque era consenso entre os médicos da época que existia uma margem de erro
para os resultados da aplicação da vacina, já que ela dificilmente se desenvolveria como
verdadeira em todas as situações. Por este motivo a prática da revacinação era
necessária, no entanto esses dados não aparecem no mapa geral da vacinação de 1826. É
possível que o número de vacinados neste respectivo período tenha sido bem superior à
cifra total estimada no mapa geral da vacinação de 1826, tendo em vista que os dados
do mapa geral de vacinação de 1826 são referentes à apenas algumas localidades do
interior da Província do Maranhão, excluindo-se São Luís, local de maior contingente
populacional.
De acordo com os ofícios do inspetor da vacina ao presidente da Província do
Maranhão, somente a partir de 1831 os mapas de vacinação sofrem uma importante
mudança qualitativa na apreensão dos seus resultados. A partir dessa data o serviço de
vacinação da Província do Maranhão passou a considerar relevante a emissão de
relatórios e mapas mensais para a observação do progresso da vacina junto à população.
Informações como a quantidade de pessoas vacinadas por sexo, número de revacinados,
soma da redução individual do vacinados e revacinados em diferentes dias, quantidade
de pessoas que tiveram vacina verdadeira e vacina falsa, quantidade daqueles em que a
vacina foi falha e numero dos vacinados e revacinados que não tiveram seus casos
devidamente observados, passaram a ser constantes nos relatórios e mapas de
vacinação.
Oficialmente, os mapas de vacinação aplicados na Província do Maranhão
apenas começam a informar a quantidade de escravos vacinados e revacinados a partir
de 1846, porém, há evidencias que a principal preocupação da Junta da Instituição
Vacínica em seus primeiros tempos de funcionamento, era a imunização dos escravos.
Para Tania Maria Fernandes a primeira década da aplicação da vacina
jenneriana no Rio de Janeiro se caracterizou por um intenso apelo dos senhores de
escravos em vacinar seus cativos.
A obrigatoriedade da vacina era regra geral, porém sua aplicação parecia
restrita a apenas uma fração da população negra, sendo que a única
obrigatoriedade efetivamente cumprida nos primeiros anos da vacinação foi à
relacionada à escravidão nas fazendas, para onde o vacinador era deslocado
por solicitação dos proprietários de escravos. Com isso, geralmente
alcançava-se uma média de 40% no número final de escravos e negros
455
vacinados em relação aos demais vacinados.
455
FERNANDES, Tania Maria. Op. Cit., 1999, p. 24.
148
Sidney Chalhoub posiciona-se na mesma direção, segundo ele a principal
função do serviço de vacinação da corte em seus primeiros anos de funcionamento era
de fato a imunização dos escravos456. Em A vida dos escravos no Rio de Janeiro (18081850) Mary Karasch enriquece o debate analisando a demografia da população carioca
na primeira metade do século XIX. A autora realiza um mapeamento sobre os obituários
da cidade e sua relação com as causas das mortes dos cativos, além de saber ainda
idade, sexo, duração de vida e taxas de mortalidade e natalidade dos escravos. Karasch
salienta que as taxas de mortalidades entre os escravos no centro urbano do Rio de
Janeiro eram altíssimas, isto porque essas pessoas estavam à mercê das epidemias
intertropicais. Mas, mesmo estando indefesos aos assaltos da varíola, por exemplo, a
autora sinaliza um baixo índice de mortalidade entre os negros em virtude da
moléstia.457
Luiz Antônio da Silva Mendes e José Francisco Xavier Sigaud ao analisarem
as estatísticas de mortalidade da população negra no Império do Brasil na primeira
metade do século XIX, concluem que as pessoas de cor dessa época eram flageladas por
moléstias como a disenteria, as febres intermitentes e catarrais, as vermes, a sífilis e o
escorbuto. A varíola apenas é citada como um dos vetores para a cegueira.458
Em anexo ao ofício de 22 de junho de 1835 emitido por Veríssimo dos Santos
Caldas459 inspetor da vacina do Maranhão ao presidente da Província da mesma, o
senhor Vicente Thomaz Pires de Figueiredo Camargo encontramos uma lista de
vacinados equivalente ao período de 15 de novembro de 1834 a 25 de junho de 1835.
Na referida lista consta a soma de 155 vacinados, dos quais 98 eram escravos460,
números que sustentam a hipótese de que provavelmente a verdadeira função da
Repartição da Vacina em seus primórdios fosse à imunização dos cativos.
Em meio a números e estatísticas encontramos a seguinte situação sobre e
estado da vacina na Província do Maranhão. Entre outubro de 1837 a março de 1838
foram vacinadas em São Luís 410 pessoas, 92 compareceram as sessões de revacinação
456
CHALHOUB, Sidney. Op. Cit., 2006, pp. 110-111.
KARASCH, Mary. A vida dos escravos no Rio de Janeiro (1808-1850). São Paulo, Companhia das
Letras, 2000, p. 152.
458
SIGAUD, J.F. X. Op. Cit., 2009, pp. 118-127.
459
Verissimo dos Santos Caldas era cirurgião e natural da Bahia. Foi o segundo inspetor da vacina da
Província do Maranhão, nomeado em 1837 servindo até 20 de junho de 1847.
460
MARANHÃO, Secretaria do Governo da Província. Correspondências. Autoridades da Saúde
Pública. Ofícios do inspetor da vacina ao presidente da Província do Maranhão, 22 de junho de 1835.
Setor de avulsos. APEM.
457
149
e apenas 234 apresentaram vacina verdadeira461. Péssimos índices para um
contraceptivo que em 1826 teoricamente havia tido cem por cento de aceitação entre os
populares.
Supõe-se então, que desde a emissão do mapa geral emitido pelo Dr. José
Antônio Soares de Sousa em 20 de abril de 1826 até março de 1838, a vacina tenha sido
rejeitada por grande parte da população local, isto por que a Repartição da Vacina no
Maranhão achava-se completamente desolada. Os vacinadores municipais e paroquiais
não prestavam conta sobre seus serviços, faltava-lhes obediência aos regulamentos que
os obrigava a expandir da vacina no Maranhão, sendo mais frequente ofícios com
pedidos de demissões do cargo de comissário vacinador do que a emissão de relatórios e
mapas de vacinação.
Entre o final de 1837 e inicio de 1838 a varíola começa a ser reinante no
Maranhão, realizando estragos principalmente na cidade de Caxias. Este desastroso
episódio impulsionou a procura pela vacina na capital. As informações colhidas junto ao
relatório geral da vacinação de 08 de julho de 1841, emitido por Veríssimo dos Santos
Caldas ao presidente da Província do Maranhão João Antônio Miranda sugerem que a
vacina foi procurada na capital pelo menos até o fim de maio de 1841. Tal como o mapa
de vacinação abaixo explica.
461
MARANHÃO, Presidência da Província. Discurso que recitouo Exm. Snh. Vicente Thomaz Pires de
Figueiredo Camargo, presidente desta Província, na occazião da abertura da Assembléa Legislativa
Provincial no dia 03 mayo do corrente anno. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira,
1838, p. 29.
150
Mapa de vacinação praticado na Província do Maranhão entre 1838 a 1841.
Épocas
1838
Idades
De
08
N. dos
N. dos
Total
Boa
Vacina
Vacina
Vacina
N. dos não
vacina
revacina
vacina
arrebe
falsa
não
observados
dos
dos
449
118
567
240
25
10
209
83
341
80
421
176
17
-
188
90
718
74
792
462
08
-
131
191
174
85
209
96
18
-
53
48
1.682
807
1980
966
68
10
531
412
ntada
pegada
meses a
58 anos
1839
De
04
meses a
46 anos
1840
De
03
meses a
42 anos
1841 até
De
03
o fim de
meses a
maio
05 anos
Soma
-
Fonte: MARANHÃO, Secretaria do Governo da Província. Correspondências. Autoridades da Saúde
Pública. Ofícios do inspetor da vacina ao presidente da Província do Maranhão, 08 de julho de 1841.
Setor de avulsos. APEM.
Apesar do substancial progresso da vacina na capital, sobretudo no ano de
1840, os serviços de vacinação da capital deixavam muito a desejar. Entre junho a
dezembro de 1841, a Repartição da Vacina do Maranhão não ofereceu vacina alguma
aos populares. Em relatório emitido ao presidente da Província do Maranhão, Veríssimo
dos Santos Caldas atesta sobre a situação da vacina na capital. Segundo ele, entre 01 de
janeiro de 1842 a 18 de abril de 1843 foram vacinados em São Luís 778 pessoas, deste
total de inoculados, 171 não retornaram para a revacinação e 151 não tiveram seus
resultados acompanhados462. Nas palavras do inspetor da vacina, o grande problema era
que em parte alguma a linfa vacínica era bem aceita.
Esta circunstancia é denunciada em 29 de julho de 1843, quando o jornal O
Publicador Maranhense analisa a falta de vacinadores em todo o interior do Maranhão e
a incapacidade da Repartição da Vacina em distribuir vacina de boa qualidade à
462
MARANHÃO, Secretaria do Governo da Província. Correspondências. Autoridades da Saúde
Pública. Ofícios do inspetor da vacina ao presidente da Província do Maranhão, 18 de abril de 1843.
Setor de avulsos. APEM.
151
população. Segundo com referido jornal os primeiros resultados da aplicação da vacina
no interior da Província para o ano 1843 foram decepcionantes.
Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor. - Na câmara municipal de Itapecurumirim tem aplicado com bastante assiduidade o pus vacínico, mas este não
tem produzido os efeitos desejados; pois dos quarenta e sete primeiros
463
vacinados só uma criança de três anos pegou a vacina verdadeira.
Em 1844 novamente a vacina sofre um grande revés. Apesar do relatório do
presidente da Província atestar sobre os progressos que a Repartição da Vacina do
Maranhão vinha realizando junto à população, apenas 443 pessoas foram inoculadas,
sendo todas elas residentes de São Luís, destas 260 desenvolveram vacina verdadeira
enquanto que 183 desenvolveram vacina falsa464. Ciente do baixo desempenho
profilático da vacina no Maranhão em 12 de setembro de 1845, Veríssimo dos Santos
Caldas comunica a corte brasileira sobre a péssima qualidade da linfa vacínica
denunciando as más condições de transporte e armazenamento da vacina vinda da
Inglaterra.
Cópia n° 07: Ilustríssimo e Excelentíssimo senhor: Não tendo a Repartição da
Vacina papel desse cunho / segue-se a lamentar a Vossa Excelência não só
para melhor conservar a vacina nesta Província, mas até para ser melhor
acondicionada para esta Província e mesmo para províncias vizinhas, rogo a
Vossa Excelência afim de requisitar ao encarregado da delegação imperial
em Londres, oito a dez vidros de pus vacínico, visto achar-se próximo a para
aquele porto huma barca inglesa, rogo igualmente a Vossa Excelência afim
de requisitar a mesma delegação a frequência do pus vacínico a esta
Província, vindo navios a este porto ou menos interpoladamente, pois só
desta forma é que se pode conservar a vacina nesta Província visto que ella já
vai aparecendo enfraquecida entre nos. Deus Guarde a Vossa Excelência/
Maranhão/ Repartição da Vacina doze de setembro de mil quatrocentos e
quarenta e cinco.
Ilustrissimo e Excelentíssimo senhor Ângelo Carlos Muniz Presidente da
Província/ o encarregado da vacina Veríssimo dos Santos Caldas esta
465
confirma. Veríssimo dos Santos Caldas.
O fraco rendimento da vacina perdurou aos anos de 1846 e 1847, neste último
foram realizadas apenas 389 inoculações466. Em 09 de julho de 1847, Veríssimo dos
Santos Caldas faz severas ressalvas, certificando que a vacina encontrava-se
463
O PUBLICADOR MARANHENSE, 29 de julho de 1843. Repartição de polícia, p. 03.
MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório que dirigiu o Exm. Snh. Vice- presidente da
Província do Maranhão, Ângelo Caldas Muniz à Assembleia Legislativa Provincial no dia 03 maio de
1845. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1845, p. 09.
465
MARANHÃO, Secretaria do Governo da Província. Correspondências. Autoridades da Saúde
Pública. Anexo do ofício do inspetor da vacina ao presidente da Província do Maranhão, 09 de julho de
1847. Setor de avulsos. APEM.
466
MARANHÃO, Secretaria do Governo da Província. Correspondências. Autoridades da Saúde
Pública. Ofícios do inspetor da vacina ao presidente da Província do Maranhão, 09 de julho de 1847.
Setor de avulsos. APEM.
464
152
completamente em desuso na Província Maranhão. Não tendo a Inglaterra fornecido
vacina de boa qualidade para a Repartição da Vacina. O inspetor da vacina achava-se
amputado dos seus facultativos deveres, o mesmo reinterava seu pedido mais uma vez,
solicitando ao encarregado da delegação imperial em Londres que se esforçar-se a
enviar o quanto antes linfa vacínica de boa qualidade ao Maranhão.467
Em 01 de junho de 1847 o Dr. José Miguel Pereira Cardoso468 é nomeado ao
cargo de comissário vacinador provincial, coincidentemente ou por manobra política os
comunicados e pedidos da Repartição da Vacina do Maranhão começam a ser atendidos
com maior frequência e volúpia pela Junta Vacínica do Rio de Janeiro. Em julho de
1847 a Assembléia Provincial obedecendo ao inciso 05 do artigo 31 do regulamento de
N° 664 aprovado em 17 de agosto de 1846, prescreveu a extensão da vacinação
obrigatória ao interior da Província do Maranhão, local de grande dificuldade de se
convencer os populares sobre os benefícios da vacina469. Além disso, o contingente de
comissários vacinadores no Maranhão passou de 24 para 31 em 1850.470
As medidas adotadas pelo governo provincial surtiram pequeno efeito, em
1848 haviam sido vacinados 539 indivíduos, a maioria da capital, entretanto no primeiro
semestre de 1849 foram registradas 212 inoculações471. Este percentual melhorou nos
dois anos subsequentes, entre 01 de julho de 1849 a 30 de junho de 1850, 1713
indivíduos receberam a vacina regularmente em toda a Província do Maranhão, sendo
pertencentes a São Luís 1086 vacinados472. A média de pessoas que tiveram boa vacina
467
Ibidem.
José Miguel Pereira Cardoso natural do Maranhão foi o primeiro comissário vacinador provincial do
Maranhão, nomeado em 01 de junho de 1847, tomou posse em 21 de julho do mesmo ano e serviu até sua
morte em 21 de junho de 1865.
469
MARANHÃO, Secretaria do Governo da Província. Correspondências. Autoridades da Saúde
Pública. Ofícios do comissário vacinador provincial ao presidente da Província do Maranhão, 12 de
março de 1851. Setor de avulsos. APEM.
470
MARANHÃO, Presidência da Província. Falla dirigida pelo Exm. Presidente da Província do
Maranhão, Honório Pereira de Azeredo Coutinho à Assembléa Legislativa Provincial por occasião de
sua installação no dia 07 de setembro de 1850. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J.
Ferreira, 1850, p. 14.
471
MARANHÃO, Presidência da Província. Falla dirigida pelo Exm. Presidente da Província do
Maranhão, Herculano Ferreira Penna à Assembléia Legislativa Provincial por occasião de sua
installação no dia 14 de outubro de 1849. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira,
1849, p. 49.
472
MARANHÃO, Secretaria do Governo da Província. Falla dirigida pelo Exm. Presidente da Província
do Maranhão, Honório Pereira de Azeredo Coutinho à Assembleia Legislativa Provincial por ocasião de
sua installação no dia 07 de setembro de 1850. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J.
Ferreira, 1850, p. 14.
468
153
foi de 877, em compensação a média daquelas que tiveram vacina falsa também foi
elevada, com 680 casos, 156 casos não foram observados.473
O aumento entre o número de pessoas vacinadas em 1850 possui relação com a
instituição das normas pessoais do Conselho de Saúde Pública da Província do
Maranhão, que tinha como uma de suas prerrogativas acompanhar o progresso da
vacina no Maranhão. No entanto, o próprio relatório do presidente da Província do
Maranhão de 1850 é enfático em relação aos progressos da vacina: “Não tem, pois a
vaccina produzido nesta Província os benefícios que eram de esperar”.474
5.2 A vacinação em São Luís em tempos epidêmicos
Em um espaço de dez anos a varíola confluente reinou por duas vezes em São
Luís em caráter puramente mortífero. Entre 1854-1855 ela vitimou 683 indivíduos e em
1864-1865-1866 foram mais 505 mortes. Entender os motivos que levaram a varíola a
ser tão violenta neste curto espaço de tempo significa refletir na ação negativa de seu
contraceptivo, a vacina. Isto porque a mesma era entendia pelos médicos da época como
o único remédio eficaz contra a varíola. Significa também refletir sobre a estrutura física
e a capacidade de distribuição e aplicação da linfa vacínica pela Repartição da Vacina
do Maranhão, assim como a descrença ou os preconceitos que levaram os populares e a
até mesmo parte da comunidade médica a desacreditar na ação positiva da vacina.
Percorrer essa trajetória não será fácil, até porque os dados estatísticos sobre a
vacinação e revacinação em São Luís e no Maranhão neste respectivo período não estão
completos. Grande parte dos relatórios e mapas de vacinação encontra-se deteriorados
ou simplesmente foram corroídos ou destruídos pela ação do tempo. Tendo em vista
esses percalços, proponho-me a analisar a situação da vacina antivariólica desde 1851
há 1866, a fim de se confirmar a suspeita que a linfa vacínica distribuído junto aos
populares era de má qualidade e procedência, e que a porcentagem de inoculados que se
considerava imunizada era pífia em relação ao percentual demográfico e a distribuição
geográfica da cidade de São Luís.
Como foi dito anteriormente o primeiro semestre de 1851 foi categoricamente
marcado pela epidemia da febre amarela que grassou na cidade de São Luís. Ao todo
essa moléstia vitimou a soma de 807 indivíduos, números que refletiram no decréscimo
473
474
Ibidem.
Ibidem, p. 15.
154
de inoculados. Em toda Província do Maranhão foram inoculadas com a linfa vacínica
632 indivíduos, 363 desenvolveram vacina regular, em 263 indivíduos a vacina deu-se
como falsa.475
Mesmo sem ultrapassar a margem de mil inoculações por ano, José Miguel
Pereira Cardozo insistia nos bons resultados alcançados pela vacina junto à população.
Diz ele em ofício de 27 de janeiro de 1852 que a vacina apresentava-se em bom estado
de conservação e que a aplicação dela na capital estava assegurada. Cardozo ratificava
sua fala com o balanço geral de 3.273 indivíduos inoculados entre os anos de 1847 a
1851 com uma margem para 1.585 inoculações verdadeiras e 1.688 inoculações
falsas.476
Obviamente que as considerações apresentadas por José Miguel Pereira
Cardozo eram no mínimo exageradas, certifico-me as considerá-las como grotescas, isto
porque uma cifra de apenas 1.585 pessoas com vacina verdadeira em um período de
quatro anos consecutivos de campanha de vacinação, não poderia ser considerada como
positiva.
O baixo índice de inoculações será mantido pela Repartição da Vacina entre
1852 a 1854. Segundo o mapa de vacinação praticado na Província do Maranhão entre
01 de janeiro a 30 de junho de 1852 foram inoculados 672 indivíduos, deste total 408
tiveram vacina regular e 264 desenvolveram vacina falsa477. Um novo balanço da vacina
é divulgado em 16 de julho de 1852, de acordo com este mapa de vacinação, entre 01 de
julho de 1851 a 30 de junho de 1852 receberam a vacina 2.201 pessoas, 1.363
475
MARANHÃO, Secretaria do Governo da Província. Correspondências. Autoridades da Saúde
Pública. Ofícios do comissário vacinador provincial ao presidente da Província do Maranhão, 27 de
janeiro de 1852. Setor de avulsos. APEM.
476
É importante esclarecer que o balanço levantado por José Miguel Pereira Cardozo de 3.273 indivíduos
inoculados para os anos de 1847 a 1851, não esclarece que das 389 inoculações realizadas em 1847 a
maioria pertencia a São Luís, este fato novamente se repetirá em 1848, os 539 indivíduos inoculados
neste ano em sua maioria eram residentes da capital, somente em 1849 e 1850 a Repartição da Vacina
consegue inocular 1713 indivíduos em toda a Província do Maranhão, sendo pertencentes a São Luís
1086 vacinados e 627 inoculados eram oriundos do interior do Maranhão. Em 1851 das 632 pessoas
inoculadas a maioria residia em de São Luís. Cf. MARANHÃO, Secretaria do Governo da Província.
Correspondências. Autoridades da Saúde Pública. Ofícios do comissário vacinador provincial ao
presidente da Província do Maranhão, 27 de janeiro de 1852. Setor de avulsos. APEM.
477
O mapa da vacinação praticado na Província do Maranhão entre 01 de janeiro até 30 de junho de 1852
também indica que foram vacinados 370 indivíduos do sexo masculinos, 282 indivíduos do sexo
feminino, 378 indivíduos livres e 294 indivíduos escravos, obedecendo às particularidades instituídas no
artigo 31 do regulamento de 17 de agosto de 1846. Cf. MARANHÃO, Secretaria do Governo da
Província. Correspondências. Autoridades da Saúde Pública. Ofícios do comissário vacinador provincial
ao presidente da Província do Maranhão, 10 de julho de 1852. Setor de avulsos. APEM.
155
desenvolveram vacina regular, o ponto negativo foi que da soma dos 2.201 vacinados,
838 não compareceram a revacinação não tendo seus casos acompanhados.478
Um terceiro mapa sobre o estado da vacina em 1852 é emitido em 29 de
janeiro de 1853. Segundo este novo mapa ao todo foram inoculadas 232 pessoas entre
01 de agosto a 31 de dezembro de 1852, sendo que apenas 99 apresentaram vacina
regular e 133 tiveram falsa vacina479. Por este último mapa de vacinação entende-se que
a vacina caminhava a ritmo de desuso no Maranhão, isto porque a Repartição da Vacina
não conseguia aumentar o índice de vacinados em escala de seis a seis meses, além
disso, o número das pessoas que não compareceram a revacinação e que tiveram vacina
falsa foi similar aos que apresentaram vacina verdadeira.
Entre 01 de janeiro a 30 de junho de 1853, receberam a vacina em toda a
Província do Maranhão 302 pessoas, apenas 64 tiveram vacina regular enquanto que
248 não compareceram a revacinação480. No segundo semestre do mesmo ano a
aceitação da vacina entre os populares perdurou a níveis baixíssimos, sendo vacinados
356 indivíduos, 193 com vacina regular e 163 com vacina falsa.481
Esses fatídicos resultados apresentados pela Repartição da Vacina do
Maranhão certamente contribuíram para que o índice de contagiosidade e virulência da
varíola fossem tão intensos entre novembro de 1854 a abril de 1855. A sensação de
impotência e inutilidade que a epidemia variólica de 1854-1855 espalhou entre as
autoridades locais foi tamanha, que o serviço de vacinação da Província sofreu severas
críticas, quanto à aplicação e desempenho da vacina.
Contando com o auxílio de seus 28 comissários vacinadores a Repartição da
Vacina inoculou ao todo 7.172 indivíduos de ambos os sexos no ano de 1854. Deste
478
O mapa da vacinação praticado na Província do Maranhão entre 01 de julho de 1851 a 30 de junho de
1852 indica que foram vacinados 1.214 indivíduos do sexo masculinos, 987 indivíduos do sexo feminino,
1.165 indivíduos livres e 1.036 escravos. Cf. MARANHÃO, Secretaria do Governo da Província.
Correspondências. Autoridades da Saúde Pública. Ofícios do comissário vacinador provincial ao
presidente da Província do Maranhão, 16 de julho de 1852. Setor de avulsos. APEM.
479
MARANHÃO, Secretaria do Governo da Província. Correspondências. Autoridades da Saúde
Pública. Ofícios do comissário vacinador provincial ao presidente da Província do Maranhão, 29 de
janeiro de 1853. Setor de avulsos. APEM.
480
O mapa da vacinação praticado na Província do Maranhão entre 01 de janeiro a 30 de junho de 1853
indica que foram vacinados 182 indivíduos do sexo masculinos, 130 indivíduos do sexo feminino, 204
indivíduos livres e 103 escravos. Cf. MARANHÃO, Secretaria do Governo da Província.
Correspondências. Autoridades da Saúde Pública. Ofícios do comissário vacinador provincial ao
presidente da Província do Maranhão, 30 de julho de 1853. Setor de avulsos. APEM.
481
O mapa da vacinação praticado na Província do Maranhão entre 01 de julho a 31 de dezembro de 1853
indica que foram vacinados 221 indivíduos do sexo masculinos, 134 indivíduos do sexo feminino, 208
indivíduos livres e 148 escravos. Cf. MARANHÃO, Secretaria do Governo da Província.
Correspondências. Autoridades da Saúde Pública. Ofícios do comissário vacinador provincial ao
presidente da Província do Maranhão, 28 de janeiro de 1854. Setor de avulsos. APEM.
156
total, 3.863 indivíduos inoculados residiam em São Luís enquanto que 3.309 no interior
da Província482. Centrando-se o olhar sobre esses dados, percebe-se uma tentativa de
ocultação de informações, pois os números que correspondem à vacinação praticada no
ano de 1854 não prestam conta sobre o percentual daqueles em que a vacina foi
verdadeira e falsa e nem daqueles que não compareceram a sessão de revacinação.
No entanto, em 22 de junho de 1855 o jornal O Publicador Maranhense relata
números interessantes sobre a vacina antivariólica. “Os dados estatísticos da Repartição
da Vaccina no Maranhão apontam que de 1847 a 1854 foram inoculados com a linfa
vacínica 15.909 pessoas, deste total 8.506 residiam na capital e 7.403 eram do
interior”483. Considerando a margem de 30.000 mil almas sobre o percentual de 8.506
inoculações realizadas na capital neste período. Significa dizer que apenas 28% dos
habitantes de São Luís foram inoculados com a vacina, sendo que deste percentual
exclui-se os números de inoculações falsas e casos não acompanhados, que poderiam
diminuir ainda mais o percentual de inoculados.484
Se compararmos as 7.172 inoculações realizadas em 1854 com os sete anos
anteriores, perceberemos que o número de inoculações não ultrapassava mil vacinações
por ano. Para piorar a situação, esperava-se um considerável aumento no número de
vacinados para o primeiro semestre de 1855, entretanto o desempenho da vacina neste
respectivo período foi trágico. Os comissários vacinadores inocularam apenas 923
indivíduos em toda a Província, sendo da capital 491, enquanto que 432 residiam no
interior da Província.485
Cifras catastróficas para um semestre que apresentou maior virulência e
contagiosidade da varíola. É importante frisar ainda que o índice de 923 inoculações
somente fora alcançado porque as multas de seis mil contos de rés para quem não
482
MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório do presidente da Província do Maranhão, o Dr.
Eduardo Olímpio de Machado, apresentou na Assembleia Legislativa Provincial no dia 03 de maio de
1855, acompanhado do Orçamento das Despeças para o anno de 1856, e mais documentos. Maranhão,
impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1855, p. 62; Informações semelhantes podem ser
encontradas em O PUBLICADOR MARANHENSE, 22 de junho de 1855. Parte Official. Governo da
Província. Relatório do presidente da Província do Maranhão, o Dr. Eduardo Olímpio de Machado, na
abertura da Assembleia Legislativa Provincial, no dia 03 de maio de 1855, p. 01.
483
Ibidem, p. 63.
484
Informações semelhantes podem ser encontradas em O PUBLICADOR MARANHENSE, 22 de junho
de 1855. Parte Official. Governo da Província. Relatório do presidente da Província do Maranhão, o
Dr. Eduardo Olímpio de Machado, na abertura da Assembleia Legislativa Provincial, no dia 03 de maio
de 1855, p. 01.
485
Ibidem; Informações semelhantes podem ser encontradas em O PUBLICADOR MARANHENSE, 22
de junho de 1855. Parte Official. Governo da Província. Relatório do presidente da Província do
Maranhão, o Dr. Eduardo Olímpio de Machado, na abertura da Assembleia Legislativa Provincial, no
dia 03 de maio de 1855, p. 01.
157
comparecesse nos dias de vacinação e revacinação foram reestabelecidas repetidamente
em São Luís. A vacina era tão rechaçada entre os populares que em publicação oficial
do dia 18 de janeiro de 1855, Eduardo Olímpio de Machado achara conivente que o
boticário João Diogo Duarte auxiliasse nos serviços da vacinação na capital, servindo
vacina todos os dias na sua residência localizada na Rua Formosa, número 27.486
Em ofício de 03 de fevereiro de 1855, o mesmo Eduardo Olímpio de Machado
ratifica que a vacina deveria ser levada a domicílio a fim de se alcançar um número
desejado de inoculados em 1855.
E por que seja mister que a propagação da vaccina tenha o mais rápido
andamento, e não vejo outro meio de consegui-lo senão mandar levar a
vaccina para as casas dos indivíduos que ainda não foram vaccinados, acabo
de expedir as convenientes ordens, para que esta deliberação seja cumprida
tanto pelo Dr. comissário vacinador e pelo seu ajudante, como pelos
facultativos Veríssimo dos Santos Caldas e Silvestre Marques da Silva
Ferrão, recomendando-lhes que, no caso de ser necessária a intervenção da
autoridade policial para o bom resultado desta medida recorram a V. S., que
487
dará as providencias, que julgar convenientes.
A pouca procura da linfa vacínica em 1855 decorre exclusivamente de duas
circunstâncias. A primeira era que a vacina antivariólica possuía uma péssima qualidade
de imunidade, a segunda era que muitas pessoas simplesmente não queriam se vacinar,
pois diziam que a vacina corrompia seus corpos, não tendo efeito algum sobre a varíola.
Para piorar a situação, alguns médicos duvidavam dos efeitos positivos da vacina. Entre
1850 e 1851 corriam boatos no Maranhão, Bahia e no Rio de Janeiro que alguns
médicos diplomados difamavam a vacina, diziam eles que a pratica da vacinação e
revacinação em tempos de epidemia era falha e prejudicial à saúde das pessoas.488
O médico inglês Legendre foi um dos primeiros a considerar essa hipótese,
dizia ele que a vacina jenneriana não poderia modificar totalmente a varíola
contribuindo para um possível mal estado dos vacinados489. Rilleit e Barthez inclinamse na mesma direção, até mesmo o Dr. Erchhoru um dos mais renomados médicos da
época, salienta que a vacina não pode ser considerada um preservativo totalmente
neutralizador da varíola, já que fora percebido em várias ocasiões que pessoas vacinadas
486
O PUBLICADOR MARANHENSE, 19 de dezembro de 1855. Annuncios, p. 03.
O PUBLICADOR MARANHENSE, 15 de março de 1855. Parte Official. Governo da Província.
Expedientes dos dias 03 e 05 de fevereiro de 1855, p. 01.
488
Ibidem.
489
O PUBLICADOR MARANHENSE, 08 de fevereiro de 1855. Maranhão. Da opportunidade e
necessidade absoluta da vaccinação na quadra actual, p. 03.
487
158
desenvolveram a varíola.490. Em sua maioria, as opiniões contrárias contra a vacina
provinham da França. Em 1802 circulou neste país e em toda a Europa a clássica
caricatura intitulada The cow-pock or the wonderful effects of the new inoculation de
James Gilray. Esta gravura foi repercutida incessantemente ao longo do século XIX,
inclusive no Brasil. Nela fica clara a tentativa de colocar a vacina jenneriana como o
preservativo que “avacalharia” o homem. Que por ser de origem animal causaria em
seus inoculados lesões nefastas como o aparecimento de feições de bois com chifres na
cabeça, ao passo que a voz do indivíduo se assemelharia ao rugido dos bovinos.
Figura 09
The cow-pock or the wonderful effects of the new inoculation. James Gilray, 1802.
National Library of Medicine, Bethesda, EUA.
490
Ibidem.
159
Fonte: CHALHOUB, Sidney. Cidade febril: cortiços e epidemias na corte imperial. Rio de Janeiro:
Companhia das Letras, 2006, p. 158.
Em 1808 o Dr. Heleodoro Jacinto de Araújo Carneiro publicou em Londres
uma memória intitulada “Sobre a prática da vacinação e suas funestas consequências”.
Nesta obra Heleodoro segue a linha de raciocínio de James Gilray apontando os
possíveis efeitos nefastos e irreversíveis no uso da vacinação antivariólica. Para
Heleodoro a vacina promovia a degeneração da espécie humana. Segundo ele as
crianças vacinadas poderiam ao longo do curso de seu crescimento desenvolver feições
de boi; tumores surgiriam em suas cabeças indicando o local dos chifres, e aos poucos a
fisionomia se tornaria cada vez mais próxima a de uma vaca, com a voz transformada
em mugido de touro.491
Além das deformações físicas e morais, médicos e esculápios acusavam a
vacina jenneriana de facilitar a ocorrência da sífilis. Em consonância com este assunto o
Jornal do Commércio do Rio de Janeiro lança nota editorial em julho de 1855 sobre a
obra “Degenerescencia physica e moral da espécie humana causada pela vacina”do
médico francês Verdé-Delisle, que segundo o jornal argumentava com fatos e
estatísticas que a vacina causava a degeneração física e moral da espécie humana.
Deslisle exagera em suas explicações, chegando a comparar a varíola como uma fase
necessária na vida.492
Em 17 de novembro de 1855o jornal Correio da Victoria também lança nota
explicativa sobre a obra do médico francês. De acordo com o jornal o Dr. Deslisle acusa
Edward Jenner de ter cooperado para atrofiar a espécie humana por meio da vacina,
enfatizando que as moléstias como: “a cólera, a gastrite, as escrófulas e a physica
pulmonar, tão frequentes no século XIX também eram oriundas da vacina
jenneriana”.493
Sidney Chalhoub expõe a existência de um grande debate sobre o assunto,
levantando a considerar a hipótese que durante a segunda metade do século XIX havia
491
BARBOSA, Plácido; RESENDE, Cassio Barbosa. Os serviços de saúde pública no Brasil,
especialmente na cidade do Rio de Janeiro de 1808 a 1907. Volume I. Rio de Janeiro, Imprensa
Nacional, 1909, p. 415. Apud. CHALHOUB, Sidney. Cidade febril: cortiços e epidemias na corte
imperial. Rio de Janeiro: Companhia das Letras, 2006.
492
CHALHOUB, Sidney. Op. Cit., 2006, p. 121.
493
CORREIO DA VICTORIA, 17 de novembro de 1855. Notícias Diversas, p. 02.
160
um grande número de meretrizes e proletários, vítimas da varíola no Rio de Janeiro,
sugerindo uma solidariedade cruel entre vacina e sífilis.494
A suspeita que a vacina antivariólica poderia facilitar a transmissão da sífilis
produzia colorações cinzentas a respeito da eficácia da linfa vacínica. Pedro Affonso
Franco cita que em 1865 o médico francês Depaul publica “La syphillis vacinalle”,
obra de grande impacto e repercussão na comunidade médica europeia. Neste livro o
autor cita alguns casos que comprovam segundo ele a transmissibilidade da sífilis por
intermédio da vacina jennerriana.
Na pagina 03 é contado um caso de uma menina de boa apparencia, com cuja
lympha foram inoculadas 46 crianças. Destas, 06 escaparam ao contágio, mas
40 tiveram ulceras syphiliticas nos pontos inoculados, e morreram 19, e
salvaram-se as outras tornando-se extremamente fracas e conservando os
signaes de infecção syphilitica. Muitas amas e mães das crianças foram por
estas infeccionadas. Na pagina 04, é referida a observação de Cerioli, de uma
criança com excelente aspecto de saúde, rosada, sadia, que parecia, pois nas
melhores condições para se vacinar, e da qual se retirou a lympha para 64
crianças. Todas estas foram atacadas de syphilis, 08 crianças falleceram, e 02
mulheres que amamentavam tiveram a mesma sorte. Indaga a causa, soube-se
que os pais da primeira criança eram syphiliticos, e que esta portanto tinha a
syphilis latente. Mais adiante é citado o facto de uma menina forte, e de
apparencia perfeitamente sadia, cuja vaccina transmitiu a syphilis a 19
pessoas. Essa mesma teve mais tarde ataque syphilico e falleceu em 06 dias.
Vê-se que ella também tinha a syphilis oculta, quando serviu de vacinífera.495
Infelizmente, a lógica seria o eminente fracasso da vacina, até porque esta
concorria com o método da variolação. Como se sabe, esse procedimento era bastante
similar ao método endérmico da aplicação da vacina jenneriana, o problema era que a
probabilidade de haver incidentes entre variolação, vacina e sífilis era gritante, e que
supostamente contribuiu para o insucesso da vacina. A frequência desse problema pode
estar no uso do método da variolação no combate contra a varíola.
Aliás, ao que parece este é um problema de ordem cronológica isto porque a
varíola já assaltava vidas no Brasil desde o século XVI. Sendo que a primeira grande
epidemia de varíola remonta ao ano de 1563, na região da Bahia, onde muitos índios
morreram vítimas das bexigas496. Em 1776 os médicos europeus já podiam contar com
o auxílio da vacina jenneriana contra a varíola. Sendo que no Brasil a introdução desse
método é datada ao ano de 1804. No entanto somente em 1811, foi criada a Junta da
494
CHALHOUB, Sidney. Op. Cit., 2006, pp. 120-125.
AFFONSO, Pedro Franco. In. O PAIZ, 25 de novembro de 1887, Inconveniente da vaccina humana
VI, p. 01.
496
GURGEL, Cristina Brandt Friedrich Martin; ROSA, Camila Andrade Pereira da. História da
Medicina: A Varíola no Brasil Colonial (Séculos XVI E XVII). In. Revista de Patologia Tropical, Vol. 41
(4), 2012, pp. 387-399.
495
161
Instituição Vacínica e apenas partir de 1832 com o Código de Posturas do Rio de
Janeiro, a vacina passou a ser obrigatória pela primeira vez no Brasil.497
Segundo José Vieira Fazenda, anterior à vacina jenneriana, o método da
“variolação” já havia chegado ao Brasil no final da década de 1790 498. No que diz
respeito à região do Pará e Maranhão, o geógrafo francês Charles Marie de La
Condamine, descendo o Rio Amazonas esteve em missões científicas, e logo tomou
conhecimento no ano de 1744 que um frade carmelita costumava imunizar seus
catecúmenos com a variolação, observação que ele transmitiu à Academia Real de
Ciências de Paris no relatório que apresentou sobre sua viagem 499. Robert Southey em
sua História do Brasil informa que desde 1730 se fazia uso da prática da variolação em
missões religiosas ao longo do Rio Negro.500
Ao citar esse problema, Sidney Chalhoub, não toma parte sobre o mesmo.
Segundo o autor há uma imprecisão nos fatos ou no mínimo uma incoerência dos
relatos.
Havia aqueles que resistiam à vacina aplicada pelos médicos alegando que
esta era a própria varíola, passando então a descrever os riscos normalmente
associados à variolização; mais torna-se difícil entender a recusa à vacinação
por esta ser confundida com a variolização se há testemunhos inequívocos de
que a inoculação do pus variólico era conhecida e bastante praticada no país.
Em suma, as razões registradas pelos médicos para a resistência à vacina nos
deixam a dificuldade de explicar o porquê de tantas pessoas recorrerem a
variolização.501
O interessante neste problema, é que os dados apontam que variolação e vacina
jenneriana foram introduzidas no Brasil em uma escala de tempo muito próxima, o que
de algum modo reforça a ideia que a população não dispunha de tempo suficiente para
diferenciar vacina e variolação, confundindo em muita das vezes ambas. Mas, mesmo
que fosse apenas um problema de nomenclatura ou diferença, o desprezo pela vacina
antivariólica repousa em simples observação empírica. Muitos doutores ficavam
surpresos com os assaltos que a varíola causava em pessoas vacinadas, vira e mexe
essas evidencias apareciam ao sabor da má qualidade da linfa vacínica distribuído e
497
FERNANDES, Tania Maria. Vacina Antivariólica: ciência, técnica e o poder dos homens. Rio de
Janeiro: Editora Fiocruz, 1999, p. 19.
498
FAZENDA, José Vieira, Antiqualhas e memórias do Rio de Janeiro. 1998; Cf. também LOPES,
Myriam Bahia e POLITO, Ronald. Para uma história da vacina no Brasil – um manuscrito inédito de
Norberto e Macedo. In: Revista História Ciências Saúde – Manguinhos, Vol. 14, nº 2, Abril/Junho 2007,
pp. 595-605.
499
MEIRELES, Mário M. Op. Cit., 1994, p. 212.
500
SOUTHEY, Robert. História do Brasil. Tradução de Joaquim Luiz de Oliveira e Castro. São Paulo:
Obelisco, 1965.
501
CHALHOUB, Sidney. Op. Cit., 2006, p. 131.
162
aplicado na população. Sendo que desde o inicio da década de 1820 sabia-se na Europa
que a vacina jenneriana já apresentava sinais de desgastes. Na realidade seu efeito
poderia ser comparado a uma leve brisa de verão.
José Pereira Rego, em seu esboço histórico sobre epidemias que haviam
grassado na corte entre 1830 a 1870, aponta que anterior a epidemia de 1834 que
assombrou o Rio de Janeiro, a varíola já aterrorizava pessoas vacinadas, notando a
repetição do fenômeno em epidemias ao longo do período citado502. A própria história
da vacina jenneriana evidencia este fato. Como se sabe a vacina não fora somente
circuncidada por elogios e argumentos positivos, não faltaram detratores das mais
variadas categorias e funções: químicos, médicos, cientistas, mercadores, boticários,
burocratas e governantes de vários países denunciavam segundo eles os malefícios da
vacina jenneriana.
Durante a guerra franco-prussiana em 1870, epidemias variólicas grassaram a
França e Alemanha simultaneamente. A mortalidade foi tamanha que várias
interrogações foram postas em relação à vacina, o número de indivíduos que refutava a
vacina como preservativo ideal contra a varíola foi considerável. Questionava-se muito
sobre a durabilidade da imunidade oferecida pela linfa vacínica, isso porque alguns
estudos realizados na França durante a guerra franco-prussiana apontaram que a linfa
animal transpostas em vários indivíduos neste período era de menor qualidade em
relação à produzida no tempo de Jenner. Além disso, os dados estatísticos sobre a
mortalidade variólica recolhida entre os dois exércitos mostram uma enorme diferença.
As tropas alemãs registraram apenas 261 óbitos por varíola, já a França registrou a
perda de 23. 467 oficiais cifra bem superior à apresentada pela sua vizinha.503
No ano de 1875 a câmara municipal de Hamburgo na Alemanha recolheu perto
de 30.000 assinaturas contra a aplicação da vacina jenneriana. Diziam estas pessoas que
a vacina poderia favorecer a transmissão de certas doenças graves ao homem, levando
uma extrema perturbação à saúde do homem504. Os detratores da vacina jenneriana
diziam que a mesma poderia facilitar “aflições” na pele humana que poderiam se
multiplicar e desenvolver lesões gravíssimas na epiderme humana, aumentando o índice
de mortalidade em épocas de grandes epidemias.
502
REGO, José Pereira Rego. História e descrição da febre amarela epidêmica que grassou no Rio de
Janeiro em 1850. Rio de Janeiro, Typographia de F. de Paula Brito, 1851, pp. 6-22.
503
O PAIZ, 21 de outubro de 1887. Noticiário, p. 02.
504
Ibidem.
163
Situação semelhante foi percebida na Áustria entre 1807 a 1850. Morreram de
varíola neste país, somente 376 indivíduos, número considerado baixo. No entanto entre
1877 a 1886, época da introdução da vacinação sistemática neste país a varíola vitimou
cerca de 28.5000 indivíduos na mesma região505. Esses dados levam a crer, que a
imunidade apresentada pela vacina jenneriana dependia do grau de penetração da vacina
no seio da população e a própria procedência da vacina, já que esta poderia ser de boa
ou péssima qualidade.
Para Mikhaël Suni os argumentos dos efeitos benéficos da vacina possuíam um
prazo de validade indeterminado “tão curto, que os vacinadores mostram-se bastante
tímidos para fixar-lhe a duração: quando a epidemia sobrevém, a vacinação ou a
revacinação, mesmo muito recente, não tem mais que um poder de preservação muito
aleatório”.506
A tudo isso, soma-se o fato que foi apenas em 1864 com a vacinação
sistemática na cidade de Nápoles que a comunidade médica europeia admitiu de fato os
possíveis progressos da vacina507. Mesmo diante de tamanhas dúvidas e incertezas, a
vacina antivariólica continuou a ser vinculada como o método mais eficaz no combate
às bexigas, sendo propagada por quase toda a Europa. Fato era que a varíola
apresentava-se como mortífera em vários países mesmo após o advento e proliferação
de sua vacina. Suas ocorrentes epidemias eram comparadas as da cólera e da peste.
Em ofício datado de 07 de dezembro de 1853, Eduardo Olímpio de Machado
demostra perspicácia no debate sobre a eficácia da vacina antivariólica no Brasil, o
mesmo relembrava e advertia o Ministério do Império à necessidade de se criar um
cargo de agente específico para combater as difamações que a vacina outrora vinha
recebendo.508
Em 03 de fevereiro de 1855 o próprio Eduardo Olímpio de Machado designou
que os médicos José Ricardo Jauffret, José Miguel Pereira Cardozo e José Sérgio
Ferreira desmentissem quaisquer boatos que vinham por a prova à eficiência da vacina,
tal como mostra este enunciado:
505
O PAIZ, 29 de outubro de 1887. Noticiário, p. 02.
SUNI, Mikhaël. A vacinação obrigatória. Rio de Janeiro, Apostolado Positivista do Brasil, jan. 1903.
In: GILL, Lorena Almeida; PEZAT, Paulo Ricardo. (Orgs.) As publicações dos positivistas religiosos
brasileiros sobre questões médico-sanitárias (1885-1927). Pelotas: Editora e Gráfica Universitária –
UFPEL, 2008, pp. 09-14.
507
FERNANDES, Tania Maria. Op. Cit., 1999, p. 33.
508
O PUBLICADOR MARANHENSE, 01 de fevereiro de 1854. Parte Official. Governo da Província.
Expedientes dos dias 07 e 08, 10 e 12 de dezembro de 1853, p. 01.
506
164
Epidemia – O número de atacados continua o mesmo, pouco mais ou menos,
porém o mal parece ter diminuído de intensidade; em tempo algum fizeram
as bexigas tanto estrago, mal grado as medidas sanitárias que contra o
contágio se tenha tomado. Ao contrário da febre amarella tem esta epidemia
atacado de preferencia os naturaes, e destes ainda com mais violência os da
raça indígena, não consta que estrangeiro algum tenha dela sido victima;
quanto ao sexo e a idade não tem nisso havido diferença, o mal tem atacado
indistictamente e com igual força, homens e mulheres, velhos, moças e
crianças. Atribuímos à má qualidade da vaccina, que actualmente se está
empregando o resultado funesto de alguns casos de indivíduos recentemente
vacinados. A opinião ariscada que a tempos grassou (mesmo entre pessoas
ilustradas!) que a vacina em tempos de epidemia provoca o aparecimento das
bexigas é inteiramente destituída de fundamento, e nem podemos acreditar
que médico algum auctorisasse com a sua opinião a crença de semelhante
509
absurdo.
Porém, mesmo que os referidos doutores considerassem que as difamações
contra a vacina fossem fora de contexto, sabia-se que a desconfiança da população de
São Luís e de toda a Província do Maranhão só aumentava em relação à vacina
antivariólica, e desde 1849 havia rumores em São Luís de que a pratica da vacinação e
revacinação em tempos epidêmicos punha em risco a vida das pessoas. Esses rumores
passaram a ser mais recorrentes entre a população de São Luís entre 1854 e 1855. Essa
suspeita é confirmada quando Thomaz José Rodrigues, comissário vacinador da região
de Itapecuru atesta que das 53 inoculações realizadas na primeira semana de campanha
de vacinação contra a epidemia de 1855, apenas uma pessoa inoculada apresentou
resultado satisfatório e que nas seções de revacinação a descrença na vacina era geral.510
Ciente do péssimo desempenho que a vacina alcançara frente aos populares em
um ano de epidemia, o governo provincial se empenhou na urgência da vacinação e
revacinação obrigatória em São Luís e na região que se estendia entre a baixada
maranhense, Ribeira do Itapecuru à cidade de Caxias. Os 29 comissários vacinadores
municipais e paroquiais511 intensificaram ao máximo seus serviços, muitos o fizeram
por mera caridade. Todo este empenho resultou na distribuição da linfa vacínica no
Maranhão pelo menos até o final de novembro de 1855, apenas as vilas de Tutoya,
Pastos Bons e São José ainda não tinham recebido lotes da vacina.
509
O PUBLICADOR MARANHENSE, 22 de março de 1855. Notícias diversas, p. 03.
O PUBLICADOR MARANHENSE, 15 de março de 1855. Parte Official. Governo da Província.
Expediente do dia 06 de setembro de 1855, p. 02.
511
O número exato de comissários vacinadores existentes na Província do Maranhão entre 1854 e 1855 é
variável, em algumas fontes encontramos a cifra de 29 vacinadores e em outras apenas 28. Cf. O
PUBLICADOR MARANHENSE de 05 de janeiro de 1856. Parte Official. Governo da Província, p. 03;
MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório do presidente da Província do Maranhão, o Dr.
Eduardo Olímpio de Machado, apresentou na Assembléa Legislativa Provincial no dia 03 de maio de
1855, acompanhado do Orçamento das Despeças para o anno de 1856, e mais documentos. Maranhão,
impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1855, p. 63.
510
165
Em seu balancete final sobre a vacinação a Repartição da Vacina exalta os
supostos resultados positivos alcançados entre os anos de 1854 e 1855 alegando que
desde o dia 01 de julho de 1854 a 30 de junho de 1855 foram vacinadas em toda a
Província do Maranhão a margem de 13. 727 pessoas, das quais tiveram vacina regular
11.084. Sendo da capital 5.554 indivíduos e 4.262 do interior da Província512. No
segundo semestre do respectivo ano foram vacinadas mais 2.024 pessoas, sendo que
1.662 pessoas tiveram vacina regular e apenas 362 apresentaram falsa vacina, como
mostra o mapa abaixo.
Mapa de vacinação praticado na Província do Maranhão entre 1854 a 1855.
Freguezias
Sexos
Masc.
Condição
Femi.
Livres
Total por freguesias
Escra.
Com vacina
Com vacina
regular
falsa
Total
1.469
328
416
1381
1501
206
1797
Bacanga
16
17
33
0
24
09
33
Chapadinha
08
05
06
07
0
13
13
V. da
40
44
77
07
57
27
84
21
25
16
30
38
08
46
20
31
28
23
42
09
51
1.574
450
576
1.448
1.662
362
2.024
N. S. da
Victoria
Vargem
Grande
Cidade de
Vianna
Cidade de
Alcântara
Resultado
Fonte: MARANHÃO, Secretaria do Governo da Província. Correspondências. Autoridades da Saúde
Pública. Ofícios do comissário vacinador provincial ao presidente da Província do Maranhão, 26 de
janeiro de 1856. Setor de avulsos. APEM.
512
MARANHÃO, Secretaria do Governo da Província. Correspondências. Autoridades da Saúde
Pública. Ofícios do comissário vacinador provincial ao presidente da Província do Maranhão, 26 de
janeiro de 1856. Setor de avulsos. APEM; O balancete geral sobre a vacinação na Província do Maranhão
foi oficialmente emitido e registrado em 26 de janeiro de 1856, no entanto, informações semelhantes
podem ser encontradas em MARANHÃO. Relatório do presidente da Província do Maranhão, o Dr.
Eduardo Olímpio de Machado, apresentou na Assembleia Legislativa Provincial no dia 03 de maio de
1855, acompanhado do Orçamento das Despeças para o anno de 1856, e mais documentos. Maranhão,
impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1855, p. 63; Cf. também O PUBLICADOR
MARANHENSE de 05 de janeiro de 1856. Parte Official. Governo da Província, p. 03.
166
Entretanto, mais uma vez percebe-se que as informações emitidas sobre a
vacina podem ser claramente contestadas, isso porque era recorrente em ofícios a
rebeldia popular em relação a vacina, fato que não aparece em nenhum momento nas
entre linhas do relatório final da vacinação praticado em 1855. A falta dessa informação
pode leva o leitor a entender que a vacina alcançou resultados positivos em 1855, tendo
em vista que o resultado alcançado pela vacina falsa foi relativamente baixo com apenas
362 notificações.
De acordo com o mesmo relatório desde julho de 1847, (ano em que aqui se
pôs em execução o regulamento de n° 464 de 17 de agosto de 1846), até 31 de
dezembro de 1855 teriam sido vacinadas em toda a Província 25.087 pessoas, sendo
11.369 pertencentes a capital513, porém no relatório não consta dados ou informações a
respeito da vacina falsa e dos casos não observados, ou seja, uma clara tentativa de
enaltecer “os supostos progressos da vacina na Província do Maranhão”.
As estatísticas sobre a vacinação praticada na Província do Maranhão sugerem
que desde 1826 a vacina antivariólica sempre foi rechaçada por grande parte da
população, fato que novamente irá se repetir nos anos subsequentes sucumbindo ao
traumático episódio de 1864-1865.
Seguindo com a análise dos mapas e relatórios de vacinação, no segundo
semestre de 1856 o número de comissários vacinadores locais e paroquiais subiu de 29
para 34, este acréscimo entre os vacinadores não refletiu na quantidade de inoculados,
tampouco na qualidade da linfa vacínica. De acordo com José Miguel Pereira Cardoso
foram vacinados em toda Província do Maranhão no período de 01 de janeiro de 1856 a
30 de junho de 1857, apenas 971 pessoas. Desta soma, 714 residiam em São Luís, 458
desenvolveram vacina regular e 513 não compareceram as seções de revacinação
comprometendo assim mais uma vez a eficácia da vacina514. Em 1858 a média de
inoculações continuou baixa e ineficiente, foram realizadas neste ano 992 inoculações,
527 desses inoculados residiam na capital, 583 pessoas apresentaram vacina regular e
513
MARANHÃO, Secretaria do Governo da Província. Correspondências. Autoridades da Saúde
Pública. Ofícios do comissário vacinador provincial ao presidente da Província do Maranhão, 26 de
janeiro de 1856. Setor de avulsos. APEM.
514
De acordo com o mapa de vacinação praticado na Província do Maranhão entre 01 de janeiro de 1856
a 30 de junho de 1857, das 971 pessoas inoculadas, 610 pertenciam ao sexo masculino, 361 pertenciam ao
sexo feminino, 424 eram livres e 552 escravos Cf. MARANHÃO, Secretaria do Governo da Província.
Correspondências. Autoridades da Saúde Pública. Ofícios do comissário vacinador provincial ao
presidente da Província do Maranhão, 10 de julho de 1857. Setor de avulsos. APEM.
167
409 vacina falsa515. Ou seja, mesmo após três anos do terrível surto variólico de 18541855, a vacina ainda caminhava a passos lentos em todas as partes da Província do
Maranhão.
José Miguel Pereira Cardoso simplifica a questão da vacina da seguinte forma:
“desgraçadamente o povo só se lembra da vacina, quando se vê ameaçado pelo contágio
das bexigas”
516
. Essa circunstância vigorou na Província do Maranhão entre o período
de 1859 a 1863. Durante este intervalo não fez a varíola aparições em caráter
epidêmico, tampouco fez estragos catastróficos, por isso o ritmo da vacinação declinou
consideravelmente.
Desde maio de 1859 a Repartição da Vacina no Maranhão carecia de vacina de
boa qualidade, o que influenciou diretamente no índice de inoculações realizadas neste
ano. Ao todo foram vacinadas em toda a Província 442 pessoas, 324 residiam na capital,
299 desenvolveram vacina regula e 144 não se apresentaram nas seções de revacinação,
portanto desenvolveram vacina falsa517. Em 1860 o índice de aproveitamento da vacina
perdurou a níveis baixíssimos, foram inoculadas com a linfa vacínica 267 pessoas, 147
residiam em São Luís, em 174 indivíduos a vacina se desenvolveu de maneira regular e
93 apresentaram vacina falsa518. Em 1861 a média de vacinados sobe para 1105
inoculações, 479 desses inoculados residiam em São Luís e 626 eram residentes do
interior da Província, 687 apresentaram vacina regular enquanto que 418 não
compareceram a revacinação.519
515
De acordo com o mapa de vacinação emitido em 19 de janeiro de 1859, 548 inoculados pertenciam ao
sexo masculino, 444 pertenciam ao sexo feminino, 524 eram livres e 468 eram escravos. Cf.
MARANHÃO, Secretaria do Governo da Província. Correspondências. Autoridades da Saúde Pública.
Ofícios do comissário vacinador provincial ao presidente da Província do Maranhão, 19 de janeiro de
1859. Setor de avulsos. APEM.
516
MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório com que a Assembléa Legislativa Provincial do
Maranhão apresentou ao presidente da Província, Conselheiro Antônio Manoel de Campos Mello, por
occasião da instalação da mesma Assemblea no dia 27 de outubro de 1862. Maranhão, impresso na Typ.
Constitucional de I.J. Ferreira, 1862, p. 16.
517
De acordo com o mapa de vacinação emitido em 09 de janeiro de 1860, da soma de 442 inoculações
realizadas, 368 pertenciam ao sexo masculino, 64 pertenciam ao sexo feminino, 223 eram livres e 219
eram escravos. Cf. MARANHÃO, Secretaria do Governo da Província. Correspondências. Autoridades
da Saúde Pública. Ofícios do comissário vacinador provincial ao presidente da Província do Maranhão,
09 de janeiro de 1860. Setor de avulsos. APEM.
518
De acordo com o mapa de vacinação praticado na Província do Maranhão em 1860, do total de 267
inoculados, 102 pertenciam ao sexo masculino, 165 ao sexo feminino, 105 eram livres e 162 eram
escravos. Cf. MARANHÃO, Secretaria do Governo da Província. Correspondências. Autoridades da
Saúde Pública. Ofícios do comissário vacinador provincial ao presidente da Província do Maranhão, 18
de fevereiro de 1861. Setor de avulsos. APEM.
519
Os resultados obtidos para o ano de 1861 foram alcançados somando-se os mapas de vacinação do
primeiro e segundo semestre de 1861, por esta soma 647 dos inoculados pertenciam ao sexo masculino,
460 pertenciam ao sexo feminino, 613 eram livres e 494 eram escravos.
168
A penúria do serviço de vacinação do Maranhão foi gritante entre 1859 a 1861,
os números apresentados acima demostram que em apenas uma ocasião o número de
vacinados superou a quadra de mil inoculações. Entre 1862 e 1863 o péssimo
desempenho da vacina no Maranhão seguiu a passos firmes. De acordo com o anexo de
n° 05 expedido em 03 de julho de 1862 pelo comissário vacinador provincial José
Miguel Pereira Cardoso, foram vacinados em toda a Província do Maranhão entre 01 de
janeiro a 30 de junho de 1862, 478 indivíduos, destes, 454 residiam em São Luís,
enquanto que 24 eram da cidade de Caxias, desta soma 319 apresentaram vacina
verdadeira, 150 não se revacinaram.520
Entre 01 de julho a 31 de dezembro do mesmo ano a média de vacinados na
Província decresce para 333 inoculações, desta soma 190 apresentaram vacina regular e
143 não compareceram as seções de revacinação521. Sendo que se subtrai dos 333
inoculados, 105 recrutas, 60 do exercito e 45 da marinha onde a maioria não
compareceu as seções de revacinação.
A oposição da população para com a vacina será crucial para que tenhamos
mais uma vez em São Luís a ocorrência de um surto variólico em escala mortífera. O
cenário começa a se desenha ainda em 1863, quando um violento surto variólico se
expande em todo o nordeste brasileiro. Preocupado com o péssimo rendimento da
vacina em 1863, que de janeiro a junho do respectivo ano somou apenas 230
inoculações, sendo 221 realizadas na capital e apenas 09 no interior da Província522, o
governo provincial temendo o pior prontamente estabeleceu providencias contra a
possível importação da moléstia.
A primeira providencia foi ampliar o número de vacinadores, de 34 para 43, a
segunda foi nomear o médico Alexandre Marcellino Bayma sob a gratificação mensal
520
De acordo com o anexo de n°05, 279 indivíduos eram do sexo masculino, 199 eram do sexo feminino,
219 eram livres e 259 eram escravos. Cf. MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório com que a
Assembléa Legislativa Provincial do Maranhão apresentou ao presidente da Província, conselheiro
Antônio Manoel de Campos Mello, por occasião da instalação da mesma Assembléa no dia 27 de
outubro de 1862. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1862, anexo de n° 05,
1862.
521
De acordo com o anexo de n°05, 232 dos indivíduos inoculados eram do sexo masculino, 101 eram do
sexo feminino, 220 eram livres e 113 eram escravos. Cf. MARANHÃO, Presidência da Província.
Relatório com que a Assembléa Legislativa Provincial do Maranhão apresentou ao presidente da
Província, conselheiro Antônio Manoel de Campos Mello, por occasião da instalação da mesma
Assembléa no dia 03 de maio de 1863. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1863,
anexo de n° 05.
522
MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório com que o Exm. Snh. Presidente da Província o
Dr. Ambrósio Leitão da Cunha passou a administração da mesma ao Exm. Snh. Miguel Joaquim Ayres
do Nascimento, 2° vice-presidente, no dia 24 de novembro do último. Maranhão, impresso na Typ.
Constitucional de I.J. Ferreira, 1863, p. 28.
169
de 200.000 contos de réis, como investigador oficial de qualquer aparecimento da
varíola ou da varicela no interior da Província. Bayma teria que emitir relatórios e
mapas de vacinação atestando sobre o estado de saúde da população do interior da
Província.523
A terceira providencia foi intensificar o uso da vacina entre as crianças. Pelas
informações prestadas por José Miguel Pereira Cardoso apenas no primeiro semestre de
1864 foram vacinados 774 meninos, sendo das freguesias da capital 683, de Vargem
Grande 35 e de Nossa Senhora da Lapa e Pias 46. Entre essas 774 crianças vacinadas
343 tiveram vacina regular, não sendo revacinadas 421.524
Em 1864 a Repartição da Vacina consegue superar a margem de mil
inoculações, sendo vacinadas na Província do Maranhão 1523 pessoas a grande maioria
crianças525, apenas 215 dos inoculados residiam na capital e 1308 eram do interior. Era
a primeira vez desde 1826 que a vacina obteve um desempenho satisfatório em relação
ao interior da Província. Desses 1523 inoculados, 1005 apresentaram vacina de boa
regular e 520 apresentaram vacina falsa.526
Há de se duvidar mais uma vez dos dados arrolados pela Repartição da Vacina,
isto porque em ofício de 10 de agosto de 1864 emitido por José Miguel Pereira Cardoso
assim acusa a situação da vacina.
Comunico a Vossa Excelência o Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Doutor
José Joaquim Alves do Nascimento vice presidente d’esta Província que
estamos sem vacina de braço, o melhor meio de sua conservação e
transmissão com bom resultado; falhou por fraca; a inoculação com o pus das
laminas, que havia conservado também falhou por 3 vezes depois de já ter
sido aplicado.527
523
Ibidem.
MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório com que a Assembléa Legislativa Provincial do
Maranhão apresentou ao vice-presidente da Província, desembargador Miguel J. Ayres do Nascimento,
por occasião da instalação da mesma Assembléa no dia 03 de maio de 1864. Maranhão, impresso na
Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1864, p. 18; As informações sobre as crianças vacinadas no primeiro
semestre de 1864 também podem ser encontradas no jornal O PUBLICADOR MARANHENSE, 07 de
maio de 1864. Parte Official. Governo da Província. Relatório com que a Assembleia Legislativa
Provincial do Maranhão apresentou ao vice-presidente da Província, desembargador Miguel J. Ayres do
Nascimento, por occasião da instalação da mesma Assembléa no dia 03 de maio de 1864, p. 01.
525
Das 1523 inoculações realizadas entre abril e junho de 1864, provavelmente 774 foram feitas somente
em crianças, tal como indica os dados da vacinação praticados no primeiro semestre de 1864.
526
De acordo com o mapa de vacinação emitido em 12 de julho de 1864, 974 dos inoculados pertenciam
ao sexo masculino, 549 pertenciam ao sexo feminino, 997 eram livres e 546 eram escravos. Cf.
MARANHÃO, Secretaria do Governo da Província. Correspondências. Autoridades da Saúde Pública.
Ofícios do comissário vacinador provincial ao presidente da Província do Maranhão, 12 de julho de
1864. Setor de avulsos. APEM.
527
MARANHÃO, Secretaria do Governo da Província. Correspondências. Autoridades da Saúde
Pública. Ofícios do comissário vacinador provincial ao presidente da Província do Maranhão, 10 de
agosto de 1864. Setor de avulsos. APEM.
524
170
Surpreendentemente entre 1865 e 1866 anos em que a varíola confluente foi
novamente reinante em São Luís, o número de vacinados oscila muito. O péssimo
desempenho da vacina mais uma vez é atribuído à negligência da população em
vacinar-se em tempos de epidemia. Os mapas de vacinação referentes aos anos de 1865
e 1866 reiteram as evidencias de que as inoculações realizadas pela Repartição da
Vacina foram feitas somente na capital e em um número bastante reduzido.
Em 1865 o progresso da vacina sobre a epidemia mostrou-se decepcionante,
foram vacinadas em São Luís 487 pessoas, sendo que 183 apresentaram vacina regular e
224 apresentaram falsa vacina528. Em 1866 houve uma pequena melhora, contudo
inexpressiva, com 590 inoculações, desta soma 520 apresentaram vacina regular e 70
vacina falsa.529
A soma da vacinação praticada nos sete anos anteriores a 1866, nos da uma
margem de 4.943 inoculações. Se compararmos este algarismo com o percentual de 30.
000 mil almas, nos deparamos com uma média de aproximadamente 16% da população
inoculada. Sendo que deste cálculo está se desconsiderando as vacinações falsas e o
percentual de inoculados do interior da Província do Maranhão.
Obviamente que esses resultados decepcionantes da vacina fomentaram o
avanço da varíola na capital, que decorre exclusivamente de três fatores: primeiro, a
descrença dos populares em relação à vacina (um número considerável de pessoas
desconhecia de fato o que era a vacina ou simplesmente desconfiavam do método
utilizado por isso rechaçavam o uso da vacina); segundo, a ineficiência imunológica
apresentada pela vacina (é necessário recordar que a vacina só poderia atingir um bom
desempenho se fosse aplicada corretamente e tendo em vista que anualmente as taxas de
vacina falsa e de não comparecimento à revacinação eram altíssimas, conclui-se então
528
De acordo com o mapa de vacinação emitido em 31 de março de 1866 pelo comissário vacinador
provincial César Augusto Marques, foram vacinados em São Luís no período de 01 de agosto a 31 de
dezembro de 1865, 487 pessoas. Desta soma 312 pertenciam ao sexo masculino, 95 pertenciam ao sexo
feminino, 232 eram livres e 175 eram escravos. Cf. MARANHÃO, Secretaria do Governo da Província.
Correspondências. Autoridades da Saúde Pública. Ofícios do comissário vacinador provincial ao
presidente da Província do Maranhão, 31 de março de 1866. Setor de avulsos. APEM; Informações
semelhantes podem ser obtidas em MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório com que o Exm.
Snh. Presidente da Província o Dr. Lafayete Rodrigues Pereira apresentou a Assembléa Legislativa
Provincial por occasião de sua abertura no dia 03 de maio de 1866. Maranhão, impresso na Typ.
Constitucional de I.J. Ferreira, 1866, p. 30.
529
Dos 590 inoculados em 1866, 236 pertenciam ao sexo masculino, 354 pertenciam ao sexo feminino,
420 eram livres e 170 eram escravos. Cf. MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório com que o
Exm. Snh. Dr. Franklin A. de Menezes Doria passou a administração desta Província ao Exm. Snh. Dr.
Antônio Epaminondas de Mello, no dia 28 de outubro de 1867. Maranhão, impresso na Typ.
Constitucional de I.J. Ferreira, 1867, p. 20.
171
que grande parte dos inoculados poderiam estar de fato desprotegidos contra o vírus
variólico); terceiro, a ampla preferência por vacinar especialmente as crianças (isto
porque médicos e vacinadores locais consideravam a infância como a principal faixa
etária a serem concentrados os esforços da vacinação sistemática, tendo em vista que se
esperava que nelas a vacina pudesse se desenvolver com melhor qualidade para a defesa
imunológica do organismo).
De fato o número de vítimas na faixa etária de 0 a 14 foi pequeno nas
epidemias variólicas analisadas neste trabalho, no entanto o Dr. Erchhoru prevenia ser
de bom grado aplicar sempre a vacina como neutralizadora das bexigas em todas as
etapas da vida, sem distinção ou escolha de grupos de risco. Segundo Erchhoru era
preciso levar em consideração as variantes da moléstia530. A mesma prerrogativa é
encontrada no Capítulo 12 do Artigo 29 do Regimento Vacínico do Império sentenciava
a obrigatoriedade da vacinação a todas as pessoas do Império independente de raça,
sexo ou idade.531
Como vimos a aplicação da vacina foi intensificada por excelência nas crianças
e não nos adultos, essa estratégia foi articulada na tentativa da vacina ter resultados
positivos nas crianças. Este equivoco certamente custou à vida de muitas pessoas nos
anos de 1854-1855 e 1864-1865-1866. De acordo com Juan Ângulo durante o século
XIX a varíola teve por preferência os adultos, a varíola apresentada nestes indivíduos
quase sempre era de caráter maligno532. Não por acaso ela vitimou principalmente as
pessoas da faixa etária acima dos 18 anos de idade.
Se a vacina fosse inoculada com maior fervor e tutela entre os adultos, talvez
as cifras de 683 e 505 óbitos registrados pela varíola em 1854-1855 e 1864-1865-1866
tivessem sido menores. Todavia seria extremamente complicado concretizar essa
hipótese, até porque havia um consenso entre os médicos da época em inocular-se por
preferência as crianças. O Dr. Kusson, assim explica esta situação:
No caso de uma epidemia variólica próxima ou já existente, toda demora
voluntária entre o primeiro e o segundo dia de nascimento de um menino
530
O PUBLICADOR MARANHENSE, 08 de fevereiro de 1855. Maranhão. Da opportunidade e
necessidade absoluta da vaccinação na quadra actual, p. 03.
531
MARANHÃO, Secretaria do Governo da Província. Correspondências. Autoridades da Saúde
Pública. Ofícios do comissário vacinador provincial ao presidente da Província do Maranhão, 20 de
julho de 1863. Setor de avulsos. APEM.
532
No século XIX a varíola vitimou principalmente os adultos, já no século XX as crianças foram as
principais vítimas da varicela, no entanto, seu percentual de óbitos raramente alcançava 1% da população.
Cf. ÂNGULO, Juan. Varíola. In: Ricardo Veronesi. Doenças infecciosas e parasitárias. 7a ed., Rio de
Janeiro: Guanabara Koogan, 1982, pp. 55-56.
172
para se inocular a vacina deve ser considerada como um delito, podendo ser
533
determinante no curso da epidemia.
Opinião semelhante é compartilhada pelo Dr. Fleury “durante uma epidemia de
varíola deve-se vacinar a todos os meninos, qualquer que seja sua idade, constituição,
estado de saúde, ainda mais quando se suspeita a infecção do vírus variólico”
534
. Lino
Romualdo Teixeira médico vacinador da Bahia diz ter sólidas razoes para considerar a
vacinação infantil como a mais eficaz, segundo ele somente nas crianças que
apresentem alguma deficiência mental ou que estão muito verdes deve-se evitar a
vacina.535
De fato a vacinação infantil era tutelada com maior rigor pelas autoridades
locais, o Regulamento Vacínico da Corte considerava que criança alguma poderia se
matricular em instituições ou estabelecimentos de caridade sem antes comprovar seu
estado de vacinação536. O próprio César Augusto Marques, nomeado comissário
vacinador provincial do Maranhão escreveu um pequeno livreto intitulado “Aos meus
meninos” nesta obra, Marques dedica exclusivamente as primeiras páginas sobre a
zelosa tarefa e importância da vacinação e revacinação nas crianças ainda na primeira
infância.
5.3 Dos gargalos da vacinação aos vacinofóbicos
Os problemas referentes à ordem técnica as falhas humanas da Repartição da
Vacina configuram-se como grandes empecilhos dos serviços de vacinação prestados na
Província do Maranhão e certamente contribuíram em muito para a falta de prestígio da
vacina e também para a proliferação dos surtos variólicos em São Luís e em algumas
localidades no interior da Província. Um desses problemas diz respeito ao transporte da
linfa vacínica. A vacina vinha acondicionada ora em vidros ou em tubos capilares. Era
extremamente comum haver reclamação sobre as dificuldades de transporte da linfa
vacínica para lugares distantes do Rio de Janeiro, tal como era o caso da Província do
Maranhão.
533
O PUBLICADOR MARANHENSE, 08 de fevereiro de 1855. Maranhão. Da opportunidade e
necessidade absoluta da vaccinação na quadra actual, p. 03.
534
Ibidem.
535
Ibidem.
536
MARANHÃO, Secretaria do Governo da Província. Correspondências. Autoridades da Saúde
Pública. Ofícios do comissário vacinador provincial ao presidente da Província do Maranhão, 08 de
fevereiro de 1882. Setor de avulsos. APEM.
173
O desleixo dos comissários vacinadores municipais e paroquiais configurava-se
com um dos piores gargalos da Repartição da Vacina, isto porque, grande desses
vacinadores atuavam no interior da Província e não possuía diploma, ou sequer alguma
familiaridade com os ofícios de medicina. Hercules Muzzi e Jacintho Reys responsáveis
pela propagação da linfa vacínica na corte e no Rio de Janeiro, viram-se em vários
momentos em apuros, pois a repugnância com que o povo se referia à vacina condizia
com as falhas do serviço de vacinação.537
Em São Luís os problemas pareciam se repetir com a mesma frequência. Em
ofício de 20 de julho de 1863, José Miguel Pereira Cardoso cita que em todas as
comarcas da Província do Maranhão existiam inúmeras falhas dos vacinadores
municipais e paroquiais, informando que grande parte não sabia usar, tampouco
manusear o material da linfa corretamente, por vezes confundindo pústulas variólicas
falsas com verdadeiras e vice-versa.538
A gravura a baixo mostra as diferentes etapas de evolução das pústulas
variólicas nos processos da vacinação e da variolação.
537
CHALHOUB, Sidney. Op. Cit., 2006, p. 116
MARANHÃO, Secretaria do Governo da Província. Correspondências. Autoridades da Saúde
Pública. Ofícios do comissário vacinador provincial ao presidente da Província do Maranhão, 20 de
julho de 1863. Setor de avulsos. APEM.
538
174
Figura 10
Gravuras publicadas por George Kikland em 1806, a partir dos desenhos do Capitão
C. Gold, mostrando a evolução mais regularmente observada das lesões causadas pela
variolação e vacinação. As gravuras foram republicadas no British Medical Journal em
1896, celebrando o centenário das pesquisas de Edward Jenner.
Fonte: CHALHOUB, Sidney. Cidade febril: cortiços e epidemias na corte imperial. Rio de Janeiro:
Companhia das Letras, 2006, p. 158.
José Miguel Pereira Cardoso finaliza seu argumento indicando que essa
situação era comum em indivíduos previamente imunizados.
Como o pus vacínico oferece semelhante dificuldade no uso de seu
direcionamento lembro-me dizer que poder-se experimentar a uma aplicação
175
da maneira seguinte: se tem apreciado mais o favorecimento feita a picada
com a ponta da lacenta, deitando-se ela sobre o sangue ou pluviosidade
produzida por ele, deve-se ser sempre em quantidade mínima o pus vacínico
repassado a lamina da lacenta, para que esta possa ser enxuta, desta forma
não há necessidade de dissolve-la na água ou solução, o líquido da pele é que
539
o dissolve.
A falta de profissionalismo produzida pelos comissários vacinadores era
gritante e vexaminosa, sendo de extrema recorrência entre estes profissionais o não
cumprimento de suas obrigações negligenciando a emissão de relatórios, ofícios e
mapas de vacinação, e muitas das vezes eram funcionários fantasmas.
Este serviço público não obstante as ordens e providencias dadas por vossa
Excelência para que alli possa haver melhor resultado como é do desejo do
governo, antevi que houve atraso que expus a Vossa Excelência em 29 de
janeiro do ultimo, pelas mesmas circunstancias observadas, havendo de mais
a notar-se, como mostra o mappa que no interior da Província houve atraso
ou além do município desta capital não houvesse um só indivíduo só com
vacina regular, o que podemos assegura que não é por falta de empenho, mas
porque recebemos o aviso que os comissários vacinadores do interior da
Província estão muito preguiçosos em seus deveres, atribuímos também que
há nesta capital grande incúria, onde vacinados não cumprem o compromisso
da revacinação.540
Tentando inibir essas condutas, o Instituto Vacínico da Corte generaliza em
todo o Império a execução do Decreto do Ministério do Império de n° 466 de 17 de
agosto de 1866 reformando as instruções dos comissários vacinadores municipais e
paroquiais.
Capítulo VIII.
Art. 22. Aos Commissários Vaccinadores Municipais compete:
§ 1°. As atribuições atribuídas aos Commissários Provinciais pelos § § 1° e
6° do artigo 21.
Diz o § 1°. Vaccinar em todos os domingos e mais uma vez ao menos na
semana, a todas as pessoas para este fim se apresentarem, dando certificado a
aquellas, em que tiver aproveitado a vacina.
Diz o § 6°. Propor à Câmara Municipal, respectiva todas as medidas, que
d’ella despenderem para que a vacina seja effiscamente propagada e se obste
ao desenvolvimento da epidemia das bexigas, logo que se manifeste em
qualquer ponto do Município.
§ 2°. Informar ao Commissário Provincial imediatamente que apareça em
qualquer ponto do Município o contágio da bexiga, indicando quasquer
providencias, que lhes pareção acertadas para atalhar o contágio.
§ 3°. Ter o maior cuidado na conservação da Vacina, para que ella não falte
jamais no Município, requisitando-a com a precisa antecipação ao
Commissário Vaccinador sempre que seja precisar.
539
Ibidem.
MARANHÃO, Secretaria do Governo da Província. Correspondências. Autoridades da Saúde
Pública. Ofícios do comissário vacinador provincial ao presidente da Província do Maranhão, 30 de
junho de 1853. Setor de avulsos. APEM.
540
176
§ 4º. Executar todas as ordens e instruçções, que lhes forem transmitidas pelo
Commissário Provincial para o regular serviço a seu cargo.
§ 5°. Remetter ao Commisário Provincial, de três em três meses, um Mapa de
todas as pessoas, que tiverem vacinados no Município, acompanhando
quaisquer observações, que julgue necessárias para o melhor desempenho dos
seus deveres.
Capítulo XIX.
Dos Commissário Parochiaes.
Art. 23. Os Commissário Parochiaes exerceram em suas respectivas
Parochiaes, as mesmas atribuições que os Commissários Vaccinadores
Municipais em seus municípios.
Palácio do Rio de Janeiro 17 de agosto de 1866 (assignado) por Joaquim
Marcellino de Brito.
Confere, Maranhão 08 de maio de 1866. Dr. Cesar augusto Marques.
541
Commmisário Provincial Interino.
Em 27 de março de 1868, obedecendo ao Decreto do Ministério do Império de
n° 466 de 17 de agosto de 1866, o Dr. Cesar Augusto Marques, então comissário
vacinador provincial interino do Maranhão, pôs em circular na capital e em 12 comarcas
da Província, instruções gerais sobre o manuseio e aplicação correta da linfa vacínica.
Uma clara tentativa de diminuir os erros e equívocos praticados na vacinação.
Tendo inserido a ponta de uma faca ou de um canivete entre as duas laminas
de vidro e envergando-se um pequeno esforço e jeito abram-se as laminas.
Na parte interna encontra-se umas manchas brancas – é o fluido vaccinico.
Dissolvem-se essas manchas em um pouco d’ água fria, aquece-se bem a
ponta de uma lacenta. Dissolve-se bem até a água ficar grossa e turva.
Prompto assim o fluido vaccinico a pessoa que vai vaccinar, agarra com o
braço esquerdo da pessoa que tem de ser vacinada pela parte interna, isto é,
d’ aquela parte que toca a parte da caixa do peito, afim de repuxar bem a pele
da parte internar e externa do mesmo braço.
Com a mão direita introduzir obliquamente com a ponta de uma lacenta
debaixo da epiderme, isto é, coma ponta de uma lacenta fazer uma pequena
incisão, muito superficial na pele, como se fosse uma arranhadura, ou
esfoliação, ou escoriação.
Ás vezes aparece uma gota de sangue nesta picada. Limpa-se ou deixa-se
secar, e depois tira-se esse pequeno coalho de sangue, que ahi se forma. É de
costume fazer-se em cada braço de duas a três pecadas diferentes e de uma ou
duas gotas de pus vaccinico.
Se é criança ou pessoa fraca duas picadas bastão. Se é homem ou pessoa forte
então são necessarias. Feitas essa picadas deitar-se com a ponta da lacenta
sobre cada uma delas de uma a duas gotas do liquido, que já deve estar
preparado sobre uma lamina de vidro.
Conserva-se a pessoa vaccinada em um lugar bem arejado até secar
inteiramente esse liquido depositado nas picadas. Depois de passados oito
dias, essas picadas se tornaram botões ou pústulas largas, inchadas e
resistentes e rodeadas de um circulo inflamatório.
Abra-se com a ponta da lacenta um d’esses botões, pela parte debaixo ou pela
base apresenta-se logo um liquido muito transparente – é o liquido vaccinico.
Então pode-se dispensar essa vaccina de lamina, já que tem esta de braço,
541
MARANHÃO, Secretaria do Governo da Província. Correspondências. Autoridades da Saúde
Pública. Ofícios do comissário vacinador provincial ao presidente da Província do Maranhão, 08 de
maio de 1866. Setor de avulsos. APEM.
177
que é mais segura. Usa-se essa como expliquei na vaccina de lamina. As
vezes quando se abre a pústula ou o botão aparece algum sangue.
Não se usa assim da vaccina misturada, limpa-se com um pano bem limpo e
fino, e a’ ahi a pouco aparece uma gota de vacina. É costume usar-se das
pústulas no 8° dia porem ainda serve no 9°, e até mesmo no 10° dia.
Quando no processo aparece matéria ou pus, limpa-se, e as vezes surge das
gotas de que falei, e quando ela não vem, entende-se que ela não é boa.
Precauções.
Quando aparecer febre, rechaçar-se o doente, para que seja posto em dieta de
caldo de galinha, de carne ou de mingaus, não durante a ascenção da febre,
porem depois d’ella passado. Não se previne o doente de beber água fria
durante a febre, pelo contrario dê-se-lhe bastante até lhe fartar.
Quando há inchamento entre os braços, lava-se com água morna e espalha-se
por cima e ao redor das pústulas sebo da Holanda, porem depois de se tirar
d’ellas o fluido vaccinico nunca provem desta.
Não se devem consentir que os vacinadores cocem as pústulas porque não se
desenvolvem bem, e quando se desenvolvem, arrebentam e perde-se o
liquido.
Pareci-me que falei numa linguagem muito clara e acomodada a inteligência
de quem não é médico. Se parecer não me explicar bem, estou pronto a dar
todas as explicações.
Maranhão 27 de março de 1868. Comissário Vaccinador Provincial. Dr.
542
Cesar Augusto Marques.
Os problemas oriundos da má aplicação da vacina, infelizmente serão
debatidos com serenidade apenas em 17 de dezembro de 1873, quando Pedro Affonso
Franco, então secretário dos assuntos sanitários da corte reformula as instruções do
Instituto Vacínico da Corte, revitalizando a maneira correta da inoculação da vacina em
todo o território nacional.
Tendo de põr-se em execução de 1° de janeiro futuro em diante a portaria
abaixo transcrita, previno ao público, de ordem do Exm. Sr. Conselheiro
inspector geral, que d’esse dia em diante nenhuma pessoa será vacinada, quer
no instituto, quer nos postos creados nas diversas freguesias, sem que se
apresenta muida de documentos exigido no §3° da mesma postura, para cujo
fim estão dadas as providencias de inteligência com as autoridades policiaes;
e bem assim que, para cumprimento do §1°, fica marcado o prazo de três
543
mezes, depois dos quaes será posta effectivamente em execução.
No entanto, mesmo que o governo imperial decreta-se por ofício e lei, que
somente médicos diplomados fossem os únicos a realizarem os prontíssimos serviços de
vacinação para atender a população, na prática as coisas eram diferentes. O próprio
Serviço de Vacinação da Corte, por algumas vezes com o receio da perda de grandes
542
MARANHÃO, Secretaria do Governo da Província. Correspondências. Autoridades da Saúde
Pública. Ofícios do comissário vacinador provincial ao presidente da Província do Maranhão, 27 de
maio de 1868. Setor de avulsos. APEM.
543
A REFORMA, 21 de dezembro de 1873. Declarações. Instituto Vaccínico da Corte. Posturas, p. 02.
178
quantidades de frascos e tubos de linfa vacínica, fornecia gratuitamente a vacina a
qualquer um que habilitar-se a realizar as inoculações.544
Para piorar o cenário, há evidencias que apontam que a vacina jenneriana
importada da Inglaterra ao Brasil era de péssima qualidade, ou que talvez nem fosse de
fato a vacina. De acordo com a Sociedade de Sciencias Médicas de Lisboa existia na
Inglaterra uma verdadeira sofisticação fraudulenta da vacina.
Em resultado das enormes requisições de vaccina, feitas em Inglaterra, creouse uma indústria fraudulenta, que consiste em vender em vez da vaccina um
composto de tártaro emético, óleo de croton e collodio, que, sendo inoculado produz pústulas inteiramente semelhantes ás da vaccina. Cuidado, pois,
com mais este lôgro medico que o ambicioso charlatanismo põe em anseio,
545
sem attender aos grandes males que dá à humanidade.
Infelizmente esses problemas perduraram aos anos posteriores. Em ofício de 08
de fevereiro de 1882 o então comissário vacinador provincial Amâncio Alves Pereira de
Azevedo, assim reportava-se sobre o modo quase que irreversível da precariedade dos
serviços de vacinação e consequentemente a ineficácia da vacina.
Debalde procurar este comissário lucidar com a indiferença de nossa
população para com a inoculação da vacina. É sabido desde longa data, que
só se procura a vacina em quadro epidêmico de varíola. O anno próximo indo
ficou inutilizado o fluído vacínico por duas vezes por não haver quem se
quisesse aproveitar deste importante preservativo, e, com quanto, este anno,
já tenham aparecido alguns casos de varíola, subsiste a mesma censurável
diferença, apezar das disposições claras do artigo 29 capítulo 12 do
Regulamento Vacínico que obriga à vacinação de todas as pessoas residentes
dentro do Império. Acresce também de não ter sido de boa qualidade o fluído
vacínico findo do Rio de Janeiro, de forma que poucas inoculações foram
proveitosas, motivo pelo que em 2 de janeiro passado solicitei de Vossa
Excelência vacina de procedência inglesa.São estas as informações que me
cumpre levar ao conhecimento de vossa Excelência, satisfazendo assim as
ordens exaradas em ofício de 18 de janeiro do anno passado.546
Outro grande gargalo da Repartição da Vacina da Província do Maranhão era a
falta de credibilidade da vacina entre os populares e até entre alguns médicos. Jacintho
Pereira Reys descreve que muitos indivíduos representavam a vacina como a própria
varíola, apresentando certo medo e receio em se vacinar-se. Reys define esses
544
CHALHOUB, Sidney. Op. Cit., 2006, p. 132.
GAZETA MÉDICA DA BAHIA, Publicada por uma associação de facultativos. Sob a direção do Dr.
Virgílio Climaco Damazio. Volume I. Sophisticação da vaccina em Inglaterra. Bahia, Officina lithotypographia de J.G. Tourinho, 1866-1867, p. 168.
546
MARANHÃO, Secretaria do Governo da Província. Correspondências. Autoridades da Saúde
Pública. Ofícios do comissário vacinador provincial ao presidente da Província do Maranhão, 08 de
fevereiro de 1882. Setor de avulsos. APEM.
545
179
indivíduos como “vacinophóbicos” 547. A ocorrência da vacinophobia era recorrente nos
ofícios das autoridades de saúde da Província do Maranhão.
Havendo agora muito boa vacina de braço, infelizmente muito poucas
pessoas as tem apparecido afim de propagar-se tão útil preservativo contra
uma moléstia tão cruel. Peço também a Vossa Excelência que lembre a
comarca municipal a necessidade d’lla mandar por seus fiscais mandar avisar
as pessoas, que por ventura não sejam vacinadas a comparecer nas quartas
feiras e nos sábados de todas as semanas das 6 às 9 horas da manhã, na sala
destinada ao serviço da vacinação, achando-se eles presentes a fim de
verificarem quais foram os ignorantes que faltarão e infligiram o artigo 1881
– 1882 – 1883 da mesma comarca.548
Na historiografia brasileira existem alguns trabalhos que discutem a questão da
vacina, vacinofobia e mais especificamente “A Revolta da Vacina de 1904”. Lima
Barreto, por exemplo, ao analisar o episódio de 1904, surpreende-se com o espetáculo
que se interpõe aos seus olhos:
Durante as mazorcas de novembro de 1904, eu vi a seguinte e curiosa cousa:
um grupo de agentes fazia para os cidadãos e os revistava.
O governo diz que os oposicionistas a vacina, com armas na mão, são
vagabundos, gatunos, assassinos, entretanto ele se esquece de que o fundo
dos seus batalhões, dos seus secretas e inspetores, que mantêm a opinião
dele, é da mesma gente.
Essa mazorca teve grandes vantagens: 1) demostrar que o Rio de Janeiro
pode ter opinião e defende-las com armas na mão; 2) diminuir um pouco o
fetichismo da farda; 3) desmoralizar a Escola Militar.
Pela vez primeira, eu vi entre nós não se ter medo de homem fardado. O
povo, como os astecas ao tempo de Cortés, se convenceu de que eles também
549
eram mortais.
José Murilo de Carvalho também explica que os fatos ocorridos em 1904 não
estão à luz da simplicidade do jogo político, a verdadeira causa defendida pelos
revoltosos de 1904 refere-se ao tom moralista dado a campanha de vacinação em 1904.
Para ele a revolta da vacina foi “uma revolta fragmentada em uma sociedade
fragmentada”.550
Teresa Meade aponta que a Revolta da Vacina significou acima de tudo uma
luta entre o discurso médico e as tradições populares de cura551.
Jeffrey Needell
547
CHALHOUB, Sidney. Op. Cit., 2006, p. 114
MARANHÃO, Secretaria do Governo da Província. Correspondências. Autoridades da Saúde
Pública. Ofícios do comissário vacinador provincial ao presidente da Província do Maranhão, 24 de
novembro de 1869. Setor de avulsos. APEM.
549
BARRETO, Lima. Diário Íntimo. São Paulo: Ed. Mérito, 1953, p. 49.
550
CARVALHO, José Murilo. Os bestializados: O Rio de Janeiro e a República que não foi. São Paulo:
Companhia das Letras, 1987, p. 91.
551
MEADE, Teresa. Community protest in Rio de Janeiro, Brazil, during then First Republic, 1890-1917.
Tese de Ph.D., Rutgers University, 1984.
548
180
interpreta a questão da Revolta da Vacina, sobre o prisma do racismo e das formas de
repreensão à cultura afro-brasileira552. Leonardo Pereira, expressa que as barricadas
feitas contra a vacina, refletiam as tensões sociais vividas no Rio de Janeiro em 1904.553
Os trabalhos de José Meihy, Cláudio Bertoli, Sidney Chalhoub e Tânia
Fernandes se debruçam em estudos indispensáveis sobre a investigação do Serviço de
Vacinação da Corte554. Contudo, entre tantos trabalhos que tratam a questão da varíola,
vacinophobia e Revolta da Vacina, destaco em especial a obra de Nicolau Sevcenko “A
Revolta da Vacina: mentes insanas em corpos rebeldes”. Nesta obra o autor aponta que
os protestos de 1904 são fruto de uma reação ao “aburguesamento e cosmopolitização
da sociedade carioca”. Nas palavras de Nicolau Sevcenko a revolta do povo não foi
somente contra a vacina, e sim antes de tudo com a história.555
A Revolta da Vacina foi nesse contexto que observamos o conjunto de
transformações que culminaram com a reformulação da sociedade brasileira,
constituindo a sua feição material mais aparente e ostensiva ao processo de
regeneração, ou seja, a metamorfose urbana da Capital Federal, acompanhada
das medidas de saneamento e de redistribuição espacial dos vários grupos
556
sociais.
Sevcenko cita, por exemplo, o Deputado Barbosa Lima que em seções de 1904
na câmara dos deputados brandava em fúria com os comissários vacinadores e suas
formas de aplicar a vacina antivariólica. Segundo Barbosa Lima a lei da obrigatoriedade
da vacina era uma:
Lei... ignominiosa, pós só o médico da Saúde Pública tem competência para
dizer se tal criatura mostra a cicatriz da vacina em membro inferior, dandose-lhe assim carta de corso para a mais infame pirataria, contra qual todas as
insurreições serão eternamente gloriosas.557
Um dos motivos citados por Barbosa Lima para a rejeição da vacina seria a
maneira de inocular a vacina, já que segundo ele, os doutores higienistas ofendiam os
chefes de família ao invadirem seu lar, e na sua ausência, obrigavam suas mulheres e
552
NEEDELL, Jeffrey. “The Revolta contra Vacina of 1904: the revolt against modernization in Belle
Époque Rio de Janeiro”. Hispanic American Historical Review. Vol. 67, n° 2, maio de 1987, pp. 233-69.
553
PEREIRA, Leonardo Affonso de Miranda. As barricadas da saúde: Vacina e protesto popular no Rio
de Janeiro da Primeira República. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2002, pp. 33- 106.
554
MEIHY, José Carlos Sebe; FILHO, Cláudio Bertolli. História social da saúde. Opinião pública versus
poder, a campanha da vacina, 1904. Estudos CEDHAL, n° 5, São Paulo, 1990; CHALHOUB, Sidney.
Cidade febril: cortiços e epidemias na corte imperial. Rio de Janeiro: Companhia das Letras, 2006;
FERNANDES, Tania Maria. Vacina Antivariólica: ciência, técnica e o poder dos homens. Rio de
Janeiro: Editora Fiocruz, 1999.
555
SEVCENKO, Nicolau. A Revolta da Vacina: mentes insanas em corpos rebeldes. São Paulo:
Brasiliense, 1984, p. 10.
556
Id. Ibid., p. 88.
557
Id. Ibid., pp. 14-15.
181
filhas a colocarem expostas partes íntimas do seu corpo, já que a vacina segundo ele,
também poderia ser aplicada nas nádegas.
É claro, que há um pouco de exagero nas explicações de Barbosa Lima, já que
se sabia e era conhecimento geral que a vacina era e sempre foi inoculada no braço dos
indivíduos. Todavia, e resguardando os exageros a partir, a interpretação de Nicolau
Sevcenko tem algo de original, ela sugere a personificação da luta e resistência do
homem em decidir sobre o que lhe convêm a ser bom a sua saúde ou pelo menos
duvidar dos mecanismos científicos e profiláticos utilizados pelo governo em interferir
positivamente ou negativamente na sua saúde e no seu corpo.
Beatriz Weber tem opinião semelhante, segundo esta autora muitos indivíduos
viam a vacinação obrigatória na República como uma condenação da integridade física
e moral, uma vez que a vacina era resultado de um produto mórbido retirado de
substâncias impuras dos bovinos.
A discussão realizada pelos médicos influenciados pelo positivismo é
bastante ampla, incluindo questões técnicas sobre a vacinação e sobre sua
obrigatoriedade, o uso de animais para a produção de vacinas, sobre higiene,
pelo livre culto aos mortos, sobre expulsão de cortiços, o isolamento
domiciliar, exames, etc. Essas questões foram objeto de intervenções [...]
principalmente no Rio de Janeiro. A política de saneamento completo e
extinção das endemias na capital da República, do presidente Rodrigues
Alves, juntamente com a remodelação urbana na cidade, levadas a cabo pelo
intendente Pereira Passos, geraram inúmeras resistências. Essas medidas
eram parte de um projeto de inserção do país no mercado mundial, com
aplicação de recursos estrangeiros no Brasil, já iniciado na proclamação da
558
República.
O mais interessante, é que a maior parte desses trabalhos, assim como os novos
estudos acadêmicos que discutem o problema da vacina, ainda retratam a Lei da
obrigatoriedade da vacina de 1904 como a centelha para o estopim do episódio
conhecido como “A Revolta da Vacina”, não se atentado ao fato que a própria Lei da
obrigatoriedade da vacina de 1904 celebrava o centenário dos serviços de vacinação no
Brasil, já que este teve início em 1804 com a chegada da vacina jenneriana ao Brasil.
Também não se atentam ao fato de que a Lei da obrigatoriedade da vacina de 1904 nada
mais era do que uma réplica da antiga obrigatoriedade de se vacinar-se contra as
bexigas, prática existente no Brasil desde 1832.
558
WEBER, Beatriz Teixeira. As artes de curar: Medicina, Religião, Magia e Positivismo na República
Rio-Grandense – 1889/1928. Campinas, 1997. Tese (Doutorado em História do Trabalho). Universidade
de Campinas, p. 89. Cf. também WEBER, Beatriz Teixeira. Positivismo e saúde: Comte e a medicina. In:
GRAEBIN, Cleusa Maria G.; LEAL, Elisabete. (Orgs.). Revisando o positivismo. Canoas: La Salle, 1998.
182
No entanto, imagino que os motivos para tamanho receio contra a vacina
antivaríola em 1904 tenha sido em virtude do rigor de alguns artigos da Lei de 1904559 e
não sobre sua obrigatoriedade.
Art. 16°. Os pais, pais adotivos e tutores são obrigados a fazer com que seus
filhos, filhos adotivos ou tutelados se submetam à vacinação e revacinação de
acordo com o presente Regulamento, sob pena de multa de 50$ a 1:100$,
dobrada nas reincidências; Art.17°. Os diretores ou responsáveis pelos
colégios e estabelecimentos congêneres não poderão receber alunos que não
estejam vacinados ou revacinados e portadores de atestados confirmativos da
operação; Art.18°. Os infratores do artigo precedente serão passíveis de multa
de 50$ por aluno não vacinado, e se os estabelecimentos de instrução forem
oficiais (ilegível) responsáveis suspensos por um mês; Art.19°. Ninguém
poderá ser admitido como (ilegível) ou empregado, sem que apresente
atestado de vacinação ou revacinação, de acordo com o estabelecido no
presente regulamento; Art. 20°. Nos casos de infração do artigo (ilegível)
serão as pessoas que tomarem a seu serviço (ilegível) não vacinados ou
revacinados passíveis de multa (ilegível) a 500$000; Art. 21°. Nos casos a
que se referem estes artigos (ilegível) os chefes das casas deverão ficar
(ilegível) de vacinação ou revacinação de seus (ilegível) empregados
enquanto estiverem (ilegível); Art. 22°. Nenhum negociante poderá (ilegível)
empregado algum que não tenha sido vacinado ou revacinado (ilegível) de
acordo (ilegível) multa de 100$ por empregado (ilegível) imunizado; Art.23°.
(Ilegível) vacinado ou revacinado e nos casos de reincidência à pena de
fechamento do estabelecimento; Art. 24°. Todos os colégios, fábricas,
oficinas, asilos e estabelecimentos congêneres deverão possuir um livro em
que estejam consignados: os nomes das pessoas nele reunidas, a data da
vacinação ou revacinação e o número de registro sob que estão lançados os
atestados nos livros da Diretoria Geral de Saúde Pública. §1°. Os
responsáveis pelos estabelecimentos a que se referiu o presente artigo serão
passíveis de multa de 500$, dobrada nas reincidências, quando não possuírem
o livro referido. §2°. Quando o livro não estiver escriturado em dia será o
responsável passível de multa de 100$ e no dobro na reincidência.§3°. As
disposições do presente artigo começarão a vigorar seis meses após a
promulgação deste regulamento; Art. 25°. Em nenhuma construção ou obra,
quer particular, quer pública, poderão ser admitidas pessoas que não tenham
sido vacinadas ou revacinadas de acordo com os artigos 1° e 2°, sob pena de
multa de 50$ por pessoa não imunizada ou suspensão por três meses do
encarregado ou responsável pela obra ou construção, se for empregado
público; Art. 26°. Ninguém poderá ser qualificado eleitor, inscrever-se em
concurso, ser nomeado para a Guarda Nacional, nem fazer parte do Exército
e Armada Nacional sem que demonstre estar vacinado ou revacinado de
acordo com os artigos 1° e 2°, ficando os responsáveis pela infração sujeitos
a multa de 100$ por pessoa; Art. 27°. Ninguém poderá ser funcionário ou
matricular-se nas escolas de ensino superior da República sem que prove
estar imunizado contra a varíola de acordo com os artigos 1° e 2°. Parágrafo
Único. Os chefes das repartições serão responsáveis pelo cumprimento do
presente artigo, sob pena de multa de 500$ ou suspensão por seis meses; Art.
28°. Ninguém poderá contrair casamento sem apresentar os atestados que
provem o cumprimento disposto nos artigos 1° e 2°. Parágrafo Único. Os
escrivães das Pretorias serão passíveis de multa de 50$ por infração do
presente artigo; Art. 29°. Pessoa alguma poderá matricular-se negociante sem
que prove estar de acordo com o estabelecido neste regulamento; Art. 30°. Os
chefes de família são responsáveis perante a autoridade sanitária pelo
cumprimento do disposto nos artigos 1° e 2° deste regulamento, sob pena de
multa de 50$ por pessoa que não estiver de acordo com o que está neles
559
A Lei sobre a obrigatoriedade da vacinação de 1904 pode ser encontrada no anexo 01 deste trabalho.
183
estabelecido; Artigo 31°. Os responsáveis pelas casas de cômodos e de
pensão, hotéis, estalagens e outros estabelecimentos análogos não poderão
alugar aposentos a pessoa alguma que não esteja nas condições dos artigos 1°
e 2°, sob pena de multa de 50$ por pessoa não imunizada contra a varíola.
Parágrafo Único. Nos livros de registro sanitário a que se refere o art. 122 do
regulamento aprovado pelo decreto n° 5.156, de 08 de março de 1901, deverse-á consignar o número sob o qual e a delegacia de saúde em que o atestado
de cada hóspede está registrado; Art.32°. Nenhum passageiro poderá
desembarcar nos portos do Brasil sem que prove estar vacinado ou
revacinado, de acordo com os artigos 1° e 2°. Parágrafo Único. Os
comandantes dos navios serão responsáveis pelo cumprimento desta
disposição e passíveis de multa de 20$ por passageiro que não exibir o
atestado a que se refere o art. 10°; Art. 33°. Quando alguém tiver de passar de
um estado da União para outro, deverá munir-se dos documentos que provem
estar de acordo com os artigos 1° e 2°, não lhe podendo ser vendida a
passagem ou concedido o passe sem preenchimento desta formalidade.560
Voltando a questão implícita nos corpos, Jorge Crespo em sua História do
Corpo, assim explica a propulsão da pulverização do discurso médico sobre o corpo.
A importância dada ao corpo, no nosso tempo, contrapõe-se ao ofuscamento
a que estava submetido no passado [...] os novos valores de beleza, felicidade
ou juventude identificaram-se com um corpo que se transforma em objeto de
cuidados e desassossegos. O projeto de libertação do corpo está presente em
cada momento, exprimindo-se numa dinâmica multifacetada e atingindo a
561
imensa teia de relações sociais.
Crespo ainda interpõe análises riquíssimas sobre essa questão, sugerindo que o
corpo também pode ser visto pelo ângulo da doença e do sofrimento. Segundo ele,
durante a segunda metade do século XVIII, surgiu na Europa normas e regulamentos a
respeito dos enterramentos em cemitérios, situação que ratifica a urgência das regras da
higiene coletiva, no quadro das políticas de saúde pública no mundo ocidental. Em
Portugal, por exemplo, a intervenção médica higienista pode ser observada com rigor
nas propostas de autópsia da dessecagem dos corpos pela Junta de Saúde Pública de
Lisboa em 1813, especificamente no que se refere aos procedimentos e cuidados sobre
os cadáveres.
Em defesa dos valores humanitários, estabeleciam-se as normas a cumprir,
entre as quais se destacava a obrigatoriedade de se manterem os mortos em
observação, durante quarenta e oito horas, antes da realização das cerimônias
fúnebres. Na circunstância, os médicos acompanhavam a morte em processo,
aplicando meios de diagnóstico e de reanimação específicos, emitindo
562
certificados de óbito.
560
RIO DE JANEIRO (Cidade). Secretaria Especial de Comunicação Social. 1904 - Revolta da Vacina. A
maior batalha do Rio. 120f. Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro. – A Secretaria, (Cadernos da
Comunicação. Série Memória), 2006, p. 95.
561
CRESPO, Jorge. A história do corpo. Rio de Janeiro: Companhia das Letras, 1990, p. 07.
562
Ibidem, p. 34.
184
Roy Porter atribuiu à medicina o papel de desarticulação do corpo humano em
unidade, passando o homem a ser um objeto de estudo. Para este autor é o corpo doente
que se materializa quando os historiadores resgatam através dos boletins e registros
médicos. Porem é necessário entender que a fonte não pode ser considerada como o
único material para a construção das narrativas, pois o historiador não deve tratar o
corpo simplesmente como fenômeno biológico. Porter finaliza seu argumento da
seguinte forma: “devemos enxergar o corpo como ele tem sido vivenciado e expresso no
interior de sistemas culturais particulares por eles mesmos alterados através dos
tempos”.563
Ao reflete sobre os poderes “quase que invisíveis” que controlam e moldam
sociedades a partir do corpo, Michel Foucault percebe que os casamentos assim como a
procriação são excelentes exemplos de análise da penetração da higiene nas questões da
sexualidade, nas inúmeras nuanças de medo destacando-se as doenças sexualmente
transmissíveis, nos pecados da carne, na dor diante do parto e na curiosidade da
masturbação. Para ele todas essas questões “pairam no ar”, deixando a sensação que o
corpo vive em constante rotina de vigilância, a começar pelas roupas, continuam no seu
deitar na cama, coagindo-o no seu amor e por fim corroborando-o no leito de sua
morte.564
De certo, o corpo é constantemente vigiado sendo alvo de inúmeros
instrumentos de repreensão, pelos quais asseguro que a higiene tenha sido o referencial
a ser seguido no século XIX, indeferindo os enfermos. Extraindo-se da mesma, prazer,
dor, e os atos indispensáveis para o bem viver. Ora confundindo-se com ela mesma, ora
separando puros e impuros, conscientes e ignorantes, protegidos e marginalizados. Por
meio da higiene circunscrita nos corpos, faz-se também o controle das epidemias e do
aliciamento da população em hábitos profiláticos, como a vacinação.
Porém há ainda uma grande ressalva a se fazer sobre a vacina antivariólica, isto
porque seu método de inoculação era de extrema rusticidade. Analisando passo a passo
o desenvolvimento da vacina no organismo do indivíduo entre o primeiro dia após as
primeiras picadas de inoculação, indo ao oitavo e nono dia, que incluiria a revacinação,
chegando ao o décimo dia que seria uma espécie de secura das pústulas ocasionadas
563
PORTER, Roy. História do corpo. In: BURKE, Peter. (Org.). A escrita da história: novas
perspectivas. São Paulo: UNESP, 1992, p. 205.
564
FOUCAULT, Michel. Poder-corpo. In. Microfísica do poder. 25 ed. São Paulo: Graal, 2012, p. 236.
185
pela vacina, observa-se uma mescla de incertezas e angústias em relação a pratica da
vacinação.
Convêm fazer as picadas com a ponta de uma lacenta bem profundas, ao ver
se a vaccina entrou bem na abertura feita sobre a epiderme da pelle. E sempre
preferível para a inoculação da vaccina tirada no mesmo momento de uma
creança sadia, ou da pústula de uma vacca.
A vaccina, como todas as moléstias, tem períodos distinctos. Admitimos três:
o de incubação, o de inflamação ou erupção e o de dissecação.
O primeiro começa no momento em que foi feita as picadas. Forma-se então
um círculo superficial cor de rosa de 0=, 020 a 0=, 030 de diâmetro, que
desaparece alguns momentos depois, deixando uma leve tumoficação que
persiste algum tempo; até o 3° e 4° dia não se percebe trabalho algum
inflamatório.
No fim d’esse tempo começa o segundo período; aparece nas picadas uma
elevação de vermelho claro, que no quinto dia deprime-se ligeiramente e
causa comichões; no sexto dia ella alarga-se, deprime-se mais no centro e
limita-se por um círculo vermelho de 1 a 2 milímetros de largura; no sétimo o
botão tem o aspecto de uma pústula; a elevação circular achata-se e toma
uma cor mais escura; o circulo vermelho, que circunscreveria a pústula até
então, empalece um pouco e propaga-se, por irradiação, no tecido celular
vizinho; no nono dia a pústula cobre-se de uma aureola vermelha; no decimo
dia a inchação alarga-se, a aureola aumenta de exatidão, n’um circulo de 3 a
4 centímetros de raio e toma a cor vermelha viva.
N’essa época de erupção, o vacinado accusa dores nas glândulas auxiliares
quase sempre um movimento febril pouco ou muito intenso, cortejando por
bocejos, rubor nas faces e aceleração do pulso.
No 11° dia a pústula ganha a cor de perola; seu diâmetro é de 01 centímetro a
08 milímetros: é dura ao tacto e oferece a resistência de um corpo
inteiramente unido à pelle; o liquido que contem é um pouco menos
transparente e viscoso.
No 12° dia começa o período da dessecação, a depressão central toma o
aspecto de uma crosta; o liquido perturbar-se e fica opalino, a aureola
empalidece o tumor vaccinal se defaz e expolia-se a epiderme.
No 13° dia continua a dessecação do centro para a circunferência; o tumor
circular amarellece e encolhe-se, à medida que secca, e a matéria que n’elle
se contém é amarellada e puriforme; a aureola tem um tom levemente pureo.
No 14° dia a crosta endurece e fica amarello escuro; o circulo que delimita a
largura segue a ordem de decrescimento do tumor vaccinal.
Do 14° ao 25° dia, a crosta torna-se solida e dura completamente ao tacto,
adquire a cor da pele e conserva sua forma umbilical ou arredonda-se
ligeiramente.
A’ proporção que da de si o tumor vaccinal, a crosta ergue-se, mas à pelle,
até que cahe no 24° ou 25° dia, deixando uma cicatriz profunda e estampada
565
que primeiramente é parda e depois de alguns meses fica muito branca.
Como se vê a inoculação da linfa vacínica era dolorosa e lenta, o que
contribuía para os preconceitos da população com a vacina antivariólica, e se já era
difícil convencer a população a vacinar-se em épocas normais de campanhas, realizar
então a pratica da revacinação mostrava-se como uma tarefa quase que monumental.
Além disso, pra que a vacina pudesse alcançar resultados satisfatórios ou no mínimo
565
A REFORMA, 24 de setembro de 1875. Factos Diversos. Vaccina, p. 02.
186
relevantes era necessário à obtenção de braços bons para a aplicação da mesma, fato que
na maioria das vezes não acontecia.
Em 1848, Jacintho Pereira Reys se mostra indignado com a enorme quantidade
de braços que o Brasil perdia sempre que a varíola era reinante566. Pedro Affonso
Franco assim resume os empecilhos da vacina jeneriana.
A falta de crianças em boas condições para serem vacinadas e a repugnância
natural dos pais em prestar seus filhos para a extração da vacina acarretam na
pequena produção da lympha das pústulas humanas, são as condições
insuperáveis que explicam a falta, algumas vezes absoluta de boa vacina
567
humana.
Se a dificuldade era grande em realizar a vacinação ela dobrava quando o
assunto era a revacinação568, talvez por isso os dados em relação à revacinação eram
quase sempre negativos. Dado o ensejo, em 1839 a Faculdade de Medicina da Bahia
resolveu se pronunciar sobre o assunto da revacinação. De acordo com os médicos
baianos a prática da revacinação não era aconselhável, podendo ter consequências
nefastas e funestas ao preservativo da vacina. O argumento e as observações dos
médicos baianos eram baseados em fins técnicos e burocratas. Segundo eles haviam
uma sonora discrepância entre propagar a vacina e realiza as inoculações de maneira
correta, tendo em vista que muito dos vacinadores se quer cumpriam com suas
obrigações, além disso, utilizar a pratica da revacinação seria o mesmo que atestar
cientificamente a ineficácia da vacina jenneriana, pois a mesma precisaria de uma nova
incursão na pele para ser validada.569
Para Tânia Maria Fernandes a questão da revacinação gerou intenso debate
entre os médicos do século XIX, existindo uma enorme confusão sobre o assunto,
alguns diziam que a revacinação seria uma maneira de comprovar a imunidade, outros
diziam que apenas tratava-se de uma dose de reforço570. O problema era que desde 1820
a varíola vinha por fazer assaltos frequentemente em vidas de pessoa previamente
vacinadas com a linfa vacínica, não havia como os doutores se oporem aos números
estatísticos, e mesmo que a Academia Imperial de Medicina ainda não tivesse dado
566
CHALHOUB, Sidney. Op. Cit., 2006, p. 130.
AFFONSO, Pedro Franco. Inconveniente da vaccina humana X. In. O PAIZ, 25 de novembro de
1887, p. 01.
568
Segundo Tania Maria Fernandes apenas em 1875 a revacinação contra a varíola foi considerada
obrigatória. Cf. FERNANDES, Tania Maria. Vacina Antivariólica: ciência, técnica e o poder dos
homens. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 1999, p. 130.
569
CHALHOUB, Sidney. Op. Cit., p. 118.
570
FERNANDES, Tania Maria. Op. Cit., 2006, p. 35.
567
187
parecer final sobre a questão, em 1840 a pratica da revacinação encontrava-se
generalizada em todo o Brasil.
Os médicos sinalizavam para uma primeira revacinação de dose de reforço da
vacina, oito dias após a primeira inoculação. Sendo que uma segunda revacinação
deveria ser feita em um espaço de dez anos, e uma terceira revacinação novamente após
dez anos. Assim, a criança que cedo foi inoculada com a linfa vacínica teria que
reintroduzi-la ao completar seu décimo e um ano de vida, renovando esta linfa vacínica
uma última vez em seu vigésimo e um ano de vida.
Como já foi demostrado neste trabalho este processo dificilmente era realizado
por completo, pois a vacina era verdadeiramente rechaçada pela população, a grande
maioria não comparecia as seções de vacinação, sendo que a defasagem de pessoas no
oitavo dia marcado para a primeira revacinação era ainda maior. As causas para
tamanha repugnância e insucesso da vacina junto à população se resumem pela
descrença dos populares com o preservativo da vacina, que ia desde a falta de
informação, medo, dor e o próprio receio de deixarem seus filhos serem tocados por
desconhecidos.
5.4 Remédios contra a varíola em tempos epidêmicos
Entre muitas questões já analisadas neste trabalho uma delas refere-se ao
universo teórico e metodológico dos médicos higienistas do século XIX, sendo visível o
baixo repertório clinico a respeito das possibilidades de intervenção e cura frente às
epidemias pestilentas. No máximo as teorias infecto-contagionistas se resumiam a meia
dúzia de palavras muita das vezes ocas, sem qualquer nexo com a situação local, e por
mais que os médicos (esculápios) usassem o discurso higienista como se fosse tiros de
canhão tentando ritualizar o uso da medicina legal como a única forma de se obter cura
em tempos de epidemias, estes apenas anunciavam seu eminente fracasso.
Essa situação é fomentada pela existência das artes de cura popular, resistindo
à monopolização do saber médico na sociedade oitocentista. Ao contrário do que
aconteceu, por exemplo, nos Estados Unidos, onde a medicina acadêmica se estabeleceu
com grande respaldo. No Brasil a hegemonia do discurso médico capengou nas
tradições populares de cura e assistencialismo571. Na verdade, desde os tempos colônias
571
FILHO, Lycurgo Santos. Op. Cit., 1991, p. 12.
188
o reduzido contingente de médicos deu aos “terapeutas populares” maior presença no
dia-a-dia dos citadinos.572
Em estudos sobre o assunto, Tânia Salgado Pimenta considera que faziam parte
da constelação dos ditos “terapeutas populares” os “curandeiros, feiticeiros, raizeiros,
benzedores, padres, barbeiros, parteiras, sangradores e boticários” 573. De acordo com a
historiadora, mesmo com restrições as suas funções ainda assim os terapeutas populares
possuíam grande prestígio e identificação com a população, sobretudo nos momentos do
nascimento, doença, morte e cura.
Assim, os curandeiros continuavam a ser considerados o recurso de que
dispunham os pobres. Eram pessoas de camadas subalternas que ratavam os
miseráveis, os quais não teriam mesmo condições de pagar visita de médicos
diplomados. Desde o tempo da Fisicatura, quando ainda existiam licenças de
curandeiros, a justificativa para essa concessão era de que não havia pessoas
574
mais habilitadas nas regiões que pudessem acudir o povo.
Auguste de Saint-Hilaire conta que em todo o Brasil se desenvolveu uma
cultura brasílica da doença e do corpo baseada nos conselhos e tradições de anciões,
pajés e curandeiros que aplicavam seus conhecimentos vegetais e espirituais na
população. Saint-Hilare argumenta ainda que a difícil vinda e estabelecimento de
médicos e cirurgiões diplomados em algumas regiões retardou o processo de aceitação
da medicina legal no seio da população.575
Para Gabriela dos Reis Sampaio os terapeutas populares eram requisitados por
que na maioria das vezes eram mais eficientes ou pelo menos mais presentes no
tratamento das moléstias leves ou agudas e principalmente em tempos de epidemias
reinantes. Gabriela Sampaio explica que existia certo fascínio na arte de cura dos
572
Estudos resentes mostram um extremo apelo popular às artes de cura dos ditos terapeutas populares no
século XIX, Cf. ALMEIDA, Diádiney Helena de. Hegemonia e contra-hegemonia nas artes de curar
oitocentistas brasileiras. 209f. Dissertação de mestrado apresentada ao Curso de Pós-Graduação em
História das Ciências e da Saúde da Casa de Oswaldo Cruz - Fiocruz, como requisito para obtenção do
Grau de Mestre. Área de Concentração: História das Ciências. Rio de Janeiro, 2010.
573
Sobre as relações entre os terapeutas populares e as instituições médicas oficias no Brasil oitocentista,
sobretudo na primeira metade do século XIX Cf. PIMENTA, Tânia Salgado. O exercício das artes de
curar no Rio de Janeiro (1828 a 1855). Tese de doutorado, UNICAMP, 2003, pp. 81-108; PIMENTA.
Tânia Salgado. Barbeiros-sangradores e curandeiros no Brasil (1808-1828). História, Ciência, Saúde –
Manguinhos, vol. 02, 1998, pp. 349-74.
574
PIMENTA, Tânia Salgado. Barbeiros-sangradores e curandeiros no Brasil (1808-1828). História,
Ciência, Saúde – Manguinhos, vol. 02, 1998, p. 321.
575
SAINT-HILAIRE, Auguste de. Histórias das Plantas Mais Notáveis do Brasil e do Paraguai. Belo
Horizonte: Fino Traço Editora, 2011, p. 128.
189
terapeutas populares, uma dimensão mágica que proporcionava a estes o firmamento de
seus ofícios junto à população.576
No centro deste debate, encontra-se uma decisiva questão, a relação entre
médicos, terapeutas populares e o enfermo. Patrice Pinell explica que as relações
intrínsecas entre quem cura e quem está doente se estabelecem em um momento de pura
fragilidade, seja pela doença física ou pela doença psicológica577. Segundo André
Pereira Neto as cenas de curandeirismo generalizadas em todo o Brasil eram
potencializadas pelos erros clínicos e de diagnóstico dos médicos, o que origina a
desconfiança e má vontade da população em relação à medicina oficial.
O médico, em geral, ia ao hospital filantrópico quando queria. Atendia
quantos pacientes desejasse. Era ou não renumerado. Para ele, pouco
importava. A atividade era relevante por que lhe da experiência profissional,
prestígio junto à clientela abastada e, ao mesmo tempo, era exercida de
maneira que sua autonomia técnica e econômica era garantida.578
Portanto seria necessário que médicos e pacientes compartilhassem em alguma
medida, ou ponto de vista sobre as mesmas concepções de doença e cura, fato que na
maioria dos casos não se concretizava, tendo em vista os conflitos gerados pelas
concepções de cura entre o sagrado e a etiologia do tratamento científico das doenças.
Le Goff aborda a questão das doenças na história da humanidade como fenômenos
socialmente construídos. Em sua concepção, a doença em si, revela ao mesmo tempo o
saber científico da medicina oficial e os saberes relacionados às questões do universo
das crenças, da magia e do curandeirismo, que convivem lado a lado com os
conhecimentos do saber médico desde a Antiguidade até os dias atuais.579
Regina Alves explica que em uma sociedade marcada pelo estigma do
preconceito e da escravidão as possibilidades de aceitação entre os pobres e os
terapeutas populares eram maiores do que com os médicos diplomados.
Como muitos dos curandeiros eram africanos e/ou ex-escravos podiam
compreender os problemas que os negros ou a população pobre enfrentavam
no dia-a-dia, podiam compartilhar seus infortúnios, estabelecendo, em
contraposição aos discursos dos médicos diplomados e as ações impositivas
das autoridades municipais uma relação mais solidária com seus pacientes.
576
SAMPAIO, Gabriela dos Reis. Nas trincheiras da cura. As diferentes medicinas no Rio de Janeiro
Imperial. Dissertação de mestrado apresentada ao Departamento de História do Instituto de Filosofia e
Ciências Humanas da Universidade estadual de Campinas, 1995, pp. 121-161.
577
PINELL, Patrice. Análise sociológica das políticas de saúde. Tradução de Irene Ernest Dias e Vera
Ribeiro. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2010, pp. 20-25.
578
NETO, André de Faria Pereira. Ser médico no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2001, p. 21.
579
GOFF, Jacques Le. As doenças tem história. Trad. Laurinha Bom. Lisboa: Terramar, 1985, p. 359.
190
Havia entre essa população e os curandeiros uma identidade e solidariedade
que passavam pelas experiências que tinham em comum e pela sua condição
580
social.
Pereira Neto situa a existência da falta de diálogo e comunicação entre médicos
de carreira e seus pacientes no século XIX, que em parte era proporcionada pela não
compreensão por parte dos médicos ao universo mágico e sagrado de algumas
enfermidades e epidemias581. Jaques Revel, ao citar o fenômeno das epidemias aponta
que as mesmas são oriundas não apenas de fatores biológicos, mas também por fatores
sociais, tendo em vista que suas vítimas têm por característica a exclusão dos principais
contraceptivos e técnicas de cura. Revel explica ainda que a ação devastadora de uma
epidemia coincide com a existência de diversas formas de se conceber a morte: castigo
divino, revolta, terror e discriminação.
O acontecimento mórbido pode, pois, ser o lugar privilegiado de onde melhor
observar a significação real de mecanismos administrativos ou de práticas
religiosas, as relações entre os poderes, ou a imagem que uma sociedade tem
de si mesma. Um exemplo real, entre dez outros possíveis, prediz a riqueza
desses temas: o da exclusão social em tempo de epidemia, que pode ir da
suspeita ao massacre e pode dirigir-se, segundo os casos conhecidos, aos
582
pobres.
A hipótese levantada por Revel coincide com a utilização de relatórios e
boletins médicos imersos a um emaranhado de documentos de puro teor social dos
registros que dimensionam tanto o sofrimento como as mediações que desumanizavam
o enfermo, neste caso o varioloso.
A conjugação dessas fontes permitiu que o alinhamento do texto também se
desse pelo prisma cultural. Fala-se, portanto agora das formas distintas de compreensão
da varíola, que se desdobraram em meio às epidemias, sabotando de alguma forma os
recursos profiláticos da vacina. A primeira delas seria a noção da “doença e intervenção
divina”, que na verdade seria uma reminiscência de praticas de cura vivenciada na
Idade Média, onde sacerdotes, monges e padres ungiam a cabeça do enfermo com óleo
bento invocando o poder dos santos especialistas em curas de determinadas moléstias.
580
ALVES, Regina Xavier. Dos males e suas curas: práticas médicas na Campinas oitocentista. In.
CHALHOUB, Sidney; MARQUES, Vera Regina Beltrão; SAMPAIO, Gabriela dos Reis; SOBRINHO,
Carlos Roberto Galvão (Orgs.). Artes e ofícios de curar no Brasil. Campinas: Editora da UNICAMP,
2003, p. 341.
581
NETO, André de Faria Pereira. Op. Cit., 2001, p. 31.
582
REVEL, Jaques e PETER, Jean-Pierre. O corpo: o homem doente e sua historia. In: LE GOFF, Jaques
e NORA, Pierre. Historia: novos objetos. Trad. Terezinha Marinho. Rio de Janeiro: Ed. Francisco Alves.
4ª Ed. 1995, p. 144.
191
Em Os Reis Taumaturgos, Marc Bloch também percebeu esse apelo divino na
esperança de cura nos momentos de dor e sofrimento. Segundo ele, reis e monarcas da
Europa Renascentista tinham a capacidade fecunda de curar os males com o simples
toque de seus dedos583. A possibilidade da cura pelo sagrado constituía-se como uma
resposta integral a uma serie de insatisfações individuais e coletivas. Uma espécie de
refúgio social onde a medicina oficial não poderia dar-lhe a resposta que convêm ao
indivíduo, ou aquela que ele queria ouvir. Neste sentido diante do sagrado o indivíduo
poderia se confortar ou confrontar na questão de por que ele se encontra naquela
situação ou porque ele entre tantas pessoas, ou até mesmo se determinado mal era fruto
de uma punição divina?
Há ainda as questões culturais, nas quais muitos médicos não conseguiam
compreender no universo milagroso a possibilidade de cura frente às epidemias. Jorge
Amado, em uma ação de astúcia e sutileza narra um caso semelhante na obra Capitães
de Areia, retratando a ocasião de um surto variólico que havia atingido a população de
Salvador. O mais interessante na escrita de Jorge Amado é a maneira como as classes
subalternas compreendiam a origem e evolução da epidemia variólica.
OMOLU584 MANDOU BEXIGA NEGRA PARA A CIDADE. MAS LÁ EM
CIMA os homens ricos se vacinaram, e Omolu era um Deus de floresta na
Àfrica, não sabia dessas coisas científicas e da vacina. E a varíola desceu para
a cidade dos pobres e botou gente doente, botou negro cheio de chaga em
cima da cama. Então vinham os homens da Saúde Pública, metiam os doentes
num saco, levavam para um lazarento distante. As mulheres ficavam
chorando, porque sabiam que eles nunca mais voltariam. Mas como Omolu
teve que deixar que ela descesse para a cidade dos pobres. Já que a essa
altura, tinha que deixar que ela realizasse sua obra. Mas como Omolu tinha
pena de seus filhos pobres, tirou a força da bexiga negra, virou em alastrim,
que é a bexiga branca e tola, quase um sarampo. Apesar disto, os homens da
Saúde Pública vinham e levavam os doentes para os lazarentos. Ali as
famílias não podiam ir visita-los, eles não tinham ninguém só a visita do
médico. Morriam sem ninguém sem ninguém saber e quando um conseguia
voltar era mirado como um cadáver que houvesse ressuscitado. Os jornais
falavam da epidemia de varíola e da necessidade da vacina. Os candomblés
batiam noite e dia, em honra a Omolu, para aplacar a fúria de Omolu. O paide-santo Paim, do Alto do Abacaxi, preferido de Omolu, bordou uma tolha
branca de seda, com lantejoulas, para oferecer a Omolu e aplacar sua raiva.
585
Mas Omolu não quis, Omolu lutava contra a vacina.
583
BLOCH, Marc. Os reis taumaturgos. São Paulo: Companhia das Letras, 1993, pp. 81-82.
Omulu na tradição ioruba é o orixá de cura e doença, também chamado de Obaluaiê, Babuluaiê ou
Xapanã. Cf. BATISDE, Roger. As religiões africanas no Brasil: contribuição a uma sociologia das
interpretações de civilizações. São Paulo: Livraria Pioneira Editora, 1971.
585
AMADO, Jorge. Capitães de Areia. Rio de Janeiro: Editora Record, 1999, pp. 132-133.
584
192
O exemplo citado acima reflete a noção da “doença como punição”, inserindo
o contexto e a consequência dos fatos a uma transgressão coletiva das regras sociais,
exigindo uma reparação, ou seja, uma ação de reconciliação pela interiorização da
desobediência individual ou coletiva. O interessante na abordagem “doença como
punição”, é que a culpabilidade experimentada pelo indivíduo(s) é proporcional ao
castigo merecido. Desta forma, o que é enfatizado é a relação estreita entre a imputação
etiológica do doente e a moralização da doença seja qual for à natureza da transgressão
divina. A desobediência sempre é interpretada como uma ação negativa contra sua
própria sociedade, por isso na doença como punição, sempre haverá espaço para as
noções de responsabilidade, justiça e reparação que no fundo não são mais do que
noções sociais que regem o equilíbrio da sociedade.
A crença da doença como sinônimo de punição talvez seja a mais frequente,
chamo atenção para um famoso provérbio francês “Coxos, vesgos, corcundas e zarolhos
nasceram no quarto crescente”
586
, que neste caso é uma representação da punição da
natureza, isto porque de acordo com a cultura popular francesa os pais que conceberem
filhos na lua crescente, serão punidos com o nascimento de filhos deformados.
Retomando ao exemplo de Jorge Amado, percebe-se outra dimensão no
entendimento das doenças. A relação entre “doença e vingança”, que se insere na
perspectiva da fúria de Deus, divindades, santos ou até mesmo espíritos, com alguma
situação ou problema que desacate sua ordem cosmológica. Nota-se uma clara noção de
vingança, pois segundo o autor baiano.
A varíola era uma vingança de Omolu contra a cidade dos ricos, mas os ricos
tinham a vacina, fato que Omolu desconhecia então tudo que Omolu pode
fazer foi deixar a varíola descer para acidade dos pobres, transgredindo esta
em alastrim, bexiga branca e tola. Ainda assim, morreram muitos negros e
pobres, mas Omulu dizia que não foi o alastrim que os matou e sim o
lazarento, Omolu só queria com o alastrim marcar seus filhos negros, sua luta
era contra a vacina dos brancos.587
Jorge Amado enfatiza que nas mucambas em honra a Omolu, o povo negro
castigado com a bexiga, assim cantava:
Cabano,
Aziela engoma!
Quero vê couro zoá!
Omolu vai pro sertão.
Bexiga vai espalhar.
586
587
LAPLANTINE, François. Antropologia da Doença. São Paulo: Livraria Martins Fontes, 1991, p. 229.
AMADO, Jorge. Capitães de Areia. Rio de Janeiro: Editora Record, 1999, p. 133.
193
Ele é mesmo nosso pai.
E é quem pode nos ajudar...
Ora, adeus, ó meus filhinhos,
588
Qu’ eu vou e torno vortá....
No Rio de janeiro do século XIX, por exemplo, havia fortes evidencias de
raízes africanas em algumas tradições religiosas, como por exemplo, a crença em São
Benedito conhecido como padroeiro dos negros. Pereira Rego narra um caso curioso,
ele conta que durante a quarta feira de cinzas do ano 1849, São Benedito foi
desrespeitado, tudo porque alguns brancos não aceitavam carregar preto sob seus os
ombros (mesmo que este fosse santo). No ano seguinte grassou no Rio de Janeiro uma
terrível epidemia de febre amarela, não demorou muito para as beatas associarem a
epidemia com a fúria do santo.589
Para François Laplantine a interpretação da doença pela ação do sagrado seja
pela punição ou pela vingança são totalmente inteligíveis de compreensão, pois, se
percebemos que para toda e qualquer sociedade, a doença é imiscuída a categorias
sociais, durante o século XIX as epidemias não fogem a essa regra590. Claudine Herzlich
tem opinião semelhante:
A doença é um fenômeno que ultrapassa a medicina moderna. (...) Por ser
um fenômeno que ameaça ou modifica, às vezes irremediavelmente, nossa
vida individual, nossa inserção social e, portanto, o equilíbrio coletivo, a
doença engendra sempre uma necessidade de discurso, a necessidade de uma
interpretação complexa e contínua da sociedade inteira. (...) Por outro lado,
nas representações da saúde e da doença aparecem relacionadas, nossas
591
visões do biológico e do social.
Claudio Bertolli Filho ao estudar o fenômeno da gripe espanhola fez as
seguintes observações “são os fatores culturais que levam a uma naturalização de
aspectos genéricos e os efeitos sociais dessa reversão esculpem uma nova imagem dos
possíveis históricos sobre a gripe espanhola”.592
Em estudos antropológicos sobre o assunto Roger Batisde argumenta que as
dimensões de doença e cura de alguns grupos afrodescendentes escravizados no Brasil
se concentra no sentido de bricolagem, em outras palavras diz respeito à crença
588
Id. Ibid., pp. 149-150.
REGO, José Pereira Rego. Op. Cit., 1851, p. 63.
590
LAPLANTINE, François. Antropologia da Doença. São Paulo: Livraria Martins Fontes, 1991, pp.
219-225.
591
HERZLICH, Claudine. A Problemática da Representação Social e sua Utilidade no Campo da
Doença. PHYSIS: Rev. Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, 15(Suplemento): 57-70, 2005, p. 60.
592
FILHO, Claudio Bertolli. História Social da Tuberculose e do Tuberculoso: 1900-1950. 248f. Rio de
Janeiro: Editora FIOCRUZ, 2001, p. 08.
589
194
generalizada, que determinadas divindades eram imiscuídas de certo poder dual, ou seja,
possuíam a capacidade de curar e evitar as doenças, assim como a capacidade de enviar
doenças flagelando populações inteiras. Os africanos de origem banta, por exemplo,
compartilhavam a crença, de que o desequilíbrio e o infortúnio seriam as causas da ação
malévola de espíritos ou de pessoas, frequentemente feitos através da feitiçaria.593
Nessa cultura o corpo é apresentado como um sistema perfeito em equilíbrio,
porém sujeito às intervenções externas ou a feitiços de qualquer natureza. Isso significa
dizer que qualquer distúrbio era oriundo da falta de harmonia das partes do corpo com o
ambiente. Quando isto ocorria procurava-se neutralizar a ação maléfica por meio de
remédios preparados com ervas, raízes e ritos a divindade ou santo em questão. Sobre
este assunto Joaquim Manuel de Macedo destaca o fascínio religioso que os negros
proporcionam as elites brasileiras.
No Brasil a gente livre mais rude e negra, como faz a civilizada, a mão e o
tratamento fraternal ao escravo; mas adotou e conserva as fantasias
pavorosas, as superstições dos míseros africanos, entre os quais avulta por
594
mais perigosa a crença no feitiço.
Yvonne Maggie desenvolve a hipótese de que no Rio de Janeiro dos séculos
XIX e XX os mecanismos reguladores criados pelo Estado não extirparam as crenças
nas práticas de cura dos afrodescendentes, a autora elenca vários elementos que indicam
que os brancos sempre foram frequentadores assíduos dos rituais afro-brasileiros595.
Segundo Beatriz Weber a interpretação da “sociedade medicalizada” nos séculos XIX e
XX, não pode de nenhuma forma retirar a propriedade das questões teóricas e
metodológicas dos ofícios e espaços de cura dos terapeutas populares.596
Nina Rodrigues um dos médicos maranhense mais celebres do final do século
XIX e início do século XX, sugere as seguintes considerações sobre as crendices dos
africanos no Brasil: “toda doença é o resultado de um feitiço, de um sortilégio; a missão
de destruir, pela intervenção da magia, essa obra sobrenatural, pertence ao feiticeiro”
593
BATISDE, Roger. As religiões africanas no Brasil: contribuição a uma sociologia das interpretações
de civilizações. São Paulo: Livraria Pioneira Editora, 1971, p. 126.
594
MACEDO, Joaquim Manuel de. As vítimas algozes. Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa,
1988 [1869], p. 74.
595
MAGGIE, Yvonne. Medo do feitiço: relações entre magia e poder no Brasil. Ministério da Justiça,
1992, pp. 20-35.
596
WEBER, Beatriz Teixeira. As Artes de Curar: Medicina, Religião, Magia e Positivismo na República
Rio-Grandense (1889-1928). Santa Maria: Editora da UFSM e Bauru: Edusc, 1999, p. 161.
195
597
. Rodrigues também observa o fascínio que as religiosidades afro-brasileiras
proporcionam aos seus espectadores.
Pode-se dizer que no Brasil todas as classes, mesmo a dita superior, estão
aptas a se tornarem negras. O número dos brancos, mulatos e indivíduos de
todas as cores e matizes que vão consultar os negros feiticeiros nas suas
aflições, nas suas desgraças, dos que crêem publicamente no poder
sobrenatural dos talismãs e feitiços, dos que, em muito maior número,
zombam deles em público, mas ocultamente os ouvem, os consultam, esse
número seria incalculável se não fossem mais simples dizer de um modo
geral que é a população em massa, à exceção de uma pequena minoria de
espíritos superiores e esclarecidos que têm a noção verdadeira do valor
598
dessas manifestações psicológicas.
Essas colocações não se resumem a meros argumentos simplistas. De acordo
com Rodrigues havia uma posição de destaque e hierarquia estabelecida entre algumas
entidades religiosas afrodescendentes conhecidas popularmente como orixás e alguns
santos do catolicismo popular.
Nos negros que ainda existem neste estado, e nos filhos que os africanos
libertos puderam educar como entenderam a conversão religiosa não fez mais
do que justapor as exterioridades muito mal compreendidas do culto católico
às suas crenças e praticas fetichistas que em nada se modificaram. Concebem
os seus santos ou orisás e os santos católicos como de categoria igual, embora
599
perfeitamente distintos.
Rodrigues sintetiza a relação direta entre doenças, divindades, punição e
vingança nas religiões de raízes afrodescendente. Em suas análises sobre o sincretismo
religioso Sergio Ferretti explica que mesmo o Maranhão sendo ignorado nas pesquisas
africanistas até 1847, ainda assim se percebe no contexto de sua peculiaridade local um
grande resquício de sincretismo religioso entre as doenças e as entidades divinas600,
segundo o mesmo:
No Maranhão é comum, no tambor de mina, dizer um vodum “adora” ou tem
devoção por este ou aquele santo católico, assinalando a relação de
subordinação do vodum ao santo, considerando como entidade em nível
601
hierárquico superior. Afirma-se também que “os santos são mais puros”.
597
RODRIGUES. Raimundo Nina. O animismo fetichista dos negros baianos. Rio de Janeiro: Fundação
Biblioteca Nacional/ Editora UFRJ, 2006, p. 69.
598
Id. Ibid., p. 116.
599
Id. Ibid., p. 108.
600
De acordo com Sérgio Ferretti Toi Averequete ou Verequete adora São Benedito e o culto de ambos
mostra similar importância no Maranhão. Cf. FERRETTI, Sérgio. Repensando o Sincretismo. São Paulo:
Editora da Universidade de São Paulo; São Luís FAPEMA, 1995, pp. 133-144.
601
Id. Ibid., p. 134.
196
Os exemplos citados acima descrevem um equilíbrio entre o sagrado e o
profano, onde os santos católicos, orixás ou vodus seriam uma espécie de ponte entre
aquilo que poderia ser considerado sagrado e aquilo que deveria ficar a margem do
sagrado, e por isso necessariamente punido.
No que diz respeito à origem e evolução das epidemias variólicas analisadas
neste trabalho, não encontramos nenhuma relação direta entre a varíola com a vingança
divina, entretanto como a questão se concentra no fato de que muitas pessoas vacinadas
voltaram a contrair a moléstia e que os serviços sanitários e hospitalares oferecidos e
prestados à população eram de péssima qualidade, o que podemos extrair de verídico
nas epidemias variólicas que se sucederam em São Luís entre os anos de 1854 a 1876, é
que as mesmas foram palco de uma verdadeira “panaceia milagrosa”.
A primeira evidência refere-se à ajuda divina no combate ao mal variólico, era
extremamente comum haver missas e reuniões, geralmente aos sábados ou domingos,
com votos de socorro divino para algum santo especialista em cura de doença
perniciosa, neste caso a varíola.
Os abaixo assignados avisão ao respeitável público, que hoje ás 6 da manhã,
1, e 2 horas da tarde na igreja de São Pantaleão se dará começo às preces ao
glorioso Mártir de São Sebastião, para que interceda por nós ao Altíssimo,
afim de livrar-mos do terrível flagelo das bexigas, bem como dar as chuvas
que tem se demorado, e que talvez seja a origem da mesma peste, duraram
por nove dias, assim como que, todos os dias as 4 horas da madrugada haverá
uma missa rezada no altar do mesmo santo, pelo reverendo capellão do
cemitério, e no dia 20 as mesmas horas uma cantada à cantochão pelo mesmo
602
reverendo capellão. Maranhão, 11 de janeiro de 1855.
Em 1865, ano em que a varíola novamente foi epidêmica em São Luís tem-se
as mesmas preces de socorro a São Sebastião, pedindo a este que se interponha ao
Altíssimo na ajuda contra as bexigas. Em meio à situação de calamidade e apelo divino,
os redatores do jornal O Publicador Maranhense estavam escandalizados com o
desrespeito dos populares às recomendações médicas que impedia aglomerações de
qualquer natureza em tempos de epidemias reinantes, mesmo que fossem religiosas.
Diziam os médicos que o contágio da varíola poderia ocorrer pelo contato com
as lesões de pele, roupas e outros objetos de uso do doente. A varíola também se
propagava pelo ar quando a pessoa inalava gotículas de saliva e aerossóis provenientes
das mucosas nasais e orofaríngeas expelidas por um varioloso. Por isso o risco de
contágio e infecção dobrava ou triplicava com aglomeração de pessoas em locais
602
O PUBLICADOR MARANHENSE, 11 de janeiro de 1855. Annuncios, p. 02.
197
fechados ou abertos, a limpeza das ruas e logradouros também era prática indispensável
no combate ao mal variólico.
Porém, por mais que os doutores advertissem a população sobre os malefícios
desse problema, os mesmos não conseguiam convencê-la do contrário. Raimundo
Palhando, por exemplo, cita o apelo constante a São Sebastião603sempre que as bexigas
grassavam em São Luís.
Não são poucos os registros históricos que revelam um povo aflito,
recorrendo sempre, durante as grandes epidemias, à “misericórdia divina”.
Era muito comum, nos momentos de grandes surtos, o viático sair até 5 ou 6
vezes por dia, para socorrer vítimas de moléstias epidêmicas, que
depositavam suas esperanças na misericórdia dos santos.604
E continua,
O povo verdadeiramente, não via necessidade de recorrer ao poder público
por uma razão também muito simples: é que o próprio poder público, via de
regra, também se valia daquela mesma fonte salvadora. Eram comuns os
ofícios da Câmara Municipal, pedindo a bispos e às igrejas que rezassem
missas e organizassem prosições para que os flagelos epidêmicos
abandonassem a cidade. A rigor, por ironia da sorte, todos preferiam confiar
muito mais nos milagres de São Sebastião, que na ação “laica” do poder
público local.605
Em junho de 1847 o Jornal da Sociedade Philomática Maranhense cita que o
apelo ao socorro divino era ainda mais constante no interior da Província.
É na capital que grande parte dos doentes vem procurar os socorros da
medicina que lhes faltam por lá e que infelizmente raras vezes aproveitam,
por que quando a isso se resolvem já é tarde, e quase sempre sucumbem; ao
passo que ninguém vem aqui batizar seus filhos, e nem dá-los a luz.606
A segunda evidência refere-se ao apelo popular as praticas de cura, dos ditos
“terapeutas populares”. De acordo com a Lei Imperial de 04 de outubro de 1832, apenas
médicos diplomados poderiam exercer os ofícios de cura no Brasil607. Em 1855 o
603
Segundo a tradição católica São Sebastião é conhecido como o santo protetor. Nas tradições afrobrasileiras, o Orixá Oxossi da Umbanda é sincretizado como São Sebastião. Oxossi é o grande Orixá das
florestas e das relações entre o reino animal e vegetal. Grande caçador, comumente é representado nas
florestas caçando com seu arco e flecha. Cf. FERRETTI, Sérgio. Repensando o Sincretismo. São Paulo:
Editora da Universidade de São Paulo; São Luís FAPEMA, 1995; BATISDE, Roger. As religiões
africanas no Brasil: contribuição a uma sociologia das interpretações de civilizações. São Paulo:
Livraria Pioneira Editora, 1971.
604
PALHANO, Raimundo N. A produção da coisa pública, serviços públicos e cidadania na primeira
República: a realidade loduvicense. São Luís: IPES, 1988, p. 148.
605
Id. Ibid., p. 148.
606
JORNAL DA SOCIEDADE PHILOMATICA MARANHENSE. Estatística, 1847, pp. 85-86.
607
O PUBLICADOR MARANHENSE, 01 de junho de 1850. Facultativo, p. 04.
198
governo da Provincial do Maranhão decretou como ilegal e ilegítima toda e qualquer
forma de tratamento contra a varíola que não fosse o uso da vacina. Segundo os
médicos, as praticas de cura baseadas na tradição e no conhecimento de charlatões em
tempos epidêmicos potencializavam o contágio e por consequência a virulência das
epidemias.
Contrariando todas as expectativas médicas higienistas, o que se viu foi o
movimento contrário. Em 09 de janeiro de 1855, o jornal O Publicador Maranhense
ressalva que muitos populares indubitavelmente tinham por preferência o tratamento
contra a varíola nas ditas casas denominadas “tractadeiras”.
Notam-se entre as diversas causas do mal variólico, os excessivos calores da
quadra, e o apelo popular a umas casas chamadas tractadeiras, que por
ignorância e práticas abusivas e supersticiosas ajudam a peste; e o descuido e
indolência da população em preservar-se com a vacina. Sabemos até de
muitas pessoas de critérios que só em presença do perigo recorrem ao
preservativo. Tudo quanto fica dito entenda-se bem, refere-se ao pedido que
terminou em 31 de dezembro; por que o anno novo, força é confessa-lo,
inaugurou-se sob auspícios bem sombrios. Não menos de trinta cadáveres se
deram à sepultura nos quatro primeiros dias do correte mez; e vinte e dous
deles vitimas da peste. É possível que o mal avulte em proporções maiores; e
nessa previsão seria para desejar que o governo mandasse estabelecer um
hospital maior, posto sob a excessiva direção dos homens da verdadeira arte
da medicina; e que a polícia continuasse com vigor o trabalho já começado –
fazendo acabar de prompto, e por uma vez, com essas casas de tractadeiras,
que são verdadeiros focos de infecção derramados por toda a capital, onde,
aliás, bem poucas garantias encontram a saúde e a vida dos pobres
608
enfermos.
Em 03 de janeiro de 1883, ano em que a varíola reinou em São Luís em caráter
epidêmico, o jornal O Diário do Maranhão fez a seguinte denuncia, contra uma
curandeira chamada “Joanninha”:
Continuam as reclamações contra o hospital, que aquella mulher tem na rua
das barrocas, em um quarto sem commodos, onde conserva os doentes que
lhe são confiados e moram com sua gente. Não obstante as prevenções
havidas e ordens contra ella, Joaninha continua a receber doentes livres e
escravos. Dizem-nos que o tratamento ali não pode ser bom, visto que a
mulher estar sempre alcoolizada; grita e dar bordoadas etc. Os moradores da
vizinhança vão novamente reclamar contra os procedimentos de Joanna, que
não podendo ir à fonte do Ribeirão lavar roupas, faz este serviço mesmo a
609
porta do quarto.
Outro fragmento dos ofícios de cura dos terapeutas populares contra a varíola
pode ser encontrado no jornal Pacotilha de 16 de julho de 1883, que publica na página
608
609
O PUBLICADOR MARANHENSE, 09 de janeiro de 1855. Noticias Diversas. A peste, p. 02.
DIÁRIO DO MARANHÃO, 03 de janeiro de 1883. Repartição da Polícia, p. 03.
199
de anúncios os serviços de aluguel das habilidades de cura e tratamento das bexigas da
escrava que pertencia a Francisco de Costa e Castro610. Os remédios de segredo
constituem a terceira evidencia de alternativas de cura diante das epidemias variólicas.
Segundo Vera Beltrão os remédios de segredo eram produtos de manipulação
farmacológica, ligados ao universo místico da cura611. Sobre esta questão Keith Thomas
argumenta que o arsenal terapêutico dos médicos no século XIX em muita lembrava as
concepções naturais e sobrenaturais da experiência e da crença. Médicos conceituados
receitavam remédios em pleno final do século XIX a base do ciclo lunar.612
Sigaud discriminava aquilo que ele mesmo denominava “a moda dos
remédios”, considerando como inoperante e sujeita a erros a banalização dos chamados
“remédios de segredo”, fenômeno que segundo ele não traria qualquer benefício à
sociedade613. No entanto, era inegável a penetração dos remédios à base de laxante e
purgante, nas mais variadas classes sociais do Brasil do século XIX. Sobre este antigo
costume e gosto popular oitocentista, Tânia Andrade Lima, assim explica a questão.
No Brasil, supõe-se que os princípios hipocráticos tenham sido introduzidos
pela medicina portuguesa, na qual tiveram ampla penetração, bem como
pelos médicos que acompanharam a colonização holandesa. Constantemente
realimentada nos séculos subsequentes pelo fluxo de ideias em circulação na
Europa, de onde provinham os médicos e os manuais que difundiam as regras
da higiene e práticas curativas aqui adotadas, acabaram se sedimentando, e
medidas como sangrias, purgas, vomitórios, suadouros, fumigações etc.
614
foram intensificamente praticadas, especialmente no século XIX.
A preferência pelos remédios de segredo guarda resquícios com a tradição
hipocrática da doença que retrata o desequilíbrio entre o ambiente e o homem.
Orientados por essa concepção médicos e populares expulsavam do corpo humores
nefastos pelo vômito como forma de equilibrar os humores corporais. Tânia Andrade
Lima continua sua explicação, enfatizando que os processos de purgas e sangrias
obedeciam ao mesmo sistema de orientação hipocrática.615
Em sintonia com as palavras da historiadora, François Laplantine, assim define
a tradição humoral na medicina aplicada no século XIX:
610
PACOTILHA, 16 de julho de 1883. Annuncios, p. 04.
MARQUES, Vera Regina Beltrão. Natureza em boiões. Medicinas e boticários no Brasil setecentista.
Campinas: Editora da UNICAMP, 1999, p. 28.
612
THOMAS, Keith. Religião e o declínio da magia. São Paulo: Companhia das Letras, 1991.
613
SIGAUD, Jean François Xavier. Op. Cit., 2009, pp. 364-365.
614
LIMA, Tânia Andrade. Humores e odores: ordem corporal e ordem social no Rio de Janeiro, século
XIX. História, Ciência, Saúde – Manguinhos, vol. II, n° 3, 1995, pp. 44-96.
615
Id. Ibid.
611
200
A medicina humoral partindo de uma ideia-força polarmente oposta à
ontologia médica, ela se exprime no Ocidente pela concepção hipocrática da
doença, que aprende os sintomas menos como o efeito de um agente
patogênico estranho ao doente do que como variações de um dos quatro
humores dos quais se constitui: o sangue, a fleuma, a bílis amarela, a bílis
616
negra.
Em 1867 a Gazeta Médica da Bahia lança um artigo denominado “Tratamento
da varíola confluente, queimaduras extensas, psoriasis e outras moléstias cutâneas,
pela immersão permanente em água de prata”. De acordo com o artigo, o Dr. Hebra
um dos mais respeitados dermatologistas de Viena assegura que esta terapia seria a mais
indicada na cura das pústulas variólicas. O método seria simples, seguro e aconselhável
restando ao cirurgião com ajuda de uma agulha ou com a ponta de uma lacenta inserir
gotículas de nitrato de prata (solução composta por água, álcool e iodo), que atuariam na
coagulação e dessecação das pústulas variólicas.617
O uso de tratamentos e medicamentos a base da tradição humoral também é
percebida em São Luís no combate a varíola. Em 17 de janeiro de 1880, a Pharmácia
Minerva Azevedo Filho e Companhia vendia o xarope de ácido phenico do Dr. Declat
indicado para as febres typhoides, deynteria, diphterite, scarlatina, varíola, cholerina e
febre amarella.618
Em 17 de janeiro de 1883 o doutor Fábio Augusto Bayma definia a varíola
como uma moléstia efusivamente contagiosa, que se desenvolve sob a influencia de um
vírus especial, caracterizando-se por um trabalho evolutivo realizado sobre a pele, onde
as pústulas deixam cicatrizes mais ou menos profundas e indesejáveis na epiderme.
Segundo Bayma a varíola possui diferentes períodos de evolução podendo ser brandos
ou violentos dependendo da força de sua virulência:
1° período.
Invasão, - Nos tempos epidêmicos, observando doentes não vacinados,
cumpre desconfiar da varíola toda vez que, sem razão conhecida – accuzarem
os indivíduos uma phase simptomatica iniciando-se por frios mais ou menos
intensos, seguidos de calor e acceleração de pulso – ao mesmo tempo que a
physionomia começa a revelar um abatimento, um estado de prostação,
característico ás afecções por intoxicação do sangue.
616
LAPLANTINE, François. Antropologia da Doença. São Paulo: Livraria Martins Fontes, 1991, p.
220.
617
GAZETA MEDICA DA BAHIA. Publicada por uma associação de facultativos. Sob a direção do Dr.
Virgílio Climaco Damazio. Volume I. Tratamento da varíola confluente, queimaduras extensas, psoriasis
e outras moléstias cutâneas, pela immersão permanente em água. Bahia, Officina litho-typographia de
J.G. Tourinho, 1866-1867, p. 100.
618
O PAIZ, 17 de janeiro de 1880. Annuncios, p. 04.
201
Manifesta é a tendência ao vômito e algumas veses realisa-se ele mais
axasperando a cephalagia (dor de cabeça - bastante incommoda ao doente em
quem, de ordinário, sobrevem delírio ou insônia e agitação cahindo em
estado camatoso.
Os membros, o corpo todo torna-se percorrido por dores contorsivas, e de
algum modo caracteriza a varíola – a rachialogia, - dôr lombar – que exprime
a compressão dos nervos espinaes pelos plexus veinosos.
São estes os sintomas principaes do rimeiro período – período de invasão – e
todos eles, após pequenas remissões – crescem a phase eruptiva e
desenvolver-se.
2° período.
Em geral a face é o primeiro ponto em que mostra-se a erupção, revertendo a
forma de pápulas que cerca uma aureola rubra – e o seu interior contem um
liquido seroso, que a pouco e pouco turva-se tornando-se amarelo, e
caracterizando a pústula.
Umbellicadas a princípio, tendo em seu centro uma ligeira depressão – do 4°
ao 7° dia de trabalho eruptivo revertem ellas à forma esférica e ao liquido
que, contem adquire mais consistência.
O tecido cellular subcutâneo inmefaz-se e em consequência desse fenômeno,
é que a physionomia dos doentes tem um aspecto triste e hediondo.
A’ medida que a erupção estendia-se ao pescoço, tronco e membros, a esses
pontos também estende-se a inmefacação.
As mucosas não são estranhas a essas desordens, que sobrevém à pelle e de
modificações de voz, dizem que a larynge é invadida, assim como a
dysphogia (dificuldade de engolir) revela a erupção da pharynge e com razão
suspeitada inspecionando-se a boca, onde depara-se com vesículas sitiando o
seu paladar as anygdalas, etc., e que quais sempre terminam pela resolução.
3° período.
Estabelecida a erupção – os fenômenos que constituíam o período de invasão
declinando a princípio, cessão de todo – para reaparecerem com intensidade
durante a supuração, em cuja ocasião – a febre é a expressão do traumatismo.
4° período
As pústulas chegando à maturação – os fenômenos febris decaem, ellas
começam a experimentar uma nova phase, escapando-se o pus nelas contido
em consequências de erosões da pelle, ou antes, de mais a mais concretandose e formando crostas, que deixam, destacando-se, cicatrizes mais ou menos
profundas e indesejáveis, pelas quais pode-se julgar do trabalho ulcerativo e
619
destruidor, que realizou-se na superfície cutânea.
Bayma explica ainda que para cada período da ação variólica no organismo
havia um tratamento a ser seguido à risca, sem intervenção de outras terapias, isto
porque as mesmas poderiam beneficiar o desenvolvimento da moléstia no organismo.
Para o período invasão e erupção de desenvolvimento da varíola a recita era a seguinte:
Tártaro emético, 05 centímetros;
Sulfato de magnésia, 30 grammas;
Água, 500 grammas;
Xarope de ipecacuanha, 30 grammas;
620
Aos adultos, dar-se os cálices de ¼ em ¼ de hora até o efeito.
619
O PAIZ, 21 de janeiro de 1883. Medicina. Tratamento das bexigas pelo Dr. Fábio Augusto Bayma, p.
01.
620
Ibidem, p. 02.
202
O médico assegurava ainda que a pratica de cobrir os doentes com pesados
cobertores de lã e o uso de bebidas quentes deveria ser abolido, segundo ele isso apenas
piorava o quadro clinico dos pacientes. Os quartos deveriam ser arejados evitando as
variações de temperaturas e para as fases seguintes da moléstia Bayma receitava as
seguintes medicações.
Tintura de acônito, 02 grammas;
Acetato de amoníaco, 02 grammas;
Água, 120 grammas;
621
Xarope diacodio, 130 grammas.
Deveria-se tomar de duas em duas horas uma colher de sopa com a mistura
dessas substancias, e descamando-se a pele nas partes de erupção aplica-se o xarope
diacodio sobre as lesões. Se tais medicações não resolverem o problema, recorre-se ao
uso do chloral hydratado, administrando as colheres de sopa na seguinte porção:
“chloral hydratado, 02 grammas; água de goma, 100 grammas”
622
. Se, por alguma
ocasião a diarreia aparecer no paciente em virtude desta medicação aplica-se então o
subinitrato de bismuth, deveria ser ingerido da seguinte maneira: “colheres misturadas
de subinitrato de bismuth, 04 grammas; diluídas em água de goma, 150 grammas e
soluto arábico, 30 grammas em horas alternadas”.623
Contra os fenômenos opostos, como prisão de ventre, febres e dores no corpo,
Bayma indicava o uso dos “mucilaginosos em clysteres e óleo de rícino”. Sentindo-se o
paciente fraco, deprimido, abatido ou apático far-se-á uso de tônicos, os mais indicados
eram “o decocto de quina, dado em 250 grammas e o acetato de amoníaco, também
dado em 250 grammas”
624
, os dois deveriam ser misturados e ingeridos seguidamente
de três em três horas em meio cálice.
O tratamento indicado pelo doutor Fábio Augusto Bayma era apenas um,
entre muitos encontrados nas paginas dos jornais e periódicos de São Luís. No dia 12 de
março de 1883 informações do Alto do Mearim apontam para um suposto tratamento
milagroso do Dr. Freitas contra as bexigas, e ao que parece os resultados foram
animadores625. Em fevereiro de 1884 um tratamento denominado Jefranvibra
621
Ibidem.
Ibidem.
623
Ibidem.
624
Ibidem.
625
O PAIZ, 20 de março de 1883. Novo systema para tratamento das bexigas, p. 02.
622
203
homeopathica, propunha curas infalíveis contra as bexigas626. Em 13 de fevereiro de
1884 encontramos a seguinte informação no jornal O Publicador Maranhense:
Remédio contra a varíola. “Sulfato de zinco, um grão, Digitalis, um grão,
adicionar meia colher de chá de assucar. Misture-se bem com duas colheres
d’agua, e estando bem misturado adicione-se quatro onças d’agua. Dar-se
uma colher de chá de hora em hora para uma criança, regulando a dose
627
segundo a idade”.
Esses fragmentos textuais revelam alternativas para o tratamento e cura dos
variolosos em tempos epidêmicos que não fosse à vacina. Revelam também que a
penetração do saber médico na sociedade oitocentista, não se deu em linha vertical de
prestígio e credibilidade, pelo contrário, ele próprio guarda em si tensões e
sensibilidades entre médicos e terapeutas populares na disputa pela legitimidade de
saberes sobre as moléstias perniciosas ao homem em tempos de epidemia.
626
627
O PAIZ, 01 de fevereiro de 1884. Jefranvibra homeopathica, p. 01.
O PUBLICADOR MARANHENSE, 13 fevereiro de 1884. Remédio contra a varíola, p. 02.
204
6. CONSIDERAÇÔES FINAIS
Durante a segunda metade do século XIX, vários fatores contribuíram para o
aparecimento e proliferação da varíola em São Luís. No entanto, a recusa da população
pela vacina foi determinante para os altos índices de mortalidade feitos por ela em São
Luís. A vacina não era entendida como um preservativo para a vida. É claro que para
alguns a vacina significava naquele momento o início de uma nova era, onde o corpo
não mais poderia ser molestado por determinada doença, já para outros, a mesma vestia
manto preto, celebrando o início do cortejo de suas concepções e tradições de cura.
Os mapas de vacinação anuais praticados na Província do Maranhão supõem
uma crescente degeneração da vacinaa, ao ponto da vacina ser assemelhada a própria
doença. Muitos doutores ficavam surpresos com os constantes assaltos que a varíola
vinha fazendo a indivíduos previamente imunizados. Somam-se a isso, as constantes
reclamações contra a técnica de inoculação da vacina que causava desconforto e dor
entre os vacinados, além dos problemas de ordem técnica e profissional da Repartição
da Vacina no Maranhão, como o despreparo de muitos vacinadores em manusear
corretamente o material da linfa vacínica, e as dificuldades financeiras e de transporte
para levar a vacina a pontos distantes do centro urbano.
Apesar de existir um serviço permanente de vacinação e revacinação o índice
de imunização apresentado pela população, mesmo em tempos de epidemia reinate era
consideravelmente baixo. É importante destacar ainda que entre 1854 a 1876 o cenário
não era nada agradável para os defensores da vacina. Muitos médicos e vacinadores
não eram reconhecidos pela população como esculápios de cura, isso porque, havia
aqueles com intimidade maior a outros meios de tratamento da varíola que não fosse à
vacina. Neste aspecto, a recusa da vacina também pode ser atribuída à concorrência dos
terapeutas populares, ou aos remédios de segredo e aos tratamentos milagrosos contra a
varíola.
A legislação sanitária da Província capengava frente aos desafios de saúde e
higiene que volta e meia repetiam-se em exaustão. A cidade de São Luís era
constantemente envolvida por ciclos epidêmicos de outras doenças como a cólera, a
febre amarela, o beri-beri, o sarampo e as disenterias. Além disso, as normas e
obrigações do porto eram constantemente burladas, o comércio de carnes verdes e os
matadouros públicos funcionavam sem qualquer inspeção segura que garantisse a saúde
dos citadinos, as ruas eram abarrotadas de lixo e esterco de animais. Para piorar a falta
205
de recursos médicos e hospitalares era quase que total. Situação que se agravava em
tempos epidêmicos. O governo provincial pouco ou quase nada podia fazer para sanar
esses problemas, suas soluções resumiam-se a propostas de curta duração com efeito
imediato, muito devido à escassez de recursos financeiros. Sendo que este quadro
lastimável perdurou ao longo do século XIX.
Apesar de não ser considerada moléstia pestilenta ou perniciosa ao homem, foi
à varíola, mesmo contando com o preservativo da vacina, a doença mais mortífera
durante o período estudado neste trabalho. Porém também é preciso destacar que suas
incidências não provocaram nenhum tipo de crise demográfica.
206
REFERENCIAS
DOCUMENTOS OFICIAIS
Editais
MARANHÃO. Edital da Câmara Municipal de São Luís. Maranhão, Re-impresão na
Typographia da Temperança. Anno, 1842.
MARANHÃO. Edital da Câmara Municipal de São Luís. Maranhão, Re-impresão na
Typographia da Temperança. Anno, 1866.
Jornais
A NOTÍCIA - 1904.
A REFORMA - 1871, 1873, 1875.
CORREIO DA VICTORIA – 1855, 1856.
JORNAL DA SOCIEDADE PHILOMATICA MARANHENSE – 1846, 1847.
O PAIZ - 1887 a 1884.
O PHILANTROPO - 1850.
O PUBLICADOR MARANHENSE - 1843 a 1884.
PACOTILHA - 1883.
Periódicos
ARCHIVOS RIO GRADENSES DE MEDICINA. Ano III, n° 9, 03 de junho de 1922.
GAZETA MÉDICA DA BAHIA, Publicada por uma associação de facultativos. Sob a
direção do Dr. Virgílio Climaco Damazio. Volume I. Bahia, Officina litho-typographia
de J.G. Tourinho, 1866-1867.
GAZETA MÉDICA DA BAHIA. Publicada por uma associação de facultativo e sob a
direção do Dr. Dirgilio Climaco Damazio. Volume I. Bahia, Officina litho-typographia
de J.G. Tourinho, 1867.
GAZETA MÉDICA DA BAHIA. Publicada por uma associação de facultativos e sob a
direção do Dr. Antônio Pacífico Pereira. Bahia, Volume III, impresso na Typ. J. G.
Tourinho, 1870.
GAZETA MÉDICA DA BAHIA. Publicada por uma associação de facultativos e sob a
direção do Dr. Antônio Pacífico Pereira. Bahia, Volume IV, impresso na Typ. J. G.
Tourinho, 1870.
207
GAZETA MÉDICA DA BAHIA, Publicada por uma associação de facultativos, 2°
série, Volume II. Bahia, Officina litho-typographia de J.G. Tourinho, 1877.
GAZETA MÉDICA DA BAHIA, Publicada por uma associação de facultativos, 2°
série, Volume V. Bahia, Officina litho-typographia de J.G. Tourinho, 1880-1881.
Decretos
DECRETO IMPERIAL de nº 268 de 29 de Janeiro de 1843;
DECRETO PROVINCIAL de n° 466, de 17 de agosto de 1846;
DECRETO IMPERIAL de nº 598 de 14 de setembro de 1850;
DECRETO IMPERIAL de nº 828 de 29 de setembro de 1851;
DECRETO PROVINCIAL de n° 2884, de 1° de fevereiro de 1862;
DECRETO IMPERIAL de n° 466 de 17 de agosto de 1866;
DECRETO REPUBLICANO de n° 105 de 15 de setembro de 1894.
Ofícios
MARANHÂO, Secretaria do Governo da Província. Correspondências. Autoridades da
Saúde Pública. Ofícios do inspetor da vacina ao presidente e Governador das armas do
Maranhão, 20 de abril de 1826. Setor de avulsos. APEM.
MARANHÃO, Secretaria do Governo da Província. Correspondências. Autoridades da
Saúde Pública. Ofícios do inspetor da vacina ao presidente da Província do Maranhão,
22 de junho de 1835. Setor de avulsos. APEM.
MARANHÃO, Secretaria do Governo da Província. Correspondências. Autoridades da
Saúde Pública. Ofícios do inspetor da vacina ao presidente da Província do Maranhão,
08 de julho de 1841. Setor de avulsos. APEM.
MARANHÃO, Secretaria do Governo da Província. Correspondências. Autoridades da
Saúde Pública. Ofícios do inspetor da vacina ao presidente da Província do Maranhão,
18 de abril de 1843. Setor de avulsos. APEM.
MARANHÃO, Secretaria do Governo da Província. Correspondências. Autoridades da
Saúde Pública. Anexo do ofício do inspetor da vacina ao presidente da Província do
Maranhão, 09 de julho de 1847. Setor de avulsos. APEM.
MARANHÃO, Secretaria do Governo da Província. Correspondências. Autoridades da
Saúde Pública. Ofícios do comissário vacinador provincial ao presidente da Província
do Maranhão, 12 de março de 1851. Setor de avulsos. APEM.
208
MARANHÃO, Secretaria do Governo da Província. Correspondências. Autoridades da
Saúde Pública. Ofícios do comissário vacinador provincial ao presidente da Província
do Maranhão, 27 de janeiro de 1852. Setor de avulsos. APEM.
MARANHÃO, Secretaria do Governo da Província. Correspondências. Autoridades da
Saúde Pública. Ofícios do comissário vacinador provincial ao presidente da Província
do Maranhão, 10 de julho de 1852. Setor de avulsos. APEM.
MARANHÃO, Secretaria do Governo da Província. Correspondências. Autoridades da
Saúde Pública. Ofícios do comissário vacinador provincial ao presidente da Província
do Maranhão, 16 de julho de 1852. Setor de avulsos. APEM.
MARANHÃO, Secretaria do Governo da Província. Correspondências. Autoridades da
Saúde Pública. Ofícios do comissário vacinador provincial ao presidente da Província
do Maranhão, 29 de janeiro de 1853. Setor de avulsos. APEM.
MARANHÃO, Secretaria do Governo da Província. Correspondências. Autoridades da
Saúde Pública. Ofícios do comissário vacinador provincial ao presidente da Província
do Maranhão, 30 de junho de 1853. Setor de avulsos. APEM.
MARANHÃO, Secretaria do Governo da Província. Correspondências. Autoridades da
Saúde Pública. Ofícios do comissário vacinador provincial ao presidente da Província
do Maranhão, 30 de julho de 1853. Setor de avulsos. APEM.
MARANHÃO, Secretaria do Governo da Província. Correspondências. Autoridades da
Saúde Pública. Ofícios do comissário vacinador provincial ao presidente da Província
do Maranhão, 28 de janeiro de 1854. Setor de avulsos. APEM.
MARANHÃO, Secretaria do Governo da Província. Correspondências. Autoridades da
Saúde Pública. Ofícios do comissário vacinador provincial ao presidente da Província
do Maranhão, 26 de janeiro de 1856. Setor de avulsos. APEM.
MARANHÃO, Secretaria do Governo da Província. Correspondências. Autoridades da
Saúde Pública. Ofícios do comissário vacinador provincial ao presidente da Província
do Maranhão, 10 de julho de 1857. Setor de avulsos. APEM
MARANHÃO, Secretaria do Governo da Província. Correspondências. Autoridades da
Saúde Pública. Ofícios do comissário vacinador provincial ao presidente da Província
do Maranhão, 19 de janeiro de 1859. Setor de avulsos. APEM.
MARANHÃO, Secretaria do Governo da Província. Correspondências. Autoridades da
Saúde Pública. Ofícios do comissário vacinador provincial ao presidente da Província
do Maranhão, 09 de janeiro de 1860. Setor de avulsos. APEM.
MARANHÃO, Secretaria do Governo da Província. Correspondências. Autoridades da
Saúde Pública. Ofícios do comissário vacinador provincial ao presidente da Província
do Maranhão, 18 de fevereiro de 1861. Setor de avulsos. APEM.
209
MARANHÃO, Secretaria do Governo da Província. Correspondências. Autoridades da
Saúde Pública. Ofícios do comissário vacinador provincial ao presidente da Província
do Maranhão, 20 de julho de 1863. Setor de avulsos. APEM.
MARANHÃO, Secretaria do Governo da Província. Correspondências. Autoridades da
Saúde Pública. Ofícios do comissário vacinador provincial ao presidente da Província
do Maranhão, 12 de julho de 1864. Setor de avulsos. APEM.
MARANHÃO, Secretaria do Governo da Província. Correspondências. Autoridades da
Saúde Pública. Ofícios do comissário vacinador provincial ao presidente da Província
do Maranhão, 10 de agosto de 1864. Setor de avulsos. APEM.
MARANHÃO, Secretaria do Governo da Província. Correspondências. Autoridades da
Saúde Pública. Ofícios do comissário vacinador provincial ao presidente da Província
do Maranhão, 31 de março de 1866. Setor de avulsos. APEM.
MARANHÃO, Secretaria do Governo da Província. Correspondências. Autoridades da
Saúde Pública. Ofícios do comissário vacinador provincial ao presidente da Província
do Maranhão, 08 de maio de 1866. Setor de avulsos. APEM.
MARANHÃO, Secretaria do Governo da Província. Correspondências. Autoridades da
Saúde Pública. Ofícios do comissário vacinador provincial ao presidente da Província
do Maranhão, 27 de maio de 1868. Setor de avulsos. APEM.
MARANHÃO, Secretaria do Governo da Província. Correspondências. Autoridades da
Saúde Pública. Ofícios do comissário vacinador provincial ao presidente da Província
do Maranhão, 24 de novembro de 1869. Setor de avulsos. APEM.
MARANHÃO, Secretaria do Governo da Província. Correspondências. Autoridades da
Saúde Pública. Ofícios do comissário vacinador provincial ao presidente da Província
do Maranhão, 08 de fevereiro de 1882. Setor de avulsos. APEM.
MARANHÃO, Secretaria do Governo da Província. Correspondências. Autoridades da
Saúde Pública. Ofícios da Comissão de Hygiene Pública ao presidente da Província do
Maranhão, 1854. Setor de avulsos. APEM.
Regulamento
REGULAMENTO, Medidas sanitárias contra a importação da cólera morbus asiática
ao porto de São Luís. Determinado pelo vice-presidente da Província do Maranhão,
José Joaquim Teixeira Vieira Belford.
Relatórios
MARANHÃO, Presidência da Província. Discurso que recitou o Exm. Snh. Vicente
Thomaz Pires de Figueiredo Camargo, presidente desta Província, na occazião da
abertura da Assembléa Legislativa Provincial no dia 03 mayo do corrente anno.
Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1838.
210
MARANHÃO. Presidência da Província. Discurso que recitou o Exm. presidente da
Província do Maranhão, Manoel Felisardo de Sousa e Mello na occazião da abertura
da Assemblea Legislativa Provincial, no dia 03 de maio de 1839. Maranhão, impresso
na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1839.
MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório que á Assembléa Legislativa
Provincial da Província do Maranhão appresentou ao Exm. Presidente da mesma
Província, Jerônimo Martiniano figueira de Mello, Na Sessão de 03 de maio de 1843.
Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1843.
MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório que dirigiu o Exm. Snh. Vicepresidente da Província do Maranhão, Ângelo Caldas Muniz à Assembleia Legislativa
Provincial no dia 03 maio de 1845. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J.
Ferreira, 1845.
MARANHÃO, Presidência da Província. Falla dirigida pelo Exm. Presidente da
Província do Maranhão, Herculano Ferreira Penna à Assembléa Legislativa Provincial
por occasião de sua installação no dia 14 de outubro de 1849. Maranhão, impresso na
Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1849.
MARANHÃO, Presidência da Província. Falla dirigida pelo Exm. presidente da
Província do Maranhão, Honório Pereira de Azevedo Coutinho, á Assembléa
Legislativa Provincial, por occasião de sua installação no dia 7 de setembro de 1850.
Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1850.
MARANHÃO, Presidência da Província. Falla que o Exm. Dr. Eduardo Olímpio de
Machado, Presidente da Província, dirigiu á Assembléa Legislativa Provincial da
Província do Maranhão por occasião de sua installação no dia 07 de setembro de
1851. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1851.
MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório do presidente da Província do
Maranhão com que o Dr. Eduardo Olímpio de Machado, apresentou na abertura da
Assembléa Legislativa Provincial no dia 01 de maio de 1853, Acompanhado do
Orçamento das Despeças para o anno de 1854. Maranhão, impresso na Typ.
Constitucional de I.J. Ferreira, 1853.
MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório do presidente da Província do
Maranhão, o Dr. Eduardo Olímpio de Machado, apresentou na Assembleia Legislativa
Provincial no dia 03 de maio de 1855, acompanhado do Orçamento das Despeças para
o anno de 1856, e mais documentos. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J.
Ferreira, 1855.
MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório com que o vice-presidente da
Província do Maranhão José Joaquim Teixeira Vieira Berford, entregou á Presidência
da Província do Maranhão ao Ilum. e Exm. Snh. Commendador Antônio Candido da
Cruz Machado, 21 de dezembro de 1855. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional
de I.J. Ferreira, 1856.
MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório que á Assembléa Legislativa
Provincial da Província do Maranhão appresentou ao Exm. Presidente da mesma
211
Província, Antônio Candido da Cruz Machado, Na Sessão de 09 de junho de 1856.
Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1856.
MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório com que o vice-presidente da
Província do Maranhão José Joaquim Teixeira Vieira Berford, entregou á Presidência
da Província do Maranhão ao Ilum. e Exm. Snh. Commendador Antônio Candido da
Cruz Machado, 21 de dezembro de 1856, Anexo 01. Maranhão, impresso na Typ.
Constitucional de I.J. Ferreira, 1856.
MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório do presidente da Província do
Maranhão, o Dr. João Lustosa da Cunha Paranaguá, apresentou na Assembleia
Legislativa Provincial no dia 03 de maio de 1859. Maranhão, impresso na Typ.
Constitucional de I.J. Ferreira, 1859.
MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório com que o Exm. Snh. Presidente da
Província do Maranhão João Silveira de Souza abriu a assembleia Legislativa
Provincial no dia 03 de maio de 1860. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de
I.J. Ferreira, 1860.
MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório apresentado à assembleia
Legislativa Provincial pelo Exm. Snh. Presidente da Província do Maranhão, Major
Francisco Primo de Sousa Aguiar, no dia 03 de julho de 1861, acompanhado do
Relatório que lhe foi transmitida a administração da mesma. Maranhão, impresso na
Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1861.
MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório com que a Assembléa Legislativa
Provincial do Maranhão apresentou ao presidente da Província, Conselheiro Antônio
Manoel de Campos Mello, por occasião da instalação da mesma Assembléa no dia 27
de outubro de 1862. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1862.
MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório com que a Assembléa Legislativa
Provincial do Maranhão apresentou ao presidente da Província, conselheiro Antônio
Manoel de Campos Mello, por occasião da instalação da mesma Assembléa no dia 03
de maio de 1863. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1863.
MARANHÃO, Presidência da Província, Relatório com que o Exm. Snh. Presidente da
Província o Dr. Ambrósio Leitão da Cunha passou a administração da mesma ao Exm.
Snh. Miguel Joaquim Ayres do Nascimento, 2° vice-presidente, no dia 24 de novembro
do último. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1863.
MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório com que a Assembléa Legislativa
Provincial do Maranhão apresentou ao vice-presidente da Província, desembargador
Miguel J. Ayres do Nascimento, por occasião da instalação da mesma Assembléa no
dia 03 de maio de 1864. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira,
1864.
MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório com que o Exm. Snh. Presidente da
Província do Maranhão, o Dr. Ambrósio Leitão da Cunha, passou a administração da
mesma Província ao Exm. Snh. 1° vice-presidente tenente-coronel, José Caetano Vaz
212
Junior, no dia 23 abril de 1865. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J.
Ferreira, 1865.
MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório com que o Exm. Snh. VicePresidente da Província do Maranhão, José Caetano Vaz Junior, passou a
administração da Província ao Exm. Snh. Presidente Dr. Lafaiette Rodrigues Pereira,
no dia 11 junho de 1865. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira,
1865.
MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório com que o Exm. Snh. Presidente da
Província do Maranhão, Dr. Lafaiette Rodrigues Pereira, apresentou à Assembleia
Legislativa Provincial, por ocasião de sua abertura no dia 03 maio de 1866. Maranhão,
impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1866.
MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório com que o Exm. Snh. Dr. Franklin
A. de Menezes Doria passou a administração desta Província ao Exm. Snh. Dr. Antônio
Epaminondas de Mello, no dia 28 de outubro de 1867. Maranhão, impresso na Typ.
Constitucional de I.J. Ferreira, 1867.
213
BIBLIOGRAFIA
ACKERKNECHT, E. H. La Médicine Hospitalière à Paris. Paris: Payot, 1986.
AGOSTONI, Claudia. Estrategias, actores, promesas y temores en las campañas de
vacunación antivariolosa en México: del Porfiriato a la Posrevolución (1880-1940).
Ciência & Saúde Coletiva, 16(2), 2011, pp. 459-470.
ALENCASTRO, L.F. O trato dos viventes. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
ALMEIDA, Diádiney Helena de. Hegemonia e contra-hegemonia nas artes de curar
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VIVEIROS, Jerônimo de. História do Comércio no Maranhão (1612-1895). V. 2. São
Luís: Coleção Academia Maranhense de Letras, 1992.
WEBER, Beatriz Teixeira. As artes de curar: Medicina, Religião, Magia e Positivismo
na República Rio-Grandense – 1889/1928. 329f. Campinas. Tese (Doutorado em
História do Trabalho). Universidade de Campinas: Campinas SP, 1997.
XAVIER, Sandra. Em diferentes escalas: a arquitetura do Hospital-Colônia Rovisco
Pais sob o olhar do médico Fernando Bissaya Barreto. História, Ciências, Saúde –
Manguinhos, Rio de Janeiro, v.20, n.3, jul.-set. 2013, pp. 983-1006.
224
ANEXO 01
Projeto de regulamentação do serviço de vacinação e revacinação obrigatória
contra a varíola, divulgado pelo jornal “A NOTICIA”em09 de novembro de 1904.628
A Vacina Obrigatória
Art. 1°. A vacinação contra a varíola é obrigatória e deverá ser feita:
a) nas crianças até seis meses de idade.
b) em todas as pessoas que não provarem, de acordo com o art. 13°, que foram
vacinadas com proveito nos últimos seis anos ou que foram acometidas de varíola nos
últimos dez anos, exceto nos casos previstos no art. 7° deste regulamento.
c) em todas as pessoas que, tendo sido vacinadas uma primeira vez, não o
foram com proveito.
Art. 2º. A revacinação contra a varíola é obrigatória e deverá ser feita:
a) nas crianças que frequentarem colégios ou outros estabelecimentos
congêneres, públicos ou particulares, orfanatos, asilos etc., no decurso do 7° e 14° anos,
exceto nos casos previstos no art. 7°.
b) em todas as pessoas nos septénios que se seguirem à primeira vacinação,
exceto nos casos previstos no art. 7°.
Art. 3º. Todos os nascimentos deverão ser comunicados pelos pais às
autoridades sanitárias dentro dos 15 primeiros dias, sob pena de multa de 50$000.
Art. 4°. As repartições sanitárias organizarão um registro de nascimentos, a fim
de facilitar e metodizar o serviço de vacinação e revacinação.
Art. 5°. Se a vacinação não der resultado positivo, segundo o atestado do
médico vacinador, deverá ser ela repetida anualmente, durante três anos sucessivos, a
contar da data do atestado negativo fornecido.
Parágrafo Único. Se a última operação, dentro do prazo de que trata este artigo,
for ainda infrutífera, poderá a autoridade sanitária exigir que a nova operação seja
efetuada por um dos vacinadores oficiais, podendo este ser escolhido pelo vacinado ou
pela pessoa por ele responsável.
628
RIO DE JANEIRO (Cidade). Secretaria Especial de Comunicação Social. 1904 - Revolta da Vacina. A
maior batalha do Rio. 120f. Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro. – A Secretaria, (Cadernos da
Comunicação. Série Memória), 2006, p. 95.
225
Art. 6°. A pessoa vacinada ou revacinada deverá apresentar-se ou ser
apresentada ao médico vacinador, no mínimo no 6° dia e no máximo no 8° dia que se
seguir à vacinação ou revacinação, sob pena de multa de 50$000 e do dobro na
reincidência.
Parágrafo Único. Para a execução do disposto no presente artigo, o médico
vacinador marcará lugar, dia e hora, para que se lhe apresente a pessoa imunizada.
Art. 7°. Serão eximidas da vacinação e revacinação as pessoas afetadas de
moléstias tais, que possam ser maleficamente influenciadas pela evolução da vacina.
Parágrafo Único. A prova de contraindicação da imunização contra a varíola
consistirá em um atestado firmado por três médicos e com as firmas reconhecidas por
tabelião.
Art. 8°. Toda a pessoa que não puder, de acordo com o artigo precedente,
sofrer a operação da vacinação ou revacinação, deverá a elas ser submetida no fim de
um ano, a contar da data do atestado fornecido.
§ 1°. Se ainda no fim desse prazo for apresentada uma razão de impedimento, a
autoridade sanitária, se julgar necessário, pedirá uma conferência com os médicos
fornecedores do atestado, a fim de verificar se o motivo alegado é ou não aceitável.
§ 2°. No caso de desacordo, poder-se-á fazer nova conferência, na qual
tomarão parte, além dos médicos referidos, mais dois outros de reconhecida
competência, sendo um deles indicado pelo vacinado ou pela pessoa por ele responsável
e o outro pela repartição sanitária.
Art. 9°. A operação de imunização contra a varíola poderá ser feita não só
pelos vacinadores oficiais, como também pelos médicos clínicos que poderão atestar o
resultado obtido.
Art. 10°. Os atestados de vacinação e revacinação só poderão ser passados em
impressos especiais, que serão fornecidos gratuitamente pelas repartições sanitárias.
Parágrafo Único. Os atestados a que se referem o presente artigo só serão
válidos quando visados e registrados pela autoridade sanitária, o que só poderá ser feito
tendo sido a firma do médico que efetuou a operação previamente reconhecida pelo
tabelião.
Art. 11°. Os atestados a que se refere o artigo precedente serão encontrados em
todas as dependências da Diretoria-Geral de Saúde Pública, bem como em todas as
farmácias do Distrito Federal.
226
Parágrafo Único. As farmácias que não possuírem os atestados de que trata o
presente artigo sofrerão multa de 50$, dobrada na reincidência.
Art. 12°. A autoridade sanitária poderá, quando julgado conveniente, verificar
os atestados fornecidos.
Art. 13°. O atestado de vacina em papel oficial, devidamente registrado e
visado pela autoridade sanitária, é o único meio pelo qual poder-se-á provar a vacinação
ou revacinação.
Art. 14°. O médico que fornecer atestado de vacinação ou revacinação
reconhecido falso será passível de penas cominadas no art. 217 do Regulamento
aprovado pelo decreto 5.156, de março de 1904.
Art. 15°. A autoridade sanitária tratará de verificar se uma pessoa acometida de
varíola é ou não portadora de um atestado de vacina.
§ 1°. Se não tiver sido imunizada, de acordo com os artigos 1° e 2° do presente
Regulamento, será o doente por ocasião do restabelecimento ou a pessoa por ele
responsável, se for menor, passível da multa de 500$000.
§2° Se a pessoa acometida de varíola possuir atestado tratará a autoridade
sanitária de verificar a autenticidade dele, punindo o vacinador de acordo com o artigo
precedente se for falso o atestado; indagará da origem da linfa e tomará todos os
esclarecimentos para ajuizar do caso.
§3° O presente artigo só entrará em vigor um ano após a aprovação deste
Regulamento.
Art. 16°. Os pais, pais adotivos e tutores são obrigados a fazer com que seus
filhos, filhos adotivos ou tutelados se submetam à vacinação e revacinação de acordo
com o presente Regulamento, sob pena de multa de 50$ a 1:100$, dobrada nas
reincidências.
Art.17°. Os diretores ou responsáveis pelos colégios e estabelecimentos
congêneres não poderão receber alunos que não estejam vacinados ou revacinados e
portadores de atestados confirmativos da operação.
Art.18°. Os infratores do artigo precedente serão passíveis de multa de 50$ por
aluno não vacinado, e se os estabelecimentos de instrução forem oficiais (ilegível)
responsáveis suspensos por um mês.
Art.19°. Ninguém poderá ser admitido como (ilegível) ou empregado, sem que
apresente atestado de vacinação ou revacinação, de acordo com o estabelecido no
presente regulamento.
227
Art. 20°. Nos casos de infração do artigo (ilegível) serão as pessoas que
tomarem a seu serviço (ilegível) não vacinados ou revacinados passíveis de multa
(ilegível) a 500$000.
Art. 21°. Nos casos a que se referem estes artigos (ilegível) os chefes das casas
deverão ficar (ilegível) de vacinação ou revacinação de seus (ilegível) empregados
enquanto estiverem (ilegível).
Art. 22°. Nenhum negociante poderá (ilegível) empregado algum que não
tenha sido vacinado ou revacinado (ilegível) de acordo (ilegível) multa de 100$ por
empregado (ilegível) imunizado.
Art.23°. (Ilegível) vacinado ou revacinado e nos casos de reincidência à pena
de fechamento do estabelecimento.
Art. 24°. Todos os colégios, fábricas, oficinas, asilos e estabelecimentos
congêneres deverão possuir um livro em que estejam consignados: os nomes das
pessoas nele reunidas, a data da vacinação ou revacinação e o número de registro sob
que estão lançados os atestados nos livros da Diretoria Geral de Saúde Pública.
§1°. Os responsáveis pelos estabelecimentos a que se referiu o presente artigo
serão passíveis de multa de 500$, dobrada nas reincidências, quando não possuírem o
livro referido.
§2°. Quando o livro não estiver escriturado em dia será o responsável passível
de multa de 100$ e no dobro na reincidência.
§3°. As disposições do presente artigo começarão a vigorar seis meses após a
promulgação deste regulamento.
Art. 25°. Em nenhuma construção ou obra, quer particular, quer pública,
poderão ser admitidas pessoas que não tenham sido vacinadas ou revacinadas de acordo
com os artigos 1° e 2°, sob pena de multa de 50$ por pessoa não imunizada ou
suspensão por três meses do encarregado ou responsável pela obra ou construção, se for
empregado público.
Art. 26°. Ninguém poderá ser qualificado eleitor, inscrever-se em concurso, ser
nomeado para a Guarda Nacional, nem fazer parte do Exército e Armada Nacional sem
que demonstre estar vacinado ou revacinado de acordo com os artigos 1° e 2°, ficando
os responsáveis pela infração sujeitos a multa de 100$ por pessoa.
Art. 27°. Ninguém poderá ser funcionário ou matricular-se nas escolas de
ensino superior da República sem que prove estar imunizado contra a varíola de acordo
com os artigos 1° e 2°.
228
Parágrafo Único. Os chefes das repartições serão responsáveis pelo
cumprimento do presente artigo, sob pena de multa de 500$ ou suspensão por seis
meses.
Art. 28°. Ninguém poderá contrair casamento sem apresentar os atestados que
provem o cumprimento disposto nos artigos 1° e 2°.
Parágrafo Único. Os escrivães das Pretorias serão passíveis de multa de 50$
por infração do presente artigo.
Art. 29°. Pessoa alguma poderá matricular-se negociante sem que prove estar
de acordo com o estabelecido neste regulamento.
Art. 30°. Os chefes de família são responsáveis perante a autoridade sanitária
pelo cumprimento do disposto nos artigos 1° e 2° deste regulamento, sob pena de multa
de 50$ por pessoa que não estiver de acordo com o que está neles estabelecido.
Art. 31°. Os responsáveis pelas casas de cômodos e de pensão, hotéis,
estalagens e outros estabelecimentos análogos não poderão alugar aposentos a pessoa
alguma que não esteja nas condições dos artigos 1° e 2°, sob pena de multa de 50$ por
pessoa não imunizada contra a varíola.
Parágrafo Único. Nos livros de registro sanitário a que se refere o art. 122 do
regulamento aprovado pelo decreto n° 5.156, de 08 de março de 1901, dever-se-á
consignar o número sob o qual e a delegacia de saúde em que o atestado de cada
hóspede está registrado.
Art.32°. Nenhum passageiro poderá desembarcar nos portos do Brasil sem que
prove estar vacinado ou revacinado, de acordo com os artigos 1° e 2°.
Parágrafo Único. Os comandantes dos navios serão responsáveis pelo
cumprimento desta disposição e passíveis de multa de 20$ por passageiro que não exibir
o atestado a que se refere o art. 10°.
Art. 33°. Quando alguém tiver de passar de um estado da União para outro,
deverá munir-se dos documentos que provem estar de acordo com os artigos 1° e 2°,
não lhe podendo ser vendida a passagem ou concedido o passe sem preenchimento desta
formalidade.
Art.34°. As companhias, administrações etc... que fornecerem passagens sem a
observância do estabelecido no artigo anterior serão passíveis de multa de 500$,
dobrada nas reincidências, sendo suspenso por dois meses o responsável, se tratar de
estabelecimento pertencente ao governo.
229
Art. 35°. Para facilitar a matrícula, inscrição, embarque de passageiros etc.,
poder-se-á fornecer, a juízo da autoridade sanitária, atestados provisórios, que deverão
ser substituídos por atestados definitivos no fim dos oito dias que se seguirem a
operação, perdendo, ipso facto, nesse prazo, seu valor o atestado provisório.
Art. 36°. Em casos especiais de eminência de epidemia, a Diretoria Geral de
Saúde Pública poderá mandar efetuar a vacinação e revacinação em massa, devendo
para isso ser previamente autorizada pelo governo.
Art. 37°. Nos casos de revacinação sem proveito, a operação será renovada no
septénio seguinte, a não ser que haja razões para acreditar-se na existência de alguma
causa de erro, deverá ser repetida.
Art. 38°. Qualquer pessoa que, depois de vacinada ou revacinada, lançar mão
de meios tendentes a evitar que a inoculação seja proveitosa será passível de multa de
500$ e sujeitada a nova operação.
Art. 39°. Quem de qualquer maneira se opuser que alguém se vacine ou
revacine, será passível multa de 1000$, dobrada na reincidência.
Art. 40°. As vacinações ou revacinações serão feitas de acordo com as
instruções especiais aprovadas pelo Governo.
Art. 41°. Os médicos que efetuarem vacinações ou revacinações sem a fiel
observância das instruções a que se refere o artigo precedente serão passíveis de multa
de 100$ e se forem funcionários serão suspensos por um mês e demitidos na
reincidência.
Art. 42°. Se em consequência da vacinação ou revacinação resultarem
acidentes que possam ser atribuídos a imperícia ou negligencia do vacinador, será ele
passível da multa de 2.000$ e demissão se for funcionário.
Parágrafo Único. Se do acidente resultar deformidade da pessoa a imunizar, ou
a sua morte, será o vacinador processado de acordo com o artigo do Código Penal.
Art. 43°. A vacinação e revacinação contra a varíola só poderão ser feitas com
a vacina animal.
Art. 44°. A vacina fornecida pelos institutos vacínicos deverá trazer sempre a
data de seu preparo.
Art. 45°. A vacina só poderá ser preparada em institutos especiais, com
autorização e sob imediata fiscalização da Diretoria-Geral da Saúde Pública.
Art. 46°. Se verificar que a vacina fornecida pelos institutos vacínicos e de má
qualidade e capaz de comprometer a saúde das pessoas a imunizar, à Diretoria-Geral de
230
Saúde Pública comunicará o fato ao governo, que ordenará o fechamento do Instituto, se
for particular, ou demitirá o responsável técnico, se for estabelecimento oficial.
Art. 47°. A fiscalização do presente regulamento no Distrito Federal compete
exclusivamente à Diretoria-Geral de Saúde Pública e nos estados aos inspetores de
saúde dos Portos, onde os houver, que para este fim entender-se-ão com as autoridades
estaduais.
Parágrafo Único. Nas localidades onde não houver autoridade sanitária federal,
a fiscalização do presente regulamento competirá às autoridades sanitárias estaduais,
que neste caso, deverão entender-se com a Diretoria-Geral de Saúde Pública.
Art. 48°. As infrações do presente regulamente a que não estiverem cominadas
penas especiais serão punidas com as multas de 50$ a 500$, dobradas das reincidências.
Art. 49°. Nos casos omissos do presente regulamento, o diretor-geral de Saúde
Publica tomará as providências que julgar necessárias, como exigir o interesse da saúde
pública, submetendo imediatamente o ocorrido à apreciação do ministro do Interior.
231
ANEXO 02
Cronologia básica
Fatos relevantes sobre a varíola e a vacina antivariólica.629
1798. Difusão da vacina antivariólica no mundo.
1804. Introdução da vacina jenneriana no Brasil.
1811. Criada a Junta Vacínica da Corte – 04/04.
1828 – Extintos os lugares de provedor-mor, físico-mor e cirurgião-mor do Império pela
Lei n° 30/08 (as competências destes passam as câmaras municipais e justiças
ordinárias).
1832. Primeira Lei de obrigatoriedade da vacina no Brasil.
1834/1835. Surto epidêmico variólico no Rio de Janeiro.
1838. Surto epidêmico variólico no Maranhão.
1840. Elaboradas propostas para reestruturação da Junta Vacínica da Corte.
1846. Criação do Instituto Vacínico do Império pelo Decreto de n° 464 -17/08 o
Regulamento do Instituto. O Instituto tem como finalidade “o estudo, prática,
melhoramento e propagação da vacina em todo o Império”; o Instituto será composto
por um inspetor-geral, uma junta vacínica na capital do Império e comissários
vacinadores provinciais, municipais e paroquiais; inclui a obrigatoriedade da vacinação
para todas as pessoas residentes do Império, independentemente de raça, sexo, idade e
condição; incentiva a tentativa de inoculação do vírus na vaca, a fim de produzir o Cowpox, destinando prêmio a quem o conseguir.
1849. Surto epidêmico da febre amarela no Rio de Janeiro.
1850. Criada a Junta de Hygiene Pública pelo Decreto de n° 598 - 14/09, segundo o 3°
Artigo Decreto de n° 598 - 14/09 ficam subordinados à Junta: a Inspeção de Saúde do
629
FERNANDES, Tania Maria. Vacina Antivariólica: ciência, técnica e o poder dos homens. Rio de
Janeiro: Editora Fiocruz, 1999, p. 129.
232
Porto do Rio de Janeiro, o Instituto Vacínico do Império e os serviços de higiene das
províncias e localidades.
1851. É regulamentada a Junta de Hygiene Pública, alterando-se a denominação para
Junta Central de Hygiene pública pelo Decreto de n° 828-29/09. A inspeção da saúde
dos portos e a inspeção da vacina são subordinadas à Junta Central de Hygiene, no
entanto o Decreto de 1846 continuou a orientar os serviços de vacinação da Corte.
1851. Surto epidêmico da febre amarela em São Luís.
1854/1855. Surto epidêmico variólico em São Luís.
1864/1865/1866. Surto epidêmico variólico em São Luís.
1875. Torna-se obrigatória a revacinação em diferentes estabelecimentos custeados pelo
aviso de 11 de novembro.
1874/1875/1876. Surto epidêmico variólico em São Luís.
1876. É criado um hospital na ilha de Santa Bárbara para internação de casos da varíola
pelo Artigo 431 do Decreto de n° 6. 378 de 15 de novembro de 1876.
1878. Surto epidêmico variólico em Rio de Janeiro.
1882. Reestruturados os serviços de saúde pública do Império pelo Decreto de n° 8. 387
– 19/01. Este decreto impõe uma nova regulamentação à Junta de Hyiene Pública
(revoga o Decreto de n° 828 – 29/09/1851); cria comissões em algumas províncias e
recomenda que sejam criadas juntas ou que sejam designados delegados e inspetores
provinciais, nomeados pelos presidentes das províncias.
1882/1883. Surto epidêmico variólico em São Luís.
1884. É criada a Escola Veterinária de Pelotas, com um Instituto Vacínico anexo para a
produção da vacina animal.
1886. Fechada a Escola Veterinária de Pelotas e o Instituto a ela vinculado.
Reorganizado o Serviço Sanitário do Império pelo Decreto de n° 9.554 – 03/02.
233
Criação da Inspetoria Geral de Higiene e da Inspetoria Geral de Saúde dos Portos;
criação de um conselho superior de saúde pública; o Instituto Vacínico é extinto, e a
vacina antivariólica fica a cargo da Inspetoria Geral de Higiene.
1887. Surto epidêmico variólico em Rio de Janeiro.
É introduzida a vacina antivariólica animal no Brasil na Santa Casa de Misericórdia,
pelo Dr. Pedro Affonso Franco.
1888. A Inspetoria cria uma comissão para verificar a eficácia da vacina produzida por
Pedro Affonso. A vacina é aprovada pela comissão composta por Francisco Marques de
Araújo Goés e Bento Gonçalves Cruz em relatório apresentado à Diretoria em
11/01/1888.
O governo federal dispensa a subvenção para o fornecimento da vacina animal.
1889. O Decreto de n° 68 de 18 de dezembro de 1889 reestrutura o serviço de polícia
sanitária na capital federal, incluindo indicações de medidas sanitárias para impedir
atenuar o desenvolvimento de qualquer epidemia. Ao inspetor geral são dados poderes
para intervir na fiscalização de todos os serviços sanitários de terra; ficam estabelecidas
três medidas básicas recomendadas pela higiene: notificação obrigatória, desinfecção de
objetos e domicílios, e isolamento nosocominal no caso de algumas doenças
transmissíveis; é obrigatória a vacinação para crianças de até seis meses de idade, a
revacinação é facultativa e deve ser executada de dez em dez anos.
É crido o Conselho de Intendência Municipal – Decreto 50ª.
1890. É constituído o Conselho de Saúde Pública e reorganizado o serviço sanitário
terrestre pelo Decreto de n° 169-18/01. A União fica responsável pelo serviço sanitário
terrestre em todo o país; a direção e propagação da vacina animal ficam a cargo da
Inspetoria sob competência de médico vacinador que efetua a vacinação duas vezes por
semana no posto central (a vacina é produzia por Pedro Affonso que a encaminha para a
Inspetoria); o Conselho tem como incumbência dar parecer acerca das questões de
higiene e salubridade geral sobre o que for consultado pelo governo.
234
1891. É extinta a Inspetoria de Higiene no Estado do Rio de Janeiro pelo Decreto de n°
554-29/09. As inspetorias dos outros estados são extintas ou desligadas da
administração federal.
É assinado um contrato entre a União e o Dr. Pedro Affonso para o fornecimento da
vacina em tubos com linfa glicerinada ao Distrito Federal.
1892. É criada a prefeitura do Distrito Federal pela Lei de n° 85-20/09. A lei determina
que não ficaria sob responsabilidade da municipalidade os serviços de higiene
preventiva da capital federal.
É extinta a Inspetoria Geral de Higiene e criada a Diretoria Sanitária da capital federal
pelo Decreto de n° 1.172-1712. A Diretoria Sanitária teria como incumbência as
medidas de higiene de natureza defensiva em épocas anormais; a vacinação não aparece
enquanto competência da Diretoria Sanitária.
É assinado um contrato entre a prefeitura do Distrito Federal e Dr. Pedro Affonso pelo
aviso de n° 4323-29/12. A produção da vacina passa a ser responsabilidade do
município do Distrito Federal, por intermédio do Dr. Pedro Affonso.
1893. É ampliado o número de posto da vacinação antivariólica na capital, sob
responsabilidade do governo municipal; amplia-se também o número de dias de
atendimento no posto de vacinação.
1894. É criado o Instituto Sanitário Federal pelo Decreto de n° 1.647-12/10. São
extintos a Diretoria e o Laboratório Bacteriológico, cujas competências passam para o
Instituto Sanitário.
Criado o Instituto Vacínico Municipal por meio de contrato com a prefeitura do Distrito
Federal, por um prazo de dez anos, sob a direção de Pedro Affonso Franco pelo Decreto
de n° 105-15/09. O contrato entre a municipalidade e o Dr. Pedro Affonso foi assinado
em 30/11 com validade de dez anos.
Elaborada e apresentada ao Senado pelo senador Abdon Milanez do Estado da Paraíba,
uma proposta de organização de um Instituto Federal de Vacina.
235
1895. Iniciam-se os trabalhos do Instituto Vacínico Municipal (IVM) em 01/01.
O governo federal concede subvenção ao Instituto Vacínico Municipal para que forneça
vacina aos estados – Lei n°360-30/12.
1897. Criada a Diretoria Geral de Saúde Pública pelo Decreto de n° 2.449-01/02. São
extintos o Instituto Sanitário Federal e a Inspetoria Geral de Saúde dos Portos, cujas
competências passam para a Diretoria Geral de Saúde Pública, subordinada ao
Ministério da Justiça e Negócios Interiores; a Diretoria Geral de Saúde Pública somente
está autorizada a intervir na higiene municipal quando solicitada pelo nível local ou em
caso de calamidade pública; não há nenhuma referencia à vacinação.
Reorganizado o Instituto Vacínico Municipal pelo Decreto de n° 386-08/04.
Estabelecido o quadro pessoal e administrativo do Instituto Vacínico Municipal e criase o cargo de diretor e vice-diretor.
O Instituto Vacínico Municipal é autorizado a receber qualquer subvenção ou
indenização do governo da União ou dos estados - Decreto de n° 425-27/09.
1900. Criado o Instituto Soroterápico Federal, sob a direção do Dr. Pedro Affonso
Franco.
1902. Solicitados da municipalidade para a esfera do governo federal os serviços de
higiene preventiva da Capital da República pelo Decreto de n° 4.463-12/07. Segundo
esse decreto a Lei de 1892 de n° 85 de organização do governo municipal já havia
excluído da municipalidade a higiene preventiva, porém tal legislação não foi cumprida.
São estabelecidas as bases para a regulamentação dos serviços de higiene preventiva da
capital federal pelo Decreto de n° 4.464-12/07. Esses serviços compreendem a polícia
sanitária, assistência hospitalar, isolamento e desinfecção.
Oswaldo Cruz assume a direção do Instituto Soroterápico Federal, ocupando o lugar de
Pedro Affonso Franco.
1903. Oswaldo Cruz assume os serviços de Saúde Pública da União.
Apresentado à Câmara dos Deputados um projeto de reestruturação dos serviços de
saúde da União.
236
1904. São organizados os serviços de higiene da União, sob a responsabilidade da
Diretoria Geral de Saúde Pública pelo Decreto de n° 1.151-05/01. Este decreto amplia a
responsabilidade da Diretoria no Distrito Federal, cabendo a ela “tudo quanto se
relaciona à profilaxia geral e específica das moléstias infecciosas”; autoriza a aquisição
do Instituto Soroterápico Federal; estabelece como competência do ISF a produção de
soros e vacinas para todos os estados, com exceção da vacina antivariólica.
Regulamentados os serviços sanitários a cargo da União pelo Decreto de n° 5.15608/03. O capítulo XII trata da varíola; a vacinação não é uma medida obrigatória, porém
o número de vacinações que o inspetor praticar contará como mérito para ele.
Prorrogado por sete anos o contrato entre a Prefeitura e o Instituto Vacínico pelo
Decreto de n° 984-31/05.
Aprovada a Lei de Obrigatoriedade da Vacina para todos os indivíduos e ratificada pela
Lei de n° 1.261-31/10/1906.
Apresentada à Câmara, por Melos Mattos, um projeto de criação do Instituto de
Medicina Experimental de Manguinhos (Projeto de n° 17-02/07/1906). Esse projeto
determina, entre outras a incorporação da vacina antivariólica ao Instituto; por proposta
da Academia de Medicina, o nome seria Instituto de Patologia Experimental de
Manguinhos.
1908. A vacinação passa para âmbito da Diretoria, e a produção da vacina permanece
com o Instituto Vacínico Municipal.
Oswaldo Cruz encaminha a “Proposta de Organização Definitiva dos Serviços de
Higiene da União”.
1909. É renovado por dez anos o contrato entre o Instituto Vacínico Municipal e a
Prefeitura pelo Decreto de n° 1.315-09/11. O contrato é assinado em 24/11, começando
a vigorar em 1912.
Alterado o quadro de pessoal do Instituto Vacínico Municipal pelo Decreto de n° 1.91815/07.
237
Estabelecido um novo Regulamento para a Diretoria Geral de Saúde Pública pelo
Decreto de n° 10.821-18/03. Esse regulamento mantém as mesmas bases da legislação
em vigor, tornando mais rígidas as medidas de vigilância sanitária de mar e terra em
todo o país; amplia as doenças sob notificação compulsória; incorporada os funcionários
que em 1904 haviam sido cedidos à União pela municipalidade.
1919. Reorganizado o Instituto Oswaldo Cruz pelo Decreto de n° 13.527-26/03/1919. O
Instituto é regulamentado; suas atribuições ampliadas, incluindo-se a produção da
vacina antivariólica; incorpora em sua estrutura o Instituto Vacínico Municipal como
Instituto Vacínico Federal.
1920. Criado o Departamento Nacional de Saúde Pública. São ampliadas e centralizadas
as medidas de controle das doenças transmissíveis nos estados.
1921. Regulamentado o Instituto Vacinogênico Federal pelo Decreto de n° 14.62917/01/1921. O regulamentado incorpora o Instituto Vacínico Municipal ao Instituto
Oswaldo Cruz; é aproveitado o pessoal técnico e administrativo do extinto Instituto
Vacínico Municipal.
238
ANEXO 03
Conhecimento científico
Experiências e descobertas sobre a vacina antivariólica.630
1778. Descoberta da vacina antivariólica por Edward Jenner.
1840. Instituída a vacina animal em Nápoles por Negri.
1864. Introduzida em Paris a vacina animal, por Lanoix e Chambon.
1865. A Sociedade de Ciências de Lyon elege uma comissão para aprofundar os estudos
sobre a vacina, a varíola, o cow-pox e o horse-pox.
1878. Primeiras tentativas do Dr. Pedro Affonso Franco para implantar a vacina animal
no Brasil
1886. Introdução da glicerina como purificante e conservante da vacina (Berlim).
1888. Pesquisas sobre a receptividade do coelho para a vacina, realizada por Gailleton.
1891. Consegue-se destacar do vitelo a polpa vacínica e levá-la para o laboratório.
1892. Descoberta dos Corpúsculos de Garnieri. Que foram indicados como agentes
etiológicos da varíola e da vacina.
1901. Experiências para o cultivo do vírus variólico fora do organismo bovino,
realizadas por Calmette e Guérin.
1907. Constatada a ultra filtrabilidade do vírus vacínico.
O agente etiológico da varíola é classificado como um protozoário por Aragão e
Prowazeck. Essa descoberta foi posteriormente negligenciada e negada por outras
experiências.
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FERNANDES, Tania Maria. Vacina Antivariólica: ciência, técnica e o poder dos homens. Rio de
Janeiro: Editora Fiocruz, 1999, p. 136.
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1910. Estudos realizados por Noguchi, Hensenval e Convent comprovam a
possibilidade de produção da vacina em testículos de coelho conhecida como orchivacina.
Estudos sobre a purificação da vacina com métodos químicos e físicos (éter sulfúrico,
filtração e aquecimento).
1920. Estudos realizados por Levaditi comprovam a possibilidade de produção da
neurovacina no cérebro de coelho.
A ultra filtração é aplicada para determinação do tamanho do vírus por Bechold.
Estudos realizados por Parker e Nye possibilitam a técnica de cultura de tecidos para o
cultivo do vírus vacínico.
1930. Experiências com embrião de galinhas são realizadas no Hospital do Instituto
Rockefeller.
A filtração é indicada como melhor método de purificação da vacina.
1931. Experiências realizadas por Goodpasture possibilitam a utilização da cultura do
vírus variólico em ovo embrionário.
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