A ESTÉTICA DO ROMANTISMO
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A ESTÉTICA DO ROMANTISMO
UNIVERSIDADE DE AVEIRO DEPARTAMENTO DE COMUNICAÇÃO E ARTE A ESTÉTICA DO ROMANTISMO PROFESSORA DA DISCIPLINA: FÁTIMA POMBO MANUEL AUGUSTO DA SILVA CARVALHO MESTRADO EM PERFORMANCE \ INSTRUMENTO CLARINETE UA, JANEIRO 2004 2 ÍNDICE INTRODUÇÃO 3 1- O ROMANTISMO 4 1.1- O Pensamento Iluminista 4 1.2- Século XIX. A Linguagem 4 2- WACKENRODER 2.1- A música como linguagem privilegiada 3- SCHELLING 3.1- A música como ritmo 4 -HEGEL 4.1- O sentimento invisível 5- SCHOPENHAUER 5.1- A música como imagem directa do mundo 6- O MÚSICO ROMÂNTICO 6.1- A música e o músico 7- HOFFMANN E BEETHOVEN 7.1- O mito 8- STENDHAL 8.1- A felicidade de sentir 6 6 8 8 9 9 11 11 13 13 14 14 16 16 CONCLUSÃO 18 BIBLIOGRAFIA 21 3 INTRODUÇÃO O assunto central do presente trabalho é a abordagem da Estética do Romantismo. Escolhi este tema por vir a ser útil para elaboração da minha tese que vai incidir num músico romântico: Carl Maria von Weber e a sua relação com o clarinete, o qual utilizou genialmente na sua obra, denotando, de alguma forma, um interesse especial por esse instrumento. A metodologia usada para a elaboração do Trabalho é baseada na pesquisa e consulta em vários livros já publicados, havendo a preocupação de comparar para o mesmo assunto fontes diferentes. Ao nomear Wackenroder, faço-o porque a sua obra foi importante para a formação das primeiras gerações românticas. Schelling, pela sua visão em relação às artes. Hegel, pela relação ou complementaridade com Wackenroder. Schopenhauer, porque intenta fazer da música um símbolo das aspirações mais sublimes do ser humano. Hofmann por ser contemporâneo de Beethoven. Stendhal, pela sua peculiar aproximação à música. 4 1 – O ROMANTISMO 1.1 – Pensamento Iluminista O iluminismo foi um movimento intelectual e espiritual europeu, apelidado de Século da Luzes, cujo auge foi atingido no século XVIII. Os pensadores iluministas acreditavam no progresso social e nas capacidades libertadoras do conhecimento racional e científico. Criticavam a sociedade existente e hostilizavam a religião, por considerarem que a mente humana era aprisionada pela superstição. As revoluções americana e francesa foram justificadas à luz dos princípios iluministas dos direitos humanos naturais1. 1.2 – Séc. XIX. A Linguagem O romantismo define-se em grande parte como reacção às afirmações do Século das Luzes. Recusando a condição de mola do mundo, o homem romântico converte-se no coração de um universo misterioso e particular. O eu afirma-se: nas suas manifestações extremas conduz à criação de obras que traduzem alegrias e tormentos, esperanças e revoltas, mas também à alienação ou ao aniquilamento do criador, pela loucura e pelo suicídio. O romantismo perturbou a literatura antes da música ou da pintura. O papel desempenhado pela Alemanha na segunda metade do século XVIII é incontestável. Herdeiros de Rousseau, autores como Goethe, Schiller, Richter abrem o caminho a Novalis, Kleist, Holderlin, Brentano, Uhland, Arnim, Hoffmann, que procuram exprimir o inexprimível, explorar o caminho misterioso que conduz ao interior2. No entanto, nem todas as convicções iluministas se modificaram, ou transformaram. O que antes era condenável, era agora motivo de glória. 1 2 Cf. Donald Jay Grount e Claude Palisca, História da música Ocidental, 1997, p. 475. Cf. Gérard Denizeau, Os géneros Musicais, 2000, p. 170. 5 Antes o músico era um assalariado ao serviço da Igreja ou das famílias nobres. A sua função era recreativa ou utilitária. A música “acompanhava”. Não tinha função autónoma. Teria que estar subordinada à poesia, a celebrações, cerimónias e afins. Por este motivo os filósofos não lhe concederam a devida importância3. O romantismo vê tudo isto com outros olhos. A música não pode, com a sua linguagem comunicar como a linguagem comum. Ela está acima de qualquer meio normal de comunicação, porque capta a realidade a um nível mais profundo. Ela capta a Ideia, o Espírito, o Infinito, tanto mais fácilmente, quanto se conservar longe de qualquer tipo de semântica ou concepção4. Desde o início, o movimento romântico teve uma tonalidade revolucionária, com a correspondente ênfase nas virtudes da originalidade na arte. O romantismo foi encarado como uma revolta contra as limitações do classicismo, se bem que ao mesmo tempo a música fosse vista como um exemplo da ideia geralmente aceite de que o século XIX era uma época de progresso e evolução. Até ao fim do século XVIII os compositores escreviam para o seu tempo; de um modo geral, não se interessavam muito pelo passado nem se preocupavam muito com o futuro5. 3 Cf. Eurico Fubini, La Estética Musical desde la Antiguidad hasta el siglo xx, 1999, p. 254. 4 Cf. Eurico Fubini, La Estética Musical desde la Antiguidad hasta el siglo xx, 1999, p. 255. 5 Cf. Donald Jay Grount e Claude Palisca, História da música Ocidental, 1997, p. 578. 6 2 – WACKENRODER 2.1 – A música como linguagem privilegiada. Wilhelm Heinrich Wackenroder ( 1773-1798 ), não foi músico, crítico ou poeta. Viveu vinte e cinco anos de personalidade instável e ansiosa, sempre em constante procura de uma linha de pensamento que o satisfizesse. Não se chegou a consumar em termos de ideias. As suas exigências ficaram sempre privadas de reflexão profunda. Os seus escritos são fragmentários e por isso não chegam a nenhum porto. Foi um pensador rápido, possuidor de um carácter nostálgico, sentimental e, apesar disso, muito entusiasta, teve um papel importante na formação das primeiras gerações românticas6. Wackenroder tinha uma atitude sensível e filosófica em relação à arte. Defendia que frente à arte era necessário o abandono, a atitude contemplativa. Que desde sempre, existiu um principio separador do coração e da razão. O meio para se aceder à arte é o sentimento, não a razão. Qualquer obra não será possível de entender senão com um sentimento similar ao que lhe deu origem. Deste modo só se capta o sentimento com sentimento. Segundo Wackenroder, todas as artes pretendem e actuam no sentido de manifestar os nossos sentimentos mais profundos. Neste contexto a música é por excelência a linguagem dos sentimentos, porque é superior a todas as outras na sua capacidade expressiva. Este facto deve-se, ou explica-se com base no seu desenvolvimento histórico, na perfeição que a própria civilização se entreteve a criar. Há uma afinidade secreta entre o som e o sentimento. Neste contexto o sentimento não é a emotividade pessoal, mas sim a essência das coisas. Assim a música representa a forma de contacto mais directo com Deus. A música descreve os sentimentos 6 Cf. Eurico Fubini, La Estética Musical desde la Antiguidad hasta el siglo xx, 1999, p. 260. 7 humanos de forma sobre-humana, porque fala uma linguagem que não é nossa; é a dos anjos. A obra musical é intraduzível por palavras; a linguagem pode descrever as mudanças e curvas de um rio durante o seu trajecto. A música dá-nos o próprio rio, este rio que significará, se quisermos, o espírito humano. 8 3 – SCHELLING 3.1 – A música como ritmo. Schelling, defende que a arte é representação do infinito no finito, do universal no particular; objectivação do Absoluto no fenómeno. As artes podem distinguir-se umas das outras em função do grau do finito que se encarna no infinito. Assim temos duas espécies de arte: a real e a ideal, segundo se manifeste em cada uma o aspecto real, objectivo e físico, ou o aspecto ideal, subjectivo e espiritual. Constitui-se então de um lado as artes figurativas e de outro as artes da palavra. Entre as artes figurativas encontra-se a música, porque representa o aspecto real do mundo da arte. As outras são a pintura e a escultura. A música pertence à arte real por estar vinculada ao som. Schelling distingue dentro da música três elementos: ritmo, modulação e harmonia-melodia. O ritmo representa o elemento real, a modulação o ideal e a melodia junto com a harmonia representa a síntese dos dois primeiros elementos7. Ao pretender colocar o ritmo entre as coisas misteriosas da natureza, Schelling defende que a música é puro ritmo e capta todo o universo. Ela é a arte que mais se aproxima da matéria. É a arte que pode ser mais abstracta e espiritual, porque reproduz o movimento puro, o ritmo cósmico, o devir das coisas, a unidade da multiplicidade. A música prescinde dos objectos. Equilibra-se entre a sensibilidade e a espiritualidade. 7 Cf. Eurico Fubini, La Estética Musical desde la Antiguidad hasta el siglo xx, 1999, p. 264. 9 4 – HEGEL 4.1 – O sentimento invisível. Wackenroder defende a música como expressão de sentimentos de uma forma algo poética. Hegel vem dar-lhe o seu apoio mas com base no rígido edifício da sua filosofia. Para Hegel também a música ocupa um lugar definido. A arte tem três etapas fundamentais para o seu desenvolvimento: a simbólica, a clássica e a romântica. Toda a arte, como primeira etapa do Espirito Absoluto que se encaminha para a sua realização última, tem como finalidade a expressão da ideia, mas como intuição sensível. A arte simbólica, é a arte na sua fase inicial; é a arquitectura. Limita-se a tentativas de encontrar uma harmonia efectiva entre os extremos que são os materiais adequados e a forma mais idónea. Terá que contentar-se com um tipo de representação em que ambos permanecem reciprocamente estranhos. A arte clássica é verdadeira e autêntica. Manifesta-se na escultura. Guia-se pela individualidade espiritual que é o ideal clássico. Nela o elemento interior ou espiritual, faz-se presente e visível através da aparência corporal imanente ao espirito. A arte romântica não simboliza o absoluto de uma forma exterior. A sua forma é a subjectividade, a alma, o sentimento na sua infinitude e na sua particularidade finita. Esta terceira forma de arte comporta em si, além da música, a pintura e a poesia8. Ainda que situada na mesma esfera que a pintura e contrariamente a esta, que pode manifestar-se por uma realidade externa, a música tem como elemento característico a interioridade em si, o sentimento invisível ou sem forma, que não pode manifestar-se como uma realidade externa. A essência 8 Cf. Eurico Fubini, La Estética Musical desde la Antiguidad hasta el siglo xx, 1999, p. 267. 10 desta arte é a alma, o espirito na sua unidade imediata, na sua subjectividade, o coração humano, a pura impressão9. No entanto, para Hegel, a verdadeira arte do espírito é a poesia. Tudo o que a consciência concebe e elabora com o pensamento no mundo interior da alma, só pode ser expressado e representado pela palavra. Mas, o que a poesia ganha sob o ponto de vista das ideias perde pelo lado do sensível, porque não se dirige aos sentidos como as artes plásticas, nem ao puro sentimento como a música. A poesia, sendo a arte mais universal, deixa por este motivo de ser arte. Em certo sentido representa o fim da arte, a morte da arte. Será um ponto de transição, um começo em que a arte se dissolve e dá lugar à religião e à filosofia. Sendo assim, a música não abandona o âmbito da arte verdadeira e genuína, expressa mais do que qualquer outra a interioridade, sob a forma própria do sentimento subjectivo numa forma sensível: o som. A missão da música, segundo Hegel, não consiste tanto em expressar emoções ou sentimentos individuais, mas sim a revelar à alma a sua identidade, o puro sentimento de si mesma. A música deve elevar a alma acima de si mesma, deve fazê-la oscilar acima do sujeito a que pertence e criar uma atmosfera onde irá refugiar-se no puro sentimento de si mesma10. 9 Cf. Eurico Fubini, La Estética Musical desde la Antiguidad hasta el siglo xx, 1999, p. 267. Cf. Eurico Fubini, La Estética Musical desde la Antiguidad hasta el siglo xx, 1999, p. 270. 10 11 5 – SCHOPENHAUER 5.1 – A Música como imagem directa do mundo. Schopenhauer afirmou que a música era a viva imagem e encarnação da mais íntima realidade do mundo, a expressão imediata dos sentimentos e impulsos da vida numa forma concreta e definida11. O facto de toda a música ter um conteúdo transmusical foi uma das convicções mais caras do século X IX , embora não fosse universalmente reconhecido. Hegel reservou na sua filosofia um lugar um pouco marginal para a música. Schopenhauer centrou-a nos seus estudos filosóficos. Colocou-a num pedestal bem ao centro. Para ele a música tem por missão conhecer a ideia. O conhecimento normal não chega à ideia porque está permanentemente submetido à vontade. Só o génio pode intuitivamente conhecer a ideia mediante a contemplação estética. Para Schopenhauer, todas as artes de uma forma hierárquica representam uma objectivação da vontade. A arquitectura representa o grau mais baixo, porque é visível a vontade. A escultura, pintura, poesia e a tragédia, ocupam os lugares mais altos. Quanto à música não se limita a representar as ideias ou os graus de objectivação da vontade, mas sim a própria vontade. A música não é imagem das ideias, mas sim imagem da própria vontade, cujas ideias são também objectividades. A música situa-se fora da hierarquia, porque é a linguagem absoluta, o limite insuperável, ao qual só pode aceder o génio artístico. A música é como que um duplicado do mundo fenoménico (natureza ). Assim poderá considerar-se música e natureza como duas expressões diferentes da mesma coisa. Posto isto, explicar a música de 11 Cf. Donald Jay Grount e Claude Palisca, História da música Ocidental, 1997, p. 573. 12 forma exaustiva e rigorosa, mediante conceitos , ela corresponderia ao próprio mundo e seria a verdadeira filosofia12. Dito isto, vem ao de cima o problema principal da estética musical de Schopenhauer: a relação entre a música e os sentimentos. 12 Cf. Eurico Fubini, La Estética Musical desde la Antiguidad hasta el siglo xx, 1999, p. 272. 13 6 – O MÚSICO ROMÂNTICO 6.1 – A música e o músico. Houve grandes filósofos a pensar sobre a música. Importantes nomes que nem sempre tinham o mesmo conhecimento filosófico, embora os conceitos fundamentais, as preferências, as orientações do gosto, o estilo, o modo de expor os conceitos, etc., sejam algo semelhantes o que aproxima filósofos e aqueles que não o são. Os escritos de músicos românticos, têm características literárias e não filosóficas. Também não são em linguagem técnica. Esta linguagem não é usada nem pelos músicos nem pelos filósofos. Na primeira metade do século XIX, olha-se a estética musical com olhos de músico. A música não se identifica com a sua técnica; esta é secundária13. Muitos músicos românticos escreveram sobre a música. Foram eles: Beethoven, Hoffmann, Schumann, Berlioz; Weber, Liszt, Wagner, etc. No meio de todos: Beethoven. Este, devido à sua vida, obra, surdez e destino desafortunado, transformou-se em modelo para o músico romântico. Ele foi um mito musical, estético, cultural e político. Devido à sua surdez comunicava por escrito o que originou um testemunho importante do seu pensamento. Ele viveu a transição do iluminismo para o romantismo. Assim ao ler Beethoven ficamos a saber que tinha uma cultura acima da dos músicos normais. Ele lia filósofos, poetas, historiadores e críticos. Numa carta de 1809, aos editores Breitkoph e Hartel, a solicitar alguns livros, Beethoven dizia não haver nenhum tratado demasiado douto14. Ele defendia o músico informado, culto e capaz de compreender que a música tem de comprometer o homem na sua totalidade. 13 14 Cf. Eurico Fubini, La Estética Musical desde la Antiguidad hasta el siglo xx, 1999, p. 276. Cf. Eurico Fubini, La Estética Musical desde la Antiguidad hasta el siglo xx, 1999, p. 277. 14 7 – HOFFMANN E BEETHOVEN 7.1 – O Mito. Beethoven entrou no romantismo com o valor de um autêntico mito. Assim o consideraram muitos dos escritores românticos. E. T. A. Hoffmann, novelista, crítico musical, compositor e director de orquestra, foi dos primeiros mistificadores de Beethoven15. Os escritos de Hoffmann são importantes para a compreensão do romantismo. Para ele a música representa a infinita nostalgia. Para ele o romantismo é uma categoria metatemporal que actua como chave da interpretação histórica. Beethoven é o único grande músico contemporâneo de Hoffmann. Estamos em 1810, altura em que segundo a visão hegeliana da história, corre a plena realização e concretização do romantismo. Assim música e romantismo vivem cúmplices na tenção histórica que acontece. A música para Hoffmann é a mais romântica das artes, porque tem como objectivo o infinito16. Para ele todos os grandes músicos são em alguma medida românticos. Ele classifica Don Giovanni de Mozart como ultra romântico. O Beethoven de Hoffmann é o do denominado segundo estilo: o heróico. No seu ensaio sobre a música instrumental ele considera-a a mais autónoma. Aquela que sem a ajuda da poesia ou outra arte estabelece a relação com o infinito. Para Hoffmann a música abre as portas do céu e deixa- nos ver uma nesga de um mundo distinto do nosso. Ele insiste na capacidade da música para nos fazer evadir das misérias terrenas. 15 Não foi só Beethoven. Muitos outros músicos experimentaram esse mesmo processo de mistificação. Hoffmann deixou escritos sobre Palestrina, Bach, Mozart, Gluck, Haydn, etc. 16 Cf. Eurico Fubini, La Estética Musical desde la Antiguidad hasta el siglo xx, 1999, p. 280. 15 Haydn, Mozart e Beethoven representam para Hoffmann o que para Hegel era a tríade dialéctica17, mediante a qual o espirito absoluto, a ideia, se revelava completamente. Hoffmann considera que Haydn sente romanticamente os afectos da vida humana. Mozart requer o elemento sobre-humano, maravilhoso, latente em nós próprios. Beethoven suscita a infinita nostalgia palpitante que é a essência do romantismo. 17 Arte , religião e filosofia. 16 8 – STENDHAL 8.1 – A felicidade de sentir. Para os românticos a música é a arte perfeita. A arte para a qual se encaminham todas as outras. Como consequência disso compreende-se o interesse da música para quase todos os escritores românticos. Stendhal escreveu muito sobre música sem ser músico, critico musical ou historiador da música. Viveu no romantismo, escreveu sobre a música e pelos seus escritos partilha as ideias dos escritores românticos. Apesar da sua peculiar aproximação à música e da dificuldade em ser catalogado, o seu trabalho é apetecido. O facto dos seus escritos terem carácter biográfico, literário, novelesco, vago, anedótico e não especializado18, não lhe causa qualquer transtorno; ele faz até questão de o revelar. Ele considera até que é uma qualidade que lhe permite fazer um tipo de juízo mais genuíno19. Stendhal aspira a conceber a experiência musical de forma subjectiva. Declara-se parcial porque, segundo ele, a imparcialidade nas artes é como a razão no amor: é para corações frios ou incompletamente enamorados20. Devido à sua fruição subjectiva, abre-se caminho para um gosto diferente, uma atitude estética diferente. Ele diz de Mozart que é como uma amante séria e triste e que se ama pela sua tristeza. Ele sente a música de Mozart melancólica e triste. Stendhal estabelece relações entre música e prazer, música e felicidade de sentir, música e gozo imediato. afirma que a boa música 18 Cf. Eurico Fubini, La Estética Musical desde la Antiguidad hasta el siglo xx, 1999, p. 286. 19 Cf. Eurico Fubini, La Estética Musical desde la Antiguidad hasta el siglo xx, 1999, p. 287. 20 Cf. Eurico Fubini, La Estética Musical desde la Antiguidad hasta el siglo xx, 1999, p. 288. 17 possui a capacidade de ir até ao fundo da alma em busca da dor que nos atormenta. 18 CONCLUSÃO O Iluminismo tinha aberto caminho para a esperança numa humanidade nova, liberta das trevas da superstição e da intolerância, regida pelas leis universais da razão e da igualdade. No início do século XIX, estas certezas começam a balançar. As luzes da razão combinam-se com as sombras da violência. A harmonia, a medida e o equilíbrio propostos pelo século anterior chocam com os excessos da Revolução Francesa. Há violência, guerras, miséria, algo que se encontra muito longe do mundo apresentado pelos filósofos. Desta semente nasce uma nova ordem, erguem-se princípios de liberdade por toda a Europa, brota o sentido da nação. As mudanças políticas e sociais não podiam ficar sem resposta no âmbito do pensamento e da arte. Assim, com um novo contexto de fundo, filósofos, literatos e poetas irão assentando as bases de uma forma diferente de pensar e de “estar no mundo”, o Romantismo. Agora a reflexão e a nova geração de autores, irá dar forma a uma nova concepção absolutamente original dos conceitos, tanto de obra de arte, como de criador. Do ponto de vista da criação artística, é o grande momento de escritores e poetas, cuja influência nas restantes artes será determinante. Do ponto de vista biográfico, surpreendem-nos as semelhanças entre as vidas dos artistas da época21 que quebram moldes e convenções, criando uma nova linguagem adaptada às suas necessidades. Durante o romantismo, floresce a crítica e a historiografia. Nunca como neste período se escreveu tanto sobre música. Todo o tipo de pessoas, com os mais diversos conhecimentos ou desconhecimentos, se achou nesse direito. Há na crítica romântica, uma predominância entusiasta que é 21 Salpicados pela loucura, pobreza, mortes precoces, etc. 19 acompanhada da vontade de definir aquela arte capaz de abrir as portas do desconhecido e espreitar para aquilo que esteve fechado ao homem. A crítica romântica formula os seus juízos baseando-se na impressão subjectiva. O valor desta subjectividade baseia-se numa concepção da música como expressão dos sentimentos, que valorizados nos guiam e abrem as portas do infinito onde podemos captar o próprio universo. A razão não consegue chegar até à obra de arte; somente o sentimento é criador e pode julgar e compreender a universalidade da obra de arte, neste caso: a música. Pode dizer-se que toda a arte é romântica. Ela difere da arte clássica pela maior ênfase que dá ao carácter de distância e de estranheza. O romantismo, neste sentido genérico, não é um fenómeno de uma época bem determinada, manifestou-se em diversos momentos e sob diversas formas. É possível detectar na história da música, e em todas as outras artes, uma alternância de classicismo e romantismo. Assim, o período barroco pode ser considerado romântico, por oposição ao renascimento, tal como o século XIX é romântico por oposição ao classicismo do século XVIII. Outra característica do romantismo é o seu pendor para o ilimitado, em dois sentidos diferentes, embora relacionados entre si. A arte romântica aspira a transcender uma época ou um momento determinado, a captar a eternidade, a recuar até aos confins do passado e a projectar-se no futuro, a abarcar o mundo inteiro e mesmo as vastas distâncias do cosmos. Por oposição aos ideais clássicos da ordem, do equilíbrio, do autodomínio e da perfeição dentro de limites bem definidos, o romantismo ama a liberdade, o movimento, a paixão e a busca do inatingível. Para tentar encontrar o seu propósito, a arte romântica é marcada por um período de carência, de procura de uma perfeição impossível. A impaciência romântica em relação aos limites dissolve todas as distinções. A personalidade do artista confunde-se com a obra de arte; a clareza 20 clássica é substituída por uma certa obscuridade e ambiguidade intencional, a afirmação clara pela sugestão, pela alusão ou pelo símbolo. As próprias artes tendem a confundir-se umas com as outras. Se a distância e o ilimitado são românticos, então a música é a mais romântica de todas as artes. O seu material: sons e ritmos sujeitos a uma determinada ordem, está quase completamente desligado do mundo concreto dos objectos, e esta característica confere, por si só, à música uma especial capacidade de evocar o fluxo das impressões, dos pensamentos e das emoções que é o domínio próprio da arte romântica. Só a música instrumental - música pura, livre do peso das palavras - pode atingir de forma perfeita este objectivo de comunicar emoções. A música instrumental é, por conseguinte, a arte romântica ideal. O seu alheamento do mundo, o seu mistério e o seu incomparável poder de sugestão, actuando directamente sobre o espírito, sem a mediação das palavras, fizeram dela a arte dominante, a mais representativa de todas as artes do século XIX. 21 BIBLIOGRAFIA AAVV, Util nº 1- Como Organizar, Porto, IPP, 1997. BENNETT, Roy, Uma Breve História da Música, Rio de Janeiro, Zahar, 4º ed., 1992. DAHLHAUS, Carl, Estética Músical, Edições 70, Lisboa, 2003. ECO, Umberto, Como se faz uma tese em Ciências Humanas, Lisboa, Presença , 1984 (tit. original Come si fa una tesi di laurea, Milano, 1977). FUBINI, Eurico, La Estética Musical desde la Antiguedad hasta el siglo XX, Madrid, Alianza Editorial, 1999. GROUT, Donald Jay,e PALISCA, Claude, História da Música Ocidental, Lisboa, Gradiva, 1997 ( tít. Original A History of Western Music, Inglaterra, 1988 ). KENNEDY, Michael, Dicionário Oxford de Música, Círculo de Leitores, 1994 (tít. Original The Oxford Dictionary of Music, Londres,1985 ). 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