E não foi?

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E não foi?
expediente
editoras
Adriana Brito [email protected]
Patrícia Favalle [email protected]
chefe de redação
Ariana Brink [email protected]
editor de estilo
Ray Mendel [email protected]
stylist
Cristiano Oiwane
editor de fotografia
Marcelo Guarnieri [email protected]
produtora
Helen Pessoa [email protected]
redação
Sergio Martins [email protected]
Alex Mendes [email protected]
Daniel Froes [email protected]
estagiária
Ana Luisa Linhares
designer visual
Robson Lopes [email protected]
ilustrador
Orpheu Maia
colaboradores
Aline Costa, Caio Zalc, Fernando Monteiro de Carvalho, Janete Tomiita, Joy Models, Julia Rodrigues, Leilah Antunes, Paula Queiroz, Sandi Dias, Sergio Caddah,
Thaynara Fernandes, Tita Berg
expediente
sans nom
lado a
o iluminado
lado b
doutor fantástico
ürbe
lolita
art
stanley kubrick
prato feito
barry lyndon
tour
de olhos bem abertos
laranja-lima
o cítrico deu lugar ao bicolor
odisseia concreta
e se fez a luz...
w w w . s t u d i ot o ro. com
laranjada
Ele era um tanto insano. Verdade. Stanley
Kubrick tinha o olhar estatelado, sempre
apontado para o sentido que quase ninguém
mais se atrevia a descortinar. Stanley é, talvez, a melhor tradução para a edição de número oito da Sans Nom – que se desenhou
a partir do seu gênio controverso – e que de
tão perfeccionista, quase não saiu. Tudo por
conta dos enredos a serem percorridos: deveríamos destrinchar parte da filmografia do
genial norte-americano, de suas lolitas maliciosas aos mocinhos indóceis e aos vilões
obscenos, sádicos e manipuladores. E lá fomos nós! Acendemos a chama da vela em
Barry Lyndon, iluminamos a face caricata de
Jack Nicholson, ouvimos o chamado de James
Earl e apagamos os pecados [do pastelão] De
Olhos bem Fechados. E ainda esprememos a
Laranja Mecânica numa releitura menos ácida se comparada àquela assinada pelo diretor do Bronx. Depois remexemos a programação de Hall, o computador do futuro que
deixou uma geração inteira aterrorizada, e
colocamos os pés num mundo de espigões e
histórias concretadas. Como bons enxadristas, norteados pelo escurinho dos clubes de
sacanagem, nos pusemos a descobrir mais
de Kubrick, ou melhor, de nós mesmos.
sans nom
lado a
Por Adriana Brito Fotos Divulçgação
Febre da
cabana
Com quase 60 anos, o sobrevivente de um episódio
dramático conta como viu sua história transformar-se num dos maiores símbolos do terror cinematográfico moderno
Conta o escritor norte-americano Stephen King que no final de setembro de 1974, ele e sua esposa
resolveram passar uma noite num hotel em Estes Park, Colorado. Seguindo a linha mestre do horror,
sonhou que seu filho de três anos corria de uma mangueira amaldiçoada pelos corredores vazios da
estalagem. “Levantei-me da cama, acendi um cigarro e sentei na cadeira do quarto para olhar da janela
as Montanhas Rochosas. Ao terminá-lo, já tinha os ossos de O Iluminado fixados em minha mente.”
Tempos depois, um documentário exibido numa emissora de TV inglesa, uma década após o cineasta
Stanley Kubrick ter adaptado a obra de King, revelou que a história dos Torrance havia sido baseada
num crime real, ocorrido no começo da década de 60. Não à toa, corremos para encontrar o verdadeiro Danny. O cenário escolhido para nossa conversa não poderia ter sido melhor: o Timberline Lodge,
edificado no interior da Floresta Nacional Mount Hood, no Oregon, a 1.817 metros de altitude, e que
teve sua fachada usada por Kubrick para dar vida ao temido Overlook Hotel. Bem-humorado, o quase
recluso Danny compartilhou fatos importantes do episódio. Acompanhe.
O senhor poderia contar como foram os últimos dias antes dos ataques? O casamento deles já estava em crise há muito tempo e as brigas ganharam novas proporções. Meu pai parecia outra pessoa,
se perdia numa espécie de transe, dormia muito e quase não falava com a gente. Então eu adoeci e
minha mãe disse que deveríamos ir embora para buscar ajuda médica. Acho que esse foi o estopim do
que se seguiu depois.
Acredita que tudo se deu pela chamada “febre da cabana”? Pesquisei essa síndrome por muito tempo e o que encontrei poderia ser resumido numa única palavra: folclore.
Sobre o livro que seu pai teria começado a escrever durante o primeiro mês de trabalho, você
pensou em publicá-lo? É difícil falar a esse respeito, já que muito foi relatado nos jornais, além do livro
do Sr. King, do filme rodado pelo Stanley e da série para a televisão. Acontece que ele já estava muito
doente na época, com os efeitos da abstinência alcoólica, como a irritabilidade, os lapsos de memória
e os delírios lhe tomando a mente. Quando conseguimos retomar esses manuscritos, minha mãe e eu,
depois do encerramento do processo, percebemos que havia pouco a se aproveitar.
É verdade que a frase “trabalho sem diversão faz de Jack um bobão” foi datilografada repetidamente em todas as páginas? [Danny olha para baixo e suspira] Meu pai alimentava o sonho de ser
um autor reconhecido, mas era excessivamente autocrítico e possuía restrições técnicas. Acredito que
a intenção de aceitar o cargo de zelador no hotel, de ausentar-se do resto do mundo por completo,
serviu como uma tentativa desesperada e derradeira de concretizar esse objetivo. Suponho, então,
que ao perceber que não conseguiria realizá-lo teve uma espécie de colapso e acabou se descolando
da realidade. Talvez se estivéssemos em outro ambiente, caso do nosso antigo apartamento, ele teria
agido de outra forma.
Como? Não sei, quem sabe voltasse a beber ou sumisse por uns tempos... Penso apenas que teria sido
diferente e que ele ainda estaria vivo.
Especialistas comentaram na época que os administradores do hotel poderiam ter detectado os
primeiros sinais de perturbação de seu pai... Não concordo. Ele não bebia há seis meses e trazia todos os traços de uma pessoa acima de suspeitas – ótima aparência, articulação e bons antecedentes.
Como veriam qualquer problema?
O que o senhor poderia comentar sobre o crime que envolveu o antigo zelador, suas duas filhas
e esposa? Acha que, de alguma maneira, o isolamento do lugar serviu de “gatilho” para tamanha violência? Não saberia dizer, pois não conhecemos aquela família e não tivemos acesso aos dados para
separar verdades e mentiras. E mesmo que soubéssemos de tudo, eu era pequeno demais para entender. Minha mãe chegou a perguntar ao delegado se a história era verídica e ele confirmou apenas parte
dela. É evidente que a sensação de estar num espaço onde esse tipo de coisa supostamente ocorrera
causa um impacto em quem quer que seja. Naquela circunstância, com a neve formando paredões de
dois metros de altura, tudo foi potencializado.
E o senhor? Como ficou depois da tragédia? A simples ideia de sair de perto da minha mãe me apavorava, não queria ir para a escola e tinha pesadelos. Durante o dia, ficava com a sensação de que meu
pai chegaria a qualquer momento e me alcançaria. Tinha contradições permanentes – queria tê-lo comigo e, ao mesmo tempo, não suportava falar sobre ele.
Há boatos de que acompanhou parte da filmagem de “O Iluminado”. Isso realmente aconteceu? Stanley era alguém muito persuasivo [risos]. Passou meses tentando nos convencer
a visitar os sets. Por fim, resolvi conhecê-lo pessoalmente e
acabei observando alguns trechos.
Quais deles? Os que foram gravados aqui, no Timberline, e na
Inglaterra, nos estúdios da Elstree.
O que achou da caracterização dos personagens? O Danny
[Llyod], que me interpretou, era uma criança adorável e bem-humorada. Já a Shelley [Duvall] e o senhor Nicholson [Jack
Nicholson], os atores que fizeram meus pais, eram absolutamente profissionais. Quando os vi pela primeira vez, já vestidos, levei um susto e tanto.
Reza a lenda que a cena em que Jack Torrance surge com o
rosto enfurecido no vão da porta foi repetida mais de 100
vezes. Essa o senhor também assistiu? Sim, e posso dizer
que me fez um bem danado. Quando ouvimos o último “corta” do Stanley experimentei uma sensação boa, de que talvez
aquele horror pelo qual eu passei fosse apenas uma obra de
ficção, uma peça desenhada pela minha imaginação... [Danny
interrompe a entrevista e sai por alguns instantes]. Voltando
a pergunta, não sei quantas vezes a cena teve que ser refeita,
mas foram muitas. Ele queria uma determinada expressão de
medo que a Shelley não conseguia mostrar nas primeiras tentativas. No final, até mesmo eu acreditei que a coisa toda se
deu daquele jeito.
E não foi? Não! [risos]. Acha mesmo que eu conseguia me
comunicar telepaticamente ou que via os fantasmas de duas
meninas mortas? O fato, aquele que inspirou tudo isso, mostra um homem, zelador de um hotel, que tentou matar a própria família e acabou assassinando um chef de cozinha.
Alguns tablóides chegaram a sugerir que tudo não passou
de um crime passional, movido por um possível affair entre sua mãe e o cuisinier. Como ela lidou com isso? Em síntese, somos pessoas comuns que ainda tentam seguir adiante,
mesmo depois do que aconteceu. E é claro que disso surgem
teorias incríveis. Ninguém soube responder – a polícia, os donos do hotel ou os familiares – porque ele estava lá justamente naquele momento. Talvez tenha percebido algo de errado
no comportamento do meu pai que não notamos ou quem
sabe voltou para nos fazer companhia... Houve quem afirmasse que meu pai morreu tentando nos defender do ataque de
um intruso. Impossível que aquele homem, já idoso e com
gota, pudesse nos ferir, não é? O que ele acabou fazendo foi
nos ajudar ao deixar um snowmobile [carro para neve] estacionado na porta de entrada, possibilitando a nossa fuga.
Quanto à minha mãe, ela se casou de novo, teve outros dois
filhos e não fala mais desse assunto. Para mim, hoje, isso não
passa de uma lembrança. Péssima, mas só uma lembrança.
Veja mais:
www.elstreestudios.co.uk; www.timberlinelodge.com e www.
stephenking.com
lado b
Por Patrícia Favalle Fotos Divulgação
A voz do rei
Ator e dublador dos mais versáteis, James Earl Jones pisou
no red carpet por obra do superdiretor Stanley Kubrick
Como tudo na vida de Stanley Kubrick, o filme Dr. Strangelove (traduzido para o português como Doutor Fantástico) abriu um novo
diálogo para o entendimento da sétima arte. O longa adentrou os
contornos do humor negro, com fortes pitadas de sadismo temperado pela tensão nuclear, e estreou nas telonas em 1964, trazendo
no elenco o jovem promissor James Earl Jones.
No enredo, Earl – dono de uma das vozes mais emblemáticas do
cine –, dá vida ao tenente Lothar Zogg, que pilota o bombardeiro
B-52 e tenta cumprir a missão de atacar a União Soviética sob o
comando do patriota general Buck Turgidson (papel de George C.
Scott). Foi a partir de então que a carreira do ator, nascido em 1931,
no Mississipi, despontou para o mundo.
Mas antes de alcançar o sucesso, o intérprete de personagens antológicos teve que superar alguns traumas de infância. Filho de pais
separados, ele acabou criado pelos avós numa fazenda da zona rural
de Michigan. A época de adaptação rendeu, além da gagueira, a timidez. Na escola, o garotinho se fingia de mudo e só se comunicava
por escrito. Foi nesse período que ele se arriscou a escrever poesias
– e logo foi encorajado a recitá-las em público.
Com o vozeirão afinado e uma legião de seguidores, James conquistou uma bolsa para estudar na Universidade de Michigan. Da
medicina para os palcos, a decisão foi um tanto complicada, até porque existiam poucos personagens destinados aos negros. Depois do
assunto resolvido, ele partiu para Nova York, onde conseguiu vaga
numa academia de teatro.
A avant-première veio em 1961, com o drama The Blacks, de Jean
Genet, que arrebatou o público e a crítica de imediato. Na sequência, mais de 50 arrasa-quarteirões somaram-se ao portfólio do astro,
que ainda pode se gabar de ter eternizado Darth Vader e o Rei Mufasa, de O Rei Leão.
ürbe
Por Daniel Froes Fotos Divulgação
Menina veneno
Se a coragem deve ser inflamada por fagulhas de insanidade,
Stanley Kubrick fez-se intrépido ao exibir nas telas do cinema
um problema para o qual ainda costumamos fechar os olhos
O ano era 1962 quando Stanley Kubrick lançou o filme Lolita – adaptação do romance homônimo
escrito sete anos antes pelo russo Vladimir Nabokov. Stanley dizia adorar converter livros medíocres
em longas-metragens, pois esses costumavam render ótimas histórias. A designação da obra como
medíocre soa até injusta, contudo, não se sabe se pela controvérsia do tema para a época ou se pelas
mudanças feitas no original, o material resultou num dos trabalhos de menor prestígio do diretor.
A película narra a história do professor de meia-idade, Humbert Humbert, interpretado por James
Mason, que se apaixona pela ninfeta-título, vivida pela atriz Sue Lyon, uma garota de apenas 12 anos.
Eis aí a controvérsia. As páginas do romance de Nabokov descrevem as memórias de um pedófilo,
anotadas por ele na cadeia onde cumpre pena pelo assassinato de outro pedófilo, não como parafilia,
perversão ou o que se denomina hoje de transtorno de sexualidade; mas de um ponto de vista particular, fantasioso, em que tudo se encaixa: o desejo que sente pela enteada e a reciprocidade dela por
esse sentimento.
Obscuridades
Entretanto, se na década de 1960 esse drama gerou tanto desconforto, o que dizer do turismo sexual
praticado nos estados da região nordeste do país? Abandonadas pelo poder público, meninas de 12, 13
e 14 anos são corrompidas por estrangeiros que chegam determinados a realizar um cardápio inteiro
de fantasias eróticas. E é inegável o fato de que a propaganda arquitetada por algumas das agências de
viagem que têm o Brasil como rota enfatiza um tipo de sensualidade destorcida do corpo da mulher.
Garotas que mal deixaram a infância são forçadas, frequentemente, pelos próprios pais (quando não
são vendidas a homens que enxergam nelas uma fonte de dinheiro) a prostituir-se em troca de alguns
míseros reais para ajudar no sustento da família – que por sua vez é incapaz de sobreviver com os
programas assistencialistas do Governo Federal. Assim, as Lolitas de hoje, que surgem nas zonas de
conflito mundo afora, multiplicam-se no anonimato do tráfico humano e são reveladas, aqui e ali da
odisseia de Geni às taras dos Cadelões rodriguianos, resistem como podem. Se é que podem.
art
Por Paula Queiroz Fotos Divulgação
Medo e Desejo
Ovelha negra da família, péssimo aluno na escola e perfeccionista a ponto de
arrumar inimigos no trabalho, Stanley
Kubrick virou uma lenda
Mesmo sendo um péssimo aluno na escola e não entregando as lições de casa, Stanley ainda contava
com o apoio do pai, Leonard Kubrick, que apostava todas as suas fichas na mente criativa do garoto.
Ovelha negra do clã, ele terminou o colégio em 1945, mas a combinação de notas baixas com a demanda de admissões nas faculdades pelos soldados que retornavam da Segunda Guerra Mundial, eliminou
qualquer possibilidade de cursar o ensino superior.
Ainda assim, a adoração do pai era tanta, que a casa onde moravam no Bronx, em Nova York, foi penhorada e junto com um dinheiro emprestado pelo tio farmacêutico de Los Angeles, o jovem de 25
anos conseguiu gravar o seu primeiro longa-metragem. Fear and Desire foi escrito por um amigo,
Howard Sackler, e no staff, apenas ele e sua esposa Toba Metz, que ele conheceu quando fazia frilas
como fotógrafo para a revista americana Look. O filme sobre um grupo de soldados encurralados numa
guerra fictícia garantiu opiniões respeitáveis dos críticos, mas foi um fracasso de bilheteria. Detalhista
e extremamente perfeccionista, Stanley considerou o trabalho amador e moveu seus pauzinhos para
tirá-lo de circulação o mais rápido possível.
Treze indicações para o Oscar depois, tendo vencido uma delas, a de Melhores Efeitos Especiais, por
2001 – Uma Odisseia no Espaço, em 1968, duas recomendações para o Globo de Ouro e o prêmio do
Leão de Ouro em Veneza, por sua contribuição ao cinema, Kubrick é considerado um dos maiores profissionais que já ingressaram nos recônditos da sétima arte.
O reconhecimento chegou pra valer com Spartacus, estrelado por Kirk Douglas, em 1960. As diferenças
criativas entre os dois renderam um relacionamento tempestuoso a ponto de Kubrick renegar o filme.
Tempos mais tarde, Kirk se referiu ao cineasta como “uma merda talentosa”.
A adaptação do clássico da literatura Lolita, em 1962, marcou a ida do diretor para a Inglaterra, onde
viveria até o fim da vida. Há quem diga que esse filme é o ponto de virada da linha de cinema naturalista para o surrealismo dos próximos enredos. Em 1964, Dr. Strangelove or: How I Learned to Stop
Worrying and Love the Bomb, película recheada de humor-negro que fala sobre a ameaça nuclear, lhe
deu a primeira menção à Academia de Hollywood como diretor.
Quatro anos depois, Kubrick lançou o filme que iria mudar para sempre o rumo da ficção científica nas
telonas (e no imaginário popular). 2001 – A Space Odyssey, que custou 10 milhões de dólares, apresentou efeitos que foram responsáveis por um sucesso arrebatador de público. O cineasta Steven Spielberg o chamou de “Big Bang” da sua geração. Até que em 1971, focado na violência humana, Kubrick
fez a adaptação do livro A Clockwork Orange, pelo qual foi acusado de incitar a barbárie. Rodado de
forma rápida e barata, quase que inteiramente em locações londrinas, o script gerou um debate feroz
na mídia sobre os efeitos sociais da ferocidade cinematográfica. O cineasta recebeu ameaças de morte
e após um grupo inglês ter cometido os mesmos crimes vestindo roupas idênticas a dos personagens,
a película saiu de circulação na Grã-Bretanha, e só foi relançada um ano depois da morte de Kubrick.
Já o filme que o cineasta Martin Scorsese considera o melhor da carreira de Stanley foi feito em 1975,
intitulado de Barry Lyndon; um romance pitoresco capturado por lentes desenvolvidas pela NASA. De
novo um sucesso mundial, agora com o terror The Shining, de 1980, com atuação majestosa de Jack
Nicholson. No final da década de 80, mais uma ênfase à guerra com Full Metal Jacket. Kubrick faleceu
dormindo aos 70 anos e não chegou a ver a repercussão de sua última criação, Eyes Wide Shut, com
Tom Cruise e Nicole Kidman interpretando um casal em crise, lançado em 1999.
O cineasta aficionado por jogo de xadrez – amado por milhares e odiado por outros tantos – procurou
inserir em cada uma de suas histórias pelo menos uma cena gravada num banheiro, detalhe curioso
que ajudou a alavancar a sua fama de ser portador de autismo. Lenda ou não, até o lugar do seu sepulcro já havia sido demarcado pelo próprio: idealizado sob a copa de sua árvore favorita, nos jardins da
mansão Childwickbury Manor, em Hertfordshire, leste da Inglaterra.
prato feito
Por Caio Zalc Fotos Divulgação
Bury Barry
Lyndon
Uma viagem pelo universo do filme do
mesmo diretor de Laranja Mecânica
Barry era bonito, corajoso, herói e emigrante. O menino sem antecedentes nobres caiu de amores pela prima, que apesar de bonita, não permitia que ingenuidade fizesse parte do seu vocabulário.
Reciprocamente, esbanjou seu charme ao familiar deslumbrado,
mas abocanhou o primeiro ricaço inglês que apareceu pelas bandas
daquele vilarejo irlandês. Desolado, o coitado fez as vezes de artilheiro, tentando atingir o novo pretendente da moçoila: e o acertou em cheio. Pena que foi enganado pelos próprios Barrys, aqueles que o entregaram uma arma munida de borracha inofensiva,
na tentativa de não perder a quantia mensal que receberiam pelo
casamento da menina com o aristocrata. Conclusão: Barry, enganado, acreditou que a cavalaria inglesa estava a sua procura para
matá-lo; e lá se foi o rapaz, fugitivo cego.
Entre altos e baixos, um assalto inicial se tomou o seu único meio de
locomoção e a filiação ao exército britânico e depois às trincheiras
prussianas o seu meio de vida; Barry então se apaixonou frugalmente pela linda senhora Lyndon. A ilustre era casada com um senhor
que não tardou a bater as botas. Finalmente, ele se tornou Lyndon.
Muito bonito... Entretanto, a obra está mais atrelada aos bastidores
do que ao enredo genioso de Stanley Kubrick, cuja ideia de retratar
a realidade fielmente foi definida sob a pecha da luz natural – ou
das velas acesas. E eis que uma nova estética tomou o cinema.
O efeito escaldante resultou num longa sem nenhum lampejo
romântico, ao contrário, o jantar com o padrinho e os jogos de
baralho iluminados pelas chamas do fogo, deixaram evidente a
batalha mortal. Já o sentimentalismo exacerbado aparece no tempo
da narrativa.
A longevidade da sétima arte e os respiros que torturam os espectadores, sem dúvida, duelam com um final feliz, que para as mentes
mais açucaradas, vale a dica de assistir a Bela Adormecida e deixar
o filme de Kubrick para sempre trancafiado numa gaveta qualquer.
E se a máscara já estava erguida, por onde estava a contramáscara?
O protagonista provou-se um boêmio, anti-herói e charlatão. Quase um Macunaíma com pinta de Don Juan, que virou o garanhão
da região, enquanto senhora Lyndon, devota e querida pelos que
a conheciam, paria seu primeiro e único filho. De quebra, fincou
o posto de novo rico idiota, gastando toda a fortuna da mulher e
espantando os velhos amigos.
Por outro lado, não há quem possa dizer que ele não era um bom
pai, mas existem aspectos que fogem de nossos controles e por
infortúnios da vida, seu filho sofreu um acidente de cavalo e não
resistiu. Barry nem mais bonito era, bravura já não estava em seu
suor; mas a emigração continuou em sua postura.
moda
Insanos druguis
Fotos Sergio Caddah
Editor de Estilo Ray Mendel e Cristiano Oiwane
Na mente amalucada de Stanley Kubrick até o crime virou poesia.
Subversivo até o tutano, o endiabrado diretor espremeu a laranja e
transformou o bagaço renegado em insight cotidiano. Passional e
quase nonsense, a moda buscou inspiração no closet de Alexander
DeLarge, o líder dos druguis, para apimentar o verão!
Modelo: Thayanara Fernandes
moda
Imorais
Fotos M
arcelo
G
Editor
de Estil uarnieri
o Ray M
ende
l e Cris
tiano O
iwane
O supercomputador de Odisseia no
Espaço saiu de circulação vencido
pelos tablets e outros gadgets fantásticos. Mas para quem achou que
a inteligência artificial não passava
de enredo de ficção científica de um
futuro distante, eis a prova definitiva:
nossa heroína de megabytes e cyberconexões tem mais carne do que fios
sobrando – e não estraga na chuva!
Esse é o presente de Kubrick, numa
versão agatiada e despudorada.
Modelo: Janete Tomiita
tour
Por Alex Mendes Fotos Divulgação
De olhos bem abertos
A prática do swing é o novo divã dos casais modernos no mundo inteiro.
Conversamos com um deles, aqui mesmo nos trópicos, e descobrimos que
essa modalidade de discutir a relação é de fazer corar o velho papai-mamãe
Não é crime e nem pecado, tampouco traição. A prática do swing, que equivale
ao troca-troca na tradução popular, vem ganhando cada vez mais adeptos pelo
país a fora. A conclusão é de uma pesquisa realizada pelo Instituto de Psicologia
da Universidade Federal do Rio de Janeiro, que comprovou que a maioria dos
casais adeptos da onda tem menos de 30 anos e possui nível superior completo. Encostamos – e encoxamos –, um destes amantes na parede, e descobrimos
que, aquilo que para alguns é mera fantasia e desejo reprimido, para eles é pura
trivialidade, livre de qualquer pudor ou julgamento.
Descortinando o tédio
Eles são jovens, bonitos e apaixonados. Casados há nove anos e sem filhos,
Luiz e Marília, 29 e 27 anos respectivamente, são vegetarianos, não fumantes
e só bebem socialmente. Não costumam sair muito, pois preferem receber os
amigos em casa. Por sinal, é lá, num espaçoso apartamento em Higienópolis,
em São Paulo, que é realizado uma vez por mês, o que eles chamam de “balada
liberal”. Como tudo começou? Eles nos contam agora!
Sans Nom De qual dos dois partiu a iniciativa de abrir a relação?
Luiz Na verdade aconteceu sem querer. Como costumamos receber alguns amigos em casa, em um desses encontros acabou rolando. Foi natural, mas ao mesmo tempo, intimamente, já tínhamos esse desejo de ficar com outras pessoas.
Marília Todo mundo tem, né? A gente já tinha comentado sobre a beleza de
uma de nossas amigas e ficou no ar o desejo mútuo. Convidamo-la e o marido
para um jantar aqui em casa e, conversa vai, conversa vem, e acabamos ficando
os quatro.
S/N Rolou uma “DR” entre os casais depois, tipo ressaca moral?
M Entre nós quatro não, só entre mim e o Luiz. E chegamos a conclusão que
esse modelo de casamento monogâmico imposto pela sociedade se já não está
ultrapassado, pelo menos pra gente já não é sinônimo de felicidade. Não temos
mais culpa católica, entende?
S/N E o que mudou na relação de vocês depois disso?
L O que mudou é que confiamos muito mais um no outro agora. Não existe desconfiança, ciúmes exagerados. Somos parceiros em tudo. Não tem espaço para
a hipocrisia ou para desejos velados no nosso casamento.
M É importante deixar isso bem claro, que a nossa relação não se resume a isso,
ao sexo. Apenas fazemos um na frente do outro o que muitos casais fazem escondido por aí.
L E não é porque praticamos o swing que somos pervertidos e loucos por sexo,
como muita gente pensa. Preservamos muito o nosso casamento, e talvez seja
até por isso que decidimos abrir a relação.
S/N Mas abrir a relação não é um risco? Vai que um de vocês se apaixona
por um terceiro...
L Não existe esse perigo porque o envolvimento é apenas carnal, é só sexo.
Quando a coisa ameaça a ficar mais séria, a sair do quadrado da cama, deixamos
claro o nosso real interesse para o outro casal.
M Mas acho que isso nunca aconteceu de verdade. Até porque saímos sempre
como os mesmos casais, que também se amam e preservam a relação que tem.
Existe mito e preconceito em torno disso. Não é essa putaria que as pessoas
pensam.
S/N Vocês já frequentaram casas de swing?
M Fomos uma vez, mas não curtimos. O ambiente é legal, mas a nossa vibe é
um lance mais intimista. Preferimos transar na nossa casa ou na casa dos nossos
amigos. Fazemos jantarzinho, ouvimos música... Na verdade, lá no fundo, somos
bem caretas. (risos)
S/N
sans nom
Novembro 2011
Insanos &
imorais

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