Faz o que eu faço… Uma reflexão crítica sobre a influência da

Transcrição

Faz o que eu faço… Uma reflexão crítica sobre a influência da
Faz o que eu faço…
Uma reflexão crítica sobre a influência da televisão no
comportamento das crianças
A televisão e os restantes media representam um poderoso meio de aprendizagem
social (aprendizagem de comportamentos através da observação do comportamento dos
outros), onde diariamente somos expostos a uma quantidade massiva de comportamentos
emitidos pelos demais. Uma dessas formas de exposição é através dos desenhos animados
que, à semelhança de outros géneros televisivos e cinematográficos, têm sofrido uma
evolução, não só no aspecto visual mas, principalmente, a nível do conteúdo e da
abordagem. Partindo do pressuposto que o conteúdo dos desenhos animados actuais
estará mais violento e impiedoso do que o dos velhinhos desenhos animados (como um
Dragonball está para um Heidi e Marco) e que aprendemos observando o comportamento
dos outros, seria tendencioso inferir que os desenhos animados mais violentos
contribuem para que as crianças emitam comportamentos mais agressivos e desajustados.
Porém, esta visão de causa-efeito seria muito determinista e reducionista deste processo
de aprendizagem por observação. Ou seja, não somos meros contentores ou barricas
receptoras de qualquer informação que chega até nós, nem robots de último grito capazes
de imitar qualquer comportamento observado.
De facto, o processo de aprendizagem por observação não é um processo
automático, pelo que não basta a simples exposição de um sujeito a um modelo para que
o comportamento ou a regra sejam aprendidos.
Para percebermos este ponto de vista, podemos pensar nas características do
modelo observado. Por exemplo, se uma criança não se identifica com o modelo que está
a observar, mais dificilmente reproduzirá o comportamento que o caracteriza, pelo que
uma criança que simpatiza mais com o modelo do Homem-Aranha (herói) do que o
modelo do Octapus (vilão) tenderá a estar mais atenta ao comportamento do primeiro.
Também as características da criança e do seu meio merecem importantes considerações.
O seu estado emocional e afetivo também influenciam o processo de aprendizagem
social, de modo a que uma criança que esteja triste ou deprimida tende a reter mais
facilmente informação negativa.
O meio e as pessoas significativas que dele fazem parte também desempenham
um papel primordial neste tipo de aprendizagem. Por exemplo, se uma criança apresenta
uma história de reforços positivos (elogios) e incentivos por exibir comportamentos
agressivos mais facilmente direcciona a sua atenção para estímulos semelhantes. Ao
contrário, se o comportamento aprendido é habitualmente seguido de uma punição a
probabilidade da sua reprodução motora encontra-se bastante limitada. Doutra forma,
será excessivo e precipitado atribuir a determinados desenhos animados o papel de “bode
expiatório” pela emissão de comportamentos agressivos e desadequados quando o
ambiente familiar da criança contribui para esses mesmos comportamentos. E esse
contributo pode ser levado a cabo por diversas formas, seja pelo reforço positivo dos
mesmos (“Ai vingaste-te do Joãozinho por ele te ter tirado a bola e deste-lhe um valente
pontapé?! Muito bem, assim é que é! Toma lá um gelado por te teres mostrado tão forte
como o Super-Homem!”); pela observação directa desses comportamentos nos outros
mais próximos ou mesmo pelo modo como a sua família privilegia e valoriza a resolução
de conflitos (através do assertividade e do diálogo versus através da agressividade e
retaliação).
Assim, chamo a atenção para olharmos criticamente para a ideia tão difundida na
nossa sociedade de que “a culpa é dos desenhos animados”, “é do que se vê na televisão”.
De facto, quando constatamos que uma criança que manifesta comportamentos
agressivos despende significativamente do seu tempo a assistir animação e outra
programação de conteúdo mais violento, devemos também observar e questionarmo-nos:
quais as características pessoais e personalísticas da própria criança?, quais as
características do seu meio e ambiente familiar? é negligente e permissivo? reforça os
seus comportamentos agressivos e contribui para a sua manutenção?. Sem querer ignorar
o efeito dos desenhos animados no comportamento das crianças, o mais importante será
compreender que este efeito não ocorre isolado de todo um sistema familiar e ambiental,
sendo este um factor entre muitos mais que, no seu conjunto, explicarão determinado
comportamento.
Antes de qualquer Homem-Aranha, Zorro ou Samurai X, os pais e as
pessoas mais próximas da criança devem estar cientes que são eles os seus modelos
mais significativos e, como tal, os que mais influenciam o comportamento da
criança.
Dr.ª Diana Figueiredo
Psicóloga Clínica