Número 5, Janeiro 2014 - State Building and Fragility Monitor
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Número 5, Janeiro 2014 - State Building and Fragility Monitor
“China, Coreia e Japão – A instabilidade no Extremo Oriente ” por Luís Rodrigues “A securitização dos Estados falhados: a narrativa da União Europeia no alinhamento internacional” por Ana Paula Brandão Informédia - Tailândia Para além dos acontecimentos mais recentes na área do State Building and Fragility! Newsletter nº 5 - Janeiro de 2014 Índice A Equipa Director Editorial Editorial III Cronologia Fotográfica IV Nuno Canas Mendes Director Executivo Nuno Ferreira “China, Coreia e Japão – A instabilidade no Extremo Oriente” (Luís Rodrigues) VI Edição e Revisão Sandra Coelho “A securitização dos Estados falhados: a narrativa da União Europeia no alinhamento internacional” (Ana Paula Brandão) Informédia - Tailândia X Colaborador João Terrenas XV Colaborador Luís Rodrigues II Índice & Equipa Editorial N este primeiro número de 2014, o State Building Monitor dá destaque, na Cronologia Fotográfica, aos acontecimentos mais relevantes do mês de Janeiro nos cinco continentes do mundo (em boa verdade, nos quatro, visto que ninguém dá atenção ao que se passa na Oceânia… e a este propósito, em breve vamos dar atenção a este continente e ao espaço do Pacífico Sul numa das nossas próximas edições). Nos artigos de fundo, o primeiro, de Luís Rodrigues, reflecte sobre as tensões securitárias entre a China, o Japão e a Coreia do Sul, com especial enfoque na disputa pelas ilhas Senkaku/Diaoyu e na expansão militar chinesa. O segundo, da Prof. Ana Paula Brandão, da Universidade do Minho, a quem agradecemos a colaboração, sobre a narrativa da União Europeia em torno da securitização dos Estados falhados. A encerrar, a Informédia seleccionou três comentários especializados sobre a crise na Tailândia. Por último, chamo a atenção para o reforço da nossa equipa redactorial com a entrada do João Terrenas e do Luís Rodrigues, cujos talentos na investigação vão poder aqui revelar-se. Nuno Canas Mendes III Editorial Cronologia Fotográfica O novo ano arrancou com dois acontecimentos importantes para a União Europeia. A 1 de Janeiro, a Letónia entrou oficialmente na zona euro. As insti- tuições europeias consideraram que a adesão foi um sucesso, porém as sondagens parecem dizer o contrário, afirmando que cerca de 60% dos letões desaprovam a adesão. No mesmo dia, a Grécia assumiu, pela quinta vez, a presidência do Conselho da União Europeia. O país intervencionado, considerado um dos mais instáveis da UE e que está mergulhado numa grave crise, irá ocupar o lugar até Julho. Atenas promete levar a cabo uma presidência económica, simples e inovadora. A 11 de Janeiro, morreu o antigo primeiro-ministro de Israel, Ariel Sharon. Amado por uns e odiado por outros, Sharon foi, até 2004, considerado um tirano sanguinário, fruto da perseguição violenta que conduzia contra os palestinianos. Contudo, nesse ano, inverteu a sua política e anunciou a desocupação dos territórios da Palestina, chegando mesmo a defender o direito dos palestinianos à autodeterminação. Na República Centro-Africana (RCA), após a demissão do presidente Michel Djotodia, o Conselho Nacional de Transição nomeou Catherine Samba-Panza para presidente interina. Esta eleição, que marca a estreia de uma mulher neste cargo, parece trazer uma nova esperança ao País, prometendo uma mudança de política. Veremos como Panza irá gerir o conflito da RCA. Ainda no continente africano, o presidente da Nigéria, IV Cronologia Fotográfica Goodluck Jonathan, aprovou uma lei que ilegaliza a homossexualidade. Centenas de indivíduos já foram presos, e poderão vir a cumprir 14 anos de prisão. A ONU e a Amnistia Internacional, já reagiram, afirmando que esta lei se trata de uma clara violação dos direito humanos. A questão da espionagem norte-americana foi dos temas mais debatidos do ano passado, e a entrada em 2014 não deixou arrefecer a questão. Devido à polémica que o tema tem gerado, Barack Obama veio garantir que não deixará o incidente das escutas afectar as relações entre os EUA e a Alemanha, declarando que deu ordens à NSA para não espiar os líderes dos países aliados. A propósito de relações fragmentadas, Nicolas Maduro, presidente da Venezuela, afirmou que está disponível para dialogar com os EUA, a fim de construir uma ligação positiva entre os dois países. Porém, Maduro refere que embora esteja disposto a reconstruir as relações com Washington, não aceitará quaisquer ingerências norte-americanas. O Egipto foi a votos este mês para aprovar o novo projecto constitucional proposto pelo governo militar de transição. Embora o novo texto tenha sido aprovado com 98% dos votos, o País parece estar longe de alcançar estabilidade política e paz. Exemplo disso foi a fraca participação no referendo sobre a constituição, que não alcançou a meta dos 40%. O caso egípcio contrasta com a situação tunisina, que também aprovou um novo texto constitucional, onde se consolidou o espírito democrático e o consenso alargado entre as partes. Por fim, o último fim-de-semana do mês foi marcante para o conflito sírio: pela primeira vez, o governo da Síria e a oposição irão encontrar-se frente-afrente para negociações de paz, em Genebra. Veremos o desfecho deste encontro, que ainda perdurará mais alguns dias. Fontes das Imagens: Imagem número 1- http://www.numismatica-visual.es/wp-content/uploads/2013/08/2-euroletonia.jpg Imagem número 2- http://cdn1.spiegel.de/images/image-68610-panoV9free-abcd.jpg Imagem número 3- http://www.mycybernews.com/wp-content/uploads/2014/01/320.jpg Imagem número 4- http://media.kansascity.com/smedia/2014/01/21/22/50/17l4J.St.81.jpeg Imagem número 5- http://cdn.mg.co.za/crop/content/images/2013/12/20/rtx10gsn.jpg/676x380/ Imagem número 6- http://c9.nrostatic.com/sites/default/files/uploaded/pic_giant_111113_SM_TheSecret-Obama.jpg Imagem número 7- http://www.globalpost.com/sites/default/files/imagecache/gp3_full_article/ nicolas_maduro_hugo_chavez_successor_venezuela.jpg Imagem número 8- http://pstu.org.br/sites/default/files/imagens/%7BE2ECDF4B-A00D-4638A4A4-C4F3D6C153E0%7D_egito.bmp Imagem número 9- http://imagens0.publico.pt/imagens.aspx/822230?tp=UH&db=IMAGENS&w=749 V Cronologia Fotográfica China, Coreia e Japão – A instabilidade no Extremo Oriente por Luís Rodrigues, Estagiário no State Building and Fragility Monitor O Oriente, misterioso nas gentes e nos costumes, assume cada vez mais o seu papel no panorama mundial, e surge novamente em evidência com o “milagre económico” chinês que tem marcado a última década. Este “milagre” deve-se à edificação de esforços, conduzida por Deng Xiaoping através da famosa máxima que hoje define a China: “Um país, dois sistemas”. As primeiras chamas da Guerra Fria acabariam por dividir uma península, outrora unificada. A ideologia e as alianças acabariam por levar a patamares muito distintos os dois países em que a Coreia se dividiu: de um lado, um decrépito e falido regime com laivos estalinistas – a Coreia do Norte; de outro lado, uma das nações mais prósperas do mundo, pertencente ao G-20 e identificada como um dos “Tigres Asiáticos” – a Co- reia do Sul. Mesmo antes da grande abertura chinesa para o mundo, outro país tinha-se reerguido triunfante dos escombros da guerra, reclamando eventualmente o 2º lugar na economia mundial - o Japão. Ao país do sol nascente, a devastação da guerra e o terror nuclear deram origem a uma nova era de prosperidade nunca vista pelos nipónicos. A história recente tem sido assinalada por incidentes que agitam as memórias, um pouco por todos estes países. Ainda que qualquer um destes países tenha relações comerciais extensivas entre si, estas parecem perder toda a relevância quando as velhas feridas de guerra são abertas por episódios que reavivam um espírito colectivo, alimentado por disputas que teimam em não terminar. O desenvolvimento prodigioso da sua economia parece não ser acompanhado por melhorias em relações entre estes Estados, minadas por rivalidades e ódios, antigos e recentes. O Japão acaba por estar no centro da desconfiança, tanto da China como da Coreia do Sul. A História afigura-se como a melhor explicação para o sucedido. A antipatia sino-japonesa já é longa, e a mais recente e mais profunda ferida está enraizada na ocupação japonesa de grande parte da China durante a Segunda Guerra Mundial. Assegurada não raras vezes de forma brutal, foi algo que deixou profundas cicatrizes na memória colectiva dos chineses. No final da Segunda Guerra, um grupo de ilhas, chamadas Senkaku em japonês e Diaoyu em chinês, controladas pelo Japão desde 1895, foi colocada sob administração VI Artigo 1 - A instabilidade no Extremo Oriente norte-americana. No ano de 1972, a administração norte-americana cessou, tendo o Ja- pão assumido o cargo das ilhas. Este incidente foi algo que provocou descontentamento na China, que no mesmo ano reclamou a posse das ilhas por si chamadas Diaoyu. Anteriormente as ilhas pertenciam a um empresário japonês, Koga Tatshushiro, cujo filho, Zenji Koga, acabaria por vender à família Kurihara. Volvidos 30 anos, a 11 de Setembro de 2012, o governo japonês comprou o pequeno grupo de ilhas, efectivamente nacionalizando-as. Pequim reagiu energeticamente através do seu ministro dos Negócios Estrangeiros, clamando que “a China não irá deixar a sua soberania territorial ser violada”. 1 2 No dia 23 de Novembro de 2013, a China estabeleceu uma “Air Defence Identification Zone” que incluiu as ilhas, e requeria que a força aérea entrasse na zona e submetesse informação via rádio, deste modo reafirmando a sua soberania sobre as ilhas.3 Porém, a ADIZ chinesa também incluiu um rochedo reclamado pela Coreia do Sul, levando à preocupação do Japão e dos seus aliados de longa data, Estados Unidos da América, que acabaria por enviar aviões B52 não armados para atravessar a ADIZ, sem cumprir com os requisitos chineses. O secretário de Defesa dos Estados Unidos, Chuck Hagel, referiu a obrigação assumida em tratado de proteger o Japão em caso de ataque, e o embaixador americano no Japão referiu a que a ADIZ chinesa serve apenas para “aumentar tensões na região”.4 Torna-se incerto se a China antecipou a acção norte-americana, ou mesmo se pretendeu que tal sucedesse, mas recuar na sua intenção seria um golpe fatal para as suas aspirações em relação à soberania sobre as ilhas. Outro factor delicado é a antipatia generalizada a que o Japão é sujeito em território chinês, qualquer demonstração de fraqueza seria recebida com enorme hostilidade pela população. Do mesmo modo, o Japão não pode ceder, a soberania sobre as ilhas é uma questão de orgulho nacional. O peso dos nacionalistas no Japão poderia fazer cair qualquer governo que cedesse a pressões chinesas. No meio de toda a tensão, no dia 26 de Dezembro de 2013, o primeiro-ministro japonês, Shinzo Abe, visitou o santuário Yasukuni onde estão consagrados variados criminosos de guerra japoneses, uma acção que inflamou a opinião pública sul-coreana e chinesa, e obteve reacções a nível político. Apesar de Abe se ter oferecido para um encontro com os líderes chineses e sul coreanos, nada disto conseguiu atenuar os efeitos da sua visita ao santuário, demonstrando que as feridas de guerra estão, ainda hoje, bem presentes nas relações no extremo oriente.5 6 A disputa de território não se cinge à China e ao Japão, a Coreia do Sul reclama as ilhas Dokdo (em coreano), que os japoneses chamam de Takeshima. Estas ilhas são controladas pela Coreia do Sul, mas reclamadas pelo Japão. VII Artigo 1 - A instabilidade no Extremo Oriente Para piorar a já de si tensa situação, os tribunais sul-coreanos iniciaram um pro- cesso de contestação face aos acordos conseguidos em 1965, relativos a compensações concedidas a coreanos submetidos a trabalho escravo durante a ocupação japonesa, bem como, a mulheres “de conforto” para os soldados nipónicos. À data, apenas parte da compensação atribuída atingiu as vítimas, tendo a maioria sido desviada pelo governo militarista sul-coreano para financiar infra-estruturas.7 A acção da China torna-se cada vez mais expressiva, tem igualmente disputas com as Filipinas, Vietname e Indonésia sobre ilhas situadas no Mar do Sul da China, elevando a sua agressividade para outro nível ao construir estruturas permanentes em algumas dessas ilhas. Em Dezembro de 2013, retirou-se de uma tentativa de resolução da questão territorial da ONU, relativo ao caso com as Filipinas, tornando-se o primeiro caso em que um Estado-membro tomou uma medida deste calibre. Destaque-se ainda que a China é um membro permanente do Conselho de Segurança da ONU.8 O investimento militar chinês alertou a região. Embora a China defenda que os fins do seu armamento são pacíficos, a eclosão de um conflito com os EUA (que detêm diversos tratados de defesa na região), por mais pequeno que seja, poderia levar ao ris- co de um confronto militar entre os dois países. No dia 5 de Dezembro uma embarcação norte-americana, USS Cowpens, quase embateu no Liaoning chinês, mostrando que um acidente ou um cálculo falhado poderá precipitar um conflito.9 Se as tensões que actualmente ocorrem no Extremo Oriente se passassem na Europa, existiram várias instituições para que as partes pudessem negociar uma solução pacífica. Mesmo o continente africano, nem sempre elogiado pelos seus processos de paz, encontrou na União Africana um meio eficaz de mediar conflitos. Porém, nada disto existe no Extremo Oriente, onde os países acabam por ter de resolver os seus proble- mas de maneira bilateral, sem o apoio de uma estrutura institucional. Esta situação permite que os países mais fortes exerçam o seu domínio com relativa facilidade. A situação actual nesta região possui semelhanças notórias relativamente à Europa de 1914. Uma potência emergente, a Alemanha, sendo a China neste caso, ressentida de humilhações passadas e reclamando um lugar mais influente na região, planeia reverter o status quo, afirmando-se. A potência estabelecida, a França, neste caso o Japão, procura manter a sua posição, enquanto teme o que poderia acontecer num mundo governado pela potência emergente. A superpotência da época, o Reino Unido, agora Estados Unidos da América, espera que estas questões possam ser resolvidas sem a sua intervenção directa. As hipóteses de um conflito a larga escala na região não parecem ser muito prováveis, mas perante a potencial magnitude da situação, a prudência urge que todos os inVIII Artigo 1 - A instabilidade no Extremo Oriente cidentes que possam conduzir ao conflito sejam evitados. Os efeitos cumulativos de um possível conflito armado deverão servir como factor de dissuasão suficientemente eficaz para evitar que este longo e detalhado foco de tensão se resolva pela via das armas. 1- http://www.historytoday.com/joyman-lee/senkakudiaoyu-islands-conflict http://www.washingtonpost.com/world/asia_pacific/japan-says-it-will-purchase-disputed-islandsfrom-private-owner-in-step-likely-to-anger-china/2012/09/10/75b0ad1a-fb2e-11e1-98c6ec0a0a93f8eb_story.html 2- 3- http://www.economist.com/news/asia/21594355-china-creates-adiz-fish-hai-handed 4- http://news.yahoo.com/u-affirms-support-japan-islands-dispute-china-064310746--sector.html 5- http://www.bbc.co.uk/news/world-asia-25517205 http://articles.timesofindia.indiatimes.com/2014-01-19/rest-of-world/46346019_1_japan-pm-shinzoabe-east-china-sea-summit-meeting 6- 7- http://www.theguardian.com/world/2013/jul/11/south-korea-court-japan 8- http://www.theguardian.com/world/2013/dec/06/china-territorial-dispute-philippines 9- http://www.bbc.co.uk/news/world-asia-25426245 IX Artigo 1 - A instabilidade no Extremo Oriente A securitização dos Estados falhados: a narrativa da União Europeia no alinhamento internacional por Ana Paula Brandão, Professora de Relações Internacionais na Universidade do Minho A narrativa internacional do pós-Guerra Fria, amplificada pela resposta aos ataques de 11 de Setembro de 2001 e subsequentes, evidencia uma tendência securitizadora associada a dinâmicas co-constitutivas da designada aborda- gem holística (comprehensive approach): alargamento (segurança multissectorial) e aprofundamento (segurança multinível), nexos securitários (interno-externo, segurançadesenvolvimento2, pobreza-conflito, civil-militar, público-privado), internalização da segurança externa e externalização da segurança interna. Um dos efeitos da comprehensive approach traduz-se na clivagem Norte-Sul reconstruída em termos de segurança/ insegurança: a ‘periferia de instabilidade e insegurança’ (pobreza, conflito, fragilização estadual, nexo interameaças) que, segundo o discurso, ameaça o ‘centro de estabilidade e segurança’. Distanciada a probabilidade de ameaças clássicas, leia-se a agressão por parte de um Estado vizinho, as lideranças ocidentais reconstroem o discurso securitário assente na proximidade globalizada de um periferia insegura e imprevisível. A preocupação centra-se na externalização dos efeitos da instabilidade e conflitualidade internas no limite traduzida na ‘proximidade’ da insegurança geograficamente distante e/ou na ameaça de uma periferia desgovernada3, terreno fértil para ameaças transnacionais4. A actorness da União Europeia começou por expressar-se no plano económico e só mais tarde no plano securitário. Volvidas décadas de actuação nas áreas do comércio, do desenvolvimento e da ajuda humanitária, a explicitação do actor de segurança deuse com a entrada em vigor do Tratado da União Europeia que consagrou a cooperação no domínio quer da segurança externa (Política Externa e de Segurança Comum) quer da segurança interna (cooperação policial e judiciária em matéria penal). Ainda que obedecendo a uma matriz fragmentada, a coordenação entre os primeiro e segundo pilares (interpilarização) começou por emergir associada ao nexo segurança/ desenvolvimento, no domínio específico da prevenção de conflitos. No pós 11 de Setembro, a muldimensionalidade da ameaça terrorista justificou o recurso a instrumentos dos três pilares (transpilarização), reforçando a necessidade do já há muito reclamado fim da estrutura fragmentada, tal como viria a acontecer, pelo menos formalmente, com a revisão de Lisboa. Esta evolução tem sido acompanhada X por uma narrativa de actorness Artigo 2 - A securitização dos Estados falhados “forçosamente global” (Conselho Europeu 2003, 1), entendida em termos quer de alcan- ce geográfico quer de abordagem política, ambos justificados pelo contexto da globalização, pela oportunidade e responsabilidade acrescida da UE nesse contexto e pela necessidade de fazer face às vulnerabilidades, riscos e ameaças que o mesmo potencia: “Numa era de globalização, as ameaças longínquas podem ser tão preocupantes como as que estão próximas de nós” (Conselho Europeu 2003, 6). De notar que também concorrem para a abordagem holística outros factores, menos declarados, relacionados com dinâmicas históricas e institucionais internas, designadamente a possibilidade de a UE utilizar know-how, instrumentos e recursos de áreas políticas historicamente consolidadas em prol do domínio da segurança, bem como a influência e interesses da Comissão que tem vantagem acumulada nessas áreas e no entendimento amplo e ‘civilista’ da segurança. A narrativa da abordagem holística5 e dos nexos securitários, designadamente os nexos segurança/desenvolvimento e segurança interna/externa, tem sido extensiva ao fenómeno da fragilidade estadual. A UE comunga do entendimento internacional do fenómeno em termos de défice de governação6 (Hout 2010): “O conceito de fragilidade refere-se a estruturas débeis ou em desagregação e a situações em que o contracto social é rompido devido à incapacidade ou à falta de vontade do Estado de assumir as suas funções de base, cumprir as suas obrigações e responsabilidades no que diz respeito à prestação de serviços, gestão de recursos, Estado de Direito, acesso equitativo ao poder, segurança da população e protecção e promoção dos direitos e liberdades dos cidadãos” (Comissão Europeia 2007, 5). Subscrevendo os compromissos internacionais relativos aos Estados frágeis e matérias relacionadas7, a UE partilha da ‘whole-of-government approach’8 (European Commission 2008, 1), para a qual é considerada particularmente vocacionada porque dotada de “uma aptidão única para combinar, de uma forma coerente, políticas e instrumentos que vão desde a diplomacia, a segurança e a defesa até ao financiamento, ao comércio, ao desenvolvimento e à justiça”9 (Conselho Europeu 2013, 3). Assim, uma panóplia de organismos e instrumentos10 são utilizados na prevenção e resposta à fragilidade estadual, tendo sido seleccionados, durante a presidência portuguesa, seis estados piloto11, entre os quais Guiné-Bissau e Timor-Leste, para testar a abordagem holística definida em 2007 (Council of the EU 2007). Apesar das potencialidades da União, que a distinguem da maior parte das agências e organizações internacionais de cooperação (European University Institute 2009, 124), a sua actuação em prol da ‘resiliência’ estadual tem evidenciado fragilidades, designadamente: défice de coordenação interna (interinstitucional, interpolíticas e interníveis) e externa, e ineficácia dos sistemas de alerta precoce (European Parliament XI Artigo 2 - Repensar a Cooperação Internacional 2013); abordagem tecnocrática incidindo sobre a reforma das instituições públicas em detrimento da acção sobre as causas profundas da fragilidade (Hout 2010; Castillejo 2011); lentidão, inflexibilidade e inadequação dos instrumentos europeus (Castillejo 2011); falta de clarificação operacional face a objectivos ambiciosos (Briscoe 2008). O facto de se aguardar ainda pela finalização do plano de acção em matéria de segurança, fragilidade e desenvolvimento, solicitado pelo Conselho em 2007, é sintomático das debilidades europeias. Para lá do racional humanitário e económico, no pós-11 de Setembro intensificouse o racional securitário da narrativa europeia na justificativa de resposta às situações de fragilidade. Ao imperativo humanitário de luta contra a pobreza global e de defesa dos direitos fundamentais das pessoas pobres e vulneráveis, que “são as mais afectadas em situações de fragilidade” (Comissão Europeia 2007), amplifica-se a preocupação com a externalização do espiral de “ameaças dinâmicas” (Conselho Europeu 2003, 7) conexas propiciado pela falta de controlo interno dos Estados frágeis. O fracasso12 dos Estados é considerado “um fenómeno alarmante que mina a governação à escala global e contribui para a instabilidade regional” (Conselho Europeu 2003, 4), pelo que é incluí- do na lista das principais ameaças ao espaço europeu, e ainda percepcionado como um factor potenciador de outras ameaças, tais como o terrorismo13, a criminalidade organizada (Conselho Europeu 2003 e 2010), “a imigração ilegal e, mais recentemente, a pirataria” (Conselho Europeu 2008, 1). Ainda que as prioridades da agenda europeia tenham sido alteradas em contexto de crise, o efeito da dinâmica securitizadora persiste. Nas palavras do Secretário-Geral adjunto para as Questões Interinstitucionais do Serviço Europeu para a Acção Externa, a segurança “é um investimento para a estabilidade” e a sua inclusão “como um objec- tivo no quadro pós-2015 é um elemento essencial para o desenvolvimento” (apud Koczij 2013, 8 e 9). Esta inflexão tem contribuído para um maior envolvimento da UE no Estados frágeis e nos Estados (regiões e sectores) “órfãos de ajuda”, mas sem favorecer o tratamento das causas profundas da fragilidade estadual e obedecendo a um racional securitário de clivagem que contraria a natureza normativa do actor europeu. XII Artigo 2 - A securitização dos Estados falhados 1- Vide Klingebiel, 2006; Chadler, 2007. A título exemplificativo, de referir o projeto do Pentágono relativo às ‘áreas desgovernadas’ e respetivo relatório final (Lamb 2008). 2- “Every threat to international security today enlarges the risk of other threats. (…)The ability of nonState actors to traffic in nuclear material and technology is aided by ineffective State control of borders and transit through weak States.” (United Nations 2004, 19) International terrorist groups prey on weak States for sanctuary. (…) Poverty, infectious disease, environmental degradation and war feed one another in a deadly cycle.” (id. 20) “Civil war, disease and poverty increase the likelihood of State collapse and facilitate the spread of organized crime, thus also increasing the risk of terrorism and proliferation due to weak States and weak collective capacity to exercise the rule of law.” (id., 21) “In what ways does fragility matter? Fragile states matter because they are home to a growing share of the world’s poor. They are also more susceptible to instability, with potential regional and global consequences. Crisis and conflict prevention are more cost-efficient than engaging after the damage has been done.” (OECD 2012,35) 3- 4- Também designada de ‘global’, ‘integral’ ou ‘interdisciplinar’. De acordo com a Comissão, os elementos da fragilidade podem abarcar as nove áreas dos “perfis da governação”, (European Commission 2008): 1. governação política/democrática; 2. governação política/ Estado de Direito; 3. controlo da corrupção; 4. eficácia governamental; 5. Governação económica; 6. Segurança interna e externa; 7. governação social; 8. contexto internacional e regional; 9. qualidade da parceria [SEC (2009) 58 final, p. 6]. 5- DAC guidelines on conflict, peace and development cooperation (1997); DAC guidelines on helping prevention violent conflict (2001); DAC guidelines on SSR and governance (2005); Declaração de Paris sobre a Eficácia da Ajuda (2005); DAC guidelines on whole of government approach to fragile states (2006); DAC Handbook on Security System Reform (2007); DAC Principles for good international engagement in fragile states and situations (2007); Agenda de Accra para a Ação (2008). 6- 7- Adaptada para ‘whole-of-EU approach’ (European Commission 2008, 3). “Já existe um quadro estratégico para fazer face às diversas dimensões da fragilidade. O Consenso Europeu sobre o Desenvolvimento proporciona orientações para uma resposta abrangente à problemática da fragilidade. Insere-se num quadro mais vasto de acções externas que deve ser activado na sua totalidade para que a União possa reagir às situações de fragilidade de forma atempada e coerente. Este quadro inclui a Estratégia Europeia de Segurança, o programa da UE para a prevenção dos conflitos violentos, a Política Europeia de Vizinhança, o quadro estratégico para a Interligação entre Ajuda de Emergência, Reabilitação e Desenvolvimento, o Consenso em matéria de Ajuda Humanitária e a abordagem da UE no âmbito da governação e do desenvolvimento.” (Comissão Europeia 2007, 5). 8- 9- Para uma descrição detalhada, vide Parlamento Europeu 2013, 16-21. 10- Burundi, Guiné-Bissau, Haiti, Iémen, Serra Leoa, Timor-Leste. Embora predomine o uso do termo ‘fragilidade’ (dos Estados), os documentos oficiais da UE também utilizam ‘colapso’, ‘fracasso’ e ‘degenerescência’. 11- Na última comunicação relativa à prevenção da radicalização , a Comissão recomenda que a UE e os seus Estados-Membros promovam “ iniciativas em países terceiros, com especial ênfase nos países frágeis ou afetados por conflitos, países em transição ou países caracterizados por uma governação deficiente” (Comissão europeia 2013, 12), e compromete-se “[I]ntegrar estratégias de prevenção da radicalização e do extremismo violento em instrumentos tradicionais de cooperação para o desenvolvimento, especialmente em Estados frágeis vulneráveis ao extremismo violento” (id. 13). Na comunicação conjunta com a Alta Representante, em texto destacado: “Terrorist organisations will strive to exploit post-conflict or fragile states. In particular, poorly governed areas can prove to be a breeding ground for terrorist recruitment. For example, the activities of Al-Shabaab – which is formally aligned with Al Qaeda – have destabilised Somalia, and severely hindered regional development. Terrorist organisations can act to transmit the terrorist threat directly back into the EU.” (European Commission e High Representative 2013, 9) 12- XIII Artigo 2 - A securitização dos Estados falhados Referências Bibliográficas Briscoe, Ivan. 2008. “The EU Response to Fragile States”. European Security Review (42). Brussels: ISIS Europe. Castillejo, Clare 2011. “Improving European Policy towards Fragile States”. Policy Brief (95). Madrid: FRIDE. Chadler, David. 2007. “The Security–Development Nexus and the Rise of ‘Anti-foreign Policy’”. Journal of International Relations and Development 10: 362–386. European Parliament, Directorate-General for External Policies. 2013. EU Development Cooperation in Fragile States. Brussels. European University Institute. 2009. 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Fragile States 2013: Resource Flows and Trends in a Shifting World. United Nations, Secretary-General. 2004. The Secretary-General’s High-level Panel Report on Threats, Challenges and Change, A More Secure World: Our Shared Responsibility (A/59/565). Comissão Europeia. 2013. Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões: Prevenir a Radicalização que leva ao Terrorismo e ao Extremismo Violento - Reforçar a resposta da EU [COM (2013) 941 final)]. ______. 2007. Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões: Resposta da UE a situações de fragilidade - Intervir em contextos difíceis, em prol do desenvolvimento sustentável, da estabilidade e da paz [COM (2007)643]. Conselho Europeu. 2013. Conclusões do Conselho Europeu: 19/20 de dezembro de 2013. ______. 2010. Estratégia da Segurança Interna da União Europeia: Rumo a um Modelo Europeu de Segurança. ______. 2008. Relatório sobre a Execução da Estratégia Europeia de Segurança: Garantir a Segurança num Mundo em Mudança. ______. 2003. Uma Europa Segura num Mundo Melhor: Estratégia Europeia em Matéria de Segurança. Council of the European Union. 2007. Council Conclusions on a EU Response to Situations of Fragility: 2831st External Relations Council Meeting, Brussels, 19-20 November 2007. XIV Artigo 2 - A securitização dos Estados falhados Informédia “A Informação via multimédia!” Tailândia N esta edição, procurámos trazer até aos nossos leitores várias análises (de especialistas e analistas, como de costume) acerca da actual crise política na Tailândia, com possíveis eleições à vista, de um lado, e o perigo de uma escalada da violência (concluída com um golpe de Estado), por outro. Mantendo a tradição, trazemos três vídeos sobre a matéria. O primeiro, do Stratfor (a que acrescentámos uma transcrição feita pelo The Manila Times), é uma análise de Omar Lamrani, o analista militar do Stratfor, guiada por Rodger Baker, Vice Presidente do Stratfor para análises no leste asiático. Esta análise procura analisar os mais recentes acontecimentos e as possibilidades que se abrem para o futuro. O segundo vídeo, da CNBC, traz-nos a visão de Simon Cox, Editor económico para a Ásia do The Economist, sobre as divisões internas na Tailândia e como elas influenciam/irão influenciar o futuro do País, incluindo na sua vertente económica. O terceiro vídeo, da Link TV, é protagonizado por Mark Schneider do International Crisis Group, analisa a possibilidade da situação se tornar num conflito puramente violento e as probabilidades de violar os conceitos democráticos e a Constituição, demonstradas por ambas as partes. 1- The Latest on Thailand's Political Crisis — http://www.stratfor.com/sample/ video/conversation-latest-thailands-political-crisis / http://manilatimes.net/ conversation-the-latest-on-thailands-political-crisis/70635/ 2- Is Thailand's political unity under threat? — http://video.cnbc.com/gallery/? video=3000239129# 3- Can Thailand's Political Crisis be Solved Peacefully? — http://www.linktv.org/ video/9277/can-thailands-political-crisis-be-solved-peacefully “The Latest on Thailand's Political Crisis is republished with permission of Stratfor.” XV Informédia - Tailândia