iii congresso de educação dom bosco
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iii congresso de educação dom bosco
3 III CONGRESSO DE EDUCAÇÃO DOM BOSCO 21 a 25 de julho de 2008 Ciência, tecnologia e sociedade: ressignificação de saberes e práticas III CONGRESSO DE EDUCAÇÃO DOM BOSCO 21 a 25 de julho de 2008 Ciência, tecnologia e sociedade: ressignificação de saberes e práticas Comissão organizadora Anneliese Alcoba Ruiz Júlio César Wojciechowski Laurilea Mafra de Souza Galdi Marineide Look Azevedo Samira Dib Simara Fantinato Ferraz Comissão de programação e avaliação científica 4 Durval Antunes Filho Lucélia Secco Nair Lobo Pacheco Rita Egashira Vanzela Rosane de Mello Santo Nicola Samira Dib Comissão de comunicação Edson José de Oliveira Santos ? Sumário Apresentação 6 I Ciência e cultura: o resgate da pesquisa sobre a natureza para a esfera pública – Marcelo Leite 9 II Programa Imagine Learning – relato de experiência em produção de tecnologia educacional – Clydie Wakefield e Joseph Kennedy ... III 5 Construção, fixação e reforço de conhecimentos matemáticos com a utilização de recursos informatizados - Gilmar Bornatto ... IV Múltiplos olhares sobre o exame nacional da Irlanda: um estudo de caso em geografia – Cibele de Cássia Xavier, Nair Lobo Pacheco e Rosane de Mello Santo Nicola ... V O cinema como recurso pedagógico: uma reflexão sobre a linguagem cinematográfica e seu uso metodológico em sala – Rafael Hauer ... VI Estação da memória: relato de uma experiência de capacitação de professores de história nas séries iniciais - Maria Cristina Lindstrom VII Revisão textual-interativa em editor de texto – Rosane de Mello Santo Nicola ... 6 Apresentação As tecnologias nos ajudam a realizar o que já fazemos ou desejamos. Se somos pessoas abertas, elas nos ajudam a ampliar a nossa comunicação; se somos fechados, ajudam a controlar mais. Se temos propostas inovadoras, facilitam a mudança. José Manuel Moran, 2006. Um congresso nasce, principalmente, da necessidade de se refletir sobre um fato, um fenômeno, uma questão que se coloca em dado contexto para determinado grupo social. O Colégio Dom Bosco reúne novamente suas equipes de professores e gestores para refletir sobre múltiplos e diferenciados usos para as tecnologias, no período de 21 a 25 de julho de 2008 na Sede Batel. A temática do III Congresso de Educação Dom Bosco centra-se, portanto, na tríade ciência, tecnologia e sociedade. Essa temática se justifica, inicialmente, pelos desdobramentos da tradição do pensamento grego, que separou a techné da epistéme, e, mais recentemente, pelos resultados da certeza do século passado, que hoje parece ser ainda convicção: a melhoria imperativa da qualidade de vida pelo progresso da tecnologia dispensa qualquer questionamento. Cabe enfrentar esse pressuposto e buscar os elos para a melhoria da aprendizagem, naturalmente contando com a motivação do sujeito que se defronta com os “objetos” da tecnologia. 7 Cabe, portanto, conceituar as três dimensões desse congresso. Ciência é entendida aqui como atividade humana que busca controlar o ambiente e a nós mesmos, estando intimamente relacionada à tecnologia e às questões sociais. Sociedade é concebida como aquela que busca desenvolver, no público em geral, e também nos cientistas, uma visão operacional sofisticada de como são tomadas decisões sobre problemas sociais relacionados à ciência e à tecnologia. Finalmente, compreende-se a tecnologia como sistemas produtivos que se estendem dos equipamentos às operações, aos produtos e processos. Além disso, percebe-se a importância de se formar um aluno preparado para tomar decisões inteligentes e que compreenda a base científica da tecnologia e a base prática das decisões. Para tanto, fazse necessário um professor que desenvolva o ‘conhecimento de’ e o ‘comprometimento com’ inter-relações complexas entre ciência, tecnologia e decisões. A educação passa pelas mesmas mudanças da sociedade. São diversas as reestruturações, novas propostas pedagógicas, tudo para fazer com que a educação acompanhe o ritmo da evolução e atenda melhor os alunos. Para dar melhor qualidade à educação é preciso melhorar a formação dos professores, pois estes só poderão responder ao que deles se espera se possuírem conhecimentos, competências, qualidades pessoais, possibilidades profissionais e motivação requeridos. 8 Usar tecnologia no processo ensino-aprendizagem é muito mais do que passar a preparar aulas em PowerPoint ou utilizar um quadro digital (SMART Board) em substituição ao quadro de giz. A rigor, a aula melhora com a utilização dessas tecnologias, e o aluno tem maior facilidade de acesso a recursos disponibilizados na internet. Se as demais condições não mudarem; se não for introduzido um processo interativo com novas oportunidades de busca de informações, de solução de problemas, de discussão com pares e de aplicação dos conceitos a situações do mundo real, os resultados da aprendizagem não terão avanços significativos. Acima de tudo, a aprendizagem torna-se efetiva quando os novos conceitos podem ser utilizados para resolver problemas práticos do mundo real. O uso de tecnologia sem adequação à pedagogia não amplia a aprendizagem. Portanto a tecnologia é importante instrumento que pode ser muito bem aproveitado quando o educador estiver capacitado para sua utilização como apoio pedagógico, trazendo a ferramenta tecnológica para proporcionar aprendizagem mais interativa, com significado e construção de conhecimento pelo aluno. De acordo com Valente (2006), o educador deve conhecer o que tem a oferecer cada ferramenta tecnológica e como pode ser explorada em diferentes situações educacionais. A experiência educativa é fundamental na seleção de ferramentas tecnológicas e na adequação à atuação pedagógica de qualidade. Nessa perspectiva, este documento é fruto do esforço conjugado de profissionais de educação internos e externos à instituição que, em parceria com o Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em Educação 9 (CPDE) do Colégio Dom Bosco, socializam experiências de pesquisa e docência, buscando formar uma visão progressista e compartilhada, pois é sabido que muitos só utilizam essas tecnologias nas suas dimensões mais superficiais, alienantes ou autoritárias (Moran, 1995). Cabe a cada um ressignificar seus saberes e práticas. Nessa direção se constituem estes anais. Curitiba, 21 de julho de 2008. Rosane de Mello Santo Nicola* * Comissão de programação e avaliação científica do III Congresso em Educação Dom Bosco; coordenadora científica do Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em Educação do Colégio Dom Bosco. 10 Ciência e cultura: o resgate da pesquisa sobre a natureza para a esfera pública Marcelo Leite1 RESUMO Seja por força da crescente especialização, seja pelo declínio do ensino de ciências no Brasil e em outros países, a pesquisa em ciências naturais vem perdendo a posição central que passou a ocupar na esfera da cultura a partir do Iluminismo. Essa alienação está em aberta contradição com a importância cada vez maior de temas de base científica na agenda de debates nacional e internacional – a começar pelas questões de sustentabilidade, como a mudança climática global. Este trabalho defende a necessidade de resgatar as ciências naturais como elemento vivo da cultura e da civilização e de reaproximar o cidadão de seus resultados mais importantes, pois de sua capacidade de formar opinião autonomamente sobre tais questões depende a participação plena no debate democrático. Tal resgate 1 Colunista da Folha de S.Paulo, doutor em ciências sociais pela Unicamp, foi bolsista da Nieman Foundation (Universidade Harvard, EUA, 1997-98) e da Krupp Stiftung (Alemanha, 1989-90). Prêmio José Reis de Jornalismo Científico em 2005. O último de seus 12 livros publicados é o paradidático Brasil, Paisagens Naturais (Ática, 2007). 11 deve ser empreendido por meio de um trabalho contínuo de tradução dos conteúdos científicos para o público leigo, por meio de três atividades fundamentais: ensino de ciências, divulgação científica e jornalismo científico. Este artigo se concentra no jornalismo científico, com a apresentação e a discussão de suas fontes, critérios, recursos, gêneros e meios. Palavras-chave: jornalismo científico, gêneros textuais, ensino de ciências. 1. Introdução As ciências naturais que ganharam posição central no debate público e democrático com o Iluminismo vêm, progressivamente, perdendo essa condição e alienando-se da esfera pública. Paradoxalmente, nunca antes seus resultados foram tão decisivos para o debate de políticas públicas e dos rumos da sociedade quanto nesta época de incerteza sobre a sustentabilidade das relações entre economia e mundo natural. A crescente especialização transforma todos em leigos, mesmo os especialistas, por definição ignorante de todos os outros campos. A alienação desse horizonte de conhecimento empírico sistemático como valor do universo da cultura é agravado pela deterioração do ensino de ciências, numa constelação de fatores que contribui para sufocar no berço futuras vocações científicas e para empobrecer a qualidade do debate público no Brasil. 12 Hoje se considera, ao menos em meios cultos, obrigatório ter no mínimo uma noção sobre as obras de nomes como Machado de Assis, Tarsila do Amaral, Ludwig van Beethoven, Heitor Villa-Lobos, Aristóteles, Cartola ou dom João VI. O mesmo não é válido para Jacques Monod, Francis Crick, Erwin Chargaff, Ernst Mayr, Paulo Vanzolini, José Leite Lopes ou Rosalind Franklin, por exemplo, embora suas contribuições não sejam menos relevantes para a ciência que a dos primeiros para a cultura. O problema é precisamente este: para a maioria das pessoas, a ciência natural não faz parte do mundo da cultura. Como, porém, ser livre (autônomo) no mundo contemporâneo sem ter noção do que se passa no campo da pesquisa tecnocientífica? A agenda política nacional e internacional está cada vez mais dominada por temas complexos, cujo debate qualificado demanda informação e validação de caráter científico. Para citar apenas alguns: mudança climática biocombustíveis X global, segurança desmatamento alimentar, da dilemas Amazônia, éticos sobre biotecnologias (clonagem, transgênicos, células-tronco embrionárias), energia nuclear e energias alternativas (risco de novo apagão), escassez de água, biodiversidade, biopirataria... É imperativo resgatar a ciência natural para o universo da cultura, e a melhor maneira de fazer isso é torná-la novamente compreensível pela maioria de leigos. Numa palavra, traduzi-la. Essa é a tarefa de profissionais facilitadores como professores, divulgadores e jornalistas científicos. A primeira missão é combater a imagem da ciência para o senso comum, segundo a qual a pesquisa científica produz verdades inquestionáveis. Como qualquer outra atividade humana no domínio 13 da cultura, a ciência natural é incerta, imperfeita, interessada, inconclusiva e incompreendida. Ou seja, discutível. É preciso debater ciência, não só transmitir conteúdos. Não se formam mentalidades científicas com base no pressuposto de que a objetividade é algo dado em ciência, mas sim algo conquistado, que depende de validação. Em geral, o teste empírico (observação) e o consenso entre pares sobre a melhor interpretação dos resultados obtidos. O público precisa dar-se conta de que, embora a ciência seja crucial para embasar a discussão democrática, ela não tem o poder de resolver as questões políticas, que dependem de deliberação. A esse respeito, o melhor exemplo de debate desencaminhado e fracassado, e não só no Brasil, é o dos alimentos transgênicos, sequestrado como foi por polos antagônicos e fundamentalistas. A ignorância generalizada sobre o tema, das informações básicas ao teor empírico das afirmações retóricas de ambos os lados, inviabilizou em grande medida a participação informada de cidadãos não comprometidos na controvérsia, que se tornou refém dos interessados na adoção dessa tecnologia e dos avessos por princípio a ela. Mas essa impossibilidade de participação dos leigos em nada diminui seu direito de decidir sobre a questão, embora muitos pesquisadores e tecnocratas pensem exatamente o oposto: cabe apenas aos técnicos tomar decisões sobre questões técnicas, como se elas não fossem também políticas. Ao contrário: tal estado de coisas só aumenta a obrigação de todos os atores envolvidos de fornecer informação compreensível, qualificada e contextualizada. É preciso resgatar a noção de que informação e cultura científica são um direito do cidadão, condição sine qua non para ele participar 14 de maneira autônoma na vida social contemporânea. O jornalismo científico é apenas uma das peças nessa engrenagem cultural, de certa maneira o último elo na cadeia de transmissão, porque deve ser necessariamente precedido do ensino de ciências, tarefa da escola, e da divulgação científica, sobretudo em museus de ciência. 2. Jornalismo científico Em qualquer seção do jornal ou da revista, o papel do jornalismo é informar e fazer pensar. Também revelar, divertir e maravilhar, mas o objetivo principal é e deve ser a reflexão. O jornalismo científico deve ser encarado sob esse ângulo geral: não é um compêndio de curiosidades nem um livro didático dividido em infinitas prestações, mas informação básica para o cidadão pensar, participar e exercer seus direitos. Antes de passar a expor os elementos principais de sua prática, é prudente apresentar alguns conceitos e características básicos do mundo da ciência natural, tal como se organiza internacionalmente nos dias de hoje. As comunidades científicas se organizam, tanto nacional quanto internacionalmente, por meio de sociedades científicas, congressos de especialistas e periódicos científicos (em inglês, journals), nos quais pesquisadores ou grupos de pesquisadores publicam seus artigos (papers). Os periódicos mais importantes e relevantes são aqueles indexados, isto é, incluídos numa relação de publicações com periodicidade regular, corpo editorial capacitado e peer review; essa relação é mantida pela empresa ISI Thomson e contém algo da ordem 15 de 25 mil periódicos espalhados pelo mundo, a maioria editada em inglês, como o Brazilian Journal of Medical and Biological Research. Peer review significa literalmente “revisão por pares” – leitura crítica de cada artigo solicitada pelos editores a um ou mais pareceristas, que podem recomendar a publicação ou não do trabalho, com ou sem modificações. Considera-se maneira de garantir a qualidade e o ineditismo dos artigos editados. A repercussão desses trabalhos, por sua vez, é convencionalmente medida pela quantidade de citações que acumula cada um (ou cada autor), ou seja, quantas vezes é incluído nas referências de outros artigos publicados em periódicos indexados. O número de citações é um indicador da qualidade de certa pesquisa científica, mas também aumenta a reputação, o prestígio e a circulação do periódico onde sai publicado. É o que se chama fator de impacto ou número médio de citações obtidas por um artigo no periódico X ou Y. Revistas como Nature, Science ou Cell chegam a ter fator de impacto próximo de 30, ou seja, cada artigo editado é citado 30 vezes, em média. Outra convenção razoavelmente respeitada nas ciências naturais é a ordem dos autores de um artigo. Em geral, o primeiro autor é o doutorando ou pós-doutorando que fez o trabalho propriamente dito, orientado por um chefe de equipe ou de laboratório que, em geral, aparece no final da relação de autores, também chamado de autor sênior. No meio vêm todos os outros membros da equipe ou até de outras instituições que só deram contribuições menos importantes, como ceder amostra de material ou fazer análise estatística dos dados. Todas essas convenções e práticas servem de guia para 16 jornalistas de ciência avaliar a importância e a relevância de determinada pesquisa recém-publicada. Tais publicações (periódicos científicos ou journals) não devem ser confundidos com revistas de divulgação científica, as quais, por mais sérias que sejam, seguem padrões jornalísticos e não as convenções científicas descritas. Exemplos de revistas de divulgação de bom nível: Scientific American (EUA e Brasil), New Scientist (Reino Unido), La Recherche (França), Bild der Wissenschaft (Alemanha) Pesquisa Fapesp, Ciência Hoje. Estas servem com frequência como fonte de informação para repórteres e editores de ciência, mas o melhor jornalismo científico nunca as usa como fonte única. A praxe costuma ser ir à fonte primária, ou seja, ao artigo original de pesquisa publicado num journal ou ao próprio cientista envolvido. Há exceções, mas raramente se publica uma reportagem de ciência sobre estudo que não tenha sido publicado num periódico científico ou apresentado em congresso de especialistas, que normalmente usam da revisão por pares para selecionar os trabalhos que serão apresentados. O jornalismo científico no Brasil deu um grande salto a partir de meados dos anos 1980, quando os repórteres da área começaram a ter acesso imediato, até antecipado, aos artigos originais dos periódicos científicos de maior impacto mundial, como Nature e Science. Na maioria, periódicos científicos são mensais. Alguns poucos, semanais e outros, bimestrais ou trimestrais. Para o dia a dia, um jornalista de ciência se vale de outras fontes de informação, como newsletters (boletins). Alguns dos mais consultados são o Jornal da Ciência Online, publicado pela SBPC (Sociedade Brasileira para o 17 Progresso da Ciência), Boletim da Agência Fapesp, Boletim do Acadêmico, da Academia Brasileira de Ciências; para quem se interessa por meio ambiente, Manchetes Socioambientais, editado pelo ISA (Instituto Socioambiental). A maioria deles tem versões enviadas aos leitores por e-mail. Outro recurso muito útil são os portais de internet dedicados à ciência. No Brasil, quem estiver defronte a um computador de instituição acadêmica com curso de pós-graduação credenciado pela Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoa de Ensino Superior, órgão do MEC) tem acesso a quase todos os periódicos científicos publicados no mundo, por intermédio do portal Periódicos. Várias outras publicações científicas, a maioria delas em português e espanhol, podem ser consultadas de qualquer computador no repositório de acesso aberto SciELO (abreviação em inglês de Biblioteca Científica Eletrônica Online). Mas o portal mais usado por jornalistas de ciência no mundo todo é o Eurekalert, dos EUA, que tem também muito material em espanhol, como comunicados à imprensa emitidos pelas instituições de pesquisa. Na internet há ainda uma infinidade de blogs de cientistas e jornalistas de ciência, quase todos, como Ciência em Dia, trazendo uma relação de links para outros blogs, de modo a propiciar navegação na área. Ao topar com informação nova numa dessas fontes, o jornalista de ciência precisa decidir se ela é importante o bastante para ser publicada. É um processo muito rápido que, entre jornalistas experientes, acaba ocorrendo quase por intuição, mas os melhores se guiam até inconscientemente por um princípio geral: sua função consiste em tornar interessante (atraente e legível) aquilo que é 18 importante (para a ciência e o público), não tornar importante o que só é interessante. Ou, se preferir, levar ao leitor não só aquilo que ele quer ler, mas aquilo que ele precisa ler sobre a atualidade da pesquisa científica. Na dúvida sobre a relevância ou o ineditismo do estudo, uma prática jornalística comum é consultar especialista da área em quem tenha confiança. No mais, o repórter ou seu editor se pauta nos critérios jornalísticos tradicionais: Quantas pessoas serão potencialmente afetadas? Quanto se gastou na pesquisa? Ela afeta valores ou convicções arraigadas em grupos sociais? Aplica-se à realidade/saúde pública brasileira? O estudo é brasileiro ou conta com pesquisadores brasileiros? E assim por diante. Orientação básica para todo jornalista de ciência: não começar a escrever , vale dizer traduzir o conteúdo científico para leitores leigos como ele, antes de ter entendido de fato o estudo, ainda que em nível básico. Vencida essa barreira, seu principal desafio é decidir como abrir o texto, ou seja, que título usar e como será o primeiro parágrafo, no jargão jornalístico chamado lide. Ambos precisam ser, ao mesmo tempo, chamativos, pois deles depende fisgar a atenção do leitor em meio a dezenas ou centenas de notícias, informativos e imediatamente compreensíveis. Recomenda-se evitar conceitos e raciocínios complicados, aí para não afugentar o leitor pouco afeito a temas da área. Tudo isso sem trair a importância do fato a narrar; se o homem pousou na Lua, é melhor manchetar “Homens andam na Lua” (Men walk on Moon, como fez o diário The New York Times com certa circunspecção histórica) do que “A Lua no bolso”, como fez a Folha de S.Paulo. 19 Metáforas e analogias são inescapáveis no desenrolar do texto, para aproximar o conteúdo científico da realidade diretamente vivenciada pelos leitores. Alguns pesquisadores resistem em fazê-lo, mas aqueles que também dão aulas com frequência têm menos resistência e mais facilidade em ajudar os jornalistas a encontrar metáforas apropriadas, uma vez que toda analogia é imperfeita, e essa imperfeição precisa ser mantida sob controle por quem escreve o texto. O DNA nos cromossomos pode ser comparado com uma enciclopédia, por exemplo, pois os genes de fato contêm especificações do que a célula precisa para realizar certas tarefas. Chamá-lo de Livro da Vida ou chave do segredo da vida, contudo, confere um tom hiperbólico à metáfora DNA–escrita, que mais obscurece do que esclarece o papel dessa substância dentre os vários recursos de que uma célula necessita para funcionar. Infográficos – quadros que reúnem ilustrações e palavras para apresentar determinado conteúdo – são recurso muito empregado para tornar a reportagem de ciência mais acessível. Como regra prática, pode-se dizer que um infográfico vem a calhar sempre que a pessoa sinta necessidade de desenhar ou rabiscar para explicar algo. As palavras devem ser poucas para identificar ou sinalizar partes da ilustração, que assume o primeiro plano no infográfico. Sugere-se cada item não ter mais palavras do que caibam numa linha. E é preciso atenção para escolher o tipo certo de infográfico conforme a finalidade. Diagramas servem para representar relações espaciais entre partes; fluxogramas, para organizar em sequência os vários passos de um processo ou experimento; tabelas, para indicar 20 classificação (ranking) ou permitir comparação de propriedades de vários elementos. Gráficos propriamente ditos, insubstituíveis para relacionar grandezas entre si ou no tempo, merecem cuidado especial. Gráficos de linha devem ser reservados para representar uma variação contínua, como elevação da temperatura ao longo do dia; de barras, para quantidades discretas (ex.: safra de cada ano); de torta ou queijo, para participações relativas numa totalidade (PIB nacional discriminado por região). Fotografias servem para fisgar o olhar do leitor, mas devem permanecer informativas, não se reduzindo a mera ilustração. Sua função é mostrar aquilo que o leitor não tenha muita chance de ver, como lugares distantes (Alter do Chão, PA), animais de laboratório com eletrodos implantados no cérebro, face ou laboratório do cientista em questão etc. 3. Os diversos gêneros e meios Reportagem de jornal ou revista – em geral, para este gênero de texto, reservo os temas mais “quentes” (atuais) e de interesse ou repercussão geral. Exemplos: células-tronco no Supremo Tribunal Federal; taxa de desmatamento na Amazônia; estudo sobre regeneração de Mata Atlântica (UFPR). Nestes casos, o problema maior passa a ser contar, descrever e explicar tudo em apenas 4 mil caracteres, tamanho aproximado de uma reportagem de alto de página na Folha de S.Paulo. Outro desafio é escrever para o leigo e o especialista, ao 21 mesmo tempo, de maneira a ser entendido pelo primeiro e não ser indiciado pelo segundo, por erros conceituais. O esforço é sempre o de simplificar sem empobrecer, tarefa fácil de falar, mas difícil de fazer. Coluna de opinião – para as colunas “Ciência em Dia”, que assino no caderno dominical Mais da Folha de S.Paulo, busco temas inéditos, ou quase, se possível de grande interesse público, mas nem sempre notícia no sentido estrito da palavra. Assuntos menos perecíveis e propícios para suscitar reflexão e opinião, como levantamento dos índices h dos membros da Academia Brasileira de Ciências (ABC) ou um relatório sobre ciência, tecnologia e inovação no Brasil. O texto de uma coluna assinada pode, e no meu entender deve, ser mais expressivo, buscar registro mais “elevado” e tom mais pessoal. Blog – a palavra tem origem na expressão em inglês weblog (diário na rede). Na sua apropriação por jornalistas, tornou-se um espaço para notas e comentários pessoais. Em geral abordo no blog Ciência em Dia temas similares aos da coluna, mas com muito mais liberdade de idiossincrasia. Parto do princípio de que o leitor busca o blog porque conhece o autor, seu estilo e suas preocupações, sabendo o que pode esperar. A grande vantagem do blog, além da liberdade temática e estilística, é a ausência de limitação de espaço, o que permite publicar material extenso, como as listas com índices h de cada uma das dez áreas da ABC, caso em que jornal e blog atuaram de maneira sinérgica, com remissão mútua. 22 Livros paradidáticos – desde 2004 incluí esta vertente não jornalística em meu trabalho de difusão crítica da ciência, a convite da Editora Ática. Antes só tinha experiência com os livros básicos da série Folha Explica, da Editora Publifolha. Em comum acordo com os editores, seleciono temas que devem permanecer na agenda nacional e internacional, tais como alimentos transgênicos, biomas brasileiros (Amazônia, Cerrado, Mata Atlântica), DNA, genética, genômica, biotecnologias (clonagem, experimentos com animais etc.), biocombustíveis, energia, alimentos e assim por diante. O foco desses livros é sempre a interface ciência/sociedade. Sugestões de bibliografia do autor para consulta Fogo Verde. São Paulo: Ática (no prelo). Série paradidática de ficção infanto-juvenil “Ciência em Dia”. Ciência – Use com Cuidado. Campinas: Editora Unicamp (no prelo). Coletânea das colunas “Ciência em Dia”, publicadas na Folha de S.Paulo de 2002 a 2007. Brasil, Paisagens Naturais – Espaço, Sociedade e Biodiversidade nos Grandes Biomas Brasileiros. São Paulo: Ática, 2007. Nos Caminhos da Biodiversidade Paulista. São Paulo: Secretaria do Meio Ambiente do Estado de São Paulo/Imprensa Oficial, 2007. 23 A paralisia no debate sobre transgênicos e meio ambiente. In: Novos Estudos (Cebrap), n. 78, p. 41-48, jul. 2007. I do not make a distinction between teaching and research [News/Special issue: The world of Undergraduate Education]. In: Science, v. 317, n. 5834, p. 70-71, 6 jul. 2007. Um novo clima no Brasil. In: Ciência&Ambiente (UFSM), n. 34, p. 5-9, jan.-jun. 2007. Promessas do Genoma. São Paulo: Unesp, 2007. Clones Demais. São Paulo: Ática, 2007. Série paradidática de ficção infanto-juvenil “Ciência em Dia”. O Resgate das Cobaias. São Paulo: Ática, 2007. Série paradidática de ficção infanto-juvenil “Ciência em Dia”. Retórica determinista no genoma humano. In: Scientiae Studia [Revista Latino-Americana de Filosofia e História da Ciência], v. 4, n. 3, p. 421-452, set. 2006. O Clube da Capivara. São Paulo: Escala Educacional, 2006. Série paradidática de ficção infanto-juvenil “BR.doc”. Stem cell research in Brazil: a difficult launch. In: Cell, v. 124, n. 6, p. 1107-1109, 24 mar. 2006. 24 New life for Brazil’s goat town. In: Dry – Living without water. Londres/Nova York: TWAS/Harvard University Press, 2006. p. 110119. Pantanal, Mosaico das Águas. São Paulo: Ática, 2006. Série de livros paradidáticos “Viagem pela Geografia”. Inclui texto de ficção: “Amigos da Onça”. Florestania. Análises, princípios e propostas socioambientais para superar os vícios da economia de fronteira na Amazônia. In: Ciência&Ambiente (UFSM), n. 32, p. 7-13, jan.-jun. 2006. Amazônia. Uma gigantesca oportunidade para o Brasil reinventar-se. In: Ciência&Ambiente (UFSM), n. 31, p. 7-12, jul.-dez. 2005. Meio Ambiente e Sociedade. São Paulo: Ática, 2005. Série de livros paradidáticos “De Olho na Ciência”. Inclui texto de ficção: “Tempestade em Mirante do Mar”. Amazônia, Terra com Futuro. São Paulo: Ática, 2005. Série de livros paradidáticos “Viagem pela Geografia”. Inclui texto de ficção: “Piratas do Tapajós”. Dez Anos do Ipam – Instituto de Pesquisas Ambientais da Amazônia. São Paulo/Belém: Fundação Peirópolis/Ipam, 2005. 25 Biologia Total: Hegemonia e informação no genoma humano. Campinas, SP [s. n.], 2005. Tese (doutorado) – Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. Public sphere and the sustainability of the bioinformatics promise. In: Genetics and Molecular Research, v. 3, n. 4, p. 575-581, 30 dez. 2004. Folha Explica: o DNA. São Paulo: Publifolha, 2003. As biotecnologias e suas quimeras. In: Parcerias Estratégicas, out. 2002, n. 16. Centro de Gestão e Estudos Estratégicos – CGEE. Brasília-DF. p. 213-221. Reporting on Science in South America. In: Nieman Reports, v. 56, n. 3, Fall 2002. The Nieman Foundation for Journalism at Harvard University, Cambridge, Mass., U.S.A. p. 42-44. Covering the environment from Rio to Johannesburg and beyond. In: Nieman Reports, v. 56, n. 4, Winter 2002. The Nieman Foundation for Journalism at Harvard University, Cambridge, Mass., U.S.A. p. 80-82. Os genes da discórdia – alimentos transgênicos no Brasil. In: Parcerias Estratégicas. Brasília: Ministério da Ciência e Tecnologia. Centro de Estudos Estratégicos. Mar. 2001. p. 174-185. Folha Explica: a floresta amazônica. São Paulo: Publifolha, 2001. 26 Biotecnologias, clones e quimeras sob controle social: missão urgente para a divulgação científica. In: São Paulo em Perspectiva. v. 14, n. 3, jul.-set. 2000. Folha Explica: os alimentos transgênicos. São Paulo: Publifolha, 2000. Os genes da discórdia – alimentos transgênicos no Brasil. In: Política Externa. v. 8, n. 2, set.-nov. 1999, p. 3-14. Ilusões reencontradas: a palavra da imprensa e suas aparentes facilidades. In: Revista USP. v. 37, n. 6-9, mar.-maio 1998, p. 144-151. Marcelo LEITE; Kristina MICHAHELLES. Presse, Funk, Fernsehen in Brasilien. In: Gerd KOHLHEPP et al. (Org.). Brasilien Heute – Politik, Wirtschaft, Kultur. Frankfurt am Main: Vervuert Verlag, 1994. 27 Programa Imagine Learning – relato de experiência em produção de tecnologia educacional Clydie Wakefield2 e Joseph Kennedy 3 RESUMO Este trabalho faz um breve relato da história da fundação do Imagine Learning Inc. e descreve o processo de produção desse software educacional interativo para ensino de inglês a estrangeiros. O objetivo é contribuir na reflexão sobre a importância da tecnologia para a aprendizagem de segunda língua, representando alternativa eficaz para atender às necessidades específicas de cada aprendiz, de forma simultânea em sala de aula. Daí a ênfase no pormenorizado detalhamento das etapas de trabalho das equipes de educadores, escritores, artistas, programadores e músicos para a produção desse software, em processo de implantação gradativa no ensino fundamental do Colégio Dom Bosco no período de 2008 a 2012. Palavras-chave: aprendizagem de inglês, software educacional, tecnologias. Breve histórico 2 Mestre em psicologia educacional pela Universidade de Utah, professora universitária, palestrante em diversas conferências nos EUA (NRC e AERA). Fundadora (2004) e vice-presidente executiva de desenvolvimento educacional do Imagine Learning Inc. Contribuiu para a produção de mais de 1.700 atividades de alfabetização em inglês como segundo idioma. 3 Formado em Linguística pela Universidade de Brigham Young ( 2004), com especialização em língua portuguesa e em aprendizado de línguas por meio de tecnologias da informação e comunicação. Professor de inglês e japonês para estrangeiros. 28 Como a maioria das empresas, a Imagine Learning começou com algumas pessoas que tinham grandes sonhos: três exprofessoras e três programadores, sendo uma dos docentes a autora deste artigo. O grupo das professoras havia trabalhado junto desenvolvendo software educativo e compartilhava o desejo de levar o conhecimento do inglês a pessoas nas Filipinas, onde Dianne havia morado, ou a alguns países da África – Marnae morara em Moçambique. O objetivo inicial era ensinar as mulheres, em particular, a mães porque, como se sabe, ao ensinar a mãe automaticamente se ensina a seus filhos. Desconhecia-se como conseguir apoio financeiro para tal projeto. Susan Preator, que havia liderado o grupo numa empresa de software educativo, soube do projeto. Ao mesmo tempo, três programadores se uniram ao perceber que podiam desenvolver plataforma melhor para um software educativo e fizeram planos, mas entenderam que precisavam de alguns professores para ajudá-los. Susan encontrou, por coincidência, um desses programadores, Ben Larson, que lhe contou sobre o desejo de começar uma empresa de software educativo. Então houve a formação da equipe, mas ainda não havia financiamento, que só se tornou possível, por meio da irmã e do cunhado de Susan, os quais ousaram investir suas economias no pequeno grupo. As portas do Imagine Learning Inc. se abriram em 14 de junho de 2004, com 17 pessoas – 14 das quais integravam o grupo de produção. Desde então, a equipe de produção cresceu para 22 profissionais. No momento são três artistas, um engenheiro de áudio, 29 uma equipe de vídeo com três integrantes, duas educadoras, duas redatoras técnicas, seis programadores e cinco avaliadores. Assim que produzido um conjunto de lições, o suficiente para colocar no mercado, foi necessário aumentar a equipe. Criou-se uma equipe de suporte com 14 pessoas que instalam o Imagine Learning English nos computadores e ensinam os professores a usá-lo. Foram contratados, ainda, profissionais para a área de finanças e o atendimento telefônico. Gradualmente, formou-se uma rede de vendas com mais de 20 profissionais que tornou possível levar o Imagine Learning English a 32 estados nos Estados Unidos e a 4 países – Japão, Coreia, Taiti e Brasil. Hoje, pouco mais de quatro anos depois, há 76 centros de Imagine Learning no país. O processo de produção Obviamente, a capacidade de instrução também cresceu. A primeira versão tinha cerca de uma dúzia de tipos de atividade, com aproximadamente 200 atividades no total. Entende-se tipo como classificação geral da atividade. Por exemplo: ouvir uma história. Somente esse tipo possui 15 histórias consideradas para atividade individual. Na próxima versão, a ser lançada no segundo semestre de 2008, há cerca de 70 tipos diferentes de atividade, com mais de 1.700 atividades individuais. Segue a página de abertura das atividades. 30 Ao identificar crianças e jovens estudantes de inglês como público-alvo, foi possível examinar as habilidades de aquisição de segunda língua que um aluno precisaria dominar. Alguns especialistas no ensino de inglês como idioma estrangeiro deram fundamentação ao programa, como Paul Nation, da Nova Zelândia, e Lightbown e Spada, do Canadá, ou no campo da leitura, Steven Krashen e Diane August, dos Estados Unidos. Ainda psicólogos de base cognitiva, como Lev Vygotsky, da Rússia, e neurologistas como Eric Jensen. Com base nesses estudos, construiu-se uma lista das habilidades a ensinar, começando por habilidades de desenvolvimento da linguagem oral e, eventualmente, estendendo para habilidades de alfabetização. Em seguida, passou-se a desenvolver as atividades, o que demanda muito tempo para produzir um único tipo. Apenas para exemplificar, o design de um tipo dura de um a dois meses para ser desenvolvido. 31 Assim, as pesquisas auxiliam a determinar os conceitos que serão ensinados e como isso será feito. Rimar, por exemplo, é uma grande habilidade que ajuda os alunos a perceber os sons das palavras em inglês. À medida que ouvem os sons, eles se tornam capazes de associá-los a letras, que já conhecem, podendo associálas a fonemas do idioma inglês. Na atividade, pedimos aos alunos que demonstrem ser capazes de fazer rimas em inglês. Nonie Lesaux estudou os esforços de alunos do Canadá francês para aprender a ler em inglês. Ela concluiu que o conhecimento fonológico – incluindo a capacidade de reconhecer palavras que rimam – era muito eficiente. “Para as crianças que falam inglês como segundo idioma e enfrentam dificuldades no aprendizado de leitura em inglês no estágio inicial, os resultados desse estudo demonstram que, assim como as crianças que falam inglês como primeira língua, essa dificuldade está relacionada à capacidade de reconhecimento fonológico.” A pesquisa contribui para determinar que, ao ensinar aos alunos o conceito de rima, deve-se primeiro ensiná-los usando seu idioma principal. Assim, criou-se uma atividade que ajuda os alunos a fazer rimas em seu idioma principal. Ela é chamada Introdução à rima e, nesse caso, o idioma principal do aluno é o português. Como exemplo, observe-se o design do tipo de atividade que acompanha a Introdução à rima, chamado Identificar palavras que rimam. Sua execução pelo aluno demora cerca de dois minutos, mas seu design é muito mais demorado. 32 O design da atividade inicia ao se organizar uma equipe responsável por ele, composta de um designer educacional, um redator técnico, um artista, um especialista em vídeo, um engenheiro de áudio e um programador. O processo de design ocorre durante uma série de reuniões, a primeira das quais inicia com um brainstorm da equipe. O designer educacional descreve os objetivos e apresenta diversos cenários de como o assunto poderia ser ensinado. Além da identificação de palavras que rimam, a atividade promove a ampliação vocabular, pois os alunos aprenderão novas palavras em inglês. Durante a reunião de brainstorm, a equipe apresenta diversas ideias diferentes de diversão e maneiras atraentes de apresentar a informação para os alunos. Normalmente, no final da reunião, a equipe já optou por uma ideia. Na segunda reunião, o designer educacional apresenta um protótipo e o artista mostra seus rascunhos. 33 Em geral, realizam-se quatro reuniões para decidir como será e funcionará a atividade. Na última reunião, o redator técnico assume a atividade e cria o documento de especificações de interação. 34 As especificações de interação são usadas para informar ao programador exatamente como a atividade deve funcionar. As redatoras criam a especificação ao detalhar cada item de arte, áudio e funcionalidade para uma atividade. Cada especificação inclui os membros da equipe de design para se saber a quem fazer perguntas e os detalhes da reunião, para acompanhar nossas decisões. Há também um fluxograma dividido em estágios que mostra o fluxo geral de cada atividade. Um estágio inclui um conjunto de peças que trabalham juntas. Determinamos que a maioria dos estágios termina quando esperamos um clique do aluno – pedimos a eles para escolher a resposta correta ou clicar em algo na tela. O realce amarelo mostra que trechos de áudio serão repetidos se um aluno exceder o limite de tempo. Isso pode ocorrer se lhe for solicitado para clicar numa figura e ele não fizer nada por determinado período de tempo. 35 Nesse caso, o trecho de áudio será repetido. Assim, deve-se informar o programador qual trecho de áudio será executado. A cor verde diz para onde deve ir após a conclusão de um estágio. A coluna de idioma mostra em que idioma o trecho de áudio deve ser reproduzido. Observa-se que o programa prevê dois processos de progressão: o acerto e o erro do aluno. Em geral, há um final e, em alguns casos, um estágio em que o aluno poderá fazer a impressão, se a atividade possuir esse recurso. O percurso de atividade aqui descrito é um dos mais simples. Há muitos outros, alguns mais complexos, que necessitam de detalhes. Algumas atividades possuem até 20 estágios. Da primeira reunião,o designer educativo apresenta o objetivo. Até finalizar a especificação, o processo leva cerca de um mês. A conclusão da arte, do áudio e das impressões, também um mês. Cada um desses detalhes de produção deve primeiro ser descrito cuidadosamente pelo redator técnico. Há especificações de áudio para o profissional de áudio, inclusive as traduções para sete idiomas diferentes. E há também especificações gráficas para nossos artistas, identificando cada elemento visual. 36 Em muitas atividades, os artistas têm que trabalhar com o engenheiro de áudio, especialmente quando se produz uma canção. Também o engenheiro de áudio executa um trabalho extremamente complicado, pois não apenas grava as instruções em inglês, usando uma variedade de habilidades, mas também grava vozes em francês, português, espanhol, mandarim, japonês, haitiano , coreano e árabe. Ele também é músico e compôs muitas músicas do programa. Os programadores levam entre uma e três semanas para programar uma única atividade, dependendo de quão complexa seja sua funcionalidade. O programa usa uma arquitetura cliente-servidor. 37 Isso significa que a “inteligência” está hospedada num “servidor” – pequena caixa que se comunica com um cliente – ou em cada computador que um aluno utiliza. O processo completo – do objetivo à finalização das atividades – leva aproximadamente três meses. Há, ainda, o trabalho dos avaliadores que revisam o programa em busca de erros. Nesse departamento, há falantes nativos de português, chinês, mandarim, japonês, enfim de todos os outros idiomas atendidos pelo programa. Eis breve resumo de como o processo funciona, usando-se uma analogia esportiva. X QA X O V X D A X O O GOAL ! No jogo de futebol, americano ou não, o técnico marca o posicionamento de todos os jogadores. Assim, “X” é o designer. Após discussão sobre a instrução e como ensinar habilidade específica, busca-se o redator, representado por um “O”. Há uma reunião com a equipe de design – arte, áudio programadores e, algumas vezes, 38 programadores de vídeo. Para chegar à especificação da forma desejada, são necessárias várias discussões entre o designer e o redator. Em seguida, o redator descreve tudo e passa detalhes para o programador, o artista, o especialista em vídeo e o engenheiro de áudio. Assim, quando a produção da atividade é concluída, ela vai para o controle de qualidade ou teste. Algumas vezes, os avaliadores fazem perguntas sobre o design ou eles podem comunicar-se com o redator no caso de uma inconsistência entre a atividade em si e a forma como o redator a especificou. Quando tudo funciona bem, “marca-se um gol”. Algumas vezes os redatores devolverão o material para os integrantes da equipe de pesquisa, não ocorre com frequência. O redator pode ter que enviar o design de volta para o designer e, nesse caso, é necessário começar tudo de novo. O currículo ensina habilidades que variam da fluência para o iniciante a praticamente fluência completa em inglês. O objetivo é ensinar alunos de quatro a doze anos de idade, dando prioridade a crianças mais velhas e mais fluentes. Uma das mais recentes criações é um programa de televisão que integra as atividades do programa em uma história. O programa é apresentado por Jack, um caçador de tesouros, e Booster, seu assistente, que fala qualquer idioma que se faça necessário. Fundamentação teórica Para estudantes do idioma inglês, o ensino explícito oferece procedimentos claros, específicos e fáceis de seguir, que simplificam o 39 aprendizado de uma nova habilidade ou estratégia. Ele possui um benefício adicional muito importante: quando as habilidades são ensinadas de forma explícita, os estudantes de inglês também aprendem o idioma associado a elas (CALDERON, HERTZLAZAROWITZ & SLAVIN, 1996). Algumas diretrizes úteis de instrução explícita são (HALL, 2002): 1. Ser explícito sobre grandes ideias (equilíbrio entre falta de objetivos e quantidade de objetivos ). 2. Tornar as estratégias evidentes. Todos os alunos, principalmente alunos com necessidades especiais, se beneficiam de ter as estratégias importantes tornadas claras e evidentes. 3. Fornecer estrutura de mediação. A estrutura de apoio à aprendizagem deve ser ajustada à medida que a capacidade do aluno muda. Em outras palavras, a estrutura é dinâmica ou reativa ao progresso do aluno. 4. Exigir que os alunos respondam com frequência. Quanto mais ativos eles forem no aprendizado, maior será o sucesso. 5. Fornecer comentários para as respostas corretas e incorretas imediatamente. As instruções de alfabetização com o Imagine Learning English são muito explícitas: os alunos assistem ao vídeo de uma boca em movimento para saber como pronunciar os fonemas em inglês associados às letras. Eles aprendem como pronunciar as palavras, usando o conhecimento que têm do som das letras, e descobrem o significado de cada palavra que aprendem a ler usada numa sentença e traduzida. 40 Para desenvolver a compreensão de leitura, os alunos aprendem a responder perguntas literais e inferenciais. Quando uma professora diferencia as instruções, ela as ajusta às necessidades dos alunos: ela reage aos indivíduos, reconhecendo o conhecimento variado, a capacidade de leitura, a linguagem, as preferências de aprendizado, os interesses dos alunos e responde de acordo (HALL, 2002). O objetivo da diferenciação é levar os alunos adiante no processo de aprendizagem. É uma ferramenta poderosa, mas que os 41 professores relutam em usar quando encontram uma sala de aula cheia – tipicamente abrangendo capacidade de leitura de cinco anos. O Imagine Learning English diferencia o nível de aprendizado dos alunos pelo menos de quatro formas: 1. O teste de posicionamento determina pontos iniciais separados no ensino de vocabulário e alfabetização e no desenvolvimento da linguagem oral. 2. O programa regula ou encadeia o aprendizado com base no desempenho dos alunos. Se, por exemplo, o aluno dominar um conjunto de palavras de vocabulário – três lições seguidas –, o programa acelera o ritmo, racionalizando as atividades. Por outro lado, se um aluno não dominar um conceito, o programa o ensina novamente. 3. O aluno pode receber ajuda no idioma nativo, que é estratégica e gradativamente retirado. 4. Os alunos recebem comentários informativos ajustados às suas respostas. Assistem a vídeos que descrevem a palavra “pesquisa”. Em seguida, são solicitados a fornecer a palavra numa sentença com lacunas. Os alunos podem assistir a vídeos para cada uma das palavras e, em seguida, selecionar a palavra correta para a sentença com lacunas. Eles praticam sua compreensão da palavra ao ouvir pistas em Dê um nome à palavra. 42 Finalmente eles demonstram o que aprenderam no teste Mostre o que você sabe. Leem e gravam um dos artigos sobre o desenvolvimento de vacinas, por exemplo. À medida que gravam, praticam a linguagem relacionada ao método científico. 43 Eles recebem a impressão de um organizador gráfico sobre o método científico, o qual também serve como prompt para a composição de um resumo. A impressão poderia ser completada por um par mais fluente, possibilitando conversas acadêmicas “estruturadas” e adicionais. 44 Para ajudar estudantes iniciantes de inglês, decidiu-se usar seus idiomas principais como ponte para o aprendizado de inglês. Criou-se um sistema chamado “remoção progressiva do primeiro idioma”. É quando se aproveita a noção de estrutura de Vygotsky – prestar suporte no início e removê-lo gradualmente. É assim que funciona: quando encontram uma atividade pela primeira vez, os alunos ouvem instruções no idioma nativo. Nas próximas duas vezes que passarem por ela, as instruções serão apresentadas em inglês. Eles podem solicitar as instruções no idioma nativo clicando num botão de tradução. Daí em diante, as instruções serão sempre apresentadas em inglês. Se os alunos falharem ao responder a determinada instrução por longo período de tempo, ouvirão as instruções no idioma nativo. À medida que avançam no aprendizado do idioma, os alunos passam a ouvir as instruções somente em inglês. Continua o fornecimento de tradução para novas palavras do vocabulário e, havendo apresentação de tarefa mais complicada, como desenhar uma inferência, aparecem explicações no idioma nativo. Considerações finais Embora o programa seja muito recente para podermos avaliar o resultado de aprendizagem, de alunos imersos ou não na cultura da língua inglesa, é possível destacar a flexibilidade da plataforma que apoia esse recurso tecnológico, cujo roteiro está sustentado em pesquisas linguísticas contemporâneas. 45 Referências CALDERON, M. E.; HERTZ-LAZAROWITZ, R.; SLAVIN, R. Effects of bilingual cooperative integrated reading and composition on student transition from Spanish to English. Elementary School Journal, 1996, p. 153-165. COHEN, M.J.; HALL, J.; RICCIO, C.A. Neuropsychological profiles of children diagnosed as specific language impaired with and without hyperlexia. Arch Clin Neuropsychol, 2002, p. 223-229. Construção, fixação e reforço de conhecimentos matemáticos com a utilização de recursos informatizados Gilmar Bornatto4 RESUMO Considerando as bases teóricas da pedagogia construtivista e da informática educativa, este trabalho apresenta um modelo de aprendizagem que contempla atividades experimentais de construção, fixação e reforço de conhecimentos matemáticos com a utilização de recursos informatizados, em especial do Adobe Flash, primariamente um software de gráfico vetorial, apesar de suportar imagens bitmap e vídeo, usado geralmente para a criação de animações interativas. Essa apresentação visa, de modo geral, a estimular o uso das TIC (tecnologias da informação e comunicação) de forma interativa nas 4 Graduado em matemática (UFPR), com especialização em educação (UFRJ) e matemática (UFPR), mestrado em engenharia de produção (UFSC) sobre uso de softwares no ensino da geometria, professor de ensino médio e superior há mais de 15 anos; desenvolve projetos em flash para ensino de matemática. 46 aulas de qualquer disciplina, mas especificamente favorecer a identificação, análise e proposição de ações que integrem competências e habilidades da matemática com a informática. Palavras-chave: conhecimentos matemáticos, recursos informatizados, uso de software, uso de jogo educacional. Introdução São raras as pessoas que acreditam ser possível educar uma criança ou um jovem sem as novas tecnologias da informação. Softwares e aplicativos, no entanto, não são componentes de uma fórmula mágica que, combinados ou isolados, melhoram a qualidade do ensino. Ao contrário, se usados sem orientação, podem muito pouco ou nada, garantem os educadores. Para um software ou um jogo educacional ser bem aproveitado, o aluno precisa de orientação. Por isso, é recomendável utilizá-los dentro de uma estratégia pedagógica preestabelecida. Novas tecnologias e ensino A educação desempenha importante papel no processo de formação do perfil necessário ao cidadão da atual sociedade, a informacional. Essa formação, entre outros aspectos, implica o conhecimento das tecnologias da informação e comunicação (TIC). Segundo Ponte, Oliveira e Varandas (2003), as TIC podem colaborar com o professor na criação de situações de aprendizagem estimulantes, favorecendo, também, a diversificação das possibilidades de aprendizagem. No entanto é preciso uma formação 47 adequada para o professor poder utilizar criticamente as TIC como recurso pedagógico. Segundo Pretto (1996), para o corpo docente, a tecnologia representa, muitas vezes, um elemento complicador, já que o grupo de professores possui condições de trabalho que envolvem: a) grande quantidade de aulas semanais; b) pouco tempo de sobra para reciclagem e aperfeiçoamento; c) baixo nível salarial; d) pouco tempo para o lazer. Como exigir desses professores, que mal têm tempo para reciclar conteúdos, que venham a dominar mais essa técnica de aulas em computador? Se a esse fator se somar a falta de um projeto pedagógico adequado, a informática na educação pode ser apenas um grande transtorno – perda de tempo, desmotivação –, causando ainda maior resistência às inovações tecnológicas. O professor Frederich Litto (apud BORNATTO, 2002), da Escola do Futuro da Universidade de São Paulo (USP), defende que a informática e seus recursos representam novo paradigma para a educação. Para ele, o uso do computador e da mídia permite que os alunos deixem de decorar conhecimentos que se possam tornar ultrapassados com facilidade para aprender a fazer perguntas certas, a tomar decisões corretas e a comunicar essas decisões a terceiros, enquanto o professor deixa de ser repetidor de conceitos, mero entregador de informações, para assumir papel mais nobre: o de facilitador, que elabora atividades para o aluno aprender. A revolução provocada pela informática impõe ao educador uma revolução pedagógica – é o que defende Papert (apud ALMEIDA, 48 1998, p. 67), que faz uma conjunção importantíssima de teoria e prática de informática com os estudos de Piaget: O computador vem permitir que as crianças que têm acesso a ele construam elas mesmas suas estruturas intelectuais, espontaneamente, sem que estas lhe sejam inculcadas. O que não significa que elas sejam elaboradas a partir do nada. Ao contrário, a criança elabora suas estruturas de pensamento manipulando os materiais que encontra em seu ambiente. Na verdade trata-se de uma aplicação, a partir de um instrumento técnico, da proposta piagetiana de formação dos esquemas de assimilação, cooperação, coordenação, equilíbrio, reversibilidade, descentralização e outros. Piaget observou que a criança constrói a noção de certos conceitos porque interage com objetos do ambiente onde ela vive. Papert (1980), aliás, denominou esse tipo de aprendizado de "piagetiano": “Quando o aprendiz está interagindo com o computador, ele está manipulando conceitos e isso contribui para o seu desenvolvimento mental. Ele está adquirindo conceitos da mesma maneira que ele adquire conceitos quando interage com objetos do 49 mundo, como observou Piaget” (PAPERT apud VALENTE, 1998, p. 39-40). Coelho (1996, p. 43), numa visão construtivista, afirma que não é ao computador, por si só, que pode ser imputada qualquer eficácia do ponto de vista cognitivo, afetivo ou metacognitivo. O contexto, as interações entre professores e alunos, o tipo de situações de aprendizagem são aspectos importantes no processo de aprendizagem. No caso da matemática, embora as calculadoras, sobretudo as gráficas, que produzem gráficos e trabalham com funções algébricas, sejam ainda utilizadas e investigadas em sala de aula, os microcomputadores e a internet vêm ganhando cada dia mais espaço e adeptos, tanto na prática escolar como na pesquisa educacional. Entretanto pouco ainda se conhece sobre o impacto das novas tecnologias em sala de aula, no que diz respeito às crenças, às habilidades, às concepções e reações de professores, alunos e pais, ou ainda ao próprio processo de ensino. De acordo com Kilpatrick (1994), as novas tecnologias permitem aos estudantes não apenas estudar temas tradicionais de maneira nova, mas também explorar temas novos, como a geometria fractal. Gracias (2000, p. 24) considera que um professor de matemática precisa conhecer os softwares a utilizar no ensino de diferentes tópicos e ser capaz de reorganizar a sequência de conteúdos e metodologias apropriados para o trabalho com a tecnologia de informática em uso. 50 Almeida (1998, p.12) ressalta que o professor deve ser um projetista que propõe materiais a serem programados, os quais ele pode criticar, recompor, aumentar, usar parcialmente etc. Essa capacidade de saber o que quer e de projetar o perfil de seu material é que permite ao professor se assenhorear do instrumento, utilizá-lo eficaz e criativamente, argumenta. A utilização de materiais apropriados pode produzir também, segundo Leitão, Fernandes & Cabrita (apud BORNATTO, op. cit.), situações altamente motivadoras, contribuindo para a eficácia da resolução de problemas. Um alto nível de motivação tem sido observado nos alunos que trabalham com o computador, o que indica vantagens de sua utilização como poderoso auxiliar da resolução de problemas, visto que "contribui para quebrar bloqueios anteriores relativamente à aprendizagem da matemática" (MOREIRA, 1989, p.213). Nesse sentido, e pretendendo contribuir para a melhoria dos processos de ensino e aprendizagem nos ensinos fundamental e médio, apresentamos jogos e atividades, alguns traduzidos, outros desenvolvidos por nós, com a utilização do programa Flash. Essa apresentação visa, de modo geral, a estimular o uso das TIC (tecnologias da informação e comunicação) de forma interativa nas aulas de qualquer disciplina, mas especificamente favorecer a identificação, a análise e a proposição de ações que integrem competências e habilidades da matemática com a informática. Em particular na matemática, as TIC podem oferecer grande contribuição, à medida que: I) reforçam o papel da linguagem gráfica e 51 de novas formas de representação; II) relativizam a importância do cálculo; III) permitem a manipulação simbólica (PONTE; OLIVEIRA; VARANDAS, 2003). Apresentação de alguns exemplos de jogos desenvolvidos em Flash Seguem alguns jogos desenvolvidos com uso do Flash, visando à fixação e ao reforço de conteúdos matemáticos desenvolvidos pelo professor em aula. 1. Jogo das potências Objetivo: fixar as principais propriedades operatórias da potenciação. Tela inicial 52 O aluno deve carregar com o mouse os quadrados laterais (mais escuros) para o local onde a propriedade correspondente está correta. Existe um contador de pontos de acertos e também aparece na tela um relógio que cronometra o tempo gasto. É possível estabelecer regras, como, por exemplo: pontuação total subtraída do tempo gasto. Isso estimula a disputa entre os grupos, o que torna o exercício mais agradável ao aluno. 2. Jogo da velha matemático Oobjetivo: reforçar conceitos matemáticos ou geométricos. Tela número 1 Tela número 2 53 O aluno deve escolher um dos temas tentando sempre completar três acertos em mesma linha. Escolhendo o tema, aparece uma pergunta a ser respondida (digitada) na caixa de respostas; se responder corretamente, marca um X no retângulo da pergunta, lembrando que o competidor corre contra o tempo. É dividido em três níveis de dificuldade. No último, o aluno deve acertar ou completar os nove quadrados para ganhar. Tela número 3 54 Observe que duas respostas corretas já foram digitadas, faltando responder corretamente a próxima. Se a resposta for errada, aparece a figura O, como no jogo da velha, e assim sucessivamente. 3. Cruzadinha de geometria Tela número um Neste jogo, o aluno faz uma cruzadinha usando seus conhecimentos de geometria. Clicando em cada linha ou coluna da cruzadinha, aparece a pergunta e uma caixa onde deve ser digitada a resposta correta. Tela número dois 55 Observe que duas respostas já foram dadas, estando a tela no aguardo da resposta (digitação) à pergunta. 4. Jogo da memória Tela número um 56 Neste jogo de memória, como em outro qualquer, o aluno clica em dois retângulos, buscando associar a figura ao seu nome. Por exemplo, a imagem do quadrado com a palavra quadrado. Também há um contador de tempo para se estabelecer uma dinâmica competitiva com a turma. Tela número dois Cabe destacar: no exemplo acima, já se passaram 1:29 e quatro figuras foram associadas aos seus nomes. 5. Forca matemática Tela número um Na tela inicial, o aluno escolhe ou o professor indica o tema a ser trabalhado. 57 Tela número dois O jogo está acontecendo. Com algumas tentativas de erros e acertos, o boneco vai formando-se assim com a palavra que, por sinal, é variável. São apenas alguns exemplos como sugestão de possibilidades para o desenvolvimento de jogos, buscando sempre ter como foco a aprendizagem. Visam, de maneira bem abrangente, à fixação, ao reforço e à aquisição de novos conhecimentos trabalhados ou não com os alunos. 58 Considerações finais Enquanto o ensino enfatiza o professor, sua pessoa, suas qualidades e habilidades, a aprendizagem centra-se no aluno, em suas capacidades, possibilidades, oportunidades, condições de aprender. Entende-se que o processo ensino-aprendizagem deve privilegiar a aprendizagem dos alunos, pois a docência, qualquer que seja a área ou o nível, existe em função da discência, devendo ser esse o foco do processo. A utilização de jogos e softwares educacionais (SE) pode auxiliar o desenvolvimento do pensar crítico e do aprender a aprender nos alunos. Entende-se que, independentemente da modalidade de software desenvolvido e utilizado em determinado contexto, é a concepção que o professor tem do que seja aprender que direciona o uso da ferramenta. Dessa forma, numa abordagem construtivista, a utilização de SE pode contribuir para tratar de propostas intelectuais que dificilmente seriam possíveis, nas suas melhores formas, sem a utilização do computador. Seria pretensão querer esgotar o assunto neste artigo. Buscamos apontar relações entre a prática pedagógica e a tecnologia de informática, as quais podem e devem ser mais bem trabalhadas por aqueles que se inquietam com esse novo paradigma educacional, com essas novas possibilidades. Também foi intenção mostrar a grande disponibilidade de recursos ainda pouco explorados na educação. Referências 59 ALMEIDA, Fernando José de. Educação e Informática: os Computadores na Escola. São Paulo: Cortez, 1988. ALMEIDA, M. E. A formação de recursos humanos em informática educativa propícia à mudança de postura do professor. In: VALENTE, José Armando (Org.). O Professor no Ambiente Logo - Formação e Atuação. Campinas: Unicamp/Nied, 1996, p. 163-173. BORNATTO, Gilmar. Uma proposta de procedimentos para o ensino da geometria plana, assistido por computador. Dissertação de Mestrado: UFSC, abr. 2002. COELHO, M. I. P. O cabri-géométre na resolução de problemas. Dissertação de Mestrado: Universidade de Aveiros, Lisboa, 1996. GRACIAS, T. de Souza. Informática como veículo para mudança. Revista ZETETKÉ, Cempem: FE/Unicamp, v. 6, n. 10, jul.-dez.1998. HILPATRICK, J. Investigación en educación matematica: su historia y alguns temas de actualidad. In: KILPATRICK, Rico; GÓMEZ. Educación Matematica. México: Grupo Editorial Iberoamerica, 1994. PONTE, J. P.; OLIVEIRA, H.; VARANDAS, J. M. O contributo das tecnologias de informação e comunicação para o desenvolvimento do conhecimento e da identidade profissional, 2003. Disponível em: <http://www.educ.fc.ul.pt/docentes/jponte/artigos_pt.htm>. Acesso em: 3 set. 2004. PRETTO, N. De Luca. Uma Escola sem com Futuro. 2. ed. Campinas: Papirus, 1996. VALENTE, J. A. (Org.) Computadores e Conhecimento: Repensando a Educação. Campinas: Unicamp/Nied, 1999. 60 _______________. Computadores e Conhecimento: Repensando a Educação. 2. ed. Campinas: Unicamp/Nied, 1998. MÚLTIPLOS OLHARES SOBRE O EXAME NACIONAL DA IRLANDA: UM ESTUDO DE CASO EM GEOGRAFIA Cibele de Cássia Xavier Cruz5 Nair Lobo Pacheco6 Rosane de Mello Santo Nicola7 RESUMO 5 Graduada em história e geografia (UFPR), especialista em novas tecnologias para a educação (Spei), especialista em metodologias para o ensino fundamental (Universidade Positivo), mestre em antropologia cultural (UFRJ) com foco em formação de padrão cultural em adolescentes a partir da mídia. Titular de geografia do Colégio Dom Bosco e autora de material didático de ensino fundamental e médio. 6 Graduada em ciências biológicas (PUC-PR), especialista em metodologia científica (Unibem) e mestre em engenharia da produção, mídia e conhecimento (UFSC). Supervisora científica do CPDE (Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em Educação) do Colégio Dom Bosco e professora de formação inicial de professores em instituição de ensino superior em Curitiba. Titular das disciplinas de ciências e biologia do Colégio Dom Bosco. 7 Graduada em letras (UFPR), especialista em gestão de pessoas (FAE) e mestre em educação (PUC-PR). Coordenadora científica do CPDE (Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em Educação) do Colégio Dom Bosco, professora de cursos de graduação e pós-graduação da PUC-PR; coordenadora de curso de pósgraduação em desenvolvimento editorial com ênfase em materiais didáticos (PUC-PR); professora de cursos de especialização das faculdades Bagozzi e Unifae. 61 Este estudo é fruto de um trabalho colaborativo realizado pelo Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em Educação (CPDE) de uma instituição de ensino privado de Curitiba, cujo contexto se destaca por passar, desde o primeiro semestre de 2008, pela implantação de seu Projeto Político Pedagógico (PPP), reformulado em 2007. Assim, neste momento, acompanham-se o desenvolvimento dos processos e os resultados oriundos das discussões geradas por esse documento. O PPP propõe um currículo por competências e habilidades e, portanto, esta análise dos exames produzidos na Irlanda (2007) teve como objetivo capacitar os docentes envolvidos no processo pedagógico instituído naquele estabelecimento de ensino quanto à elaboração de instrumentos de avaliação de conhecimentos por habilidades. Dessa forma, ao analisar os exames nacionais irlandeses, na área de geografia, nas dimensões do letramento linguístico, cartográfico e sociocientífico, busca-se promover a formação continuada dos docentes da área de geografia, incentivando-os a repensar a estrutura das avaliações produzidas por eles. A escolha recai sobre a Irlanda, uma vez que esse país despontou no cenário mundial por obter excelentes resultados no programa internacional de avaliação comparada, o Pisa. Para tanto, formou-se um grupo de professores, respondendo pelas áreas de geografia, biologia e língua portuguesa, integrados pelas perspectivas de letramento e mapas conceituais. A análise revela que a abordagem dos exames irlandeses se coaduna com os conceitos estruturantes presentes no mapa conceitual de geografia proposto no PPP da referida instituição de ensino. Isso se deve ao fato de haver uma base comum 62 epistemológica de geografia, embora a construção desse processo pedagógico seja diferente sob todos os demais pontos de vista. Palavras-chave: avaliação por habilidades, letramento, geografia, formação de professores Introdução O presente artigo é fruto de um trabalho colaborativo que se iniciou com a visita técnica realizada por um grupo multidisciplinar de estudos à Irlanda no primeiro trimestre de 2008. O grupo teve acesso a algumas provas do Exame Nacional da Irlanda, em especial na área de geografia. De posse desses exames, no retorno ao Brasil, foi solicitada uma análise dessas provas ao Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em Educação (CPDE) do Colégio Dom Bosco, para avaliar como se apresentavam esses instrumentos quanto à estrutura das questões, seleção de conteúdos e às habilidades contempladas. Para tanto, formou-se um grupo de professores, respondendo pelas áreas de geografia, biologia e língua portuguesa. A discussão acerca da elaboração de instrumentos de avaliação adequados e eficazes é um desafio para todas as áreas dentro e fora desse estabelecimento de ensino. Especificamente no contexto dessa escola, a equipe pedagógica tem-se debruçado sobre essa questão, buscando promover a formação continuada do corpo docente, visando à construção de outro olhar sobre a avaliação focada na aprendizagem e no desenvolvimento de habilidades do aluno. 63 Para tanto, toma-se como fundamento teórico, nesta análise, duas perspectivas: letramento e mapas conceituais. A primeira entendida como caráter eminentemente unificador do currículo, cujas dinâmicas de ensino formal de cada disciplina, ainda que distintas, se tornam significativamente complementares. A segunda como forma de organização e representação articulada dos principais conceitos do conhecimento escolar necessários à apropriação do aluno ao longo da educação básica, considerando-se que ele pode ser um ponto de partida para novos equacionamentos da relação entre conhecimento, currículo e práticas educativas. Em seguida, apresentam-se três olhares sobre as provas de geografia do exame nacional da Irlanda /2007, visando a incentivar a reflexão docente sobre a prática de elaboração de instrumentos de avaliação voltados para as habilidades. Inicialmente, são abordados aspectos linguísticos e discursivos evidenciados nos enunciados das questões; em seguida, faz-se a análise de conceitos e habilidades propostos nas questões. Finalmente, apresenta-se o contexto sóciohistórico da Irlanda, a fim de situar as provas no tempo e no espaço, já que docência é uma atividade complexa e altamente contextualizada, variando no tempo e no espaço conforme as necessidades sociais. Letramento e mapas conceituais: fundamentos para a análise Adota-se neste estudo a concepção de letramento que Senna (2007) propõe como sendo a primeira macroárea de conhecimento acadêmico instituída no século XXI no campo das humanidades, referenciando o pensamento escolar contemporâneo numa perspectiva unificadora, cuja motivação primordial é a dimensão 64 humana, inclusiva e intercultural. Essa perspectiva transdisciplinar, segundo o autor, conduz o letramento como especialidade acadêmica dentro da área de educação, em torno da qual se interpenetram desde os processos de alfabetização, a compreensão de leitura e escrita, a educação matemática e científica, a inclusão digital, até as teorias dos modelos e dos sistemas cognitivos. Assim, a escola é concebida como uma agência de letramento linguístico, literário, matemático e sociocientífico, cujas aulas passam a ser práticas educativas de leitura e escrita ensinadas como estratégias cognitivas de processamento de texto. Como afirma Vygotsky (1993, p. 44), “o desenvolvimento do pensamento é determinado pela linguagem, isto é, pelos instrumentos linguísticos do pensamento e pela experiência sociocultural da criança”. Costa (2007, p. 254) afirma: Hoje, mais do que nunca, face às exigências do mundo atual, a leitura tem um papel fundamental no processo de construção do conhecimento, seja como fio condutor interdisciplinar, seja na no rede do currículo desenvolvimento de competências e habilidades na interação com diferentes sistemas de expressão com os quais se queira formar um aluno capaz de aprender, por si próprio, ao longo da vida. Cada disciplina pressupõe determinados modelos particulares de texto – gêneros textuais ou discursivos, que são formas socialmente realizadas em textos orais ou escritos e estão parcialmente 65 estabilizadas por sua circulação histórica e social ( Bakhtin, 1995). E, para que se possa letrar o aluno, no sentido do uso efetivo das práticas da cultura escrita, garantindo seu desenvolvimento como sujeito social e, portanto, promovendo sua formação cidadã, é essencial colocá-lo em contato com gêneros textuais produzidos fora da escola, em diferentes áreas de conhecimento. Assim, para cada gênero textual, há estratégias específicas de leitura que transitam na esfera das aulas da disciplina, sendo fundamental o domínio do docente para transferir, além dos conhecimentos, o desenvolvimento das habilidades de leitura, entendida aqui como ato de produzir sentidos a partir de conhecimentos prévios de mundo, linguísticos e textual-discursivos. Mapas conceituais, também chamados mapas visuais, mapas mentais, pensamento visual ou organizadores gráficos, são ferramentas para organizar e representar visualmente o conhecimento. Eles incluem conceitos, geralmente inseridos em algum tipo de diagrama, relacionados entre si por meio de uma linha de conexão. Esses conceitos podem ser organizados de maneira hierárquica, indo do mais geral, em cima ou ao centro, para o mais particular, embaixo ou nas extremidades. Quanto à origem dos mapas conceituais, existem duas vertentes. A maioria dos autores informa que essa técnica está fundamentada na Teoria da Aprendizagem Significativa, de Ausubel e John Novak (1963), segundo a qual "o aprendizado significativo acontece quando uma informação nova é adquirida mediante esforço deliberado por parte do aprendiz em ligar a informação nova com conceitos ou proposições relevantes preexistentes em sua estrutura cognitiva” 66 (Ausubel et al, citado por SOUZA, 2003). Isto é, a aprendizagem ocorre “quando uma nova informação se ancora em conceitos ou proposições relevantes preexistentes na estrutura cognitiva do indivíduo” (CAVE, 2003). Por outro lado, vários outros estudiosos citam Tony Buzan como o criador dos chamados mapas mentais em 1960. Em seu site, Buzan conta como criou os mapas mentais, associando sua criação à descoberta, também nos anos 60, dos hemisférios cerebrais pelo pesquisador Roger Sperry. Em suas pesquisas, Sperry confirmou que, quanto mais as habilidades dos dois hemisférios do cérebro (lógica, linearidade, números, redação, listas, ritmo, cor, sonho, imaginação e apreensão do todo (Gestalt)) fossem integradas, mais a atuação do cérebro estaria em sinergia e cada habilidade intelectual diferente estaria melhorando a atuação nas outras áreas intelectuais. Quando se constroem os mapas mentais, não se praticam apenas os poderes fundamentais da memória e da habilidade de processamento de informações, organização e ligações em rede; usam-se também todas as habilidades cerebrais, a caminho de ajudá-lo a manifestar seu próprio gênio (BUZAN, 2003). Para Harland (2003), (a) os mapas não precisam ser simétricos, isto é, eles podem ter mais conceitos de um lado que de outro; (b) não existem mapas completamente corretos, somente mapas que se aproximam do significado que se pretenda representar para os conceitos em questão; (c) devem ser colocadas poucas palavras numa caixa de conceito; (d) devem-se conectar poucas caixas seguidas sem ramificá-las; (e) podem ser usados conectivos que expressem a 67 relação para ligar dois conceitos; (f) os mapas são bidimensionais, não apenas uma lista de conceitos conectados por linhas; (g) os conceitos mais importantes podem ser identificados pelo posicionamento deles no mapa e que ideias se ramificam deles; (h) os mapas mais completos têm muitas bifurcações. Buzan (2003) também menciona alguns benefícios dos mapas mentais, destacando que permitem a visão geral de um assunto complexo; possibilitam o desenvolvimento cognitivo de maneira mais eficaz; proporcionam visão geral e detalhada de um tema; congregam e exibem grande quantidade de dados; encorajam a resolução de problemas, mostrando caminhos novos e criativos; ajudam a pessoa a ser muito eficiente; também são estéticos, o que incentiva a leitura, a reflexão e memorização. Considerando a base epistemológica, que fundamenta o ensino de cada disciplina, e a intenção de fazer frente aos múltiplos desafios da sociedade, numa perspectiva de enriquecimento contínuo dos saberes e do exercício de uma cidadania adequada às exigências da realidade atual, foram inicialmente selecionados os conteúdos científicos e essenciais. A seleção dos conceitos científicos essenciais surge do fato de não ser mais possível ensinar todo o conjunto de conhecimentos científicos acumulados de forma livresca, sem interação com fenômenos sociais, geográficos, naturais e tecnológicos. Para pensar os conceitos essenciais das disciplinas, partiu-se da identificação da palavra-chave de cada área de saber. No caso da geografia, é o espaço. A partir dela, desdobraram-se os conceitos 68 científicos essenciais ao desenvolvimento dos conteúdos. Apresentase a seguir esse mapa conceitual (Ilustração 1). Ilustração 1 – Modelo de mapa conceitual de geografia Dessa forma, o mapa conceitual foi concebido para traduzir o essencial da aprendizagem do estudante, sendo-lhe propiciadas diversas possibilidades interpretativas do espaço geográfico, para nele interagir criticamente, entendendo e relacionando as especificidades da geografia, nos aspectos que concernem à análise geográfica, partindo de temas e/ou lugares numa discussão que articule as questões da natureza e da sociedade. Aspectos linguísticos e discursivos dos enunciados A análise de aspectos linguísticos presentes nos enunciados das provas do Exame Nacional da Irlanda representa breve descrição de aspectos lexicais adequados ao tema ou aos modelos cognitivos 69 ativados nas questões. Assim, selecionaram-se apenas dois aspectos: a escolha de verbos (léxico) e os gêneros textuais (discurso) empregados na formulação das questões. Para tanto, estudaram-se três provas do exame nacional, uma de 2006 e duas de 2007. Para tanto, apresenta-se a tabela a seguir. Tabela 1 – Verbos Número de vezes em que é empregado Principais verbos de comando Examinar Prova Prova Prova 1 2 3 7 24 29 Diferentes sentidos de uso Observar minuciosamente, analisar, investigar Explicar 11 11 --- Expor Discutir --- --- 5 Avaliar, analisar A tabela mostra a incidência com que o ato de “examinar” está vinculado ao propósito da leitura e ao nível de desempenho, a compreensão, visto remeter à identificação e recuperação de dados em tabelas, gráficos, mapas e diagramas. Embora os demais verbos não sejam tão recorrentes, cabe apresentá-los no sentido de análise das exigências discursivas dessa avaliação. São eles: nomear, associar, escrever, numerar, desenhar, escolher, calcular, identificar, completar, classificar, analisar, comentar, ilustrar, circular. Isso reflete um dialogismo bastante rico, que promove práticas de contextos sociais diversos. Outro aspecto essencial para este estudo é a estrutura composicional dos enunciados: a objetividade, a preferência por um comando de cada vez, sem uso de recursos coesivos. O uso de 70 negrito em letras, numerais e termos determinantes para a resposta, tais como dois, cada; presença de títulos em algumas questões – numa prova com 12 questões, 8 têm títulos, sendo uma parte objetiva e outra discursiva, mas com possibilidade de escolha da questão para resposta. Finalmente, a tabela a seguir demonstra os dados sobre gêneros textuais encontrados. Tabela 2 – Gêneros textuais Gêneros textuais Número de vezes em cada prova presentes Prova 1 Prova 2 Prova 3 4 4 4 Mapas 2 3 4 Tabelas 7 6 2 Gráficos 2 2 6 Esquemas 1 1 --- Imagens 1 1 --- Imagens de satélites, 5 3 --- Diagramas (representações esquemáticas, desenhos com letras) fotos Fica evidente que as provas avaliam exaustivamente a habilidade de compreensão de gêneros textuais típicos da geografia, que fazem interface com a matemática (conceitos estatísticos). Nesse sentido, faz-se necessário o trabalho com as etapas de tratamento de dados (coleta, organização e interpretação). Cabe considerar o valor dado nessas provas ao desenvolvimento de um sujeito social que saiba articular representações gráficas com práticas e necessidades 71 sociais, o que lhe permite voltar-se à pesquisa e ao confronto de ideias, ações essenciais na sociedade contemporânea. Análise de alguns conceitos e habilidades propostos nas questões As instituições de ensino privado no Brasil, pela necessidade de atender às demandas da sociedade, com a exigência de resultados efetivos de aprendizagem, buscam analisar exemplos e modelos bemsucedidos de experiências no mundo. Essa estratégia permite ao docente constante pesquisa e diálogo com seus pares, estudando soluções viáveis de aplicação na escola. Diante disso, os exames são objetos de estudo viáveis para comparar a forma de abordagem dos conceitos estruturantes da geografia naquele país com os instrumentos construídos pelos docentes de geografia na referida instituição privada brasileira. Nesse sentido, dada a limitação desse gênero textual, tomam-se para análise do exame irlandês os seguintes conceitos essenciais do mapa conceitual: letramento cartográfico (Ilustração 2), localização(Ilustração 3) e meio técnico-científicoinformacional (Ilustração 4). O aspecto referente à representação do mundo e dos diversos lugares, por meio de mapas temáticos, iconografia, maquetes e plantas, imagens de satélites tendo presentes a legenda, a escala e a orientação, levando-se em conta, ainda, o tratamento das informações geográficas e as novas tecnologias, é fundamental para o desenvolvimento cognitivo do estudante. 72 Imagem de satélite Observe esta imagem de satélite de uma parte da costa oeste dos EUA e do Canadá. Associe cada uma das letras de A a E na imagem com as características apropriadas a seguir. Nº Característica Rio Valley Banco de neblina costal Campos com neve Ilha Grande Nuvem fina Ilustração 2 – Modelo de questão do Exame Nacional da Irlanda – Seção 1 O exposto em relação à educação geográfica e à compreensão do espaço geográfico parte da compreensão de espaço como “conjunto indissociável, solidário e também contraditório, de sistemas de objetos e sistemas de ações, não considerados isoladamente, mas como o quadro único no qual a história se dá” (SANTOS, 1996, p. 51). Dentro do letramento geográfico, a cartografia é uma peça fundamental para a construção dos saberes do estudante. Assim, o letramento cartográfico é o principal foco dos Exames Nacionais da Irlanda, exigindo que o estudante demonstre o domínio dessa habilidade. A cartografia, então, é considerada uma linguagem, um sistema-código de comunicação imprescindível em todas as esferas da aprendizagem em geografia, articulando fatos, conceitos e sistemas conceituais que permitem ler e escrever as características do território. Nesse 73 contexto, ela é uma opção metodológica, o que implica utilizá-la em todos os conteúdos da geografia, para identificar e conhecer não apenas a localização dos países, mas entender as relações entre eles, compreender os conflitos e a ocupação do espaço (CASTELLAR, 2005, p. 4). Assim, fica nítido dentro do desenvolvimento da prova de geografia que o letramento geográfico e seus pressupostos garantem ao aluno demonstrar domínio do conhecimento específico da área. O letramento geográfico constitui-se na construção de um universo teórico-metodológico específico para a geografia inspirado na concepção de letramento advindo da linguística. Este é o grande desafio para a construção do pensamento geográfico, pois se sobrepõem no debate acadêmico alguns elementos como a interdisciplinaridade, a contextualização, a epistemologia própria da ciência, as demandas políticas e ideológicas que norteiam o fazer pedagógico, entre outros. O segundo conceito estruturante presente na prova é localização. Como já foi enfatizado, compõe a referência conceitual mais importante da geografia no que diz respeito ao espaço. Observe estes diagramas, mostrando a evolução cíclica de uma topografia fluvial. Usando os números 1 a 3, identifique os estágios novo, maduro e velho. 74 Ilustração 3 – Modelo de questão do Exame Nacional da Irlanda – Seção 1 Quanto ao conceito referente ao meio técnico-científicoinformacional, na última seção do exame, o estudante faz escolhas entre os seguintes conceitos: globalização, geoecologia, cultura e identidade, desenvolvimento da atmosfera e hidrosfera. Seguem três questões de um dos conceitos propostos no mapa conceitual. Geoecologia 1. Analise as implicações globais da destruição continuada das florestas úmidas tropicais. 2. Discorra sobre como as atividades humanas podem acelerar a erosão do solo. 3. Ilustre o desenvolvimento dos biomas e escolha um exemplo específico. Ilustração 4 – Modelo de questão do Exame Nacional da Irlanda – Seção 3 Assim, há convergência entre os Exames Nacionais da Irlanda e o atual ensino de geografia, permitindo identificar expectativas em relação à aprendizagem futura dos estudantes. Os resultados alcançados pelo país possibilitam vislumbrar caminhos para a constituição de um letramento geográfico efetivo, que possibilita ao estudante realizar não apenas a leitura do mundo, mas agir sobre ele e transformá-lo de forma crítica. O Exame Nacional é dividido em três partes. À medida que o instrumento apresenta as questões, o estudante é exigido de forma diversificada e pode fazer escolhas entre temas e modelos de 75 questões, de acordo com a proposta das habilidades a serem avaliadas. A proposta de desenvolvimento das habilidades fica evidente quando as questões diferenciam em níveis cognitivos distintos (menos elaborado, mais elaborado, complexo), apesar de exigir do estudante a demonstração do domínio de uma mesma habilidade. Usando um jargão comum: existem questões fáceis, médias e difíceis sobre a mesma habilidade. O estudante pode escolher questões diferentes para responder dentro da prova, contudo as habilidades presentes nas questões são as mesmas. Nos exames, é possível inferir a presença de uma classificação, semelhante à taxionomia de Bloom, como demonstrado no quadro. As questões não são apresentadas de forma hierarquizada, mas estão voltadas para a demonstração do domínio de habilidades essenciais de acordo com a faixa etária e os conceitos estruturantes da área na qual o estudante está realizando a prova. Cada questão é relacionada a um valor (pontuação), apresentando-se de forma bastante equilibrada a distribuição dos pontos diante das habilidades que ele deve demonstrar em cada faixa etária. Tabela 1 – Distribuição das questões de geografia no Exame Nacional da Irlanda Parte I Parte II 12 questões (obrigatória) Seção 1 - 6 questões Seção 2 - 6 questões Seção 3 - 12 questões (obrigatória) (enfoque) (opcional) Economia e Temas Geografia física e regional desenvolvimento humano Geopolítica, geoecologia, cultura e identidade, atmosfera e hidrosfera 76 Escala crescente de complexidade Taxionomia de Bloom Identificação e observação Explicação e síntese Aplicação e análise Os exames analisados deixam evidente a preocupação com uma educação geográfica que instrumentalize o estudante a compreender e explicar processos de transformação do mundo em que vive, enfocando sua dinâmica e compreendendo relações entre fenômenos sociais, econômicos e naturais. O estudo da geografia possibilita a compreensão da posição do aluno, mediante as relações da sociedade com a natureza e as consequências das ações individuais e coletivas. Pretende-se que o estudante se reconheça como membro participante, responsável e comprometido com os valores humanísticos, ambientais e tecnológicos. O diagrama a seguir expressa essa proposição. Ilustração 5 – A estrutura do Exame Nacional da Irlanda na área de geografia Percebe-se a preocupação em avaliar o estudante quanto à compreensão da epistemologia da geografia. Os conceitos 77 estruturantes da área são os focos de todo instrumento de avaliação. A prova é construída de forma interdisciplinar, contextualizada e voltada a um plano de letramento em que o aluno é levado a “relacionar espaço com natureza, espaço com sociedade, isto é, perceber os aspectos econômicos, políticos, culturais, entre outros, do mundo em que vive” (KAERCHER, 2007, p. 85). O letramento sociocientífico O resultado dos avanços tecnológicos e da valorização generalizada da educação formal do mundo pós-moderno em todos os países exige cada vez mais o desenvolvimento de habilidades cognitivas para que o homem possa vencer desafios e ocupar um papel social. Então, por que se debruçar sobre o estudo do exame nacional da Irlanda? Essa discussão desenvolve-se desde 2003, quando os primeiros resultados obtidos na Irlanda foram divulgados pela mídia. Os dados apresentados destacavam a mudança dos investimentos daquele país e os resultados educacionais alcançados, uma vez que o Brasil, nesse mesmo período, tinha obtido resultados sofríveis entre os 41 países avaliados pela Unesco. Há pouco mais de 30 anos, a Irlanda figurava como nação pobre, com elevados índices de analfabetismo e população com pouco acesso à educação. O interesse em integrar a comunidade econômica europeia levou os dirigentes do país a se perguntarem o que fazer para a Irlanda se transformar num país desenvolvido, voltado para o futuro. 78 (...) No lugar de mais infraestrutura econômica e desperdício em prédios públicos, a decisão foi a de que o país concentraria seus investimentos, ao longo das décadas seguintes, independentemente de resultados eleitorais, em três objetivos: saúde de qualidade e gratuita para todos, educação de excelência para todos e ciência e tecnologia de ponta. Desde então, a Irlanda investiu contínua e prioritariamente na educação de seu povo. O resultado: a Irlanda é hoje um dos países com a melhor educação entre todos do mundo (BUARQUE, 2003, p. 1). Esse contexto irlandês foi aperfeiçoado nos últimos cinco anos, tornando o país referência em educação no cenário mundial. A superação de suas limitações em curto espaço de tempo despertou o interesse de vários países, inclusive dos educadores brasileiros. Além da análise que envolveu a abordagem específica da disciplina, a prova de geografia do exame nacional da Irlanda permite refletir sobre sua elaboração, com base no contexto interdisciplinar, orientada pelo olhar das ciências naturais, que acrescenta o letramento sociocientífico a seus conceitos atuais. A educação sociocientífica, por possuir caráter interdisciplinar, envolve saberes capazes de constituir uma rede de significações que aproxima de diferentes conhecimentos para a compreensão da realidade conhecimento científico, é contemporânea. necessário passar Para pelo atingir o processo investigativo que acompanha toda pesquisa, organizando-se saberes 79 compartimentados, de forma agregada, no caso específico, a geografia, a química e as ciências. Tome-se a questão abaixo. Ciclo da água Nas caixas fornecidas, combine cada um dos números de 1 a 4 no diagrama com a letra de seus pares na coluna X. Um par foi terminado para você. Coluna X X A Precipitação A B Condensação B C Escoamento C D Evaporação Nº 2 D Ilustração 2 – Modelo de questão do Exame Nacional da Irlanda – Seção 2 Se, por um lado, a geografia explorou os processos biofísicos, por outro permitiu, nas ciências naturais, investigar o conhecimento do estudante sobre as propriedades, as transformações e a constituição da matéria, ao tratar do tema referente ao ciclo da água. Para isso, o estudante deve dominar conceitos científicos necessários para compreender certos fenômenos do mundo natural. Embora os conceitos utilizados sejam típicos dos campos da química, das ciências biológicas e ciências da Terra e do espaço, eles são aplicados a problemas científicos presentes na vida real, acrescentando mais um caráter relevante à construção da questão – a contextualização. Algumas questões de caráter optativo e discursivo abordam situações atuais e até se referem à Amazônia. Justifica-se essa abordagem pelo contexto histórico vivido pela Irlanda. Nos últimos 15 80 anos, esse país passou de “parente pobre” a “tigre celta” da União Europeia, após ter vivido toda espécie de pobreza, desemprego e fortíssima emigração pós-Segunda Guerra Mundial, além de se ter desvinculado do Reino Unido. Nessa época, os países desenvolvidos buscavam outras regiões para investir, dentre eles figuravam o Brasil e a Irlanda. Verifique-se a questão a seguir. Compreendendo o caso Irlanda A decisão estratégica de investir em educação reverteu o quadro apresentado nos anos 1960, que detinha índice de analfabetismo beirando os 35%. Tornou-se obrigatória a frequência escolar, formando um sistema de ensino gratuito e de boa qualidade, desde a educação básica até a universidade. Essas medidas resultaram na eliminação total do analfabetismo e na qualificação da mão de obra. O país, assim, promoveu um “choque de competitividade” em sua economia por meio da educação. Atualmente, o sistema educativo da Irlanda configura-se em três níveis: primário, pós-primário e superior. O primário tem duração de 8 anos, permitindo o ingresso de crianças entre 4 a 6 anos, e traz no currículo línguas (irlandesa e inglesa), matemática, estudos sociais, do meio e científico (história, geografia, ciências). O pós-primário tem duração de 5 a 6 anos, é considerado obrigatório e compreende dois ciclos: o júnior e o sênior. O júnior, com duração de 3 anos, traz um currículo flexível que permite à escola escolher entre 26 disciplinas aprovadas. Dentre as mais frequentes figuram: irlandês, inglês, matemática, educação cívica, social e política, educação para a saúde 81 e educação física. O sênior, com duração de 2 ou 3 anos, apresenta um currículo diversificado (geral, vocacional e aplicado). O último ano, o terceiro, é optativo e volta-se ao desenvolvimento pessoal e social, à promoção de competências técnicas e acadêmicas. No ciclo sênior, os professores avaliam os alunos durante o período letivo por meio de testes, mas a passagem de ano continua a ser automática, salvo circunstâncias excepcionais. Ao final desse ciclo, os alunos são sujeitos a exames de fim de estudos, uma nova avaliação externa (escrita, oral e prática) de grande importância. Do sucesso depende a atribuição do certificado de fim de estudos, bastante usado pelos empregadores para fins de candidatura a emprego e cuja pontuação serve de base para acesso ao ensino superior. Finalmente, no ensino superior, dentre os cursos ofertados, destacam-se os de licenciatura em ciências, engenharia e matemática. Considerações finais Ao analisar as provas de geografia do Exame Nacional da Irlanda, fica evidente a preocupação com o letramento do estudante em todas as áreas. Estimulando leitura e escrita com propriedade, a Irlanda aponta em direção à construção da cidadania, como bem coloca Schäffer (2007) “concebida como formação de opinião pública capaz de direcionar decisões políticas”. A observação cuidadosa do que é posto no mapa conceitual da área de geografia, proposto para o Colégio Dom Bosco, e a forma como o exame irlandês constrói o instrumento de avaliação aproximam o diálogo, pois ambas as realidades comungam dos mesmos fundamentos epistemológicos. Ao problematizar a análise do exame e verificar a validade de 82 comparação dos modelos de provas da Irlanda e do Brasil, neste caso com o recorte de Curitiba, percebem-se as possibilidades de aprimoramento na elaboração das avaliações como, por exemplo, dar opções aos estudantes. Compreender que o letramento do estudante passa antes pelo letramento do próprio docente é fundamental. O perfil do profissional capaz de realizar essas transposições didáticas é de um docente reflexivo, capaz de distanciar-se do seu fazer pedagógico e investir no estudo e na pesquisa para transpor suas limitações e avançar de forma segura em direção à aprendizagem do estudante. Referências CASTELLAR, Sonia Maria Vanzella. Educação Geográfica: a Psicogenética e o Conhecimento Escolar. Campinas: Cad. Cedes, v. 25, n. 66, 2005. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S010622005000200005&script=sci_arttext&tlng=pt>. Acesso em: 14 jul. 2008. CAVE, Charles. The Mind Map Book. The Creativity Webpage, 2003. Disponível em: <http://members.ozemail.com.au/~caveman/Creative/Mindmap/Radian t.html>. Acesso em: 20 ago. 2003. COSTA, Carla G. Irlanda: A independência do Tigre Celta. Disponível em: <http://www.dpp.pt/pages/files/infor_inter_2004_I_I2.pdf>. Acesso em: 15 ago. 2008. 83 COSTA, V. L. O professor de matemática como agente de letramento: utopia? In: SENNA, L.A.G. 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Para tanto, propõe ao docente aprofundar o conhecimento dos elementos específicos da linguagem cinematográfica, apresentando pequena coleta de dados empíricos, a partir da qual se enfatiza o uso instrumental do cinema em sala de aula e se propõem novas metodologias que partem do pressuposto estético dessa linguagem. Assim, priorizam-se metodologias que visem à educação pelo e para o cinema, voltadas não só para a recepção crítica e inclusive estética dos filmes e documentários utilizados pelos professores, como também para produções cinematográficas dos próprios alunos com uso dos elementos da linguagem dessa arte. Introdução O uso do cinema na educação formal remonta à década de 1970 ou 1980, mas a função educativa do cinema é algo relacionado ao próprio surgimento do cinema e que extrapola o espaço da escola. 8 Graduado em história (UFPR), especialista em filosofia política (UFPR) e mestre em educação com foco em cognição e aprendizagem ( UFPR). Professor de ensino médio há mais de dez anos, autor e analista crítico de material didático para a Editora Dom Bosco. 86 Com efeito, a educação em si é um fenômeno maior, que ocorre nas ruas, nas relações sociais e nos meios de comunicação. O cinema educa, portanto, desde seu surgimento, tendo gerações inteiras marcadas por sua linguagem fora do espaço escolar. Apenas recentemente as escolas perceberam o uso pedagógico do cinema e vêm incorporando essa ferramenta de forma crescente, o que requer, certamente, uma reflexão acerca da apropriação dessa tecnologia e de seu emprego de forma eficiente, consciente e responsável. A reflexão sobre as relações entre cinema e educação é tão mais necessária quando se lembra do uso do cinema e de outras mídias por instituições como partidos, governos, grupos terroristas ou fanáticos religiosos. O imenso impacto do cinema nas plateias deve ser matizado pelas experiências históricas e orientar sua aplicação em ambientes de aprendizagem formal. A presente reflexão constitui-se do relato de experiência acerca de uma oficina dedicada ao debate sobre o uso da linguagem cinematográfica em sala de aula, bem como das metodologias que incorporam efetivamente a linguagem cinematográfica à educação, superando seu uso meramente instrumental. Desenvolvimento Entre 21 e 25 de julho de 2008, no III Congresso de Educação Dom Bosco, este professor e pesquisador ministrou uma oficina intitulada “A linguagem cinematográfica como recurso pedagógico”. Na abertura, aplicou um instrumento de pesquisa nos participantes para 87 coletar algumas informações acerca do uso do cinema em sala de aula. Dentre os doze participantes, nove afirmaram utilizar cinema em sala, três disseram não usar, ou seja, o uso do cinema pelos professores ficaria em torno de 75% dos professores desse pequeno corpus. O alto índice de utilização do cinema comprovou um dado já percebido empiricamente, que reforça a necessidade de indagar a respeito do uso que se faz do cinema. Dentre os nove participantes que faziam uso do cinema, apenas dois afirmaram usar filmes inteiros, ou seja, apenas 22% apresentam toda a obra cinematográfica aos alunos, enquanto a maioria, 78%, usa apenas cenas pré-selecionadas. Tendo em vista que, dentre os doze professores participantes, havia um orientador educacional, quatro professores de arte, dois da área de biologia, um de inglês, um de sociologia, dois de história e um de educação física, nenhum dos títulos de filmes citados se repetiu, aparecendo referências a títulos como Amor Além da Vida e Agonia e Êxtase, citado pelos professores de artes, O Patriota e Carlota Joaquina, pelos de história, além de referências a documentários. A respeito dos critérios de escolha dos filmes, sete professores, ou seja, 77% dos entrevistados, afirmaram escolher filmes porque eles exemplificam o conteúdo das disciplinas. Seis professores ou 66% apontaram o aprofundamento de conteúdos por meio de filmes; quatro ou 44% apontaram que os filmes escolhidos devem apresentar outros pontos de vista sobre os temas de estudo, podendo também ser escolhidos por eventuais erros que apresentam, permitindo, assim, problematizar o conteúdo. 88 Em termos metodológicos, oito dos nove professores que afirmaram usar filmes apontaram que usam o cinema sempre depois da explicação do conteúdo, o que justifica a informação anterior do uso de filmes para exemplificar o conteúdo exposto. Com efeito, 77% afirmaram que buscam exemplos nos filmes, o que justifica a opção metodológica de 88% dos entrevistados em passar filmes após a explicação. Quatro dos nove professores que usam filme, ou seja, 44%, afirmaram também que usam filmes ao mesmo tempo em que explicam os conteúdos, intercalando cenas com observações teóricas acerca do assunto estudado. Ainda em termos de opções metodológicas, quatro professores ou 44% apontaram ainda que utilizam filmes como elemento motivador, ou seja, apresentam o filme ou as cenas para então começar a explicação do conteúdo a ser estudado. A pesquisa permite constatar que a grande maioria dos professores utiliza o cinema de forma instrumental, ou seja, como recurso pedagógico que favorece ilustrar, aprofundar, questionar e debater determinado conteúdo a ser discutido pela classe, mas que não se detém na linguagem própria do cinema, que não analisa a estética proposta pelo diretor nem tampouco questiona os motivos ideológicos que levaram o diretor a adotar uma solução de montagem em vez de outra. Com efeito, oito dos entrevistados apontaram esse tipo de explicação como justificativa para o uso do cinema; uma pesquisa foi deixada em branco, ou seja, 88% dos professores apontaram o cinema em termos instrumentais, mas nenhum citou a necessidade de maior conhecimento técnico e estético sobre a especificidade da linguagem cinematográfica. 89 A respeito do conhecimento dos professores entrevistados sobre os elementos que compõem a linguagem cinematográfica, obteve-se resultado curioso. Dos doze participantes da pesquisa, três afirmaram que não fazem uso do cinema em sala, ou seja, 25% dos participantes, enquanto 75% afirmaram usar o cinema apenas em nível instrumental. Ora, apresentavam-se aos professores quatro elementos da linguagem cinematográfica: planificação, movimentos de câmera, angulação de câmera e montagem. Todos os participantes que afirmaram não utilizar o cinema em sala de aula também afirmaram conhecer os movimentos de câmera; dois afirmaram conhecer a planificação e a montagem e um afirmou conhecer todos os elementos da linguagem cinematográfica apresentados na enquete. Dessa forma, exatamente os profissionais da educação que possuem maior conhecimento da linguagem cinematográfica são aqueles que abdicam do uso dessa linguagem em sala. Por outro lado, dos nove profissionais que afirmaram usar o cinema, apenas um, ou seja, 11%, afirmou conhecer todos os elementos apresentados, enquanto oito participantes, ou 88%, assinalaram que não conheciam nenhum dos elementos cinematográficos apresentados. Em resumo, das doze pesquisas, quatro participantes conheciam algum elemento da linguagem do cinema, ou 33%, mas três deles não usavam o cinema. A próxima questão levantada pela pesquisa perguntava se os professores participantes já se haviam preocupado em conhecer melhor a linguagem do cinema em sua especificidade para utilizá-la em sala. Dos doze participantes, oito afirmaram que sim, ou 66%, enquanto quatro afirmaram não, ou 33%. Por fim, todos admitiram que conhecer melhor a linguagem cinematográfica otimiza o trabalho com 90 os filmes, ou seja, 100%. Dentre as justificativas apresentadas com relação a esse tópico, os professores apontaram que esse conhecimento ajudaria na escolha, análise e interpretação das cenas a usar em sala de aula. Esse resultado permite algumas inferências: em primeiro lugar, busca-se ensinar com o cinema, mas sem fazer ou criticar o próprio cinema; em segundo lugar, existe uma preocupação de alguns professores em conhecer melhor os elementos da linguagem cinematográfica, mas são exatamente aqueles que não usam o cinema em sala. A respeito dessa informação, acreditamos ser necessária uma pesquisa específica para tentar comprovar esse dado e os motivos dessa opção. Por outro lado, uma abordagem estética ou essencial do cinema, para além de seu mero uso instrumental e que inclua análise da estética cinematográfica, evolução de sua linguagem, recursos técnicos utilizados em determinada película, parece algo ainda distante da sala de aula. Então, o que é educar pelo cinema? Em termos de metodologias instrumentais, parece haver um padrão razoavelmente homogêneo em suas aplicações, que ignora amplamente a estética cinematográfica. Esse padrão pode apresentar pequenas variações, mas se mantém da mesma forma, a grosso modo. O professor faz breve explanação sobre determinado assunto. Em seguida, apresenta aos alunos um filme ou documentário completo ou cenas pré-selecionadas. Pede então aos alunos um relatório orientado sobre os pontos do conteúdo ilustrados no filme ou das contradições e dos erros do filme na abordagem desse conteúdo, o 91 que é muito comum; ou, ainda, enfatiza as cenas cuja abordagem do conteúdo é exemplarmente mostrada, reforçando a feita em sala. O uso de debates também é muito comum, mas sobre o conteúdo estudado, os erros e acertos do filme, mais raramente as posições ideológicas implícitas nas cenas. Quase não se debate sobre o que o filme diz, mas como o filme diz. Exemplos desse tipo de metodologia são comuns e podem ser encontrados facilmente tanto nos depoimentos dos professores como também em sites dedicados às relações entre cinema e educação. Veja a metodologia proposta no site www.planetaeducação.com.br, a respeito do filme A Ilha. 1. Peça aos estudantes a leitura dos clássicos livros Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley, 1984, de George Orwell, e Eu, Robô, de Issac Asimov. Para tanto, divida a turma em três grupos e peça a cada terço de alunos a leitura de um dos títulos mencionados. O ideal é que essa leitura seja feita antes da apresentação do filme. Depois que o filme for mostrado, promova discussões sobre o futuro com os estudantes. Se puder, envolva professores de outras áreas nos debates. 2. Realize uma mostra de filmes de ficção científica, preferencialmente dos clássicos, para os estudantes terem uma perspectiva da visão de futuro de diferentes escritores, cineastas e pensadores. Encarregue os estudantes de organizar uma apresentação do filme por meio de painéis, debates, textos e até 92 exposições artísticas, como produção de desenhos, pinturas ou dramatizações. 3. Muitos filmes que tratam do futuro abordam o assunto de forma pessimista. Por que isso acontece? Qual a parcela de responsabilidade sobre essas nuvens negras que pairam no horizonte futuro da humanidade? O que se pode fazer para mudar essa perspectiva tão negativa do amanhã? Envolva os estudantes numa pesquisa de campo sobre essa temática, buscando opiniões fora da escola, junto às famílias e à comunidade. Amplie as discussões. 4. O tema central das discussões acerca da ciência no filme A Ilha é a clonagem. Busque informações atuais desse assunto. Como estão as pesquisas? E a legislação? Há debates mundiais sobre clonagem? Qual a sua opinião sobre o assunto? Depois de acumular informações extraídas de jornais, revistas, sites e livros, o ideal é fazer uma mesa-redonda envolvendo discussões sobre ciência e ética. Sem dúvida, a metodologia exposta é muito produtiva e, por si só, justifica o uso do cinema na educação. Ele permite o estabelecimento de diálogo com a literatura e outras linguagens artísticas, contextualiza a questão das tecnologias e introduz o debate sobre bioética. Seria possível propor e executar metodologias ainda mais afeitas ao cinema? 93 Nesse sentido, propõe-se um segundo tipo de procedimento metodológico, muito semelhante ao descrito, mas incorporando a análise dos elementos que formam a linguagem cinematográfica. Inicialmente, decrevem-se os elementos que compõem essa linguagem. A linguagem cinematográfica Entre os gregos antigos, o olhar, como o resto dos sentidos, era considerado condição para a relação entre o ser e o mundo. Sem olhar, o ser efetivamente não existia, na medida em que sua existência dependia da compreensão do mundo que o cercava. Para os gregos, no entanto, existia uma distinção entre dois tipos de olhar: olhar receptivo e olhar ativo. Olhar receptivo e passivo decorre do simples fato de o homem possuir a capacidade de ver, ou seja, de receber estímulos na retina. Nesse sentido, uma aula com uso do cinema, segundo os procedimentos expressos acima, baseia-se no olhar receptivo mais tradicional, no qual o aluno é colocado na posição de espectador que assume posição passiva, mas suficientemente atenta para receber mensagem acerca de um conteúdo qualquer. Ele vê, mesmo sem ter a intenção, o que está à sua frente. Olhar ativo, ao contrário, é o olhar de quem vê o mundo com atenção, de quem busca, de quem pretende compreender ou simplesmente apreciar o que o mundo exterior proporciona. Esse é o olhar do sábio, do cientista e do artista; no caso do cinema, não pode ser estimulado a não ser que se conheçam os elementos fundamentais que compõem sua linguagem, pois apenas 94 dessa maneira se pode transformar o que se percebe em ideias, conhecimento e arte. Dos sentidos que possuímos, o olhar é considerado o mais apto à intuição. Na fala, por exemplo, circulam bilhões de mensagens a cada articulação sonora, pronunciada em certa cultura, o que torna mais complexa a apropriação dos significados. A imagem, na medida em que se constitui em ícone, segundo a teoria da linguagem de Pierce, exige do espectador o exercício da recepção. Pesquisas de linguística mais recentes afirmam que a leitura depende de um sujeito ativo que faça ativação de conhecimentos prévios, a fim de produzir sentidos para o que está lendo (no caso, vendo). Assim, a compreensão varia conforme o grau de conhecimentos desse espectador. Os teóricos sobre leitura (Koch, 2006; Marcuschi, 2008) concordam que esses conhecimentos prévios podem ser de três níveis: linguístico, de mundo e de gêneros. Portanto o domínio da linguagem cinematográfica, ou de “como o cinema diz”, passa pelo conhecimento linguístico (saber a língua empregada no filme ou na tradução), pelo conhecimento de mundo (experiências acumuladas pelo espectador quanto à recepção de filmes, ao tema em questão, aos elementos da linguagem cinematográfica etc.) e passa também pelo conhecimento do gênero (documentário, drama, suspense, terror etc.). O cinema 'fala' por meio de uma linguagem específica, de um discurso, segundo Xavier (2005). Assim também na literatura, o escritor se expressa por meio da língua, mas de forma artística, numa espécie de território livre da linguagem. Ainda que a intencionalidade seja outra, a forma de expressão de quem escreve se dá por meio da 95 sintaxe. O cinema também tem uma ‘sintaxe’ que se cristaliza pelo relacionamento dos planos, das cenas, das sequências. Desse modo, os elementos básicos da linguagem cinematográfica, chamados elementos determinantes, podem ser assim considerados: a planificação (os diversos tipos de plano: geral, de conjunto, americano, médio, close up etc.), os movimentos de câmera (travelling, panorâmica, na mão etc.) e a angulação (plongée, contre-plongée etc.). Por último, ocorre a edição ou montagem, momento determinante para a caracterização da obra cinematográfica, quando todos os elementos citados são dispostos na obra pelo artista criador em seu formato final. Uma vez planejado o roteiro, que contém todas as tomadas em ordem cronológica e precisamente numeradas, a filmagem não obedece, todavia, ao que está estabelecido no papel. O cineasta, tendo em vista, além de outros fatores, a exequibilidade e a viabilidade econômica, começa a filmar a partir de qualquer tomada do roteiro – meio, ou começo. Segundo Setaro (2008), “a tarefa de ordenar os diversos fragmentos de um filme cabe à etapa de criação do cinema, ou seja, a montagem pode ser definida como trabalho criativo de reunir as partes do material filmado de acordo com a ordem estabelecida no roteiro”. O montador edita o filme, isto é, faz a reconstituição da primeira à última imagem, colando ponta com ponta e, na ordem numérica, os diferentes pedaços de película que foram revelados e impressos numa "cópia de trabalho". Geralmente são colados, em sequência, pedaços de filme que reproduzem planos diferentes, até completar uma cena. Há, portanto, dentro da mesma cena, diversas mudanças de plano. De 96 um plano para outro, verifica-se uma descontinuidade rápida chamada corte. A montagem não . É também, e sobretudo, uma criação. A linguagem do realizador impõe um estilo e revela uma visão original de mundo. A montagem, segundo a ótica de Bretton (1985), preside a organização do real, visando à satisfação simultânea da inteligência e da sensibilidade; provoca, com isso, a emoção artística, o efeito dramático ou onírico. Faz malabarismos com o tempo e o espaço, com cenários e personagens (trucagens e dublês). É o elemento mais específico da linguagem cinematográfica, "o fundamento estético do filme", segundo Pudovkin, citado por Andrew (1989). Os grandes cineastas e estetas (Eisenstein, Pudovkin, Balazs, Arnheim etc.) esforçaram-se para estabelecer a nomenclatura dos diversos processos de montagem e por analisar seus efeitos psicológicos. Geralmente, classificam-se os tipos de montagem em três categorias principais: a montagem rítmica, objeto de grande atenção por parte de Chartier (1953); a montagem intelectual ou ideológica; a montagem narrativa, que compreende quatro tipos: montagem linear, montagem invertida, montagem alternada e montagem paralela. A criação do olhar ativo: novas metodologias para uso do cinema em aula Como dissemos, as metodologias que usam o cinema em termos de análise do conteúdo são eficazes, apesar de se pautarem por um olhar passivo diante da obra de arte. Ao elencarmos os elementos 97 constituintes da linguagem do cinema, ainda que de forma sumarizada, o propósito é formular metodologias que promovam a leitura cuja compreensão inferencial seja mais competente, já que mais rica de significados. Em primeiro lugar, pensamos em metodologias intermediárias entre a mera utilização do conteúdo do filme e a realização efetiva de produções cinematográficas. Nesse sentido, apontamos para o domínio, por parte do professor, dos elementos constituintes do cinema, já enumerados. Nesse caso, o trabalho com o cinema supera a análise de conteúdos e permite também análise formal da obra, que inclui as técnicas mais utilizadas pelo cineasta, os ângulos adotados pela câmara e seus significados no conjunto da obra, o ritmo da narrativa desenvolvido pela montagem e seus fundamentos ideológicos. Trata-se, com efeito, de uma leitura mais técnica da obra, de um olhar mais arguto e competente, enfim, de uma educação estética para a leitura de obras de arte caracterizadas pela imagem (espaço) em movimento (tempo), conforme Araújo (1995). Por fim, essas metodologias intermediárias que conjugam conteúdo e forma abrem caminho para encaminhamentos que incluam a produção de filmes. Não se trata, necessariamente, de formação de cineastas, mas da utilização mínima dos elementos fílmicos por alunos que não apenas são capazes de um olhar ativo e crítico sobre obras de arte cinematográficas, mas que possam utilizar o cinema como instrumento que permite esse mesmo olhar ativo sobre a própria realidade, transmutada em obra de arte. A produção de filmes em sala de aula torna-se tanto mais desejável numa sociedade cada vez mais influenciada pela imagem, 98 veiculada através de vídeos, da televisão e do cinema. Nesse sentido, considera-se que o aprofundamento de alunos e professores no que diz respeito aos elementos formadores da linguagem visual típica do cinema contribui para a leitura mais crítica e consciente da imagem em si, esteja ela presente em genuínas obras de arte ou vinculada a qualquer mídia visual e manipuladora, com finalidades diversas, muitas vezes mantida pela desinformação e pela passividade, não pela formação estética e técnica permitida pelo olhar ativo. Referências Disponível em: <http://www.cineduc.org.br/>; <http://www.setaro.blogger.com.br/>; <http://www.planetaeducacao.com.br>. Acesso em: 25 ago. 2008. ANDREW, Dudley, J. As Principais Teorias do Cinema. São Paulo: Jorge Zahar, 1989. ARAÚJO, Inácio. Cinema, o Mundo em Movimento. São Paulo: Scipione,1995. BRETTON, André. Manifestos do Surrealismo. Lisboa: Moraes Editores, 1985. CHARTIER, J. P. Iniciação ao Cinema. Rio de Janeiro: Agir, 1953. XAVIER, Ismail. O Discurso Cinematográfico. São Paulo: Paz e Terra, 2005. MARTIN, Marcel. A Linguagem Cinematográfica. São Paulo: Brasiliense, 1990. 99 100 REVISÃO TEXTUAL-INTERATIVA EM EDITOR DE TEXTO Rosane de Mello Santo Nicola9 RESUMO Este artigo propõe o uso do software editor de texto do programa Words como recurso metodológico de ensino de língua materna, em aulas de produção textual, viabilizando o uso do principal tipo de correção textual proposto por Ruiz ( 2001) – a correção textual- interativa. Por meio dela, o professor estabelece uma interlocução não codificada com o aluno, escrevendo-lhe bilhetes que focam problemas referentes à globalidade do texto, ou seja, de natureza macroestrutural, voltados não apenas à materialidade textual, mas principalmente às relações entre a forma de expressão e seu sentido. Desse modo, as intervenções do professor são mais producentes por lhe possibilitarem uma variedade de ações dialógicas – sugerir, questionar, elogiar, esclarecer, comentar etc., favorecendo ao aluno melhores condições de reescrita do texto. Portanto o uso de ferramentas de gerenciamento do editor de texto, como o controle de alterações, cujo recurso permite visualizar comentários e aceitá-los ou não, embora bastante conhecido, parece ainda pouco explorado como procedimento metodológico de ensino, mesmo em instituições com 9 Graduada em letras (UFPR), especialista em gestão de pessoas (FAE) e mestre em rducação (PUC-PR). Coordenadora científica do CPDE (Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em Educação) do Colégio Dom Bosco, professora de cursos de graduação e de pós-graduação da PUC-PR; coordenadora de curso de pósgraduação em desenvolvimento editorial com ênfase em materiais didáticos (PUC-PR); professora de cursos de especialização das faculdades Bagozzi e Unifae. 101 amplo acesso às tecnologias. Cabe ao educador conhecer o que tem a oferecer e como pode ser explorada cada ferramenta tecnológica em diferentes situações educacionais (Valente, 1995). A articulação das recentes teorias de linguística aplicada ao ensino com as ferramentas tecnológicas adequadas pode contribuir para uma atuação pedagógica de qualidade. Palavras-chave: editor de texto, correção textual-interativa, ensino de produção textual INTRODUÇÃO O tema de produção e reestruturação textual é bastante recorrente, ainda que, na prática, as estratégias interventivas de correção textual empregadas pelos professores pouco tenham avançado efetivamente. A própria representação docente sobre a tarefa da correção remete a uma atividade menor, de pouco valor e de mera perda de tempo, conforme atesta Assis (2005). Em contrapartida, neste artigo, busca-se tratar da produção textual mediada pela correção de textos como estratégia de intervenção imprescindível para o processo de apropriação da escrita por parte do aluno em contexto escolar. Disso decorre a necessidade de uma ressignificação das práticas pedagógicas de que o professor de língua materna faz uso; e, para tanto, apresenta-se o uso do editor de texto do Word como alternativa de aplicação didático-pedagógica, porém longe de se pretender, com isso, reforçar o mito das novas tecnologias como 102 solução para problema de método e motivação no ensino de língua, visto representar mais um recurso, não uma panaceia. O artigo se organiza em duas partes: uma teórica, que visa à exposição de alguns fundamentos da perspectiva sociointeracionista da linguagem e sua relação com a correção textual-interativa; a outra aplicada, propondo atividades de análise reflexiva coletiva e individual do aluno sobre a escrita por meio do editor de texto. Alguns fundamentos do sociointeracionismo discursivo e suas relações com a correção textual-interativa O objeto real de ensino-aprendizagem da língua materna, em essência, são as operações de linguagem necessárias a ações de recepção (escuta e leitura) e produção (oral ou escrita), as quais, dominadas, constituem as capacidades de linguagem. Na concepção interacionista, consideram-se capacidades de linguagem como um conjunto de operações que permitem a realização de determinada ação de linguagem, instrumento para mobilizar os conhecimentos prévios e operacionalizar a aprendizagem. Revisar e reescrever textos representam operações de linguagem que envolvem complexas tarefas de leitura e releitura, favorecendo a mediação e o processo colaborativo entre professor e alunos. Na perspectiva dialógica, o papel do professor deve ser de interlocutor disposto a dialogar com o texto e seu autor. Trata-se de uma postura construtiva e interativa na correção com a intenção de construir o comportamento do aluno revisor dos próprios textos. Assim, o principal propósito da prática de correção deve ser levar o 103 aluno à reflexão sobre o próprio discurso e os efeitos de sentido que produzirá no interlocutor. Tradicionalmente, o quadro de ensino de produção escrita na escola de educação básica parece ter recebido poucas influências das tendências orientadas para a perspectiva dialógica da língua. O modo de o professor de língua encarar a produção escrita como produto acabado que deve ser corrigido segundo um código homogêneo e independente dos alunos constitui uma prática cotidiana oposta à visão de inter-relação forma, conteúdo e contexto. Corrigir vai além das marcações usadas por muitos docentes nos textos de seus alunos, pois requer reflexão sobre o uso da língua, não se limitando à correção de aspectos gramaticais. Cabe ao professor explicitar ao aluno como as inadequações de seus textos podem interferir na coerência e coesão. Segundo Therezo (2002, p. 24), Por coesão entende-se a articulação de palavras na frase, de frases no período, de períodos no parágrafo e de parágrafos no texto. Se não houver boa utilização de pronomes e dos sinônimos não se obterá coesão referencial. Se não se empregarem bem as conjunções, será prejudicada a coesão sequencial. Quanto à coerência, desnecessário reafirmar que é imprescindível, numa exposição de ideias, pois é responsável pelo eixo condutor do pensamento. Alicerce do raciocínio lógico, ela é a articulação dos sentidos no texto e fundamenta-se na progressão interna do conteúdo das ideias e na compatibilidade externa com o real. 104 Em outras palavras, a correção textual é uma atividade complexa em que a função do professor é intervir no texto do aluno com o objetivo de apontar lacunas e inadequações na tessitura desse objeto cultural. Ao corrigir, o docente precisa levar em consideração o gênero textual estabelecido na proposta, cujo enunciado necessita cumprir as condições de produção de textos: o que dizer (tema), a quem dizer (leitor), como dizer (gênero), por que dizer (objetivo), onde será veiculado (suporte). Dessa maneira, a correção varia conforme o gênero textual. Observe-se um exemplo de enunciado de trabalho solicitado na área de história, que cumpre todas as condições de produção textual. Examine as manchetes de jornal ao lado e faça uma lista de assuntos de história que permeiam maiores esse fato. esclarecimentos. reportagens, colete dados, Busque Leia as pesquise fontes históricas e, finalmente, redija um artigo de opinião para a revista “Nossa História”, refletindo sobre a validade ou não de se tornarem públicos os documentos relevantes sobre a ditadura no Brasil. O site da revista, www.nossahistoria.net, aceita proposta de artigos. Nessa proposta, o tema é a abertura de arquivos da ditadura militar no Brasil; o gênero a ser produzido, artigo de opinião; o objetivo é, à luz dos fatos históricos, o aluno posicionar-se a favor de ou contrário a 105 tornar públicos todos os documentos relevantes sobre abusos de direitos humanos durante esse período. O suporte é a revista Nossa História, sendo possível inferir o perfil do leitor desse artigo de opinião (acadêmico, estudioso de história ou pesquisador). Um enunciado bem-feito representa maior garantia para a qualidade da produção do aluno. Corrigir na escola está relacionado ao tipo de estímulo dado à escrita, considerando-se essencial contextualizar, ou seja, simular uma situação de produção, criar uma forma de divulgação da produção no domínio escolar, enfim, problematizar. Como mediador dessa atividade, também o professor necessita fazer observações individuais ao estudante, de acordo com seu conhecimento de mundo, nos aspectos linguísticos e discursivos, buscando promover a capacidade de calcular o sentido do próprio texto. A natureza das intervenções do professor reflete sua concepção de linguagem e as representações que faz de língua e de texto. Serafini (1989) classificou a correção textual em três tipos. - Correção resolutiva – consiste em corrigir todos os erros encontrados no texto, reescrevendo palavras, frases e períodos. - Correção indicativa – consiste em marcar/indicar palavras, frases e períodos que apresentam erros ou pouca clareza. - Correção classificatória – consiste na identificação específica dos erros por meio de uma classificação. Ruiz (2001) propôs um quarto tipo, a correção textual-interativa, que consiste em fazer comentários escritos após o texto do aluno e se realiza sob forma de bilhetes que visam a orientar a reescrita do aluno. Nesse contexto, é possível afirmar que há expressiva preferência dos professores de língua materna (e talvez também dos docentes das 106 demais disciplinas) pela correção resolutiva, caracterizada pela apresentação e solução dos problemas detectados nos textos. Tratase da concepção de língua como código homogêneo e neutro em que se estabelece a perspectiva normativa que considera o texto do aluno apenas para avaliar seu conhecimento de regras gramaticais. Limitase o processo reflexivo do autor aprendiz, pois ele recebe todas as falhas reescritas, eliminando-se a possibilidade de refletir sobre o próprio texto, uma vez que o veredito já esteja dado. Dessa forma, entende-se o texto como produto acabado e não como processo. Segundo Therezo, “ensinar a redigir é um processo lento, dentro do qual se insere outro processo, o da chamada correção, que, por sua vez, supõe etapas” (2002, p. 7). O quarto tipo de correção considera a revisão como atividade interacional, contribuindo para conduzir o aluno produtor a se tornar um usuário competente na habilidade de escrever. Para isso, é importante que os professores se conscientizem da necessidade da correção “clara, sem ambiguidade e inclusive sendo coautores dos textos de seus alunos” (Bezerra, Queiroz & Tabosa, 2004 apud Ruiz, op. cit). Os textos devem ser corrigidos levando-se em consideração, além das unidades menores (questões gramaticais), “o que se diz, como se diz, para quem se diz e quando se diz” (cf. Antunes, 2006: 33). Cabe ao professor ensinar ao aluno que sua produção escrita precisa contemplar aspectos que ultrapassem a visão reducionista de que basta escrever sem cometer erros gramaticais; é preciso considerar “os fatos textuais e discursivos, e ter como apoio o uso da 107 língua em textos reais, isto é, em manifestações textuais da comunicação funcional” (cf. Antunes, 2006: 32). Serafini (2001) propõe seis princípios que fundamentam a prática da correção:1) A correção não deve ser ambígua. 2) Os erros devem ser reagrupados e catalogados. 3) O aluno deve ser estimulado a rever as correções feitas, compreendê-las e trabalhar sobre elas. 4) Devem-se corrigir poucos erros em cada texto. 5) O professor deve estar predisposto a aceitar o texto do aluno. 6) A correção deve ser adequada à capacidade do aluno. Pode-se inferir, então, que determinados padrões de correção, sobretudo se vinculados à tarefa de reescrita, são extremamente significativos para a reflexão sobre a atividade de produção de textos, exercendo relevante papel no processo de aprendizagem da modalidade escrita. Correção textual-interativa e editor de texto Embora não tenha sido criado com esse objetivo, o editor de textos do Word é um recurso pedagógico para revisão textualinterativa, porque possibilita ao professor inserir comentários, ou seja, fazer intervenções mais produtivas e dialógicas (sugerir, questionar, elogiar, esclarecer, contra-argumentar etc.), provocando o aluno a refletir sobre as relações entre a forma de expressão e seu sentido. Por outro lado, permite ao aluno controlar alterações, isto é, saber quais alterações foram feitas na primeira versão; aceitar ou rejeitar alterações, obrigando-se a analisar os comentários feitos pelo professor em balões nas laterais do texto. Observe-se exemplo de 108 correção textual-interativa de verbete escrito por um aluno de 1º ano do ensino médio noturno de escola pública. Chá de cadeira quem nunca tomou um, lá estava eu trabalhando fui fazer uma entrega chegando a o estacionamento bati de cara com uma combi que estava carregando no momento que estacionei feixaram o portão tive que esperar, após 30 minutos depois fui atendido fiquei revoltado coisa que ia durar 10 minutos. C.: Você deu um bom exemplo do que significa a expressão popular, mas, para produzir um verbete de enciclopédia, primeiro precisa explicar o significado dela; o exemplo vem depois. Use nível de linguagem formal. O professor utilizou o editor de texto do Word da seguinte forma: clicou em Ferramentas, depois em Controlar alterações. A partir daí, tudo que é acrescido, aparece sublinhado e escrito em vermelho ou, como no caso acima, se clicar em Inserir comentário, o efeito é igual ao do exemplo. Além dos comentários do editor de texto, o professor insere bilhete para o aluno, no qual faz observações referentes às unidades maiores da língua – adequação ao gênero solicitado e ao nível de linguagem. Sem essas orientações, ainda que todos os comentários anteriores fossem atendidos na reformulação, a produção não estaria adequada; há, portanto, duas etapas de reformulação: a 109 das unidades menores (aspectos estruturais) e a das unidades maiores. A partir daí, dependendo dos recursos disponíveis, o professor pode imprimir o texto do aluno, para ele analisar e reescrevê-lo; apresentá-lo em slide para a turma analisar e propor sua reestruturação de forma coletiva; enviar ao aluno por e-mail para ele aceitar ou rejeitar as alterações, reformulando o texto; ou, ainda, trabalhar com ele em sala de informática ou com classmate.10 Outra forma de utilizar essa ferramenta é simular uma situação de texto em processo de edição e entregar a grupos de dois ou três alunos um texto impresso com os comentários feitos no editor de textos do Word. Os alunos produzem então a versão definitiva para o autor validar. Considerações finais Cabe ao educador conhecer o que tem a oferecer e como pode ser explorada cada ferramenta tecnológica em diferentes situações de aprendizagem. Mas isso apenas não é suficiente. É necessária a articulação entre as ferramentas adequadas e as teorias recentes de sua área de conhecimento, neste caso, em linguística aplicada ao ensino. Revisar um texto, principalmente o de um aluno que se encontra em formação, significa contribuir para a construção de sua identidade, visto que ela se constitui pela língua. Por isso revisar é uma responsabilidade voltada para ações dialógicas, requerendo de todo professor que revise um texto em situação escolar que supere a 10 Classmate é um mininotebook de baixo custo destinado a estudantes. Sua vantagem é a portabilidade e a possibilidade de armazenar conteúdos didáticos, permitindo pesquisa na internet em sala de aula. 110 visão limitadora da tarefa escolar e o entenda como unidade significativa de interlocução a distância que produz conhecimento. Referências ANTUNES, I. Muito Além da Gramática: por um Ensino da Gramática sem Pedras no Caminho. 1. ed. São Paulo: Parábola, 2007. ASSIS, Juliana Alves. A Correção de Textos Acadêmicos no Processo de Formação de Professores. Comunicação apresentada no 53º Seminário do GEL, em julho de 2005, na Universidade Federal de São Carlos, no âmbito do Simpósio Práticas de Letramento II: da Educação Básica ao Ensino Superior, coordenado pela autora. BEZERRA, M. A.; QUEIROZ, A. K.; TABOSA, M. Q. Correção de textos e concepções de língua e variação: relações nem sempre aparentes”. In: Revista Brasileira de Linguística Aplicada, v. 4, n. 1, 2004. RUIZ, Eliana Maria Severino Donaio. Como Se Corrige Redação na Escola. Campinas: Mercado de Letras, 2001. SERAFINI, M. T. Como Escrever Textos. Tradução de: MATTOS, Maria Augusta B. de. São Paulo: Globo, 2001. THEREZO, G. P. Como Corrigir Redação. 4. ed. Campinas: Alínea, 2002. 111 VALENTE, José Armando. Computadores e Conhecimento: Repensando a Educação. Campinas: Nied, 1995. 112