AS CIDADES INTELIGENTES SÃO
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AS CIDADES INTELIGENTES SÃO
AS CIDADES INTELIGENTES SÃO NECESSARIAMENTE SUSTENTÁVEIS? SMARTFICAÇÃO E O PAPEL DO PODER PÚBLICO. POR TULIO PONZI NETTO Contextualização Será que as cidades inteligentes são necessariamente sustentáveis? Em que medida uma cidade inteligente é sustentável e qual é (ou pelo menos poderia ser) o Papel do Poder Público no enfrentamento deste desafio? Uma questão como esta nos remete ao exercício de pensar fora da caixa ou até mesmo repensar a caixa propriamente dita. E, se, sabemos que a grande maioria das cidades brasileiras encontra dificuldades de lidar com o presente, por que não, entendermos que a solução pode estar no futuro, ou melhor, que a solução pode ser criá-lo ou trazê-lo para o presente. Esta reconstrução do papel do Poder Público, que ora se propõe, perpassa inicialmente pela compreensão, dele próprio, de que o mundo mudou bastante e que o contexto em que vivemos jamais poderia ser desconsiderado ao se pensar ou “tocar” uma cidade (um estado ou um país). É que aproximadamente há duas décadas, ainda nos familiarizávamos com a então enigmática Internet Hoje teríamos serias dificuldades ao abrir mão de alguns dias sem o Google, Facebook, Linkedin, Wikkipidia, Amazon ou Youtube. Por sua vez, a economia, cada vez mais informacional, de escala global depara-se mais com a abundância à escassez. Quase tudo se comoditiza. A propósito, temos hoje mais autores do que leitores. São 2 bilhões conectados hoje e em 2020 teremos 5 bilhões. No Brasil nós já temos mais celulares do que habitantes, sendo que pelo menos 40 % destes, são smartphones conectados a internet. Em poucos anos teremos mais pessoas com smartphones conectadas a Internet do que exercendo sua cidadania com o voto. À semelhança do que disse Manuel Castells, vivemos uma sociedade em redes! Há quem fale em hipertnetworks (redes de redes), há quem fale em sociedade do conhecimento, mas o fato é que essa nova conjuntura de relacionamento e interação entre as pessoas e objetos, em espaços, ou redes, ou não lugares, e ainda por muito tempo em lugares, potencializa de forma exponencial o fluxo e o acesso a informações e dinamiza a produção do conhecimento. É, neste contexto, que o Poder Público precisa se reposicionar e entender, de uma vez por todas, que a cidade é um espaço físico (um lugar), mas também um espaço lógico (um não lugar), que pode se expandir e se conectar com diversas outras redes. SMART CITIES A noção de cidade inteligente ou smart cities (e aqui vamos usar mais o termo smart cities por razões óbvias), dentre diversas acepções, está basicamente associada, ora a Planejamento e a Gestão Inteligente das Cidades, ora ao capital humano, inspirado nos países nórdicos, ou mais recentemente e na mesma linha, o modismo smart citizens e a tecnologia da informação e comunicação, na linha das asiáticas high-teck ou cidades do futuro, Songdo ou Masdar. O convívio inteligente com o meio ambiente também é bem destacado nas discussões. De forma bem interessante, há quem fale em cloud city ou, ainda, em cidades emocionais, destacando a paixão das pessoas pela cidade, à exemplo do Rio de Janeiro. E, claro, a cidade como uma rede. Aqui vamos adotar a idéia de que é tudo isto. Mas com o cuidado de deixar claro que é uma rede, mas que também é um lugar, em prol das pessoas, que se interligam presencialmente e virtualmente, entre si e a objetos ou lugares (espaços públicos, os mesmos restaurantes de sempre, os mesmos bares, aquele lugarzinho da praia) em prol da continua melhoria da qualidade de vida e da felicidade. E aí a paixão pela cidade é conseqüência. SUSTENTABILIDADE: Pessoas, Prosperidade Econômica, Meio Ambiente e Inovação. Ao mesmo passo, a noção de sustentabilidade se revigora e o clássico tree bottom line (econômico, social e ambiental) passa a ganhar outro formato. É que o eixo econômico cada vez mais se afasta de “Lucro” e se aproxima da idéia de “Prosperidade”; o Meio Ambiente entende que equilíbrio pressupõe conviver de forma harmônica com os outros eixos, social e econômico, e as pessoas cada vez mais se apresentam no cerne do debate. E, sugestivamente, o mais novo pilar da noção de sustentabilidade é a Inovação. Não dá para admitir o contrário. E se nos inspirarmos em Silvio Meira para entendermos “Inovação”, nos permitiremos imaginar sustentabilidade, como algo mutante, algo que permanentemente simbolizará o inconformismo com o status quo, resultando em soluções mais sustentáveis amanhã do que hoje; algo, em certa medida, utópico, mas uma utopia do possível, cujo limite é capacidade humana de inovar, de criar o futuro, ou de trazer o futuro para o presente. É este inconformismo, pois, da noção de sustentabilidade que nos provoca reconstruir o papel do Poder Publico na condução de uma cidade inteligente que se quer sustentável, ou melhor, que tenha a capacidade de oferecer as atuais gerações soluções que apenas as próximas desfrutariam e não se limite a oferecer às próximas gerações apenas as soluções de hoje. Planejamento de Longo prazo Se, portanto, continuar promovendo o desenvolvimento sustentável de uma cidade inteligente significa estar preparado para atender as futuras gerações, mas também as presentes; na mesma linha, lembremos que o planejamento de longo jamais poderá se esquecer do presente, a pretexto do futuro. A propósito, cidades que acumularam problemas urbanos durante décadas merecem mais iniciativas como as retiradas dos carros das calçadas de Bogotá ou a implementação das ciclofaixas no Recife, ambas, ações de execução rápida, de baixo investimento e alto impacto. Gestão estratégica é justamente isto, gerenciar o presente, olhando e se preparando para o futuro, e se assim não for (não estaríamos a falar de gestão estratégica), lá na frente este planejamento será um mero fantasma de papel e, infelizmente, qualquer semelhança aqui com os planos diretores das cidades brasileiras não é uma mera coincidência. Planejamento de longo prazo é oportunidade para colocarmos os projetos pilotos no papel, mas também encontrarmos, finalmente, mecanismos de replicá-los em escala. É oportunidade para entender o contexto, se reposicionar e tornar-se mais competitivo. Talvez pela ausência de uma diretriz nacional, as cidades brasileiras, de um modo geral, precisam de uma vez por todas entender o novo contexto: o da sociedade em redes, o da economia de escala global e se indagar de que forma podem interagir mais com o mundo, de fora para dentro e dentro para fora, socialmente e economicamente. Mas para isso é fundamental compreender também a vocação do seu território, em que medida ela é industrial, habitacional, de preservação ambiental, cultural ou turística. É oportunidade, pois, para viabilizar mais vôos diretos aos grandes centros mundiais em detrimento de viagens que duram absurdamente mais de 1 dia. É oportunidade, pois, para imaginar um Capibaribe tão navegável e, por que não o Rio Tietê, quanto o Rio Tâmisa em Londres, que já foi um esgoto a céu aberto. É oportunidade para se repensar o IPTU (ou a isenção dele) e entendê-lo como um instrumento de revitalização da cidade. Com novas fachadas, com menos muros e mais jardins expostos, com os painéis fotovoltaicos e a energia solar nos telhados, ou de arborização dos tetos dos grandes edifícios, como fez Toronto, ou criar estímulos para o home-office se apresentar como uma alternativa aos problemas de mobilidade e a melhoria da qualidade de vida das pessoas. Jaime Lerner, ex prefeito de Curitiba, implementou na década de 80 os BRTs/Bus Rapid Transport, investimento muito mais barato do que os Metrôs ou Linhas Férreas. O detalhe interessante é que á mesma época este Urbanista sugeriu a mesma iniciativa na cidade do Rio de Janeiro, e apenas depois de 30 anos isto aconteceu. Visionário ou não, ele revelou que é possível um poder publico antever as tendências e as necessidades das próximas gerações. E, por fim, já que planejar pressupõe falar de missão e visão, é interessante observar que empresas como a Ambev entendem que a empresa é feita de pessoas e que as pessoas não tem missão, não tem visão. As pessoas sonham! A AmBev sonhou ser a maior cervejaria do mundo e o resto da historia todos nos conhecemos. Uma cidade (Um país ou um estado), que se quer inteligente, e que é feita de pessoas, precisa sonhar, precisa, aliás, fazer as pessoas sonharem. Democracia Colaborativa O cidadão, cada vez mais no centro do debate, não aceita mais ser tratado pelo Poder Público como um mero usuário do serviço público e gradativamente ou drasticamente conquista seu espaço, é dizer, reconquista o espaço que é seu. Ora, se teremos 5 bilhões de mentes e vozes nos próximos anos, se vivemos, portanto, uma sociedade em que as redes cada vez mais se proliferam; se o estado passa a ser tratado como uma empresa; e se uma empresa tem stakeholders; o cidadão não se contentaria em alçar do status de usuário para cliente (o que na maioria dos municípios brasileiros não seria um mau negócio) desta empresa: Definitivamente, o cidadão é o acionista desta empresa. Aliás, não há mais como gerir a coisa pública sem o seu próprio dono, sem a participação do povo. É preciso uma ruptura cultural na forma do Estado olhar para a sociedade e da sociedade olhar para o estado. E, neste sentido de ruptura, os protestos que o Brasil presenciou este ano, na melhor das hipóteses, sinalizou que, talvez à época de Aristóteles, quando os “e-mails” ou correspondências demoravam cerca de 3 meses para chegar aos destinatários (quando chegavam), os institutos da democracia direta e indireta eram, de fato, o melhor caminho, frise-se: há dois milênios. A crise de representatividade e o déficit de legitimidade das instituições sugerem que a relação entre o poder Público e a Sociedade precisa se reinventar. E por que esperar novos protestos? O Poder Executivo pode e deve exercer um papel decisivo neste redesenho. Embora os juristas de um modo geral preconizem que o papel do Poder Executivo é “executar e fazer cumprir a lei”, depois de muito esforço dos que buscam introduzir as melhores praticas de gestão do privado no publico, “executar” passou a ser compreendido como planejar, realizar, gerenciar, checar e avaliar e já está na hora de começarmos a entender como colaborar, co-criar, inovar. Nas empresas privadas mais inovadoras, Apple, Samsung, Cisco etc.., além do ambiente favorável à inovação e de uma visão multidisciplinar para a solução de um problema a partir de uma nova abordagem, trás consigo a quebra das estruturas verticalizadas, dando espaço para a horizontalidade, e a hierarquia dos cargos dá vez aos líderes com as melhores idéias. Novos valores nos indicam que precisamos continuar evoluindo e, por que não, superar a Era do Portal da Transparência, a Era da Ouvidoria, que foram sem dúvida avanços históricos em nossa democracia, para atingirmos a Era da Gestão Colaborativa e colaboração aqui pressupõe a participação de toda a sociedade. É verdade que estamos numa sociedade em redes (e a internet potencializou as redes), e, sem dúvida alguma o caminho mais promissor para esta relação entre o Poder Público e a Sociedade é apostar na tecnologia, talvez em aplicativos que ofereçam e estimulem a ativa participação do cidadão na gestão, em todo o ciclo do PDCA. Seja com o envio da foto de um buraco, de um clique no mapa apontando o poste sem iluminação, no envio de um vídeo com uma infração de trânsito, etc.. e, em seguida, o tão importante feedback do Poder Público sobre a execução do seu encaminhamento. Já temos um exemplo concreto e bem sucedido no Brasil de que é possível fazer políticas públicas em colaboração com a sociedade, e na fase de planejamento, algo que é difícil até mesmo nas empresas privadas: Todos por Pernambuco. Por que não sonharmos com a reinvenção da relação entre poder público e sociedade, por que não sonharmos como uma democracia colaborativa. Vizinhança também Inteligente: um novo modelo de governança Mais de 5000 mil municípios e cada um com os seus problemas. Pois é. Mas não deveria ser. É que os problemas de uma cidade não se limitam a sua fronteira geográfica, mas se desencadeiam na do vizinho e, vice-versa. Não há mais como se tratar da rede de saneamento básico, de gestão de resíduos sólidos, de controle urbano-ambiental, e de segurança se não for de forma integrada e articulada com os municípios vizinhos. Até mesmo no setor privado a idéia de cooperação ganha mais espaço. Talvez o arcabouço jurídico-institucional já exista e seja o dos consórcios públicos, mas o fato é que de nada adianta se ele for utilizado pelas prefeituras como subterfúgio para se livrar do problema ou jogá-lo para debaixo do tapete, no caso, o do vizinho. De nada adianta se as mãos são dadas em prol da conveniente imobilização. A questão aqui é menos de legislação e mais de falta de conhecimento que estes prefeitos têm sobre os ganhos. Ganhos de execução, com uma política pública mais efetiva e eficaz, ganhos na qualificação da despesa, mas também e, sobretudo, da receita. E é mesmo. Num cenário em que a União Federal concentra a maior parte dos recursos da federação, os municípios deveriam entender que talvez, enquanto isto não muda, uma grande oportunidade é perceber que não se tem apenas o seu orçamento para administrar, mas vários outros orçamentos. Para influenciar e potencializar a sua capacidade de realização. Tanto o recurso que seu vizinho deixou de gastar e redirecionou para outra ação novamente com benefício recíproco, como em decorrência do aumento do poder de barganha de um município, representado por um consórcio de municípios, junto aos Bancos e organismos financeiros internacionais, aumentando consideravelmente o universo de captação de recursos. Ponto de Chegada? Smartficação..... E é com este novo tripé, planejamento de longo, democracia colaborativa e um novo modelo de governança que esperamos ter alcançado não o ponto de chegada, mas o ponto de partida, a idéia de “smartficação” que simboliza um caminho para uma cidade inteligente que ser quer sustentável, uma ruptura cultural, um inconformismo com o status quo e um esforço de trazer o futuro para o presente, do Poder Público e, agora, mais do que nunca, da Sociedade.