"A cidade cenográfica da prostituição": resenha do livro
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"A cidade cenográfica da prostituição": resenha do livro
O GLOBO ● PROSA & VERSO ● PRETO/BRANCO PÁGINA 3 - Edição: 28/11/2009 - Impresso: 26/11/2009 — 21: 35 h Sábado, 28 de novembro de 2009 PROSA & VERSO O GLOBO ● 3 [ETNOGRAFIA][ETNOGRAFIA][ETNOGRAFIA][ETNOGRAFIA] A cidade cenográfica da prostituição Antropóloga analisa a construção da nova identidade social da zona de meretrício em etnografia sobre a Vila Mimosa Fotos de Olivia Gay/Divulgação A VILA MIMOSA reúne na rua Sotero dos Reis resquícios do Mangue M Paulo Thiago de Mello anuel Ban deira escreveu, referindo-se às pessoas que trabalhavam numa antiga zona de prostituição do Rio de Janeiro, que “gente como a do Mangue vive porque é teimosa”. E foi com pertinência que a antropóloga Soraya Silveira Simões recorreu à frase de Bandeira para abrir o capítulo inicial de seu livro, “Vila Mimosa: Etnografia da cidade cenográfica da prostituição carioca” (EdUFF, no prelo), uma adaptação de sua dissertação de mestrado, defendida na Universidade Federal Fluminense. Noções como teimosia e resistência estão no coração de sua narrativa, que, numa prosa bem costurada, leva o leitor a se aventurar pelos mais de 70 bordéis de uma rua sem saída da Praça da Bandeira. Soraya parte da dramática relação de prostitutas e cafetinas do Mangue com o poder público, as corporações interessadas em ocupar a região, os planejadores urbanos com seus projetos de renovação, políticos e a polícia. É no bojo desse embate, que remonta aos anos 1980, que se consolida a organização política das prostitutas e surgem líderes como Gabriela Silva Leite, fundadora da ONG DaVida. Em 1996, porém, as meninas da Vila Mimosa, último resquício da zona no Mangue, são removidas para dar lugar ao Teleporto e ao complexo da Prefeitura, sugestivamente apelidado pela população de “Piranhão”. Com os recursos da indenização, as mulheres compram um galpão à rua Sotero dos Reis, formando o núcleo do que hoje passou a ser chamado de Vila Mimosa II — ou VM II —, um espaço, ou melhor, um lugar marcado por uma cenografia propícia ao jogo de sedução que caracteriza a ambiência da zona. A mudança não se dá sem conflitos. Os moradores da área protestam, queimam pneus e apelam às autoridades contra a presença indesejada das prostitutas em seu bairro, temendo o contágio do estigma que marca a profissão. O movimento da Vila Mimosa, no entanto, acaba trazendo prosperidade ao local. Bares e hotéis antes às moscas, passam a ganhar dinheiro com a crescente movimentação. E os moradores, antes desconfiados, descobrem que podem lucrar, alugando quartos, fazendo baby sitter, vendendo roupas etc. Situada no espaço reservado pela sociedade ao desvio, à flexibilização de normas e etiquetas, a zona de prostituição cenograficamente construída na Vila Mimosa II acabou por constituir o que na sociologia urbana se chama “região moral”, definida e demarcada por seu métier, reconhecido por todos em suas múltiplas representações. Soraya lembra que os lugares do desvio na cidade são circunscritos, geográfica e simbolicamente. É assim que se pode falar “de meninos de rua, travestis da Lapa e das putas da Vila Mimosa”. ‘Na Vila Mimosa não se chega, se entra’ E a VM II cumpre essa prescrição sem ambiguidade, ao contrário de outras áreas de prostituição do Rio, como a Praça Mauá, também reduto da boemia e zona portuária; ou a Avenida Atlântica, área turística e residencial. Por isso, lembra a autora, na Vila Mimosa “não se chega, se entra”. O toldo amarelo de uma loja na metade da rua demarca o início da zona, separando simbolicamente aquele território moral do resto do bairro. Atravessar esse limite é entrar em outro universo, simultaneamente previsível e imponderável, onde o jogo de encenações dá aos atores papéis que só ali são desempenhados. A partir da mudança de endereço, os atores da zona se esforçam em mudar também as representações sociais sobre o ofício — hoje reconhecido pelo Ministério do Trabalho — como OS BORDEIS, ou “casas”, são compostas de bares no primeiro andar com acesso a cubículos no segundo andar, onde ocorrem os programas sas, prostitutas, moradores e comerciantes da Vila Mimosa, mas também como agente propagador e controlador da nova imagem da prostituta. Através da Associação, as profissionais da VM II obtêm acesso a academia, cabeleireiro, manicure, clínica médica. Ela também promove uma série de atividades, como o concurso de beleza “Gatinha Mimosa”, churrascos e projeções de filmes, para sedimentar o novo conceito de zona. PESQUISA FAZ aflorar a complexa ambiência da zona de prostituição um negócio que tem no domínio do corpo seu principal ativo. A antropóloga mostra como, tendo um pé no Mangue como evocação da resistência do grupo — ou da teimosia percebida por Bandeira —, as pessoas envolvidas no negócio da prostituição na VM II deram novos sentidos à identidade social do ofício. Nesse processo, é criada a Associação dos Moradores do Condomínio e Amigos da Vila Mimosa (AMOCVIM), para atuar não apenas como representante dos interesses de donos de ca- RODAPÉ AGENDA HOJE: “O mundo rosa de Amarelino”, de Fábio Fabrício Fabretti, às 16h; “O homem do chapéu-coco”, de Willmann Costa, às 18h e “Guia Prático Physiolar”, de Marcio Fernandes Coutinho, às 19h na DaConde (Conde de Bernadote 26); “Bolhas”, de Dilea Frate, às 17h na Ponte de Tábuas (Jardim Botânico 585); “Devires autobiográficos: a atualidade da escrita de si”, de Elizabeth Muylaert DuqueEstrada, na Argumento Leblon (Dias Ferreira 417); “São Fidélis, uma história consagrada”, de Aloysio Balbi, às 20h na Fazenda da Pedra (Campos). ● AMANHÃ: “O pirata barba ruiva”, de Manoel Arthur Villaboim, às 16h na Travessa do Shopping Le● blon; “Artemidia e a Cultura Digital”, de Artur Matuck (org.), às 17h na Moviola (Rua dasLaranjeiras 280); “Bicho de 7 cabeças e outros seres fantásticos”, de Eucanaã Ferraz, às 19h na Travessa de Ipanema (Visconde de Pirajá 572). ● SEGUNDA, DIA 30: “Resistência atrás das grades”, de Maurice Politi, às 15h no Arquivo Nacional; “Modernidades primitivas — Tango, samba e nação”, de Florencia Garramuño, às 18h na Leonardo DaVinci (Rio Branco 185, subsolo); “Lampadário”, de Denise Emmer, às 19h no Café du Midi (Martins Ferreira 48); “Gerações, família, sexualidade”, de Gilberto Velho e Luiz Fernando Dias Duarte (orgs.), às 19h na Argumento Leblon; “No ritmo do coração”, de COMPRO LIVROS E CDS Outros Livros e CDS 2215-3528 ou 2532-3646 Elena Cerruto, às 19h na Fnac do BarraShopping; “De paz e de paixão”, de Tati Bueno, às 19h na Travessa de Ipanema. ● TERÇA, DIA 1: “O mundo dos trabalhadores e seus arquivos”, de Antonio José Marques e Inez Stampa (orgs.), às 17h no Arquivo Nacional; “Imagens humanas”, de João Roberto Ripper, às 19h no Instituto Moreira Salles (Marquês de São Vicente 476); “Algum lugar”, de Paloma Vidal, às 19h no bar Da Graça (Pacheco Leão 780); “Orquestra Tabajara de Severino Araújo”, de Carlos Coraucci, às 19h na Travessa do BarraShopping; “Partido político ou bode expiatório”, de Lucia Grinberg, às 19h no Unibanco Arteplex (Praia de Botafogo 316); “Um lugar azul”, de Sergio Medeiros, às 19h na Timbre (Shopping da Gávea); “Tons Líricos”, de Roner Ricker, às 19h na Argumento Leblon. ● QUARTA, DIA 2: “O que é Justiça”, de Marina Verdasco, às 18h30m no IFCS/UFRJ; “Meu jogo inesquecível”, de Patrícia Gregorio, e “O time do meu coração: Vasco”, de Cláudio Nogueira, às 19h na Saraiva do Rio Sul; “Escolas, conhecimento e cultura”, de Adelia Maria Nehme Simão e Koff, às 19h na Ponte de Tábuas (Jardim Botânico 585); “Qualidade e serviços”, de Jadiel Guerra, às 19h, na Travessa do BarraShopping; “O enigma do político”, de Thamy Progrebinschi, às 19h na Argumento Leblon; “Venda, Venda, Venda”, de Ciro Bottini, às 19h na Fnac do Barrashopping. (A agenda continua na página 4). Pesquisa revela tensões do dia a dia da zona A instalação da clínica evidenciou ainda uma forma de controle moral. Fazer exames tornouse não só uma obrigação, mas um temor. Quem evitava o médico tornava-se suspeito de estar doente, aos olhos dos donos de casa e das próprias prostitutas, que condenam comportamentos de risco, como sexo sem camisinha ou sexo anal, classificando-os como “sem-vergonhice” ou “baixa autoestima”. Soraya menciona o caso de uma profissional que, ao ser diagnosticada como portadora do vírus HIV, teve as portas da Vila Mimosa fechadas para ela. O trabalho de campo também registra a tensa relação entre donos de casa e as prostitutas, os conflitos de interesse na disputa pelos clientes, o processo de sedução e de procura no espaço da Vila, a presença de curiosos, entre outros aspectos do dia a dia da zona. No plano da luta política das prostitutas da Vila Mimosa, a etnografia detalha ainda a luta, ao lado do então deputado Fernando Gabeira, para retirar do Código Civil a criminalização de lenocínio, vadiagem e atentado ao pudor. São esses aspectos de criminalização que abrem espaço para a ação e domínio de agentes públicos corruptos nas áreas de prostituição. O livro também trata, em uma de suas passagens mais comoventes, da formação da prostituta, a partir de sua chegada e acolhimento na Vila Mimosa. Estão ali ainda os enredos tristes, como justificativa moral, para a prostituição e sonho de “largar essa vida” enunciado até por aquelas que assumem o ofício como vocação. Associada ao Laboratório de Etnografia Metropolitana (LeMetro/IFCS/UFRJ), coordenado pelo antropólogo Marco Antonio da Silva Mello, Soraya faz parte de um grupo de pesquisadores que se debruçam sobre as questões da cidade, daí o uso de métodos de pesquisa tributários da etnografia urbana contemporânea. Hoje, ela é pesquisadora convidada do Clersé — Centre Lillois d’Études et Recherches Sociologiques et Économiques, da Universidade de Lille 1, na França. Seu livro, com lançamento previsto para janeiro, certamente ajudará o leitor a ver além dos estereótipos e do estigma que marcam a mais antiga profissão do mundo. ■
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