3. Biogênese e abiogênese. 1. A Idéia da Geração Espontânea
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3. Biogênese e abiogênese. 1. A Idéia da Geração Espontânea
Universidade Estadual do Rio Grande do Sul Curso Superior de Tecnologia em Gestão Ambiental Componente curricular: Microbiologia Aula 1 Professor Antônio Leite Ruas Neto 1. Créditos: 60 2. Carga horária semanal: 4 3. Semestre: 2° • III. Biogênese e abiogênese. 1. A Idéia da Geração Espontânea • III. Biogênese e abiogênese. 1. A Idéia da Geração Espontânea • A idéia antiga, dos tempos de Aristóteles, é a de que seres vivos podem surgir por geração espontânea. Apesar de se conhecer o papel da reprodução, admitia-se que certos organismos vivos pudessem surgir espontaneamente da matéria bruta. • Observações do cotidiano mostravam, por exemplo, que larvas de moscas apareciam no meio do lixo e que poças de lama podiam exibir pequenos animais. A conclusão a que se chegava era a de que o lixo e a lama haviam gerado diretamente os organismos. • Reconhecia-se, no entanto, que nem toda matéria bruta podia gerar vida. Assim, de um pedaço de ferro ou de pedra não surgia vida; mas um pedaço de carne, uma porção de lama ou uma poça d'água eram capazes de gerar vida. • 3. Biogênese e abiogênese. 1. A Idéia da Geração Espontânea • Explicava-se esta diferença entre diversos materiais brutos alegando-se a necessidade de um “princípio ativo” ou “força vital” que não estaria presente em qualquer matéria bruta, mas cuja presença seria necessária para haver geração espontânea. O princípio ativo não era considerado algo concreto, mas uma capacidade ou potencialidade de gerar vida. • As idéias sobre geração espontânea perduraram por um tempo muito longo, apesar de sua forma original ter evoluído aos poucos ainda nos meados do século passado, havia numerosos partidários dessa teoria, definitivamente destruída pelos trabalhos de Pasteur. • Os partidários da geração espontânea eram também fortemente criacionistas. • 3. Biogênese e abiogênese. 1. A Idéia da Geração Espontânea. Marcos principais na teoria da geração espontânea, a seguir. • Redi, Needham e Spallanzani • Francesco Redi, no XVII, tentou derrubar a noção de geração espontânea colocando pedaços de carne em dois grupos de frascos: um dos grupos permanecia aberto, enquanto o outro era recoberto por um pedaço de gaze. • Sobre a carne dos frascos abertos, após alguns dias, surgiam larvas de moscas; nos frascos cobertos não. Redi concluiu que a carne não gera as larvas. Moscas adultas devem ter sido atraídas pelo cheiro de material em decomposição e desovaram sobre a carne. As larvas nasceram, portanto, dos ovos postos pelas moscas. Essa idéia era ainda reforçada pela observação dos frascos cobertos: sobre a gaze, do lado externo do frasco, algumas larvas apareceram. • 3. Biogênese e abiogênese. 1. A Idéia da Geração Espontânea • Apesar da repercussão das experiências de Redi, a idéia de geração espontânea ainda não havia morrido. • O uso crescente do microscópio desde Leeuwenhoek (1683) e a descoberta dos microorganismos reforçavam a teoria da abiogênese. • Argumentava-se que os seres diminutos eram tão simples que não era concebível tivessem a capacidade de reprodução; como conclusão óbvia, só podiam ser formados por geração espontânea. • 3. Biogênese e abiogênese. 1. A Idéia da Geração Espontânea • John Needham, em 1745 fez um experimento cujos resultados pareciam comprovar as idéias da abiogênese. • Vários caldos nutritivos, como sucos de frutas e extrato de galinha, foram colocados em tubos de ensaio, aquecidos durante um certo tempo e em seguida selados. A intenção de Needham, ao aquecer, ora obviamente a de provocar a morte de organismos possivelmente existentes nos caldos; o fechamento dos frascos destinava-se a impedir a contaminação por micróbios externos. • Apesar disso, os tubos de ensaio, passados alguns dias, estavam turvos e cheios de microorganismos, o que parecia demonstrar a verdade da geração espontânea. • • 3. Biogênese e abiogênese. 1. A Idéia da Geração Espontânea • Cerca de 25 anos depois, o italiano Lazaro Spallanzani repetiu as experiências de Needham. • A diferença no seu procedimento foi a de ferver os líquidos durante uma hora, não se limitando a aquecê-los. • Em seguida os tubos foram fechados hermeticamente. Líquidos assim tratados mantiveram-se estéreis, isto é, sem vida, indefinidamente. Desta forma, Spallanzani demonstrava que os resultados de Needham não comprovavam a geração espontânea: pelo fato de aquecer por pouco tempo, Needham não havia destruído todos os micróbios existentes, dando-lhes a oportunidade de proliferar novamente. • 3. Biogênese e abiogênese. 1. A Idéia da Geração Espontânea • Needham, porém, responde às críticas de Spallanzani com argumentos aparentemente fortes: •“...Spallanzani... selou hermeticamente dezenove frascos que continham diversas substâncias vegetais e ferveu-os, fechados, por uma hora. Pelo método de tratamento pelo qual ele torturou suas dezenove infusões vegetais, fica claro que enfraqueceu muito ou até destruiu a “força vital” das substâncias em infusão...” • 3. Biogênese e abiogênese. 1. A Idéia da Geração Espontânea • Redi, Needham e Spallanzani • O termo “força vital ou vegetativa”, era usado como sinônimo de princípio ativo. O aquecimento excessivo, segundo Needham, havia destruído este princípio ativo; sem princípio ativo, nada de geração espontânea! • É interessante notar que o próprio Spallanzani não soube refutar esses argumentos, ficando as idéias da abiogênese consolidadas. • 3. Biogênese e abiogênese. 1. A Idéia da Geração Espontânea • Os trabalhos de Pasteur. • Finalmente no século XIX, o cientista francês Louis Pasteur conseguiu, por volta de 1860, mostrar definitivamente a falsidade das idéias sobre geração espontânea da vida. • Seus experimentos foram bem semelhantes Spallanzani, porém com alguns aperfeiçoamentos. aos de • 3. Biogênese e abiogênese. 1. A Idéia da Geração Espontânea • Um extrato dos primeiros trabalhos de Pasteur: • “Coloquei em frascos de vidro os seguintes líquidos, todos facilmente alteráveis, em contato com o ar comum: suspensão de lêvedo de cerveja em água, suspensão de lêvedo de cerveja em água e açúcar, urina, suco de beterraba, água de pimenta. Aqueci e puxei o gargalo do frasco de maneira a dar-lhe curvatura; deixei o líquido ferver durante vários minutos até que os vapores saíssem livremente pela estreita abertura superior do gargalo, sem tomar nenhuma outra precaução. Em seguida, deixei o frasco esfriar. É uma coisa notável, capaz de assombrar qualquer pessoa acostumada com a delicadeza das experiências relacionadas à assim chamada geração espontânea, o fato de o líquido em tal frasco permanecer imutável indefinidamente...” • 3. Biogênese e abiogênese. 1. A Idéia da Geração Espontânea • “Parecia que o ar comum, entrando com força durante os primeiros momentos (do resfriamento), deveria penetrar no frasco num estado de completa impureza. Isto é verdade, mas ele encontra um líquido numa temperatura ainda próxima do ponto de ebulição.. ” • “A entrada do ar ocorre, então, mais vagarosamente e, quando o líquido se resfriou suficientemente, a ponto de não mais ser capaz de tirar a vitalidade dos germes, a entrada do ar será suficientemente lenta, de maneira a deixar nas curvas úmidas do pescoço toda a poeira (e germes) capaz de agir nas infusões...” • 3. Biogênese e abiogênese. 1. A Idéia da Geração Espontânea • “ Depois de um ou vários meses no incubador, o pescoço do frasco foi removido por golpe dado de tal modo que nada, a não ser as ferramentas, o tocasse, e depois de 24, 36 ou 48 horas, bolores se tornavam visíveis, exatamente como no frasco aberto ou como se o frasco tivesse sido inoculado com poeira do ar.” • Com esta experiência engenhosa, Pasteur também demonstrava que o líquido não havia perdido pela fervura suas propriedades de abrigar vida, como argumentaram alguns de seus opositores. Além disso, não se podia alegar a ausência do ar, uma vez que este entrava e saía livremente (apenas estava sendo filtrado). • A seguir diagramas da experiência de Pasteur. • 4. Microbiologia e saúde: teoria microbiana das doenças. •. • 4.1 Principais etapas no desenvolvimento da Microbiologia e teoria microbiana das doenças. • 4. Microbiologia e saúde: teoria microbiana das doenças. • 4. Microbiologia e saúde: teoria microbiana das doenças. • 4. Microbiologia e saúde: teoria microbiana das doenças. XX • II. Microbiologia e saúde • 2. A teoria microbiana das doenças. • As correntes de pensamento científico explicativas das doenças no século XIX são especialmente elucidativas. • Em meados daquele século, podemos observar um terreno de conflitos entre as concepções de origem miasmáticas (dos miasmas) e a sua versão mais científica da constituição epidêmica e as teorias contagionistas iniciais que desembocaram depois na teoria microbiana da doença e, depois na própria unicausalidade biológica das doenças. • • II. Microbiologia e saúde • No que consistiam os miasmas? Na idade média, o ar “pestilencial” (os miasmas), era incriminado como o propagador de doenças como a peste que passam de pessoa a pessoa e entre comunidades. As pessoas adquiriam os “miasmas” das doenças por serem abertas a estímulos, humores e até prazeres diversos. Miasmas e contágio confundiam-se nas teorias derivadas de Hipócrates. • Estas idéias de Hipócrates podem ser observadas, por exemplo, no trabalho “Ares, águas, lugares”, que foram importantes na formação posterior da teoria da constituição epidêmica. Constituíam-se em teorias àcerca das influências do meio sobre a saúde, mantendo o foco na doença. • II. Microbiologia e saúde • As condições ambientais foram as influências sobre os trabalhos de Sydenham no século XVII. • Este autor, embora ainda focado na questão das doenças, manteve a influência do meio como explicação fundamental, criando as bases da teoria conhecida como constituição epidêmica. • II. Microbiologia e saúde • Pode-se observar a influência desta corrente de pensamento, agora no século XIX, sobre Virchow, considerado um autor chave. • Os trabalhos de Virchow como “As epidemias de 1848” e “As doenças do povo” de 1849, são exemplos da teoria da constituição epidêmica. • Para Virchow, os indivíduos doentes são essencialmente iguais aos sãos, com manifestações diferentes que são seus atributos. Mas certas condições de vida, anormais, dizem respeito às nações ou sociedades e podem ser a influência decisiva para as doenças de um grande número de pessoas. • As terapêuticas, em consequência, devem ter também um caráter coletivo. • II. Microbiologia e saúde • De outro lado vinha à idéia do contágio, versão mais científica da idéia dos miasmas recolocada no século XVI por Fracastolo. • Este autor procurava explicações para a aquisição de doenças assumindo que o contato (de onde vem o contágio) com outros doentes era fundamental e proporcionava a passagem da “causa”, que mais tarde foi recolocada como um conjunto de “germes causadores”. • A teoria do contágio foi, depois, retomada por Henle no século XIX, a partir do seu trabalho sobre miasmas e contágio de 1840. • II. Microbiologia e saúde • Henle assumiu uma liderança no pensamento científico em desenvolvimento neste período, criticando o conjunto de idéias “inespecífico” trazido pela idéia da constituição epidêmica e argumentando pela “redução causal das doenças”. • Contrastou desta forma, profundamente com a explicação ambiental defendida por Virchow , trazendo o debate para as lesões de porta de entrada dos germes causadores das doenças. Isto pavimentou o caminho para a teoria pós-contagionista da transmissão das doenças, consagrada com a linha microbiana de Pasteur, Koch e seguidores posteriores. • Henle sustentava que o contágio não é a doença, mas a sua causa e esta era provavelmente viva. • II. Microbiologia e saúde • No seguimento da teoria da transmissão, apareceu o trabalho mais conhecido da época, de Snow, que se chamou “Sobre a maneira da transmissão do cólera” lançado inicialmente em 1848. • John Snow era um seguidor das teorias de Henle e buscava a gênese do cólera a partir de estudos minuciosos dos sintomas de •numerosos pacientes. Interessantemente, no curso de suas investigações, usou idéias da constituição epidêmica de Virchow, conseguindo comprovar o que chamou de “propagação do veneno do cólera” pela água abastecida por companhias de água que a captavam em diferentes pontos do rio Tâmisa em Londres. • A sua reconhecida contribuição metodológica rendeu-lhe o título de pai da epidemiologia. • II. Microbiologia e saúde • O agente infeccioso do cólera foi elucidado posteriormente, por Koch em 1883. • Pasteur, Koch e outros microbiologistas, inauguraram a fase microbiana da explicação das doenças, com sucessivas descobertas no período entre 1860 a 1890. • II. Microbiologia e saúde • Estas descobertas de Pasteur e Koch iniciaram-se com a eliminação da idéia da geração espontânea e adentraram o campo das doenças humanas, apresentando agentes e terapêuticas com grande impacto, haja visto por exemplo a vacina para a raiva, descoberta por Pasteur. • A influência microbiana caracterizou a idéia da unicausalidade das doenças. • Esta centrava-se na busca de novos agentes etiológicos e na descoberta das sua transmissão, a base da terapêutica e prevenção por vacinas. • II. Microbiologia e saúde • • II. Microbiologia e saúde • • II. Microbiologia e saúde • O estabelecimento de causa microbiológica trouxe o estímulo à terapêutica específica. Reforçou também o reducionismo da medicina. “Saber o que causa, combater e curar”, seria o lema deste período. • A teoria microbiológica trouxe o otimismo com “fim das doenças”, presente na primeira metade do século XX. • Em 1943, Winslow celebrava “o triunfo de terem sido banidas para sempre dIa Terra as grandes pragas e pestilências do passado ...”. • O período do início do século XX é marcado com o otimismo das grandes campanhas de saúde, da teoria da “erradicação” e do campanhismo. • II. Microbiologia e saúde • Mesmo no século XX, observou-se esta mesma concepção, nos anos 80, na corrida pela descoberta do vírus da imunodeficiência adquirida – HIV. • De forma geral, o etiologismo na explicação da doença passou a deter uma rede preventiva abrangente. No caso da AIDS isto só retomada vários anos depois da descoberta do HIV. • Questão 1: O fim das doenças foi alcançado com o conhecimento das etiologias? Porque? • II. Microbiologia e saúde: John Snow • John Snow é considerado o “pai” da epidemiologia, graças aos seus estudo pioneiros sobre a cólera em Londres, numa época de transição entre as teorias da constituição epidêmica de origem miasmática e contagionista bacteriana. • Era anestesiologista, contemporâneo de William Farr. Sintetizou a sua contribuição no ensaio “Sobre a Maneira de Transmissão da Cólera”, de 1855, um memorável estudo a respeito de duas epidemias de cólera ocorridas em Londres em 1849 e 1854. • II. Microbiologia e saúde • Snow descreveu o desenvolvimento da epidemia e das características de sua propagação, detalhadamente. O seu raciocínio foi considerado genial, conseguindo demonstrar o caráter transmissível da cólera (pela teoria do contágio), muito antes das descobertas da microbiologia, do Vibrio cholerae ser conhecido como agente etiológico da cólera. • “O fato da doença caminhar ao longo das grandes trilhas de convivência humana, nunca mais rápido que o caminhar do povo, via de regra mais lentamente..." "Ao se propagar em uma ilha ou continente ainda não atingido, surge primeiro num porto..." "Jamais ataca tripulações que se deslocam de uma área livre da doença para outra atingida até que elas tenham entrado no porto...“ • II. Microbiologia e saúde • "... doenças transmitidas de pessoa a pessoa são causadas por alguma coisa que passa dos enfermos para os sãos e que possui a propriedade de aumentar e se multiplicar nos organismos dos que por ela são atacados...“ • II. Microbiologia e saúde • "... Os casos subseqüentes ocorreram sobretudo entre parentes daquelas (pessoas) que haviam sido inicialmente atacadas, e a sua ordem de propagação é a seguinte: ... o primeiro caso foi o de um pai de família; o segundo, sua esposa; o terceiro, uma filha que morava com os pais; o quarto, uma filha que era casada e morava em outra casa; o quinto, o marido da anterior, e o sexto, a mãe dele...“ • Transmissão por veículo comum: "... Estar presente no mesmo quarto com o paciente e dele cuidando não faz com que a pessoa seja exposta obrigatoriamente ao veneno mórbido... • Em Surrey Buildings a cólera causou terrível devastação, ao passo que no beco vizinho só se verificou um caso fatal... No primeiro beco a água suja despejada... ganhava acesso ao poço do qual obtinham água. Essa foi de fato a única diferença...“ • II. Microbiologia e saúde • "... Todavia, tudo o que eu aprendi a respeito da cólera ... leva-me a concluir que a cólera invariavelmente começa com a afecção do canal alimentar". • "... Se a cólera não tivesse outras maneiras de transmissão além das já citadas, seria obrigada a se restringir às habitações aglomeradas das pessoas de poucos recursos e estaria continuamente sujeita à extinção num dado local, devido à ausência de oportunidades para alcançar vítimas ainda não atingidas. Entretanto, freqüentemente existe uma maneira que lhe permite não só se propagar por uma maior extensão, mas também alcançar as classes mais favorecidas da comunidade. Refiro-me à mistura de evacuações de pacientes atingidos pela cólera com a água usada para beber e fins culinários, seja infiltrando-se pelo solo e alcançando poços, seja sendo despejada, por canais e esgotos, em rios que, algumas vezes, abastecem de água cidades inteiras.“ • II. Microbiologia e saúde • Na primeira das duas epidemias estudadas por Snow, ele verificou que os distritos de Londres que apresentaram maiores taxas de mortalidade pela cólera eram abastecidos de água por duas companhias: a Lambeth Company e a Southwark & Vauxhall Company. • Naquela época, ambas utilizavam água captada no rio Tâmisa num ponto abaixo da cidade. No entanto, na segunda epidemia por ele estudada, a Lambeth Company já havia mudado o ponto de captação de água do rio Tâmisa para um local livre dos efluentes dos esgotos da cidade. Tal mudança deu-lhe oportunidade para comparar a mortalidade por cólera em distritos servidos de água por ambas as companhias e captadas em pontos distintos do rio Tâmisa. •IV. Exercício em grupo: discutir e interpretar as tabelas apresentadas por Snow.