Terapia biológica em artrite reumatoide Terapia biológica em artrite
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ISSN 0047-2077 Maio/Junho 2012 Volume 100 Número 2 Terapia biológica em artrite reumatoide O contexto do transplante de órgãos no Brasil em 2011 Insuficiência exócrina do pâncreas Hipertensão arterial resistente Etiopatogenia do diabetes mellitus tipo 2 Asma — A arte do encontro A arte da Clínica Médica editorial ISSN 0047-2077 Editor: José Maria de Sousa e Melo In memoriam Gerente Geral: Daila B. Melo Gerência Executiva: Lícia M.a S. Andrade Assistente: Thereza C. Jouan Alé Redação Editor Científico: Dr. José Galvão-Alves Redator-Chefe: Dr. Almir L. da Fonseca Coordenação Editorial: Sheila Guedes Revisor-Chefe: Waldyr dos Santos Dias Revisores: Joel Vasconcellos Sueli B. dos Santos Contato Médico: Jorge de Moura Bastos Assistente: Julliana P. Rodrigues Tráfego e Logística: Manassés S. Pinto Programação Visual Edson de Oliveira Vilar Editoração Eletrônica Valter Batista dos Santos Sonia R. Vianna e Silva A pós 53 anos (1959-2012) de publicações ininterruptas e participando efetivamente da atualização continuada de milhares e milhares de médicos brasileiros, o Jornal Brasileiro de Medicina — JBM, criado e cuidadosamente mantido pela EPUC — Editora de Publicações Científicas e liderado pelo saudoso e empreendedor Sr. José Maria de Sousa e Melo, busca manter a tradição, porém, adequando-se aos tempos modernos, privilegiando a ainda charmosa comunicação escrita, mas reformulando-se na maneira de se expressar. A partir desta edição, lançada no tradicional Centro de Convenções do Colégio Brasileiro de Cirurgiões (CBC) em 15 de junho de 2012, pretende sua Coordenação e seu renovado Conselho Científico retornar ao caminho e à arte de divulgar e transmitir a Clínica Médica com o que temos de melhor na medicina brasileira. Publicidade Executivo de Contas (RJ): Silvio F. Faria Assistente: Carolina S. de Jesus Gerente (SP): Rodrigo Faccas Executiva de Contas: Anna Maria Caldeira Assistente: Sirlei T.S. de Lima Secretária: M.a das Graças Santos Com especial atenção ao mundo acadêmico, privilegiando os temas comuns e necessários a uma boa prática clínica, o JBM inicia um período de renovação, porém, mantendo a meta da qualidade ética e didática. Temos por objetivo principal atingir clínicos e especialistas em medicina interna que, na solidão de seus consultórios, tomarão sábias decisões que poderão mudar favoravelmente o destino de nossos pacientes. Jornal Brasileiro de Medicina é uma revista médico-científica bimestralmente enviada a mais de 25.000 médicos com clínica ativa em todo o território nacional. JBM NÃO ACEITA EM HIPÓTESE ALGUMA MATÉRIA PAGA EM SEU ESPAÇO EDITORIAL. Uma revista bimestral, com seis artigos de revisão e atualização, seções especializadas em apresentações de casos clínicos, imagens e avaliação laboratorial que serão motivo de desejo e expectativa pela próxima edição. Editora de Publicações Científicas Ltda. Rio de Janeiro: Av. das Américas, 1.155 — Salas 1401 a 1404 — Barra da Tijuca — Tels.: 2492-1856 e 24932694 — Fax: 2492-1279 — CEP 22631-000 — Inscrição: 81.413.177 — CNPJ 33.897.679/0001-12 — E-mail: [email protected] São Paulo: Rua Dr. Diogo de Faria, 495 — Vila Clementino — Tel./Fax: 5549-2982 — CEP 04037-001 — Inscrição 108.704.425.112 — CNPJ 33.897.679/0002-01 — E-mail: [email protected] Número avulso: R$ 30,00 Registrado na Base de Dados Lilacs, organizada pela Bireme (ex-Index Medicus Latino Americano) Periodicidade: Bimestral Impressão: Gráfica Trena Distribuição: Door to Door e Diremadi Representante no México: Intersistemas S.A. de C.V. - México JBM reserva-se todos os direitos, inclusive os de tradução, em todos os países signatários da Convenção Pan-Americana e da Convenção Internacional sobre Direitos Autorais. Os trabalhos publicados terão seus direitos autorais resguardados pela EPUC que, em qualquer situação, agirá como detentora dos mesmos. A revista JBM, que tenho a honra e satisfação de presidir, coloca-se de maneira ambiciosa a tornar-se o principal e maior veículo de transmissão do conhecimento da Clínica Médica no Brasil, especialidade que atinge o todo, abordando e decodificando sintomas e sinais de maneira a desenvolver um raciocínio diagnóstico lógico e a solicitação de exames complementares de maneira objetiva e parcimoniosa. O JBM terá como seu grande alicerce o médico, figura ímpar, que, com seu conhecimento e experiência, poderá tornar o exercício da medicina ciência e arte. Com a parceria ética e construtiva de nossos patrocinadores, poderemos atingir praticamente todas as localidades deste imenso Brasil, e levar a nossos colegas a atualização, essencial a um bom exercício da profissão. É com um entusiasmo invulgar que abraçamos este desafio, motivo de orgulho e de compromisso com o mundo científico brasileiro. Peço a Deus que nos ilumine. José Galvão-Alves Publicações do Grupo: JBM MAIO/JUNHO VOL. 100 No 2 3 sumário 3 7 16 A arte da Clínica Médica editorial Conselho Científico Presidente José Galvão-Alves O contexto do transplante de órgãos no Brasil em 2011 artigos Bahia Zilton A. Andrade Luis Guilherme Lyra Drs. José O. Medina Pestana, Valter Duro Garcia, Claudia Rosso Felipe, Mário Abbud-Filho, Nelson Zocoler Galante, Eliana Regia Barbosa de Almeida e Emil Sabbaga Brasília Columbano Junqueira Neto Hipertensão arterial resistente — Diagnóstico e tratamento Espírito Santo Carlos Sandoval Drs. Evandro Tinoco Mesquita e Antonio José Lagoeiro Jorge Goiás Celmo Celeno Porto 23 Insuficiência exócrina do pâncreas — Etiologias 39 Etiopatogenia do diabetes mellitus tipo 2 Dr. Leão Zagury Paraná Miguel Riella Sergio Bizinelli 44 Asma — A arte do encontro Pernambuco José Roberto de Almeida 57 Dr. Hisbello S. Campos Rio de Janeiro Aderbal Sabas Azor José de Lima Evandro Tinoco Fábio Cuiabano Gilberto Perez Cardoso Jorge Alberto Costa e Silva José Manoel Jansen Marta C. Galvão Mauro Geller Henrique Sergio Moraes Coelho Glaciomar Machado Terapia biológica em artrite reumatoide — Novas perspectivas no controle e remissão Drs. W. A. Bianchi , G. B. Maretti, D. V. Bianchi, R. F. Elias e B. V. Bianchi Relato de caso 31 Minas Gerais Julio Chebli Dr. José Galvão-Alves seções Doença de Crohn, colangite esclerosante primária e síndrome do anticorpo antifosfolipídeo — Associação incomum ou mera casualidade? Drs. J. Galvão-Alves , M. C. Galvão , D. A. Cavalcanti e H. Rzetelna São Paulo Capital Adib Jatene Flair José Carrilho José Eduardo Souza Nestor Schor Sender Miszputen Botucatu Oswaldo Melo da Rocha Imagem em medicina interna 36 6 Coordenação: Dra. Marta Carvalho Galvão Apendicite aguda Dras. Marta Carvalho Galvão, Beatriz da Cunha Raymundo e Mariana de Magalhães Bastos 55 Panorama Internacional 66 Noticiário JBM MAIO/JUNHO VOL. 100 No 2 O contexto do transplante de órgãos no Brasil em 2011 JOSÉ O. MEDINA PESTANA NELSON ZOCOLER GALANTE Doutorado em Nefrologia. Professor titular do Departamento de Medicina Ð Disciplina de Nefrologia da Universidade Federal de São Paulo. Doutorado em Nefrologia Ð Hospital do Rim e Hipertensão. Departamento de Medicina, Disciplina de Nefrologia da Universidade Federal de São Paulo. VALTER DURO GARCIA ELIANA REGIA BARBOSA DE ALMEIDA Doutorado em Nefrologia Ð Unidade de Transplante de Rim e Pâncreas do Complexo Hospitalar Santa Casa de Porto Alegre. Mestrado em Clínica Médica. Coordenadora da Central de Transplante do Estado do Ceará. CLAUDIA ROSSO FELIPE EMIL SABBAGA Doutorado em Nefrologia Ð Hospital do Rim e Hipertensão. Departamento de Medicina Ð Disciplina de Nefrologia da Universidade Federal de São Paulo. Doutorado em Nefrologia Ð Departamento de Medicina, Disciplina de Nefrologia da Universidade de São Paulo. transplantes O contexto do transplante de órgãos no Brasil em 2011 MÁRIO ABBUD-FILHO Doutorado em Nefrologia Ð Departamento de Medicina, Disciplina de Nefrologia da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto. Resumo Summary O Sistema Nacional de Transplantes (SNT) brasileiro coordena e regulamenta o maior programa de transplantes público do mundo. Com o seu estabelecimento, em 1997, o número de transplantes renais aumentou de 920 (5,8 por milhão de população Ð pmp), em 1988, para 4.957 (26 pmp) em 2011. Existem disparidades geográficas evidentes nos desempenhos entre as cinco regiões nacionais. Estas disparidades são diretamente relacionadas à densidade populacional regional, ao produto interno bruto e ao número de médicos com treinamento em transplante. Acompanhando o desafio de atenuar as disparidades regionais no acesso ao transplante, o sistema pode ser aperfeiçoado pela criação de um registro nacional para receptores de transplante e de doadores vivos de rim, e também pela promoção de estudos clínicos e experimentais voltados a melhor compreender a resposta imune relacionada ao transplante em nossa população. JBM MAIO/JUNHO VOL. 100 No 2 The Brazilian National Transplant System (SNT) coordinates and regulates perhaps the largest public transplant program worldwide. Since its establishment in 1997, the number of kidney transplants increased from 920 (5.8 pmp) in 1998 to 4,957 (26 pmp) in 2011. There are clear regional disparities in performance across all national regions. These disparities are directly related to regional population density, gross domestic product, and number of transplant physicians. Besides the challenge of reducing the regional disparities related to the access to transplantation, it can be further improved by creating a national outcome registry for transplant recipient and for living kidney donors, and also by promoting clinical and experimental studies aimed to better understand the immune response related to transplantation in our population. Unitermos: Transplante de órgãos; doação de órgãos; sistema único de saúde; sistema nacional de transplantes. Keywords: Organ transplantation; organ donation; health care system; national system for transplants. 7 O contexto do transplante de órgãos no Brasil em 2011 Introdução O sistema público de saúde brasileiro é caracterizado pela cobertura universal gratuita, que inclui o atendimento médico completo, ambulatorial e hospitalar, e o fornecimento de vários medicamentos, incluindo aqueles listados no Programa de Medicamentos Excepcionais, inserido no atendimento ambulatorial de alta complexidade para tratamento de enfermidades raras ou de baixa prevalência (Portaria MS/SAS no 105, de 29/03/99) (1). Nesse programa estão duas áreas terapêuticas reconhecidas internacionalmente: o transplante de órgãos e o tratamento de pacientes portadores do vírus da imunodeficiência adquirida (HIV). O programa nacional de transplantes de órgãos é provavelmente o maior programa público de transplantes do mundo, com uma logística de alocação de órgãos justa e sem privilégios sociais ou culturais. O Ministério da Saúde disponibiliza perto de 1 bilhão de reais anualmente neste programa, destinado às despesas relacionadas à organização de procura de órgãos, despesas hospitalares com a realização dos procedimentos cirúrgicos e readmissões hospitalares para tratamento de suas complicações, atendimento ambulatorial e fornecimento de medicamentos imunossupressores. Mais de 95% dos transplantes são realizados dentro do sistema único de saúde, sendo que o acompanhamento de todos estes pacientes, em ge- ral, é vinculado às equipes de transplantes. O acompanhamento dos doadores também está regulamentado, determinando remuneração equivalente a uma consulta ambulatorial do receptor de transplante (2). Desenvolvimento do Sistema Nacional de Transplantes (SNT) Desde a sua criação, em 1997, a organização e a legislação brasileira de transplante têm sido aprimoradas e regulamentadas, estabelecendo atualmente uma rede descentralizada de colaboradores, dividida em três níveis hierárquicos totalmente integrados: (1) em nível nacional, no Ministério da Saúde em Brasília; (2) em nível regional, em cada Secretaria Estadual de Saúde; (3) em nível intra-hospitalar (Gráfico 1). No nível nacional o programa de transplantes é coordenado pelo Sistema Nacional de Transplantes (SNT), órgão localizado no Ministério da Saúde em Brasília e regulamentado pela Lei no 9.434, de 4 de fevereiro de 1997. O SNT credencia equipes e hospitais para a realização de transplantes e define o financiamento e portarias que regulamentam todo o processo, desde a captação de órgãos até o acompanhamento dos pacientes transplantados. O SNT coordena a Central Nacional de Notificação, Captação e Distribuição de Órgãos (CNNCDO), também localizada em Brasília, responsável pela alocação de órgãos entre Gráfico 1: Organização do Sistema Nacional de Transplantes. 8 JBM MAIO/JUNHO VOL. 100 No 2 O contexto do transplante de órgãos no Brasil em 2011 os estados. O SNT também coordena as 23 de setembro de 2005, que estabeleceu Centrais de Notificação, Captação e Disque todos os hospitais com mais de 80 leitribuição de Órgãos (CNCDOs) presentes tos devem dispor de Comissões Intra-hosnas secretarias de saúde dos 27 estados da pitalares de Doação de Órgãos e Tecidos federação (3). Em nível regional, as centrais para Transplantes (CIHDOTT), direcionadas estaduais (CNCDOs) são responsáveis por à detecção pró-ativa de potenciais doadocoordenar as atividades do transplante no res (6). O Brasil tem 6.489 hospitais (154 âmbito estadual, realizando as inscrições e são hospitais universitários) distribuídos ordenações dos receptores, além de receem seu território, sendo cerca de 2 mil com ber as notificações de potenciais doadores mais de 80 leitos (7). e coordenar a logística de todo o processo O resultado dos investimentos e do aperde doação, desde o diagnóstico de morte feiçoamento da legislação para transplantes encefálica, a abordagem dos familiares e a é demonstrado claramente pela evolução retirada e alocação dos órgãos. As secredo desempenho nacional observado nos últarias estaduais podem criar Organizações timos anos. O número de transplantes renais de Procura de Órgãos (OPOs), também decresceu de 920 no ano de 1988 para 1.722 nominadas Serviço de Procura de Órgãos em 1993, 2.394 em 1999, 3.466 em 2004 e e Tecidos (SPOT), regionalizando a capta4.957 em 2011 (8). A relação entre o númeção em estados com população elevada ro de transplantes com órgãos de doadores ou com território geográfico extenso. No vivos e falecidos se manteve próximo de estado de São Paulo, cuja população che50% entre 1994 e 2007. Nos últimos anos, ga a 40 milhões de habitantes, existem seis a proporção de transplantes com órgãos de SPOTs, quatro na capital e dois no interior. doador falecido cresceu substancialmente, Entre várias medidas implementadas sendo que, em 2011, 66,8% dos transplancom o intuito de aumentar o número de potes renais foram realizados com órgãos de tenciais doadores de órgãos, entre 1997 e doadores falecidos (N = 3.314) (Gráfico 2). 2001 foi regulamentada a retirada de órgãos No mesmo período, o número de transplande doadores falecidos baseada no consentites hepáticos cresceu de 1.008 em 2007 mento presumido, onde o indivíduo não era para 1.492 em 2011, sendo que o número considerado potencial doador de órgãos sode transplantes com doador vivo caiu de mente se tivesse registrado este seu desejo 146 (14%) para 104 (7% do total). em vida. Essa forma de obtenção de autorização familiar para a retirada de órgãos não resultou em aumento do número de doadores e trouxe desconforto à população, sendo revogada posteriormente (4, 5). Entre 2001 e 2011, restabelecido o consentimento familiar para a doação de órgãos, foi observado um grande aumento no número absoluto e relativo de transplantes com órgãos de doadores falecidos, resultado de uma série de outras medidas e regulamentações governamentais e da incorporação positiva da imagem do programa de transplantes na cultura na sociedade. Um avanço significativo no processo de captação de órgãos foi determinado pela portaria ministerial no 1.752, de Gráfico 2: Número atual de transplantes renais realizados no Brasil. JBM MAIO/JUNHO VOL. 100 No 2 Entre 2001 e 2011, restabelecido o consentimento familiar para a doação de órgãos, foi observado um grande aumento nos números absoluto e relativo de transplantes com órgãos de doadores falecidos, resultado de uma série de outras medidas e regulamentações governamentais e da incorporação positiva da imagem do programa de transplantes na cultura na sociedade. 9 O contexto do transplante de órgãos no Brasil em 2011 A Para todos os órgãos existem critérios circunstanciais rigorosos para se estabelecer prioridades na lista de espera em situações extremas. Pacientes com hepatite fulminante, choque cardiogênico, sem acesso vascular ou peritoneal para realização de hemodiálise ou com perfuração de córnea são priorizados para receberem transplantes de fígado, coração, rim e córnea, respectivamente. necessidade de transplantes A necessidade estimada de transplantes de órgãos por milhão de habitantes bem como o número de transplantes realizados em 2011 são mostrados no Gráfico 3. Cerca de 19.500 pessoas aguardam transplante de rim, 1.100 de fígado, 440 de pâncreas-rim, 200 de coração e 144 de pulmão. Em vários estados brasileiros, como no estado de São Paulo, já não existe lista de espera para transplante de córnea, o que deve ocorrer também nos demais, considerando que não existe limite de idade para doação de córneas e sua retirada pode ser realizada em quase todos os doadores em até seis horas após a morte. O grande e crescente número de pacientes em lista de espera para o transplante renal decorre da progressiva melhora na qualidade e expectativa de vida proporcionada pela diálise, podendo esta opção terapêutica ser até mesmo melhor para certos grupos de pacientes (9). Os transplantes de coração, fígado e pulmão estão indicados em pacientes cuja expectativa de vida relacionada ao órgão insuficiente seja menor que 30 meses, o que mantém a lista pequena quando comparados ao transplante renal, no qual os candidatos podem ser mantidos por décadas em diálise. O perfil da demografia de candidatos a transplante renal com rim de doador falecido no estado de São Paulo pode ser represen- tativo da média nacional. Analisando 7.123 pacientes em lista de espera para transplante renal, observamos que 76% dos candidatos têm idade entre 21 e 60 anos, e apenas 51% têm idade inferior a 18 anos, correspondendo a menos de 1,5 candidato em faixa etária pediátrica em lista de espera por milhão de habitantes (10). Alocação de órgãos A alocação de órgãos de doador vivo ou falecido é regulamentada pelo SNT. Não existem irregularidades comprovadas relativas à alocação de órgãos, sejam eles provenientes de doador falecido ou vivo, sendo que denúncias existentes são prontamente investigadas pelo Ministério Público. A alocação dos órgãos de doador falecido é controlada pelas centrais estaduais, sendo o rim distribuído de acordo com a melhor compatibilidade HLA (antígeno leucocitário humano). O coração, o pâncreas e o pulmão são alocados de acordo com o tempo em lista de espera. O fígado é destinado ao paciente de maior gravidade na lista de espera, com base no escore Model for End-stage Liver Disease — MELD (11). Para todos os órgãos existem critérios circunstanciais rigorosos para se estabelecer prioridades na lista de espera em situações extremas. Pacientes com hepatite fulminante, choque cardiogênico, sem acesso Gráfico 3: Necessidade estimada e transplantes realizados em 2011. 10 JBM MAIO/JUNHO VOL. 100 No 2 O contexto do transplante de órgãos no Brasil em 2011 Gráfico 4: Evolução da captação de órgãos no Brasil no período de 1999 a 2011. vascular ou peritoneal para realização de hemodiálise ou perfuração de córnea são priorizados para receberem transplantes de fígado, coração, rim e córnea, respectivamente. Crianças menores de 18 anos têm prioridade e concorrem com os adultos em todas as situações, tendo preferência absoluta quando o doador for desta faixa etária (12). Entre 1999 e 2011 o número de potenciais doadores falecidos aumentou 107%, de 18,3 pmp para 37,9 pmp. O número de doadores falecidos aumentou 181,6%, de 3,8 pmp para 10,7 pmp (13) (Gráfico 4). Vale salientar a mudança progressiva do perfil dos doadores falecidos, muito semelhante ao observado em centros internacionais. Os dados obtidos da Secretaria Estadual de São Paulo, no período entre 2000 e 2009, demonstram um aumento da idade média dos doadores, de 33 anos em 2000 para 41 em 2009. Observa-se uma progressiva diminuição do número de doadores com idade inferior a 34 anos, cuja principal causa de óbito é por morte violenta (14), e um crescimento proporcional do número de doadores com idade superior a 50 anos, cuja principal causa de óbito é o acidente vascular cerebral. Para exemplificar essa mudança, a proporção de transplantes de rim de doador com critério expandido, definido segundo os critérios da OPTN (Organ Procurement and Transplantation Network) (15), aumentou de 4% em 2000 para 31% em 2010 no Hospital do Rim e Hipertensão. Das 158 notificações de potenciais doadores recebidas no primeiro semestre de 2010 pelo SPOT UNIFESP, 49% dos diagnósticos de morte encefálica foram de acidente vascular cerebral, 27% de traumatismo craniencefálico, 18% de anóxia e 5% de outras causas. O índice de efetivação JBM MAIO/JUNHO VOL. 100 No 2 da doação foi de 40%, sendo que 22% não foram concretizados devido à negativa familiar e 38% dos potenciais doadores foram desconsiderados por motivos relacionados à notificação tardia, resultando em parada cardíaca antes que o processo de doação se completasse (10). Mesmo assim, no ano de 2010 apenas 211 rins (12,8%) foram descartados por terem sidos considerados inadequados para transplante, seja por alteração da função ou da histologia renal. Este percentual de descarte é inferior àquele que ocorre nos Estados Unidos e Espanha, onde o descarte é superior a 20% (16, 17). A notificação mais rápida de potenciais doadores deve não só aumentar a proporção de efetivações de doações como também aperfeiçoar a manutenção do doador, aumentado a viabilidade e qualidade funcional dos órgãos retirados e possivelmente reduzindo ainda mais a taxa de descarte. A alocação de órgãos de doador vivo (tanto para rim como para fígado e pulmão) permite o transplante com órgãos de parentes até o quarto grau (grau I — pais e filhos; grau II — avós e irmãos; grau III — tios e sobrinhos; grau IV — primos e filhos de tios consanguíneos) e também de cônjuges. O transplante com órgãos de doadores vivos não relacionados ou amigos só é permitido depois de extenso trâmite, que envolve justificativa médica e autorização ética e judicial para o procedimento. O resultado dessa regulamentação é evidenciado pelo pequeno número de transplantes renais com doadores vivos não aparentados realizados no ano de 2011: apenas 113 (7%) (não parentes e não cônjuges) entre os 1.643 transplantes renais intervivos do ano. Definição e abordagem criteriosas na seleção do doador vivo são fundamentais para a segu- A alocação de órgãos de doador vivo permite o transplante com órgãos de parentes até o quarto grau e também de cônjuges. 11 O contexto do transplante de órgãos no Brasil em 2011 Apesar da crescente desproporção entre o número de doadores e o número de potenciais receptores em lista de espera para receber um transplante, acreditamos que a doação de órgãos de filhos para pais, cerca de 100 doadores por ano na análise realizada, deve ser questionada e intensivamente debatida. 12 rança do doador. Além das avaliações clínicas e laboratoriais estabelecidas, podemos considerar também o seu peso ao nascer, visto que o baixo peso está relacionado a posterior déficit de função renal (18), e a presença de microalbuminúria, mais prevalente em portadores de rim único, que constitui fator de risco isolado para desenvolvimento de doença cardiovascular (19). Apesar da crescente desproporção entre o número de doadores e o número de potenciais receptores em lista de espera para receber um transplante, acreditamos que a doação de órgãos de filhos para pais, cerca de 100 doadores por ano na análise realizada, deve ser questionada e intensivamente debatida. A idade jovem por ocasião da doação, o crescente aumento na expectativa de vida da população e o caráter hereditário de muitas doenças renais são fatores de risco que podem estar associados com o desenvolvimento e progressão mais rápida de doenças renais em doadores com rim único. Este mesmo conceito deve ser empregado na seleção de jovens candidatos a doadores que apresentam antecedentes paternos de hipertensão arterial, diabetes mellitus ou doença cardiovascular precoce, que poderão, a exemplo dos pais, desenvolver doenças renais com progressão mais acelerada após a doação. A mesma mudança no perfil de doadores falecidos quanto ao aumento da idade também é observada entre os doadores vivos, com a crescente utilização de órgãos de doadores vivos cada vez mais idosos. A idade média dos doadores vivos cresceu cinco anos na última década, de 40 para 45 anos, sendo frequentemente utilizados doadores vivos com mais de 70 anos (10). Na casuística do Hospital do Rim e Hipertensão o doador mais idoso foi uma mãe, que doou o rim ao filho aos 81 anos, e permanece sadia atualmente, aos 95 anos. Não está disponível um registro brasileiro de doadores de rim, o que impossibilita a avaliação da repercussão da nefrectomia na função renal do rim remanescente e na sobrevida do doador em longo prazo. O doador vivo, embora não considerado paciente, deve receber orientação sistemática em relação aos riscos do sobrepeso, hipertensão arterial, tabagismo e demais hábitos associados a um maior risco de desenvolvimento e progressão da doença renal e cardiovascular. Disparidades regionais no número de transplantes Embora a logística do SNT esteja bem estabelecida, resultando em números anuais crescentes de transplantes, existem disparidades regionais acentuadas entre os estados. Enquanto em São Paulo, Distrito Federal, Rio Grande do Sul e Santa Catarina o desempenho observado na captação de órgãos se aproxima de países com programa de transplantes já bem alicerçados, em outros estados, como Amazonas, por exemplo, não ocorre nenhuma captação de órgãos de doadores falecidos. Em 2011 o número médio de doadores falecidos foi de 10,7 por milhão de habitantes, variando entre 0,6 e 25,4 entre os estados da União. Analisando a distribuição dos transplantes de rim realizados em 2011 por cada região geográfica brasileira, observamos que a maioria foi realizada nas regiões Sul e Sudeste, o que bem caracteriza a discrepância geográfica mencionada. Estas regiões concentram 57% da população brasileira, 73% do produto interno bruto (PIB) e a maioria dos profissionais afiliados à Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos (8). Essas características demográficas e socioeconômicas influenciam diretamente o número de publicações científicas indexadas na área de transplante de órgãos, que nos últimos 10 anos foi 80% proveniente da Região Sudeste, 16% da Região Sul e 4% das demais regiões. No entanto destacamos o importante desempenho do estado do Ceará na Região Nordeste, que apresentou participação significativa nos números de transplantes de fígado e coração. O desempenho dos estados que se destacam está relacionado ao maior incentivo governamental nessas regiões, estruturação adequada dos centros transplantadores além da formação e motivação permanente das equipes envolvidas. O número total de transplantes renais realizados em 2011 foi de 4.957, sendo 2.010 (40,5%) realizados no estado de São Paulo (48,7 pmp), 468 (9,4%) no Rio Grande do Sul (43,8 pmp) e 263 (5,3%) em Santa Catarina (42,1 pmp). Por outro lado, nesse mesmo período, estados como Sergipe, Alagoas e Bahia apresentaram números de transplanJBM MAIO/JUNHO VOL. 100 No 2 O contexto do transplante de órgãos no Brasil em 2011 tes pmp de 2,4, 4,8 e 5,2, respectivamente (Gráfico 5). Em relação ao transplante hepático, embora o estado de São Paulo tenha realizado 45,8% dos transplantes, os estados com maior número de transplantes pmp foram Ceará (18,6 pmp) e Santa Catarina (17,1pmp), enquanto os estados da Paraíba, Bahia e Minas Gerais apresentaram menores índices — 0,8, 3,5 e 4,1 pmp, respectivamente (Gráfico 6). O transplante cardíaco é realizado em nove estados brasileiros, sendo que o estado de São Paulo foi o responsável por 43% dos transplantes do país em 2011, seguido pelo Ceará, que realizou 15% do total. O número de transplantes por milhão de população, no entanto, foi maior no Distrito Federal (3,5) e no estado do Ceará (3,0), enquanto São Paulo realizou 1,7 transplante pmp. O transplante pancreático está quase que exclusivamente destinado a pacientes portadores de nefropatia diabética avançada, sendo realizado em combinação com o transplante renal. Apenas seis estados brasileiros realizam este tipo de transplante, sendo que dos 181 realizados em 2011, 66,2% ocorreram no estado de São Paulo (2,9 pmp) e 13,8% no Gráfico 5: Número atual de transplantes de rim, por estado, durante 2011. Gráfico 6: Transplantes de fígado, por milhão de população, por estado, durante 2011. JBM MAIO/JUNHO VOL. 100 No 2 13 O contexto do transplante de órgãos no Brasil em 2011 Paraná (2,4 pmp). Os estados de Minas Gerais, Ceará, Santa Catarina e Rio Grande do Sul também realizam este procedimento. Apenas 49 transplantes de pulmão foram realizados no Brasil em 2011, em quatro estados, sendo 55% no Rio Grande do Sul (2,5 pmp) e 34,7% em São Paulo (0,4 pmp). Quatro transplantes ocorreram no Ceará (0,5 pmp). A disparidade geográfica em relação ao acesso ao transplante também está presente no transplante de córnea, demonstrado no Gráfico 7. Trata-se de procedimento cirúrgico do cotidiano do oftalmologista, que não exige equipamentos específicos, seleção imunológica ou mesmo imunossupressão; sendo assim, esta discrepância geográfica indica a existência de limitações não relacionadas à disponibilidade de recursos financeiros ou estruturais. Em 2011 foram realizados 14.696 transplantes de córnea no Brasil. Os estados que se destacaram pelo número de transplantes por milhão de população foram Goiás (139,2 pmp), São Paulo (133,9 pmp) e Distrito Federal (124,1 pmp). No entanto, Rio de Janeiro, Amazonas e Bahia apresentam um índice menor que 20 transplantes pmp (Gráfico 7). Pesquisa em transplante no Brasil O desempenho da atividade da pesquisa aplicada à área de transplantes tem acompanhado o crescente aprimoramento do sistema. A aprovação de diretrizes e Gráfico 7: Transplantes de córnea, por milhão de população, por estado, durante 2011. 14 normas reguladoras para o desenvolvimento de pesquisa envolvendo seres humanos pelo Conselho Nacional de Saúde (CNS), em 1996, deu início ao processo de regulamentação da pesquisa clínica no Brasil. O estabelecimento da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP), para definir diretrizes, normas e padrões éticos de pesquisa, e de Comitês de Ética em Pesquisa (CEPs), órgãos de abrangência institucional local com responsabilidade de monitorar diretamente o desenvolvimento dos projetos de pesquisa envolvendo seres humanos, ampliou as oportunidades de colaboração dos centros de pesquisa brasileiros tanto no âmbito nacional quanto internacional. Em 1987, o primeiro estudo multicêntrico nacional de fase IV foi finalizado no Brasil e o ano de 1999 marcou a conclusão do primeiro estudo multicêntrico nacional de fase III envolvendo dois centros brasileiros. Atualmente cerca de 3 mil receptores de transplante renal estão incluídos em estudos clínicos nacionais e/ou multicêntricos internacionais, situando os centros brasileiros em posição de destaque no cenário internacional dos estudos clínicos. Centros brasileiros participam de estudos clínicos envolvendo everolimo (21-23), FTY720 (24-28), sirolimo (29-31), micofenolato mofetil (32-36), micofenolato sódico (37-39), tacrolimo (40, 41), tacrolimo de liberação modificada (42, 43), valganciclovir (44), belatacept (45), sotrastaurina (clinicaltrials.gov NCT00504543 e NCT01064791) e inibidor de JAK3 CP690,550 (clinicaltrials. gov NCT00483756). O Brasil tem avançado também no desenvolvimento de projetos de pesquisa experimental envolvendo imunologia de transplantes. As principais linhas de investigação incluem métodos de diagnóstico precoce da rejeição aguda do enxerto (46-48), monitoramento não invasivo da resposta imune (49), avanços na compreensão dos mecanismos moleculares e celulares envolvidos na lesão de isquemia e reperfusão (50-52) e na tolerância operacional em humanos (53). JBM MAIO/JUNHO VOL. 100 No 2 O contexto do transplante de órgãos no Brasil em 2011 Perspectivas O Brasil vem apresentando um aprimoramento de sua organização social, que pode ser evidenciado pelo crescimento da expectativa de vida ao nascer, que atualmente é de 76 anos para mulheres e de 69 anos para homens (54), pelo índice de natalidade, que diminuiu de 5,6 para 2,1 nos últimos 30 anos (55), pela redução da mortalidade infantil e pela diminuição da violência urbana e do número de mortes violentas, que no estado de São Paulo decresceu de 13.257 em 1999 para 4.436 em 2007 (56). Nesse contexto, o programa brasileiro de transplantes é um sistema avançado e organizado, justo e igualitário no seu propósito, que deve ser preservado como uma conquista da sociedade na atuação médica de alta complexidade, sendo considerado uma referência internacional da saúde pública brasileira. A análise apresentada demonstra a existência de grande disparidade geográfica nas variáveis métricas do transplante, que pode ser interpretada como consequência intrínseca das diferenças regionais no acesso à saúde e na qualidade de assistência médica observadas nas diferentes regiões do país. Entretanto, esse cenário pode ser atenuado com o envolvimento dos governos estaduais e com a motivação coletiva da sociedade e das equipes de transplante. A prova do resultado da efetividade dessas estratégias vem do estado do Ceará, Referências 1. CASA CIVIL DA PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL — Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, Subchefia para Assuntos Jurídicos da Casa Civil da Presidência da República; 1988; disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ constitui%C3%A7ao.htm. 2. MINISTÉRIO DA SAÚDE — Portaria no 257 de 28 de julho de 2009 — anexo PT/SAS/MS no 257, de 28 de julho de 2009 — compt. agosto, procedimento 0506010031. 2009; disponível em http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/ sas/2009/prt0257_28_07_2009.html. 3. CASA CIVIL DA PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL — Decreto no 2.268, de 30 de junho de 1997. Subchefia para Assuntos Jurídicos da Casa Civil da Presidência da República; 1997; disponível em http://www. planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1997/D2268.htm. 4. CASA CIVIL DA PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL — Lei no 9.434, de 4 de fevereiro de 1997. Subchefia para Assuntos Jurídicos da Casa Civil da Presidência da República Federativa do Brasil [acesso em 10/05/2011]; disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/ L9434.htm. 5. CASA CIVIL DA PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL — Lei no 10.211, de 23 de março de 2001. JBM MAIO/JUNHO VOL. 100 No 2 onde ocorreu aumento acentuado do número de transplantes, graças à atuação alinhada entre o poder público e as equipes de transplante. O amadurecimento e o aprimoramento do programa nacional de transplantes, apesar das disparidades geográficas, estão prosseguindo. Além dos esforços contínuos no aumento do número de doadores, necessitamos de ações para identificar pacientes passíveis de transplante renal preemptivo, considerando os resultados nitidamente superiores observados nessa população. Enquanto a implementação dessa estratégia pode ser mais simples para receptores de órgãos de doador vivo, maior discussão será necessária para implementar essa estratégia nos candidatos de órgãos de doador falecido. No momento, a inscrição em lista de espera é restrita, por legislação, a pacientes com clearance de creatinina inferior a 10ml/min; também devemos aprimorar a identificação e seleção de pacientes que obterão maior benefício após o transplante renal que sua manutenção em diálise, e promover estudos que ampliem o entendimento da resposta imune e avaliem a influência das doenças infecciosas endêmicas na população brasileira. Estas abordagens podem melhorar também os resultados em grupos específicos, como os dos pacientes de etnia negra, cuja modulação da resposta imune requer maior monitoração (57). Subchefia para Assuntos Jurídicos da Casa Civil da Presidência da República Federativa do Brasil; 2001 [acesso em 10/05/2011]; disponível em http://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/Leis/LEIS_2001/L10211.htm. 6. MINISTÉRIO DA SAÚDE — Portaria GM/MS no 1.752, de 23 de setembro de 2005; disponível em http://www.saude.mg.gov. br/atos_normativos/legislacao-sanitaria/estabelecimentos-de-saude/transplantes-implantes/Portaria_1752.pdf. 7. MINISTÉRIO DA SAÚDE — Coordenação geral do Sistema Nacional de Transplantes, 2011 [acesso em 17/03/2011]; disponível em http://dtr2001.saude.gov.br/transplantes/ index_gestor.htm. 8. ABTO — ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE TRANSPLANTE DE ÓRGÃOS. 2011; disponível em http://www.abto.org.br/. 9. KJELLSTRAND, C.M.; BUONCRISTIANI, U. et al. Ð Short daily haemodialysis: Survival in 415 patients treated for 1,006 patient-years. Nephrol. Dial. Transplant., 23(10): 3283-9, 2008. 10. SECRETARIA DE SAÚDE DO ESTADO DE SÃO PAULO. CENTRAL DE TRANSPLANTES — Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo; 2011 [acesso 10/05/2011]; disponível em http://ctxses.saude.sp.gov.br/. Endereço para correspondência: José Osmar Medina Pestana Rua Borges Lagoa, 960/11o andar – Vila Clementino 04038-002 São Paulo-SP Obs.: As 47 referências restantes que compõem este artigo se encontram na Redação à disposição dos interessados. 15 cardiologia Hipertensão arterial resistente Diagnóstico e tratamento Hipertensão arterial resistente Diagnóstico e tratamento EVANDRO TINOCO MESQUITA Da Universidade Federal Fluminense. Do Hospital Pró-cardíaco. ANTONIO JOSÉ LAGOEIRO JORGE Mestre em Ciências Cardiovasculares Ð Unitermos: Hipertensão arterial resistente; diagnóstico; tratamento. Keywords: Resistant hypertension; diagnosis; treatment. 16 Universidade Federal Fluminense. Resumo Summary A hipertensão arterial (HA) resistente pode ser definida como a pressão arterial (PA) sistólica e/ou diastólica que permanece sem controle, apesar do tratamento mantido com doses ótimas envolvendo três classes diferentes de agentes anti-hipertensivos, sendo um deles um diurético. A HA resistente não deve ser considerada sinônimo de hipertensão arterial não controlada ou pseudorresistência. O objetivo desta revisão é mostrar a importância do correto diagnóstico, a identificação de fatores associados que podem ser reversíveis e também de novas abordagens terapêuticas. Resistant hypertension can be defined as the systolic or diastolic blood pressure who remain uncontrolled despite maintained treatment with optimal doses from three different classes of antihypertensive agents, one being a diuretic. Resistant hypertension should not be considered synonymous of uncontrolled hypertension or pseudo-resistance. The aim of this review is to show the importance of correct diagnosis, the identification of factors associated that may be reversible and novel therapeutic approaches. Introdução definição é arbitrária e imprecisa, pois os pacientes que estão controlados com o uso de quatro ou mais medicamentos estariam caracterizados como tendo HA resistente (1). A HA resistente não deve ser considerada sinônimo de hipertensão arterial não controlada ou pseudorresistência. Os portadores de pseudorresistência são aqueles que estão sem controle da PA, como, por exemplo, os que recebem um regime de tratamento inadequado, que tenham aderência ruim, que tiveram sua PA avaliada por equipamentos com manguitos inapropriados e os portadores da HA do “jaleco branco” (37% a 44% dos pacientes identificados como portadores de HA resistente) (6). Os pacientes com HA não controlada deveriam ser submetidos a uma cuidadosa avaliação, para exclusão dessas causas antes de se estabelecer o diagnóstico (6). A verdadeira prevalência da HA resistente permanece desconhecida, pela falta princi- A hipertensão arterial (HA) acomete aproximadamente 25% da população adulta mundial, causando 7 milhões de mortes por ano, apesar do conhecimento atual sobre o seu cuidado e da disponibilidade de medicamentos para o seu controle. O controle da HA permanece como um desafio assistencial para os cardiologistas e clínicos, e um número significativo e crescente de pacientes são considerados portadores de hipertensão arterial resistente (1). A hipertensão arterial resistente pode ser definida como a pressão arterial (PA) sistólica e/ou diastólica que permanece sem controle — PA ≥ 140 x 90mmHg na população geral e ≥ 130 x 80mmHg em diabéticos e renais crônicos — apesar do tratamento mantido com doses ótimas envolvendo três classes diferentes de agentes anti-hipertensivos, sendo um deles um diurético (2-5). Esta JBM MAIO/JUNHO VOL. 100 No 2 Hipertensão arterial resistente Diagnóstico e tratamento ª Hipertensão arterial resistente pode ser definida como a pressão arterial sistólica e/ou diastólica que permanecem sem controle, apesar do tratamento mantido com doses ótimas, com três classes diferentes de agentes anti-hipertensivos sendo um deles um diurético.º Pontos-chave: > A HA resistente pode ser devida a uma causa secundária potencialmente curável de HA; > Dentre essas estão: estenose de artéria renal, feocromocitoma, hiperaldosteronismo primário e apneia do sono; > O hiperaldosteronismo primário parece ser mais comum como causa de HA. 18 palmente de um grande estudo especificamente desenhado para sua caracterização. A prevalência tem derivado de estudos clínicos que estimam a taxa de 10% a 30% para todos os indivíduos com HA; entretanto, esta estimativa não é acurada, devido principalmente aos critérios de inclusão e exclusão utilizados nesses estudos (1). Um grupo significativo de pacientes classificados com HA resistente são aqueles que apresentam persistência de níveis elevados da PA sistólica, mesmo após tratamento, em relação à PA diastólica. Esse achado é observado principalmente na população idosa. Não dispomos também de estudos para estabelecer o prognóstico de pacientes portadores de HA resistente, porém estudos populacionais que comparam hipertensão com lesões de órgão-alvo mostram que os níveis da PA se relacionam diretamente com o risco de infarto do miocárdio (IM), acidente vascular cerebral (AVC), insuficiência cardíaca (IC) e insuficiência renal (IR). Estas observações, em conjunto com as comorbidades mais associadas a pacientes com HA resistente, como obesidade, diabetes e doença renal crônica, mostram um prognóstico ruim se o controle da PA não for alcançado (5). O objetivo da presente revisão é apresentar ao clínico a importância do correto diagnóstico da HA resistente, a identificação de novos fatores associados que podem ser reversíveis, como apneia do sono, hiperaldosteronismo primário, uso de medicamentos, e também de novas abordagens terapêuticas, como a ablação dos nervos da artéria renal, estimulação barorreflexa carotídea e baixas doses dos antagonistas dos receptores da aldosterona. Outro conceito importante é o da pseudo-hipertensão, que é uma falsa elevação da PA obtida de modo indireto, devido à perda da complacência arterial. Ocorre principalmente em idosos. Deve ser suspeitada em pacientes que, apesar da HA resistente, não apresentam nenhuma evidência de lesão de órgão-alvo. No estudo SHEP (7) observou-se que 7% dos pacientes estudados tinham pseudo-hipertensão. O diagnóstico definitivo requer medida direta da PA (2). A investigação de um paciente com suspeita de HA resistente deve conter uma história clínica detalhada. Os pacientes devem ser submetidos a exame físico, exames laboratoriais, monitorização ambulatorial da pressão arterial (MAPA) ou da medida da pressão arterial domiciliar (MRDA) e à avaliação das artérias renais, para pesquisa de estenose arterial pela ultrassonografia. Hiperaldosteronismo primário e feocromocitoma devem ser afastados. No Quadro 1 resumimos as principais etapas para o correto diagnóstico da HA resistente no consultório. Os pacientes com HA resistente devem ser avaliados através da técnica correta para avaliação da pressão arterial (8), excluindo-se resistência aparente devido à hipertensão do “jaleco branco” com o uso da MAPA ou da MRDA. Deve ser realizada uma acurada monitorização da medicação utilizada, para afastar a falta de aderência ao tratamento (1). Fatores relacionados ao estilo de vida do paciente devem ser identificados, monitorados e revertidos. Medicamentos que possam interferir na PA deveriam ser descontinuados. Lesões de órgão-alvo (LOA), como hipertrofia do ventrículo esquerdo (HVE), retinopatia e insuficiência renal, devem ser documentadas. Como diagnosticar a hipertensão arterial resistente Causas de hipertensão arterial resistente A hipertensão arterial resistente pode ser dividida em duas grandes categorias: a hipertensão resistente verdadeira e a aparente, ou pseudorresistência. A pseudorresistência inclui a não aderência ao tratamento, o uso de doses inadequadas dos hipotensores, o emprego incorreto do equipamento utilizado para medir a PA e a hipertensão do “jaleco branco”. As principais causas de HA resistente verdadeira são listadas no Quadro 2 (1). A HA resistente pode ser devida a uma causa secundária potencialmente curável de HA, como estenose de artéria renal, feocromocitoma, hiperaldosteronismo primário e apneia do sono. O hiperaldosteronismo primário parece ser mais comum como causa de HA do que geralmente se acreditava. JBM MAIO/JUNHO VOL. 100 No 2 Hipertensão arterial resistente Diagnóstico e tratamento Uma taxa de prevalência de 20% tem sido relatada em pacientes com HA resistente (9). A apneia do sono foi diagnosticada em 83% de uma série de 41 pacientes com HA resistente, em sua maioria obesos e com pescoço curto (10). Sobrecarga de volume pode estar associada à HA resistente, principalmente em pacientes com insuficiência renal, com terapia inadequada de diuréticos ou que façam grande ingestão de sal na alimentação (1). Um fator importante de muitos casos de HA resistente é o excesso de sal na dieta, que causa uma sobrecarga de volume. Dados obtidos de pequenos estudos mostram que 90% dos pacientes com HA resistente têm expansão de seu volume plasmático (11). Os pacientes com HA resistente em média ingerem mais sal do que a população de modo geral, excedendo 10 gramas de sal/dia (12). O excesso de sal na dieta observado em países desenvolvidos e em desenvolvimento, como o Brasil, está relacionado principalmente ao consumo de alimentos processados. A dosagem da excreção urinária de sódio em urina de 24 horas é um método útil para avaliar o excesso de sal na dieta e a resposta à terapia com diuréticos. Uma causa comum de HA resistente é a presença de doença renal parenquimatosa. A doença renal é a causa mais comum de HA secundária e a não observância dessa relação pode levar a uma escolha inadequada de agentes hipotensores, principalmente em relação aos diuréticos. A falta de uso de diuréticos é a principal causa de HA resistente em pacientes que apresentam doença renal parenquimatosa (13). Fatores biológicos ou o estilo de vida dos pacientes podem contribuir para o desenvolvimento da HA resistente. Medicamentos podem produzir aumentos transitórios ou persistentes da PA. Os anti-inflamatórios não esteroides (AINHs) são medicamentos de uso comum e também uma causa frequente de piora do controle da PA. Eles podem aumentar a PA em torno de 5mmHg, em parte devido à inibição da prostaglandina renal, o que leva à retenção de sódio e água (14). Tratamento não farmacológico A causa da HA resistente é quase sempre multifatorial. Todos os fatores que de JBM MAIO/JUNHO VOL. 100 No 2 QUADRO 1: Diagnóstico de hipertensão arterial resistente Hipertensão não controlada Confirmar hipertensão arterial resistente Uso correto das técnicas de medida da pressão arterial Excluir pseudorresistência — hipertensão arterial do “jaleco branco” Avaliar aderência ao tratamento Identificar fatores relacionados ao estilo de vida e uso de substâncias lícitas e ilícitas Documentar lesões de órgão-alvo e complicações cardiovasculares Hipertrofia do ventrículo esquerdo Retinopatia Insuficiência renal Investigar causas secundárias de hipertensão arterial Estenose de artéria renal Doença renal crônica Feocromocitoma Hiperaldosteronismo primário Apneia do sono obstrutiva Tireotoxicose Coarctação da aorta Vasculites Modificado de Fagard, R.H. — Heart, 93: 254-61, 2012. algum modo possam contribuir para a manutenção da HA devem ser investigados e tratados. A obesidade é a causa mais comum de HA reversível e o aumento da PA se correlaciona com o aumento do peso. O ganho de peso progressivo está associado à HA, bem como a resistência ao tratamento. A obesidade é complicada pela resistência à insulina e pela dislipidemia, que podem agravar a resposta à terapia anti-hipertensiva (2). A ingestão de sal na dieta é um dos elementos responsáveis pela dificuldade de controle da PA. Em indivíduos idosos e da raça negra a ingestão excessiva de sódio piora a hipertensão e reduz a resposta à terapia. Os pacientes mesmo com leve redução da função renal têm tendência a ser sensíveis ao sal (2). O ideal em pacientes com HA resistente seria a redução do sódio na alimentação para 100mEq/24 horas (6 gramas de sal) (1). Os AINHs podem aumentar a PA através de um efeito vasoconstritor direto, pela inibição da prostaglandina. Também pioram a natriurese e podem induzir a expansão de volume, particularmente em pacientes sensíveis ao sal (2). Pontos-chave: > A causa da HA resistente é quase sempre multifatorial; > A causa mais comum é a obesidade; > Em indivíduos idosos e da raça negra a ingestão excessiva de sódio piora a hipertensão e reduz a resposta à terapia; > O ideal em pacientes com HA resistente seria a redução do sódio na alimentação para 100mEq/24 horas (6 gramas de sal). 19 Hipertensão arterial resistente Diagnóstico e tratamento O uso de cafeína provavelmente tem somente um modesto efeito na PA. Meta-análise mostrou Causas de hipertensão arterial secundária que, em média, para cada copo Estenose de artéria renal de café consumido a PA sistólica Doença do parênquima renal aumenta 0,8mmHg e a diastólica, Feocromocitoma Aldosteronismo primário 0,5mmHg (15). Como a cafeína, a nicotina Síndrome de apneia obstrutiva do sono causa uma elevação transiente, mas não induz elevação crônica Sobrecarga de volume da PA (16). A cessação do hábito Insuficiência renal progressiva de fumar deve ser recomendada Elevada ingestão de sódio para todos os pacientes como Terapia diurética inadequada adoção de um estilo de vida mais Hipertensão arterial induzida por saudável. medicamentos/drogas A ingestão excessiva de álcool Uso de anti-inflamatórios não hormonais (mais de duas doses por dia) tem Cocaína, anfetamina um efeito modesto, mas previsível, Agentes simpaticomiméticos sobre a PA. Individualmente, no Anticoncepcionais Ciclosporina entanto, esse efeito pode ser cliniEritropoetina camente significativo. Portanto, a Corticosteroides moderação no consumo de bebidas alcoólicas deve ser encorajada (2). Causas associadas ao estilo de vida A apneia do sono aumenta Ganho de peso, obesidade a PA, pela estimulação do sisteUso excessivo de bebidas alcoólicas ma nervoso simpático através da Modificado de Fagard, R.H. — Heart, 93: 254-61, 2012. hipoxia-hipercapnia (17). Estudos recentes sugerem que a apneia ocorra em 40% dos pacientes com hipertensão arterial. Seu tratamento reduz a PA tanto diurna como noturna (18). O exame de polissonografia deve ser realizado em pacientes com HA resistente e com outros sinais e sintomas de apneia, incluindo obesidade, tamanho do pescoço, ronco excessivo, interPontos-chave: rupções do sono, sonolência diurna, policitemia e retenção de dióxido de carbono. O > A HA resistente está quase tratamento com CPAP reduz os níveis da PA, sempre relacionada à falta ou e com isso auxilia no controle de pacientes subutilização de diuréticos, com HA resistente (19). necessários para controlar Recentes evidências apontam que o expansões de volume; quadro de hiperaldosteronismo presente > Seu tratamento pode na HA resistente promove hipervolemia, aurequerer a adição de diurético, mento do volume das estruturas do pescoço a troca de medicamento ou e agrava os episódios de apneia do sono. alteração da dose; O tratamento com ARA reduziria então os episódios de apneia e hipopneia nesses pa> Estudos não controlados têm cientes (20). mostrado o efeito benéfico QUADRO 2: Causas de hipertensão arterial resistente de pequenas doses (12,5mg a 25mg) de espironolactona na redução da PA em pacientes com HA resistente. 20 Tratamento farmacológico A HA resistente está quase sempre relacionada à falta ou subutilização de diuréticos, necessários para controlar expansões de volume. O tratamento da HA resistente pode requerer então que um diurético seja adicionado, ou que a dose seja aumentada ou o diurético seja trocado. A clortalidona deveria ser preferencialmente utilizada, porque tem mostrado produzir maior redução da PA em 24 horas do que a hidroclorotiazida (21). A furosemida deve ser iniciada nos pacientes que apresentam taxa de filtração glomerular estimada menor que 30ml/minuto, ou nos casos de HA resistente com edema persistente em uso de clortalidona na dose de 25mg/dia (20). Muitas combinações de duas ou mais drogas anti-hipertensivas produzem benefícios adicionais. As seguintes combinações seriam mais adequadas, por causa do seu efeito pronunciado na redução da PA, proteção cardiovascular e ótima tolerabilidade: diurético ou bloqueador de canal de cálcio (BCC) com inibidor da enzima conversora da angiotensina (IECA) ou um bloqueador do receptor da angiotensina (BRA). Embora ainda não existam dados consistentes, a combinação do diurético com o BCC e um IECA, ou BRA combinado com baixas doses de antagonistas dos receptores de aldosterona, combinado ou não a betabloqueadores, é provavelmente o mais racional regime para tratamento da HA resistente. Outros medicamentos — como os alfabloqueadores e vasodilatadores como a hidralazina ou o minoxidil — podem ser incluídos numa abordagem de múltiplas drogas, embora efeitos colaterais possam ser mais comuns (2, 20). A combinação de um IECA com um BRA não é recomendada, devido à incidência aumentada de efeitos colaterais, como observados em pacientes do estudo ONTARGET (22). O mesmo foi notado com a associação entre um BRA e um inibidor de renina no estudo ALTITUD (23). Na última década, uma série de pequenos estudos não controlados tem mostrado o efeito benéfico de pequenas doses (12,5mg a 25mg) de espironolactona na redução da PA em pacientes com HA resistente (24). Durante o uso da espironolactona, os níveis de potássio e a função renal devem ser regularmente monitorados Dois estudos randomizados, duplo-cegos, placebo-controlados (25, 26) avaliaram JBM MAIO/JUNHO VOL. 100 No 2 Hipertensão arterial resistente Diagnóstico e tratamento o papel de um novo antagonista seletivo da endotelina A — darusentan — em 379 e 849 pacientes com PA sistólica > 140mmHg (> 130mmHg para diabéticos ou portadores de doença renal crônica) que estavam em uso de pelo menos três medicamentos para redução da PA, incluindo um diurético em doses máximas toleradas. Os resultados desses dois estudos sugerem que o uso de antagonista seletivo do receptor da endotelina pode ter um papel no tratamento da HA resistente, porém não existe consenso sobre a retenção de líquidos e o risco de insuficiência cardíaca. Novas abordagens no tratamento da hipertensão arterial resistente Ablação percutânea dos nervos simpáticos da artéria renal Os rins desempenham um papel essencial na regulação da PA através da modulação da renina, sódio, volume e interações simpático-renais. Dependendo do cenário, a contribuição para a hipertensão pode ser mediada principalmente pela ativação dos ramos do sistema simpático aferente ou eferente, os quais se localizam adjacentes à parede das artérias renais, e, então, a ablação, com a utilização de cateter de radiofrequência, dos nervos aferentes e eferentes poderia resultar, em longo prazo, na atenuação da pressão arterial (27). A ativação crônica do sistema nervoso simpático tem papel central tanto na fisiopatologia da HA como no desenvolvimento de hipertrofia do ventrículo esquerdo (28). A ablação da artéria renal é um método promissor que vem sendo avaliado em estudos clínicos em pacientes que apresentam PA sistólica ≥ 160mmHg (≥ 150mmHg em diabéticos tipo 2) e em uso de três ou mais medicamentos anti-hipertensivos (27) (Figura 1). A ablação da artéria renal estaria contraindicada em pacientes que apresentam inadequação anatômica da artéria renal (diâmetro < 4mm e comprimento < 20mm), displasia fibromuscular, estenose grave da artéria renal e taxa de filtração glomerular < 45ml/min/1,73m2 (29) (Quadro 3). Estudos multicêntricos foram realizados para avaliar a segurança e a eficácia da ablação da artéria renal no tratamento da HA resistente — o estudo Symplicity HTN-1 (30) e JBM MAIO/JUNHO VOL. 100 No 2 o estudo randomizado controlado Symplicity HTN-2 (31). ª HA resistente é quase O estudo HTN-2, randomizado e multisempre relacionada a cêntrico, avaliou 106 pacientes, sendo 52 do falta ou subutilização de grupo submetido à denervação renal e 54 do diuréticos, necessários grupo-controle, por seis meses (31). Medidas para controlar expansões da PA no grupo de denervação renal revelaram de volume. Seu queda de 32/12mmHg (DP 23/11, basal de tratamento pode requerer 178/96mmHg, p < 0,0001), enquanto que então que um diurético no grupo-controle não houve diferença enseja adicionado, que a tre os dados iniciais e a avaliação após seis dose de diurético seja meses (mudança de 1/0mmHg, basal de aumentada ou que o 178/97mmHg, p NS). Não ocorreram commesmo seja trocado.º plicações relacionadas ao equipamento e a ocorrência de eventos adversos foi semelhante entre os dois grupos. Esse estudo mostrou que a ablação da artéria renal em pacientes com HA resistente é um procedimento seguro e reduz a PA sistólica em até 32mmHg, enquanto que a TFG permaneceu estável. Estudo recente avaliou o efeito da ablação renal na hipertrofia do ventrículo esquerdo e nas funções sistólica e diastólica de pacientes com HA resistente (32). O estudo avaliou 64 pacientes, sendo que 46 foram submetidos à ablação bilateral da artéria renal e 18 fizeram parte do grupo-controle. Foi realizado ecocardiograma no início do estudo, com um mês e após seis meses. O estudo demonstrou redução da PA sistólica (–22,5/–7,2mmHg em um mês e –27,8/–8,8mmHg em seis meses, p < 0,001) e da massa indexada do VE de 53,9 ± 15,6g/m2 (112,4 ± 33,9g/m2) para 47,0 ± 14,2g/m2 (103,6 ± 30,5g/m2) e 44,7 Figura 1: Representação esquemática ± 14,9g/m2 (94,9 ± 29,8g/m2) (p < 0,001) em da ablação por cateter de um e seis meses, respectivamente. A relação radiofrequência da artéria renal. QUADRO 3: Critérios para indicação de ablação da artéria renal — Pressão arterial sistólica ≥ 160mmHg (≥ 150mmHg para pacientes com diabetes tipo 2) — Em uso de três ou mais medicamentos anti-hipertensivos (resistência verdadeira em paciente com boa aderência) — Exclusão de causas secundárias de hipertensão — Normal ou leve redução da função renal; taxa de filtração glomerular estimada ≥ 45ml/min/1,73m2) — Adequada anatomia renal: sem intervenções prévias na artéria renal; sem estenose significativa ou outras anormalidades significativas, diâmetro da artéria > 4mm e comprimento > 20mm. Atenção: Todos os critérios deverão ser atendidos. Adaptado de Mahfoud, F. et al. — Dtsch. Arztebl. Int., 108(43): 725-31, 2011. 21 Hipertensão arterial resistente Diagnóstico e tratamento E/E’ diminuiu, após ablação, de 9,9 ± 4,0 para 7,9 ± 2,2 em um mês e 7,4 ± 2,7 em seis meses (p < 0,001), o que indica uma redução das pressões de enchimento do VE. Não ocorreram mudanças significativas no grupo-controle após seis meses. Esse estudo demonstrou que a ablação da artéria renal ao reduzir Figura 2: Sistema Rheos Ð http://medgadget. a PA reduz também de modo sigcom/2010/01/rheos_system_for_hypertension_ tested_in_new_clinical_trial.html. nificativo a massa do VE e melhora a função diastólica, o que poderia ter um impacto prognóstico importante nestes pacientes. Endereço para correspondência: Evandro Tinoco Mesquita Rua General Polidoro, 192 — Botafogo 22280-000 Rio de Janeiro-RJ [email protected] 22 Estimulação barorreflexa do seio carotídeo Outra terapia utilizando equipamento para pacientes com HA resistente é a ativação barorreflexa do seio carotídeo, na qual eletrodos são implantados no espaço perivascular ao redor dos seios carotídeos. O equipamento (Rheos Baroreflex Hypertension Therapy System) aumentou o fluxo do nervo aferente dos barorreceptores para os centros de controle cardiovascular no cérebro, o qual reduziu então o fluxo simpático e a pressão arterial (1). O Device Based Therapy in Hypertension foi um estudo multicêntrico, prospectivo não randomizado, com o objetivo de avaliar a segurança e a eficácia do sistema Rheos (Figura 2) por três meses em 45 pacientes com HA resistente, definida como PA sistólica ≥ 160mmHg, apesar de estarem recebendo três agentes anti-hipertensivos, sendo um deles um diurético (33). Nos 37 pacientes avaliados após três meses houve mudança na média da PA, de 21/12mmHg de um valor inicial de 179/105mmHg, e uma redução da frequência cardíaca (FC) de 8bpm (média inicial: 80bpm). Uma coorte de 10 pacientes elegíveis para o procedimento, mas que se recusaram a utilizar o equipamento, não mostrou mudanças significativas nas medidas da PA. Com respeito à segurança, sete pacientes relataram efeitos adversos relacionados ao procedimento considerados graves. Um paciente relatou efeito adverso relacionado ao equipamento considerado grave. Não houve evidências de hipotensão ortostática (33). Em outro estudo randomizado multicêntrico utilizando o sistema Rheos (34), 265 pacientes com HA resistente (PA ≥ 160/ 80mmHg) receberam o equipamento e foram randomizados para uma taxa de 2:1 para ativação de terapia barorreflexa por 12 meses (grupo A) ou tratamento-controle por seis meses, com o sistema desligado e ativação do sistema nos últimos seis meses (grupo B). Ao fim de seis meses do período duplo-cego, o percentual de pacientes que alcançaram uma redução ≥ 10mmHg foi de 54% no grupo A e de 46% no grupo B, não sendo alcançada a meta de diferença > 20%. Com respeito à segurança, os autores concluíram que os desfechos de longo prazo de segurança do equipamento foram alcançados, enquanto que os de curto prazo não o foram, já que somente 75% dos pacientes estavam livres de efeitos adversos do procedimento ao final de 30 dias (34). A ablação renal e a ativação barorreflexa têm mostrado reduzir a PA em pacientes usando múltiplos medicamentos para HA resistente. Entretanto, existe ainda necessidade de um estudo duplo-cego para a ablação renal, e questões relacionadas à segurança da terapia de ativação barorreflexa carotídea precisam ser resolvidas (1). O paciente portador de HA resistente, pela sua elevada prevalência, deve ser avaliado e conduzido primariamente pelo generalista, com auxílio do cardiologista, nefrologista e do endocrinologista nos casos em que uma forma secundária ou lesão de órgão-alvo for suspeitada, ou frente a um inadequado controle da PA após o uso de quatro ou mais medicamentos. Conclusão Na última década foi observado um aumento dos casos de HA resistente nos consultórios, particularmente associados ao envelhecimento, à obesidade, à apneia do sono, ao diabetes e à doença renal crônica. Ao lado disso observam-se aumento do conhecimento fisiopatológico e o surgimento de novos alvos terapêuticos. A ablação dos nervos simpáticos renais, o emprego do CPAP na apneia do sono e o uso de baixas doses de espironolactona representam importantes avanços nesta área do conhecimento. Referências Obs.: As 34 referências que compõem este artigo se encontram na Redação à disposição dos interessados. JBM MAIO/JUNHO VOL. 100 No 2 gastroenterologia Insuficiência exócrina do pâncreas Etiologias José Galvão-alves Chefe da 18a Enfermaria do Hospital Geral da Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro — Serviço de Clínica Médica. Professor titular de Clínica Médica da Faculdade de Medicina da Fundação Técnico-Educacional Souza Marques. Professor titular de Pós-graduação em Gastroenterologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Membro titular da Academia Nacional de Medicina. Presidente da Federação Brasileira de Gastroenterologia (2010-2012). Professor de Clínica Médica da UniFOA — Universidade da Fundação Osvaldo Aranha. Resumo Summary Insuficiência exócrina do pâncreas tem sido revisitada em vários compêndios médicos internacionais e suas novas etiologias avaliadas e reconfirmadas. Neste artigo abordamos as causas mais comuns e tradicionais, pancreatite crônica e fibrose cística, bem como as recentemente mais enfatizadas como doença celíaca e diabetes mellitus. Comentamos a clínica e o diagnóstico precoce e o tratamento com reposição enzimática. Pancreatic exocrine insufficiency has been broadly discussed in international medical literature. New aetiologies have been studied and reaffirmed. In this paper we describe common and traditional causes such as chronic pancreatitis and cystic fibrosis as well as the most recently emphasised celiac disease and diabetes. We also review clinical features, early diagnosis and pancreatic enzyme replacement therapy. Introdução gico seria para a saúde e qualidade de vida dos pacientes um diagnóstico mais precoce e, por conseguinte, uma terapêutica também precoce. O diagnóstico de insuficiência exócrina do pâncreas deve ser pensado a partir de condições clínicas que possam causá-la. A literatura atual tem reforçado a necessidade de diagnóstico precoce de todas as entidades médicas, e para isto busca conhecer mais profundamente os seus fatores predisponentes. Isto tem sido bastante enaltecido com a insuficiência exócrina (IE) do pâncreas, outrora condição relacionada quase que exclusivamente à pancreatite crônica, fibrose cística do pâncreas e pós-ressecções cirúrgicas. Hoje, com base em estudos de fisiologia pancreática, descortinam-se inúmeras outras condições capazes de produzir menor secreção de enzimas e bicarbonato pelo pâncreas, causando desde a “má digestão”, dispepsia relacionada à ingestão de alimentos gordurosos até a má absorção expressa pela esteatorreia. Nos textos clássicos admite-se que a IE só ocorra quando a função do pâncreas é mantida em apenas 10% do seu total. Isto significa perda de gordura fecal > 7g/dia, emagrecimento extremo e hipovitaminoses A, D, E e K. Entende-se, pois, que mais lóJBM MAIO/JUNHO VOL. 100 No 2 Unitermos: Insuficiência exócrina do pâncreas; pancreatite crônica. Keywords: Pancreatic exocrine insufficiency; chronic pancreatites. Etiologias Pancreatite aguda — O conhecimento da capacidade secretora do pâncreas durante a fase aguda da pancreatite aguda ainda é limitado. Durante a fase subaguda parece ocorrer uma alteração na função pancreática exócrina em uma considerável porcentagem de pacientes com doença necrosante. Dependendo da gravidade da pancreatite aguda e do grau de necrose, as alterações podem ser permanentes, embora isto seja incomum. Tumores pancreáticos — Devido ao prognóstico sombrio, ainda é limitado o número de 23 Insuficiência exócrina do pâncreas Etiologias Nos textos clássicos admite-se que a IE só ocorra quando a função do pâncreas é mantida em apenas 10% do seu total. Isto significa perda de gordura fecal > 7g/dia, emagrecimento extremo e hipovitaminoses A, D, E e K. Pontos-chave: > Fibrose cística é uma doença hereditária que afeta as funções secretora e motora no trato gastrointestinal; > Estudos recentes mostram que ocorre insuficiência exócrina em mais de 80% dos portadores desta doença, principalmente em crianças; > Cerca de 40% dos pacientes com doença celíaca apresentam insuficiência exócrina leve a moderada relacionada a alterações da mucosa intestinal. 24 estudos que avaliam a secreção exócrina do pâncreas nessas doenças. Evidências sugerem que a disfunção exócrina e a má absorção (presentes em 80% a 90% dos pacientes) estão associadas a uma secreção diminuída de enzimas e a obstruções dos dutos que carreiam o suco pancreático ao duodeno. Fibrose cística — É uma doença hereditária que afeta as funções secretora e motora no trato gastrointestinal e causa alterações morfológicas no pâncreas. Com isso, ocorrem mudanças do pH, da motilidade e do trânsito. Estudos recentes mostram que ocorre insuficiência exócrina em mais de 80% dos portadores desta doença, principalmente em crianças. Cirurgias gastrointestinais — Ressecções pancreáticas naturalmente causam diminuição na capacidade secretora do pâncreas, porém, isso depende muito da doença que originou o procedimento cirúrgico, e também do tipo e extensão da ressecção realizada. Em pacientes com função pancreática previamente normal, ressecções não muito extensas do pâncreas geralmente são bem toleradas sem que os pacientes apresentem alterações clínicas de insuficiência exócrina importante (Tabela 2). Ressecções gástricas parciais e totais, e a síndrome da alça curta, também estão associadas à carência de enzimas pancreáticas; isto porque ocorre falta de sincronia entre a chegada do alimento e a liberação de enzimas pancreáticas no duodeno. Em pacientes operados devido a tumores malignos, uma extensa desenervação do pâncreas, incluindo a vagotomia, também contribui para disfunções pancreáticas. Doença celíaca — Aproximadamente 40% dos pacientes com doença celíaca apresentam insuficiência exócrina leve a moderada, sendo que geralmente esta disfunção não está diretamente ligada ao pâncreas, e sim a alterações da mucosa intestinal. Estas alterações provocam diminuição dos mediadores estimulatórios, causando redução na secreção de enzimas e bicarbonato de sódio, e, ainda, assincronia entre as funções secretoras e motoras do tubo digestivo. Diabetes mellitus — O diabetes mellitus é uma doença ligada principalmente à função endócrina do pâncreas, porém, não é raro pacientes diabéticos também apresentarem certo grau de insuficiência exócrina pancreática (Tabela 3). Isto ocorre devido a vários fatores, como a atrofia glandular, que ocorre pela diminuição da produção de insulina e pela isquemia causada pelas arteriopatias, a alteração de hormônios produzidos nas ilhotas que atuam na regulação da função exócrina e a neuropatia diabética, que causa diminuição do reflexo enteropancreático. Doença de Crohn — Alguns sinais de patologia pancreática frequentemente estão presentes na doença de Crohn. Diminuição da função exócrina do pâncreas é observada em cerca de 5% a 15% dos portadores dessa doença. Esses pacientes apresentam fatores de risco para desenvolvimento de doença pancreática, como aumento da incidência de litíase biliar, envolvimento da papila duodenal e reações adversas a drogas (sulfassalazina, azatioprina). Em geral, o distúrbio na regulação da secreção pancreática e o distúrbio entre a interação da secreção gastrointesti- TABELA 1: Esteatorreia nas cirurgias pancreáticas Cirurgia Pré-cirurgia Pós-cirurgia Duodenopancreatectomia 5% 55% Duodenopancreatectomia preservando piloro 4% 64% Ressecção distal (40%-80%) 3% 19% Ressecção distal (80%-95%) 9% 38% Pancreatojejunostomia 19% 33% Julio Iglesias Garcia 2005 — Santiago de Compostela. JBM MAIO/JUNHO VOL. 100 No 2 Insuficiência exócrina do pâncreas Etiologias TABELA 2: Insuficiência exócrina do pâncreas no diabetes mellitus (1.015 pacientes) Função exócrina Elastase fecal N % Normal > 200μg/g 602 59,3 Insuficiência leve 100-200μg/g 181 17,8 Insuficiência grave < 100µg/g 232 22,9 Hardt, P.D. — Pancreatology, 3: 395-402, 2003. nal e a função motora explicam a diminuição da secreção de enzimas e bicarbonato. Mais recentemente advoga-se uma concomitância de alterações autoimunes pancreáticas na doença inflamatória intestinal. Síndrome de Zollinger-Ellison — É uma causa rara de insuficiência exócrina do pâncreas. Está associada à produção de gastrina por tumores (gastrinomas), estimulando a hipersecreção ácida e biliopancreática, causando uma incapacidade absortiva intestinal. A lipase, por exemplo, acaba não exercendo sua função lipolítica, já que sua ação ocorre na porção proximal do delgado (duodeno), e essa região se encontra com um pH muito baixo, o que a inativa. AIDS — A esteatorreia é um sintoma muito comum nos pacientes com AIDS, estando presente em aproximadamente 26% das crianças e 71% dos adultos. Isto ocorre devido a alterações intestinais (atrofia das vilosidades, hipertrofia de criptas e coinfecções por organismos oportunistas e não oportunistas) e a alterações pancreáticas (estando a insuficiência exócrina presente em 30% desses pacientes), por causa dos medicamentos utilizados para o tratamento da própria doença (DDI, DDC) e das infecções decorrentes dela (citomegalovírus, Cryptosporidium). TABELA 3: Testes de função pancreática Teste da secretina/pancreozimina Teste da secretina endoscópico Diretos Soro Teste do pancreolauril Teste do consumo de aminoácidos Enzimas pancreáticas Urina Teste do pancreolauril Teste da bentiromida Indiretos Fezes Elastase-1 Quimiotripsina Gordura fecal Teste respiratório C, 14C, H2 ligados aos triglicerídeos 13 JBM MAIO/JUNHO VOL. 100 No 2 Pontos-chave: > A síndrome de Zollinger-Ellison é uma causa rara de insuficiência exócrina do pâncreas; > Está associada à produção de gastrina por tumores (gastrinomas), estimulando a hipersecreção ácida e biliopancreática, causando uma incapacidade absortiva intestinal; > A esteatorreia é um sintoma muito comum nos pacientes com AIDS, estando presente em aproximadamente 26% das crianças e 71% dos adultos. 25 Insuficiência exócrina do pâncreas Etiologias Pâncreas exócrino em Geriatria — A massa pancreática diminui a partir da sexta década e, em um grande estudo populacional envolvendo 1.000 idosos, 15% mostraram limitação na função exócrina do pâncreas, sendo que 5% apresentavam elastase-1 fecal menor que 200μg/g de fezes. Esta prevalência aumenta com a idade. Insuficiência exócrina na pancreatite crônica Pontos-chave: > A pancreatite crônica (PC), em especial a de etiologia alcoólica, é a principal causa de insuficiência exócrina do pâncreas no mundo; > A digestão de gordura no intestino delgado é resultado principalmente da ação combinada de lipase pancreática e seus cofatores, em especial a colipase e ácidos biliares; > Aproximadamente 50% dos pacientes com PC desenvolverão esteatorreia, em torno de 10 a 12 anos do início da doença, e este início nem sempre é fácil de determinar; > Estudos têm mostrado que o tratamento com suplemento de enzimas pancreáticas melhora a esteatorreia, reduz a excreção de gordura fecal e melhora a frequência e consistência das fezes. 26 A pancreatite crônica (PC), em especial a de etiologia alcoólica, é a principal causa de insuficiência exócrina do pâncreas no mundo. A expressão clínica da insuficiência exócrina é um evento geralmente tardio na PC alcoólica (após 10 anos do início da doença), e ainda mais na PC de outras etiologias — 20 a 30 anos. Isto se deve à grande reserva pancreática, em que se observa que a esteatorreia (7 gramas de gordura fecal/dia) só é percebida após a destruição de sua função exócrina em 90% ou mais. A digestão de gordura no intestino delgado é resultado principalmente da ação combinada de lipase pancreática e seus cofatores, em especial a colipase e ácidos biliares. A lipase é a mais instável das enzimas pancreáticas. A amilase em quantidade significativa e as proteases em mais de 20% são recuperadas no íleo terminal, ao passo que a lipase está presente em menos de 1% neste local. Ela se encontra e atua principalmente no duodeno. Isto se deve ao fato de a lipase ser altamente sensível à atividade proteolítica das enzimas tripsina e, principalmente, quimiotripsina. A lipase é também inativada em pH ácido, o que é comum no portador de PC, em razão da pobreza de bicarbonato no suco pancreático. Agravando os fatores acima citados, tem-se o fato de os mecanismos não pancreáticos de secreção de lipase serem muito pobres (lipase gástrica e lingual). Logo, quando da insuficiência exócrina do pâncreas, a má absorção de gordura e os micronutrientes lipossolúveis (vitaminas A, D, E e K) serão os mais prejudicados. A consequência é perda calórica, emagrecimento, desnutrição e hipovitaminoses. Aproximadamente 50% dos pacientes com PC desenvolverão esteatorreia, em torno de 10 a 12 anos do início da doença, e este início nem sempre é fácil de determinar. Acreditamos que tanto o início da PC (diagnóstico precoce) quanto o início da má absorção sejam diagnosticados tardiamente. Estudos randomizados e placebo têm mostrado que o tratamento com suplemento de enzimas pancreáticas melhora a esteatorreia, observada pelo aumento da absorção de gordura, reduz a excreção de gordura fecal, diminui o peso e a frequência de evacuação e melhora a consistência das fezes. A reposição enzimática diminui os distúrbios de motilidade observados na insuficiência exócrina do pâncreas, decorrentes da liberação anormal de colecistoquinina (CCK) e polipeptídio pancreático (PP), que tem como consequência um maior tempo de esvaziamento gástrico, alteração da motilidade antroduodenal e dismotilidade da vesícula biliar, com redução de seu débito. Estes fatores contribuem para a diarreia da PC. Embora incomuns, as deficiências de vitaminas A, D, E e K podem cursar com diminuição da visão noturna, osteoporose, ataxia cerebelar e aumento do tempo de protrombina, respectivamente. Em adição, pode-se observar carência de vitamina B12, em razão de sua menor liberação de complexo B12-fator intrínseco e de supercrescimento bacteriano, comum na PC. Com a reposição enzimática notam-se ganho de peso e aumento de micro e macronutrientes, porém, com dieta e reposição vitamínica adequadas. Insuficiência exócrina — manifestações clínicas As manifestações clínicas poderiam subdividir-se naquelas relacionadas à causa da insuficiência exócrina (pancreatite crônica, fibrose cística, etc.) e à deficiência da função pancreática propriamente dita. O que devemos nos atentar é que pequenas manifestações, como intolerância a alimentos gordurosos, dispepsia, distensão abdominal e flatulências, podem ser expressão de uma insuficiência exócrina leve que, se não valorizada, agrava a qualidade de vida do paciente e o torna usuário de inúmeros medicamentos desnecessários. Já a forma mais extrema de insuficiência exócrina do pâncreas cursa com diarreia, esteatorreia, emagrecimento, hipovitaminoses JBM MAIO/JUNHO VOL. 100 No 2 Insuficiência exócrina do pâncreas Etiologias e desnutrição. Seus portadores são indivíduos por vezes caquéticos, e a reposição criteriosa e adequada de enzima pode ser um meio de recuperação de sua saúde física, emocional e recondução social. Avaliação da função exócrina A avaliação laboratorial da função exócrina do pâncreas pode ser feita através de métodos diretos (invasivos), que medem o débito de fluido pancreático após estímulo com secretina e/ou colecistoquinina (pancreozimina). A secretina estimula os dutos pancreáticos a secretar água e bicarbonato, enquanto a pancreozimina estimula as células acinares a produzir enzimas. Portanto, podemos usar como estímulo a secretina e/ou a pancreozimina endovenosa e avaliaremos com tubagem duodenal o débito de bicarbonato e/ou enzimas pancreáticas, respectivamente. Método não disponível em nosso meio e realizado apenas em 10 centros norte-americanos. Já os métodos indiretos, menos sensíveis, podem requerer avaliações no soro, na urina, nas fezes e testes respiratórios (Tabela 3), sendo que em nosso meio o mais difundido, porém também pouco disponível, é a mensuração da elastase-1 fecal. A avaliação do grau de insuficiência exócrina com esses testes funcionais é capaz de classificá-la em leve, moderada ou grave (Tabela 4). Sempre que factível, devemos utilizá-los como diagnóstico da insuficiência exócrina (IE), para avaliação do grau de disfunção e na observação da resposta terapêutica. Reposição enzimática Entre as preparações disponíveis, as enzimas pancreáticas de origem suína são consideradas a melhor opção para o tratamento da insuficiência exócrina do pâncreas, e, quando com revestimento acidorresistente, não serão degradadas no estômago, podendo atingir o duodeno, seu principal local de ação. A pancreatina e a pancrelipase são as duas formas primárias de lipase disponíveis. As enzimas bovinas são indicadas para aqueles que não podem usar a suína, por motivos alérgicos ou religiosos, e contam com 75% menos lipase, o que limita seu uso em casos de esteatorreia. JBM MAIO/JUNHO VOL. 100 No 2 TABELA 4: Insuficiência exócrina do pâncreas Função exócrina Elastase fecal Normal > 200mg/g Insuficiência leve/moderada 100-200mg/g Insuficiência grave < 100µg/g Preparações de enzimas pancreáticas originárias de micróbios (fungo e bactérias) também existem, e parecem resistentes à degradação ácida do estômago. No entanto, a lipase fúngica é rapidamente degradada no duodeno por ácidos biliares e proteases. Já a lipase bacteriana mostra-se estável em ambos, estômago e duodeno, podendo no futuro ser utilizada com sucesso. Genes de lipase humana têm sido transferidos e expressados por adenovírus recombinante; no entanto, aguardam-se pesquisas futuras. Outra característica do suplemento enzimático é a capacidade de ser transportado através do antro-duodeno, junto com o alimento triturado no estômago. Isto se consegue com os compostos na forma de microesferas (1-2mm de diâmetro) que são transportados juntos ao quimo gástrico. Por fim, a dose ideal de lipase em caso de insuficiência exócrina do pâncreas diagnosticada (> 7g de gordura fecal/dia) é de 25.000 unidades, de acordo com a nomenclatura farmacêutica internacional (UI), administrada durante as duas principais refeições. Aqueles que se alimentam fartamente no desjejum devem utilizar enzimas também nesta refeição, porém, em dose menor. Um estudo recente, prospectivo, comparou a ingestão de enzimas antes, durante e após as refeições. Não houve diferença de eficácia quando ingeridas durante e após, mas a eficácia nesses casos foi superior à ingestão antes das refeições. Nós reforçamos a administração no meio das refeições. Em caso de insucesso de reposição enzimática em doses convencionais, devemos dobrar ou triplicar a dose e/ou associar um bloqueador H2 de histamina (ranitidina, 150mg, duas vezes ao dia) ou um inibidor de bomba de prótons (omeprazol ou pantoprazol, 20mg/dia). Se apesar disso o quadro diarreico se mantiver, deve-se investigar a presença de enteroparasitoses (giardíase ou As enzimas pancreáticas de origem suína são consideradas a melhor opção para o tratamento da insuficiência exócrina do pâncreas, e, quando com revestimento acidorresistente, não serão degradadas no estômago, podendo atingir o duodeno, seu principal local de ação Pontos-chave: > A avaliação laboratorial da função exócrina do pâncreas pode ser feita através de métodos diretos (invasivos); > Eles medem o débito de fluido pancreático após estímulo com secretina e/ou colecistoquinina; > A secretina estimula os dutos pancreáticos a secretar água e bicarbonato, enquanto a pancreozimina estimula as células acinares a produzir enzimas. 27 Insuficiência exócrina do pâncreas Etiologias estrongiloidíase) e supercrescimento bacteriano (algoritmo). Quando iniciar a reposição enzimática Embora exista consenso na literatura de que a reposição enzimática deva iniciar-se na PC quando existe esteatorreia, temos considerado também Insuficiência Exócrina do Pâncreas Reposição Enzimática a presença de emagrecimento e/ou dispepsia, sem causa determinada, como indicativos de seu uso, ainda que na dose de 10.000UI/refeição. Efeitos colaterais Reações alérgicas a proteínas suínas podem ocorrer. Hiperuricemia e hiperuricosúria com cristalúria e disúria têm sido descri- Referências Endereço para correspondência: José Galvão-Alves Rua Real Grandeza, 108/Sala 123 — Botafogo 22281-034 Rio de Janeiro-RJ [email protected] 28 1. DOMÍNGUEZ-MUÑOZ, J.E. — Pancreatic enzyme replacement therapy for pancreatic exocrine insufficiency: When is it indicated, what is the goal and how to do it? Adv. Med. Sci., 56: 1-5, 2011. 2. 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Estudos recentes têm demonstrado que tal paraefeito estaria relacionado com enzimas que têm altas doses de copolímero metacrílico usado como revestimento resistente ao ácido. Outras indicações Pacientes com PC e câncer de pâncras, especialmente aqueles que obstruem o ducto pancreático; pacientes submetidos à ressecção de parênquima pancreático; e um grupo muito especial, que são os diabéticos de longa data com dispepsia, flatulência e diarreia recorrente, pode apresentar disfunção exócrina do pâncreas e se beneficiar da reposição enzimática (ver quadro). 10. ANGELINI, G.; CAVALLINI, G. et al. — Pancreatic function in chronic inflammatory bowel disease. Int. J. Pancreatol., 3: 185-93, 1988. 11. ARMBRECHT, U.; LUNDELL, L. et al. — The benefit of pancreatic enzyme substitution after total pancreatectomy. Aliment. Pharmacol. Ther., 2: 4493-500, 1988. 12. 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HARDT, P.D.; MAYER, K. et al. — Exocrine pancreatic involvement in critically ill patients. Curr. Opin. Clin. Nutr. Metab. Care, 12(2): 168-74, 2009. 18. HEGNHOJ, J.; HANSEN, C.P. et al. — Pancreatic function in Crohn’s disease. Gut, 31: 1076-9, 1990. 19. MACONI, G.; DOMINICI, R. et al. — Prevalence of pancreatic insufficiency in inflammatory bowel diseases. Assessment by fecal elastase-1. Dig. Dis. Sci., 53(1): 262-70, 2008. 20. MUNCK, A.; DUHAMEL, J.F. et al. — Pancreatic enzyme replacement therapy for young cystic fibrosis patients. J. Cyst. Fibros., 8(1): 14-8, 2009. JBM MAIO/JUNHO VOL. 100 No 2 Associação incomum ou mera casualidade? J. GALVÃO-ALVES Professor de Clínica Médica da UniFOA — Universidade da Fundação Osvaldo Aranha. M. C. GALVÃO Professora de Radiologia da UniFOA — Universidade da Fundação Osvaldo Aranha. D. A. CAVALCANTI H. RZETELNA Doença de Crohn, colangite esclerosante primária e síndrome do anticorpo antifosfolipídeo relato de caso Doença de Crohn, colangite esclerosante primária e síndrome do anticorpo antifosfolipídeo Associação incomum ou mera casualidade? Da 18a Enfermaria — Serviço do Prof. José Galvão-Alves — da Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro. Resumo A doença inflamatória intestinal (DII) associa-se frequentemente a manifestações extraintestinais e a outros distúrbios autoimunes. A colangite esclerosante primária (CEP) é a principal manifestação extraintestinal hepatobiliar da DII (1). Embora mais frequente na retocolite ulcerativa (RCU), ocorrendo em 2% a 7% dos casos em algumas séries, sua frequência na doença de Crohn (DC) é estimada entre 0,7% e 3,4% (2, 6). Nota-se um risco aumentado de tromboembolismo arterial e venoso em ambas as formas de doença inflamatória intestinal, sendo esta a mais importante complicação vascular da DII (3). No entanto, a associação da síndrome do anticorpo antifosfolipídeo (SAAF) com a doença de Crohn tem sido relatada na literatura apenas em casos clínicos isolados. Introdução A doença inflamatória intestinal pode ser considerada sistêmica, uma vez que está frequentemente associada com manifestações e complicações extraintestinais e outras desordens autoimunes. Praticamente todos os sistemas podem estar envolvidos, porém os olhos, pele, articulações, rins, fígado, vias biliares e os vasos são os locais mais comumente envolvidos (2) (ver quadro). A real patogênese das manifestações extraintestinais não é conhecida, porém sabe-se da importância de fatores genéticos, autoimunes e mesmo ambientais. JBM MAIO/JUNHO VOL. 100 No 2 Quando diagnosticada, a CEP está associada em 70% a 80% dos casos à RCU. O contrário é menos comum. Em portadores de RCU, a CEP ocorre em cerca de 2% a 7% e na DC em 0,7% a 3,4% (2). Isto nos obriga a uma busca ativa destas associações. A prevalência dos anticorpos antifosfolipídeo na DII é alta. Aichbichler et al. avaliaram a prevalência do anticorpo anticardiolipina, em estudo com 136 pacientes com DII e 136 controles. Encontraram prevalências de 18,1% e de 15,6%, na RCU e na DC, respectivamente, em comparação com 3% no grupo-controle, enquanto o anticorpo anti-β2-glicoproteína I esteve presente em 8,6% dos pacientes com DII (4). Além disso, a incidência de tromboses arteriais e venosas é frequentemente observada na DII, com taxas variando de 1% a 7,7% em estudos clínicos, podendo chegar a 39%-41% em estudos post mortem (3). A síndrome do anticorpo antifosfolipídeo é definida como a associação de um evento trombótico e/ou obstétrico sustentável com a presença de anticorpo antifosfolipídeo (anticorpos anticardiolipina, anti-β2-glicoproteína I e anticoagulante lúpico) (5). Esta síndrome pode estar associada a muitas doenças sistêmicas, incluindo a DII. No entanto, a associação tripla entre doença de Crohn, CEP e SAAF não é comumente descrita. QUADRO: Doença inflamatória intestinal — manifestações extraintestinais Musculoesqueléticas • Artrite periférica • Sacroileíte • Espondilite anquilosante • Baqueteamento digital • Osteoporose • Necrose asséptica do osso Hepatobiliares • Colelitíase • Colangite esclerosante primária • Elevação de enzimas hepatobiliares • Pericolangite • Esteatose hepática • Hepatite autoimune Mucocutâneas • Eritema nodoso • Pioderma gangrenoso • Doença de Crohn “metastática” • Úlcera aftoide da boca • Queilite angular Renais • Cálculos (ácido úrico e oxalato) • Compressões e fibrose da via urinária • Glomerulonefrite membranosa • Amiloidose renal Oculares • Episclerite • Esclerite • Uveíte • Retinite (rara) • Neurite óptica (rara) Vasculares e de coagulação • Trombose venosa • Hipercoagulabilidade 31 Doença de Crohn, colangite esclerosante primária e síndrome do anticorpo antifosfolipídeo Associação incomum ou mera casualidade? Relato de caso L.C.V.L., sexo masculino, 47 anos de idade, branco, casado, fotógrafo, natural do Rio de Janeiro. Queixa principal: Diarreia sanguinolenta há dois dias. História da doença atual: Internado em 18/02/2011, com dor intensa e parestesia em membro superior esquerdo, devido à trombose de artéria ulnar esquerda (Figura 1). Em vigência de anticoagulação, apresenta quadro de diarreia sanguinolenta (cerca de cinco evacuações ao dia), que evolui para en- terorragia após dois dias. Apresenta instabilidade hemodinâmica, necessidade de hemotransfusão e de internação em unidade de terapia intensiva. História patológica pregressa: Tuberculose pulmonar aos 17 anos, adequadamente tratada. História de síndrome do anticorpo antifosfolipídeo, por apresentar episódios tromboembólicos desde os 20 anos de idade, incluindo tromboses venosas profundas, tromboembolismo pulmonar, trombose peniana e acidente vascular encefálico transitório, associado a anticorpo anticardio- Figura 1: Doppler arterial dos membros superiores exibindo oclusão de aspecto agudo na artéria ulnar esquerda, aparentemente com boa compensação de perfusão distal. Figura 2: Colonoscopia — novembro/2010: áreas focais de hiperemia esparsas no sigmoide. 32 lipina positivo em altos títulos. Em tratamento com varfarina, mantendo INR entre 2,0 e 3,0. Internação, em novembro de 2010, com quadro de astenia intensa, após ter apresentado episódios consecutivos de diarreia sanguinolenta por cinco dias. Foram realizadas hemotransfusão, endoscopia digestiva alta e colonoscopia, cujos resultados demonstraram erosão duodenal isolada e áreas focais de hiperemia esparsas no sigmoide, respectivamente (Figura 2). Histopatológico do colón: colite leve ativa de caráter inespecífico, exibindo infiltrado inflamatório misto no córion, rico em neutrófilos e com participação de eosinófilos. Tomografia computadorizada de abdome, realizada na ocasião, apresentava moderada dilatação de vias biliares intra-hepáticas, hepatocolédoco exibindo redução gradual do seu calibre até sua porção intrapancreática e discreto espessamento parietal, sem fator obstrutivo aparente, além de linfonodomegalias junto ao hilo hepático e múltiplos linfonodos mesentéricos e no retroperitônio perivascular. História psicossocial: Ex-tabagista há cinco anos. História familiar: Colangiocarcinoma (pai). Exame físico Ao exame apresentava-se desidratado (++/4+), hipocorado (++/4+), sonolento. Aparelho cardiovascular: Ritmo cardíaco regular em dois tempos, bulhas normofonéticas, sem sopros. FC: 100bpm; PA: 100 x 60mmHg. Aparelho respiratório: Murmúrio vesicular presente em ambos os hemitóraces, sem ruídos adventícios. Abdome: Atípico, depressível, peristáltico, sem visceromegalias ou massas palpáveis, doloroso à palpação superficial e profunda em abdome inferior. Membro superior esquerdo: Edema, pulso radial palpável. Membro superior direito: Hematoma. Membros inferiores: Lesões hipercrômicas cicatriciais, lesão ulcerada em calcâneo esquerdo. Evolução Paciente de 47 anos, com diagnóstico de SAAF, em anticoagulação, apresentando trombose arterial atual e hemorragia digestiva baixa, internado em unidade de terapia intensiva. Após suspensão da anticoagulação e adotadas medidas para restabelecer a estabilidade hemodinâmica, o paciente foi submetido a nova colonoscopia, cujo resultado evidenciou edema da mucosa, com perda do padrão vascular habitual, do ceco ao reto, com áreas focais de JBM MAIO/JUNHO VOL. 100 No 2 Doença de Crohn, colangite esclerosante primária e síndrome do anticorpo antifosfolipídeo Associação incomum ou mera casualidade? Figura 3: Colonoscopia — fevereiro/2011: edema da mucosa com perda do padrão vascular habitual, do ceco ao reto, com áreas focais de hiperemia e reflexo luminoso alterado, sugestiva de doença de Crohn do cólon. hiperemia e reflexo luminoso alterado sugerindo doença de Crohn do cólon. Análise histopatológica demonstrou pancolite crônica moderada, com áreas de erosão e comprometimento inflamatório transmural sugestivo de doença de Crohn (Figura 3). Iniciada hidrocortisona venosa, com boa resposta ao tratamento e condições de retorno à anticoagulação com heparina. Solicitados ASCA e p-ANCA, cujos resultados foram negativos. Figura 4: Espessamento pleuroapical bilateral; áreas de enfisema parasseptal em ambos os ápices; granulomas residuais em ápice esquerdo e lobo superior do pulmão direito; bandas parenquimatosas associadas a espessamento pleural na base esquerda. Planejou-se iniciar tratamento com imunobiológico, sendo solicitado HBsAg (não reagente). Foi realizada tomografia computadorizada de tórax (imagens residuais) (Figura 4) e iniciou-se isoniazida profilática. O paciente desenvolveu intolerância gástrica à droga e ocorreu elevação das enzimas hepáticas, o que, em conjunto, levou à suspensão da mesma. Devido à excelente melhora clínica com o corticoide venoso, o mesmo foi readaptado para a via oral, ocasião em que houve retorno da diarreia (porém, sem sangue), associado a febre e taquicardia. O corticoide voltou então a ser utilizado por via venosa, sendo associada antibioticoterapia venosa (ciprofloxacino e metronidazol). Foram realizados hemocultura, coprocultura, exame parasitológico das fezes e pesquisa das toxinas A e B do Clostridium difficile nas fezes, todos negativos. Após alguns dias de medicação houve melhora expressiva do quadro clínico. O corticoide e os antibióticos voltaram a ser utilizados por via oral e introduziu-se azatioprina para Figura 5: Hepatocolédoco com paredes levemente irregulares, ectasiado. JBM MAIO/JUNHO VOL. 100 No 2 33 Doença de Crohn, colangite esclerosante primária e síndrome do anticorpo antifosfolipídeo Associação incomum ou mera casualidade? tratamento de manutenção. O paciente evoluiu com dor abdominal em barra, com irradiação para dorso e elevação de enzimas pancreáticas, o que levou à suspensão da droga. Foram realizados trânsito do intestino delgado e enterografia por tomografia computadorizada para avaliação da doença de Crohn, com resultados normais. Uma colangiorressonância, realizada para avaliar CEP, evidenciou ausência de dilatação das vias biliares intra-hepáticas, porém, hepatocolédoco com paredes levemente irregulares, ectasiado (Figura 5). O paciente teve alta após alguns dias em uso de medicação oral (varfarina, prednisona). Em consulta subsequente foi iniciado o desmame do corticoide, juntamente com mesalazina via oral. Permanece assintomático, em uso de varfarina e mesalazina, após seis meses de acompanhamento. foi de 26,2% e 2,25%, respectivamente. A presença do anticorpo anticardiolipina IgG, na CEP, se correlacionou com a duração da doença e com a atividade bioquímica (12). Porém, não foi descrita associação entre CEP e SAAF. Embora descrita pela primeira vez em 1924, muitos aspectos continuam pouco compreendidos acerca da CEP, principalmente no que diz respeito a sua etiologia e terapêutica efetiva (6). O diagnóstico é baseado em achados colangiográficos típicos, associados Discussão Adaptado de Braham, A.; Safer, L. et al. — Antiphospholipid antibodies in digestive diseases. Presse Med., 30(38): 1890-7, 2001. A originalidade desse caso consiste na raridade da associação dessas três patologias. É certo o diagnóstico de SAAF em nosso paciente, pois desde os 20 anos de idade ele apresentava quadros clínico e laboratorial compatíveis: eventos tromboembólicos associados à positividade de anticorpo antifosfolipídeo em mais de uma ocasião. Diversos estudos descrevem a maior prevalência de anticorpos anticardiolipina em pacientes com DII (4, 11) (ver tabela). No entanto, a associação da doença de Crohn com a síndrome do anticorpo antifosfolipídeo não é comumente descrita. Estudo analisando a presença de anticorpo anticardiolipina em pacientes com doença hepática colestática autoimune encontrou prevalência de 40% de anticorpo anticardiolipina nos pacientes com cirrose biliar primária e colangite esclerosante primária, enquanto que nos controles — cirróticos por outra causa e saudáveis — a prevalência 34 langiográficas de CEP na ausência de alterações bioquímicas hepáticas e sintomas clínicos (6). Quando presentes, os sintomas sugestivos de CEP são: fadiga, prurido, icterícia e desconforto abdominal (2). Embora sem sintomas sugestivos ou alteração bioquímica hepática, o paciente apresentou irregularidade ductal à CPRM, no contexto do diagnóstico de doença de Crohn do cólon — o que é definido como fase inicial ou assintomática da doença hepática. TABELA: Prevalência dos anticorpos anticardiolipina IgG Pacientes Chamouard et al. Reumaux et al. Reight et al. Perri et al. Souto et al. Doença de Crohn 22% 21% 25% 45,3% – Retocolite ulcerativa 19% 16% 20% – – Doença inflamatória intestinal – – 21% – 5% Controle – 0% 12% 2,5% 3,9% a achados clínicos, bioquímicos, sorológicos e histopatológicos, assim como à exclusão de causas secundárias (6). O padrão ouro para o diagnóstico é a colangiopancreatografia endoscópica retrógrada (CPER), porém apresenta risco de complicações em mais de 10% dos pacientes com CEP. A colangiopancreatografia por ressonância magnética (CPRM) vem substituindo a CPER no diagnóstico da CEP, por ser método não invasivo e por apresentar sensibilidade comparável à da CPER (6). A associação de CEP com DII é maior naqueles com acometimento extenso do cólon. A prevalência de CEP é de aproximadamente 5,5% naqueles com pancolite, em contraste com 0,5% naqueles com colite distal apenas. A CEP não parece ocorrer em associação com a DC, que acomete apenas o intestino delgado (6). Os pacientes com CEP podem apresentar-se assintomáticos em aproximadamente 15% a 44% dos casos, demonstrando apenas evidências co- Devido aos agentes usados no tratamento da DII, pode haver um largo espectro de injúria hepática, como hepatite aguda ou crônica, atribuída às drogas utilizadas (sulfassalazina, mesalazina, tiopurinas, antagonistas do TNF, antibióticos como as quinolonas), e toxicidade hepática, causada pelas drogas usadas contra complicações dos imunomoduladores e pelos antagonistas do TNF (como a isoniazida para tratar a reativação da tuberculose ou profilaticamente) (10). A reativação da tuberculose latente é um conhecido efeito adverso do uso da terapia anti-TNF. Por isso, a identificação e o tratamento da tuberculose são necessários antes de se iniciar a terapia imunobiológica (13). Ao se planejar o uso da anti-TNF no paciente citado foi iniciada quimioprofilaxia para tuberculose com isoniazida, pois o mesmo apresentou tuberculose pulmonar aos 17 anos. Porém a droga foi suspensa após ocorrer elevação de enzimas hepáticas (TGO = 132U/l e TGP = 102U/l). Tal fato nos impede de JBM MAIO/JUNHO VOL. 100 No 2 Doença de Crohn, colangite esclerosante primária e síndrome do anticorpo antifosfolipídeo Associação incomum ou mera casualidade? usar imunobiológicos no tratamento da doença inflamatória, pelo risco de reativação da infecção pelo Mycobacterium tuberculosis. A pancreatite aguda é uma das raras complicações da doença de Crohn. Na maioria das vezes sua etiologia é medicamentosa (7). A azatioprina é um análogo da purina frequentemente usado na terapia de manutenção da doença de Crohn. Porém, a ocorrência de efeitos adversos é a principal desvantagem do uso desta medicação. Em mais de 23% dos pacientes com DII a retirada da azatioprina deve-se a efeitos colaterais que aparentemente são mais frequentes na DII do que em outras doenças autoimunes. Um dos mais graves efeitos colaterais da azatioprina é a pancreatite aguda, vista em aproximadamente 5% dos pacientes com DC e muito raramente em pacientes tratados com azatioprina devido a outras doenças (9). Estudo realizado em pacientes com DII em uso de azatioprina encontrou incidências de pancreatite aguda de 2,6% e 3,7% na DC e na RCU, respectivamente (8). Referências 11. ROMDHANE, H.; KAROUI, S. et al. — Crohn’s disease, primary sclerosing cholangitis and antiphospholipid syndrome: An uncommon association. Tunis. Med., 87(5): 349-51, 2009. 12. DANESE, S.; SEMERARO, S. et al. — Extraintestinal manifestations in inflammatory bowel disease. World J. Gastroenterol., 14;11(46): 7227-36, 2005. 13. TSIOLAKIDOU, G. & KOUTROUBAKIS, I.E. — Thrombosis and inflammatory bowel disease — The role of genetic risk factors. World J. Gastroenterol., 28;14(28): 4440-4, 2008. 14. AICHBICHLER, B.W.; PETRITSCH, W. et al. — Anticardiolipin antibodies in patients with inflammatory bowel disease. Dig. 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É frequente a associação de tireoidite de Hashimoto e pancreatite autoimune, hepatite autoimune e lúpus eritematoso sistêmico, bem como de inúmeras outras doenças relacionadas, de origem imunológica. Neste paciente, além da raridade da associação — doença de Crohn, colangite esclerosante primária e síndrome do anticorpo antifosfolipídeo — a dificuldade na condução da terapêutica torna o caso ainda mais intrigante. As complicações trombóticas que necessitam de anticoagulação e a hemorragia digestiva decorrente da doença inflamatória intestinal exemplificam a 17. MOOLSINTONG, P.; LOFTUS JR., E.V. et al. — Acute pancreatitis in patients with Crohn’s disease: Clinical features and outcomes. Inflamm. Bowel Dis., 11(12): 1080-4, 2005. 18. VAN GEENEN, E.J.; DE BOER, N.K. et al. — Azathioprine or mercaptopurine-induced acute pancreatitis is not a disease-specific phenomenon. Aliment. Pharmacol. Ther., 31(12): 1322-9, Epub 2010 Mar 6, 2010. 19. WEERSMA, R.K.; BATSTRA, M.R. et al. — Are pancreatic autoantibodies associated with azathioprine-induced pancreatitis in Crohn’s disease? JOP, 9(3): 283-9, 2008. 10. KHOKHAR, O.S. & LEWIS, J.H. — Hepatotoxicity of agents used in the management of inflammatory bowel disease. Dig. Dis., 28(3): 508-18, Epub 2010 Sep 30, 2010. 11. BRAHAM, A.; SAFER, L. et al. — Antiphospholipid antibodies in digestive diseases. Presse Med., 30(38): 1890-7, 2001. 12. ZACHOU, K.; LIASKOS, C. et al. — Presence of high avidity anticardiolipin antibodies in patients with autoimmune cholestatic liver diseases. Clin. Immunol., 119(2): 203-12, Epub 2006 Feb 24, 2006. 13. MANKIA, S.; PETERS, J.E. et al. — Tuberculosis and anti-TNF treatment: Experience of a central London hospital. Clin. Rheumatol., 30(3): 399-401, Epub 2010 Oct 23, 2011. dificuldade no manejo terapêutico nesta eventualidade. O passado de tuberculose pulmonar, obrigando-nos a uma terapêutica profilática antituberculostática que cursou com hepatotoxicidade, a tentativa do uso de azatioprina com dor em barra e a elevação das enzimas pancreáticas são sutilezas que requerem conhecimento e cautela no uso das drogas. Este paciente com passado de tuberculose não poderia usar infliximabe (biológico) nem imunomodulador (azatioprina), por causa de seus efeitos tóxicos ao fígado e pâncreas. Apesar do risco de estimular a trombogênese e mesmo reativar a tuberculose, fomos obrigados a optar pela corticoterapia endovenosa, que por sorte foi segura e eficaz. A presente apresentação — com a tríade doença de Crohn, colangite esclerosante primária e síndrome do anticorpo antifosfolipídeo — aparece uma vez na literatura, sendo por isto nossa comunicação não só rara, mas também intrigante. Trata-se de simples coincidência ou de uma nova entidade? Endereço para correspondência: M. C. Galvão Santa Casa da Misericórdia do RJ — Enfermaria 18 Rua Santa Luzia, 206 — Centro 20030-041 Rio de Janeiro-RJ 35 imagem em medicina interna Coordenação: MARTA CARVALHO GALVÃO MARTA CARVALHO GALVÃO Professora de Radiologia da Fundação Técnico-Educacional Souza Marques — FTESM. Radiologista do Hospital Federal da Lagoa, RJ. Professora mestre responsável do Curso de Radiologia da UniFOA — Universidade da Fundação Osvaldo Aranha. BEATRIZ DA CUNHA RAYMUNDO MARIANA DE MAGALHÃES BASTOS Médicas residentes de Radiologia (R3) do Hospital Federal da Lagoa, RJ. Introdução A utilização da imagem na apendicite aguda tem se tornado rotineira, não apenas para confirmação do diagnóstico clínico, mas também para acrescentar informações que fundamentam a conduta dos cirurgiões, sobretudo em tempos de cirurgia laparoscópica. Embora os diagnósticos clínico e laboratorial sejam de fundamental importância, a experiência acumulada e a literatura têm mostrado que a taxa de laparotomias negativas caiu de 20% para 4% quando a imagem foi incorporada à propedêutica. Pode reduzir o tempo de permanência hospitalar indicando pronta cirurgia ou redirecionar a investigação, excluindo causas não cirúrgicas, como a doença inflamatória pélvica e a apendagite. A escolha do método — ultrassonografia (US) ou tomografia computadorizada (TC) — deve levar em consideração a acurácia, o grau de invasibilidade, o conforto do paciente, o tempo de execução e o custo, sendo ainda decisivas a existência ou não de recursos técnicos e pessoais para a sua realização e as condições clínicas do paciente, idade e sexo. O uso da radiação ionizante com a utilização da TC deve ser um fator de considerável importância, sobretudo em se tratando de uma doença benigna, 36 Apendicite aguda que usualmente acomete pacientes jovens e em idade reprodutiva. A decisão varia ainda segundo a preferência da instituição, e, dentro de uma mesma instituição, pode variar com a experiência do radiologista. Ambas, US e TC, são métodos de excelente acurácia quando analisadas por operador e leitor competentes, respectivamente. A radiografia panorâmica do abdome não traz informações relevantes, por carecer de especificidade. No entanto, deve-se conhecer os achados que, indiretamente, apontam para apendicite, uma vez que pode ser o único método disponível. Assim, a presença de escoliose antálgica de concavidade à direita, apagamento da linha do músculo psoas, presença de alça distendida na fossa ilíaca direita ou mesogástrio (íleo), espasmo funcional do cólon direito, apendicolito e efeito de massa na fossa ilíaca direita podem ser altamente sugestivos, na presença de clínica compatível. A US atinge uma acurácia em torno de 94% e a TC, 98%, o que nos leva a considerar que o uso inicial da US pode prescindir do uso do contraste oral e/ou venoso e do contraste iodado, necessários para a TC, sobretudo em pacientes jovens, mulheres (em que o diagnóstico diferencial com doença inflamatória pélvica se impõe) e nos não obesos. Nos dilemas abdominais, nos pacientes obesos a tomografia pode ser mais informativa. O protocolo utilizado na TC também é bastante variado, sendo que alguns radiologistas optam por iniciar o exame sem nenhum contraste; outros utilizam apenas o venoso, o oral ou o retal, e ainda outros, uma combinação entre estes. Importante observar que a imagem, através de um mapeamento pré-operatório, é capaz de informar ao cirurgião a localização, tamanho, grau de distensão, presença de apendicolito, perfuração, abscesso (aumentam o risco de infecção da ferida operatória) e fístula, demonstrações que podem predizer o prognóstico, riscos e melhor orientar o uso da técnica laparoscópica. Os principais achados à US são: — Imagem tubular em fundo cego não compressível ao transdutor. — Calibre do apêndice maior ou igual a 7mm. — Gordura periapendicular hiperecogênica. — Apêndice de paredes espessadas, laminadas. Figura 1: US: Imagem tubular em fundo cego, distendida (diâmetro de 13mm), paredes espessadas, com gordura adjacente hiperecogênica na fossa ilíaca direita. JBM MAIO/JUNHO VOL. 100 No 2 Apendicite aguda Figura 2: TC no plano coronal: Imagem tubular alongada, de paredes espessadas, com diâmetro > 7mm, infiltrando a gordura adjacente localizada na fossa ilíaca e flanco direitos, estendendo-se até o bordo hepático inferior. Observa-se linfonodo adjacente. Figura 3: TC: Mesmo caso anterior, em plano sagital, mostrando a topografia retrocecal do apêndice inflamado. Figura 4: TC com contraste oral: Observa-se, na fossa ilíaca direita, ceco deslocado medialmente com parede espessada na sua porção lateral e infiltração da gordura mesentérica adjacente com gás fora de alça (pneumoperitônio). O aspecto é sugestivo de apendicite perfurada, confirmada cirurgicamente. — Líquido periapendicular. — Apendicolito. À TC, além dos achados de infiltração da gordura, aumento de calibre e espessamento parietal, complicações como resultado da perfuração são mais bem demonstradas, tais como presença de coleções, pneumoperitônio, espessamento de planos fasciais, apendicolito fora da luz e infiltração da gordura periapendicular. Importante lembrar que a TC não sofre limitação (como a US) pela gordura, o que a torna o melhor método nos pacientes obesos. JBM MAIO/JUNHO VOL. 100 No 2 Parece não existir mais dúvidas de que o uso da imagem na apendicite aguda reduz a taxa de laparotomia não terapêutica, devendo ser sempre utilizada quando disponível. Em relação aos custos destes procedimentos, cabe lembrar que a apendicectomia negativa, além dos riscos inerentes ao procedimento anestésico-cirúrgico, é aproximadamente 16 vezes mais onerosa do que uma tomografia da pelve, e traz, sem dúvida, conforto e segurança ao médico e seu paciente. Referências 1. GRACEY, D. & MCCLURE, M.J. — The impact of ultrasound in suspected acute appendicitis. Clin. Radiol., 62(6): 573-8, 2007. 2. PUIG, S.; HORMANN, M. et al. — US as a primary diagnostic tool in relation to negative appendectomy: Six years experience. Radiology, 226: 101-4, 2003. 3. MORISHITA, K.; GUSHIMIYAGI, M. et al. — Clinical prediction rule to distinguish pelvic inflammatory disease from acute appendicitis in women of childbearing age. Am. J. Emerg. Med., 25: 152-7, 2007. 4. BLACK, C.E. & MARTIN, R.F. — Acute appendicitis in adults: Clinical manifestations and diagnosis. UpToDate. 2011. Disponível em: http:/www.uptodate. com/online. Acesso em 19 de maio de 2012. Endereço para correspondência: Marta Galvão Santa Casa da Misericórdia do RJ Enfermaria 18 Rua Santa Luzia, 206 — Centro 20030-041 Rio de Janeiro-RJ 37 Leão Zagury endocrinologia Etiopatogenia do diabetes mellitus tipo 2 Fellow of the American College of Physicians. Professor da Pós-graduação em Endocrinologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Titular da Academia de Medicina do Rio de Janeiro. Presidente da Sociedade Brasileira de Diabetes (2004-2005). Chefe do Serviço de Diabetes do Instituto Estadual de Diabetes e Endocrinologia (1996-2003). Resumo Summary Introdução anos antes do diagnóstico. No DM2 devido à RI a gliconeogênese hepática não é suprimida por níveis plasmáticos de insulina, mesmo em concentrações elevadas. Nos músculos, se manifesta por redução da captação da glicose (5, 6). Nos indivíduos resistentes à insulina, como os obesos e os sedentários (7), inicialmente a RI é compensada através do aumento da secreção das células beta. A hiperinsulinemia assim gerada mantém a homeostase glicêmica (8). Entretanto, as células beta vão gradualmente perdendo a capacidade de manter esses níveis de secreção de insulina, a glicemia vai gradualmente se elevando e clinicamente se instala o que chamamos de intolerância à glicose (9). Inicialmente desaparece a primeira fase, e a glicemia pós-prandial aumenta. No momento em que as células perdem capacidade secretora a hiperinsulinemia se transforma em hipoinsulinemia e o DM2 se instala. A manutenção da glicemia dentro da normalidade depende do perfeito equilíbrio dinâmico entre sensibilidade dos tecidos à insulina e secreção do hormônio. Neste artigo descrevemos os mecanismos envolvidos na gênese da hiperglicemia do diabetes mellitus tipo 2. Serão analisadas a resistência insulínica, as características da secreção de insulina, a redução da secreção de insulina, a secreção hepática de glicose, a captação e a secreção hepática de glicose, o aumento da secreção de glucagon e da lipólise e a reabsorção da glicose pelos túbulos renais. Também serão revistos os defeitos das incretinas, a resistência insulínica cerebral e as alterações na flora intestinal. Os principais defeitos fisiopatológicos do diabetes mellitus tipo 2 (DM2) são, sem qualquer dúvida, a resistência insulínica (RI) e a falência das células beta. Sabe-se atualmente que a falência das células secretoras de insulina é mais precoce do que se pensava (1). Inúmeros outros defeitos fisiopatológicos ocorrem em diferentes órgãos também implicados na gênese da hiperglicemia. Estão também envolvidos, além dos músculos, fígado e pâncreas, o tubo gastrointestinal (TGI), os rins e o cérebro. Ralph A. DeFronzo, da Universidade de San Antonio, no Texas, organizou e agregou inúmeros conceitos para o melhor entendimento da fisiopatologia do DM2, apresentados em sua excepcional Banting Lecture (2). Resistência à insulina Os indivíduos que desenvolvem DM2 herdam genes que tornam seus tecidos resistentes à insulina (3, 4). Alterações na sensibilidade e na secreção de insulina, intolerância à glicose e alterações na fase rápida de secreção de insulina podem ser identificadas JBM MAIO/JUNHO VOL. 100 No 2 In this article we describe the mechanisms involved in the genesis of hyperglycemia in type 2 diabetes mellitus. Will be analyzed separately insulin resistance, the characteristics of insulin secretion, the decrease in insulin secretion, the liver’s secretion of glucose and hepatic uptake of glucose and the increased glucagon secretion and lipolysis and glucose reabsorption in the kidney. Also will be review defects of the incretins, cerebral insulin resistance and changes in intestinal flora. et ent quist, nimilique voluptaturia. Unitermos: Diabetes; etiopatogenia. Keywords: Diabetes; etiopathogenesis. 39 Etiopatogenia do diabetes mellitus tipo 2 SECREÇÃO DE INSULINA Glicotoxicidade 1a fase Hiperglicemia Falência das células beta Hipoinsulinemia 2a fase Redução da supressão hepática de glicose Aumento da produção de glicose DM2 Não DM2 Figura 1: Representação esquemática da secreção fisiológica bifásica de insulina em não diabéticos e em diabéticos tipo 2. Maior secreção de insulina Figura 3: Representação esquemática da sequência de alterações que conduzem ao DM2 (segunda etapa). DM2 Hiperglicemia Hiperinsulinemia Hipoinsulinemia Esgotamento do pâncreas Redução da captação de glicose A red hiper pesa hepução insuli r da átic da s nem a d upr ia, e g ess lico ão se Figura 2: Representação esquemática da sequência de alterações que conduzem ao DM2 (primeira etapa). Secreção de insulina Muito precocemente se observam alterações na secreção fisiológica bifásica de insulina. Nos não diabéticos, em resposta à ingestão de alimentos, a insulinemia se eleva rápida e precocemente, antecipando-se à hiperglicemia (primeira fase). A esta elevação inicial se segue uma segunda fase, de secreção mais suave e prolongada (Figura 1). Esta secreção bifásica é fundamental para manter os níveis glicêmicos pós-prandiais dentro da normalidade, garantir a supressão hepática e manter a glicemia normal 40 entre as refeições. Elahi et al. (10) administraram somatostatina via endovenosa a não diabéticos, com o objetivo de suprimir a produção endógena de insulina. Em seguida infundiram insulina, pela mesma via, em percentual constante, isto é, diferente da curva bifásica, em concentrações equivalentes à da insulina endógena, demonstrando desta forma que a liberação hepática de glicose foi suprimida apenas parcialmente (43%). Caracterizaram assim que a secreção bifásica de insulina é fundamental para a manutenção do bloqueio da gliconeogênese. É esse padrão de resposta bifásica que mantém a glicemia em estreitos limites, só se elevando discretamente após a alimentação. No DM2 não se identifica a primeira fase de secreção e se observam também anormalidades na pulsatilidade, cinética, quantidade e na qualidade da secreção de insulina (Figura 1). História natural do diabetes mellitus tipo 2 A história natural do DM2 está bem demonstrada, através de inúmeros estudos muito bem conduzidos (11). Nas Figuras 2 e 3 se encontram representações esquemáticas da sequência de eventos que conduzem ao DM2. A redução da captação de glicose nos músculos requer aumento da produção e secreção de insulina, visando manter os níveis glicêmicos dentro da normalidade. Apesar do aumento da insulinemia, a supressão da gliconeogênese hepática não ocorre integralmente, contribuindo para aumentar os níveis de glicose plasmáJBM MAIO/JUNHO VOL. 100 No 2 Etiopatogenia do diabetes mellitus tipo 2 ticos. Isto leva as células beta a aumentarem ainda mais a secreção de insulina até que se esgotem, quando se instalam hipoinsulinemia, hiperglicemia, e glicotoxicidade e DM2. Lipotoxicidade O aumento dos níveis plasmáticos de ácidos graxos livres (FFAs), que muitas vezes se observa nos diabéticos descompensados e nos obesos, determina o que se convencionou chamar de lipotoxicidade. A lipotoxicidade prejudica a secreção de insulina, induz alterações na ação da insulina e apoptose de células beta (12). Estudos de Kashyap et al. sugerem que altas concentrações por período de apenas 48 horas são suficientes para comprometer de maneira significativa a secreção de insulina. Nestes estudos a solução lipídica prejudicou a primeira e a segunda fase da secreção de insulina, analisadas através da dosagem do peptídio C. A redução da concentração dos FFAs com acipimox em não diabéticos com história familiar de DM2 melhorou a secreção de insulina (13). Glicotoxicidade Ao se instalar e se manter elevada, a glicemia desencadeia o fenômeno conhecido como glicotoxicidade, que também prejudica a função celular beta (14), através da redução dos transportadores intracelulares de glicose localizados no interior das células beta (GLUT). Nos músculos reduz a captação de glicose estimulada pela insulina. A secreção de insulina em ratos e em seres humanos diabéticos melhorou após a normalização da glicemia nos tratados com phlorizin. Pâncreas — células beta A população celular beta desde o início do processo está comprometida, apesar de conseguir, durante certo tempo, manter a secreção de insulina em quantidades suficientes. Butler et al. (1), fundamentados em análise post mortem, sugerem que os pré-diabéticos já perderam aproximadamente metade da massa celular, o que constitui significativo comprometimento das células beta antes mesmo do desencadear do DM2. Ferrannini et al. (15) vão além, demonstrando que os intolerantes à glicose perderam cerca de 80% da função beta. Por outro lado, estes JBM MAIO/JUNHO VOL. 100 No 2 mesmos pesquisadores demonstraram que não existem pontos de corte entre tolerância à glicose normal, intolerância e DM2, que na verdade constituem um continuum. DeFronzo entende que a tolerância à glicose constitui um risco contínuo, da mesma forma que os níveis de colesterol — isto é, quanto maior for a glicemia pós-prandial, maior será o risco de complicações (2). É fundamental considerar alguns aspectos em relação à função beta, como o fato de ocorrer progressivo declínio da capacidade secretora com o passar dos anos (16), e que existem claras evidências genéticas de comprometimento destas células. Ao se instalar e se manter elevada, a glicemia desencadeia o fenômeno conhecido como glicotoxicidade, que também prejudica a função celular beta, através da redução dos transportadores intracelulares de glicose localizados no interior das células beta (GLUT). Polipeptídio amiloide da ilhota É possível que a deposição de substância amiloide, que resulta da polimerização do peptídio produzido pela célula beta, conhecido como amilina ou polipeptídio amiloide da ilhota (IAPP), esteja associada à redução da massa de células beta. Os portadores de DM2 que necessitam tratamento com insulina apresentam grande redução da massa celular e maiores depósitos de substância amiloide, indicando que o grau de amiloidose pode estar relacionado à gravidade da doença. Entretanto, como estes depósitos não são detectáveis em todos os casos, não devem ser essenciais para a lesão das células beta (17). Tubo gastrointestinal (TGI) — incretinas Pâncreas — células alfa Após a ingestão, durante a passagem dos nutrientes pelo TGI, ocorre ativação neural e hormonal dos sinais que controlam o esvaziamento gástrico, a mobilidade e a absorção dos alimentos. Células altamente especializadas, dispersas ao longo do TGI, desempenham importante papel através dos seus principais hormônios: o glucagon-like peptide 1 (GLP-1), o glucagon-like peptide 2 (GLP-2) e o glucose-dependent insulino-tropic polypeptide (GIP). As células K liberam GIP no jejuno proximal e no duodeno e as células L liberam GLP-1 no íleo e cólon, ambos inativados pela clivagem promovida pela enzima dipeptidil peptidase IV (DPP-IV), presente em vários tecidos. Cerca de 50% desses hormônios são inativados rapidamen- Pontos-chave: > O aumento dos níveis plasmáticos de ácidos graxos livres (FFAs) determina o que se convencionou chamar de lipotoxicidade. > A lipotoxicidade prejudica a secreção de insulina, induz alterações na ação da insulina e apoptose de células beta. > Estudos de Kashyap e colegas mostraram que a redução da concentração dos FFAs com acipimox em não diabéticos com história familiar de DM2 melhora a secreção de insulina. 41 Etiopatogenia do diabetes mellitus tipo 2 Não diabéticos Supressão da secreção do glucagon Aumento da secreção de insulina Diabéticos Aumento da secreção do glucagon Redução da secreção de insulina Figura 4: Alterações da secreção do glucagon e insulina nos diabéticos tipo 2. te, em um período que varia de um a sete minutos. O conceito de incretinas foi criado a partir da observação de que a ingestão de alimentos ou a administração de glicose via enteral provocava maior liberação de insulina, quando comparada à determinada pela administração venosa de quantidades semelhantes de glicose (18). Apesar da passagem efêmera pelo organismo, estes hormônios têm importantes ações metabólicas. O GLP-1, além de aumentar a secreção de insulina glicose-dependente, reduzida nos diabéticos tipo 2, melhora a sensibilidade insulínica, suprime a secreção de glucagon pós-prandial, diminui o apetite e a ingestão alimentar, reduz a liberação hepática de glicose, aumenta a saciedade, regula o esvaziamento gástrico, melhora o perfil hemodinâmico e, em roedores, aumenta a massa de células beta. O GIP não parece ter efeito na secreção de glucagon. Nos não diabéticos, após a ingestão alimentar a glicemia e a secreção de insulina se elevam e a de glucagon é suprimida. Nos diabéticos a elevação da glicemia não é acompanhada pela elevação da insulina e o glucagon se eleva, não ocorrendo, portanto, a supressão observada nos não diabéticos (Figura 4). O GLP-1 nos diabéticos se encontra em níveis mais baixos (19) e observa-se resistência à ação do GIP-1 (20). Tecido adiposo O tecido gorduroso não é responsável apenas pela estocagem e fornecimento de energia; é um órgão endócrino metabolicamente ativo. Ao acumularem gordura, os adipócitos normais se transformam em depósitos ectópicos e liberam citocinas indutoras de RI. 42 O tecido gorduroso não é responsável apenas pela estocagem e fornecimento de energia; é um órgão endócrino metabolicamente ativo (21). Ao acumularem gordura, os adipócitos normais se transformam em depósitos ectópicos e liberam citocinas indutoras de RI. Esses adipócitos, devido ao acúmulo de gordura, têm seu metabolismo desorganizado e se tornam resistentes ao efeito antilipolítico da insulina, contribuindo dessa forma para a elevação dos FFAs plasmáticos, e consequentemente para a lipotoxicidade. Os ácidos graxos depositados no fígado diminuem a ação da insulina nesse órgão, permitindo a produção exagerada de glicose. Nos músculos e no pâncreas essas citocinas também induzem RI, determinando, nas células beta, redução da síntese e da secreção de insulina e apoptose das próprias células beta. Fígado A demanda cerebral de glicose é atendida na maior parte pela secreção hepática, e em uma pequena parte pelos rins. O ritmo de produção de glicose (gliconeogênese) pelo fígado dos diabéticos está aumentado (22), devido a grave RI. Outros fatores, como hiperglucagonemia, lipotoxicidade e glicotoxicidade, atuando através do aumento da expressão e atividade enzimática, também favorecem o aumento da produção hepática de glicose. Músculos Sabe-se hoje que, além das ações fisiológicas clássicas (redução da secreção hepática de glicose, da lipogênese, da captação de glicose e da síntese do glicogênio), a insulina tem ações não envolvidas no metabolismo da glicose: regula a ingestão alimentar, a secreção de grelina, a produção de óxido nítrico e a vasodilatação. Essas ações se efetivam através da transdução do sinal da insulina em uma sequência que se inicia com a ligação ao receptor das células-alvo, que é ativado através da fosforilação pela tirosina (23, 24), determinando a translocação do substrato do receptor de insulina IRS-1 para a membrana plasmática, de onde segue para a fosforilação pela tirosina. Prossegue ativando a PI3 quinase e AKT, determinando aumento do transporte da glicose no interior da célula e ativação da ON sintetase, que provoca vasodilatação arterial (25) e estimulação dos múltiplos processos metabólicos intracelulares. DeFronzo e colaboradores demonstraram que esse processo estava prejudicado em seres humanos com RI. Nestes casos, a fosforilação se faz em serina e segue a via MAP (proteína mitogênica ativada), ativando inúmeras vias intracelulares, reduzindo o transporte de glicose, comprometendo a produção de ON e desencadeando múltiplos defeitos metabólicos intracelulares responsáveis por disfunção endotelial, inflamação, aterosclerose e proliferação celular (26, 27). Rim A ausência de glicose na urina se deve ao fato de que quase toda a glicose filtrada é reabsorvida através da ação dos transportaJBM MAIO/JUNHO VOL. 100 No 2 Etiopatogenia do diabetes mellitus tipo 2 dores SGLT2 (90%) nos túbulos contornados proximais e SGLT1 (10%) nos túbulos proximais descendentes. Essa capacidade nos diabéticos está muito aumentada (28), na tentativa de garantir as demandas energéticas do organismo, particularmente do cérebro, e dessa forma contribui para aumentar ainda mais a glicemia. Cérebro Atualmente sabe-se que a insulina é um potente inibidor do apetite, diferentemente do que se pensava (29, 30). Entretanto, os obesos, diabéticos ou não, apesar de resistentes à insulina e hiperinsulinêmicos, ingerem mais alimentos do que os não obesos. Deveriam, portanto, ter menos fome e, consequentemente, ingerir menos alimentos. Para tentar esclarecer se nesses indivíduos estaria ocorrendo RI em nível cerebral, Matsuda et al. examinaram, através de ressonância magnética, a resposta do cérebro a uma carga de glicose (31). Observaram inibição dos núcleos ventromedial e paraventriculares, áreas responsáveis pela regulação do apetite. A magnitude da inibição estava redu- Referências 11. BUTLER, A.E.; JANSON, J. et al. — β cell deficit and increased β cell apoptosis in humans with type 2 diabetes. Diabetes, 52: 102-10, 2003. 12. DEFRONZO, R.A. — Banting lecture: From the triunvirate to ominious octet: A new paradigm for the treatment of type 2 diabetes mellitus. Diabetes, 58, April, 2009. 13. PENDERGRASS, M.; BERTOLDO, A. et al. — Muscle glucose transport and phosphorylation in type 2 diabetic, obese non-diabetic, and genetically predisposed individuals. Am. J. Physiol. Endocrinol. Metab., 292: E92–E100, 2007. 14. KASHYAP, S.; BELFORT, R. et al. — A sustained increase in plasma free fatty acids impairs insulin secretion in nondiabetic subjects genetically predisposed to develop type 2 diabetes. Diabetes, 52: 2461-74, 2003. 15. PENDERGRASS, M.; BERTOLDO, A. et al. — Muscle glucose transport and phosphorylation in type 2 diabetic, obese non-diabetic, and genetically predisposed individuals. Am. J. Physiol. Endocrinol. Metab., 292: E92–E100, 2007. 16. GROOP, L.C.; BONADONNA, R.C. et al. — Glucose and free fatty acid metabolism in non-insulin-dependent diabetes mellitus: Evidence for multiple sites of insulin resistance. J. Clin. Invest., 84: 205-13, 1989. 17. DEFRONZO, R.A. — Pathogenesis of type 2 diabetes: Metabolic and molecular implications for identifying diabetes genes. Diabetes Rev., 5: 177-269, 1997. JBM MAIO/JUNHO VOL. 100 No 2 zida em obesos, resistentes à insulina. Obici et al. demonstraram o mesmo em roedores (32). Esses resultados sugerem que o cérebro também pode ser resistente à insulina. Flora intestinal A colonização do intestino por microrganismos se inicia logo após o nascimento, sofre alterações com o tempo e pode mudar com muita rapidez, de acordo com a dieta. Estudos com transplante de microbiota intestinal demonstraram que a dieta é um fator importante na regulação da composição da microbiota intestinal. Magros e obesos têm composição da flora intestinal diferente, e já foi demonstrado que a obesidade está associada a mudanças na composição da flora intestinal. Assim, parece que a flora intestinal é capaz de aumentar a extração de energia de polissacarídeos indigeríveis, de modular níveis plasmáticos de lipopolissacarídeo (LPS), iniciando um processo inflamatório crônico de baixo grau, e de modular genes de proteínas que regulam o estoque e gasto energético. Embora ainda demandem comprovação (33), todos esses processos podem, teoricamente, desencadear obesidade e DM2. 18. DIAMOND, M.P.; THORNTON, K. et al. — Reciprocal variation in insulin-stimulated glucose uptake and pancreatic insulin secretion in women with normal glucose tolerance. J. Soc. Gynecol. Invest., 2: 708-15, 1995. 19. SAAD, M.F.; KNOWLER, W.C. et al. — Sequential changes in serum insulin concentration during development of non-insulin-dependent diabetes. Lancet i: 1356-9, 1989. 10. ELAHI, D.; MENIELLY, G.S. et al. — Escape of hepatic glucose production during hyperglycemic clamp. Am. J. Physiol., 257: E704-E711, 1989. 11. DEFRONZO, R.A. — Pathogenesis of type 2 diabetes mellitus. Med. Clin. North Am., 88: 787-835, 2004. 12. UNGER, R.H. — Lipotoxicity in the pathogenesis of obesity-dependent NIDDM: Genetic and clinical implications. Diabetes, 44: 863-70, 1995. 13. KASHYAP, S.; BELFORT, R. et al. — A sustained increase in plasma free fatty acids impairs insulin secretion in nondiabetic subjects genetically predisposed to develop type 2 diabetes. Diabetes, 52: 2461-74, 2003. 14. ROSSETTI, L.; GIACCARI, A. & DEFRONZO, R.A. — Glucose toxicity (review). Diabetes Care, 13: 610-30, 1990. 15. FERRANNINI, E.; GASTALDELLI, A. et al. — Beta cell function in subjects spanning the range from normal glucose tolerance to overt diabetes mellitus: A new analysis. J. Clin. Endocrinol. Metab., 90: 493-500, 2005. Endereço para correspondência: Leão Zagury Rua Visconde de Pirajá, 414/Sala 706 — Ipanema 22410-002 Rio de Janeiro-RJ [email protected] Obs.: As 18 referências restantes que compõem este artigo se encontram na Redação à disposição dos interessados. 43 pneumologia Asma A arte do encontro Asma A arte do encontro Hisbello s. Campos Médico do Instituto Fernandes Figueira — FIOCRUZ. Doutor em Clínica Médica, Pneumologia, pela UFRJ. Membro do Comitê Técnico da ONU. Membro do Global Initiative for Asthma (GINA) da OMS. Unitermos: Asma; patogenia; tratamento. Keywords: Asthma; pathogenic mechanisms; treatment. 44 Resumo Summary A asma é um importante problema de Saúde Pública. Estima-se que ela comprometa cerca de 300 milhões de pessoas e mate 250 mil a cada ano, em todo o mundo. Trata-se de uma alteração inflamatória crônica das vias aéreas, cujas principais características incluem, também, grau variável de obstrução ao fluxo aéreo e hiper-responsividade brônquica. O tratamento é baseado em fármacos anti-inflamatórios e broncodilatadores. Para pacientes que permanecem sintomáticos vêm sendo desenvolvidas novas terapias, desenhadas para atingir alvos-chaves na patogenia. Asthma is a serious health problem throughout the world. It is estimated that 300 million people are affected and 250 thousands are killed by asthma worldwide. Asthma is a multifactorial chronic inflammatory disorder of the airway in which the chief features include a variable degree of airflow obstruction and bronchial hyper-responsiveness, in addition to the underlying chronic airway inflammation. Asthma’s treatment is based on anti-inflammatory and bronchodilator drugs. For patients who remain symptomatic new therapies tailored to target key pathways in asthma pathology are being developed. Introdução gravidades e respostas ao tratamento. Por essa razão, a asma não pode ser considerada uma doença, mas uma síndrome. Isso porque há um conjunto de situações clínicas que compartilham características comuns: inflamação do trato respiratório, obstrução intermitente ao fluxo aéreo, hiper-responsividade brônquica (HRB), hipersecreção de muco e hipertrofia e hiperplasia da musculatura lisa peribrônquica (6). Seus sintomas cardeais são dispneia, sibilo, tosse (geralmente seca e noturna) e sensação de opressão torácica. Há grande variação na intensidade desses sintomas tanto inter como intraindividualmente. Do mesmo modo, o padrão de apresentação clínica varia desde sintomas raros e ocasionais até diários, podendo mudar ao longo do tempo. Nesse artigo serão apresentados, de modo simplificado, dados sobre a magnitu- A asma é o produto do encontro entre predisposição genética, comportamento celular alterado e mecanismos inflamatórios específicos e variados. Na maior parte das vezes está associada à atopia, e os sintomas agudos costumam ser desencadeados por alérgenos. Entretanto, em parte dos asmáticos, inexiste o componente atópico e outros fatores, tais como elementos ambientais e irritantes inespecíficos, infecções virais, fatores dietéticos e estresse oxidativo, estão implicados na sua patogenia (1, 2, 3, 4). Como resultado da interação entre mais de uma centena de genes potencialmente envolvidos (5) e fatores multivariados, desenvolvem-se processos inflamatórios alérgicos e não alérgicos que podem coexistir e interagir, gerando uma grande variedade de apresentações clínicas (fenótipos e endotipos), JBM MAIO/JUNHO VOL. 100 No 2 Asma A arte do encontro de da asma, mecanismos patogênicos, apresentações clínicas e estratégias diagnósticas e terapêuticas usuais no tratamento regular e das exacerbações. Magnitude da asma Apesar de existir uma definição internacional de asma aceita pela comunidade médica (7) (ver Quadro), ainda não foi possível obter uma definição simples que possa ser usada como instrumento único e universal em inquéritos populacionais de prevalência. Por essa razão, os dados epidemiológicos são imprecisos, dificultando a estimativa de sua real magnitude. Mais ainda, as definições operacionais empregadas nos diversos estudos de prevalência variam, contribuindo para a incerteza sobre a real prevalência do problema. Como exemplo, uma busca bibliográfica no PubMed, visando avaliar definições usadas para diagnosticar asma na infância (6-18 anos), identificou 122 artigos que incluíam 60 definições diferentes (8). Esses fatos, associados às diferenças étnicas (que se refletem na diversidade de predisposições genéticas para a asma), ambientais, nos graus de desenvolvimento regionais e nos desenhos dos inquéritos epidemiológicos, podem ser responsáveis pela grande variação observada nos estudos de prevalência da asma. Segundo estimativas da Iniciativa Global da Asma (GINA) da OMS, entre 1% e 18% das populações de diferentes países, incluindo adultos e crianças, têm asma. Imagina-se que ela comprometa 300 milhões de pessoas, sendo responsável por 15 milhões de anos de vida prejudicados (DALYs — disability-adjusted life years) e por 250 mil mortes anualmente (7). Diversos são os fatores enQUADRO: Definição de asma (7) Asma é uma alteração inflamatória crônica das vias aéreas da qual participam muitas células e elementos celulares. A inflamação crônica está associada à hiper-responsividade brônquica, que leva a episódios recorrentes de sibilos, falta de ar, aperto no peito e tosse, particularmente à noite ou de manhã cedo. Esses episódios estão usualmente associados com obstrução ao fluxo aéreo disseminado, mas variável, dentro do pulmão, usualmente reversível espontaneamente ou com tratamento (GINA, OMS). JBM MAIO/JUNHO VOL. 100 No 2 volvidos na mortalidade por asma: tratamento inadequado, seja por falha na adesão ou no manejo terapêutico; dificuldade no acesso ou uso da medicação; falhas ou atraso no atendimento médico nas exacerbações e distúrbios psicossomáticos ou psiquiátricos. Na maioria das vezes, os sintomas da asma surgem na infância. Nesse caso, até metade desses pacientes apresentará remissão durante a adolescência e início da idade adulta, podendo voltar a ter sintomas mais tarde. Algumas pessoas só apresentam sintomas de asma mais tardiamente, por vezes após os 40 anos de idade (9). As várias formas de asma Tradicionalmente, as diferentes formas de apresentação da asma são categorizadas em fenótipos clínicos. Entretanto, tentar classificar a asma usando uma ou poucas variáveis, como idade de início dos sintomas, presença de atopia, escore de sintomas, variabilidade no grau de obstrução brônquica, celularidade no escarro, índice de massa corporal e outras, é inadequado, já que essa forma não aponta para um esquema terapêutico 100% efetivo nem define o prognóstico com acurácia. Por essa razão, a categorização fenotípica poderia ser mais útil se agrupasse asmáticos de acordo com a semelhança de múltiplas variáveis, incluindo características clínicas (idade de início, gravidade, limitação fixa do fluxo aéreo, por exemplo), fatores associados com ou desencadeantes de sintomas asmáticos (alérgenos, aspirina, obesidade) e características biopatológicas (inflamação eosinofílica ou neutrofílica). O objetivo da categorização é identificar “tipos clínicos” de asmáticos, visando à orientação terapêutica e previsão prognóstica. Entretanto, muitas das características usadas para compor os fenótipos da asma são clínica e fisiopatologicamente inespecíficas, gerando numerosos subgrupos. Indiscutivelmente, a definição de fenótipos é clinicamente relevante, já que descreve a apresentação clínica, fatores desencadeantes e pressupõe a resposta ao tratamento. Porém, o fenótipo não está diretamente relacionado ao processo subjacente determinante da alteração. Na abordagem individual do asmático, fenótipos baseados apenas em características clíni- Na asma, como resultado da interação entre mais de uma centena de genes potencialmente envolvidos e fatores multivariados, desenvolvem-se processos inflamatórios alérgicos e não alérgicos que podem coexistir e interagir, gerando uma grande variedade de apresentações clínicas, gravidades e respostas ao tratamento. Pontos-chave: > Entre 1% e 18% das populações de diferentes países, incluindo adultos e crianças, têm asma; > Na maioria das vezes, os sintomas da asma surgem na infância; > Até metade desses pacientes apresentará remissão durante a adolescência e início da idade adulta. 45 Asma A arte do encontro Pontos-chave: > Quatro fenótipos de asma são determinados pela celularidade do escarro: eosinofílico, neutrofílico, mista granulocítica e paucigranulocítico; > Os fenótipos estão associados a padrões clínicos e fisiopatológicos diferentes, com respostas terapêuticas distintas; > Endotipos representam uma forma de classificação diferente de fenótipos, compreendendo uma etiologia definida e/ou um mecanismo fisiopatológico consistente. 46 cas e inespecíficas não bastam para definir a melhor abordagem terapêutica. O reconhecimento desse fato, associado à evolução do conhecimento sobre os mecanismos envolvidos na asma, vem fazendo com que as categorizações fenotípicas passem a ser baseadas nos mecanismos moleculares envolvidos e, em particular, nas citocinas determinantes das alterações observadas. Até o momento, pelo menos quatro fenótipos de asma são determinados pela celularidade do escarro: eosinofílico (> 3% de eosinófilos), neutrofílico (> 61% de neutrófilos e < 3% de eosinófilos), mista granulocítica (> 61% de neutrófilos e > 3% de eosinófilos) e paucigranulocítico (< 61% de neutrófilos e < 3% de eosinófilos). Cada um deles está associado a padrões clínicos e fisiopatológicos diferentes, com respostas terapêuticas distintas. O reconhecimento de que a asma compreende diferentes mecanismos inflamatórios vem estimulando a identificação de biomarcadores (celularidade do escarro, fração exalada de óxido nítrico [FeNO] e marcadores Th2 ou Th1) que possam ser empregados na definição da conduta terapêutica mais apropriada para cada paciente. Nesse cenário, surge uma nova classificação, que utiliza o termo “endotipo” para rotular um subtipo de asmático, definido por um mecanismo funcional ou fisiopatológico distinto (10). Dessa forma, endotipos representam uma forma de classificação diferente de fenótipos, compreendendo uma etiologia definida e/ou um mecanismo fisiopatológico consistente. Nessa perspectiva, a asma compreenderia diversos endotipos que, associados às influências genéticas e ambientais, buscariam explicar as diferentes apresentações clínicas e respostas aos diferentes tratamentos (11). Sob essa perspectiva, as características fenotípicas representam a asma vista sob uma dimensão clínica, enquanto os endotipos representam entidades clínicas com mecanismos inflamatórios específicos. Visto assim, cada endotipo pode compreender diversos fenótipos, assim como alguns deles podem estar presentes em mais de um endotipo (10). Apesar de objeto de muitos estudos, os mecanismos subjacentes em muitos dos endotipos propostos ainda não foram esclarecidos. Provavelmente, a compreensão desses mecanismos permitirá a identifica- ção de alvos terapêuticos e biomarcadores capazes de fornecer critérios diagnósticos e prognósticos formais, possibilitando personalizar e tornar o tratamento mais efetivo. Poderá, também, indicar a melhor maneira e momento de usar as alternativas terapêuticas atualmente disponíveis e apontar os perfis necessários para os novos desenvolvimentos farmacológicos (12). Asma — doença inflamatória crônica do trato respiratório A asma é o resultado de diferentes mecanismos inflamatórios que envolvem todas as células estruturais e funcionais do trato respiratório. Processos complexos determinam alterações no comportamento dessas diversas células, gerando as alterações anatomopatológicas e funcionais observadas na asma (13). Dado o valor da predisposição genética, pode ser que as alterações comecem no período fetal ou nos primeiros anos de vida. Atualmente, viroses respiratórias na fase inicial da vida vêm sendo consideradas o principal fator predisponente na indução da asma (14). Em indivíduos geneticamente suscetíveis, a exposição a fatores ambientais — fumaça de tabaco, poluentes atmosféricos, dieta pobre em antioxidantes (vitamina E, por exemplo) e rica em gorduras e proteínas, exposição pré e perinatal a estímulos oxidantes potentes e infecções por vírus respiratórios — pode resultar em alterações na morfogênese do tecido pulmonar (3), determinando asma. Embora os mecanismos envolvidos na cronicidade da asma ainda não estejam esclarecidos, as mudanças estruturais decorrentes, incluindo metaplasia epitelial, deposição de proteínas de matriz e aumento da musculatura lisa peribrônquica e da microvascularização, determinam a cronicidade. Há mais de um mecanismo inflamatório das vias aéreas envolvido na patogenia da asma. Esses diferentes processos, alérgicos ou não, podem coexistir e interagir, abrangendo diferentes células e seus mediadores. Entre estes, temos as citocinas (proteínas usualmente menores que 80KDa) secretadas por linfócitos, eosinófilos, mastócitos, macrófagos, célula epitelial brônquica e célula muscular lisa, capazes de ativar outras células. Sua função é diversificada, mediando respostas imunes e inflamatórias e atuando sobre processos de JBM MAIO/JUNHO VOL. 100 No 2 Asma A arte do encontro síntese de RNAm. Além de imunomoduladores, atuam em células-alvo ativando a proliferação celular, a quimiotaxia, a liberação de outras citocinas ou mediadores inflamatórios, o crescimento e a diferenciação celulares e a apoptose. O padrão de citocinas liberadas costuma ser próprio de cada enfermidade. Dessa forma, ele é diferente na asma e na doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC), por exemplo (15). Entretanto, mais uma vez ressaltando a complexidade patogênica da asma, há diferentes padrões de citocinas entre os diferentes fenótipos e endotipos da asma (16, 17, 18). As citocinas incluem as interleucinas (IL), fator de necrose tumoral (TNF) e interferons (IFN). As IL estão envolvidas na comunicação entre células, atuando em diferentes células-alvo com efeitos específicos sobre cada uma. São identificadas por números: IL-1, IL-2, por exemplo. Suas ações incluem o reconhecimento de antígenos estranhos por células T; a amplificação da proliferação de células T ativadas; a atração de macrófagos e a identificação de mecanismos efetivos para fagocitose de microrganismos. O processo de ativação e recrutamento celular para as vias aéreas asmáticas também envolve outro grupo de proteínas, as quimiocinas (proteínas com 8-10KDa), que regulam o trânsito das células inflamatórias em direção ao pulmão (19). Na maior parte das vezes, a alergia está associada à asma. Sintomas asmáticos são desencadeados por alérgenos inaláveis em 75%-80% dos asmáticos (20). O mecanismo inflamatório da asma alérgica costuma ser uma reação de hipersensibilidade do tipo 1, caracterizada por inflamação, obstrução recorrente do fluxo aéreo, hipersecreção de muco e hiper-responsividade brônquica (HRB). Nesse mecanismo, as principais células envolvidas são os linfócitos T CD4+, mastócitos, macrófagos, linfócitos B e eosinófilos (21). Sob a ação das IL-25, 33 e da linfopoetina estromal tímica (TSLP), os linfócitos T CD4+ diferenciam-se em linfócitos Th2. A partir daí, citocinas moduladas pelo linfócito Th2 (IL-4, IL-5, IL-9 e IL-13) amplificam a resposta inflamatória, ativando e recrutando células inflamatórias para o território pulmonar (22). Os mastócitos são as principais células determinantes da reação imediata observada na asma. Após uma exposição inicial, alérgenos e antígenos patogênicos promovem a degranulação dos mastóJBM MAIO/JUNHO VOL. 100 No 2 citos em poucos minutos, através de um mecanismo IgE-dependente, levando à liberação de moléculas pró-inflamatórias pré-formadas: histamina, proteases, heparina e TNF, dentre outras. Desencadeiam, também, um processo de geração e liberação de novos mediadores inflamatórios (leucotrienos, fator ativador de plaquetas e prostaglandinas, principalmente), responsáveis por nova reação em poucas horas (reação tardia). Os mediadores e citocinas liberados por esse conjunto celular ativam basófilos, eosinófilos, linfócitos T, macrófagos, neutrófilos e outras células imunes no tecido do trato respiratório, amplificando o processo e causando as alterações características dos asmáticos: edema inflamatório, contração da musculatura lisa peribrônquica e hipersecreção de muco. Historicamente, acreditava-se que o processo inflamatório da asma era coordenado apenas pelo linfócito Th2, como descrito acima. Entretanto, estudos recentes demonstram que os linfócitos Th1, Th9 e Th17 (23, 24, 25) também podem coordenar o processo inflamatório das vias aéreas na asma. Nesses casos, surge uma forma clínica mais grave e não responsiva aos corticosteroides, na qual o neutrófilo predomina entre as células efetoras. O perfil neutrofílico também está associado às exacerbações causadas por infecções virais ou bacterianas, assim como às formas fatais da asma (26). O eosinófilo é uma célula intimamente ligada às disfunções observadas na asma, definindo um fenótipo (27). Após exposto a sinais inflamatórios, invade o trato respiratório e, secretando uma grande variedade de proteínas catiônicas, mediadores lipídicos, citocinas e quimiocinas, age como mediador importante das funções efetoras e respostas imunes modulando células T, células dendríticas e mastócitos (28). O epitélio brônquico (EB) constitui interface entre o ambiente atmosférico e nosso organismo. Na asma, sua função como barreira protetora está prejudicada, permitindo o ingresso de alérgenos e poluentes. Entretanto, o EB é mais do que uma barreira física, pois desempenha também importantes funções imunogênicas e imunorregulatórias, produzindo e liberando IL-25, IL-33 e TSLP, em resposta a estímulos ambientais, microbianos ou por lesão celular. Essas citocinas Pontos-chave: > Na maior parte das vezes, a alergia está associada à asma. Sintomas asmáticos são desencadeados por alérgenos inaláveis em 75%-80% dos asmáticos; > As principais células envolvidas no mecanismo inflamatório da asma alérgica são os linfócitos T CD4+, mastócitos, macrófagos, linfócitos B e eosinófilos; > Estudos recentes demonstram que os linfócitos Th1, Th9 e Th17 também podem coordenar o processo inflamatório das vias aéreas na asma. 47 Asma A arte do encontro O diagnóstico de asma deve sempre ser considerado em pacientes com tosse recorrente, sibilos, dispneia e sensação de opressão torácica. Quando esses sintomas são variáveis, ocorrem depois da exposição a alérgenos ou irritantes inaláveis, pioram à noite e melhoram com medicamentos usados no tratamento da asma, o diagnóstico é muito provável. Pontos-chave: > Mudanças estruturais nas paredes da via aérea são uma das características responsáveis pela cronicidade da asma; > As CMLs e os FBs subepiteliais têm papel ativo na fisiopatologia da asma, interagindo entre eles e com células inflamatórias e mesenquimais; > O linfócito T natural killer (TNK) também vem sendo visto como mediador potencial da inflamação asmática. Ele representa uma ponte entre a imunidade natural e a adquirida. 48 induzem e promovem resposta inflamatória do tipo Th2, além de causarem remodelamento (alteração definitiva da arquitetura brônquica) e alterações patológicas da parede da via aérea. Dessa forma, o epitélio da via aérea não pode ser visto apenas como uma barreira estrutural, e sim como um agente ativo na patogênese da asma e de outras doenças alérgicas (29). A observação de mudanças estruturais marcantes na parede da via aérea (remodelamento) é uma das características responsáveis pela cronicidade da asma. Essas alterações incluem a deposição de proteínas de matriz extracelular e o aumento do número de células musculares lisas (CMLs) e fibroblastos (FBs) subepiteliais. Ambas as células produzem diversas citocinas, fatores de crescimento e mediadores fibrogênicos; promovem a proliferação, migração e liberação de proteínas de matriz extracelular; modulam metaloproteinases de matriz e seus inibidores teciduais. Além dessas ações ligadas ao remodelamento das vias aéreas, aparentemente as CMLs e os FBs subepiteliais têm papel ativo na fisiopatologia da asma, interagindo entre eles e com células inflamatórias e mesenquimais (30). Na verdade, nesse complexo conjunto de mecanismos inflamatórios independentes, mas interativos, todas as células constitucionais e funcionais do trato respiratório têm ação ativa (31). Aparentemente, toda a orquestração celular envolvida na asma tem o linfócito T como regente, o que torna flagrante a diversidade de mecanismos inflamatórios da asma. Como mencionado anteriormente, acreditava-se que apenas o desequilíbrio entre as respostas Th2 e Th1, com predominância da primeira, estava envolvido na patogenia da asma. Posteriormente, os linfócitos Th1, Th9 e Th17 foram identificados como reguladores importantes das reações inflamatórias observadas na asma. Mais ainda, recentemente foi demonstrado que o desequilíbrio entre os linfócitos Th17 e linfócito T regulatório (Treg) também desempenha um papel importante na patogenia da asma (32). O Treg é um importante agente mediador da tolerância alérgeno-específica através da secreção da IL-10, uma citocina supressiva (33). O linfócito T natural killer (TNK) também vem sendo visto como mediador potencial da inflamação asmática. Ele representa uma ponte entre a imunidade natural e a adquirida. A partir de sua função imunorregulatória, tem importante papel protetor em algumas doenças (infecções, câncer, por exemplo) e papel patogênico em outras, como a asma, a DPOC e a pneumonite de hipersensibilidade (34). Particularmente na asma, vem sendo ligado ao fenótipo de asma predominantemente neutrofílico (35). Estudos recentes demonstram que a resposta Th1 também tem papel importante na gênese do outro mecanismo inflamatório presente na via aérea de parte dos asmáticos (23, 36). Os mediadores produzidos em resposta a essas células, particularmente o IL-17 e o fator de necrose tumoral alfa (TNF-a), têm sido implicados na modalidade neutrofílica da asma grave e nas exacerbações (37). Diagnosticando a asma Na maior parte das vezes, fazer o diagnóstico de asma pode ser muito fácil; em raras situações, pode ser extremamente difícil. Por exemplo, fazer o diagnóstico diferencial com doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) em um adulto atópico, fumante, sem antecedentes pessoais, mas com antecedentes familiares de asma, que começa a apresentar quadros repetidos de dispneia e sibilos, com pouca resposta ao emprego de broncodilatadores pode ser difícil. O diagnóstico de asma envolve anamnese detalhada, exame físico e medidas objetivas da função pulmonar. Em situações particulares, pode ser necessário fazer testes de broncoprovocação (38). O diagnóstico de asma deve sempre ser considerado em pacientes com tosse recorrente, sibilos, dispneia e sensação de opressão torácica. Quando esses sintomas são variáveis, ocorrem depois da exposição a alérgenos ou irritantes inaláveis, pioram à noite e melhoram com medicamentos usados no tratamento da asma, o diagnóstico é muito provável. O diagnóstico diferencial deve ser feito primordialmente com DPOC (em especial em adultos fumantes), bronquite, sinusite crônica, refluxo gastroesofageano, infecções respiratórias recorrentes e doença cardíaca. A história familiar positiva para asma ou outras doenças atópicas, e/ou a história pessoal de doença atópica ou rinite alérgiJBM MAIO/JUNHO VOL. 100 No 2 Asma A arte do encontro ca reforçam a possibilidade do diagnóstico. Durante a anamnese, é importante identificar os agentes desencadeantes de sintomas (gatilhos). Habitualmente, eles incluem poeira doméstica (ácaros), mofo, polens, exercício, mudanças climáticas e cheiros fortes. Os testes alérgicos cutâneos também podem ser úteis, identificando possíveis gatilhos. O exame físico pode ser normal quando o doente não está sintomático no momento da consulta. Na presença de sintomas, podem ser ouvidos sibilos na ausculta pulmonar. A espirometria é a medida objetiva preferida para avaliar a obstrução reversível ao fluxo aéreo, quando feita pré e pós-inalação de um broncodilatador inalatório de ação rápida. Deve ser feita apenas por profissional especificamente capacitado e seguir protocolo padrão. O diagnóstico de asma é confirmado quando o volume expiratório forçado no primeiro segundo (VEF1) aumenta pelo menos 12% ou 200ml 15-20 minutos depois da inalação do broncodilatador. Dada a variabilidade da asma, nem sempre a espirometria estará alterada. Quando a prova de função pulmonar está normal, mas a história clínica sugere o diagnóstico de asma, medidas da função pulmonar usando broncoconstritores inalados (histamina ou metacolina) podem ajudar a confirmar o diagnóstico. Esses testes de provocação brônquica só podem ser feitos por técnicos capacitados em serviços equipados para manejar as descompensações ventilatórias, que podem ser graves. Modernamente, marcadores não invasivos da inflamação das vias aéreas vêm sendo avaliados para o diagnóstico e monitoramento da asma. A contagem de eosinófilos no escarro e a fração exalada de óxido nítrico (FeNO) são dois promissores exemplos de biomarcadores úteis no diagnóstico e acompanhamento da asma. Uma situação particular é a da asma ocupacional — forma de asma induzida por exposição a poeiras, vapores ou fumaças no ambiente de trabalho, com ou sem asma preexistente. Os fatores desencadeantes desse tipo de asma são múltiplos e envolvem diferentes mecanismos. Se confirmada a presença da asma, o diagnóstico baseia-se na história detalhada e acurada sobre o ambiente de trabalho e na documentação de associação temporal entre os sinais/sintomas e a expoJBM MAIO/JUNHO VOL. 100 No 2 sição no local de trabalho. O manejo do doente é centrado na prescrição da terapia habitual da asma em conjunto com estratégias preventivas, tais como prevenção dos desencadeantes ambientais, restrições no trabalho e equipamento de proteção individual (39). Tratando o asmático Inicialmente, é importante ter claro que o tratamento do asmático pressupõe mais do que a prescrição de medicamentos. As disfunções, sintomatologia, evolução clínica, gravidade, riscos de exacerbações, resposta terapêutica e progressão são produto de um emaranhado complexo envolvendo diferentes graus de fatores genéticos, comportamento celular alterado, citocinas, mediadores, uma ampla gama de alérgenos, irritantes ambientais, viroses, fármacos, estresse oxidativo e fatores emocionais. Dessa forma, o tratamento do asmático deve ser personalizado e compreender ações preventivas da exposição ambiental e ações educativas que o capacitem a tomar a iniciativa necessária, dependendo da situação presente. Na chamada asma atópica, a prevenção de alérgenos desencadeantes de sintomas é componente fundamental do tratamento. Entretanto, deve ser lembrado que ninguém vive numa redoma, num ambiente isento de alérgenos, de exposições fortuitas a poluentes ambientais e/ou vírus, sem mudanças climáticas bruscas. Por isso, o esclarecimento ao asmático sobre as ações necessárias na vigência de exacerbações é outro componente fundamental. Ao mesmo tempo, esse processo educativo deve compreender estímulos para assegurar a adesão ao tratamento, que geralmente é longo; por vezes, por toda a vida. Esse processo educacional, tão importante quanto o uso de medicamentos, deve ser adaptado a cada doente. Ele tem que ser visto como um caminho de mão dupla que envolve o emissor, a mensagem e o receptor. A mensagem tem que ser clara, objetiva e compreensível pelo receptor. O médico deve entender que ele não é somente o emissor desse processo. Deve ser capaz de ouvir e compreender os sinais emitidos por seu paciente. Diante de um problema como a asma, que interfere com o cotidiano, com a qualidade de vida, com a escolha profissional, devem ser esclarecidos, desde o início, os limites e a duração prevista Os medicamentos empregados no tratamento da asma podem ser administrados pelas vias inalatória, oral ou parenteral. A via preferencial é a inalatória, que possibilita atingir concentrações locais mais altas com menores doses. O início da ação é rápido e os efeitos sistêmicos, na maior parte das vezes, mínimos e irrelevantes. Pontos-chave: > O tratamento do asmático pressupõe mais do que a prescrição de medicamentos; > Deve ser personalizado e compreender ações preventivas da exposição ambiental e ações educativas que o capacitem a tomar a iniciativa necessária, dependendo da situação presente; > O médico deve entender que ele não é somente o emissor desse processo. Deve ser capaz de ouvir e compreender os sinais emitidos por seu paciente. 49 Asma A arte do encontro Pontos-chave: > A compreensão da grande variedade de mecanismos etiopatogênicos e apresentações clínicas sugere uma abordagem terapêutica personalizada; > Os pilares básicos do tratamento são as ações anti-inflamatória e broncodilatadora; > A via preferencial é a inalatória; por ela, a medicação é colocada diretamente nas vias aéreas, atingindo concentrações locais mais altas com menores doses. 50 do tratamento, as evoluções clínicas potenciais e os riscos advindos da terapia medicamentosa. Infelizmente, a realidade da maior parte dos ambientes de trabalho na área da Saúde dificulta as ações educativas; como resultado, o asmático é, quase sempre, um turista de consultórios médicos. Desinformado, suas expectativas nunca são alcançadas e ele está sempre buscando outro médico que o livre da carga imposta pela asma. Por muito tempo, buscou-se padronizar o tratamento do asmático, visando torná-lo efetivo a todos os doentes. Recentemente, com a compreensão da grande variedade de mecanismos etiopatogênicos e apresentações clínicas, ficou claro que a abordagem terapêutica deve ser personalizada, embora com pilares básicos — anti-inflamatório e broncodilatador — que têm como alvo o processo inflamatório das vias aéreas e a contratura da musculatura lisa peribrônquica. Na medida em que a compreensão dos mecanismos inflamatórios vai aumentando, novas células, citocinas e mediadores vão sendo incorporados nos processos patogênicos identificados e a importância dos fatores farmacogenéticos vem sendo ampliada, possibilitando um leque de opções terapêuticas que vem sendo estudado. Os medicamentos empregados no tratamento da asma podem ser administrados pelas vias inalatória, oral ou parenteral (injeções subcutânea, intramuscular ou intravenosa). A via preferencial é a inalatória; por ela, a medicação é colocada diretamente nas vias aéreas, atingindo concentrações locais mais altas com menores doses. O início da ação é rápido e os efeitos sistêmicos, na maior parte das vezes, são mínimos e irrelevantes. A seguir são listados os medicamentos habitualmente usados no tratamento do asmático. Glicocorticosteroides inalatórios (GCSis) — Os GCSis são os anti-inflamatórios mais efetivos para o tratamento da asma. Reduzem os sintomas, melhoram a qualidade de vida e a função pulmonar, reduzem a HRB, a frequência e gravidade das exacerbações e a mortalidade por asma (7, 40). Entretanto, eles não curam a asma e, quando interrompidos, a deterioração do controle clínico costuma ocorrer após algum tempo (41). A ação anti-inflamatória dos glicocorticosteroides (GCSs) se dá através de diferentes mecanismos moleculares, fazendo desse fármaco o mais completo, potente e fisiológico anti-inflamatório. Os efeitos indesejáveis dos GCSis não costumam ocorrer em doses terapêuticas (400mcg de budesonida diária ou equivalente). Os efeitos colaterais sistêmicos que podem surgir após longos períodos com doses altas incluem lesões cutâneas, supressão de adrenal e menor densidade mineral óssea. Beta 2 adrenérgicos (b2) — Dividem-se em b2 de ação curta (SABAs), b2 de ação prolongada (LABAs) e ultra b2. Os primeiros têm início de ação em poucos minutos e seu efeito dura quatro a seis horas. Incluem salbutamol, fenoterol e terbutalina e estão indicados para o resgate dos episódios agudos de broncoespasmo. Seu efeito se dá, principalmente, relaxando a musculatura lisa peribrônquica (42). Os LABAs (formoterol e salmeterol) têm tempo de ação maior (12 horas). Nunca devem ser usados como monoterapia na asma, devendo sempre estar combinados aos GCSis. Deve-se empregar a associação LABA-GCSi quando doses médias de GCSis isolados são insuficientes para controlar a asma (43). Finalmente, os ultra b2 (o indacaterol é o único no mercado no momento) têm tempo de ação de 24 horas, possibilitando ser usados um dose única diária. Do mesmo modo que os LABAs, só devem ser usados associados aos GCSs (44). Os efeitos indesejáveis dos b2 estão ligados à superdosagem e à absorção oral da medicação inalada (a lavagem da boca após cada inalação reduz sua frequência). São resultantes das ações extrapulmonares desse grupamento medicamentoso e costumam incluir taquicardia e alterações de ritmo e tremor de extremidades (45). Anticolinérgicos (ACs) — Na asma, os ACs têm efeito broncodilatador menos potente que os b2 e não acrescentam efeito broncodilatador aos b2 em dose plena. Em situações particulares, como quando o componente colinérgico do broncoespasmo é importante, eles podem agregar benefício. Os efeitos indesejáveis incluem boca seca e sabor amargo (46). JBM MAIO/JUNHO VOL. 100 No 2 Asma A arte do encontro Metilxantinas (aminofilina e teofilina) — As metilxantinas são consideradas medicamentos de segunda linha no tratamento da asma, já que seu efeito broncodilatador é inferior ao dos beta 2 agonistas e o risco potencial de efeitos tóxicos é elevado. A proximidade entre os níveis terapêutico (que é variável e influenciado por diferentes fatores: tabagismo, dieta, uso concomitante de outros medicamentos e comorbidades, principalmente) e tóxico é um dos principais inconvenientes de seu uso. Por muito tempo acreditou-se que sua ação se resumia ao efeito relaxante na musculatura lisa peribrônquica. Posteriormente, foi demonstrado que mecanismos adicionais poderiam ser responsáveis pelos efeitos terapêuticos desse grupo medicamentoso. Elas não são recomendadas para o tratamento das exacerbações da asma, exceto quando houver obstáculos para o uso de beta 2 agonistas e corticosteroides. Sua adição a um esquema contendo esses últimos não traz vantagens, a não ser em situações particulares (fadiga da musculatura respiratória) (47). Embora não seja recomendado usar metilxantina no tratamento regular, inegavelmente pode ser útil adicioná-la ao corticosteroide inalatório visando reduzir a dose desse último (48). Antagonistas de receptores de leucotrienos (ARLTs) — Os ARLTs têm pequeno efeito broncodilatador, reduzem sintomas (inclusive a tosse), inflamação das vias aéreas e exacerbações, e melhoram a função pulmonar. Podem ser particularmente úteis em situações específicas, como na asma induzida por aspirina ou quando a corticosteroidofobia for um impedimento ao tratamento com GCSis. São menos efetivos que os b2 quando associados aos GCSis (49). Normalmente a incidência de efeitos indesejáveis é baixa, mas já foram associados à toxicidade hepática. Não devem ser usados isoladamente no tratamento do asmático. Anti-IgE — O anticorpo monoclonal anti-IgE é uma opção terapêutica para pacientes com níveis elevados de IgE e asma grave. Melhora o controle da asma reduzindo sintomas e exacerbações; permite, também, reduzir a dose de GCSs necessária para controlar o paciente (50). JBM MAIO/JUNHO VOL. 100 No 2 Resumindo, há evidências irrefutáveis de que adicionar um LABA ao GCSi é a melhor opção terapêutica para o asmático sintomático. Os efeitos complementares dessa associação são vantajosos e há sinergismo entre os dois fármacos, de modo que os GCSs amplificam o efeito dos LABAs e esses potencializam o dos GCSs. A associação do LABA ao GCSi num esquema diário melhora o escore de sintomas e a função pulmonar, reduz a asma noturna, o emprego de medicação de resgate e o número de exacerbações, possibilitando atingir o controle da asma em mais pacientes e em menos tempo. Isso, usando menor dose de GCS do que aquela necessária se ele fosse usado de forma isolada (51). Recentemente, com a política de fundamentar as diretrizes de tratamento em evidências científicas, virtualmente, as cromonas e o cetotifeno desapareceram do arsenal terapêutico da asma. Novos fármacos, em especial antagonistas de citocinas e de mediadores, vêm sendo testados. Entretanto, excepcionalmente, estudos clínicos demonstram grande valor de um ou outro. No momento, parece que a associação GCSi/b2LD vai permanecer como a abordagem terapêutica mais efetiva. O objetivo do tratamento é atingir o controle da asma, o que inclui atingir o controle sintomático no cotidiano e reduzir o risco futuro (medido pela ausência de crises), prevenção da deterioração acelerada da função pulmonar ao longo do tempo e evitar os efeitos indesejáveis da medicação. Segundo as diretrizes nacionais e internacionais (7, 52, 53), a organização do tratamento prevê cinco etapas, de acordo com a frequência e intensidade dos sintomas e disfunções, gravidade e grau de controle da asma. Na etapa 1 (asma leve e ocasional), broncodilatador inalatório beta 2 agonista de ação rápida (b2AR), quando necessário. Nas quatro etapas seguintes, o tratamento inclui um corticosteroide inalatório (CI), com dose variando de baixa a alta, associado a beta 2 agonista de ação prolongada (b2AP), até a etapa 5, na qual essa combinação (CI + b2AP) está associada ao corticosteroide oral. Gradativamente, na medida em que o controle vai sendo atingido, a medicação vai sendo reduzida. Caso contrário, o tratamento é incrementado na etapa seguinte. Entretanto, há poucos dados orientando Pontos-chave: > Beta 2 adrenérgicos de ação prolongada (LABA) adicionados aos glicocorticosteroides inalatórios (GCSi) são a melhor opção terapêutica para o asmático sintomático; > A associação do LABA ao GCSi num esquema diário melhora o escore de sintomas e a função pulmonar, reduz a asma noturna, o emprego de medicação de resgate e o número de exacerbações; > O objetivo do tratamento é atingir o controle da asma, o que inclui atingir o controle sintomático no cotidiano e reduzir o risco futuro (medido pela ausência de crises). 51 Asma A arte do encontro Pontos-chave: > A crise de asma é o momento de maior risco de morte para o doente. Na maior parte das vezes, ela se apresenta de branda a moderada; quando grave, pode ser fatal; > A avaliação deve ser rápida, objetiva e focar os sinais de gravidade; > A presença de sinais ou informações características de crises graves deve ser sempre buscada na chegada do asmático no Serviço de Emergência. 52 a redução gradual da medicação, deixando muitas dúvidas sobre a maneira ideal de fazê-lo. As diretrizes internacionais recomendam reduzir a dose de GCSis em 25%-50% a cada três meses, até se atingir a dose mínima que mantenha o doente controlado. Não há, no entanto, qualquer estudo que assegure nível de evidência A, B ou C para essa recomendação, fazendo do julgamento clínico individual o instrumento mais usado para reduzir ou mesmo interromper a medicação. Sabe-se, apenas, que interromper o GCSi pode fazer com que a asma recidive em parte dos asmáticos totalmente controlados por meses a anos. A crise de asma é o momento de maior risco de morte para o doente. Na maior parte das vezes, ela se apresenta de branda a moderada; quando grave, pode ser fatal. O tempo é o fator de maior importância no atendimento de um asmático exacerbado. A avaliação deve ser rápida, objetiva e focar os sinais de gravidade. Perder tempo na definição e implementação da abordagem terapêutica pode significar a morte para o asmático. A presença de sinais ou informações características de crises graves deve ser sempre buscada na chegada do asmático no Serviço de Emergência. Habitualmente, a principal queixa é representada por graus variáveis de dispneia. Deve-se ressaltar que, conforme antigo aforisma, “nem tudo que sibila é asma” (alterações nas vias aéreas superiores, corpo estranho, cardiopatias, tromboembolismo e outras condições podem mimetizar uma crise de asma) e que nem sempre o sibilo está presente (obstruções graves nas quais o fluxo aéreo está muito reduzido). Se houver informações sobre intubação e ventilação mecânica em crises anteriores, de acidose respiratória sem necessidade de intubação ou de hospitalização por asma no ano anterior, o doente deve ser considerado candidato à terapia intensiva. Estes sinais podem refletir extrema gravidade ao exame clínico: • frequência cardíaca superior a 120bpm (> 140bpm na criança); • frequência respiratória maior que 30/minuto; • pulso paradoxal maior que 12mmHg (queda superior a 12mmHg na pressão arterial sistólica durante a inspiração); • incapacidade de falar ou fala monossilábica; • uso acentuado da musculatura respiratória; • sudorese; • tórax silencioso; • cianose; • alteração do sensório. Sempre que possível, deve-se tentar fazer uma medida objetiva do grau da obstrução. Na prática, a medida do pico de fluxo expiratório (PFE) é a mais usada. Valores inferiores a 33% do esperado são indicativos de crise grave. A saturação do oxigênio medida pela oximetria digital (SaO2) também é uma medida rápida e simples que traz informações importantes. Quando menor que 92% em adultos, ou abaixo de 95% em crianças, há risco de evolução para insuficiência respiratória. A abordagem terapêutica deve ser iniciada logo, e é modulada pela gravidade da crise. Os objetivos do tratamento da exacerbação incluem manter a SaO2 em níveis seguros, aliviar a obstrução ao fluxo aéreo, reduzir a inflamação das vias aéreas e reduzir o risco futuro de novas exacerbações. A oxigenoterapia deve ser iniciada sempre que a SaO2 estiver igual ou abaixo de 92%. A administração do oxigênio deve ser feita através de cânula nasal com fluxo de 2 a 3L/min. Nos casos mais graves, devem-se utilizar fluxos mais elevados: 4-5L/min. Os broncodilatadores são os medicamentos de primeira linha, devendo-se dar preferência aos beta 2 agonistas (b2) inalatórios, seja por aerossol dosificador (spray) ou por nebulizador mecânico. Nessa última opção, é melhor usar oxigênio do que ar comprimido para gerar o aerossol. A dose do b2 é objeto de divergência na literatura, mas há conformidade na prescrição do spray de salbutamol (100mcg/jato) em três doses de quatro a oito jatos a cada 20 minutos, num total de três doses, para adultos. Esse esquema deve ser repetido de hora em hora, até a melhora clínica e/ou funcional. Outra opção seria o salbutamol (ou fenoterol) em solução para nebulização (5mg/ml) na dose de 2,5 a 5mg, do mesmo modo que o spray. O uso intravenoso só se justifica em situações particulares. Os anticolinérgicos são broncodilatadores menos poJBM MAIO/JUNHO VOL. 100 No 2 Asma A arte do encontro tentes e com início de ação mais lento que os b2. Em algumas situações (predominância do componente colinérgico do broncoespasmo) podem ser úteis, adicionando valor ao esquema terapêutico. A dose do brometo de ipratrópio (BI) em spray é de 4-8 jatos a cada 20 minutos por uma hora, seguida de 4-8 jatos a cada 2-4 horas, até a melhora clínica e/ou funcional. Se usada a solução para inalação (0,25mg/ml), a dose é de 0,25 a 0,5mg nebulizado a cada 20 minutos, por uma hora, e, após, a cada 2-4 horas, até a melhora clínica e/ou funcional. Os GCSs são essenciais no tratamento da crise de asma e sua ausência pode representar fator de risco de morte na crise. A via sistêmica (oral ou parenteral) deve ser a preferida, embora haja evidências de que a via inalatória pode trazer vantagens quando usada associada. Quando usados pela via oral, a dose preconizada é de 1-2mg por quilo de peso de prednisona ou prednisolona até de 6/6 horas. A redução da dose será ditada pela resposta clínica. O uso de GCSs reduz o risco de hospitalização e melhora a função pulmonar. Em crises muito graves, com obstrução significativa (PFE < 25% do previsto), o sulfato de magnésio pode ser útil, na dose de 2g diluídos em 50ml de soro fisiológico, podendo ser repetido em 20 minutos. A aminofilina intravenosa deve ser reservada para situações particulares, já que seu efeito broncodilatador é inferior ao dos b2 e a taxa de efeitos adversos, potencialmente perigosos, é elevada. O emprego de heliox (mistura de hélio e oxigênio) é passível de discussão, embora seja considerado uma alternativa para postergar a exaustão respiratória. Intubação endotraqueal e ventilação mecânica estão indicadas se persistir o quadro de exaustão e/ou de alteração do estado mental, apesar do uso de doses plenas de broncodilatador. Se o tratamento na Emergência não reverter a sintomatologia e a função pulmonar estiver abaixo de 50% do esperado, o asmático é candidato à hospitalização. A internação em terapia intensiva está indicada se houver: • deterioração progressiva, apesar do tratamento pleno; • hipoxemia (SaO2 < 90%) e/ou hipercapnia (PaCO2 > 45mmHg), apesar da oxigenoterapia; • confusão mental, sonolência ou inconsciência; JBM MAIO/JUNHO VOL. 100 No 2 • parada respiratória ou cardiorrespiratória; • necessidade de ventilação mecânica. A crise de asma deve ser vista como um aviso e uma oportunidade para rever a abordagem terapêutica. Ela pode representar o resultado de falha na adesão ao tratamento regular, de esquema medicamentoso inadequado, de comportamento indevido do paciente que se expôs a alérgenos, ou mesmo uma fatalidade. Nas três primeiras situações, o momento pós-crise é a oportunidade ideal para rever o tratamento ou reforçar a adesão ao mesmo. Após a alta, é fundamental reorganizar o esquema terapêutico, visando evitar recidivas. Por isso, é inadmissível não prescrever glicocorticosteroide oral (CO) na dose de 40-60mg (adultos), por um prazo de 7-15 dias após a alta. Se usado apenas durante esse período, não há necessidade de redução gradual da dose. Uma situação particular é a da asma grave, refratária ao tratamento. Essa situação, que acomete uma parcela pequena dos doentes (~10%), é caracterizada pela presença de sintomas asmáticos persistentes apesar do uso adequado da medicação, incluindo múltiplas doses de CO. Esses são os asmáticos com altas taxas de hospitalização e mortalidade, geralmente portadores de comorbidades — que costumam ser responsabilizadas pela dificuldade no controle da asma. Habitualmente, seu tratamento inclui CO e anticorpo monoclonal anti-IgE. No momento, alguns fármacos não convencionais vêm sendo testados para o tratamento desses doentes. Antibióticos — Os macrolídeos (claritromicina e azitromicina) têm efeito anti-inflamatório, reduzindo a IL-8 e a neutrofilia. Há indícios de que infecções por atípicos (Chlamydia pneumoniae e Mycoplasma pneumoniae) estão associadas a respostas inflamatórias aumentadas e à asma (54). Embora ainda não esteja formalmente recomendado nas diretrizes da asma, estudos demonstram que a adição de um macrolídeo aumenta a qualidade de vida e a função pulmonar basal, além de reduzir os sintomas noturnos e a contagem de neutrófilos, particularmente no asmático grave. Entretanto, deve ser ponderado o risco de desenvolvimento de resistência bacteriana (55). Pontos-chave: > Os GCSs são essenciais no tratamento da crise de asma e sua ausência pode representar fator de risco de morte na crise; > Quando usados pela via oral, a dose preconizada é de 1-2mg por quilo de peso de prednisona ou prednisolona até de 6/6 horas. A redução da dose será ditada pela resposta clínica; > Se o tratamento na Emergência não reverter a sintomatologia e a função pulmonar estiver abaixo de 50% do esperado, o asmático é candidato à hospitalização. 53 Asma A arte do encontro Antifúngicos — A aspergilose broncopulmonar alérgica (ABPA) é uma complicação frequente na asma grave. O emprego de cetoconazol ou itraconazol em asmáticos graves sensibilizados por fungos permite a diminuição da dose de CO e leva à redução dos indicadores inflamatórios, da frequência das exacerbações e à melhora da função pulmonar (56). Imunomoduladores — 1. Metotrexato: antagonista do ácido fólico com efeitos antineoplásico, imunossupressor e anti-inflamatório, é um fármaco muito estudado no tratamento da asma grave. O mecanismo de ação ainda não está claro, mas há indicativos de que inibiria neutrófilos e potencializaria a sensibilidade dos monócitos aos GCS. Tem valor na asma grave, pois possibilita a redução das doses de CO, mas seus efeitos indesejáveis devem ser ponderados. 2. Ciclosporina: metabólito fúngico, inibe a ativação da célula T CD4+, permitindo redução discreta da dose de CO e pequena melhora da função pulmonar. Como seu uso costuma estar associado à elevação da pressão arterial e do nível sérico de creatinina, só deve ser usada por especialistas capacitados. Referências Endereço para correspondência: Hisbello S. Campos Rua do Catete, 311/ Sala 708 — Catete 22220-001 Rio de Janeiro-RJ [email protected] 54 1. UMETSU, D.T. — Revising the immunogical theories of asthma and allergy. Lancet, 365: 98-100, 2005. 2. VONMUTIUS, E. & SEARS, M.R. — Risk factors for development of asthma. Eur. Respir. Mon., 8: 57-73, 2003. 3. BLUMENTHAL, M.N. — Genetic, epigenetic, and environmental factors in asthma and allergy. Ann. Allergy Asthma Immunol., 108(2): 69-73, 2012. 4. IMBODEN, M. et al. — Genome-wide association study of lung function decline in adults with and without asthma. J. Allergy Clin. Immunol., 129(5): 1218-28, 2012. 5. HOLLOWAY, J.W.; JONGEPIER, H. et al. — The genetics of asthma. Asthma Eur. Respir. Mon., 8: 1-25, 2003. 6. KILEY, J.; SMITH, R. & NOEL, P. — Asthma phenotypes. Curr. Opin. Pulm. Med., 13(1): 19-23, 2007. 7. WORLD HEALTH ORGANIZATION — Global Initiative for Asthma (GINA). Global strategy for asthma management and prevention. 2011. Disponível em www.ginasthma. org. 8. VAN WONDEREN, K.E.; VAN DER MAK, L.B. et al. — Different definitions in childhood asthma: How dependable is the dependent variable? Eur. Respir. J., 36: 48-56, 2010. 9. HUMBERT, M. — Does “intrinsic” asthma existis? Rev. Mal. Respir., 17(1Pt2): 245-54, 2000. 10. LOTVALL, J., AKDIS, C.A. et al. — Asthma endotypes: A new approach to classification of disease entities within the asthma syndrome. J. Allergy Clin. Immunol., 127: 355-60, 2011. 11. ANDERSON, G.P. — Endotyping asthma: New insights into key pathogenic mechanisms in a complex, heterogeneous disease. Lancet, 372: 1107-19, 2008. Biológicos — A degranulação de basófilos, mastócitos e eosinófilos desempenha papel central na asma alérgica. O anticorpo monoclonal recombinante humanizado (omalizumabe) liga-se na molécula de IgE, impedindo sua ligação nos mastócitos e consequente liberação de mediadores patogênicos. Reduz, também, os receptores de IgE em basófilos circulantes, mastócitos e em células apresentadoras de antígenos. Seu emprego em asmáticos alérgicos graves reduz a dose de CO e o número de exacerbações, melhorando a qualidade de vida. Conclusão A asma envolve múltiplas formas clínicas com mecanismos inflamatórios distintos. Esses mecanismos, modulados por diferentes linfócitos T e gerando orquestrações celulares diversas, podem coexistir e interagir, promovendo uma grande diversidade de apresentações clínicas e respostas terapêuticas. Por essa razão, seu tratamento é diversificado e deve ser personalizado. Na medida em que a compreensão dos mecanismos patogênicos evoluiu, novas opções terapêuticas são imaginadas e testadas e o arsenal terapêutico vai sendo aumentado. 12. PORTELLI, M. & SAYERS, I. — Genetic basis for personalized medicine in asthma. Expert Rev. Respir. Med., 6(2): 223-36, 2012. 13. VERCELLI, D. — Gene-environment interactions in asthma and allergy: The end of the beginning? Curr. Opin. Allergy Clin. Immunol., 10(2): 145-8, 2010. 14. JACKSON, D.J. — The role of rhinovirus infections in the development of early childhood asthma. Curr. Opin. Allergy Clin. Immunol., 10(2): 133-8, 2010. 15. CHUNG, K.F. & BARNES, P.J. — Cytokines in asthma. Thorax, 54: 825-57, 1999. 16. BOSSLEY, C.J.; FLEMING, L. et al. — Pediatric severe asthma is characterized by eosinophilia and remodeling without T(H)2 cytokines. J. Allergy Clin. Immunol., 129(4): 974-82, 2012. 17. BOYCE, J.A.; BOCHNER, B. et al. — Advances in mechanisms of asthma, allergy, and immunology in 2011. J. Allergy Clin. Immunol., 129(2): 335-41, 2012. 18. POON, A.H.; EIDELMAN, D.H. et al. — Pathogenesis of severe asthma. Clin. Exp. Allergy, 42(5): 625-37, 2012. 19. AMBROSINO, N. & PAGGIARO, P. — The management of asthma and chronic obstructive pulmonary disease: Current status and future perspectives. Expert Rev. Respir. Med., 6(1): 117-27, 2012. 20. HOLGATE, S.T. — Pathogenesis of asthma. Clin. Exp. Allergy, 38(6): 872-97, 2008. 21. MADONE, A.M. & LAPRISE, C. — Immunological and genetic aspects of asthma and allergy. J. Asthma Allergy, 3: 107-21, 2010. Obs.: As 36 referências restantes que compõem este artigo se encontram na Redação à disposição dos interessados. JBM MAIO/JUNHO VOL. 100 No 2 panorama internacional Profa. Dra. Andréa F. Mendes Acalásia N. Engl. J. Med. Infecção do trato urinário não complicada N. Engl. J. Med. Paciente do sexo feminino, 30 anos de idade, previamente saudável e sem comorbidades, busca atendimento médico referindo ter iniciado há dois dias quadro progressivo de disúria, urgência e frequência urinárias. Nega febre, calafrios, dor ou sintomas ginecológicos. Refere ser esse o terceiro episódio no último ano, tendo apresentado quadro semelhante há cerca de um mês, com diagnóstico presuntivo de cistite. Na época, fez uso de sulfametoxazol e trimetoprima durante três dias, havendo resolução. Qual deve ser a conduta adotada? É essa pergunta que Hooton, T.M. busca responder, ao longo do artigo “Uncomplicated Urinary Tract Infection”, publicado em 15 de março de 2012 no periódico The New England Journal of Medicine (NEJM 2012; 366:1028-37). A infecção do trato urinário (ITU) lidera a lista dos quadros infecciosos que levam pacientes a buscar atendimento ambulatorial, sendo a cistite aguda a forma mais comum, seguida da pielonefrite aguda. Acomete aproximadamente 12% das pacientes e estima-se que cerca de metade das mulheres já tenha apresentado ao menos um episódio de ITU aos 30 anos de idade; em 25% delas a infecção recorre em um período de até seis meses. Quando tais episódios de ITU ocorrem em mulheres previamente saudáveis, não gestantes, sem história de anormalidade anatômica do trato urinário e no período pré-menopausa a ITU é classificada como não complicada. O agente etiológico mais comum é a Escherichia coli, responsável por aproximadamente 75%-95% dos casos. Há fatores considerados de risco, a exemplo de atividade sexual, uso de espermicidas, episódios prévios e relato de parente de primeiro grau com quadro de ITU. Do ponto de vista clínico, a cistite aguda caracteriza-se por disúria, que pode acompanhar-se de frequência, JBM MAIO/JUNHO VOL. 100 No 2 urgência, dor suprapúbica ou hematúria. Febre alta com calafrios, dor em flanco, náuseas e vômitos devem sugerir pielonefrite aguda. Cabe ressaltar a importância do diagnóstico diferencial com infecções ginecológicas. Assim, é fundamental indagar sobre leucorreia ou desconforto vaginal; quando ausentes, em paciente com disúria, a probabilidade de ITU é maior que 90%. Para comprovação do diagnóstico, destaca-se a pesquisa de elementos anormais na urina (EAS), com demonstração de piúria, bacteriúria e teste de nitrito positivo (sensibilidade e especificidade de 75% e 82%, respectivamente). O autor ressalta que a urinocultura está indicada para todas as mulheres com suspeita de pielonefrite, mas nem sempre é necessária na cistite. Entretanto, sua realização permite confirmar a bacteriúria e avaliar a suscetibilidade do uropatógeno infectante aos antimicrobianos. A cistite aguda não complicada é um quadro benigno que tende a apresentar resolução espontânea em aproximadamente 25% a 40% dos casos. Entretanto, quando as pacientes buscam auxílio médico, antimicrobianos são rotineiramente prescritos, com o objetivo de promover rápido alívio sintomático. Estudos internacionais recentes, avaliando a suscetibilidade da E. coli à terapia antimicrobiana, têm comprovado altas taxas de resistência em todo o mundo. Ainda assim, conforme recomendações da IDSA (Sociedade Americana de Doenças Infecciosas), permanecem como principais opções terapêuticas a associação sulfametoxazol-trimetoprima, as fluoroquinolonas e a nitrofurantoína. Para a cistite aguda, um pequeno curso de antimicrobiano (no máximo cinco dias) costuma ser suficiente, enquanto que na pielonefrite aguda geralmente 10 a 14 dias são necessários. Ao término do tratamento da ITU não complicada não há indicação para repetir a urinocultura rotineiramente, sendo o acompanhamento baseado na resolução clínica. Para a paciente do quadro descrito, com diagnóstico de cistite recorrente, o autor recomenda nitrofurantoína durante cinco dias. A acalásia é um distúrbio da motilidade esofágica, caracterizado por destruição do plexo mioentérico, com aperistalse do corpo esofágico e perda do relaxamento do esfíncter esofágico inferior (EEI). Como consequência, há dificuldade de passagem do alimento deglutido do esôfago para o estômago, resultando em dilatação esofágica progressiva — megaesôfago. A forma mais comum da acalásia é a idiopática ou primária, mas em áreas onde a doença de Chagas é endêmica a infecção pelo Trypanosoma cruzi deve ser sempre considerada. Clinicamente, os pacientes com acalásia podem apresentar-se com disfagia, regurgitação alimentar, pirose, dor torácica e emagrecimento. O diagnóstico pode ser feito através de exame radiológico simples (alargamento do mediastino) ou contrastado, como a esofagografia (esôfago dilatado com afilamento da extremidade distal — topografia do EEI); o método de escolha, entretanto, é a manometria esofágica, capaz de evidenciar a aperistalse do corpo esofágico, com graus variados de hipertonia do EEI, que é incapaz de relaxar adequadamente em resposta à deglutição. As opções terapêuticas incluem medidas farmacológicas (nitratos, bloqueadores de canal de cálcio) ou endoscópicas (injeção de toxina botulínica, dilatação, miotonia). A edição de 12 de abril de 2012 do periódico The New England Journal of Medicine traz, na seção Imagens em Clínica Médica, o artigo intitulado “Achalasia”, de Jafferbhoy, S. & Rustum, Q. (N. Engl. J. Med. 2012; 366:e23). Nele, os autores revisam os pontos-chave da doença, ao demonstrarem a imagem de um estudo baritado do esôfago onde se evidencia o aspecto típico da acalásia (afilamento em “bico de pássaro”). O exame é de paciente do sexo feminino, 43 anos de idade, com disfagia progressiva e emagrecimento (12kg em oito meses). Seu exame físico apresentava-se inalterado, exceto por palidez cutaneomucosa. A avaliação laboratorial revelava anemia normocítica e normocrômica (hemoglobina: 9,8g/dl). À endoscopia digestiva alta, não foi possível progredir o endoscópio além da junção gastroesofágica. A paciente foi submetida à miotomia de Heller. A imagem e a descrição do caso podem ser vistas acessando-se o endereço eletrônico http://www.nejm.org/doi/full/10.1056/ NEJMicm1108474. 55 Novas perspectivas no controle e remissão Terapia biológica em artrite reumatoide Novas perspectivas no controle e remissão reumatologia Terapia biológica em artrite reumatoide W. A. BiAnchi Chefe do Serviço de Reumatologia da Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro. Professor titular de Reumatologia — Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina da Universidade Gama Filho (UGF). G. B. MAretti — D. V. BiAnchi — r. F. eliAs — B. V. BiAnchi Assistentes do Serviço de Reumatologia da Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro. Professores assistentes de Reumatologia do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina da UGF. Resumo Summary O tratamento das doenças autoimunes sofreu grande avanço nos últimos anos. A artrite reumatoide, de etiologia desconhecida, porém com uma desregulação do sistema imunológico relacionada à sua eclosão e evolução, é hoje passível de tratamento, visando à remissão tanto clínica quanto das lesões estruturais. Além dos anti-inflamatórios e analgésicos utilizados para alívio dos sintomas, várias outras drogas, rotuladas de modificadoras do curso da doença (DMCDs), que visam controlar este distúrbio imunológico expresso pela atividade de diversos mediadores inflamatórios, estão contribuindo para a melhoria da qualidade de vida e do prognóstico dos pacientes. Autoimmune diseases, as rheumatoid arthritis (RA) had a strong development in their treatment last years. Over the past years, the knowledge about the pathophysiological mechanism of RA has advanced dramatically, with the development of new classes of drugs and the implementation of different strategies of treatment and follow-up. Beside this new drugs, the associated use of the anti-inflammatory drugs, corticoids, sintetic or traditionals disease-modifying antirheumatic drugs allow control or suppress the disease activity giving a better quality of life and prognosis to the patients. Unitermos: Artrite Introdução A artrite reumatoide (AR) é definida como uma doença inflamatória crônica autoimune, de etiologia desconhecida, que se caracteriza por um quadro de sinovite poliarticular e simétrica, cumulativa de pequenas e médias articulações de mãos, pés, punhos, cotovelos e coxofemorais. O envolvimento extra-articular em órgãos como coração, pulmões, rins e olhos, apesar de infrequente, ocorre num pequeno número de casos, sendo o nódulo reumatoide subcutâneo, presente em cerca de 10% dos pacientes, o mais comum (1, 2). É uma doença de distribuição universal, atingindo 1% a 1,5% da população mundial, com várias formas de acometimento, desde JBM MAIO/JUNHO VOL. 100 No 2 um curso benigno e insidioso até formas graves e rapidamente incapacitantes. No Brasil, Marques Neto et al. (1993), estudando a prevalência em diferentes regiões, encontraram taxas que variaram de 1% na Região Norte, 0,57% na Região Nordeste, 0,50% no Centro-Oeste, 0,60% no Sudeste e 0,20% no Sul (3). A predominância é maior no sexo feminino (duas a três mulheres para um homem), podendo ocorrer em qualquer faixa etária, porém com pico de incidência entre a quarta e a sexta décadas. Casos de remissão espontânea podem ocorrer, mais frequentemente em grávidas. Fatores psicológicos como depressão, ansiedade, traumas psíquicos, agressividade reprimida e outros transtornos do humor são reumatoide; terapia biológica; drogas modificadoras da doença. Keywords: Rheumatoid arthritis; biological therapy; disease-modifying drugs. 57 Terapia biológica em artrite reumatoide Novas perspectivas no controle e remissão O objetivo principal do tratamento da AR contempla a qualidade de vida dos pacientes numa perspectiva de tempo prolongada, visando manter a funcionalidade do indivíduo, sua plenitude social, laboral, intelectual e sua participação ativa na sociedade. Pontos-chave: > A predominância da artrite reumatoide (AR) é maior no sexo feminino (duas a três mulheres para um homem); > Casos de remissão espontânea podem ocorrer, mais frequentemente em grávidas; > Um tratamento mais agressivo no período inicial, especialmente nos primeiros 12 meses do início dos sintomas, pode mudar o curso da doença em longo prazo, diminuindo a morbimortalidade e melhorando a qualidade de vida dos pacientes com AR. 58 descritos como causas capazes de afetar o curso da doença, agravando-o ou mesmo desencadeando o início da doença (4, 5). Nos últimos 10 anos, devido ao grande avanço no conhecimento de sua fisiopatologia, novos alvos terapêuticos foram identificados, o que levou a uma total revolução na maneira de conduzir esses pacientes. Um tratamento mais agressivo no período inicial, especialmente nos primeiros 12 meses do início dos sintomas, pode mudar o curso da doença em longo prazo, diminuindo a morbimortalidade e melhorando a qualidade de vida dos pacientes com AR (6). Nesse contexto, o objetivo principal do tratamento passa a contemplar a qualidade de vida dos pacientes numa perspectiva de tempo prolongada, com a finalidade de manter a funcionalidade do indivíduo, sua plenitude social, laboral, intelectual e participação ativa na sociedade. Por outro lado, a ausência de um agente etiológico definido, de algum sintoma clínico patognomônico ou achado laboratorial específico que possa ser usado para diagnóstico de certeza da doença contribuiu para que um conjunto de sinais e sintomas clínicos associados aos achados laboratoriais fossem agrupados, dando origem a critérios de classificação (7). Novos critérios classificatórios para o diagnósticos da AR foram elaborados pelo American College of Rheumatology (ACR), em conjunto com a European League Against Rheumatism (EULAR), sendo divulgados em 2010, privilegiando o diagnóstico e tratamento precoces (Tabela 1). Diversos consensos vêm sendo propostos para a padronização do tratamento da AR. Nesse intuito, a Sociedade Brasileira de Reumatologia (SBR) divulgou em 2012 sua última atualização (Tabela 2), direcionada para a situação socioeconômica do nosso país, visto que as novas terapêuticas biológicas geram custos elevados para nosso sistema de saúde, tanto público quanto complementar, e também apresentam maiores riscos de infecções em áreas de maior insalubridade e densidade populacional (6, 7). É imputada à predisposição genética peculiar de determinados indivíduos a expressão de antígenos de histocompatibilidade (HLA-DR4) que confeririam, dessa forma, maior suscetibilidade à doença quando expostos a estímulos presentes no meio ambiente, da qual fazem parte agentes infecciosos, como alguns dos possíveis gatilhos desencadeadores da cascata imune inflamatória característica da AR. A presença da AR em gêmeos homozigóticos é observada em somente 10% a 30% das séries publicadas, indicando que, apesar de fatores genéticos conferirem suscetibilidade à doença, não são suficientes para desencadeá-la de forma plena. Neste caso, fatores do meio ambiente se mostram fundamentais na eclosão de todo o processo (5, 8). O primeiro evento de estimulação deste processo inflamatório parece ser a apresentação de um peptídeo ainda não identificado por um macrófago, por meio da sua molécula de superfície, através do sistema HLA. Este reconhecimento é feito por um linfócito T auxiliar, através do seu receptor específico (TCR). A partir da formação deste complexo trimolecular (molécula do HLA, peptídeo específico e TCR), com o envolvimento de outras moléculas coestimuladoras, o linfócito auxiliar torna-se ativado, mudando suas características fenotípicas. Essas moléculas passam então a produzir um perfil específico de interleucinas (interferon gama, IL-2, IL-12) com ação estimuladora na proliferação de linfócitos e macrófagos ativados, que são denominados linfócitos TH1. Por sua vez, tais macrófagos ativados passam a produzir também citocinas pró-inflamatórias (IL-1, IL-6, TNF-alfa), que participam diretamente na estimulação de fibroblastos sinoviais, condrócitos, osteoclastos e linfócitos B (5, 9). A participação de todos estes mediadores solúveis e celulares perpetua o processo inflamatório, levando à progressão da doença e consequente dano e destruição articular (5, 8, 9). A membrana sinovial (MS) é o local primariamente acometido pelo processo inflamatório, que, tornando-se hipertrofiada ao sofrer uma transformação funcional das suas células — os sinoviócitos —, atrai outras células de linhagem inflamatória, produtoras de mediadores pró-inflamatórios, como as interleucinas citadas anteriormente, responsáveis pela perpetuação do processo inflamatório, explicando os achados clínicos e a cronicidade da enfermidade. O pannus é a expressão clínica, numa articulação diartrodial, desse tecido hipertrofiado, povoado de células inflamatórias, rico em enzimas lesivas às articulações acometidas (5, 8, 9). Muito também tem sido, contraditoriamente, dito sobre o papel do fator reumatoiJBM MAIO/JUNHO VOL. 100 No 2 Terapia biológica em artrite reumatoide Novas perspectivas no controle e remissão TABELA 1: Paciente com pelo menos uma articulação com sinovite clínica definida (edema).* Sinovite que não seja melhor explicada por outra doença * Os diagnósticos diferenciais são diferentes em pacientes com diferentes apresentações, mas podem incluir condições tais como lúpus eritematoso sistêmico, artrite psoriática e gota. Se houver dúvida quanto aos diagnósticos diferenciais relevantes, um reumatologista deve ser consultado. Critério de classificação para AR (algoritmo baseado em pontuação: soma da pontuação das categorias A-D). Pontuação maior ou igual a 6 é necessária para classificação definitiva de um paciente com AR Envolvimento articularA 1 grande articulaçãoB ............................................................................................................................................................................................0 2-10 grandes articulações .....................................................................................................................................................................................1 1-3 pequenasC articulações (com ou sem envolvimento de grandes articulações) ..............................................................................................2 4-10 pequenas articulações (com ou sem envolvimento de grandes articulações) .............................................................................................3 > 10 articulaçõesD (pelo menos uma pequena articulação)..................................................................................................................................5 SorologiaE (pelo menos o resultado de um teste é necessário para classificação) FR negativo e AAPC negativo ..............................................................................................................................................................................0 FR positivo em título baixo ou AAPC positivo em título baixo ............................................................................................................................2 FR positivo em título alto ou AAPC positivo em título alto ..................................................................................................................................3 Provas de fase agudaF (pelo menos o resultado de um teste é necessário para classificação) PCR normal e VHS normal ....................................................................................................................................................................................0 PCR anormal ou VHS anormal ..............................................................................................................................................................................1 Duração dos sintomasG < 6 semanas..........................................................................................................................................................................................................0 ≥ 6 semanas ..........................................................................................................................................................................................................1 A O envolvimento articular se refere a qualquer articulação edemaciada ou dolorosa ao exame físico e pode ser confirmado por evidências de sinovite detectada por um método de imagem. As articulações interfalangeanas distais (IFDs), primeira carpometacarpiana (CMTC) e primeira metatarsofalangeana (MTF) são excluídas da avaliação. As diferentes categorias de acometimento articular são definidas de acordo com a localização e o número de articulações envolvidas (padrão ou distribuição do acometimento articular). A pontuação ou colocação na categoria mais alta possível é baseada no padrão de envolvimento articular. B São consideradas grandes articulações: ombros, cotovelos, quadris, joelhos e tornozelos. C São consideradas pequenas articulações: punhos, MTCF, IFP, interfalangeana do primeiro quirodáctilo e articulações MTFs. D Nesta categoria, pelo menos uma das articulações envolvidas deve ser uma pequena articulação; as outras articulações podem incluir qualquer combinação de grandes e pequenas articulações, bem como outras não especificamente mencionadas em outros lugares (por exemplo, temporomandibular, acromioclavicular e esternoclavicular). E Negativo refere-se a valores (unidade internacional — UI) menores ou iguais ao limite superior normal (LSN) para o método e laboratório. Título positivo baixo corresponde aos valores (UI) maiores que o LSN, mas menores ou iguais a três vezes o LSN para o método e laboratório. Título positivo alto: valores maiores que três vezes o LSN para o método e laboratório. Quando o FR só estiver disponível como positivo ou negativo, um resultado positivo deve ser marcado como “positivo em título baixo”. F Normal/anormal é determinado por padrões laboratoriais locais. (Outras causas de elevação das provas de fase aguda devem ser excluídas.) G Duração dos sintomas se refere ao relato do paciente quanto à duração dos sintomas ou sinais de sinovite (por exemplo, dor, inchaço) nas articulações que estão clinicamente envolvidas no momento da avaliação, independentemente do status do tratamento. FR = fator reumatoide; AAPCs = anticorpos antiproteína/peptídeo citrulinados; LSN = limite superior do normal; VHS = velocidade de hemossedimentação; PCR = proteína C-reativa. de (FR) na gênese da doença, implicado tanto como causa quanto como efeito na AR. Durante muito tempo achou-se que estaria envolvido na etiopatogenia da doença; entretanto, estudos posteriores mostraram que além de não estar presente em todos os pacientes, também era encontrado em outras doenças e em indivíduos saudáveis, principalmente idosos, o que contribuiu contra esta teoria. JBM MAIO/JUNHO VOL. 100 No 2 Atualmente se aceita que a desregulação do linfócito B, associado à produção do FR, esteja envolvida na fisiopatogenia da AR a partir da ativação do sistema do complemento, com consequente amplificação da resposta inflamatória local (7, 9). O diagnóstico da AR, entretanto, tem como base a história clínica, o exame físico e os achados laboratoriais e de imagem. 59 Terapia biológica em artrite reumatoide Novas perspectivas no controle e remissão TABELA 2: Fluxograma para o tratamento medicamentoso da artrite reumatoide Em todas as fases: Monoterapia (preferencialmente MTX) • Prednisona até 15mg/dia ou equivalente (usar pelo menor tempo possível) Primeira linha Falha após 3 meses Resposta parcial ao MTX Intolerância ao MTX • Corticoide intra-articular e/ou AINH e analgésicos Falha após 3 meses Combinação de DMCDs sintéticas Troca entre as DMCDs sintéticas Segunda linha Falha após 3 meses DMCD sintética (preferencialmente MTX) + DMCD biológica (anti-TNF como primeira opção ou ABAT ou TOCI) Terceira linha Falha após 3-6 meses Falha ou intolerância à DMCD biológica: Manter DMCD sintética (preferencialmente MTX) e mudar DMCD biológica para outro anti-TNF ou ABAT ou RTX ou TOCI Falha após 3-6 meses Doença ativa: Considerar os ICADs visando à remissão, ou pelo menos baixa atividade de doença ABAT: abatacepte; AINHs: anti-inflamatórios não hormonais; DMCD: droga modificadora do curso da doença; ICADs: índices compostos de atividade da doença; MTX: metotrexato; RTX: rituximabe; TOCI: tocilizumabe. Pontos-chave: > O diagnóstico da AR tem como base a história clínica, o exame físico e os achados laboratoriais e de imagem; > Dentre os sintomas articulares, dor e calor, relatados de forma simétrica, e rigidez matinal de longa duração, envolvendo preferencialmente pequenas e, depois, grandes articulações; > Ao exame físico, as formas crônicas mostram o espessamento sinovial (pannus), que contribui para facilitar o diagnóstico. 60 Dentre os sintomas articulares, dor e calor, relatados de forma simétrica, e rigidez matinal de longa duração, envolvendo preferencialmente pequenas e, depois, grandes articulações, em especial as interfalangeanas proximais (IFPs), as metacarpofalangeanas (MCFs), as metatarsofalangeanas (MTFs), punhos, cotovelos, tornozelos e joelhos. As articulações temporomandibulares (ATMs), que podem ser causa de otalgia ou odontalgia, bem como as articulações coxofemorais, que podem causar uma grande incapacidade funcional para locomoção destes pacientes (5-8, 10). O aparecimento de manifestações extra-articulares, como oftalmia, diminuição da acuidade visual, além de xerose ocular e oral, que podem sugerir uma associação com a síndrome de Sjögren, deve não só ser valorizado para identificar possíveis complicações da doença, mas também para afastar outras doenças que mimetizam a AR (8, 9). Ao exame físico, as formas crônicas mostram o espessamento sinovial (pannus), que contribui para facilitar o diagnóstico. Nódulos reumatoides subcutâneos ou outras alterações cutâneas sugestivas de vasculite, encontrados nos casos mais graves e raros, podem levar a infartos digitais e úlceras cutâneas de difícil cicatrização, que implicam em tratamento com imunossupressores. Os nódulos reumatoides, subcutâneos, localizam-se em áreas de maior pressão, como superfície extensora dos antebraços, pernas, tendões de Aquiles, e raramente têm outras localizações, como olhos, pulmões e rins (8). Em casos mais avançados encontram-se deformidades características, como desvio ulnar dos dedos e punho, atrofia dos músculos interósseos das mãos, deformidades JBM MAIO/JUNHO VOL. 100 No 2 Terapia biológica em artrite reumatoide Novas perspectivas no controle e remissão em pescoço de cisne e botoneira, ou ainda subluxações das articulações metacarpofalangeanas (MTCs) e polegares. Deformidades semelhantes podem ser encontradas nos pés, onde, algumas vezes, as queixas dolorosas e as limitações são mais importantes e precoces, exacerbadas por sobrecargas posturais ou ponderais destes pacientes. O diagnóstico laboratorial da AR está fundamentado na pesquisa e detecção do fator reumatoide (FR) por diferentes métodos. Constitui-se na sua grande maioria de anticorpos IgM contra a região Fc de imunoglobulinas da classe IgG. Está presente em aproximadamente 80% dos pacientes, em títulos acima de 20UI/dl (técnica de nefelometria FR-IgM — com sensibilidade de 75%-80% e especificidade de 80%-95%). Títulos altos se associam a manifestações extra-articulares e incapacidade funcional, significando doença mais agressiva ou de difícil controle (8, 11). O FR, entretanto, não é específico da AR, sendo encontrado em outras enfermidades, como hanseníase, sarcoidose, hepatites e outras hepatopatias, doenças do tecido conjuntivo como lúpus eritematoso sistêmico, neoplasias e em idosos hígidos (2, 5, 9, 12-19). Nos últimos anos têm sido utilizados outros marcadores sorológicos, principalmente contra o sistema filagrina-citrulina, denominados autoanticorpos contra peptídeos cíclicos citrulinados (anti-CCP) (5, 9, 16-20). Embora descritos há mais de 40 anos, esses testes vêm sofrendo modificações e aprimoramentos, tornando-se de grande utilidade para confirmação laboratorial da AR em pacientes de difícil diagnóstico (5, 9, 20). Dentro dessa metodologia, em 1964, Nienhuis e Mandema (21) identificaram pela primeira vez um destes novos anticorpos, chamado de fator antiperinuclear (APF), que tem a propriedade de descorar grânulos perinucleares nas células superficiais do epitélio da mucosa bucal humana, com sensibilidade de 86% e 87%-99% de especificidade para o diagnóstico da AR, estando presente em 40% dos pacientes com fator reumatoide negativo. Outro desses novos marcadores que possui alta especificidade, entre 91%-100%, com sensibilidade de 36%-59%, foi originalmente reconhecido por Young et al. (22) em 1979, sendo chamado de anticorpo anticeratina (AKA), uma IgG que se liga ao extrato córneo do esôfago médio de rato (17). O anti-CCP apresenta elevada incidência em pacientes com AR, possuindo sensibiliJBM MAIO/JUNHO VOL. 100 No 2 dade de 85% e especificidade próxima de 100%. Por ser realizado pelo método ELISA, seu uso vem aumentando na confirmação do diagnóstico. É de utilidade no prognóstico de maior gravidade da AR, já que pode ser detectado em fases precoces da doença, mesmo subclínica (24, 34). Em 2006, Aldifran et al. demonstraram que a combinação da pesquisa do anti-CCP com o FR pode ser bastante útil, principalmente no diagnóstico diferencial da AR, chegando sua especificidade próxima a 100% e sensibilidade a 90% naqueles pacientes com formas de início brandas, onde o FR é mais frequentemente inconclusivo (20). Ao lado desses testes específicos para AR, outros, de caráter inespecífico, tornam-se de importância no acompanhamento dos pacientes, como hemograma completo (anemia, geralmente normocítica e normocrômica, trombocitose), velocidade de sedimentação das hemácias (VSH), proteína C-reativa ultrassensível (PCR), eletroforese de proteínas, ferritina, etc., que demonstram o grau de atividade inflamatória da enfermidade naquele momento. São parâmetros fidedignos para monitoramento terapêutico dos pacientes. Métodos de avaliação por imagem também são utilizados, sendo importantes no acompanhamento das alterações estruturais, principalmente na fase inicial da AR, quando se observa apenas um aumento de partes moles (melhor visualizado ao ultrassom e ressonância magnética) e osteopenia justa-articular. Evolutivamente, ocorrem diminuição da interlinha articular, erosões ósseas marginais e, mais tardiamente, naqueles pacientes com doença agressiva, subluxações e luxações articulares (12, 13). A AR costumeiramente apresenta curso variável, estando comprovado que cerca de 15% a 20% dos pacientes podem apresentar uma forma monocíclica, autolimitada, que geralmente regride de forma espontânea, ou com as propostas terapêuticas tradicionais, mimetizando síndromes pós-virais. O maior número de pacientes apresenta uma forma recidivante, alternando períodos de acalmia com fases de maior atividade inflamatória (5, 9, 23). Neste grupo faz-se necessário melhor e maior abrangência no diagnóstico diferencial com outras doenças do tecido conjuntivo, que aqui não abordaremos (25, 28). Em um número menor de casos, em média 10%, observa-se um curso mais agressivo, sem intervalos de remissão, evoluindo Pontos-chave: > O diagnóstico laboratorial da AR está fundamentado na pesquisa e detecção do fator reumatoide (FR) por diferentes métodos; > Está presente em aproximadamente 80% dos pacientes, em títulos acima de 20UI/dl (técnica de nefelometria FR-IgM — com sensibilidade de 75%-80% e especificidade de 80%-95%); > Nos últimos anos têm sido utilizados outros marcadores sorológicos, principalmente contra o sistema filagrina-citrulina, denominados autoanticorpos contra peptídeos cíclicos citrulinados (anti-CCP). 61 Terapia biológica em artrite reumatoide Novas perspectivas no controle e remissão As drogas modificadoras do curso da doença (DMCDs) sintéticas, consideradas de primeira linha, fazem parte do arsenal terapêutico de início, logo após o diagnóstico, com metas específicas de remissão ou diminuição da atividade da doença baseada. As DMCDs biológicas, de segunda linha, são uma opção real na falha das drogas de primeira linha. Pontos-chave: > Dentre os principais fatores de risco, e de pior prognóstico, destacamos o sexo masculino, idade avançada, baixos níveis socioeconômicos e educacionais, tabagismo, manifestações extra-articulares, grau de incapacidade funcional já estabelecido e grande número de articulações envolvidas; > Dados como alterações no FR e anti-CCP em títulos altos e presença de HLA-DR4, entre outros, são úteis na predição da gravidade; > Outra variável relevante e atual é a fadiga, um sintoma extra-articular relatado pela maioria dos pacientes, porém pouco mensurado e pouco avaliado pelos médicos. 62 com rápida destruição articular, que implica numa intervenção terapêutica mais imediata e intensa, com o propósito claro de evitar e prevenir a destruição articular, incapacidade e perda funcional (14, 23). Dentre os principais fatores de risco, e de pior prognóstico, destacamos o sexo masculino, idade avançada, baixos níveis socioeconômicos e educacionais, tabagismo, manifestações extra-articulares, grau de incapacidade funcional já estabelecido e grande número de articulações envolvidas. Alterações em exames complementares, como FR e anti-CCP em títulos altos, presença de HLA-DR4, níveis elevados persistentes tanto de proteínas de fase aguda quanto da velocidade de sedimentação das hemácias, anemia, alterações radiológicas com erosões ósseas e osteopenia justa-articular em pouco tempo de doença (menos de três anos). Estes dados são particularmente úteis na predição da gravidade, agressividade e risco de incapacidade funcional futura, o que leva a um comprometimento da sobrevida destes pacientes, em que o risco de doença cardiovascular se torna presente (5, 24). Alguns instrumentos de mensuração são utilizados para o correto e real acompanhamento da evolução da doença, dentre os quais: Disease Activity Score 28 (DAS28) (25), Clinical Disease Activity Index (CDAI) (26), Score Clinical Disease Activity Index (SDAI) (27). Outros, como o Medical Outcome Study Short Form — 36 Health Survey (SF-36) (28), foram elaborados para avaliar a qualidade de vida, tendo sido validado no Brasil em 1997. O Health Assessment Questionnaire (HAQ-II) (15) avalia a capacidade funcional e as atividades de vida diária (AVDs). Tais protocolos, associados ao exame físico de rotina, à VSH ou PCR, tem-nos ajudado a melhor acompanhar os pacientes, facilitando a decisão de ajustes na medicação utilizada por eles. Outra variável relevante e atual é a fadiga, um sintoma extra-articular relatado pela maioria dos pacientes, porém pouco mensurado e pouco avaliado pelos médicos. O Functional Assessment of Chronic Ilness Therapy-Fatigue (FACIT-F) é um dos instrumentos validados para tal mensuração (5, 29-31). Tratamento O tratamento deverá ser instituído de maneira precoce e eficaz, visando evitar ou minimizar a incapacidade física e funcional. A orientação e informação ao paciente sobre a doença, suas particularidades e evolução, ao lado do apoio familiar, psicológico, terapia ocupacional e reabilitação, exercícios, todo o arsenal terapêutico hoje disponível, são fundamentais para o sucesso no controle da atividade inflamatória, manutenção da qualidade de vida, capacidade funcional e bem-estar social dos pacientes. Existem, de uma forma geral, três classes de medicamentos utilizados no tratamento da AR: drogas sintomáticas, como analgésicos, anti-inflamatórios não hormonais (AINHs) e corticosteroides. Drogas modificadoras da doença tradicionais, também chamadas de sintéticos (DMCDs), como o metotrexato (MTX), sulfassalazina (SSZ), antimaláricos, leflunamida (LEF), ciclosporina (CS), azatioprina (AZA). Outras mais modernas, ditas biológicas e também modificadoras da evolução da doença, como os anti-TNF-alfa (etanercepte, infliximabe, adalimumabe, golimumabe, certolizumabe pegol), o anticorpo monoclonal antilinfócito B, anti-CD20+ (rituximabe), o bloqueador do segundo sinal de ativação do linfócito T (abatacepte), e um antirreceptor da IL-6, o tocilizumabe (5, 12-14). O conceito atual do tratamento baseia-se no imediato início das DMCDs sintéticas, tão logo o diagnóstico tenha sido definido, e na avaliação dos seus benefícios, pela monitorização rigorosa, tanto clínica quanto laboratorial e também por imagem, da resposta terapêutica do paciente à medicação empregada. Estas medidas visam primariamente evitar o dano estrutural articular e a incapacidade dele resultante (5, 12, 13). A escolha da DMCD sintética a ser iniciada recai sobre o MTX. Sua forma de administração, isolada ou associada a outra DMCD sintética ou não, dependerá da gravidade, agressividade da doença e do discernimento clínico do médico. Os AINEs são importantes para o controle da inflamação, e geralmente levam à redução da dor. Existem várias classes terapêuticas, porém não existe na literatura médica atual alguma referência que demonstre com segurança a superioridade de uma delas sobre as outras classes. A escolha recai comumente de acordo com o perfil dos pacientes, suas comorbidades e/ou intolerâncias e hipersensibilidades, aliadas à expertise do médico. De forma geral deve-se usá-los nas menores doses e pelo menor espaço de tempo, com atenção aos efeitos JBM MAIO/JUNHO VOL. 100 No 2 Terapia biológica em artrite reumatoide Novas perspectivas no controle e remissão adversos mais frequentes de cada uma dessas drogas. Os corticosteroides são geralmente usados em doses anti-inflamatórias. Dentre os diversos compostos disponíveis privilegiamos aqueles de vida média menor que 24 horas e com via de administração oral. Atualmente o derivado mais utilizado é a prednisona ou prednisolona, geralmente em doses iniciais de até 15 ou 20mg/d, conferindo boa resposta e rápido início de ação, ajustando-se em poucas semanas a dose ideal em longo prazo. Em alguns casos selecionados, de evolução grave, com vasculite e/ou envolvimentos extra-articulares, podem-se usar doses mais altas, visando sua ação imunossupressora. Os efeitos adversos clássicos, principalmente com o uso crônico, impõem uma série de cuidados, como monitorização de dislipidemias, glicemia, hipertensão arterial, reposição de cálcio e vitamina D, para citar apenas alguns (6, 32, 33, 34). As DMCDs sintéticas, como MTX, SSZ, LEF e hidroxicloroquina (HCQ) ou difosfato de cloroquina (DCQ), são a base para o início do tratamento da AR, tanto em monoterapia como em associação, com o esquema tríplice classicamente utilizando MTX + SSZ + HCQ, ou a associação de MTX + HCQ, ainda amplamente utilizado, e, mais modernamente e atual, a associação de MTX + LEF; devem ser obrigatoriamente utilizados, antes de lançarmos mão das DMCDs biológicas. Em muito raras situações estaremos confortáveis para prescrever DMCDs biológicas sem antes ter feito uso de duas das combinações anteriores, nos casos em que o paciente não tenha demonstrado uma queda consistente da atividade inflamatória da doença, avaliada por um período mínimo (seis meses) através dos instrumentos de avaliação rotineiramente utilizados na AR (6). Drogas biológicas anti-TNF-alfa Após falha terapêutica com associação de DMCDs sintéticas, intolerância ou em casos de pior prognóstico, como erosão precoce, altos títulos de FR e/ou anti-CCP, grande número de articulações acometidas, presença de nódulos reumatoides subcutâneos ou outro envolvimento extra-articular, a terapia biológica deve ser instituída inicialmente com drogas anti-TNF-alfa. Atualmente temos cinco drogas dessa classe, e em termos de eficácia não temos ainda como JBM MAIO/JUNHO VOL. 100 No 2 afirmar a superioridade de uma sobre outra (6, 35, 36). Adalimumabe — É um anticorpo monoclonal humano contra o TNF-alfa, prescrito para aplicação SC na dose de 40mg a cada 14 dias (6, 37, 38, 39-42). Certolizumabe pegol — É um fragmento Fab de um anticorpo anti-TNF-alfa humanizado, conjugado com duas moléculas de polietilenoglicol. É prescrito para aplicação SC na dose de 400mg a cada duas semanas (zero, duas e quatro semanas), e, após, na dose de 400mg a cada quatro semanas (6, 43, 44). Etanercepte — É uma proteína de fusão, composta pelo receptor solúvel do TNF-alfa mais a região Fc da IgG. É prescrito em dose semanal de 50mg SC (6, 45). Infliximabe — É um anticorpo monoclonal anti-TNF-alfa quimérico humano-murino, prescrito na dose de 3 a 5mg/kg IV, na linha de base, com duas e seis semanas (período dito de indução) e, após, a cada oito semanas. Em caso de resposta insuficiente pode ser aumentado para 5mg/kg ou os intervalos entre as doses podem ser diminuídos (6, 42, 46, 47). Golimumabe — É um anticorpo monoclonal humano contra o TNF-alfa, administrado na dose mensal de 50mg, via SC (6, 44, 48). Todos os agentes anti-TNF-alfa disponíveis atualmente devem ser utilizados associados ao MTX ou a outra DMCD sintética, em caso de intolerância ou efeito adverso ao MTX, já que todos os estudos realizados para aprovação destes medicamentos demonstraram superioridade no controle da doença quando usados em associação (6, 37, 38, 43-49). Outro ponto ainda em discussão é o real significado e importância sobre a eficácia destes medicamentos, em virtude da produção, já demonstrada pelos pacientes, de anticorpos (HACA) contra essa classe de drogas. A associação de um anti-TNF-alfa e MTX diminuiu a formação de anticorpos contra a droga em uso. Até o momento nada de concreto pode ser afirmado sobre a perda ou diminuição de eficácia (6, 50, 51). Os efeitos adversos geralmente se referem à hipersensibilidade no local da injeção com os subcutâneos, como eczemas, prurido e vermelhidão, dor local ou reações infusio- Pontos-chave: > O conceito atual do tratamento baseia-se no imediato início das DMCDs sintéticas, tão logo o diagnóstico tenha sido definido, e na avaliação dos seus benefícios; > Estas medidas visam primariamente evitar o dano estrutural articular e a incapacidade dele resultante; > A escolha da DMCD sintética a ser iniciada recai sobre o MTX; > As DMCDs sintéticas, como MTX, SSZ, LEF e hidroxicloroquina (HCQ) ou difosfato de cloroquina (DCQ), são a base para o início do tratamento da AR, tanto em monoterapia como em associação. 63 Terapia biológica em artrite reumatoide Novas perspectivas no controle e remissão Pontos-chave: > No capítulo das infecções está hoje o grande desafio para prevenção, diagnóstico e tratamento destes achados; > De acordo com registro inglês de pacientes com AR em uso de biológicos, as chances de infecção estão aumentadas principalmente nos primeiros meses e no primeiro ano de uso; > Além da tuberculose, que é a principal causa nos casos descritos, outras infecções causadas por germes intracelulares, como listéria, histoplasma, legionelas e outras micobactérias atípicas, devem ser sempre investigadas. 64 nais ao IFX, como febre, calafrios, dor torácica, alteração da pressão arterial, dispneia, prurido e/ou urticária. Manifestações mais graves de hipersensibilidade têm sido descritas, como choque e crises hipertensivas, mas de forma geral todos são bem tolerados se os pacientes forem triados para o histórico de alergias, HAS grave classes III e IV, segundo a classificação da New York Heart Association, doenças desmielinizantes, doenças pulmonares intersticiais ou infecções (6, 42, 52, 53). No capítulo das infecções está hoje o grande desafio para prevenção, diagnóstico e tratamento destes achados. Em todos os casos suspeitos está indicada a suspensão da droga, sendo sua reintrodução discutida caso a caso e, se possível, troca por outra classe de DMCD biológica. De acordo com registro inglês de pacientes com AR em uso de biológicos, as chances de infecção estão aumentadas principalmente nos primeiros meses e no primeiro ano de uso. Além da tuberculose, que é a principal causa nos casos descritos, outras infecções causadas por germes intracelulares, como listéria, histoplasma, legionelas e outras micobactérias atípicas, devem ser sempre investigadas. Herpes zoster e hepatites também têm sido descritos, bem como casos de HIV anteriormente não detectados (6, 53). São contraindicados para mulheres grávidas ou em período de amamentação. No que tange à tuberculose, nossa maior preocupação, seguimos o III Consenso da SBTP, com a realização de PPD e Rx de tórax nos casos suspeitos ou com história epidemiológica de risco, com o intuito de evitar e prevenir a doença nestes pacientes. Com PPD igual ou maior que 5mm já é indicada a profilaxia com isoniazida por seis meses, aguardando-se no mínimo o primeiro mês para iniciar a droga — se possível, nesses casos optar por outra DMCD biológica que não anti-TNF-alfa, a seguir discutido. É regra solicitar PPD e Rx de tórax antes do início de qualquer DMCD biológica, principalmente se bloqueador de TNF-alfa. Também é recomendado a atualização do calendário vacinal com vacina pneumocócica 23, DPTa, influenza. Outras DMCDs biológicas para AR já são de uso corrente, como o abatacepte (ABAT), uma proteína de fusão CTLA-4-IgG que na realidade atua inibindo e modulando a coestimulação dos linfócitos T (bloqueador do segundo sinal). Pode ser usado em associação ou não ao MTX e mesmo como primeira linha, isto é, antes de um dos anti-TNF-alfa. Mais frequentemente é utilizado em pacientes que tenham apresentado falha, intolerância ou outra indicação em relação aos anti-TNF-alfa. Para uso endovenoso rápido (30 a 60 minutos), em doses de 500mg em pacientes com até 60kg, 750mg naqueles com 60 a 100kg e em doses de 1.000mg em pacientes acima de 100kg. Reações infusionais são pouco frequentes, porém deve-se evitar utilizá-lo em pacientes com doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC). Infecções têm sido descritas como seu maior efeito adverso (6, 54, 55). O tocilizumabe (TOCI), um bloqueador do receptor da IL-6, é um anticorpo monoclonal humanizado IgG1 que, ao fixar-se no receptor da IL-6, inibe o seu efeito. Pode ser usado em monoterapia ou associado ao MTX, bem como em primeira linha. Mostra-se como o ABAT mais seguro em pacientes com maiores riscos de tuberculose, mas equipara-se em relação aos casos de outras infecções graves. É prescrito na dose de 8mg/kg após diluição apropriada e infusão endovenosa mensal. Outros efeitos adversos descritos dose-dependentes são baixa das plaquetas, neutropenia e elevação das transaminases. Foram observadas também alterações nos valores de colesterol total e das LDLs (6, 56, 57). O rituximabe (RTX) atua como um depletor de linfócitos B. É um anticorpo monoclonal quimérico voltado contra o linfócito CD20+, sendo inicialmente utilizado como tratamento para linfomas não Hodgkin e mais recentemente (2006), após confirmação dos efeitos em AR, liberado como droga de segunda linha após falha do anti-TNF-alfa, em associação ao MTX ou não. A dose inicialmente preconizada foi de dois pulsos endovenosos de 1g, administrados com intervalo de duas semanas. Pode ser repetida após a reativação da doença, geralmente depois de seis meses, podendo chegar a 18 meses. Não se recomenda a repetição da medicação em intervalos menores que três meses. Apesar dos novos agentes (DMCDs biológicas) atualmente disponíveis, o RTX continua sendo uma boa opção naqueles pacientes com passado de tuberculose ou com riscos maiores com o uso de anti-TNF-alfa como primeira escolha. Entretanto, os pacientes com hepatite B ou HbsAg (+) devem evitar o seu uso, já que foram descritos casos de pacientes com linfoma que evoluíram para formas fulminantes de hepatite pelo vírus B. Infecções de uma forma geral também têm sido descriJBM MAIO/JUNHO VOL. 100 No 2 Terapia biológica em artrite reumatoide Novas perspectivas no controle e remissão tas, bem como neutropenia e trombocitopenia. Dentre todas as DMCDs biológicas, na aplicação do RTX é necessário uma pré-medicação — 100mg de metilprednisolona EV, 1g de paracetamol e anti-histamínicos. Os eventos adversos (como cefaleia, palpitações e rash cutâneo) são mais frequentes na primeira infusão, e não contraindicam o seu uso, ocorrendo em 35% dos pacientes. O tempo de infusão é prolongado, sendo mais seguro o uso de bomba infusora. É de interesse que pacientes com FR ou CCP (+) apresentem melhor resposta terapêutica (6, 58-60). Em resumo, devemos reafirmar que as DMCDs sintéticas, consideradas de primeira linha, fazem parte do arsenal terapêutico de início, logo após o diagnóstico, com metas específicas de remissão ou diminuição da atividade da doença baseadas nos instrumentos atuais para tal, como DAS28, SDAI ou CDAI. As DMCDs biológicas, de segunda linha, são uma opção real na falha das drogas de primeira linha (Tabela 2) (6). Não há, até o momento, dados que nos permitam determinar com segurança um tempo de uso destes medicamentos, sua retirada ou suspensão, nos casos de remissão mantida. Atualmente deve-se manter indefinidamente o paciente em uso da medicação que se mostrou eficaz para o controle da doença. A critério médico, e em concordância com o paciente, em casos que apresentem remissão completa e mantida por mais de seis a 12 meses estaremos autorizados a re- tirar a medicação gradual, lenta e cuidadosamente. Foi proposta pelo novo consenso (2012) da SBR a retirada inicialmente dos AINHs e/ou corticoides, seguidos das DMCDs biológicas, mantendo-se as DMCDs sintéticas. A retirada de todas as drogas em consequência de remissão sustentada da doença é muito rara, mas mesmo as DMCDs sintéticas podem, excepcionalmente, ser suspensas (6). Atualmente, o monitoramento desses pacientes se faz de forma mais rigorosa, com revisões mensais, principalmente no primeiro ano dos sintomas com doença ativa, visando prevenir as lesões estruturais articulares nos pacientes com doença mais agressiva, permitindo uma progressão rápida da estratégia de tratamento mais apropriada. Esses pacientes se beneficiarão com o encaminhamento precoce ao especialista, para evitar sequelas e complicações corriqueiras da AR, factíveis de serem evitadas atualmente (Tabela 2) (6). Desta forma, vemos que as estratégias para tratamento da AR têm evoluído rapidamente nos últimos anos, estendendo-se todo esse arsenal e conhecimento para muitas outras doenças de etiologia autoimune, da Reumatologia ou não. Cada vez mais vemos que, além de todos os avanços disponíveis com a incorporação de novas tecnologias e drogas, é necessário que os médicos se preparem para novas fronteiras de bem-estar, controle e cura de doenças, impensáveis até há pouco tempo. Referências 8. FIRESTEIN, G.S. — Etiology and pathogenesis of rheumatoid arthritis. In: Kelley’s textbook of Rheumatology. 7. ed., Philadelphia, Elsevier Saunders, 2005. p. 1079-100. 9. LESER, P. & ANDRADE, L.E.C. — Imunologia das doenças autoimunes. In: Andriolo, A. (ed.) — Guias de Medicina Ambulatorial e Hospitalar: Medicina Laboratorial. 1. ed., S. Paulo, Manole, 2005. p. 180-1. 10. HUYSER, B.A.; PARKER, J.C. et al. — Predictors of subjective fatigue among individuals with rheumatoid arthritis. Arthritis Rheum., 41(12): 2230-7, 1998. 11. SATO, E.I.; SHICHIKAWA, K. et al. — Estudo da prevalência da artrite reumatoide em população de origem japonesa em Mogi das Cruzes, São Paulo. Rev. Bras. Reumatol., 30(5): 133-6, 1990. 12. GENOVESE, M.C. & HARRIS JR., E.D. — Treatment of rheumatoid arthritis. In: Kelley’s textbook of Rheumatology. 7. ed., Philadelphia, Elsevier Saunders, 2005. p. 1079-100. 13. LAURINDO, I.M.M.; PINHEIRO, G.R.C. et al. — Consenso Brasileiro para o Diagnóstico e Tratamento da Artrite Reumatoide. Rev. Bras. Reumatol., 42(6): 355-61, 2002. 1. POLISSON, R.P.; ANDERSON, P. et al. — MKSP. Programa de auto-avaliação médica, ACR. Epuc, 1999. p. 109-23. 2. MILENA, F.D.; MOREIRA, P.O. & BARBOSA, R.C. — Artrite reumatoide e o treinamento de força. Artigo de revisão [latu sensu em Musculação e Treinamento de Força]. Rio de Janeiro, Universidade Gama Filho, 2003. 3. MARQUES NETO, J.F.; GONÇALVES, E.T. et al. — Estudo multicêntrico da prevalência da artrite reumatoide do adulto em amostras da população brasileira. Rev. Bras. Reumatol., 33(5): 169-73, 1993. 4. PERIN, C.; RAMOS, G.Z. et al. — Artrite reumatoide e depressão. Rev. Bras. Reumatol., 42(6): 375-80, 2002. 5. LEVY, R.A.; KLUMB, E.M. et al. — Atlas ilustrado de Reumatologia — artrite reumatoide. Wyeth, 2004. p. 1-19. 6. MOTA, L.M.H.; CRUZ, B.A. et al. — Consenso 2012 da Sociedade Brasileira de Reumatologia para o Tratamento da Artrite Reumatoide. Rev. Bras. Reumatol., 52(2): 135-74, 2012. 7. ALETAHA, D.; NEOGI, T. et al. — 2010, rheumatoid arthritis classifications criteria: An American College of Rheumatology/European League Against Rheumatism collaborative initiative. Ann. Rheum. Dis., 69(9): 1580-8, 2010. JBM MAIO/JUNHO VOL. 100 No 2 Endereço para correspondência: W. A. Bianchi Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro — Serviço de Reumatologia/ Amb. 39 Rua Santa Luzia 206 Centro 20020-022 Rio de Janeiro-RJ Obs.: As 47 referências restantes que compõem este artigo se encontram na Redação à disposição dos interessados. 65 noticiário cobrem que têm câncer de crescimento lento podem optar, de forma segura, pelo não tratamento agressivo e evitar efeitos adversos que podem mudar suas vidas.” Congresso de Cirurgia Dermatológica Torrent lança Ecator Anlo A Torrent do Brasil lan lançou um medicame mento para o tratame mento da hipertensão aarterial: ar t é o Ecator Anlo, uma associação sinérgica e potente, à base de ramipril e anlodipino, excelente para pacientes com hipertensão de difícil controle. O medicamento possui teste de bioequivalência e é o primeiro similar do mercado nacional a combinar esta associação de medicamentos, com a vantagem de ter um preço 35% inferior ao do seu único concorrente. Ecator Anlo possui duas apresentações: 5mg de ramipril com 5mg de besilato de anlodipino e 2,5mg de ramipril com 5mg de besilato de anlodipino. As duas vêm com 30 cápsulas. Torrent do Brasil tem novo gerente de grupo Rogério Bacini, 36 anos, é o novo gerente de grupo da linha SNC — Sistema Nervoso Central — da Torrent do Brasil. O principal objetivo de Rogério, que é formado em processamento de dados e com MBA em Marketing, é manter o crescimento da linha Sistema Nervoso Central, que representa 59% do faturamento da empresa no Brasil. Rogério está na Torrent há dois anos, mas atua na indústria farmacêutica há 11 anos. Antes de entrar na Torrent trabalhava na Libbs Farmacêutica, como gerente de produto. 66 Abbott, biomarcadores e câncer de próstata A Abbott adquiriu licença exclusiva da Universidade de Stanford para o uso de vários biomarcadores inéditos no desenvolvimento de um teste diagnóstico molecular que poderá atender uma necessidade médica não suprida: diferenciar o câncer de próstata agressivo do não agressivo. Dados recentes indicam que determinados biomarcadores podem identificar quais pacientes apresentam rápido crescimento de malignidades e devem ser tratados de forma mais agressiva versus quem pode ser apenas acompanhado e observado atentamente. As normas de tratamento do câncer de próstata emitidas pela Rede Nacional sobre o Câncer (EUA) foram atualizadas recentemente, visando incluir recomendações específicas para pacientes destas duas categorias (câncer de próstata agressivo e não agressivo). “Desenvolver um ensaio para o prognóstico do câncer de próstata validado clinicamente é o Santo Graal no avanço do controle da doença”, afirmou o professor associado e chefe interino do Departamento de Urologia do Centro Médico da Universidade de Stanford, o médico James Brooks. “Este avanço claramente atenderia uma necessidade médica ainda não suprida, de ajudar os homens com câncer de próstata a conhecer quais opções de tratamento trariam os melhores resultados para uma melhor qualidade de vida e mais sobrevida. Quando alguns homens des- As ampliações do uso da toxina botulínica estão entre os temas que serão abordados no XXIV Congresso Brasileiro de Cirurgia Dermatológica. O evento é promovido pela Sociedade Brasileira de Cirurgia Dermatológica (SBCD), e acontecerá entre os dias 20 e 23 de junho, no Centro de Convenções Ulysses Guimarães, em Brasília. Entre os outros temas do congresso estão a imobilização de feridas cirúrgicas e a abertura palpebral em casos de exoftalmia (olhos projetados). VIII Congresso de Clínica Médica do Estado do RJ O VIII Congresso de Clínica Médica, o V Congresso Internacional de Clínica Médica e a Annual Meeting do Capítulo Brasileiro do American College of Physicians acontecerão entre os dias 3 e 5 de outubro, no Centro de Convenções SulAmérica. Temas abordados: Acidente Vascular Encefálico, Doença de Parkinson, Neuropatia Periférica, Hipertensão Arterial, Insuficiência Cardíaca, Arritmia Cardíaca, Trombose Venosa Profunda e TEP, Apneia do Sono, Aterosclerose, Diabetes Mellitus, Dislipidemia, Distúrbios Funcionais do Trato Digestivo, Probióticos e Prebióticos, Doença de Crohn e Retocolite Ulcerativa, Pancreatites e Insuficiência Exócrina do Pâncreas, DRGE, Hepatites Virais e outras, Cirrose e suas complicações, Infecções Sistêmicas e Sepse, Semiologia Médica, AIDS e Artrite Reumatoide. O evento é promovido pela Sociedade Brasileira de Clínica Médica/Regional-RJ. Data limite para recebimento dos resumos: 20 de julho. Informações: www.clinicamedicarj.com.br. JBM MAIO/JUNHO VOL. 100 No 2