A Ilegalidade da - Instituto Abolicionista Animal

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A Ilegalidade da - Instituto Abolicionista Animal
A ILEGALIDADE DA “EUTANÁSIA ANIMAL” EM FACE DOS
PRINCÍPIOS QUE REGEM O DIREITO ADMINISTRATIVO.
Lívia Maria de Moura e Silva1
Resumo: O presente artigo visa discutir a ilegalidade da “eutanásia animal” para fins de controle populacional e
de zoonoses, com fulcro em dados técnicos e nos princípios que regem os atos administrativos, em especial os
princípios da finalidade, razoabilidade e da proporcionalidade; sem adentrar nas polêmicas que cercam as
discussões sobre os direitos dos animais , demonstrando que mesmo à luz do direito formal, o extermínio de
animais saudáveis para qualquer fim – neste caso específico, para controle populacional e de zoonoses – além de
moralmente reprovável, é ilegal no que tange o direito formal e material.
1. Programas de Controle Populacional e Zoonoses
Os programas de controle populacional de cães e gatos, visando à erradicação das zoonoses,
têm como sustentáculo legal as normas constitucionais e infraconstitucionais que enumeram
como dever do Estado garantir a saúde da população. Dentre estas, está a Lei Orgânica da
Saúde (Lei 8.080/90) que em seu artigo 2º, § 1º determina que “o dever do Estado de garantir
a saúde consiste na formulação e execução de políticas econômicas e sociais que visem à
redução de riscos de doenças e de outros agravos e no estabelecimento de condições que
assegurem acesso universal e igualitário às ações e aos serviços para a sua promoção,
proteção e recuperação”. Esse mesmo dispositivo é utilizado como argumento para o
recolhimento e conseqüente sacrifício de cães e gatos errantes, em sua maioria saudáveis
somente pelo fato de serem potenciais vetores de zoonoses. Esta prática ainda é muito comum
no Brasil, possivelmente como reflexo do 6º Informe técnico da OMS de 1973 (informe tal
que não é mais utilizado na maioria dos países por ter sido revogado por um outro mais
recente, sobre o qual trataremos em momento mais oportuno), que continha orientações claras
neste sentido e ainda conta com o respaldo de algumas instituições que se encontram
desatualizadas em certos aspectos, como o Instituto Pasteur (especialista em raiva). No 6º
manual técnico do citado instituto, constata-se, por exemplo, que “a eutanásia é aplicada em
animais aparentemente sadios ou a outros considerados indesejados, como é freqüente nos
serviços dirigidos ao controle de população de animais.”2 Também em documentos editados
pelo Ministério da Saúde, neste caso, o guia de vigilância epidemiológica, verificam-se
instruções neste mesmo sentido, orientando que em áreas endêmicas para raiva sejam
recolhidos “anualmente 20% da população canina estimada aos canis públicos, onde devem
permanecer por prazo não superior a 72 horas para serem resgatados por seus donos. Passado
esse prazo, serão doados às instituições de ensino biomédico ou sacrificados.”3
A questão central deste artigo é o questionamento dos programas que adotam a “eutanásia” entendendo-se como eutanásia o sacrifício de animais, doentes ou não - como estratégia de
1 Lívia Maria de Moura e Silva é estudante de Direito da Universidade do Estado da Bahia (UNEB).
2 REICHMANN, Maria de Lourdes Aguiar Bonadia et al. Manual técnico do Instituto Pasteur n. 6 –
Controle de populações de animais de estimação. Instituto Pasteur – São Paulo, SP. 2000 p.25
3 BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Guia de vigilância epidemiológica /
Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde. – 6ª.ed. – Brasília :Ministério da Saúde, 2005. p.627631
ação para a erradicação de zoonoses e controle populacional. Vale lembrar que existem outros
programas baseados na educação das comunidades, na vacinação e esterilização dos animais,
que, além de mais éticos, revelam resultados mais efetivos e satisfatórios que os programas
baseados na eutanásia..
Servindo de base para os programas mais atualizados e em contrapartida aos métodos
“preventivos” de epidemias supracitados, estão informes técnicos da Organização Mundial de
Saúde (OMS), leis sancionadas, Termos de Ajustamento de Conduta (TAC), dentre outros
instrumentos que demonstram claramente a viabilidade e efetividade da ação de maneira
diversa ao atual modus operandi. O 8º Informe técnico da OMS, que data de 1992, admite a
ineficácia da eutanásia, uma vez que demonstra não haver uma redução significativa na
disseminação das doenças das quais cães e gatos são vetores, e ainda comprova que a
dinâmica populacional destes animais, que está ligada a outros fatores, tais como a capacidade
do suporte do meio ambiente (água, comida e abrigo), torna inócuo o simples recolhimento
aleatório dos animais para sua conseqüente execução, pois, com as condições ambientais
descritas anteriormente, a reposição é bem célere. Pesquisa realizada pela World Health
Organization (WHO), entre 1981 e 1988, como parte do projeto da AGFUND/WHO para o
controle da raiva humana e canina em países em desenvolvimento revelou que:
[...] os programas de remoção de cães são ineficazes e onerosos. [...] Não
há nenhuma evidência que a remoção de cães tenha trazido impacto
significativo para densidades de população dos cães ou para a propagação
da raiva. O retorno da população de cães pode ser tão rápido que mesmo
com as taxas mais elevadas de remoção registradas (aproximadamente 15%
da população de cães), elas são facilmente compensadas por incremento nas
taxas de sobrevivência. Além disso, a remoção de cães pode ser inaceitável
para as comunidades. [...] Três métodos práticos de controle da população
de cães são reconhecidos: limitação do movimento, controle do habitat e
controle da reprodução.4
Não obstante a ineficácia dos programas eutanásicos, alguns dados indicam que o
“tratamento” com tais métodos aumenta a suscetibilidade dos animais às zoonoses. É o que
podemos verificar nos dados a seguir, de pesquisa realizada na cidade de Araçatuba sobre a
epidemiologia da leishmaniose visceral canina:
Embora o município esteja vivenciando uma endemia de LV e parte dos seus animais
tenha sido sacrificada por este motivo, os ex-proprietários não se privam do direito
de terem cães como animal de estimação e guarda, comprometendo a eficiência da
eutanásia de cães positivos como medida de controle da LV. [Além disso,] a
renovação torna a população canina mais jovem e as implicações epidemiológicas
deste fato incluem maior suscetibilidade a diferentes doenças, maior prolificidade e
baixa resposta imunológica frente a diversas vacinas contra importantes
enfermidades, como por exemplo, a raiva. Portanto, a eutanásia, que deveria servir
como instrumento para diminuir a ocorrência da LVC, parece influenciar mais na
estrutura da população canina do que no seu tamanho, e as implicações
epidemiológicas resultantes de uma população canina mais jovem podem ser graves.5
4 WHO. World Health Organization. Expert Committee on Rabies: eighth report. Geneva, 1992. p.30-31
5 ANDRADE, Andréa Maria et al . Reposição de cães em área endêmica para leishmaniose visceral. In: Rev.
Soc. Bras. Med. Trop. , Uberaba, v. 40, n. 5, 2007. p.595
Dados do Município de Salvador, também podem ser utilizados como referência da ineficácia
da eutanásia:
TABELA 1. Situação da raiva no município de Salvador.
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
Casos de raiva Casos de raiva
humana
animal
04
03
04
1
18
14
1
43
1
45
-
07
Animais
vacinados
234.063
254.552
186.970
170.483
141.597
170.349
1 – 170.500**
2 – 170.310
1 – 159.951
2 – 159.371
Estimativa da
população canina
227.414
230.283
233.161
295.066*
315.038
319.554
324.030
334.195
Fonte: SMS/CCZ/SEIZO/SEVCD
*Mudança da estimativa. Antes de 2001 era 1:10 passando a partir deste ano a ser 1:8
**A partir de 2004 a vacinação passou a ser realizada em dois ciclos anuais.
A partir do ano de 2004, nesta cidade, os sacrifícios como medida de controle populacional e
o envio de animais para vivissecção foram interrompidos após a assinatura do Termo de
Ajustamento de Conduta celebrado entre o Ministério Público do Estado da Bahia e a
Prefeitura Municipal de Salvador, relativos aos maus tratos praticados pelo Centro de
Controle de Zoonoses (CCZ) de Salvador (BA)6. Desde então, a vacinação passou a ser
realizada semestralmente através do “programa casa-a-casa”, que realiza a vacinação maciça
nos bairros. Pela tabela 1, é possível observar que, os sacrifícios anteriores à existência deste
instrumento não serviram como medida de controle para evitar a explosão do número de casos
de raiva canina e a confirmação de três casos de raiva humana. Um dos possíveis fatores
responsáveis pela falha das ações de controle foi a redução da cobertura vacinal, constatada
nos anos anteriores. Com o início da nova estratégia de vacinação e com o fim dos sacrifícios,
o número de casos de raiva canina foi reduzido a zero em dois anos. Não existe registro de
casos de raiva em Salvador, desde o ano de 2006.
Alguns estados, como São Paulo, já reconhecem a ineficiência e a crueldade da matança
indiscriminada de animais. Prova disso é a sanção da lei estadual 1.2916/2008, pelo
governador do estado que trata do controle populacional e extingue a eutanásia como método
de ação.
Ainda que dados técnicos demonstrassem certo grau de eficácia dos programas aqui
estudados, não parece condizente com um Estado Democrático de Direito uma forma de
“profilaxia” baseada no extermínio indiscriminado de uma espécie animal (que tem sua
existência tutelada pela Constituição Federal), concomitante à possibilidade de agir de
maneira diversa para tutelar o mesmo bem jurídico: a saúde pública.
6 SANTANA, Heron José de; SANTANA; Luciano Rocha. In: Revista Brasileira de Direito Animal. – Vol. 1,
n. 1 (jan. 2006). – Salvador: Instituto Abolicionista Animal, 2006. p. 313-321
2. A ilegalidade da eutanásia em face do Direito Administrativo
Os programas de controle populacional e de zoonoses são atos administrativos, geralmente,
editados na forma de portaria ou decreto municipal e/ou estadual. Os dispositivos de tais atos,
incluindo o modo de execução, orçamento, dentre outros, são criados dentro de uma faixa de
liberdade decisória que a lei concede ao administrador, atribuindo-lhe certa margem de
apreciação subjetiva – discricionariedade - na aplicação das normas aos casos concretos.
Embora o termo “ato discricionário” seja utilizado para designar tais decisões da
administração, o que sugere a existência de uma aparente liberdade postulatória, mister
atentar para a relatividade do ato discricionário, como leciona o professor Celso Antônio
Bandeira de Mello:
Embora seja comum falar-se em 'ato discricionário', a expressão deve ser recebida
apenas como uma maneira elíptica de dizer 'ato praticado no exercício da apreciação
discricionária em relação a algum ou alguns aspectos que o condicionam ou
compõem'. Com efeito, o que é discricionária é a competência do agente quanto ao
aspecto ou aspectos tais ou quais, conforme se viu. O ato será apenas o 'produto' do
exercício dela. Então a discrição não está no ato, não é uma qualidade dele, logo não
é ele que é discricionário, embora seja nele (ou em sua omissão) que ela haverá de se
revelar.7
Filiando-nos à corrente do citado autor, considerando a discricionariedade apenas como a
possibilidade de avaliação do agente de alguns aspectos (medida, extensão, modalidades,
condições de expedição e conteúdo) do caso in concreto e tomando as expressões “ato
vinculado” e “ato discricionário” como similares e não antitéticas8, analisaremos os aspectos
vinculantes deste último. Não pretendemos fazer um tratado acerca do tema, nem esgotar o
assunto;nos restringiremos a estudar os aspectos que consideramos relevantes à defesa da tese
apresentada.
2.1 Princípios que regulam os atos administrativos
Apontar a ilegalidade de um ato, tomando como escopo os princípios jurídicos, certamente
não é dos caminhos mais confortáveis, dada a subjetividade dos mesmos. Apesar da
importância principiológica no ordenamento brasileiro, que os têm como um dos seus pilares,
parece faltar elementos objetivos para precisar sua extensão interpretativa.
Mesmo sob a égide da imprecisão, existe, claramente, a vinculação de todo e qualquer ato
normativo aos princípios jurídicos, não havendo sobre o tema, no que tange a seu aspecto
mais amplo, grandes divergências doutrinárias. Adotaremos como pressuposto ao
desenvolvimento das idéias aqui trazidas, uma vinculação orientada pelos campos de certeza
destes conceitos. As palavras que definem os princípios (legal, proporcional, razoável) trazem
consigo um campo de certeza positiva (do que se trata) e certeza negativa (do que não se trata)
e ninguém detém o poder de determinar arbitrariamente significado distinto do campo
semântico e ratificado pelo senso comum. Dito isto, com relação à discrição há uma anuência
deste trabalho com Bandeira de Mello no que diz:
7 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Discricionariedade e Controle Jurisdicional . São Paulo, Malheiros
Editores, 1992, pág.18.
8 ___________. “RELATIVIDADE” da Competência Discricionária. Revista Eletrônica de Direito do
Estado, Salvador, Instituto de Direito Público da Bahia, nº. 5, janeiro/fevereiro/março, 2006. Disponível na
Internet: <http://www.direitodoestado.com.br> Acesso em 13 de agosto de 2008. pág. 2.
A discricionariedade ensejada pela fluidez significativa do pressuposto ou
da finalidade da norma cingir-se-á sempre ao campo de inelimináveis
dúvidas sobre o cabimento dos conceitos utilizados pela regra de direito
aplicanda. Fora daí, não haverá discricionariedade, mas vinculação.9
2.1.1 Princípio da legalidade
Em sentido contrário ao que acontece no direito privado, na esfera do direito público, a
possibilidade de agir da administração está diretamente ligada à autorização ou imposição de
agir dentro dos ditames da lei. Tal princípio tem caráter vinculatório em sentido negativo e
também positivo. Segundo Pimenta Oliveira, “sem atribuição legal prévia, a Administração
não pode atuar, e quando a recebe, somente age para concretizar as finalidades albergadas na
norma de competência e no ordenamento jurídico como um todo sistemático e coerente que
baliza o poder.”10
No que tange aos atos administrativos discricionários, a legalidade aplica-se à margem de
liberdade concedida. Não há, por exemplo, a capacidade de escolha sobre quais aspectos do
ato decidir, os quais são definidos pelo dispositivo que delega a discrição, nem a possibilidade
de discrição fora dos limites da lei (extra legem), não importando se a finalidade é justa ou
moralmente lícita. Havendo algum tipo de afronta às leis, mesmo que não sejam aquelas que o
regulam diretamente, o ato será inválido. Trata-se de um princípio mais geral que traz em si a
necessidade de consonância com os demais princípios e a observância da inexistência de
vícios.
2.1.2 Princípio da razoabilidade e da proporcionalidade
O princípio da razoabilidade tem caráter estrutural. Aplica-se desde a atividade legislativa até
a aplicação do caso concreto. A constatação de legitimidade das decisões administrativas tem
a razoabilidade, como pressuposto obrigatório que vai além do conceito de racionalidade, uma
vez que não verifica apenas a adequação à norma vinculatória, como também as questões de
competência, de conveniência e oportunidade, sendo imprescindível ao administrador a
observação da razoabilidade para dispor da discricionariedade. Humberto Ávila destaca três
diferentes acepções de razoabilidade:
Primeiro, a razoabilidade é utilizada como diretriz que exige a relação das normas
gerais com as individualidades do caso concreto, quer mostrando sob qual perspectiva
a norma deve ser aplicada, quer indicando em quais hipóteses o caso individual, em
virtude de suas especificidades, deixa de se enquadrar na norma geral. Segundo, a
razoabilidade é empregada como diretriz que exige uma vinculação das normas
jurídicas com o mundo ao qual elas fazem referência, seja reclamando a existência de
um suporte empírico e adequado a qualquer ato jurídico, seja demandando uma relação
congruente entre a medida adotada e o fim que ela pretende atingir. Terceiro, a
razoabilidade é utilizada como diretriz que exige a relação de equivalência entre duas
grandezas. 11
9 _________. Op. Cit. págs. 31 e 32. Grifos do autor.
10 OLIVEIRA, Pimenta José Roberto. Discricionariedade e Razoabilidade. In: Revista Eletrônica da
Faculdade de Direito da PUC-SP. São Paulo, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Volume 1,
2008. Disponível na Internet: <http://revistas.pucsp.br/index.php/red/article/view/728/510> Acesso em 10 de
agosto de 2008. pág. 3
11 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios, da definição à aplicação dos princípios jurídicos. São Paulo,
As diferentes acepções do referido autor não se excluem e podem ser aplicadas ao mesmo
caso concreto. Para o jurista espanhol M. Atienza12, um ato é razoável quando “se possa
comprovar que a solução dada é conseqüência de uma exegese racional do ordenamento e não
fruto da arbitrariedade” e “quando logra um equilíbrio ótimo entre as distintas exigências que
são postas na decisão”. Estas duas afirmações sobre razoabilidade se encaixam perfeitamente
à análise fática deste escrito e serão utilizadas como sinônimos deste conceito.
O princípio da proporcionalidade está ligado aos meios utilizados para a consecução dos fins
dos atos administrativos. Estes meios devem apresentar-se de forma adequada, necessária e
proporcional. A legalidade dentro da razoabilidade se dá na medida em que as características
inerentes ao ato estejam consonantes com esta última.
Para que um ato administrativo seja válido de acordo com o princípio da proporcionalidade
devemos observar, nos meios de execução, a existência de certas características. A primeira
delas é a adequação que deve ser aferida observando se o meio utilizado promove
adequadamente o fim. Porém a adequação por si não é suficiente, há de se verificar a
necessidade do ato, ou seja, se para a tutela do bem jurídico em questão, aquela conduta é
mesmo indispensável, se não há outro meio menos gravoso, menos restritivo a outros direitos
que circunscrevem o fato. Por fim averiguar a adequação à “proporcionalidade em sentido
estrito”, ou seja, perceber se a execução da medida adotada (mesmo em caso de inexistência
de meio menos oneroso aos direitos) não traz mais desvantagens que a consecução do fim
almejado.
Apesar da separação conceitual, aqui destacada, e defendida por autores como Humberto
Ávila, entendemos que o limite entre a razoabilidade e a proporcionalidade é muito tênue e na
aplicação aos casos concretos sua separação é impraticável. Dito isto, adotaremos para fins
deste estudo, a razoabilidade e a proporcionalidade como um só conceito.
2.1.3 Princípio da Eficiência
O princípio da eficiência, assim como o da proporcionalidade diz respeito aos meios
executórios. Para alguns doutrinadores ela aparece apenas como “adorno” ao caput do artigo
37 da Constituição Federal. Para efeitos deste trabalho consideraremos a eficiência como
parte do princípio da proporcionalidade no que tange a adequação.
2.2 Análise do programa de controle populacional e de zoonoses à luz dos princípios
administrativos
Definidos os princípios a serem adotados, iniciaremos a análise específica dos programas de
controle enquadrados nos mesmos.
2.2.1 Princípio da legalidade
Relativo ao princípio da legalidade, o programa de controle com arrimo na exterminação dos
Malheiros Editores, 2005, 4ª ed., pág.45.
12 ATIENZA, Manuel. Las Razones del Derecho. Apud OLIVEIRA, Pimenta José Roberto.
Discricionariedade e Razoabilidade. In: Revista Eletrônica da Faculdade de Direito da PUC-SP. São Paulo,
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Volume 1, 2008. Disponível na Internet:
<http://revistas.pucsp.br/index.php/red/article/view/728/510> Acesso em 10 de agosto de 2008. pág. 32
animais errantes, afronta dispositivos constitucionais, contrariando o princípio da legalidade
administrativa no que tange a conformidade com o ordenamento, considerando que a
liberdade discricionária só existe intra legem. Dado que o artigo 225, § 1º, VII, determina que
sejam “(...) vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica,
provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.", qualquer ação,
mesmo que advenha do Estado, na pessoa do Administrador, é manifestadamente
inconstitucional. Não obstante sua inconstitucionalidade, a matança indiscriminada de animais
constitui conduta típica, consoante com o artigo 32 da Lei Federal 9.605/98 (lei de crimes
ambientais): “Praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres,
domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos”.
Se à administração pública é
impossibilitada a ação extra legem, incorrer em crime é algo absolutamente impensado. Há
ainda, nestas práticas, um flagrante vício de competência, considerando que a CF determina
que:
Art. 24 – Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar
concorrentemente sobre:
VI – Florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defesa do solo e dos
recursos naturais, proteção do meio ambiente e controle da poluição; (...)
Em se tratando de matéria de competência definida, os programas de controle de zoonoses
não poderiam ser definidos dentro da discricionariedade do Administrador e sim por lei
estadual ou federal. Assim sendo, o vício de competência determina a nulidade do ato.
2.2.2 Princípio da razoabilidade e da proporcionalidade
Duas das normas jurídicas elencadas no tópico anterior, transparecem a intenção do legislador
de tutelar a vida animal, concedendo-lhe o status de bem jurídico relevante. O recolhimento e
sacrifício de qualquer animal de rua, sem um critério determinado, instaura uma espécie de
eugenia, onde o “defeito genético” a ser eliminado é a falta de um local adequado para viver.
Considerando que a razoabilidade determina a consecução do ato sem afetar outros princípios
sobrejacentes, a prevenção baseada na aniquilação de animais de rua, não observa a vida
animal como um bem jurídico a ser tutelado. E mesmo sem considerar o animal como sujeito
de direito a possibilidade de agir de maneira diversa e menos gravosa, obriga o administrador
a optar por este método.
A criação dos programas de controle é subjacente à lei que institui como dever do Estado a
garantia da salubridade pública. Contudo, é necessário atentar “... na situação concreta se o
meio utilizado tem aptidão jurídica para alcançar, adequadamente, o resultado pretendido. Em
outras palavras, verifica-se, em primeiro lugar, se o conteúdo do provimento administrativo
mantém relação com o atendimento do fim.”13 Tomando tal critério como eixo para a
discrição administrativa, a mesma não se sustenta no caso em questão, pois, como
demonstrado neste trabalho, dados técnicos ilustram a ineficácia da eutanásia.
A exigibilidade de consonância com os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade
determina que “ a decisão deve estar em relação exata com os fatos, cuja natureza deve, com
exatidão, estar apta à justificá-la juridicamente. No caso do controle restrito, basta que não
13 OLIVEIRA, Pimenta José Roberto. Op. Cit., pág 18.
haja um desproporção manifesta. O importante é que a liberdade de apreciação subsiste, mas
ela deve usá-la de forma razoável.”14. Não fosse o vício de competência exposto , ainda assim
o ato seria nulo pela flagrante desproporção entre o fim alcançado, a restrição de direitos
causada pelo meio, pela falta de adequação do meio utilizado ao fim pretendido (os dados
técnicos citados no princípio deste artigo demonstram haver meios mais eficazes para o
controle populacional e de zoonoses), esta falta de adequação confunde-se com o princípio da
eficiência elencado no caput do artigo 37 da CF como um dos requisitos do ato
administrativos, pelo confrontamento com os dispositivos que vetam a utilização de meios
cruéis com animal e/ou a sua execução sem propósito. Poderíamos ainda, recorrer ao princípio
da economicidade, valendo-nos do 8º informe técnico da OMS que demonstra ser muito
menos onerosa a esterilização e vacina. Contudo, não é foco deste trabalho adentrar em
questões pecuniárias, por considerarmos a vida animal o bem jurídico mais importante a ser
tutelado nesses casos.
3. A ética aplicada aos programas de controle populacional.
Ao longo de todo o texto demonstramos a ilegalidade da matança de animais com o propósito
de controle populacional e de zoonoses, apresentamos dados que demonstram a maior
eficiência da esterilização e vacinação dos animais errantes, sendo, estas últimas “soluções”,
alternativas aos programas questionados. Entretanto, se tomarmos a ética como um supra
princípio, como um horizonte norteador do Direito e dos seus conceitos; adotando a mesma
sendo “a moral em realização, pelo reconhecimento do outro como ser de direito,
especialmente de dignidade. (...)” e tomando “ a compreensão do fenômeno Ética não mais
surgiria metodologicamente dos resultados de uma descrição ou de uma reflexão, mas sim,
objetivamente, de um agir, de um comportamento conseqüencial(..)”15, seria possível
considerar éticas a intervenção na vida animal, uma vez que os mesmos não têm
possibilidades de defesa, de expressão de sua volição? Se tomarmos a ética a rigor,
poderíamos, por simples presunção de superioridade, fazer uma seleção “anti-natural”
baseada unicamente nos nossos referenciais de bem-estar, de saúde pública, de certo e errado,
de bem e mal? Estes são questionamentos que a ciência jurídica não contempla, pois a mesma
tem por bases valores mais objetivos e antropocêntricos. Não abrange a seara deste artigo,
discutir tais questões filosóficas, embora consideremos imprescindível debates semelhantes a
esse para o aperfeiçoamento do Direito e a conseqüente aproximação de um ideal de justiça.
4. Conclusões articuladas
1 - Podemos dizer, que mesmo não sendo, os animais, doutrinariamente considerados sujeitos
de direitos, os dispositivos legais e os princípios jurídicos, em especial, os que regem o direito
administrativo, impedem que haja uma disposição, indiscriminada, da vida animal.
2 - A extinção de animais, ainda que com o propósito de assegurar a saúde pública, é
manifestadamente ilegal, por entrar em choque com a legislação que impede tratamento cruel
e extermínio de animais desarrazoadamente, este tipificado como crime.
3 - Os programas de controle eutanásicos vão de encontro a maioria dos princípios que
legitimam os atos administrativos, tanto pelos choque dos meios utilizados com a legislação,
como pela ineficácia dos mesmos. Somando-se a isso há um vício flagrante de competência,
14 CHAPUS, René. Droit administratif Général. Apud Op. Cit., págs.14-15.
15 MELO, Osvaldo Ferreira de. Ética e Direito . Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 812, 23 set. 2005. Disponível
em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7324>. Acesso em: 15 ago. 2008.
que somado aos anteriores, invalidam todo o programa, pela sua ilegalidade.
4 - Não obstante, todo um sistema normativo contrário às práticas estudadas, valores menores,
mas nem por isso de menor relevância, e teoricamente inerentes a todo ser humano como
amor, compaixão, ética, seriam suficientes para a defesa da vida, acima de qualquer outro
bem.
5. Referências Bibliográficas
ANDRADE, Andréa Maria et al . Reposição de cães em área endêmica para leishmaniose
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ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios, da definição à aplicação dos princípios
jurídicos. São Paulo, Malheiros Editores, 2005, 4ª ed..
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